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DA RECIPROCIDADE ENTRE A NARRATIVA PARTICULAR E OS CONCEITOS GERAIS: possibilidades pedagógicas do texto literário no ensino
de Filosofia e no exercício do filosofar
Valéria Arias - SEED PR e NESEF/UFPROrientação: Geraldo Balduíno Horn – UFPR/Educação e NESEF/UFPR
RESUMO
Este artigo apresenta as linhas gerais de um recorte de pesquisa em andamento, cujo objeto pode ser definido como uma tentativa de explicitação das possibilidades pedagógicas, para o ensino de Filosofia, da aproximação entre os conceitos gerais e abstratos, típicos das problematizações filosóficas e dos conteúdos e sentidos particulares, típicos das narrativas e das linguagens literárias. Apresentado como exigência para a conclusão dos estudos realizados sob as determinações Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), o texto apresenta uma síntese das teorias formuladas acerca do objeto, pensadas a partir da tradição do materialismo histórico; considerações e possibilidades gerais de tratamento didático a partir dessas formulações e alguns resultados provisórios dos momentos em que a proposta foi socializada para professores e especialistas. Palavras-chave: Filosofia, Literatura, filosofar, arte, particular, universal.
ABSTRACT
This paper presents the general lines of an ongoing research snippet, which object can be defined as an attempt to explain the pedagogical possibilities for Philosophy teaching, from the approach between general and abstract concepts, typical of philosophical problematization and the contents and particular meanings, typical of the narratives and of the literacy languages.It is presented as a requirement for the conclusion of the studies realized under the “ Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)” determinations of the Secretaria de Estado da Educação do Parana, the text presents a synthesis of formulated theories about the object, thought from the tradition of historical materialism; general considerations and possibilities of teaching treatment from these formulations and some provisional results of the moments in which the proposal has been socialized for teachers and specialists.Key words: Philosophy, Literature, philosophize, Art, particular, universal.
INTRODUÇÃO
As reflexões apresentadas neste artigo buscam exprimir parte do
percurso de pesquisa, cujo escopo geral é analisar de um ponto de vista
1
teórico-prático as possibilidades de aproximação, com finalidade pedagógica,
de duas linguagens distintas: a da Filosofia e a da Literatura.
Tal percurso é, em certo sentido, um recorte de pesquisa em
andamento, integrada ao rol de objetos de investigação do Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia (NESEF) vinculado à Universidade
Federal do Paraná (UFPR).
O recorte de pesquisa acadêmica mencionado passou por um processo
de adequação teórico-metodológica para que se integrasse, da forma mais
orgânica possível, às definições e objetivos do Programa de Desenvolvimento
Educacional – PDE, o qual se inscreve como uma política de formação
continuada dos professores da Rede Estadual de Educação do Paraná.
Transformado em objeto de estudo e “projeto de intervenção pedagógica”,
conforme terminologia do referido Programa, o recorte mantém a
intencionalidade do universo maior da pesquisa, uma vez que se identifica com
os esforços político-pedagógicos da efetivação da qualidade da educação
ofertada aos sujeitos da escola pública.
Por ser a autora, parte das equipes técnico-pedagógicas da SEED e,
portanto, com grande envolvimento nas proposições e implementações de
políticas e programas de formação de professores que atuam na Educação
Básica (EB), a opção teórico-metodológica de tratamento do tema de pesquisa
sob a égide do PDE, relaciona-se, também, com esse “lugar”.
O objetivo geral do estudo pode ser traduzido em reflexão, no bojo dos
fundamentos das estratégias de ensino de Filosofia, acerca das possibilidades
do recurso pedagógico voltado à reflexão do texto literário, com a finalidade de
que este integre o processo racional e dialógico de intelecção de conceitos
filosóficos e colabore com o aprofundamento e a qualificação do ato de
filosofar. A partir desta intenção mais geral, busca-se desenvolver as seguintes
mediações: (1) o estabelecimento de relações dialógicas entre o texto literário e
os conceitos filosóficos, presentes no currículo de Filosofia, considerando as
interfaces destas duas formas de conhecimento e expressão da realidade; e (2)
avaliação das possibilidades de inclusão de elementos estéticos no processo
pedagógico do ensino de Filosofia, com a finalidade da construção de sínteses
2
e movimentos de (auto) superação entre a fragmentação da realidade mediata
vivida pelo estudante e os elementos que a condicionam e a determinam,
tomados do ponto de vista da totalidade.
Dentro da perspectiva delineada, o tema de estudo, se interconecta com
o amplo universo das aproximações e tensões entre a Filosofia e a Literatura,
considerando-se, no entanto, como ponto de partida e como teleologia, as
aplicações pedagógicas do texto literário na práxis do ensino de Filosofia.
Após algumas reflexões que situam o objeto de estudo no espectro da
Educação Filosófica, apresentam-se argumentos, amparados em referenciais
teóricos e na prática pedagógica do ensino de Filosofia, que consubstanciam a
proposta. Na sequência, completando as ponderações, discorre-se sobre os
limites e requerimentos da mediação didática da proposta, apresentando-se,
inclusive, a título de exemplo, uma das possibilidades de encaminhamento
metodológico geral trabalhadas, depois de adaptadas às realidades
específicas, com estudantes e professores ao longo do percurso de pesquisa.
Por fim, elencam-se os momentos em que a proposta foi submetida à
discussão com professores e estudantes e indicam-se alguns resultados
dessas interações.
1 REFLEXÕES SOBRE O OBJETO DE ESTUDO
O projeto de estudo e aplicação apresentado ao PDE relaciona-se de
forma ampla à uma questão problemática antiga na tradição histórica do
Ocidente, a distinção e, o seu oposto, a identificação, entre Filosofia e os vários
gêneros da Literatura. Já em Aristóteles, mediante, principalmente, as análises
ético-políticas dos conceitos de mimesis e de catarse, encontram-se
problematizadas as interpelações, as fricções e as proximidades entre as
expressões literário-poéticas da produção filosófica e os conteúdos filosóficos
contidos no texto literário. Embora se relacione com a definição dos limites
entre Filosofia e Literatura, no âmbito da educação escolar, não se pretendeu
esmiuçá-la. Também não se objetivou empreender esforços para elucidar
questões identificadas à tipificação da estrutura semiótica e semântica dos dois
3
ramos. Este último tópico, sobremaneira importante para estudo que
pretendesse lançar luzes para a reflexão epistemológica e hermenêutica da
questão, mas não fundamental para o objetivo do presente estudo. Contudo, é
importante a menção, já que, embora as interações e oposições entre Filosofia
e Literatura sejam objeto recorrente tanto na tradição da crítica literária, como
na tradição filosófica, as análises propositivas que buscam, de alguma maneira,
mediar os arcabouços literários e filosóficos com vistas ao ensino são raras.
Há, por exemplo, inúmeras produções as quais, toma-se a liberdade de
denominar de comparativas, que se dedicam a analogias entre autores, obras e
correntes de pensamento de ambos os arcabouços. Tais análises, via de regra,
buscam demonstrar, pela comparação, a literariedade de determinados textos
e autores da Filosofia e/ou a presença de conteúdos e conceitos filosóficos em
determinados textos e autores literários. Ficando claro que este tipo de
aproximação não reverte necessariamente em contribuições para a educação
filosófica formal, mesmo que consista em problema de pesquisa para muitos
expertos das duas áreas, postula-se que a legitimidade do problema de
pesquisa contido nesta proposta está justamente em avaliar, na escola média,
as possibilidades pedagógicas do texto literário no processo do filosofar.
Filosofia e Literatura não são redutíveis uma à outra, não se superam
uma à outra, têm teleologias distintas uma da outra, não necessitam ser
comparadas uma à outra, mas, por outro lado, ambas são expressões do
conhecimento humano; ambas são saberes que aludem a determinado tempo
e espaço da realidade; as duas têm no texto escrito sua forma de comunicação
e, principalmente; ambas se fundem e se encontram na esfera da práxis
cultural. Mais que aproximações epistemológicas no plano da constituição dos
saberes, ou, ainda, as de caráter mais técnico, no plano da constituição
lingüística, a percepção das duas expressões discursivas sob a ótica da
história e da historicidade humanas é particularmente profícua.
Sendo assim, o diálogo pedagógico entre ambas, respeitados os
estatutos históricos que lhes identificam, não só é possível, como o é
mobilizador do ponto de vista da busca do conhecimento, como já mencionado
em tópico anterior. Ocorre que a compreensão significativa de conceitos
4
filosóficos não é, de forma alguma, elementar ou resultado de intuição
apriorística. Dito de outra forma, o ato de filosofar se faz a partir de conteúdos
que traduzem, ou, ao menos, prenunciam, uma compreensão mais profunda,
total e radical da realidade tomada como objeto desse ato. Esse processo, que
se caracteriza por ser expressão de um tipo peculiar de práxis, necessita de
estofo, de domínio do instrumental lingüístico, de exercício intencional de
racionalidade do sujeito que “filosofa”, nem sempre é fácil e nunca se dá de
forma automática ou espontânea.
A partir desse ponto, quando se consideram as limitações já conhecidas
dos estudantes da escola média brasileira, em geral, e paranaense, em
especial, é que a Literatura, como arte e como expressão de fenômenos,
contingências, sentimentos, interações humanas, pode contribuir
especialmente para, mediante a introdução de elementos estéticos,
incrementar a substância intelectual e o potencial de humanização do ato
pedagógico. A humanização aludida não é uma generalidade abstrata, nem
uma hipostasia da razão em relação aos sujeitos concretos do conhecimento,
como o termo parece sugerir. Entendida como potencialmente afeita ao ato de
aproximação, pela via da estética, entre o sujeito particular (indivíduo) e o
sujeito histórico, a humanização se faz como um processo práxico concreto.
Processo este, entendido, na tradição marxista, como o movimento de
superação da dimensão do particularismo alienado e fragmentado do
individualismo, mediado pela apropriação paulatina de si como gênero,
dimensão do que é inerente à condição antropológica propriamente humana. 1
Mediante a leitura e interpretação do texto literário combinada à
dialogicidade da aula de Filosofia e à análise atenta do texto filosófico – entre
outros recursos afeitos à característica rigorosa e crítica do filosofar–, sustenta-
se que se multiplicam as possibilidades de aproximação, de compreensão e,
1 Evidente que esta afirmação é uma simplificação. Note-se que a superação da alienação, constitui-se em processo complexo capaz de ultrapassar a reificação das relações humanas, transpassadas pela mercantilização de todas as esferas da vida. A conquista das mudanças qualitativas, das sínteses humanizadoras, passa, em Marx, por uma série de transformações de ordem econômica, envolve a luta de classes e, sobretudo, a organização da classe trabalhadora contra a exploração do valor por excelência, o trabalho vivo.
5
por fim, de autoconstrução crítica e humanizante do estudante de Filosofia em
relação aos conteúdos próprios desse saber.
O processo de educação filosófica formal, compreendido como ato ético,
político e como práxis, ao valer-se da linguagem estética presente na (boa)
Literatura em seus diversos gêneros, tem mais chances de realizar, dentro de
certos limites, segundo terminologia de LUKÁCS (2010) “o movimento do
homem inteiro” (der ganze Mensch), definido pela inserção pura e simples no
cotidiano multifacetado e fragmentário das relações sociais ao “inteiramente
homem” (der Mensch ganz), identificado ao (auto) reconhecimento intelectual e
emocional de sua condição inerente de gênero humano, cuja realização insere-
se como possibilidade e como projeto de transformação histórica nos planos
subjetivo e objetivo. Em suma, trata-se de uma perspectiva ontológica radical.
No dizer do Professor Leandro Konder:
Na fruição da arte os sujeitos têm a preciosa possibilidade de reabsorver algo daquilo que a humanidade (o sujeito genérico, interpretado pelos grandes artistas e escritores) pôs no mundo, na forma de criação artística, Quem não consegue incorporar significativamente nada do que a humanidade criou de melhor será, com certeza, um espírito limitado [...].(KONDER, 2009, p. 64)
De fato, mesmo não isenta de críticas, a possibilidade da Filosofia e da
Literatura serem, no âmbito pedagógico, tomadas conjuntamente a partir de
estratégias de ensino adequadas, é dada. Mais: tal esforço estratégico
comutativo não desmerece e não desfigura as características das duas formas
de conhecimento. Cada uma, como já dito, a seu modo, mergulham na
realidade que procuram explicitar ou revelar e arvoram abarcar sua concretude,
complexidade e dialeticidade. Ora, em última instância, o conhecimento e o
binômio interpretação/transformação da realidade constitui-se no grande
objetivo, não só da Filosofia mas, da educação como um todo. Assim sendo, a
leitura racional do real, nos moldes da Filosofia (“poética da inteligência
direcionada para a busca da verdade”) combinada a arte literária (“poesia
pensante”)2 podem contribuir para a alavancagem de uma alternativa estética
2 Expressões de Leonel Ribeiro dos Santos aludidas em vários textos consultados, entre eles SILVA, A. Almeida; op. cit. p.29.
6
para a superação dos vieses sociologizantes, apoiados num coletivismo
abstrato, ou psicologistas, apoiados em concepções demasiado
individualizadas, que têm norteado o pensamento pedagógico, além, é claro,
de conferir às aulas de Filosofia maior grau de intelecção conceitual e
propositividade crítica, entre outros elementos qualitativos relacionados à
circunscrição que a distingue de outras formas de conhecimento.
2 A LITERATURA E O FILOSOFAR
É sabido que a Filosofia, enquanto disciplina escolar presente nos
currículos das escolas médias brasileiras é, desde os tempos da Educação
Jesuítica, objeto de polêmicas pedagógicas, políticas e institucionais. Tais
polêmicas, bem como os diferentes espaços ocupados pela disciplina ao longo
da história da educação brasileira, não raro remetem-se a juízos contraditórios
acerca do valor, da cientificidade e da utilidade do saber filosófico para a
formação dos estudantes. Embora não ignore a difícil relação entre a disciplina
escolar de Filosofia e a educação formal institucionalizada, parte-se do
pressuposto, devidamente amparado em estudos especializados e práticas de
professores, que não só é possível o processo de ensinar e aprender Filosofia,
considerando seu estatuto peculiar e próprio, na escola média, como os
conteúdos filosóficos, enquanto tais3, são fundamentais para que os estudantes
alcancem patamares superiores de compreensão da realidade e, ao mesmo
tempo, da relação objetiva e subjetiva de si próprios como sujeitos dessa
mesma realidade.
Ao tratar-se do argumento de fundo aqui defendido, segundo o qual a
Literatura pode vir a constituir-se em recurso didático-pedagógico privilegiado 3 A terminologia “conteúdos filosóficos, enquanto tais” refere-se à expressão, também usada no presente texto, “Filosofia, enquanto Filosofia”, referida pelo Professor Emmanuel Appel (Departamento de Filosofia – UFPR). Esta expressão, segundo o próprio Professor, remete-se ao texto de sua autoria Filosofia nos Vestibulares e no Ensino Médio, datado do início da década de 1990. O termo não é uma figura estilística, o que seria um truísmo desnecessário, antes enfatiza e chama a atenção para a existência de inúmeros conteúdos, discursos e formas de análise do real que se intitulam Filosofia sem rigorosamente sê-lo, ou mesmo, se aproximarem dos caracteres elementares para serem considerados enquanto tais.
Documento disponível em http://www.filosofia.ufpr.br/public/pet02/emmanuel.pdf. . Acesso em 18/03/2011
7
para a educação escolar, em geral, e para o ensino de Filosofia, em especial, é
importante deixar claro de que viés se parte para consubstanciar este
pressuposto. Assim como existem discursos e concepções contraditórias e
variadas acerca do que seja a Filosofia na escola, existem inúmeras posições e
produções acerca de quais recursos pedagógicos seriam viáveis para seu
ensino. Defende-se aqui que, pari passu, à positividade da presença da
Filosofia, enquanto Filosofia, na escola média, é preciso tecer a crítica à
proliferação de recursos (ditos pedagógicos) textuais e imagéticos
conceitualmente vazios e/ou simplesmente superficiais do ponto de vista da
possibilidade hermenêutica, da validez científica e/ou da qualidade semântica e
literária. Sendo assim, o duplo objeto desta proposta: Filosofia e Literatura,
tratado do ponto de vista de suas interfaces a guisa da utilização pedagógica, é
claramente seletivo, na medida em que não se está aludindo ao exercício do
filosofar sem o rigor, a profundidade, a totalidade, a dialeticidade e a criticidade
que o caracterizam, nem tampouco, a quaisquer textos literários, e sim,
àqueles cuja qualidade estética e lingüística, permite identificá-los como obras
de arte cultural e poeticamente significativas.
Filosofia e Literatura, cada qual à sua maneira e especificidade, são
expressões do conhecimento e, também, produções humanas, e, por isso,
produções históricas. A grosso modo, a Filosofia, em linguagem descritivo-
denotativa, sistemática, explicita e propõe conceitos, os quais são mais
identificados à dimensão da universalidade. Já a Literatura, em linguagem
lírica, metafórica ou metarreferencial, poética, ficcional, exemplifica vivências,
situações e sentimentos, os quais são, geralmente, identificados à dimensão da
particularidade. As polissemias de ambas são relativas ao humano e ao que lhe
é constitutivo e, também, ao que lhe é instituinte: sua história e historicidade,
seus problemas, suas formas de organização política, seus dramas e sua ânsia
de transformação, etc.
Embora o argumento delineado acima uma tentativa inicial de
explicitação de aproximação entre o texto literário e o texto filosófico, o
caminho da elaboração de meios viáveis para a utilização pedagógica bem
sucedida da literatura para o aprofundamento da compreensão de conceitos
8
filosóficos ou de conceitos interpretados filosoficamente, não é isento de
dificuldades teórico - praticas. A começar pela tese, amplamente defendida,
que só é possível ensinar Filosofia a partir dela própria, ou seja, a partir dos
textos da tradição filosófica. Entende-se que, que embora o ensino de Filosofia,
entanto tal, não possa prescindir do texto propriamente filosófico, o texto
literário, também enquanto tal, pode e, historicamente tem se constituído, em
recurso a um só tempo elucidativo e de aprofundamento de categorias e
conceitos próprios da Filosofia. Em suma, considerando a Filosofia e a
Literatura, enquanto ramos específicos e não redutíveis um ao outro, a
proposta pretende contribuir, combinando o rigor da abordagem reflexiva e a
abertura ao novo da dialogia pedagógica, para a que os conteúdos da Filosofia
sejam mais bem internalizados e compreendidos pelos estudantes do Ensino
Médio, uma vez mediados pela linguagem literária.
Considerando que o “filosofar” é, em última instância, exercício
autônomo, assim como não se pode “administrar” (senão mediar) a relação
entre sujeito e texto na experiência estética da leitura, a proposta do uso do
texto literário no ensino da Filosofia, longe de um recurso facilitador dentro de
um método transmissional, é uma proposta que justifica-se enquanto
compreendida na esfera maior dos problemas da cultura burguesa
contemporânea, marcada pela fragmentação da experiência . Tal fragmentação
se reflete não apenas na dificuldade de comunicação entre as disciplinas no
currículo e nas definições pedagógicas acerca de conteúdos e métodos, mas
nas próprias aulas de Filosofia. Estas, a rigor, deveriam constituir-se em
experiências de reconhecimento e síntese entre a condição particular do
estudante e a realidade social em que ele vive, processo este que inclui, é bom
que se note, a negação e a crítica ao estabelecido. No sentido filosófico, o
reconhecimento de si, pelo sujeito, das interfaces entre a individuação e a
alteridade pode ser precipitado pela conferência de significado à realidade, ao
mesmo tempo em que se opera a percepção consciente de suas
determinações e respectivos efeitos objetivos e subjetivos. As aulas de
Filosofia deveriam oportunizar um tipo de reflexão tal que fosse capaz de
mobilizar o estudante a identificar criticamente significados do real que o cerca
9
e, ao mesmo tempo, se constituísse como “ busca sistemática dos significados
das aparências e numa arqueologia da sua situação individual, social, histórica
e política”. (LEOPOLDO E SILVA, 1993, p., 803)
Nesse processo, a mediação pedagógica que se busca nos textos
literários traduz-se em meios de reflexão que possam colaborar para a
formação filosófica dos estudantes, ao estabelecer uma forma de diálogo
subjetivo-objetivo capaz de motivar o constructo de um autoposicionamento,
pelo contato com as diferentes perspectivas (emocional, sensorial, metafórica),
não presentes explicitamente no discurso sistemático da Filosofia mas,
permitidas na verve e na experiência literária. Tal mediação, tem a
peculiaridade de propiciar elementos para a singularização do sujeito no interior
de um mundo plural e aparentemente caótico, além de ensejar-lhe
possibilidades de identificação (e opção) de diferentes modos de ser-no-mundo
e, principalmente, gerar maior capacidade de crítica e de decisão, a partir da
dupla compreensão da totalidade engendrada nos conceitos filosóficos e nos
significados que estes conceitos abarcam ao serem interpretados do ponto de
vista particularizado da arte literária. Ou, no dizer de LEOPOLDO e SILVA:
A reflexão filosófica e a experiência fictícia comunicam-se pela própria manutenção de suas diferenças; o abstrato e o concreto se interligam pela passagem interna entre a concretude do universal e a irredutibilidade absoluta do particular. (2004, p.18 )
3 POSSIBILIDADE DE MEDIAÇÃO DIDÁTICA
O, por assim dizer, modus operandi, da presente proposta, varia de
acordo com os conceitos filosóficos abordados, a receptividade e grau de
intelecção e dialogicidade da turma onde é desenvolvida. Esta proposta
também depende crucialmente da intimidade do Professor com o trato literário
e, sobretudo, da profundidade e grau de maturidade de sua formação filosófica.
Tal circunstanciamento, no entanto, não significa, em absoluto, que é
possível aprofundar quaisquer conceitos filosóficos a partir de quaisquer textos
literários. Aliás, é bom notar que uma das preocupações da autora é
10
justamente a proliferação de textos superficiais, pretensamente literário-
filosóficos com forte apelo midiático e cunho espetacular, muitos dos quais,
conforme constatação, utilizados como estratégias de ensino da Filosofia na
escola média brasileira e paranaense. (cf. nota nº 3)
A definição de quais recursos literários utilizar e em quais circunstâncias
orienta-se, segundo esta proposta, por dois pressupostos básicos: (1) Filosofia
e Literatura são expressões com identidades próprias e o diálogo estabelecido
entre as duas não pode, de maneira alguma, subsumir, aos olhos dos
estudantes, uma à outra; (2) A Literatura, independente do gênero (poético;
romance, em suas diversas acepções; épico) que se presta a realização dos
objetivos bem delineados da proposta, deve, necessariamente, ter o mérito
estético de permitir, ao mesmo tempo, a mobilização ético-racional e emotiva
dos sujeitos que vão, segundo seus repertórios, interpretá-la e a possibilidade
de extensão da particularidade de seu objeto. Dito assim, parece algo
extremamente abstrato, porém, à medida em que se passa a “fruir” as grandes
obras literárias, desenvolve-se o chamado “senso estético”, o qual, segundo
muitos autores, mobiliza e sintetiza no espírito humano, a um só tempo, suas
potencialidades intelectivas e intuitivas, tornando o processo uma experiência
rica de significados subjetivos e objetivos. Assim, independente da crítica
literária, o leitor experiente e com certo grau de erudição – qualidade que todo
professor de Filosofia tem ou deveria ter –, sabe – ou deveria saber–,
diferenciar obras de pouco valor literário, das boas e significativas produções.
Note-se, mais uma vez, que não se pretende reduzir o texto literário a, apenas,
recurso pedagógico, o que, por extensão, significaria conceber a Literatura
ramo auxiliar da Filosofia, mas de incluir possibilidades estéticas no ensino e
reflexão de conceitos filosóficos.
Por fim, ressalta-se que a leitura do texto literário, não é suficiente para
suscitar o resultado esperado. Além da seleção rigorosa dos textos literários e
filosóficos, de acordo com os conteúdos que se quer desenvolver, ao professor
cabe contextualizar os conceitos e autores abordados, estabelecer relações de
sentido envolvendo tais conceitos nos diversos planos da práxis humana e,
com esse “cimento”, provocar o debate. Este, por sua vez, será tão mais
11
qualificado, quanto, maior for a empatia, ou o “espanto” (usando a terminologia
platônica), ou, ainda, a contrariedade, enfim, quanto maior for a intensidade da
conexão, a princípio meramente emotivo-intuitiva, estabelecida entre leitor-
texto e, também, quanto mais elaborado for o repertório intelectual do professor
e dos estudantes. Na experiência estética, o valor do processo em si é tão ou
mais significativo que o resultado produzido, uma vez que se trata de duplo
movimento de subjetivação e objetivação, o qual não se pode pretender medir,
em termos quantitativos. Por isso, a avaliação, nesse caso, de maneira alguma
se presta a aquilatar quanto conhecimento se adquiriu, mas, antes, que grau de
envolvimento e de dialogicidade foi estabelecido entre leitor e texto
A seguir, para efeito de exemplificação, estrutura-se uma possibilidade,
já testada com êxito pela autora, de trabalho com uma combinação de textos
literários (os quais são transcritos) e filosóficos (apenas citados). Sustenta-se
que, a seleção literária é passível de, mediada pelo trabalho do professor,
provocar a experiência intelectiva e estética capaz de dar substância à reflexão
qualificada de conceitos e ao ato de filosofar e a seleção de textos tradicionais
é base suficiente para, promover a análise propriamente filosófica do tema
eleito, considerando a adequação entre a profundidade da abordagem e a
idade e grau de maturidade dos estudantes.
• Tema da aula: Historicidade.
• Conteúdos relacionados: Temporalidade; produção humana. Conceitos:
História e historicidade.
• Objetivo mediação pedagógica: situar em diversas perspectivas
histórico-temporais as ações humanas que podem ser depreendidas da
análise dos registros literários e filosóficos selecionados.
• Textos literários: os textos selecionados têm algo em comum: ambos
tratam de perspectivas de historicidade humanas. Porém, são
profundamente distintos tanto do ponto de vista literário, como dos
tempos e espaços nos quais a narrativa se dá. Houve, também, uma
preocupação com a questão dos diferentes repertórios pessoais dos
estudantes, o que, conforme já aludido, interfere na interpretação e, por
12
isso, a seleção apresenta tessituras com diferentes graus de sofisticação
semântica e lírica. Integram a seleção:
(1) o poema Cântico Negro, já clássico da literatura portuguesa do
Século 20, de José Régio, cuja natureza dramática e antagonista é
explícita;
(2) a crônica Precisa-se de Clarice Lispector, principal representante
feminina do modernismo brasileiro. Nesta crônica observa-se, com muita
intensidade, a marca da abordagem subjetiva, típica de estilo intimista
conhecido como fluxo de consciência;
(3) trecho da obra O Reino deste Mundo do escritor cubano Alejo
Carpentier, um dos mais eruditos e politizados representantes da
Literatura Latinoamericana e mundial. Carpentier é, por assim dizer,
criador do realismo mágico em moldes latinos. Na obra mencionada, o
tema é a revolução escrava no Haiti, ocorrida em fins do século 18.
• Textos identificados à tradição filosófica:
(1) Seleção de trechos da obra Dialética do Concreto de Karel Kosik;
Extratos do texto História e liberdade integrante da Parte IV: “Práxis” e
Totalidade.
(2) Aforismos de Nietzsche na obra Para Além do Bem e do Mal – Parte
IV: Aforismos e Interlúdios.
(3) Verbetes História, História da Filosofia, Filosofia da História – Obra:
Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano. 4
• Transcrições:
Texto 1: Precisa-se
Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-
4 A escolha é intencional. Trata-se de duas visões não convergentes e de um arrazoado conceitual formal: o niilismo carregado de Nietzsche; o materialismo, de certa forma otimista de Kosik, e a perspectiva enciclopédica do dicionário tradicional.
13
se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
Clarice Lispector
Texto 2: Cântico Negro
"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,Estendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom se eu os ouvisseQuando me dizem: "vem por aqui"!Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos meus olhos, ironias e cansaços) E cruzo os braços,E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:Criar desumanidade!Não acompanhar ninguém._ Que eu vivo com o mesmo sem-vontadeCom que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por ondeMe levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,Por que me repetis: "vem por aqui"?Prefiro escorregar nos becos lamacentos,Redemoinhar aos ventos,Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,A ir por aí...
Se vim ao mundo, foiSó para desflorar florestas virgens,
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E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vósQue me dareis machados, ferramentas, e coragemPara eu derrubar os meus obstáculos?...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,E vós amais o que é fácil!Eu amo o Longe e a Miragem,Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,Tendes jardins, tendes canteiros,Tendes pátrias, tendes tectos,E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;Mas eu, que nunca principio nem acabo,Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "vem por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou.É uma onda que se alevantou.É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vou,_ Sei que não vou por aí.
José Régio
Texto 3: Reino deste Mundo – trecho
Enquanto esperava seu amo na barbearia, Ti Noel olhava as cabeças de bezerro e imaginava a cabeça dos brancos servida ao lado, na mesma bandeja. Em sua imaginação, comparava o rei branco com o rei negro, pois o rei negro é que era um rei de verdade, capaz de ir às batalhas, sua virilidade capaz de fecundar as mulheres dando origem à verdadeiros príncipes. Mackandal, o mandinga que contava histórias de heróis africanos, de reis, falava sempre em São Domingos: local livre,
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onde os negros é quem iam mandar. Na moagem da cana, entre uma pausa e outra estava sempre a profetizar a vinda de um novo reino. Certo dia, durante a moagem, escuta-se os gritos, como estrondo de um trovão, vindo do engenho. O grito ecoou ao longe, até as colinas. Todos deixaram seus afazeres e correram em direção ao engenho. Quando chegaram, depararam-se com Mackandal puxando seu braço esquerdo que fora engolido junto com a cana. Mackandal após ter sua mão e parte do braço engolido pelas engrenagens do engenho foi mandado para o pasto, a fim de vigiar o gado. Às vezes Ti Noel desaparecia, pois fugia para conversar com Mackandal. Este, durante esse tempo, se ocupou de descobrir ervas e cogumelos venenosos. Um dia, Mackandal desapareceu. Seu amo, não se preocupou em gastar energia para procurá-lo, pois pouco valia um escravo com um braço a menos. Quem encontrasse o escravo "maneta" o avisaria; já era sabido que todo mandinga era desordeiro, demônio e revoltado e que escondia dentro de si um fugitivo em potencial. Para os outros escravos, se Mackandal já posava de herói, o respeito que lhe era atribuído crescera, pois fugir para as montanhas era o sonho de todos. O mandinga tinha alguém a quem confiar em cada fazenda da região, o que facilitou o seu trabalho” "O som dos sinos ecoavam sem cessar anunciando novas mortes. Os sacerdotes abreviavam o latim para atender as extrema-unções que sempre chegavam muito tarde. Tomados por medo de tomar água dos poços os colonos viviam embriagados pelo vinho, e açoitavam os negros em busca de respostas. Certa tarde, para livrar o traseiro de uma carga de pólvora, um negro acabou confessando. Disse que o mandinga Mackandal, eleito pelo povo de outra costa, para acabar com os brancos e criar um império só de negros em São Domingos, foi tomado de poderes extraordinários advindo de vários deuses superiores. Nessa mesma tarde organizaram uma caça a Mackandal". “Durante a cantoria, surge, da noite, a figura de Mackandal, o mandinga, o maneta. Ninguém o saudou. Malgas de águardente percorreram várias mãos até chegarem à uma só: a de Manckandal. Ti Noel via vestígios de animais dos quais se transformara. Algumas escamas de peixe, olhos puxados como certas aves, barba como pelos felinos, resquícios das roupas de animais por ele vestido para se livrar da pele de homem durante sua fuga. Puseram-se a aclamar a volta de Mackandal após anos de espera. Mas brancos também têm ouvidos, e armados com trabucos, pistolas e mosquetões capturaram Mackandal. Todos os negros foram levados por seus amos em direção à praça. Lenhas eram amontoadas ao pé de um tronco onde Mackandal seria executado. Os escravos eram indiferentes a tudo que estava acontecendo, isso deixava os amos irritados, mas de que sabia os brancos das coisas de negros?” “Armados de paus, cercaram as casas dos feitores, apoderaram-se das ferramentas, usando-as como armas e gritaram: "Morte aos amos, o governador, o bom Deus e todos os franceses do mundo." Impulsionados por instintos, saqueavam, matavam. Rindo e brigando, devastavam tudo que viam na frente”. “Os revoltosos haviam partido em direção ao Cabo. Por todos os
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lados viam-se fumaças, exaladas pelos incêndio provocado pelos escravos, atingirem as nuvens. Nada que tivesse vida escapou da fúria negra: plantações, pessoas e animais. O cheiro de carne queimada dos animais, a cena de horror dos corpos dilacerados. Os negros foram controlados, mas não antes de estuprarem quase todas as moças de família da planície. A ordem era que todos fossem executados, mas Lenormand de Mezy chegou ao Cabo em tempo de impedir que Ti Noel e mais doze escravos marcados com seu ferro fossem fuzilados, não por compaixão pelas suas vidas mas por não lhe restar nada mais a não ser os seis mil e quinhentos pesos espanhóis que valeriam esse escravos.
Alejo Carpentier
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo é, como toda produção no âmbito da educação ou da
Filosofia, ao mesmo tempo, um conjunto assertivo datado e aberto à novas
possibilidades. Nesse sentido, as várias práticas de ensino5 organizadas a
partir das suas linhas gerais e desenvolvidas com estudantes concretos do EM
paranaense, apontam para a necessidade da construção de mediações
didáticas que auxiliem o professor de Filosofia na tarefa de ensinar os
conteúdos curriculares da disciplina, respeitando sua inscrição própria. A
proposta, além de subsidiar a construção de materiais didáticos, os quais foram
discutidos e socializados a grupos de professores da Rede Estadual de
Educação, foi apresentada em alguns fóruns acadêmicos, cujas temáticas se
relacionavam com as questões do ensino na Educação Básica.
Ao desenvolver conteúdos de Filosofia tomando-se o texto literário,
segundo critérios aqui elencados, professores apontaram para dificuldades de
duas ordens: (1) as que dizem respeito à fragilidade da competência de leitura
de textos escritos em geral, o que, especialmente para os professores das
áreas ditas humanísticas e sociais, implica, segundo os docentes, em que não
se abandone a perspectiva da necessidade constante de formação para a
5 Referimo-nos aqui ao exemplo aqui mencionado e também, aos Planos de Trabalho Docente modelares presentes na Unidade Temática construída como parte das atividades do PDE e desenvolvidos pelos docentes da escola de referência.
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leitura em geral, independente da etapa de ensino em que se dê o processo
ensino-aprendizagem. Nessa categoria, a fragilidade dos professores também
foram mencionadas; (2) as que dizem respeito aos limites concretos das
escolas, as quais apresentam poucos recursos materiais e bibliográficos e
condições inadequadas de distribuição das cargas horárias. Dos nove
professores com formação específica em Filosofia que utilizaram a Unidade
Temática para desenvolver conteúdos básicos e específicos, quatro afirmaram
que se suas aulas semanais fossem concentradas, garantindo “tempos menos
interrompidos”, as aulas teriam mais qualidade e poderiam ser melhor
planejadas.
Como resultado de momentos em que a proposta foi apresentada em
espaços acadêmicos e institucionais6 para públicos formados em sua quase
totalidade por professores da Educação Básica e Superior, as contribuições se
concentraram na problematização de aspectos teóricos. Nessa seara, além da
resistência, típica da tradição metodológica analítico-estruturalista da Filosofia
acadêmica, em se admitir que as aulas de Filosofia transitem por gêneros
outros que não os textos de filósofos, a repercussão das exposições
concentrou-se nos seguintes pontos, a saber: (1) a necessidade de se
estabelecer melhor, tanto do ponto de vista prático, como teórico, elementos
referentes à recepção filosófica, segundo os termos da proposta de mediação
pedagógica entre as tipificações da apreensão dos conceitos abstratos da
Filosofia e sua relação com a apreensão dos sentidos das narrativas literárias;
(2) a necessidade de explicitação filosófica da síntese possível, no campo
pedagógico, entre as contribuições formativas da Filosofia e as da Literatura, a
primeira considerada enquanto atitude problematizadora do real dado e a
segunda como arte passível de caracterizar-se como universal.
6 Referimo-nos aqui a dois cursos ministrados pela autora para professores de Filosofia da Rede Estadual de Educação do Paraná, como parte da política de formação continuada da Secretaria de Estado da Educação e a três eventos acadêmicos, dois deles promovidos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um deles pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
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