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Da Ilha da Madeira à Itapira : percurso de famílias imigrantes portuguesas até as fazendas de café paulistas no final do século XIX
Nelly de Freitas*
No século XIX, com uma pressão demográfica aliada à demanda de mão de obra nas
indústrias, com a revolução nos transportes e o desenvolvimento econômico dos novos
continentes, a Europa viu desenvolverem-se e acelerarem-se os movimentos migratórios, com
claros impactos na evolução de sua população. Objeto de inúmeros estudos, a emigração
portuguesa não escapou à tais movimentos, que constituíram uma válvula de escape para as
tensões sociais e os problemas no campo (Vieira, 1988:264; Ferraz, 1994:85).
Apesar de suas relativas dimensões e população, a Ilha da Madeira – localizada nas
rotas marítimas, a 900 kilométros de Lisboa e 800 das costas africanas – representou,
juntamente com o arquipélago dos Açores, grande parte da diáspora portuguesa em termos
comparativos. A população da Madeira, em sua maior parte campesina, cresceu a um ritmo
constante num espaço limitado dando resultado a um dos números mais altos de densidade do
país em finais do século XIX1.
Cercada pelo Atlântico, alvo de graves crises agrícolas (sobre as crises agrícolas:
Corvo, 1854; Vasconcellos, 1876; Ribeiro, 1985; Branco, 1987; Nepomuceno, 1994 e
Câmara, 2002), em constante contato com os estrangeiros vindos para o turismo ou a
negócios, a população madeirense não hesitava em emigrar. Chamados pelos parentes, amigos
ou vizinhos já instalados no estrangeiro, os Madeirenses rumaram para lugares como
Demerara, Havaí e Brasil.
*Doutoranda em História sob orientação do professor Luiz-Felipe de Alencastro na Université Paris-Sorbonne. Banca de tese marcada para o dia 4 de Abril de 2013. 1 Apesar da desigual distribuição interna, o distrito do Funchal apresentava a segunda maior densidade de Portugal, vindo logo depois do distrito do Porto. Em 1864 ela era de 135.9 hab/km2 (sendo 147.7 na Madeira e 33.4 no Porto Santo) e em 1900, era de 184.8 hab/km2 (sendo 200.2 na Madeira e 54.8 no Porto Santo) (Rodrigues, 2004:31).
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Exatamente este último destino exerceu, desde o século XVI, uma forte atração sobre
os povos insulares. Desde os primórdios da colonização do território, lá encontram-se muitos
portugueses vindos dos arquipélagos atlânticos.
A chegada dos primeiros madeirenses foi ligada ao desenvolvimento da cultura da
cana de açúcar na colônia americana. Seguiram-lhes os aventureiros e os perseguidos pela
religião. No século XVIII, esses movimentos migratórios intensificaram-se com o apoio
oficial da Coroa portuguesa que, num objetivo de defesa do território brasileiro, enviou casais
insulares, dos Açores majoritariamente, mas também da Madeira, para o sul do Brasil (Rau,
1965; Piazza, 1999 e Santos, 2008).
Os fluxos migratórios de madeirenses continuariam no século XIX. No arquipélago
português, o contexto de crises econômicas regulares aumentava grandemente a miséria da
população, que via na emigração um meio para sobreviver. Do outro lado do Atlântico, o
processo de abolição da escravatura no Brasil e o crescimento da cultura do café na Província
do Rio de Janeiro, mas sobretudo na de São Paulo, provocaram uma evolução nas políticas de
imigração sobretudo em São Paulo onde a política de imigração subsidiado desencadeou as
entradas de estrangeiros no Estado, ainda que a forma de recrutamento dos emigrantes e as
condições na chegada originassem muitas vezes propagandas contra o fenômeno, então
chamado de “escravatura branca” (Vieira, 2004:18).
Mesmo se há uma vasta historiografia sobre movimentos migratórios de madeirenses
para certos destinos como Ilhas Sanduíches (Nordyke, 1989; Silva, 1996; Castro Caldeira,
2005) ou Guiana Britânica (Menezes, 1994; Ferreira, 2006; Ribeiro, 2006), e mesmo se já
existem bases de dados, ainda que genéricas, sobre o perfil demográfico dos madeirenses no
período (Rodrigues e Pinto, 1989; Oliveira, 1996), reflexões sobre o impacto das migrações
para alguns destinos (como para o Estado de São Paulo, Brasil) na demografia da ilha, bem
como análises sistemáticas de fontes estatísticas conhecidas ou ainda inéditas (como listas de
passaportes ou listas de passageiros mantidas no Brasil, entre outras) oferecem possibilidades
até agora pouco exploradas pelos historiadores demográficos sobretudo considerando que
durante muito tempo, a historiografia brasileira focava mais sobre a imigração italiana ou
japonêsa e, sobre os Portuguêses, os estudos tratavam mais do Rio de Janeiro (RIBEIRO,
3
1987; MENEZES, 1992, 1996, 2008), deixando pouco visibilidade aos emigrantes
madeirenses (TELO DA CORTE, 2002).
O trabalho a ser aqui desenvolvido faz parte de uma ampla pesquisa doutoral sobre o
impacto da evolução da emigração na segunda metade do século XIX e de medidas de
controle de população sobre a sociedade insular do Distrito do Funchal2. Nesse sentido,
seguindo o exemplo dos estudos sobre a emigração portuguesa nos Estados Unidos realizados
pela historiadora Maria Ionnis Baganha (BAGANHA: 1988) e convencida que a história dos
Madeirenses no Brasil podiam somente ser conhecida cruzando as fontes madeirenses e
brasileiras, pesquisas foram realizadas nos arquivos brasileiros nos Estados de São Paulo e do
Rio de Janeiro (arquivos estaduais e nacional) e nos da Ilha da Madeira onde foram levantadas
ainda desconhecidas e pouco trabalhadas listas de passageiros provenientes da Ilha da
Madeira.
Com objetivo de dar mais visibilidade aos emigrantes madeirenses, cuja história no
Brasil era “invisível”, segundo expressão utilizada no estudo da historiadora Andréa Telo da
Corte, por inserir-se muitas vezes na dos Portugueses (TELO DA CORTE, 2002: 18), foi
realizada uma base de dados à partir do cruzamento dessas listas distintas afim de analisar o
fluxo migratório madeirense em direção à um dos principais portos brasileiros no final do
século XIX, Santos, no Estado de São Paulo, entre 1886 e 1899. Esse método de cruzamento
de fontes nós permitiu, assim, de descobrir e seguir a trajetória de algumas famílias que da
Madeira se instalaram, depois de ter desembarcado em Santos, na cidade de Itapira no Estado
de São Paulo.
A cultura de café que, chegando do Pará se expandiu na província do Rio de Janeiro
até as terras paulistas, permitiu a criação e o desenvolvimento de cidades. Não escapando
desse contexto, é graças ao café, que o povoado de origem de Itapira, chamado então « Penha
do Rio Peixe » pude crescer e a economia se desenvolver. Nessa cidade nova, criada em 1858
(o nome de « Itapira » apareceu somente a partir de 1890), o espaço estava ocupado desde o
2 A lei de 25 de Abril de 1835 supprimiu as províncias e comarcas e a partir de 1836, com as Ilhas, Portugal foi divido em Distritos (17 no continente e 4 nas ilhas adjacentes, sendo o do Funchal para o arquipelago da Madeira) e Concelhos, chefiados respectivamente por governadores civis e administradores.
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século XVII por habitantes que cultivavam milho e cana de açucar (DE FREITAS, 2002). Em
1880, com a expansão do café, os trilhos da linha Mogiana chegaram finalmente e se
prolongaram até a cidade visinha de Mogi Mirim.
Além da população de origem, descendente dos Português, Índios e Espanhois, o
espectro da abolição da escravatura e a necessidade de mão de obra crescendo constamente
contribuíram à chegada, num primeiro momento, de família imigrantes alemães e depois
italianas e portuguesas (DE FREITAS, 2002). Na base de dados elaborada para a tese de
doutoramento, conseguimos descobrir que, entre 1886 e 1899, depois de ter passado pela
Hospedaria do Imigrante de São Paulo, 142 emigrantes madeirenses rumaram até essa cidade.
Nos trabalhos de doutorado, Itapira tornou-se um destino de interesse particular depois
da descoberta, quando da última viagem de pesquisa nos Arquivos Regionais da Ilha da
Madeira, de um documento permitindo completar as informações sobre alguns emigrantes
madeirenses. Enquanto as investigações estavam chegando ao fim e que pensavamos ter visto
o que precisava, um documento chamou nossa atenção. Era um artigo publicado no jornal « A
Tribuna de Itapira » e cujo título, muito evocador, não podia nos deixar impassível :
« Famílias madeirenses em Itapira » (DE FREITAS, 2002).
O autor, Charles de Freitas, revela pesquisas que conduzia fazia doze anos sobre a
história dessa cidade onde tinha nascido e, sobre a população. Depois de resumir a história de
Itapira e da Ilha da Madeira, o autor cujo antepassados vinham justamente dessa ilha
portuguesa, aborda o tema da emigração descrevendo a história de alguns emigrantes
madeirenses chegados na cidade no final século XIX. Assim, foi possível cruzar as
informações contidas nesse artigo com a base de dados elaborada a partir das listas de
passageiros saídos do porto do Funchal-Madeira a destino de São Paulo e, as listas dos
indivíduos chegados no porto de Santos e descobrir um pouco mais da história desses
emigrantes insulares.
• A família de Antonio de Freitas
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A presença no Brasil desta família, a do autor, data da viagem realizada por Antonio
de Freitas e Francisca Marques de Sousa de Jesus, ambos originários da freguesia do Faial no
concelho de Santana (costa norte da Ilha da Madeira).
Casados desde 1874, obtiveram um passaporte para o Brasil no dia 6 de Julho de 1888,
quando o chefe de família tinha 39 anos3. Com essa informação dada no artigo, nós referimos
à base de dados e achamos, para nossa maior satifação, a dita família. Como sublinhava
Charles de Freitas no jornal, Antonio embarcou no porto do Funchal no dia 7 de julho de 1888
no navio alemã Baltimore, com sua esposa Francisca e sete filhos : Manuel, Maria, Antonio,
Domingos, Christina, Antonia e Virginia, respectivamente de 11, 9, 7, 6, 4, 2 anos e a última,
de alguns meses. Uma sobrinha do Antonio, Maria de Freitas, 18 anos – filha da irmã Maria
Marques de Freitas e do cunhado António Gomes Garcês – fez a viagem com eles deixando
atrás dela os pais. Junto com essa família viajou também Maria Dionisia da Silva, uma tia do
Antonio de 53 anos.
Foi a primeira e única viagem.
Depois da travessia de vinte dias, toda a família desembarcou no porto de Santos, no
dia 28 de Julho do mesmo ano. O que o autor não indica no artigo, mas que podemos
confirmar, é que depois do desembarque, Antonio e os seus, subiram no trem da São Paulo
Railway até a Hospedaria do Imigrante do Brás-São Paulo, onde o chefe de família foi
registrado como sendo agricultor. Pelo contrário, o que nos ignoravámos quando construimos
a base de dados e que as pesquisas do Charles revelou, é o destino que seguiram depois de ter
saído da Hospedaria, Itapira, assim como a vida futura desses emigrantes madeirenses.
Foi na fazenda Engenho das Palmeiras, onde a cultura de café começou por volta de
1850, que a família instalou-se4. Logo após a chegada, um dos filhos do casal, Antonia (2
anos) faleceu, seguida um ano depois da irmã, Virginia. Nas terras paulistas, Antonio e
Francisca Marques tiveram sete otros filhos : Jesuína, José, Carolina, Luzia, João, Virginia e
3 Arquivo Regional da Madeira (A. R. M.). Processo de passaporte n. ° 76. Passaporte n. ° 1296, para Antonio de Freitas, Francisca Marques de Sousa de Jesus, os filhos entre os quais, Manuel, que tinha então 12 anos, e Maria, uma sobrinha. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=9061, consultado em Agosto de 2012]. 4[Disponível em http://www.sfreinobreza.com/FAZENDAS%20DE%20ITAPIRA.htm, consultado em Outubro de 2012].
6
Joaquim, respectivamente nascidos em 1890, 1892, 1895, 1896, 1898, 1901 e 1904. Esse fato,
revela bem o mantimento das tradições e das culturas da Madeira, onde a forta natalidade
dentro dos casais era uma caractérística importante. No começo do século XX, a família
deixou a fazenda Engenho e instalou-se na zona urbana, na Rua da Penha (DE FREITAS,
2002), onde Antonio faleceu no dia 6 de Março de 1934, seguido alguns anos depois, dia 4 de
Dezembro de 1943, por Francisca, depois de ter dedicado a vida toda à agricultura5.
Ilustração 1 – O casal Antonio de Freitas e Francisca Marques de Sousa de Jesus na frente da casa na rua da Penha – Itapira
Fonte : Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit., Foto sem data. Reprodução de
Paulino Santiago, arquivo do autor.
5 Apoiamos-nós também no blog de Sérgio de Freitas (primo em segundo graú de Charles de Freitas), que também fez pesquisa sobre essa família de Itapira. [Disponível em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012].
7
Manuel, o primeiro filho e bisavô do autor do artigo, partilhou a vida dele entre os
trabalhos agrícolas e o comércio. Segundo as informações colhidas, ele cuidava das fazendas
« Boa Vista » e « Tapera grande » administrando, no mesmo tempo uma loja de seco e
molhados6. Casado em 1903 com uma italiana, teve dez filhos dentro dos quais, Antero – avô
do autor – ele faleceu na mesma cidade, no dia 25 de Dezembro de 1958 (DE FREITAS,
2002)7.
Ilustração 2 – Manuel de Freitas na frente da loja que possuia na Rua da Penha-Itapira
Fonte : Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit., Foto sem data. Reprodução de
Paulino Santiago, arquivo do autor.
6 [Disponível em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012]. 7 O blog de, Sérgio de Freitas, citado previamente, faz referência aos filhos de Manuel, família direita de Charles e dele mesmo. Mais informações disponíveis em http://www.sfreinobreza.com/fram.html, consultado em Outubro de 2012].
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A maioria dos irmãos e irmãs de Manuel ficaram também em Itapira, demonstrando
assim uma mobilidade reduzida dos emigrantes depois do desembarque no porto de Santos.
Somente Maria e Christina parecem ter deixado Itapira no percurso da vida.
Efetivamento, Maria morreu na cidade de São Paulo em 1963, depois de ter casado,
em 1897, com um conterrâneo originário de Porto Moniz (costa norte da ilha da Madeira),
Manoel Gonçalves Lambaz8, com o qual teve catorze filhos. Relativamente a Christina, ela
morreu sem filhos em Londrina, no Estado do Paraná, depois de ter sido casada com o primo
Alberto de Freitas de Jesus – casado em primeira boda com uma das irmãs da Christina,
Jesuina, que morreu em 1912. Aqui, é possível notar a repitição de um outro aspeto da vida na
Madeira onde, por causa da tradição ou falta de oportunidade por causa da exiguidade do
espaço ou da emigração, os casamentos aconteciam dentro de uma área restrita. Essa tradição,
permaneceu no tempo pois, a historiadora Andréa Telo da Corte, estudando a imigração de
famílias madeirenses em Niterói – Rio de Janeiro no meio do século XX, fez também
referência à este tipo de laço quando relembrou a história de Maria Augusta dos Santos
emigrando no Rio de Janeiro com seu marido, que era um primo de primeiro graú (TELO DA
CORTE, 2002 : 173-174).
Finalmente, a propósito do destino dos dois otros irmãos embarcados na Madeira com
6 e 7 anos de idades, Antonio e Domingo permaneceram em Itapira onde casaram, em 1908
para o primeiro, 1913 para o outro e criaram família, sempre numerosas (cinco filhos para
Antonio, oito para seu irmão). Domingo morreu em 1956, e Antonio, em 1969.
A sobrinha de Antonio de Freitas, que saiu da Madeira junta, Maria de Freitas, ela
casou cinco anos depois de ter chegada em Itapira e teve nove filhos. Segundo o autor do
artigo, os pais dela, Maria Marques de Freitas e António Gomes Garcês, chegaram em Itapira
alguns anos depois da filha. Conseguiram tirar passaporte em 1912 o seja, 24 anos depois da
partida da filha9. Não conseguimos obter mais informações sobre a tia nem sobre os sete otros
filhos que Antonio e Francisca tiveram depois da chegada no Brasil. Sabemos somente que
8 Alguem, com um nome similar, também oriundo de Porto Moniz e viajando em 1895, foi encontrado na nossa base de dados. Entretanto, por causa de falta de informações sobre essa pessoa, não foi possível confirmar que era o mesmo indivíduo. 9A. R. M. Processo de passaporte n. ° 113. Passaporte n. ° 1163. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=27869, consultado em Outubro de 2012].
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três dentre eles passaram a vida em Itapira e que os otros morreram na cidade de São Paulo
(DE FREITAS, 2002).
Depois de ter apresentado o destino dessa família constituída pelo Antonio de Freitas,
o bisneto conta também o que aconteceu com um dos nove irmãos e irmãs do Antonio que
também fez a experiência, João de Freitas (DE FREITAS, 2002).
Casado com Maria Xavier de Freitas desde 1886, João obteve um passaporte para que
ele, a esposa e os três filhos (Cristina, 7 anos, João, 4 anos et Antonia, 3anos) pudessem viajar
até São Paulo em 1897. Efetivamente, encontramos-los nas fontes e na nossa base de dados10.
Segundo as listas de embarque, João era agricultor, tinha deixado o norte da ilha da Madeira
para morar na costa sul, em Tábua, no concelho de Ponta do Sol.
Subiu a bordo do navio francês Italie com a família no dia 31 de Março de 1897 antes
de desembarcar, em Santos, em 14 de Abril do mesmo ano, recrutado pelo contrato de 7 de
Março de 1897, assinado entre o governo do Estado de São Paulo e o agente italiano Angelo
Fiorita. Subsidiada, a família não pagou a viagem e, depois da estadia na Hospedaria do
Imigrante de São Paulo, rumou à cidade de Capivari, onde devia instalar-se na fazenda do
proprietário Nardi de Vasconcellos11.
Essas informações foram, por uma parte, contradita pela pesquisa de Charles de
Freitas o qual, em vez de confirmar a chegada da família no Brasil, indica a permanência do
casal na Madeira, onde Maria teria dado luz ao Manuel. Entretanto, mesmo se nos arquivos
regionais da Madeira não tem documentos comprovendo o nascimento dessa criança, sabemos
que o casal voltou na Ilha pois, em 1904, nasceu uma filha, Georgina12.
10 A. R. M. Processo de passaporte n. ° 141. Passaporte n. ° 33. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=17817, consultado em Agosto de 2012]. 11 Informações tiradas dos livros de matrículas da Hospedaria de São Paulo. 12 Georgina completou essa família numerosa. Os filhos do João e Maria Xavier eram : Maria, nascida em 27 de Fevereiro de 1887 ; José, nascido em 27 de Janeiro de 1889 ; Cristina, nascida em 21 de Setembro de 1890 ; João, nascido em 1° de Janeiro de 1893 ; Antonia, nascida em 11 de Novembro de 1894 e, finalmente, Georgina nascida em 30 de Julho de 1904. [http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/baptismospt/ClistaBaptismoslist.asp?x_Pai=jo%E3o+de+freitas&z_Pai=LIKE%2C%27%25%2C%25%27&x_Mae=maria+xavier+de+freitas&z_Mae=LIKE%2C%27%25%2C%25%27, consultado em Outubro de 2012]. Charles DE FREITAS. « Famílias madeirenses em Itapira »..., op. cit.,
10
Além de revelar a história dos antepassados dele, o autor do artigo relata também os
acontecimentos com otras famílias de emigrantes madeirenses que vieram se instalar em
Itapira no final do século XIX, como os Martins, os Cabeleiras ou os Caires, dos quais
podemos conhecer o percurso com mais detalhes cruzando as informações com nossa base de
dados.
• Família de João Pereira Martins
Nascido na freguesia do Faial (Santana-Madeira), João casou com Teresa de Freitas de
Jesus, da mesma cidade, em 1860. Antes da escolha da emigração, o casal morou um tempo
no Faial e depois se mudaram para a freguesia do Monte, no concelho do Funchal.
Segundo as fontes consultadas, confirmando assim as informações dadas por Charles
de Freitas, o casal tomou a decisão de deixar a ilha – ele tinha 50 anos, a esposa, 44 anos –
com os três filhos : Antonio, de 23 anos, Maria, de 24 anos, e Manoel, de 13 anos, juntos com
a cunhada do João, Antonia Candida de Jesus, então com 50 anos de idade. Depois a obtenção
do passaporte para São Paulo13, a família embarcou finalment a bordo do navio alemã
Hannover, no dia 7 de Janeiro de 1887. Também, não pagaram o transporte porque tinham
sido contratado pelas autoridades brasileiras, o agente tendo recebido para cada um, uma
subvenção de 80$000 réis. Desembarcados no porto de Santos após ma travesia de 17 dias,
em 23 de Janeiro de 1887, os Martins ficaram na Hospedaria de São Paulo antes de rumar até
« Penha do Rio Peixe » (chamada Itapira desde 1890).
Sem mais informações, seja sobre o filho Manuel ou a cunhada, o artigo de Charles de
Freitas indica que a filha Maria casou, em 1890 e na mesma cidade, com um Madeirense
originário de Boaventura (concelho de São Vicente, na costa norte da ilha da Madeira). Os
filhos dessa união casaram em Itapira com otros insulares (a filha com o Açoriano e o filho,
com uma Madeirense oriunda de Arco da Calheta, concelho da Calheta, na costa sul da ilha).
13 A. R. M. Processo de passaporte n. ° 49. Passaporte n. ° 1224. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=7417, consultado em Agosto de 2012].
11
• Família de José de Freitas Cabeleira.
Essa família viajou junto com os Martins, no navio Hannover, chegado em Santos no
dia 23 de Janeiro de 1887. Oriundo de Boaventura (concelho de São Vicente, costa norte da
ilha), José casou, em 1881, Quitéria Júlia de Freitas, víuva de Manuel Gomes Pereira mãe de
Manuel, Maria e Carlos (DE FREITAS, 2002). Dessa segunda união, nasceram Augusta e
Joaquina. Todos embarcaram com destino ao Brasil depois da obtenção do passaporte no final
do ano de 188614.
Igualment subsidiados (os pais tinham então 33 e 32 anos e os filhos, 11, 8, 6, 4 e 1
anos), passaram pela Hospedaria do Imigrante de São Paulo antes de seguir para o destino
final. Em relação a essa informação, as fontes indicam São Paulo como destino final enquanto
o artigo menciona Itapira. Esse fato aponta as dificuladades enfrentadas pelos pesquisadores
para saber se a indicação de « São Paulo », nas fontes, queria dizer a cidade ou o Estado (DE
FREITAS, 2002).
Continuando seu relato, Charles indica que José morreu em Itapira no dia 21 de Abril
de 1921 e Quitéria, em 23 de Maio de 1905. Também, sempre segundo o Charles, a filha
chamada Augusta casou nesta cidade, em 1899, onde morreu em 1958, assim como a otra
filha, Joaquina, casada em 1904 e falecida em 1980. No Brasil, o casal teve otros filhos:
Balbina de Freitas, cresceu e viveu em Itapira até falecer em 1958, e José de Freitas, nascido
em 1895.
Os três filhos do primeiro casamento de Quitéria instalaram-se igualment em Itapira :
Carlos faleceu no ano após a chegada, em 1888, e Manuel casou-se com uma conterrânea de
Estreito de Câmara de Lobos em 1893. Em relação à Maria, não conseguimos mais
informações.
Alguns mêses depois da partida do Hannovre para Santos no começo de 1887, foi no
Berlin que viajaram uma otra família indicada por Charles de Freitas, a de Manuel de Caires.
14 A. R. M. Processo de passaporte n. °125. Passaporte n. ° 1142. [Disponível em http://armdigital.arquivo-madeira.org:81/bds/passaportespt/CListaPassapview.asp?CF3digoPas=7338, consultado em Agosto de 2012].
12
• Família de Manuel de Caires
Originária de Gaula, concelho de Santa Cruz, onde nasceu em 1865, Manuel casou
com Justina de Jesus em 1886. Logo depois do nascimento do primeiro filho, Luiz, o casal
decidiu emigrar e tentar melhorar de vida no Brasil onde levaram também com eles, Maria da
Encarnação, 10 anos, irmã de Manuel e Antonia da Encarnação, sua tia, de 53 anos de idade.
A família desembarcou do navio Berlin em Santos em 2 de Março de 1887, e como os
precedentes emigrantes, passaram pela Hospedaria de São Paulo que deixaram para a cidade
de Ribeirão Preto, como informam as listas dessa instituição. Sem poder confirmar uma falha
nas listas ou se a família mudou de rumo depois de Ribeirão Preto, porque segundo o artigo
de Charles de Freitas, ela dirigiu-se rapidamente até Itapira onde, Justina, esposa de Manuel,
faleceu no dia 29 de Abril de 1887.
Víuvo, Manuel casou de novo no dia 17 de outubro de 1888 com a conterrânea, Maria
Cristina Corrêa, originária do Estreito de Câmara de Lobos, chegada no Brasil com os pais em
novembre de 1886 (DE FREITAS, 2002). Dessa união nasceu Virginia, falecida em Itapira
em 1955, Américo, nascido em Itapira na fazenda de Tapera Grande em 1897, Antonio de
Caires, nascido em 1901 em Itapira e falecido na cidade visinha de Mogi Mirim em 1990.
A história dessas algumas famílias não permitiu, infelizmente, tirar grandes conclusões
sobre a vida levada, do outro lado do Atlântico, pelos emigrantes madeirenses que deixaram o
espaço insular entre 1886 e 1899. Entretanto, com as semelhanças obervadas nas linhas acima
(natalidade importante, casamentos principalment dentro da comunidade madeirense e as
vezes com parentes mais ou menos próximos), é possível perguntar-se, se não era, finalmente
um modelo de evolução demográfica, seguido pela maioria desses insulares.
Além disso, é exatamente a tese apontada por Susana Caldeira na intervenção que fez
sobre a emigração madeirense no Havaí no Colóquio organizado na Madeira, em Novembro
de 2012, sobre o tema do papel das mulheres na diáspora insular. Nesta ocasião, Caldeira
sublinha a influência da figura feminina nesta «comunidade muito pouco permeável, por
13
exemplo, a nível dos casamentos, que eram entre madeirenses e, normalmente, entre
madeirenses católicos. Por isso é que hoje, o legado deixado pelos madeirenses no Havai é tão
visível ainda, porque foi um grupo que conseguiu manter os seus hábitos, costumes e
tradições durante muitos, muitos anos15 ».
BIBLIOGRAFIA
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United States 1820-1930, Thèse de Doctorat, Université de Pennsylvanie, Philadelphie, 1988.
BRANCO, Jorge Freitas. Camponeses da Madeira, as bases materiais do arquipélago, 1750-
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CÂMARA, Benedita. A economia da Madeira, 1850-1914. Lisboa: ICS, Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa, 2002.
CASTRO CALDEIRA, Susana Catarina de Oliveira e. Da Madeira para o Hawaii: a
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