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Daltro Alberto Jaña Marques de Oliveira
Vias de legitimação do ativismo judicial: omissões legislativas, mandado de injunção e diálogos institucionais
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Fábio Carvalho Leite
Rio de Janeiro Março de 2014.
Daltro Alberto Jaña Marques de Oliveira
Vias de legitimação do ativismo judicial: omissões legislativas, mandado de injunção e diálogos institucionais
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada:
Prof. Fábio Carvalho Leite Orientador
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. José Ribas Vieira Departamento de Direito - PUC-Rio
Prof. Rodrigo Brandão Departamento de Direito - UERJ
Profª. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de
Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 28 de março de 2014.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Daltro Alberto Jaña Marques de Oliveira
Graduou-se em Direito na PUC-Rio em 2006. É analista judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região – TRT/RJ.
Ficha catalográfica
CDD: 340
Oliveira, Daltro Alberto Jaña Marques de. Vias de Legitimação do Ativismo Judicial: omissões legislativas, mandado de injunção e diálogos institucionais / Daltro Alberto Jaña Marques de Oliveira; orientador: Fábio Carvalho Leite. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Direito, 2014. ix.; 161 f. : 29,7 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. Inclui bibliografia 1. Direito - Teses. 2. Ativismo Judicial. 3. Diálogos Institucionais. 4. Jurisdição Constitucional. 5. Mandado de Injunção. 6. Omissões Legislativas. 7.Judicialização da Política. I. Leite, Fábio Carvalho. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. III. Título.
À minha mãe (in memoriam). Por
tudo. Te amo pra sempre.
Agradecimentos
Agradecer é sempre um momento especial. Em primeiro lugar agradeço a
Deus, pois acredito na Sua existência como esta força superior que nos ajuda a
superar os obstáculos e os desafios que a vida nos impõe. Em segundo lugar
agradeço à minha esposa, Tatiana, meu grande amor, por estar do meu lado nos
bons e nos maus momentos, e por sempre ter me apoiado mesmo quando o estudo
me fez estar ausente. Agradeço imensamente ao meu pai, Daltro, pois se hoje sou
um homem de bem e se cheguei até aqui, devo isso ao seu amor e dedicação.
Deixo aqui, igualmente, meu muito obrigado ao meu orientador, Fábio Leite,
pelas valiosas críticas e sugestões, que me permitiram enxergar novos horizontes
para este trabalho, e assim lapidá-lo.
Agradeço muito, também, aos meus chefes (amigos) do Tribunal Regional
do Trabalho da Primeira Região: Dra. Giselle, Robson e Diane (Gabinete);
Adriana, Márcio e Cida (SJU-2). Sem o apoio, a compreensão e, sobretudo, o
companheirismo de vocês, eu não teria começado nem concluído o curso. Meu
obrigado também aos professores, funcionários e aos colegas de turma do
mestrado da PUC-Rio. Tenho muito orgulho ter cursado este seleto Programa.
Deixei, contudo, o agradecimento mais especial para o final. Quero
agradecer à minha mãe, Marlise. Tudo o que sou devo a você. Não há palavras
para descrever o quanto te amo, e o quanto sou agradecido por sua dedicação e
pelos sacrifícios pelos quais você, junto com meu pai, passou para que nada me
faltasse. Quando eu fui aprovado no mestrado, você sorriu e me abraçou, e me
disse que sempre soube que eu conseguiria. Queria tanto, mãe, agora, ao final
desse ciclo, receber de novo aquele abraço apertado e ouvir aquelas palavras
doces. Mas não será possível. Tudo bem. Eu sei que, onde você estiver, está agora
com aquele mesmo sorriso e feliz por eu ter chegado até aqui. E por você eu vou
muito além. Muito obrigado por tudo.
Resumo
Oliveira, Daltro Alberto Jana Marques de; Leite, Fábio Carvalho. Vias de legitimação do ativismo judicial: omissões legislativas, mandado de injunção e diálogos institucionais. Rio de Janeiro, 2014. 161p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A presente dissertação tem por objeto o estudo das vias de legitimação
democrática do ativismo judicial. Muito se discute no meio acadêmico,
doutrinário e jurisprudencial o papel, limites e possibilidades da revisão judicial,
mas pouco, ainda, se discute sobre o papel do judiciário diante de omissões
legislativas inconstitucionais – ou seja, quando o legislativo se furta a editar
determinado ato normativo, cuja edição a própria Constituição preconiza como
indispensável para a concretização de direitos.
Assim que, neste trabalho, analisaremos como o manejo do mandado de
injunção – “remédio constitucional” outrora relegado à importância secundária –
pode, atualmente, em face da evolução jurisprudencial consagrada pelo Supremo
Tribunal Federal, representar um caminho importante na concretização de tais
direitos e na realização de aspirações sociais. Tentaremos demonstrar que o
mandado oferece ao ativismo judicial legitimação democrática, devido ao
potencial que entendemos possuir de instigar e deflagrar diálogos institucionais
com os demais poderes e com a própria sociedade, de modo que a tomada de
decisão em questões de direito assuma um caráter consensual e não adversarial.
Palavras-chave
Ativismo Judicia; Jurisdição Constitucional; Diálogos Institucionais;
Mandado de Injunção; Direitos Fundamentais; Separação dos Poderes.
Abstract
Oliveira, Daltro Alberto Marques de Jana; Leite, Fábio Carvalho(Advisor). Routes of legitimacy of judicial activism: legislative omissions, writs of injunction and institutional dialogues. Rio de Janeiro, 2014. 161p. MSc. Dissertation - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation has as its study object, the process of democratic
legitimacy of judicial activism. There is a debate in the academic, doctrinal and
jurisprudential about the role, limits and possibilities of judicial review, but there
ain´t, yet, much discussions about the role of the judiciary in the face of
unconstitutional legislative omissions – it means, when the Legislature fails to edit
certain normative act, whose editing the Constitution itself recommends as
indispensable to the realization of rights. So, in this paper, we analyze how the
management of the writ of injunction - "constitutional remedy" once relegated to
secondary importance - actually can, regarding to the evolution of the
jurisprudence enshrined by the Supreme Court, represents an important way in
achieving such rights and the realization of social aspirations. We´ll try to show
that the writ gives to the judicial activism democratic legitimacy, due to the
potential we understand it has to instigate and spark dialogue with other
institutional powers and the society itself, so the decision-making process on
issues of law turns out to be consensual and not adversarial.
Keywords
Judicial Activism; Constitutional jurisdiction; Institutional dialogues; Writ
of Injunction; Fundamental Rights; Separation of Powers.
Sumário
Introdução ................................................................................................12
1 Ativismo Judicial e Jurisdição Constitucional ........................................17
1.1 Ativismo judicial ..................................................................................17
1.2 Jurisdição constitucional.....................................................................21
1.2.2 A nova hermenêutica constitucional: neoconstitucionalismo e pós-positivismo................................................................................................25
1.3 Ativismo judicial e jurisdição constitucional brasileira.........................39
1.4 Conclusões do capítulo ......................................................................44
2. Última Palavra e Diálogos Institucionais ..............................................46
2.1 A questão da “última palavra”.............................................................46
2.2. A última palavra pelas cortes ............................................................48
2.2.1. Argumentos favoráveis às cortes ...................................................48
2.2.2 Argumentos contrários ao parlamento ............................................49
2.3 A última palavra pelo parlamento .......................................................50
2.3.1 Argumentos favoráveis ao parlamento............................................50
2.3.2 Argumentos contrários às cortes.....................................................52
2.4 O caminho do meio: ausência de última palavra................................54
2.5 Diálogos institucionais, rodadas procedimentais e última palavra provisória: quando não existe vencedor...................................................55
2.5.1 Última palavra provisória .................................................................55
2.5.2 Diálogos institucionais .....................................................................56
2.5.3 Rodadas procedimentais.................................................................59
2.6 Diálogos institucionais: teorias ...........................................................61
2.6.1 Virtudes passivas x Virtudes ativas .................................................62
2.6.1.1 Bickel e o colóquio socrático ........................................................62
2.6.1.2 Sunstein e o minimalismo.............................................................66
2.6.1.3 Katyal e as virtudes ativas............................................................69
2.6.2 Constituição fora das cortes ............................................................72
2.6.2.1 Potencial interpretativo extrajudicial .............................................73
2.6.2.2 Constitucionalismo popular mediado............................................75
2.6.2.3 Sequência legislativa....................................................................78
2.7 Conclusões do capítulo ......................................................................80
3 O Mandado de Injunção ........................................................................82
3.1 Conceito .............................................................................................83
3.2 Origem................................................................................................87
3.3 Objeto.................................................................................................89
3.4 Procedimento .....................................................................................92
3.4.1. Competência para julgamento........................................................93
3.4.2 Legitimação ativa e passiva ............................................................97
3.4.3 Efeitos da decisão ...........................................................................99
3.5 Evolução jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal ...................102
3.6 Conclusões do capítulo ....................................................................114
4 Omissões Legislativas e as Vias do Diálogo.......................................116
4.1 Diálogos institucionais na realidade brasileira..................................116
4.2 Concretizando aspirações sociais ....................................................123
4.3 Participação popular no processo deliberativo do mandado de injunção..................................................................................................130
4.4 A “criação legislativa” pelo STF: inovação ou renovação?...............135
4.4.1 A resposta do Congresso ..............................................................136
4.4.2 De volta à revisão judicial..............................................................140
4.5 Conclusões do capítulo ....................................................................143
5 Conclusão ...........................................................................................146
6 Referências Bibliograficas ...................................................................152
Lista de Figuras
Diálogo se inicia e se encerra no Iinterior do Mandado de
Injunção 142
Diálogo se inicia no interior do Mandado de Injunção e passa
à Revisão Judicial 143
Abreviações
ADC – Ação Declaratória Constitucionalidade.
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
ADIN – Ação direta de inconstitucionalidade.
CRFB- Constituição da República Federativa do Brasil.
MI – Mandado de Injunção.
MS – Mandado de Segurança.
STF – Supremo Tribunal Federal.
STJ – Superior Tribunal de Justiça.
Introdução
O Brasil vive hoje um dos períodos mais notáveis de ativismo judicial em
toda sua história. Existe uma desconfiança geral da população em relação aos
membros do Congresso Nacional, os representantes do povo, sobretudo em
virtude dos escândalos de corrupção e das claras demonstrações de que, boa parte
dos políticos brasileiros, tem pensado antes nos seus interesses pessoais do que
nos interesses da sociedade. Casos como o do “Mensalão” – Ação Penal 470 –
apenas aprofundam o distanciamento entre os cidadãos e os parlamentares.
Em contrapartida, as esperanças sociais cada vez mais têm sido
depositadas sobre o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do judiciário
nacional, que tem enfrentado e decidido questões altamente relevantes sobre
direitos fundamentais. Na história recente, o plenário da corte foi palco do
julgamento de questões com grande repercussão, como união homoafetiva, aborto
de fetos anencefálicos e fidelidade partidária, dentre outras.
Todos esses temas possuem em comum o caráter eminentemente político
ou social, e por tal razão deveriam, a priori, ser tratados fora das cortes, seja pelo
Legislativo seja pelo Executivo, mas tanto num caso quanto noutro, fato é que não
caberia ao Judiciário, a princípio, neles se imiscuir.
Entretanto, na prática, observa-se que, efetivamente, há certas falhas no
nosso modelo representativo atual, não de caráter estrutural, pois a democracia
brasileira vive, desde a promulgação da Constituição da República de 1988, um
momento de razoável paz institucional. Contudo, nota-se que a população já não
confia plenamente nos seus representantes, pois invariavelmente, os interesses
particulares e os interesses partidários e políticos têm se sobressaído ao interesse
público.
Por conseguinte, cada vez mais, demandas de cunho social e político,
como aventamos, têm desaguado no Judiciário, sobretudo no STF. Obviamente,
nossa corte constitucional também não se encontra imune a críticas, as genéricas,
que atingem qualquer corte constitucional nas principais democracias mundiais –
principalmente as que dizem respeito ao déficit democrático e à dificuldade
13
contramajoritária1 – e as específicas, relacionadas com a personalidade, a
integração e a interação que há entre os ministros2.
Apesar das discussões e problemáticas postas em relação ao ativismo
judicial e à judicialização da política, fato é que ao juiz não é dado deixar de
julgar as demandas propostas. No caso das questões de envergadura
constitucional, e de cunho social e político, o desafio, portanto, é buscar meios de
legitimação para este agir mais proativo da corte constitucional – em última
análise, de legitimação democrática do próprio ativismo judicial.
Esta é a proposta do presente trabalho. Nas linhas que se seguirão,
estudaremos possíveis vias de legitimação democrática do ativismo judicial, e a
partir do mandado de injunção e dos diálogos institucionais, pois acreditamos que,
analisados conjuntamente, têm o potencial de afigurar-se como catalisadores
democráticos.
Inicialmente, deixamos claro que o estudo terá por enfoque a realidade
brasileira e o ativismo judicial praticado pelo Supremo Tribunal Federal. Partindo
dessa premissa, iremos analisar como o mandado de injunção – mecanismo
previsto na Constituição da República de 1988, no seu art. 5º, inciso LXXI, para a
efetivação de direitos fundamentos cuja fruição encontra-se obstada pela mora
legislativa – possui a potencialidade de deflagrar e estimular os chamados
diálogos institucionais, construção teórica que defende a resolução de questões de
direitos através da integração e do consenso entre os diversos atores sociais,
sobretudo entre a corte e o parlamento, considerando-se a longa celeuma existente
quanto a quem compete a última palavra sobre matéria de direitos fundamentais.
O objeto de estudo é complexo, pois há diversos elementos que devem ser
igualmente analisados para que sobre ele possamos discorrer com um mínimo de
1 Esta última expressão vem de Alexander Bickel, cunhada pela primeira vez no seu livro The Least Dangerous Branch: the Supreme Court at the bar of politics, em 1962: “The root difficulty is that judicial review is a counter-majoritarian force in our system. There are various ways of sliding over this ineluctable reality” (BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch:The Supreme Court at the Bar of Politics. Indianapolis: The Bobbs-Merril Company, 1962, p. 16) 2 Em interessante artigo, Conrado Hubner Mendes diz que os ministros do STF atuam como se fosse onze ilhas, não se engajando sinceramente no debate, de modo que decidem individualmente no conforto de seus gabinetes, e levam seus votos prontos e sedimentados para o julgamento. Ali, seus votos poderão convergir ou não, mas o fato marcante é que, o resultado do julgamento raramente será fruto de ampla, aberta e construtiva deliberação, mas sim do simples somatório dos votos. Muitas vezes, a convergência nos votos decorre de fundamentos diversos num mesmo sentido. Ou seja, não houve diálogo (MENDES, Conrado Hubner. Onze Ilhas. Folha de São Paulo, São Paulo, 01 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0102201008.htm>. Acesso em 17 de janeiro de 2014).
14
propriedade, tendo em vista estarem tais elementos atrelados indissociavelmente a
ele.
Por conseguinte, dividiremos a dissertação em quatro capítulos. No
primeiro, teceremos considerações sobre os conceitos de ativismo judicial e
jurisdição constitucional, pois obviamente tais conceitos encontram-se na base do
nosso estudo, já que o objetivo final é pontuar que, através do mandado de
injunção e dos diálogos institucionais, podemos encontrar um caminho
legitimador para o ativismo judicial e para a jurisdição constitucional.
Neste capítulo, ainda, falaremos sobre neoconstitucionalismo e pós-
positivismo, duas correntes teóricas que notadamente marcaram e têm marcado as
Constituições e as realidades constitucionais contemporâneas, sobretudo a partir
de meados do século passado, sendo resultado de uma revisão teórica sobre o
papel da Constituição, dos direitos fundamentais e da interpretação e aplicação do
direito, após os horrores da Segunda Guerra Mundial. Por fim, partindo dos
conceitos estudados, analisaremos a configuração da jurisdição constitucional
brasileira, para entendermos como, atualmente, tem sido conduzida aplicação do
direito constitucional no Brasil.
No segundo capítulo adentraremos no estudo dos diálogos institucionais.
Em primeiro lugar, traçaremos algumas considerações sobre a discussão acerca do
detentor da última palavra em matéria de direitos, estabelecendo – de maneira um
pouco sucinta, para não fugirmos muito do escopo deste trabalho – os principais
argumentos encontrados na doutrina contra e a favor da encampação da última
palavra pelo Judiciário, e contra e a favor da encampação pelo Legislativo.
Tal análise será importante para pautarmos a importância e a nossa
preferência pela via alternativa do diálogo – o caminho do meio – partindo da
premissa de que não existe última palavra, e que esta pode ser encampada por
qualquer um dos Poderes, mas apenas provisoriamente. Provisoriamente porque o
processo decisório sobre questões de direito é cíclico, envolve diversas rodadas
procedimentais, e através delas é possível haver o amadurecimento das soluções
para o caso posto, através de uma lógica não adversarial, mas consensual, onde
seja possível ouvir e ser ouvido, e se permita a participação das instituições, dos
Poderes e da sociedade civil na tomada de decisão.
Uma vez estabelecidos os conceitos de ativismo judicial, jurisdição
constitucional e diálogos institucionais, passaremos, no terceiro capítulo a estudar
15
o mandado de injunção. Há diversas obras, muito densas e esclarecedoras que
cuidam especificamente do tema, de modo que não queremos confundir a
proposta aqui aventada.
O mandado de injunção, com efeito, será estudado de maneira que,
estabelecidos seus conceitos básicos, possamos fixar os parâmetros que guiarão
nosso argumento no sentido de demarcar as vias de legitimação do ativismo
judicial, através dos diálogos institucionais que acreditamos são promovidos a
partir do seu julgamento.
Logo, no capítulo reservado especificamente ao mandado de injunção,
iremos estudar os principais elementos subjacentes a este mecanismo
constitucional tão importante, tais como origem, legitimação ativa e passiva,
competência para julgamento e procedimento. O aspecto talvez mais relevante,
contudo, será o estudo da evolução jurisprudencial do mandado de injunção no
STF, pois a corte ao longo das últimas décadas passou de uma postura acanhada
em relação aos efeitos da decisão proferida em sede de mandado de injunção, para
uma postura mais proativa.
Com efeito, esta mudança na sua jurisprudência e a configuração atual do
instituto é que servirão de base para o desenvolvimento da nossa limnha de
argumentação, no sentido da potencialidade do mandado de injunção de deflagrar
diálogos institucionais e, em última análise, de conferir legitimação democrática
ao ativismo judicial.
Enfim, após estudar, separadamente, ativismo judicial, diálogos
institucionais e mandado de injunção, no quarto e último capítulo iremos analisá-
los conjuntamente para e estabelecer o ponto-chave da nossa linha argumentativa.
Nesse contexto, tentaremos demonstrar como que o mandado de injunção, no seu
atual momento de aplicação pelo STF concretiza aspirações sociais através de um
processo legítimo e democrático de participação popular, de colóquio entre os
poderes e de tomada consensual de decisões.
Neste capítulo, exploraremos os caminhos trilhados pelo mandado de
injunção através dos quais o ativismo judicial encontra guarida contra os ataques
advindos dos déficits de representação, democráticos e das dificuldades
contramajoritárias. Tentaremos provar que não há qualquer violação à separação
dos poderes, ou mesmo usurpação de poderes ao se autorizar que o STF decida
16
determinada questão em sede de mandado de injunção, regulamentando-a e
aplicando a solução do caso concreto aos demais casos semelhantes.
Pelo contrário, o último capítulo suscita o debate e chama a atenção dos
operadores do direito para as potencialidades desse mecanismo constitucional tão
importante na concretização de direitos, direitos estes previstos pela própria
Constituição, e que durante tanto tempo foi subutilizado. Ao chegarmos ao final,
esperamos ter pontuado a reflexão de que o ativismo judicial tem muito a
contribuir para a paz social, e para a defesa das instituições democráticas e dos
direitos fundamentais, e que o mandado de injunção, através dos diálogos
institucionais que proporciona, é um mecanismo muito importante para alcançar
este desiderato.
1 Ativismo Judicial e Jurisdição Constitucional
O presente capítulo tem função introdutória. Aqui, iremos estabelecer os
conceitos e definições primordiais para o desenvolvimento do trabalho proposto.
Com efeito, o intuito do estudo é demonstrar que, na realidade brasileira, o
mandado de injunção se afigura como instrumento legítimo através do qual o
Supremo Tribunal Federal pode tomar decisões de cunho ativista, sem incidir nas
dificuldades contramajoritárias ou em déficits democráticos.
Ou seja, defendemos que na jurisdição constitucional brasileira, o ativismo
judicial praticado através do mandado de injunção propicia o diálogo
institucional, sem incorrer na prblemática da encampação da última palavra, na
medida em que permite ao STF tomar uma decisão que, numa determinada rodada
procedimental, embora represente a última palavra, faz com que esta seja somente
provisória, tendo ainda a potencialidade de chamar os demais atores políticos
envolvidos para o debate, bem como de permiti-los tomar decisões por conta
própria, em novas rodadas procedimentais.
Mas antes de adentrar no mérito da questão posta acima, alguns conceitos
necessitam ser explicitados: afinal, o que seriam ativismo judicial e jurisdição
constitucional? Estes são conceitos fundamentais para o decorrer deste estudo,
sem os quais não se pode avançar. Por isso, nas linhas que se seguem, passaremos
a destrinchá-los.
1.1 Ativismo judicial
Inicialmente, para podermos falar sobre ativismo judicial com um mínimo
de propriedade, faz-se necessário delimitar o sentido da expressão, determinar o
que significa “ativismo judicial”. Embora tal assertiva pareça
18
óbvia, em verdade esta digressão metodológica assume relevância a partir da
constatação, para a qual atenta Joana de Souza Machado3, de que existe na
literatura especializada vasta gama de definições para o termo, nem sempre
convergentes.
A partir da análise dos inúmeros e possíveis significados de ativismo
judicial, percebe-se que a tentativa de traçar uma definição exclusiva passa,
inexoravelmente, pela conformação histórica do instituto. Nesse sentido, iremos
explorar, basicamente, duas definições possíveis (porque nos bastam para os fins
colimados nesse trabalho), estabelecidas em pólos opostos, conceitualmente
falando, e que advêm da doutrina norte-americana.
Primeiramente, cumpre ressaltar que a literatura norte-americana é
percussora na análise do tema, notadamente porque, segundo coloca Conrado
Hubner Mendes, os estudos desenvolvidos tinham por escopo debater sobre a
dificuldade contramajoritária que a objeção democrática impunha ao
protagonismo que a Suprema Corte dos Estados Unidos passou a exercer na
decisão de questões relevantes de cunho social e político4.
Paulo Bonavides salienta, inclusive, que o ativismo judicial desenvolvido
pela Suprema Corte americana influenciou a construção teórica do conceito de
Constituição Material – assim considerada a Constituição feita de instituições
vivas e dinâmicas, que passam por um processo de constante acomodação e
reforço das realidades sociais – tanto que tornaram a Constituição dos Estados
Unidos, embora formalmente rígida, a mais flexível de todas as Constituições
escritas, pelo aspecto material. O autor chega a afirmar que, a história
constitucional dos Estados Unidos traduz, em sua maior parte, a história da
Suprema Corte e dos seus métodos de exegese da Constituição5.
3 MACHADO, Joana de Souza. Ativismo Judicial no Supremo Tribunal Federal. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro no ano de 2008, p. 10. 4 MENDES, Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação dos Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36. 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 102-103. Ressalte-se, apenas, segundo salienta o próprio jurista em comento, a contribuição do direito germânico na construção da matriz ideológica da Constituição Material, através de autores como Rudolf Smend, Carl Schmitt e Hermann Heller, que desenvolveram a teoria material desenvolvida por Ferdinand Lassale (Ibid., p. 101). Segundo Otto Bachof, a distinção entre Constituição material e formal, reside no fato de que, no primeiro caso encontramos uma norma qualificada essencialmente através de características formais, particularidades do processo de formação e da designação, com maior dificuldade de alteração, correspondendo, basicamente, ao
19
Até meados do século XIX e início do século XX, conforme salienta Luís
Roberto Barroso, a corte adotou postura proativa e conservadora, e atendendo às
demandas dos setores mais reacionários proferiu, por exemplo, decisões
favoráveis à segregação racial e que invalidaram leis de cunho social. Tal postura
chegou a gerar atrito entre a corte e o presidente Franklin Roosevelt, na década de
30, em virtude da mudança na orientação jurisprudencial contrária ao
intervencionismo estatal (um caso emblemático relacionado a este conflito foi
West Coast Hotel Co. Vs. Parrish, em 1937)6.
O período mais marcante desse ativismo judicial de viés conservador
praticado pela Suprema Corte norte-americana ficou conhecido como a “Era de
Lochner”7, quando inúmeras leis federais que tratavam de questões de caráter
social, e evidentemente intervencionistas, como dito, foram invalidadas. Cass
Sunstein, analisando o legado de Lochner, afirmou que em tal período o ativismo
judicial criou um direito constitucional completamente alheio aos reais ditames da
Constituição, tornando a corte, segundo ele, vulnerável e próxima da
ilegitimidade. Transcreve-se:
The Court is most vulnerable and come nearest do illegitimacy when it deals with judge-made constitucional law having little or no cognizable roots in the language or design of the Constitution. That this is so was painfully demonstrated by the face-off between the Executive and the Court in the 1930´s, which resulted in the repudiation of much of the substantive gloss that the Court placed on the Due Process Clause of the Fifith and Fourteenth Amendments8.
conteúdo global das disposições escritas da Constituição. Já no segundo caso, abarcam-se o conjunto das normas jurídicas sobre estrutura, atribuições e competências dos órgãos supremos do Estado, sobre suas instituições fundamentais e sobre a posição do cidadão no Estado. (BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Atlântida, 1977, p. 39). 6 BARROSO. Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 26.12.2013, p. 07. 7 O nome advém de um caso emblemático julgado pela Suprema Corte, em 1905, Lochner Vs. New York, quando se decidiu que a liberdade contratual estava implícita na cláusula do devido processo legal prevista na 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. O estado de Nova York havia estabelecido uma lei que limitava as horas que os padeiros podiam trabalhar por dia e por semana, tendo esta lei sido revogada pela Suprema Corte, por 5x4, ao argumento de que representava indevida e injustificável interferência na liberdade de contratar. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Lochner_v._New_York>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014. 8 SUNSTEIN. Cass. Lochener´s Legacy. Columbia: Columbia Law Review, v. 87, nº 05, 1987, p. 873.
20
Contudo, nas décadas seguintes, a corte trilhou caminho diametralmente
oposto, a partir da atuação do juiz da Suprema Corte Earl Warren, nas décadas de
cinqüenta e sessenta, quando foi Chief Justice (1953-1969). Sua liderança foi
marcada por decisões de caráter liberal, envolvendo direitos civis, sociais e
políticos, o que lhe rendeu críticas da ala conservadora norte-americana, inclusive
do presidente Dwight D. Eisenhower9.
Partindo da premissa de que a expressão “liberal” (definição que se
justifica pela contraposição em relação ao papel da corte durante a “Era de
Lochner”), usada para qualificar a postura da Suprema Corte sob a liderança do
juiz Warren e, posteriormente, do juiz Warren E. Burger (1969-1986) significa
uma postura política que preconiza um agir estatal voltado para a consecução de
direitos sociais e realização de políticas públicas, ao mesmo tempo em que
permite aos cidadãos buscar, individualmente, e com liberdade, seus objetivos e
planos de vida, formou-se a associação entre juiz liberal e juiz ativista10.
Não obstante, ainda no cenário norte-americano, o conceito de ativismo
judicial voltou a adquirir significação conservadora, mais precisamente a partir da
década de oitenta, quando assumiu a presidência da Suprema Corte o juiz William
Renhquist, em 26 de setembro de 1986 (tendo permanecido no cargo até 03 de
setembro de 2005), representando para os críticos, tal período, como de um
“ativismo de direita”11.
Seja num caso, seja noutro, existe um ponto em comum, que Joana
Machado chama de “núcleo rígido” na concepção de ativismo judicial, que reside
na ideia de que o ativismo judicial retrata certo excesso ou distorção no exercício
da função jurisdicional12.
Tal constatação acompanha a preocupação que, segundo Gustavo
Binenbojm pontua, foi lançada também a partir da doutrina norte-americana,
quanto ao grau de legitimidade que o juiz constitucional teria para impor suas
convicções e preferências morais sobre aquelas traçadas pelos governantes e
9 Barroso informa que, no período, a corte foi pródiga em proferir decisões favoráveis às causas raciais, sobretudo em relação aos negros (e.g. Brown v. Board of Education, 1954), às causas feministas (Richardson v. Frontiero, 1973) e de direito à privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965 e Roe v. Wade, 1973). (BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 07). 10 MACHADO, Joana de Souza. Op. cit. p. 17. 11 Ibid, p. 18. 12 Ibid. p. 21.
21
legisladores eleitos pelo povo. Como dito, é a chamada “dificuldade
contramajoritária”13.
De toda sorte, a discussão acerca da legitimidade democrática do ativismo
judicial será retomada mais à frente. Queremos, apenas, neste momento, deixar
claro quais são as duas principais concepções sobre ativismo judicial aqui
delineadas: ativismo judicial liberal e ativismo judicial conservador. Essa visão
dicotômica do ativismo nos basta para os fins pretendidos, e desde já podemos
adiantar que enxergamos no ativismo judicial praticado no Brasil o viés liberal
daquele desenvolvido por Warren e por Burger.
No próximo tópico delimitaremos nosso entendimento sobre o significado
de jurisdição constitucional. Ocorre que o maior ou menor grau de ativismo
judicial desenvolvido por uma corte constitucional está intrinsicamente ligado ao
desenho institucional da jurisdição constitucional na qual se insere.
1.2 Jurisdição constitucional
O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis desenvolveu-se nos
Estados Unidos, sendo o instituto do judicial review of legislation a mais
significativa inovação americana em relação à tradição inglesa, representando na
prática a superação do princípio da supremacia do Parlamento, pela supremacia
normativa da Constituição. Desde os tempos coloniais, o direito norte-americano
encampou as teses desenvolvidas durante o século XVII, por Edward Coke, na
Inglaterra, segundo as quais os juízes deveriam controlar a legitimidade das leis
votadas pelo parlamento, negando aplicação àquelas contrárias à common law14.
A doutrina norte-americana do judicial review of legislation se consolidou
nos EUA e se estendeu por diversas outras experiências constitucionais mundo a
fora, como no Canadá, Brasil, Argentina, Japão, Portugal, Noruega, Dinamarca,
Suécia, Alemanha e Itália.
13 BINENBOJM, Gustavo. Duzentos Anos de Jurisdição Constitucional: as Lições de Marbury V. Madison. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 28, outubro/novembro/dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-28-OUTUBRO-2011-RAFAEL-MAFFINI.pdf>. Acesso em: 26 de dezembro de 2013, p. 04. 14BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira – Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24, ps. 25-26.
22
Sendo estas, resumidamente, as bases teóricas que originaram o conceito
de jurisdição constitucional, passaremos, no tópico seguinte, a tecer comentários
mais específicos sobre o contexto de jurisdição constitucional no qual se insere a
brasileira, recorte que se impõe ante a abrangência do próprio tema jurisdição
constitucional.
1.2.1 Modelo teórico das Constituições do pós-guerra
A maioria das Constituições promulgadas após a Segunda Guerra Mundial
– dentre as quais se encontra a nossa Constituição da República de 1988 – são
representativas do chamado “modelo axiológico de Constituição como norma”,
segundo classificação de Paolo Comanducci. Nas palavras do autor, Constituições
como estas possuem as seguintes características:
a) la Constitución se sitúa em el vértice de la jerarquia de lãs fuentes y, además, modifica cualitativamente esa jerarquia (...) b) la Constitución ES um conjunto de normas (como em El tercer modelo). Sin embargo, no solo contiene reglas, sino también princípios, que son los que la caracterizan. Esos princípios no son formulados necesariamente de modo expreso, y pueden ser reconstruídos tanto a partir Del texto como prescindiendo de él; c) la Constitución tiene uma relación especial com la democracia, em um doble sentido: (...) la democracia como isonomia (...) la Constitución funciona necesariamente como limite de la democracia entendida como regla de mayoría; d) la Constitución funciona como puente entre él derecho y la moral (o la política) (...) e) la aplicacíon de la Constitucíon, a diferencia de la de la ley, no puede hacerse por El método de la subsunción sino que, precisamente por la presencia de los princípios, debe realizarse generalmente por médio del método de la ponderación o del balance15.
Constituições com tais características são dotadas de uma natureza
eminentemente substantiva, e estabelecem para a sociedade um “dever ser”,
segundo informa J.J. Gomes Canotilho. Diz o professor português,
A constituição normativa não é um mero conceito de ser, é um conceito de dever ser. Pressupõe uma ideia de relação entre um texto e um conteúdo normativo específico. O texto vale como lei escrita superior porque
15 COMANDUCCI, Paolo. Modelos e interpretación de la Constitución. In: CARBONELL, Miguel (org.). Teoría del neoconstitucionalismo. Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 53. A classificação de Comanducci possui, ainda, as seguintes divisões: (i) modelo axiológico de Constituição como ordem; (ii) modelo descritivo de Constituição como ordem; e (iii) modelo descritivo de Constituição como norma.
23
consagra princípios considerados (em termos jusnaturalistas, em termos racionalistas, em termos fenomenológicos) fundamentais numa ordem jurídico-política materialmente legitimada (...) a constituição normativa, para se qualificar como um conceito de dever ser, ou, por outras palavras, para ser qualificada como conceito de valor, não se basta com um conjunto de regras jurídicas formalmente superiores; estas regras têm de transportar “momentos axiológicos” corporizados em normas e princípios dotados de bondade material (garantia de direitos e liberdades, separação de poderes, controlo do poder, governo representativo)16. (grifos no original)
Konrad Hesse afirma, igualmente, que cabe à Constituição estabelecer um
“dever ser” aos cidadãos, que a pretensão de eficácia da norma jurídica (e aqui já
coloca a Constituição como norma) somente será realizada se levar em conta
todas as variáveis existentes numa sociedade – as condições naturais, técnicas,
econômicas e sociais, além do substrato espiritual que se consubstancia num
determinado povo, quer dizer, as concepções sociais concretas e o conteúdo
axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a
autoridade das proposições normativas. Para Hesse, graças à pretensão de eficácia,
a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e
social17.
Este modelo constitucional pode ser considerado recente, representativo
das Constituições que surgiram nos últimos trinta anos, todas com um amplo
leque de temas inseridos no texto constitucional. O modelo evidenciado por
Comanducci coloca as Constituições contemporâneas como o norte interpretativo
para todas as demais normas do nosso ordenamento jurídico, apresentando regras
e princípios no seu texto e ambos com status de normas.
Além disso, tais Constituições detêm viés nitidamente democrático,
estabelecem uma ligação entre direito e moral e direito e política - a partir dos
princípios positivados e sua aplicação e interpretação, sobretudo através do
judiciário, e adotam métodos próprios como ponderação e razoabilidade,
diferentemente do exclusivo parâmetro da subsunção aplicado às leis.
Aqui, abrimos um parêntese para fazer um importante esclarecimento. Sob
este prisma das Constituições contemporâneas, que como a nossa contêm uma
larga pauta substantiva, percebe-se que o espaço de conformação da jurisdição
16 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. 11ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1130 e 1131. 17 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 15.
24
constitucional acaba igualmente alargado, o que limita os casos em que o agir da
Suprema Corte efetivamente representa um ativismo judicial.
Afinal, valendo-nos da percepção de Joana Machado, de que o ativismo
judicial significaria um excesso na atuação do juiz, na medida em que a própria
Constituição abre os caminhos e legitima este agir, não se pode, por óbvio, falar
em excesso, e de certa forma a classificação de ativismo judicial também resta
limitada. Segundo a autora, nem mesmo a judicialização da política estaria
indissociavelmente atrelada à concepção de ativismo judicial. A seguinte
passagem é ilustrativa nesse sentido:
Em face de Constituições como a brasileira, e de processos políticos que não se amoldam, minimamente, à idéia de uma autolegislação; intervenções substantivas passam a ser encaradas, ainda que provisoriamente, como regular exercício da Jurisdição Constitucional (...) Seguindo a trilha de Neal Tate, considera-se que a idéia de ativismo judicial seja independente a do fenômeno da judicialização da política. A judicialização da política, de acordo com Tate, ocorre apenas diante de condições que lhe sejam favoráveis, como a inefetividade ou desrespeito das instituições político-majoritárias (…) A presente pesquisa situa a judicialização da política (intervenções judiciais substantivas) como um fenômeno justificável a partir de peculiaridades constitucionais. Por outro lado, considera prática de ativismo judicial a tentativa da Jurisdição Constitucional de monopolizar os debates substantivos, sejam eles morais, políticos, ou, pautados em uma pretensa ordem objetiva de valores.18
Nesse diapasão, de fato podemos afirmar que muitos dos casos julgados
pelo STF não representam, propriamente, uma manifestação de ativismo judicial,
senão mera atuação à luz das possibilidades abertas à corte pela própria
Constituição. Por conseguinte, a rigor não se poderia falar em ativismo judicial
quando o STF julga o mandado de injunção, pois tal instrumento de efetivação de
direitos e a legitimidade atribuída à corte para regulamentar o caso concreto
através dele, advêm do permissivo contido no texto constitucional.
Não obstante tal constatação foi lançada, inicialmente, pelos próprios
ministros do STF, uma desconfiança acerca dos limites e possibilidades da
atuação da corte (notadamente no leading case MI 107), no âmbito do mandado
de injunção, no que atine à possibilidade de haver extrapolação de funções,
18 MACHADO. Joana. Op. Cit. ps. 51-52.
25
excesso por parte do judiciário ao regulamentar a questão no caso concreto e
violação do princípio da separação de poderes.
Em virtude disso, apesar das evidências em sentido contrário, por uma
opção metodológica, trataremos o julgamento do mandado de injunção – quando a
corte decide criar a norma – como mais um caso de ativismo judicial, mas
justamente para podermos tecer argumentos favoráveis à legitimação desse
suposto ativismo através do mandado de injunção, fazendo-o sob a ótica da
promoção dos diálogos institucionais.
1.2.2 A nova hermenêutica constitucional: neoconstitucionalismo e pós-positivismo
O modelo de Constituição acima narrado, como bem informa Joana
Machado, encontra-se atrelado à corrente teórica de hermenêutica constitucional
conhecida como neoconstitucionalista19. O neoconstitucionalismo desenvolveu-se,
primordialmente, após a Segunda Guerra Mundial, tendo como objeto de estudo
as Constituições que erigiram após este período histórico, caracterizadas por
extensa pauta substancial, conforme falávamos linhas atrás20.
No regime nazista as leis alemãs no período autorizaram a barbárie
perpetrada durante o holocausto, tendo sido aplicadas passivamente pelos oficiais
do regime, que ao serem julgados afirmaram, com frieza, que nenhum crime
teriam cometido, pois simplesmente, cumpriram a lei21. Luís Barroso descreve tal
19 MACHADO. Joana de Souza. Op. cit., p. 26. 20 Luís Roberto Barroso, didaticamente, informa os marcos histórico, filosófico e teórico do neoconstitucionalismo. O marco histórico, segundo ele, foi o constitucionalismo surgido após a Segunda Guerra, na Europa, que teve como principal referência a Constituição alemã de 1949, chamada de Lei Fundamental de Bonn (após diversas outras vieram, como a Constituição portuguesa de 1976, e a espanhola de 1978, além, é claro, da brasileira de 1988, dentre outras). O marco filosófico foi o pós-positivismo, do qual falaremos mais à frente. E o marco teórico se assenta em três grandes transformações que subverteram o conhecimento convencional, relativamente à aplicação do direito constitucional: o reconhecimento da força normativa da Constituição; a expansão da jurisdição constitucional; e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito [O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil]. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado –RERE, n. 09. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, março/abril/maio de 2007, ps. 02-05 . Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014). 21 A obra “Eichmann em Jerusalém”, de Hannah Arendt demonstra bem esse comprometimento dos oficiais nazistas com a lei, apesar das barbaridades por esta autorizadas. Em passagem do livro, a autora diz que o acusado, Adolf Eichmann, oficial do regime nazista,durante seu
26
período como um período de legalismo acrítico, e para ele, tal configuração de
aplicação do direito já não podia prosperar22.
Assim, a hermenêutica constitucional passou a adotar parâmetros
interpretativos mais complexos, tendo em vista a maior carga valorativa
contemplada nos novos textos constitucionais. O tradicional método da subsunção
e o dito positivismo acrítico, já não se mostravam suficientes, tendo surgido
outros mais adequados, como ponderação, proporcionalidade, razoabilidade, por
exemplo.
Cumpre salientar, sem adentrarmos por demais no mérito da discussão,
que há autores que discordam da tese de que o positivismo jurídico seria acrítico.
Noel Struchiner, por exemplo, afirma que o positivismo jurídico, a partir do
chamado positivismo ideológico (rótulo utilizado por Norberto Bobbio e Carlos
Santiago Nino), de fato representa a visão de que qualquer que seja o conteúdo da
norma do direito positivo, este tem validade ou força moral obrigatória, tendo os
sujeitos jurídicos e os juízes o dever moral de obedecê-lo, independentemente do
seu conteúdo23.
Por conseguinte, a premissa básica desse modelo de positivismo reside na
seguinte proposição: para que um determinado sistema normativo possa ser
chamado de direito, ou que determinada norma seja qualificada como jurídica, não
seria necessário passar pelo escrutínio de testes morais, bastando identificar as
suas fontes e não o seu mérito.
Esta seria, igualmente, a premissa básica do chamado positivismo
conceitual, que ele enxerga como o ponto em comum das teses defendidas por
autores exponenciais do positivismo, como Hart, Carrió, Raz, Alchourron e
Bulygin (contemporâneos), e Bentham, Austin e Kelsen. Pelo positivismo
julgamento em Jerusalém não apenas se declarou inocente, em relação aos crimes por ele cometidos, com também disse que se acreditava culpado perante Deus, mas não perante a lei, pois nos termos do ordenamento jurídico nazista, nenhum crime teria cometido. (ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalén: Um estudio sobre la banalidadel mal. 4ª ed. Barcelona: Lumen, 2003, p. 18). 22 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 324-325. 23 STRUCHINER, Noel. Algumas “Proposições Fulcrais” acerca do Direito: O Debate Jusnaturalismo vc. Juspositivismo. In: MAIA, Antônio Cavalcanti, et. al (org.). Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 406.
27
conceitual, o direito não deve ser identificado utilizando-se critérios valorativos,
mas sim critérios fáticos, empíricos e objetivos24.
Apesar dessas premissas ideológicas – que de certa forma corroboram as
críticas de Barroso – Noel irá dizer que essa é uma visão caricata do positivismo
jurídico, e que os principais nomes do positivismo jurídico contemporâneo não
acreditam que basta identificar as normas válidas, para que estas possam ser
aplicadas como justas e com força moral obrigatória. Muito pelo contrário.
Afirma Noel:
É bem verdade que os positivistas ideológicos aceitam a tese adicional que afirma que pelo simples fato de serem válidas as normas jurídica são automaticamente justas e possuem força moral obrigatória. Não obstante, as coisas não precisam ocorrer dessa forma. Alguns dos problemas que circundam a tese adicional do positivismo ideológico já foram apontadas acima e essa posição foi qualificada como uma caricatura do positivismo jurídico. Certamente nenhum dos expoentes do positivismo jurídico contemporâneo é adepto de tal concepção acerca do direito. Muito pelo contrário, a maioria deles acredita que não basta identificar quais são as normas válidas. Além de identificá-las, é necessário avaliá-las para decidir se devem ser aplicadas e seguidas. Para construir uma teoria capaz de dar conta da natureza do direito de uma maneira integral, não basta dizer que o direito é constituído por um conjunto de normas válidas. Também faz-se necessário investigar os aspectos filosóficos da questão acerca de como essas normas devem ser encaradas. Fazer isso significa ir muito além da tese do positivismo conceitual25.
Portanto, embora estejamos partindo do pressuposto ideológico, ainda hoje
predominante, de que existe uma clara contraposição entre neoconstitucionalismo
(e igualmente, como veremos, pós-positivismo) e positivismo jurídico, onde
aquele representaria a superação ou o aperfeiçoamento teórico deste, na medida
em que passaria a incluir na interpretação do direito, considerações de caráter
moral, faz-se necessário elucidar que esta não é necessariamente a única visão ou
a visão correta acerca dos conceitos desenvolvidos
Diferentemente, há autores que defendem que no positivismo jurídico, a
aplicação do direito também passaria, inexoravelmente, por considerações
valorativas e de caráter moral, e que não estaria, portanto, cerrada na pura e
simples aplicação da norma por ser válida, independentemente do seu conteúdo.
De toda sorte, Humberto Ávila afirma que o protagonismo do judiciário a
partir do modelo neoconstitucionalista, deve-se ao fato de que as Constituições do
24 Ibid, p. 409. 25 Ibid, ps. 412-413.
28
pós-segunda guerra trazem no seu bojo uma enorme quantidade de princípios, tão
ou mais numerosos do que as próprias regras ali expostas. Nesse contexto, a
aplicação dos princípios calcada na ponderação ao invés da subsunção, exige uma
análise mais individual e concreta do que geral e abstrata, e esse exame mais
acurado demanda uma participação maior do poder judiciário em relação aos
demais poderes26.
Luís Roberto Barroso informa que o positivismo filosófico falhou ao
estabelecer uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico, e na
pretensão de criar-se uma ciência jurídica, que, todavia, apartou o direito da moral
e dos valores transcendentes27.
Assim que, lado a lado ao neoconstitucionalismo, surgiu o pós-
positivismo, que ainda segundo o autor, é a designação provisória e genérica de
um ideal difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores,
princípios e regras – aspectos próprios da nova hermenêutica constitucional – com
a teoria dos direitos fundamentais, a partir do fundamento crucial da dignidade
humana28.
Flávia Piovesan afirma que a reaproximação entre ética e direito proposta
pelo neoconstitucionalismo deságua na consolidação da força normativa dos
26 ÁVILA. Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em 26 de dezembro de 2013, p. 02. 27 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Op. cit. p. 324-325. Segundo Norberto Bobbio, a doutrina positivista apresenta sete características principais, que ele chama de pontos ou problemas. São eles: a) quanto ao modo de abordar o direito, o positivismo considera o direito como um fato e não como valor; b) no que tange à definição do direito, o elemento central para defini-lo é a coação, de modo que o direito que vige em certa sociedade decorreria, exclusivamente, das normas que se fazem valer por meio da força; c) em relação às fontes do direito, o positivismo coloca a lei como fonte preeminente de direito; d) no que atine à função da norma, segundo a teoria da norma jurídica, esta é encarada como um comando imperativo; e) quanto ao ordenamento jurídico, considera-se, no positivismo, não a estrutura da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídica vigentes na sociedade; f) a sexta característica refere-se ao método da ciência jurídica, à interpretação, adotando-se a interpretação mecanicista, de subsunção do fato à norma,de modo que prevalece o aspecto declarativo do direito, sobre o criativo ou produtivo; g) por fim, a sétima característica diz respeito à obediência da norma, que prega a obediência absoluta da lei enquanto tal – representativo, nesse aspecto, é o aforismo “lei é lei”. Bobbio conclui, dizendo que o positivismo pode ser considerado sob três aspectos: um modo de abordar o estudo do direito; uma certa teoria do direito; e uma certa ideologia do direito. (BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999, ps. 131-134). 28 BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Op. cit., ps. 348- 349. Ressalte-se, apenas, mais uma vez, que há autores que discordam dessa posição, e afirmam que o positivismo jurídico tradicional não se encontrava, completamente, afastado da moral.
29
princípios – aspecto mais relevante do pós-positivismo – especialmente o da
dignidade da pessoa humana, e que tal conjuntura propicia, ademais, um
reencontro com o pensamento kantiano, com as ideias de moralidade, dignidade,
direito cosmopolita e paz perpétua29.
Isso porque, segundo a autora, para Kant as pessoas devem existir como
um fim em si mesmo e nunca como um meio, a ser arbitrariamente usado para
este ou aquele propósito. Assim sendo, em Kant a humanidade deve ser tratada na
pessoa de cada ser, respeitada a sua autonomia privada30. Nesse diapasão,
entende-se que a hermenêutica constitucional feita à luz dos princípios tem o
condão de aplicar o direito a partir das individualidades de cada pessoa,
rompendo-se com o legalismo acrítico que não raro gerava distorções e inversões
de valores.
Paulo Ricardo Schier alerta, contudo, que aquilo que a doutrina tem
designado como neoconstitucionalismo, a princípio, não substancia,
organicamente, uma nova teoria constitucional ou um movimento doutrinário. Na
verdade, seria mais um momento teórico no qual os constitucionalistas buscam a
superação dos modelos jurídicos positivistas e formalistas projetados ao discurso e
dogmática constitucionais, a partir de soluções mais adequadas para as questões
constitucionais diante da insuficiência de respostas do positivismo. Alerta, nesse
sentido, que nem sempre há convergência entre os diversos modelos do
pensamento neoconstitucionalista31.
Pode-se dizer que o pós-positivismo prega uma nova forma de aplicação
do direito, não mais concentrada exclusivamente nas leis, ou nas regras, mas
também levando em conta os princípios, sobretudo os princípios constitucionais.
Passa-se, por conseguinte, a atribuir aos princípios o status de verdadeiras normas,
que serão aplicadas pelos operadores do direito para dirimir os casos concretos.
Humberto Ávila, nesse contexto, ao traçar diretrizes para a análise e
aplicação dos princípios, considerando-os normas finalísticas que exigem a
29 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29. 30 Ibid. 31 SCHIER. Paulo Ricardo. Novos Desafios da Filtragem Constitucional no Momento do Neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 04, outubro/novembro/dezembro, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-4-OUTUBRO-2005-PAULO%20SCHIER.pdf>. Acesso em 27 de dezembro de 2013, p. 05.
30
delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de
comportamentos necessários a essa realização, sugere sejam seguidos alguns
passos, a saber:
a) especificação dos fins ao máximo, de modo que, quanto menos específico for o
fim menos controlável será sua realização;
b) pesquisar casos paradigmáticos que possam iniciar esse processo de
esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado
pelos comportamentos necessários à sua realização;
c) exame das similaridades, nesses casos, capazes de possibilitar a constituição de
grupos de casos que possam ter igual solução para o mesmo problema central;
d) verificação da existência de critérios capazes de possibilitar a delimitação dos
bens jurídicos tutelados e os comportamentos necessários;
e) verificação de outros casos que poderiam ter sido resolvidos com base no
mesmo princípio em análise32.
Jessé Torres Pereira Júnior informa, à luz do pós-positivismo, que os
princípios são aqueles que se deduzem do sistema da Constituição e das leis, ainda
que nelas não estejam escritos, mas não do voluntarismo pessoal do julgador,
embora perceba certa tendência para que a evocação de princípios dispense o
julgador de explicitar, na decisão, o raciocínio que formulou para concluir pela
superioridade de sua aplicação, em detrimento das normas ou das regras
positivadas. De qualquer forma, metaforicamente, assim define regras e
princípios:
A norma está para a bússola como o princípio está para as estrelas. A norma é uma medida de comportamento para se chegar a um destino, mas que se pode perder no caminho. O princípio é um valor, perene, fixo, certo, paramétrico, situado acima das normas, o norte confiável do sistema33.
Logo, o ativismo praticado pelo judiciário, atrelado à importância dada aos
princípios constitucionais, leva a uma aplicação do direito mais centrada na
Constituição do que na legislação, permitindo, pois, ao judiciário decidir questões
32 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios – da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, ps. 91-94. 33 PEREIRA JÚNIOR. Jessé Torres. Controle Judicial da Administração Pública: da Legalidade Estrita à Lógica do Razoável. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, ps. 62, 64 e 65.
31
da mais alta relevância, ainda que não detenham caráter meramente jurídico, mas
também político e social.
Diante do quadro acima descrito, percebe-se que, sob o prisma de uma
Constituição ampliativa, que versa sobre os mais distintos temas, conjugada com a
aplicação do modelo de interpretação constitucional pautado nas doutrinas
neoconstitucionalistas e pós-positivistas, cria-se um ambiente fértil de jurisdição
constitucional baseada num grau elevado de ativismo judicial, a partir da matriz
notadamente principiológica e valorativa dos novos textos constitucionais.
Nesse diapasão, estabelecidos os principais conceitos gerais sobre as
doutrinas neoconstitucionalista e pós-positivista, passamos a adotar um recorte
específico, para identificar na teoria desenvolvida por Ronald Dworkin –
considerada por alguns como uma “Teoria Geral da Decisão Judicial” – aquela
que melhor conseguiu delimitar o campo de atuação do juiz constitucional a partir
dessa ótica de aproximação entre moral e direito, à luz dos valores e princípios
constitucionais, e que notadamente influencia a jurisdição constitucional
brasileira, objeto do nosso estudo.
Dworkin desenvolveu sua principal obra, “Levando direitos a sério”
(Taking rights seriously), a partir da compilação de uma série de artigos através
dos quais buscava desconstruir a doutrina positivista, no que tange à aplicação do
direito, partindo de críticas direcionadas às teorias desenvolvidas por Herbert L.
A. Hart, um dos principais pensadores contemporâneos do positivismo.
O primeiro ponto de análise de Dworkin acerca da doutrina hartiana são as
Regras Primárias e as Regras Secundárias. Para Hart, Regras Primárias são
aquelas que concedem direitos ou impõem obrigações aos membros da
comunidade; as regras de direito penal que nos impedem de roubar, assassinar
etc., seriam um bom exemplo desse tipo de regra. Já as Regras Secundárias,
estipulam como e por quem aquelas regras podem ser estabelecidas, declaradas
legais, modificadas ou abolidas – ou seja, são regras sobre regras34.
Nessa Teoria das Regras de Hart, existem duas fontes possíveis que
concedem a autoridade de uma regra: ela pode ser obrigatória porque é aceita ou
porque é válida. Aceitação: uma regra pode se tornar obrigatória por ela ser aceita
34 HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 91.
32
como um padrão de conduta por um determinado grupo em suas práticas. E não
basta que o grupo se ajuste a um padrão de comportamento (como ir ao cinema
todo sábado à noite, por exemplo). Ao reconhecer a regra como obrigatória, os
membros desse grupo passarão a criticar o comportamento daqueles que não a
obedecem.
Validade: uma regra pode ser obrigatória também porque ela é válida, ou
seja, por ter sido promulgada de acordo com uma regra secundária que estipula
que regras assim promulgadas serão obrigatórias. Um contrato social, e.g., que
prevê que a aprovação de deliberações será tomada por uma maioria simples,
impõe que a deliberação aprovada se aplique a todo o grupo envolvido, não
porque todos, indistintamente, aceitam o que a maioria decidiu, mas porque assim
o contrato social estipulou.
Hart entende que comunidades primitivas possuem apenas regras
primárias, que se tornam obrigatórias tão-somente pela aceitação – e para ele, não
se pode afirmar que tais comunidades possuam um “direito”, por não ser possível
distinguir as regras jurídicas das regras sociais. Mas quando uma sociedade
desenvolve uma regra secundária fundamental, nasce um conjunto específico de
regras jurídicas, que devem deferência àquela regra fundamental e, assim, esse
conjunto de normas denota a própria idéia de direito. Ele chama essa regra
secundária fundamental de “Regra de Reconhecimento” – que pode ser simples ou
complexa.
Na maioria dos Estados de Direito, a Regra de Reconhecimento nos
conduz à Constituição, a norma fundamental que, diferentemente das normas que
lhe são inferiores (e nela encontram sua validade) é legitimada pela aceitação, pela
escolha fundamental que o povo daquela comunidade fez num momento inicial –
normalmente, no momento de formação da Assembléia Constituinte.
A ideia de norma fundamental nos remete, também, aos postulados
kelsianos de construção do ordenamento jurídico. Com efeito, assim afirma Hans
Kelsen:
Chamamos de norma ´fundamental´ a norma cuja validade não pode ser derivada de uma norma superior. Todas as normas cuja validade podem ter sua origem remontada a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem. Esta norma básica, em sua condição de origem comum, constitui o vínculo entre todas as diferentes normas em que consiste uma ordem. Pode-se testar se uma norma pertence a certo sistema de normas, a certa ordem normativa,
33
apenas verificando se ela deriva sua validade da norma fundamental que constitui a ordem (...) A procura do fundamento de validade de uma norma não é – como a procura da causa de um efeito – um regressus ad infinitum; ela é limitada por uma norma mais alta que é o fundamento último de validade de uma norma dentro de um sistema normativo, ao passo que uma causa última ou primeira não tem lugar dentro de um sistema de realidade natural35.
A crítica de Dworkin nesse caso reside no fato de que a aplicação do
direito, a partir dessas formulações de regras primárias e secundárias, culminando
na regra de reconhecimento, é tão-somente formalista, calcada na validade que
uma norma encontra na que lhe é logo superior e assim por diante, até chegarmos
à Constituição. Ou seja, a validade das normas, sob esse regime, não estaria
baseada no conteúdo de cada uma delas, ou na atribuição de conteúdos morais ao
próprio direito, mas apenas em que a regra primária possa encontrar seu substrato
de validade na regra secundária que a legitimou.
Dworkin salienta que, nesse ponto, os positivistas (mais precisamente
Hart) estão a desconhecer a importância de se considerar, também, os valores
morais e princípios que existem em toda sociedade, e que o direito é composto por
um conjunto de regras jurídicas e de princípios morais, princípios estes que não
são remissíveis a um critério de validade como o da Regra de Reconhecimento.
Por tal motivo, a Regra de Reconhecimento é tranquilamente aplicada aos casos
fáceis, de mera subsunção do fato à norma; por outro lado, como aplicar o direito
aos casos difíceis, onde a solução não está descrita na norma? 36.
Dworkin conclui que não é possível adaptar a versão de Hart do
positivismo, modificando sua regra de reconhecimento, para incluir princípios.
Assim, ele desenvolve o seguinte postulado: se nenhuma regra de reconhecimento
pode fornecer um teste para identificar princípios, por que não dizer que os
princípios constituem, em última instância, a regra de reconhecimento do nosso
direito?37
35 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª ed., 2ª tiragem. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 163. 36 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 3.ed. 2ª tiragem. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 69. 37 Cumpre salientar que, também no que tange à discussão Dworkin x Hart, há autores que entendem que Dworkin equivocou-se ao afirmar que na teoria de Hart não há espaços para princípios, ou para considerações de caráter moral, crítica que vai ao encontro daquela estabelecida contra os cânones do neoconstitucionalismo, como contraponto de um positivismo acrítico, largamente defendida no Brasil, como vimos, por Luís Roberto Barroso.
34
O problema é que, nesse caso, ter-se-ia de tentar enumerar todos os
princípios, tentativa que restaria nitidamente mal sucedida, pois os princípios são
incontáveis, controversos e se transformam com muita rapidez. Daí Dworkin irá
concluir que, se tratamos os princípios como direito, devemos rejeitar a primeira
doutrina positivista, pela qual o direito de uma comunidade se distingue de outros
padrões sociais através de algum teste que tome a forma de uma regra suprema38.
A partir dessa constatação, Dworkin desenvolve sua tese, partindo da distinção
entre regras, princípios e políticas (públicas).
Inicialmente, caracteriza a distinção entre princípios e regras como sendo
de natureza lógica – quer dizer, embora os dois apontem para decisões particulares
acerca da obrigação jurídica imposta, diferenciam-se quanto à natureza da
orientação que oferecem. Para ele, as regras são aplicáveis à maneira do “tudo ou
nada” – ou seja, ou os fatos se amoldam à ordem contida na regra, e assim ela é
válida, ou não se amoldam e nesse caso será inválida, pois não se trata de regra
aplicável à hipótese. Por mais que uma regra possa ter exceções, um enunciado
correto de uma regra levará em consideração essa exceção pois, do contrário, seria
incompleto.
Já os princípios não pretendem estabelecer condições que tornem sua
aplicação necessária. Pelo contrário, enunciam uma razão que conduz o
argumento em certa direção, mas, ainda assim, necessitam de uma decisão
particular. E sendo um princípio de direito, por relevante, deverá ser levado em
conta pelas autoridades públicas como se fosse uma razão que inclina numa ou
noutra direção.
A distinção lógica entre princípios e regras surge com maior clareza
quando consideramos que princípios não visam a definir os deveres específicos
que uma determinada obrigação acarreta, ou os direitos que alguém detém, mas
atribuem um grau mais elevado de consideração a um determinado direito ou
obrigação.
Ademais, os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a
dimensão do peso ou importância. Quando princípios se cruzam, não há uma
mensuração exata que define qual prevalece, de modo que o julgador ao resolver o
conflito terá de levar em consideração a força relativa de cada um, determinando
38 DWORKIN. Ronald. Op. cit. p. 70.05
35
qual tem maior peso naquele caso concreto. Já num conflito de regras, uma delas
deixará de ser válida. Tal solução será dada a partir de outras regras que definem
critérios de solução do conflito – como, por exemplo, os critérios cronológico, da
especialidade e hierárquico.
A partir da lição de Robert Alexy, um dos principais nomes no estudo da
teoria dos direitos fundamentais, e um dos percussores do chamado pós-
positivismo, podemos sintetizar a distinção feita por Dworkin entre princípios e
regras da seguinte forma: um conflito entre regras somente pode ser solucionado
se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o
conflito, ou que faça com que uma das regras seja declarada inválida, e extirpada
do ordenamento jurídico. Contudo, a colisão entre princípios deve ser solucionada
de forma completamente diversa. Neste caso, não será declarada a invalidade de
qualquer dos princípios em conflito, tampouco será introduzida uma cláusula de
exceção.
Já no embate entre princípios, um deles terá precedência em relação ao
outro, tendo eles pesos diferentes para situações diferentes. Assim, o conflito será
resolvido com base no sopesamento entre os interesses em jogo, prevalecendo
aquele que tiver maior peso no caso concreto. Tal sistemática, por conseguinte,
permite que, noutra situação, a ordem e o peso da relevância entre os princípios se
invertam e venha a prevalecer aquele que foi o “perdedor” já que, como foi dito,
nenhum dos princípios terá sido expurgado do ordenamento jurídico39.
Dworkin ainda diferencia princípios de políticas - policies (o que para nós
seriam as políticas públicas). Aqui, o autor se refere a um padrão que estabelece
um objetivo a ser alcançado, normalmente, uma melhoria social. Já os princípios
são um padrão que deve ser observado não porque vai promover uma melhora
social pontual, mas porque consiste numa exigência de justiça ou equidade40.
Uma vez estabelecida a distinção acima descrita, chegamos ao ponto da
teoria de Dworkin no qual ele estabelece os limites e possibilidades de agir do juiz
constitucional, a partir de três conceitos intrinsicamente interligados – casos
difíceis, poder discricionário e Juiz Hércules.
39 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, ps. 93-95. 40 Dworkin. Ronald. Op. cit. p. 36.
36
Em “Levando os Direitos a Sério”, Dworkin enumera e crítica os três
sentidos de discricionariedade judicial defendidos pelos positivistas. A
discricionariedade surge no momento em que se verifica que, no caso concreto, a
solução para a lide não encontra respaldo em nenhuma norma prevista no
ordenamento jurídico; são os Casos Difíceis. Nesses casos, Dworkin diria que a
solução deveria decorrer dos princípios. Contudo, para ele, o poder discricionário
do juiz, pregado pelos positivistas, não teria qualquer conteúdo moral ou
principiológico.
Resumidamente, sobre os três sentidos de discricionariedade, pode-se dizer
que há um “primeiro sentido fraco”, onde qualquer um é chamado a agir sob
certas diretivas que não podem ser aplicadas mecanicamente e que, por isso,
exigem o uso da capacidade de julgar. No “segundo sentido fraco”, alguém tem o
poder de tomar uma decisão definitiva, ou seja, uma decisão em última instância,
não passível de ser revista por nenhuma autoridade superior. E no terceiro caso,
temos o “sentido forte”, no qual as decisões de um determinado agente não se
vinculam a nenhum critério explicitamente previsto – embora possa haver
critérios implícitos. Neste último caso, segundo Hart, teríamos normas com
“textura aberta”41.
A crítica principal de Dworkin se volta para o sentido forte, por reconhecer
que nos demais sempre existirá um contraste possível, um critério de julgamento.
Contudo, a partir do momento em que não há critério algum para seguir, o juiz
tem de inventar um, mas não necessariamente partindo de princípios. Por isso ele
entende que a teoria de Hart, ao defender a discricionariedade no seu sentido forte,
padece, pelo menos, de dois defeitos: um descritivo, por não descrever
corretamente o direito existente (falta-lhe perceber os princípios), e outro
normativo, pois haveria ali um agir criativo por parte dos tribunais, o que torna as
decisões antidemocráticas e injustas. Ou seja, Dworkin quer com essa crítica
atestar que sempre existirão princípios para solucionar os casos difíceis, negando
com isso, a existência de discricionariedade em sentido forte.
O último elemento a ser mencionado, na teoria de Dworkin é o Juiz
Hércules. Para Dworkin, metaforicamente, esse seria um ser humano de
habilidades excepcionais, capaz de dar uma resposta única e uma resposta certa a
41 HART, Herbert Lionel Adolphus. Op. cit. ps. 140-141.
37
cada caso, valendo-se da inclusão dos princípios e dos valores morais na aplicação
do direito. Hércules seria um personagem fictício, um juiz-filósofo de capacidade
sobre-humana, cuja tarefa é desenvolver nos casos concretos, teorias sobre aquilo
que a intenção legislativa e os princípios requerem para solucioná-lo.
Hércules deve, para não correr o risco do juiz com poder discricionário de
criar regras, valer-se de princípios aplicáveis que façam parte do Direito vigente,
devendo sempre olhar para trás, para as decisões anteriores de seu tribunal ou dos
tribunais superiores – é a ideia de “teia inconsútil” e de “ordenação vertical e
horizontal”.
Enfim, o Juiz Hércules de Dworkin deve ser capaz de, em cada caso, dar a
melhor interpretação moral possível, à luz das experiências históricas e decisórias
tanto da sociedade na qual está inserido quanto dos juízes que vieram antes dele.
Assim, a análise da teoria de Dworkin, ainda que resumidamente, como
vista acima, elucida a definição que se quer dar sobre jurisdição constitucional, no
contexto em que pretendemos estudá-la. Nesse diapasão, podemos definir
jurisdição constitucional como aquela que insere princípios na construção do
direito e atribui-lhes o status de norma jurídica ao lado das regras (concepção que
denota o pós-positivismo).
A importância dessa interpretação reside no fato de que, como visto,
considerações de moral e de valores passam a fazer parte da solução dos casos
concretos, e passam a ser levadas a sério pelo juiz (sobretudo pelo juiz
constitucional), criando-se campo propício a um maior ativismo judicial, na
medida em que o agir das cortes em casos como estes decorre da ausência, da
insuficiência ou da inconstitucionalidade da lei – e a tomada de decisão será feita
à luz dos princípios constitucionais.
Cumpre salientar que, também no que tange à discussão Dworkin x Hart,
há autores que entendem que Dworkin equivocou-se ao afirmar que na teoria de
Hart não há espaços para princípios, ou para considerações de caráter moral,
crítica que vai ao encontro daquela estabelecida contra os cânones do
neoconstitucionalismo, como contraponto de um positivismo acrítico, largamente
defendida no Brasil, como vimos, por autores como Luís Roberto Barroso. Os
críticos seguem uma linha do positivismo denominada de “positivismo inclusivo”.
Segundo Scott Shapiro, os positivistas inclusivos afirmam que o
positivismo legal não proíbe testes morais de legalidade. A premissa básica da
38
teoria toma por base duas teses opostas, que separam os positivistas inclusivos dos
positivistas exclusivos. Os exclusivistas adotam a "Tese da Separabilidade", que
nega qualquer conexão necessária entre legalidade e moralidade. Com efeito,
entendem que uma lei injusta, ainda sim é uma lei.
Já os inclusivos adotam a "Tese do Fato Social", que prega que a
existência e o conteúdo do direito, em última análise, são determinados por certos
fatos acerca de grupos sociais. Esta tese preconiza que testes de legalidade não
precisam ser moralizados, mas não afirma que não possam ser; e, nesse sentido,
concluem que a existência desses testes não necessariamente ofenderia qualquer
fato social42.
Essa Tese do Fato Social é compatível com regras de reconhecimento
(como a de Hart), mas que estabelecem critérios morais de legalidade, mesmo sem
considerar questões de pedigree. E enquanto o comprometimento do positivismo
aos fatos sociais puder ser satisfeito pela existência de uma regra social de
reconhecimento, não haverá qualquer ameaça à moralidade, enquanto condição de
legalidade.
Nesse sentido, Wilfrid Waluchow afirma que, embora não haja nada na
natureza do direito que requeira o uso de argumentos morais para determinar
legalidade, tampouco há algo que proíba esse uso (o que, segundo o autor, o
próprio Hart reconheceu). Com efeito, tal premissa forma uma regra de
reconhecimento na qual as propriedades separatistas de legalidade e moralidade
acabam sendo reunidas - uma sendo condição da outra. E é por isso que os
positivistas inclusivos rejeitam a tese da separação "forte" e a assertiva de
Dworkin de que a mesma reflete o compromisso teórico do positivismo legal43.
Uma vez estabelecido o conceito de jurisdição constitucional à luz do
neoconstitucionalismo, do pós-positivismo e da doutrina de Dworkin, teorias que,
embora despontem como hegemônicas, encontram vozes contrárias que buscam
demonstrar suas falhas, em prosseguimento, ao tratarmos, especificamente, da
42 SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” Debate: A short guide for the perplexed. In: Public Law and Legal Theory Working Paper Series. University of Michigan Public Law Working paper nº 77, 2007, p. 23. 43 WALUCHOW, WILFRID. Legal positivism, inclusive versus exclusive. In E. Craig (Ed.), Routledge Encyclopedia of Philosophy. London: Routledge. Retirado do site http://www.rep.routledge.com.libaccess.lib.mcmaster.ca/article/T064, acessado em 05/02/2014, p. 04.
39
jurisdição constitucional brasileira, tentaremos demonstrar que os elementos
vistos acima se amoldam perfeitamente à nossa realidade.
1.3 Ativismo judicial e jurisdição constitucional brasileira
A Constituição Imperial, de 1824, sob influência do direito público francês
e inglês, assegurava ao Poder Legislativo a guarda da Constituição, embora o
Poder Moderador, exercido pelo imperador, anulasse na prática tal atribuição, já
que se colocava acima dos demais poderes e era responsável por velar sobre a
manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos outros três.
Posteriormente, a Constituição Provisória de 1890, publicada com o
Decreto n. 510, em 22 de junho de 1890, instituiu o Supremo Tribunal Federal,
órgão de cúpula do Poder Judiciário. No mesmo ano, o Decreto nº 848 criou a
justiça federal, o que representou um grande passo para a conformação do
controle de constitucionalidade brasileiro.
Este desenvolvimento institucional foi consagrado na Constituição da
República de 1891, que igualmente institucionalizou o controle de
constitucionalidade das leis, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal a
competência para realizar tal controle44.
Assim que, embora a Constituição tenha mantido o Legislativo como
guardião da Constituição retirou-lhe, contudo a exclusividade desse mister. Foi
aplicada ao direito brasileiro, a doutrina norte-americana do judicial review,
atribuindo ao Poder Judiciário competência para invalidar leis e atos normativos
contrários ao texto constitucional45.
Cumpre ressaltar, segundo ensina Flávia Lages de Castro, que o poder
judiciário já no início da República foi montado baseado no sistema dual,
composto pelo poder judiciário federal e pelos poderes judiciários estaduais. No
caso, a justiça federal ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal, em seu ápice,
restando em aberto, contudo, a possibilidade do Congresso criar tantos juízes e
tribunais federais quanto fossem necessários (art. 55, da Constituição de 1891). O
44 MACHADO, Joana de Souza. Op. cit. p. 53. 45LEITE, Fábio Carvalho. 1891: A Construção da Matriz Político-Institucional da República no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro no ano de 2003, p. 156.
40
STF detinha jurisdição ordinária e recursal, além de competência originária e
exclusiva para conhecer de certos assuntos, tendo recebido a função de guardião
da Constituição (art. 59, da Constituição de 1891)46.
A Corte, quando da sua criação, era composta de quinze ministros. Com a
Constituição de 1934 esse número foi reduzido para onze. Nesse período, foi
marcante também a institucionalização do controle direto de constitucionalidade
concentrado, seguindo o modelo europeu preconizado por Kelsen, a partir da
chamada "representação interventiva". Tal instituto atribuía ao Procurador-Geral
da República competência para arguir, junto ao STF, a inconstitucionalidade de
lei estadual, que contrariasse princípios fundamentais da ordem federativa47.
As Constituições de 1937 e 1946 mantiveram esse modelo de controle
através da representação interventiva, mas foi com a Emenda Constitucional nº
16, de 1965, que o controle abstrato de normas perante o STF efetivamente
ganhou forma, competindo, ainda no Procurador-Geral da República, a exclusiva
competência para propor tal ação.
Esta criação consolidou no Brasil o chamado modelo misto de controle de
constitucionalidade, que representa uma terceira via de controle (também
conhecido como modelo “sul-americano”, ao lado dos modelos europeu e
estadunidense, e adotado também no México, por exemplo), na medida em que se
aplica tanto o controle difuso quanto o concentrado, bem como estabelece, dentro
do possível, mesclas dentre eles.
Não obstante, foi a partir da Constituição de 1988 que a jurisdição
constitucional brasileira ganhou traços mais marcantes, devido à ampliação do
leque de competências originárias e recursais do STF. Dentre as inovações mais
importantes trazidas pela Constituição de 1988, Luis Roberto Barroso estabelece
as seguintes48:
(a) ampliação da legitimação ativa para propositura de ação direta de
inconstitucionalidade – art. 103;
46 CASTRO. Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 416-418. 47 MACHADO. Joana de Souza. Op. cit. p. 54. 48 BARROSO. Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, ps. 65-66.
41
(b) introdução de mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omissão,
como a ação direta e o mandado de injunção – respectivamente, arts. 103, § 2º e
art. 5º, LXXI;
(c) recriação da ação direta de inconstitucionalidade em âmbito estadual, com o
nome de “representação de inconstitucionalidade” - art. 125, § 2º;
(d) previsão de um novo mecanismo de controle concentrado de
constitucionalidade – a argüição de descumprimento de preceito fundamental,
prevista no art. 102, § 1º;
(e) limitou o recurso extraordinário a questões exclusivamente constitucionais –
art. 102, III;
(f) e criou ainda, a partir da Emenda Constitucional 03, de 18 de março de 1993, a
ação declaratória de constitucionalidade – art. 102, alínea “a”.
Gustavo Binenbojm salienta que houve, com o advento a Constituição de
1988, um significativo avanço do sentimento constitucional no país, sobretudo
considerando-se a notável produção jurisprudencial do STF em matéria de
jurisdição constitucional. Ilustrativamente, informa o autor, que em maio de 2000,
o Supremo havia julgado desde a promulgação da Carta Magna (ou seja, em doze
anos), 2.212 ações diretas de inconstitucionalidade, ao passo que, nos vinte e dois
anos anteriores, entre 1966 e 1987, julgara apenas 726 processos de igual
natureza49.
Jessé Torres observa, além dessas mudanças constitucionais, que cada vez
mais tem sido freqüente que as próprias normas legais remetam o intérprete e
aplicador do direito aos princípios, e não apenas genericamente, mas também os
individualizando os princípios aplicáveis, sem, contudo, esgotar o conjunto de
possibilidades. Menciona, exemplificativamente, o art. 3º, da Lei 8.666, de 21 de
junho de 199350.
49 BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira – Legitimidade Democrática e Instrumentos de Realização. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 122. Apesar da respeitável opinião do autor, vale lembrar que antes do advento da Constituição de 1988, a representação por inconstitucionalidade era atribuição exclusiva do Procurador Geral da República ˗ art. 119, inciso I, alínea “l”, da Emenda Constitucional n. 01, de 17 de outubro de 1969 ˗ o que, por óbvio, justificaria o número largamente menor de ações de inconstitucionalidade, em relação ao observado após 1988. 50 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Op. cit. p. 66. Diz o art. 3º, da Lei 8.666/93: Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
42
A jurisdição constitucional brasileira nas últimas décadas se deparou com
questões de cunho eminentemente político e social, com imensa repercussão na
sociedade e calcadas na tutela de direitos fundamentais. Basta lembrar de casos
célebres como os da união homoafetiva51, aborto de feto anencefálico52 e
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010) (Regulamento). 51 Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014. 52 Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mulheres que decidem abortar fetos anencefálicos e médicos que provocam a interrupção da gravidez não cometem crime. A maioria dos ministros entendeu que um feto com anencefalia é natimorto e, portanto, a interrupção da gravidez nesses casos não é comparada ao aborto, considerado crime pelo Código Penal. A discussão iniciada há oito anos no STF foi encerrada em dois dias de julgamento. A decisão livra as gestantes que esperam fetos com anencefalia - ausência de partes do cérebro - de buscarem autorização da Justiça para antecipar os partos. Algumas dessas liminares demoravam meses para serem obtidas. E, em alguns casos, a mulher não conseguia autorização e acabava, à revelia, levando a gestação até o fim. Agora, diagnosticada a anencefalia, elas poderão se dirigir diretamente a seus médicos para realização do procedimento. O Código Penal, em vigor desde 1940, prevê apenas dois casos para autorização de aborto legal: quando coloca em risco a saúde da mãe e em caso de gravidez resultante de estupro. Qualquer mudança dessa lei precisa ser aprovada pelo Congresso. Natimorto. Por 8 votos a 2, o STF julgou que o feto anencefálico não tem vida e, portanto, não é possível acusar a mulher do crime de aborto. "Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível", afirmou o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello. Em seu voto, Carlos Ayres Britto afirmou que as gestantes carregam um "natimorto cerebral" no útero, sem perspectiva de vida. "É preferível arrancar essa plantinha ainda tenra no chão do útero do que vê-la precipitar no abismo da sepultura", declarou. Além desse argumento, a maioria dos ministros reconheceu que a saúde física e psíquica da grávida de feto anencéfalo pode ser prejudicada se levada até o fim a gestação. Conforme médicos ouvidos na audiência pública realizada pelo STF em 2008, a gravidez de feto sem cérebro pode provocar uma série de complicações à saúde da mãe, como pressão arterial alta, risco de perda do útero e, em casos extremos, a morte da mulher. Por isso, ministros afirmaram que impedir a mulher de interromper a gravidez nesses casos seria comparável a uma tortura. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,em-decisao-historica-stf-decide-que-aborto-de-feto-anencefalo-nao-e-crime-,860498,0.htm>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014.
43
fidelidade partidária53. Por tais razões, reafirmamos que, em nossa opinião, o
ativismo judicial praticado hoje no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, muito
se assemelha ao ativismo judicial “liberal” de Warren, no período da Warren´s
Court.
Não obstante, embora possamos definir o ativismo judicial brasileiro como
liberal, devemos ter cuidado ao traçar um paralelo direto entre o ativismo judicial
praticado nos Estados Unidos e o praticado em outras experiências
constitucionais, como a brasileira, devido às particularidades que em cada caso
deverão ser observadas. Como bem alerta, Conrado Hubner Mendes54:
A transposição de tais lentes hegemônicas para o Brasil requer, no mínimo, que se leve em conta os seus pressupostos e que se verifique sua compatibilidade com a democracia constitucional brasileira. Quais são esses pressupostos? Um deles, obviamente, é o específico desenho institucional em que a Suprema Corte americana se insere (...) Mas não é somente isso. O desenho institucional é precedido por determinada teoria e história políticas que provocaram o nascimento da revisão judicial e influenciaram seu desenvolvimento por mais de dois séculos.
Logo, o que se pretende dizer é que o ativismo judicial brasileiro deve ser
analisado em consonância com as suas nuances próprias (a começar pelo sistema
misto de controle) que não podem ser desprezadas, sob pena de se estudar algo
completamente diferente do que se realiza na prática.
De qualquer forma, podemos dizer que a jurisdição constitucional
brasileira encampou a hermenêutica neoconstitucionalista de interpretação e
aplicação da Constituição, partindo da sua normatividade e da aproximação entre
direito e moral, através de uma aplicação valorativa do direito, com base na larga
matriz principiológica apresentada pelo texto constitucional, tal qual preconiza
Dworkin, e à luz dos preceitos do pós-positivismo.
53 Nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quarta-feira, 13, que é válida a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determina a perda de mandato de políticos que trocam de partido sem justificativa após serem eleitos, a chamada infidelidade partidária. A decisão derruba o último pretexto para manter no cargo parlamentares infiéis já julgados e condenados. Por enquanto, o tribunal só decretou a perda do mandato do deputado Walter Brito Neto (PRB-PB), eleito pelo DEM. Mas, segundo o TSE, há mais 4 processos contra deputados federais e quase 2 mil contra deputados estaduais e vereadores. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,stf-confirma-perda-de-mandato-por-infidelidade-partidaria,276642,0.htm>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014. 54 Mendes, Conrado Hubner, Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. p. 38.
44
1.4 Conclusões do capítulo
Neste primeiro capítulo, nosso intuito foi estabelecer as bases sobre as
quais desenvolveremos os argumentos centrais desse trabalho. Com efeito, para
podermos defender a legitimidade do ativismo judicial a partir da ótica do
potencial dialógico que provoca na interação entre as instituições – notadamente,
cortes e parlamentos – era necessário, primeiramente, esclarecermos conceitos e
definições essenciais para o desafio argumentativo que propomos.
Nesse sentido, inicialmente buscamos conceituar ativismo judicial. Em
verdade, tentamos encontrar o modelo que mais se aproximava ao brasileiro,
devido à dificuldade de se definir ativismo judicial, considerando-se a ampla
gama de significados possíveis encontrados na doutrina.
Concluímos, nesse diapasão, que o modelo praticado no Brasil,
atualmente, muito se assemelha àquele praticado pela corte constitucional norte-
americana nas décadas de 50 e 60, sob a presidência do juiz Warren, tendo em
vista o caráter proativo no julgamento de questões de direito com nítida relevância
política e social, e que contribuíram com a mudança da sociedade americana,
sobretudo no que atine à segregação racial. Foi o período do chamado “ativismo
judicial liberal”.
Na sequência, a tarefa assumida foi estabelecer os contornos da concepção
de jurisdição constitucional que melhor se amoldaria ao trabalho aqui
desenvolvido. Com os recortes necessários, para não nos perdermos na imensidão
da matéria, falamos sobre a jurisdição constitucional defendida por Ronald
Dworkin, seu “fórum de princípios” e seu “Juiz Hércules”, sem deixarmos de
pontuar algumas críticas formuladas à tese defendida pelo autor.
Igualmente, traçamos uma ponte entre as ideias de Dworkin e aquelas
propostas pela doutrina neoconstitucionalista, já que ambos, a rigor, propõem uma
análise do direito sob a ótica dos valores, da moral e dos princípios. Ambos
rechaçam o positivismo acrítico (e aqui falamos na contraposição feita pelo pós-
positivismo) e defendem que a aplicação e a interpretação do direito não se
resumem à mera subsunção dos fatos às normas.
Pelo contrário, consignou-se que deve o próprio conceito de norma
jurídica ser elastecido para abranger, também, princípios, pois estes possuem uma
45
dimensão diferente das regras, que é a do peso ou da ponderação. Logo, a
interpretação do direito pode e deve, também, levar em consideração os princípios
aplicáveis, tendo estes, normatividade suficiente para fundamentar a decisão
judicial por si só.
Uma vez estabelecidas as definições que melhor atendiam aos fins desta
dissertação, analisamos, ainda que brevemente, as principais características da
jurisdição constitucional brasileira, e do ativismo judicial, mormente no âmbito do
Supremo Tribunal Federal. Estudamos o surgimento do tribunal e os principais
mecanismos de controle de constitucionalidade que se desenvolveram ao longo
das décadas, bem como ilustramos alguns casos nos quais o STF demonstrou o
elevado grau de ativismo por ele desenvolvido.
Existe no Brasil a concepção de que o STF representa um foro de
moralidade (“Fórum de Princípios”, como diria Dworkin), e os próprios ministros
do tribunal parecem encarnar o personagem do “Juiz Hércules”, criando um
ambiente fértil para o desenvolvimento de um ativismo judicial amplo, através do
qual se cria a possibilidade de o judiciário decidir por último sobre questões de
direito que afetam a ordem política e social55. Nesse contexto chegamos a um
ponto emblemático do nosso trabalho: a quem compete a última palavra sobre
questões de direito – às cortes ou ao parlamento? Existe ou deveria existir última
palavra?
No próximo capítulo analisaremos a questão da última palavra, sob o
enfoque da tensão existente entre legislativo e judiciário, no que tange à
legitimidade para ser o detentor da última palavra. Tal análise servirá de ponte
para o debate que alicerça a ideia central do trabalho: será que, em verdade, o
melhor caminho a seguir não seria o do diálogo e da ausência de última palavra?
55 Certa vez, o ministro Celso de Mello declarou que o Supremo Tribunal Federal, “detém em tema de interpretação constitucional e, por força de delegação da Assembléia Constituinte, o monopólio da última palavra”, destacando ser do STF o direito de “errar por último”. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/12/17/interna_politica,337596/para-ministro-celso-de-mello-stf-tem-monopolio-da-ultima-palavra.shtml. Acesso em: 24 de janeiro de 2014.
2. ÚLTIMA PALAVRA E DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS
2.1 A questão da “última palavra”
Doutrinariamente, existe uma notória celeuma quanto a quem deveria ser
atribuída a última palavra em questões de direitos. Como foi visto no capítulo
anterior, o protagonismo exercido pelo judiciário através do ativismo judicial,
sobretudo a partir de meados do século passado, levou para os tribunais matérias
que antes se encontravam restritas ao campo da política.
As novas Constituições que erigiram após a 2ª Guerra Mundial trouxeram
em seu bojo uma alta carga valorativa, a partir da previsão de um vasto leque de
princípios constitucionais. A aplicação do direito, por conseguinte, à luz desses
princípios, passou a pugnar uma análise mais acurada por parte dos atores
políticos, e a resposta às demandas sociais não mais era encontrada facilmente na
lei, através de um trabalho de simples subsunção do fato à norma. Muito mais
importante tornou-se a interpretação da norma feita pelo juiz, à luz dos princípios
constitucionais e de técnicas outras, como as ponderação e da proporcionalidade.
Contudo, diversas objeções foram feitas a esse novo contorno da
interpretação constitucional e da aplicação das leis, sobretudo diante da
possibilidade de se estar subtraindo dos agentes políticos e eleitos, as funções que
antes lhes eram precípuas, em benefício de um seleto grupo, os juízes, agentes
públicos não eleitos e que, em tese, não gozariam da legitimidade democrática que
aqueles detinham.
Diante desse quadro, estabeleceu-se a divisão entre os defensores de que a
última palavra deveria caber às cortes, e os que entendem que deveria caber ao
parlamento. Vale ressaltar, como bem pontua Conrado Hubner Mendes que ao
falarmos em última palavra, estamos a perquirir, em verdade,
47
não apenas “quem” deva decidir por último, mas também “o quê”, “como”,
“quando” e “por que” decidir56.
Esclarecendo, primeiramente sobre “o que” decidir, já adiantamos que o
real campo de tensão entre cortes e parlamentos restringe-se a quem deva decidir
por último sobre questões de direitos, pois discussões relativas ao mínimo de
realização de uma justiça substantiva passa por eles, inexoravelmente. Nesse
contexto, discute-se, principalmente, o grau de legitimidade democrática decisória
de ambas as instituições, sobretudo ao considerarmos a previsão do controle de
constitucionalidade das leis, presente na grande maioria das democracias
constitucionais.
Partindo dessa premissa, já no que atine a “como” decidir, passa-se a
analisar o método decisório, no qual a dimensão procedimental se apresenta como
uma escolha crucial a ser feita, na tomada de uma decisão válida e legítima. Nesse
diapasão, parlamentos trazem em si o peso institucional da representação eleitoral
do povo, enquanto que as cortes, embora alijadas do processo eleitoral, deteriam,
em tese, as condições necessárias para decidir com imparcialidade, longe das
influências políticas.
Ainda nessa seara, o momento de decidir (“quando”) também se faz
relevante, sobretudo por nos permitir chegar à constatação (que mais à frente será
aprofundada) de que os diversos atores políticos detêm igual legitimidade
decisória, podendo esta se manifestar em momentos variados, de modo a permitir
que não haja, em caráter definitivo, uma última palavra, mas que no máximo esta
seja provisória, dentro de rodadas procedimentais.
E ainda há o “porquê” de se decidir, que guarda estreita ligação com a
autoridade da decisão, pois a razão decisória explica a necessidade de se obedecer
àquele comando, seja ele emanado de uma lei ou de uma sentença. Logo, a
indagação sobre o porquê de decidir, irá também determinar por que se deve
obedecer.
Todas essas perguntas aventadas dão o tom dos variados argumentos
favoráveis às cortes e contrários ao parlamento, e vice-versa, que serão analisados
a seguir.
56 MENDES. Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. ps. 54-60.
48
2.2 A última palavra pelas cortes
2.2.1 Argumentos favoráveis às cortes
Para os que defendem que a última palavra seja dada pelas cortes
constitucionais, são estes, resumidamente, os principais argumentos favoráveis,
seguindo a compilação feita por Conrado Hubner Mendes57:
- A corte protege os pressupostos democráticos, de modo que a revisão judicial
assegura as escolhas prévias tomadas pelo povo;
- Qualquer decisão judicial pode ser rejeitada por emenda constitucional ou por
uma nova Constituição;
- Em verdade, a supremacia judicial representa uma exigência do próprio Estado
de direito, sendo a corte constitucional um componente intrínseco da separação
dos poderes, na medida em que representa um agente externo que julga com
imparcialidade, até porque o legislativo não poderia julgar a si mesmo;
- À luz da hermenêutica constitucional calcada numa análise valorativa e
principiológica da Constituição, a corte se mostra menos falível e mais apta a dar
respostas certas, pois ao analisar o caso concreto, submete-o a uma racionalidade
incremental, inserindo-o dentro de sua jurisprudência;
- Não há déficits democráticos em atribuir à corte a última palavra, pois no que
tange à representatividade, pode-se dizer que a corte promove uma representação
deliberativa e argumentativa, propiciando o debate público e assumindo, até, uma
função educativa;
- A corte constitucional integra o sistema democrático (não estando à margem
deste), o que fica mais claro se considerarmos que seus membros, normalmente,
são escolhidos por agentes políticos eleitos, sendo tal escolha uma faceta do
próprio sistema representativo, ainda que indiretamente.
57 Ibid. ps. 14-15.
49
2.2.2 Argumentos contrários ao parlamento
Atrelados aos argumentos favoráveis às cortes constitucionais, encontram-
se os seguintes argumentos contrários à supremacia do legislativo58:
- É falaciosa a concepção de que o parlamento representa idealmente o sistema
democrático, considerando-se que, historicamente, tal instituição exerceu outros
propósitos, muito menos democráticos;
- A dinâmica do sistema representativo, através do mecanismo eleitoral, acaba por
relegar os direitos fundamentais a um segundo plano de importância, na medida
em que a atenção dos parlamentares está voltada principalmente para medidas e
decisões que aumentem as chances de reeleição, tornando-se os direitos
fundamentais secundários, mais um dentre os possíveis fatores a serem
considerados para se alcançar a reeleição;
- Diferentemente da representação deliberativa e argumentativa das cortes
constitucionais, a parlamentar, além de não ser o único modelo representativo
existente, pode ser considerada meramente agregativa e atomística, e já não dá
conta de ser suficientemente plural e capaz de representar os vários nichos sociais;
- Submeter a produção legislativa e, em última análise, o próprio parlamento, a
um controle judicial, não significa retornar a uma tradição antidemocrática, mas
antes, apontar problemas institucionais – que muitas vezes ditam a regra do jogo e
constrangem até mesmo o parlamentar mais bem intencionado – gerando
possibilidades de soluções em prol da própria vontade popular;
58 Vale dizer que, não obstante, há autores como Jeremy Waldron, que elencam e desconstroem os argumentos contrários ao parlamento, aduzindo que este permanece como o poder realmente legitimado a resolver questões de direito. Diz Waldron: “I labor this point, to emphasize that the constitucional preference for legislative assemblies survives, despite a clear consensus in the canon of political philosophy that the size of a legislative body is an obstacle, rather than an advantage, to rational law-making”. (WALDRON, Jeremy. The Dignity of Legislation , 54 Md. L. Rev. 633 (1995), p. 637. Disponível em <http://digitalcommons.law.umaryland.edu/mlr/vol54/iss2/12>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014).
50
- No que tange à regra da maioria há falhas identificáveis também, notadamente
no que tange à proteção das minorias. Isso porque, não apenas retira ou, ao menos,
diminui bastante a percepção da importância que a matéria em votação tem para
cada indivíduo, como também, em muitos casos, a partir de uma manipulação
procedimental, a votação por maioria acaba não representando, efetivamente, a
vontade da maioria;
- Por fim, é criticável a divisão que se faz entre parlamentos como representantes
da maioria e cortes da minoria, à luz do argumento dos déficits representativos e
dificuldades contramajoritárias. Nem sempre a decisão parlamentar será condutora
da vontade da maioria, sobretudo se considerarmos que nossas vontades são
mutáveis, maleáveis e sujeitas a transformações através do debate. Como diz
Conrado Hubner, “somos contra e a favor em diferentes graus”59.
2.3 A última palavra pelo parlamento
2.3.1 Argumentos favoráveis ao parlamento
Uma vez analisados os argumentos favoráveis às cortes constitucionais (e
contrários ao parlamento), faremos agora o caminho inverso. Passaremos a expor
os principais argumentos favoráveis à supremacia parlamentar e, por sua vez,
contrários às cortes constitucionais, no que tange à última palavra60. Mais uma vez
valendo-nos da compilação feita por Conrado Hubner Mendes, podemos elencar
os seguintes argumentos favoráveis ao parlamento61:
- A representação parlamentar é o modelo que mais se aproxima do ideal de
democracia nos estados modernos, sendo a manifestação mais próxima da vontade
59MENDES. Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. p. 88. 60 Acerca da maior legitimidade democrática do parlamento enquanto detentor da última palavra, vejam-se os argumentos de Bruce Ackerman. (ACKERMAN, Bruce. Storrs Lectures: Discovering the Constitution (1984). Faculty Scholarship Series. Paper 149, ps. 35-36. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/149>. Acesso em: 03 de janeiro de 2014). 61 MENDES. Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. p. 15.
51
popular, ainda que indiretamente, já que a conformação social atual não permite a
reunião de todo o demos para deliberar;
- Nesse diapasão, o parlamento representativo aperfeiçoa o modelo de democracia
direta, adequando-o à realidade dos novos tempos, e igualmente estrutura a
competição política, ao permitir ao eleitor, através da análise e escolha de
candidatos, optar por aquele que, aparentemente, tem condições de melhor
representá-lo, rejeitando os demais;
- No que concerne à coexistência de posições divergentes, que se colocam em
extremos opostos, diferentemente do que se afirmou antes, a atividade decisória
do parlamento não contribui para a sua polarização, mas antes, estimula o
compromisso e a acomodação de tais extremos, partindo da análise de todos os
pontos de vista e da consideração de todos os interesses em jogo, não estando
presa, portanto, a uma lógica adversarial;
- A objeção à supremacia do parlamento seria decorrência de preconceitos de uma
tradição antidemocrática, calcada na alegação de despreparo das massas para se
autogovernar. No entanto, a regra da maioria é o único princípio de decisão
coletiva que respeita o imperativo moral da igualdade, levando a sério diferenças
de opinião, não reprimindo quem pensa diferente;
- Da mesma forma, a regra da maioria limita o poder, a partir da dinâmica dos
ciclos de votação, o que contribui para a estabilidade da democracia, já que o
próprio cenário político assume o potencial de se adequar às aspirações sociais em
cada momento histórico. Defende-se, nesse caso, que a suposta “tirania da
maioria”, alertada por Tocqueville, tende a ser menor em democracias do que em
regimes não democráticos.
52
2.3.2 Argumentos contrários às cortes
Seguindo com a metodologia adotada, abaixo enumeramos os principais
argumentos contrários à assunção da última palavra pelas cortes constitucionais:
-Diferentemente do que se afirmou a corte não protege as precondições da
democracia, pois ao contrário do que se acredita, ela não é um elemento apolítico.
Essa tese é defendida por duas escolas da teoria jurídica americana: o realismo
jurídico, cuja influência maior se deu nas décadas de 20 e 30, e os “estudos
jurídicos críticos”, nos anos 70 e 80. O que se quer dizer é que, nem o processo
legislativo é insensível à questões de justiça e de direitos, nem as cortes são o
agente neutro que se supõe. Muitas vezes, a linguagem técnica, subjacente à
tomada de decisão no âmbito judicial, principalmente quando se trata de
interpretar a Constituição, apenas esconde a escolha ideológica e política adotada
pelos seus membros;
-Em segundo lugar, defende-se que a corte não necessariamente protege direitos
das minorias, o que empiricamente, inclusive, mostrar-se-ia falso, na medida em
que, por vezes, possa ser a maioria que venha a vencer sob a chancela da corte.
Quer dizer, ainda que a minoria perca recorrentemente no processo decisório, esse
fato não pode ser visto, obrigatoriamente, como “tirania da maioria”; às vezes a
minoria não tem, efetivamente, o direito que acredita ter. E nesse contexto,
admite-se que tanto cortes quanto parlamentos possam ser igualmente tirânicas,
dependendo do procedimento decisório que adotem. Ao mesmo tempo, afirma-se
que a tese de que a corte assegura o pré-comprometimento firmado pelo poder
constituinte não prospera, diante da constatação de que as escolhas da corte
podem ser moralmente controversas. Quer dizer, os valores abstratos de
comprometimento no marco constituinte adotados pelo povo não necessariamente
denotam suas implicações concretas. Enfim, a revisão judicial não
necessariamente assume caráter democrático, pura e simplesmente por deter a
aprovação popular;
53
- Uma crítica substancial à supremacia das cortes reside na ausência de
exclusividade da revisão judicial quanto à interpretação da Constituição. Reputa-
se que outros agentes e órgãos estão legitimamente aptos, também, a interpretar a
Constituição, como o parlamento, e que outra interpretação que não a da corte
pode prevalecer. Nesse ponto, mais uma vez, ataca-se a suposta neutralidade das
cortes em relação à última palavra, voltando-se à concepção de que, assim como o
parlamento, ela não está fora da política;
- O controle de constitucionalidade não é pressuposto lógico da separação de
poderes, sendo certo que nem mesmo se pode dizer que no controle a corte analisa
o caso concreto diferentemente da análise dos casos concretos feita na deliberação
legislativa;
- A corte não é o foro de moralidade que se defende, sendo igualmente falível em
questões de princípio, não sendo suficientes os argumentos de expertise e da
neutralidade política suficientes para sustentar que ela detém a resposta certa. Ou
seja, o caso concreto está calcado em questões normativas e ideológicas, que não
se resolvem, exclusivamente, com o apelo à ciência neutra e técnica, em tese
praticada nas cortes;
- O debate público promovido pelas cortes não necessariamente é melhor do que o
promovido pelo legislador, sobretudo se se entender que é uma falácia dizer que
se trata de uma instituição educativa. Pelo contrário, a linguagem técnica, jurídica
e verborrágica assume um tom elitista e dificulta a compreensão do sentido
decisório por parte da maioria da população, que não tem o conhecimento jurídico
necessário para acompanhar o discurso prolixo e inflexível;
- Por fim, afirma-se que juízes constitucionais seriam uma elite profissional, não
eleita, e o fato de serem escolhidos por autoridades eleitas não se afigura como
mecanismo efetivamente válido para afastar o déficit democrático e a dificuldade
contramajoritária. Dizer que o legislador não justifica suas decisões e que no
âmbito do judiciário há uma maior qualidade deliberativa tampouco justifica a
criação de uma hierarquia interna, com a corte ditando a última palavra.
54
2.4 O caminho do meio: ausência de última palavra
Nas últimas páginas enumeramos diversos argumentos a favor das cortes e
contrários ao parlamento, e a favor do parlamento e contrários às cortes, no que
atine a quem deveria ser o titular da última palavra em questões de direito. Apesar
da propriedade de tais argumentos e da densidade que o conjunto traz em si, para
quem ainda não tem uma opinião formada sobre o assunto e se lança no desafio de
escolher um dos lados, esta se mostra uma tarefa árdua, notadamente porque para
cada ponto favorável à corte como detentora da última palavra há, no pólo oposto,
um ponto favorável ao parlamento, e outro que crítica a corte. E vice-versa.
Partindo dessa constatação, um mínimo de reflexão nos leva a considerar a
possibilidade de engendrarmos por uma terceira via: a da ausência de última
palavra. Afinal, se bons argumentos nos mostram que cortes e parlamentos têm,
em igual proporção, a potencialidade de serem ou os legítimos detentores da
última palavra ou a instituição que jamais deveria tê-la, essa constatação nos faz
indagar se, efetivamente, é necessário haver uma última palavra.
Por tal razão, pensar numa via paralela na qual estas e outras instituições
possam dialogar sobre questões de direito, chegando a decisões adotadas
consensualmente, mostra-se uma alternativa viável e apta a suplantar problemas
de legitimidade democrática e dificuldades contramajoritárias, partindo-se da
premissa de que os diversos atores envolvidos no jogo decisório podem ser
ouvidos, em momentos próprios, até que, idealmente, cheguem a um denominador
comum. Nesse diapasão, falar em última palavra pressupõe que esta seja somente
provisória, a encerrar determinada rodada procedimental e a iniciar outra, até que
a tomada de decisão seja consensual.
Nas próximas linhas, portanto, exploraremos as potencialidades desse
chamado diálogo institucional, examinando igualmente os conceitos de rodadas
procedimentais e de última palavra provisória.
55
2.5 Diálogos institucionais, rodadas procedimentais e última palavra provisória: quando não existe vencedor
2.5.1 Última palavra provisória
A primeira premissa a ser adotada como norte para o tema que passamos a
abordar é a desnecessidade de se ter uma última palavra. Não se trata de
abandoná-la, deixando questões em aberto. Pelo contrário, o ponto de partida é a
percepção de que, por mais que possamos ainda falar em última palavra esta será
sempre provisória, porque a própria conformação institucional é também
provisória – quer dizer, a existência das leis, das instituições, dos regimes
políticos e do próprio contexto social. Portanto, quaisquer decisões tomadas
acerca de direitos e que venham a regular condutas e políticas públicas atendem a
certo momento de aspiração social, mas tão logo este mude, aquela decisão
também terá de passar por uma releitura62.
Além disso, também a escolha da autoridade detentora dessa última
palavra provisória estará sempre sujeita ao teste democrático, que tem o condão de
avaliar se aquela instituição é, de fato, a mais legítima para tomar a decisão final
(mesmo que provisoriamente), sendo sempre possível que outra instituição se
mostre democraticamente mais apta, o que representa uma decorrência da própria
separação de poderes63.
Como já dizia Peter Häberle, a vinculação judicial à lei e a independência
pessoal e funcional dos juízes não podem escamotear o fato de que o juiz
interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade. Por conseguinte, as
influências e obrigações sociais subjacentes à atividade jurisdicional contêm uma
parte de legitimação, e reprimem o livre arbítrio da decisão judicial. Essa visão
emana, justamente, da tese de que todos estão inseridos no processo de
interpretação judicial, inclusive aqueles que não são diretamente por ela afetados.
Assim, quanto mais ampla for, do ponto de vista objetivo e metodológico, a
interpretação constitucional, igualmente amplo haverá de ser o círculo composto
62 MENDES. Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit., p. 182. 63 Ibid, p. 183.
56
por aqueles que dela devam participar. Sob essa ótica a Constituição é enxergada
como processo público64.
Logo, a própria abertura da Constituição demanda que não apenas o
constitucionalista participe desse processo de interpretação, mas também as
demais instituições e a própria sociedade, sendo certo que a unidade da
Constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes
intérpretes.
2.5.2 Diálogos institucionais
A ideia do diálogo institucional reside na possibilidade de os diversos
atores políticos e sociais participarem da tomada de decisão, sem a pretensão de
encampar a autoridade da última palavra, adotando-se decisões provisórias até que
se possa chegar a um denominador comum, consensualmente. Não é dizer que não
haverá embates; todavia, acredita-se que estes, ao invés de destrutivos possam ser
construtivos.
Nesse sentido, oportuno lembrar as palavras de Habermas quando este fala
na construção do direito a partir do princípio do discurso. Segundo ele, os direitos
de participação política remetem à institucionalização jurídica de uma formação
pública da opinião e da vontade, a qual culmina em resoluções sobre leis e
políticas65.
Ela realiza-se a partir de formas de comunicação nas quais o princípio do
discurso assume importância em dois aspectos: no sentido cognitivo, de filtrar
contribuições e temas, argumentos e informações – quando o resultado obtido tem
a seu favor a suposição da aceitabilidade racional, de modo que o procedimento
democrático fundamenta a legitimidade do direito; e no sentido prático, que surge
a partir do caráter discursivo da formação da opinião e da vontade na esfera
pública política e nas corporações parlamentares, produzindo relações de
entendimento, desencadeando a força produtiva da liberdade comunicativa.
64 HÄBERLE. Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, ps. 30-32. 65 HABERMAS. Jürgen. Direito e Democracia – Entre facticidade e validade. Vol. I. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 190.
57
Afinal, conclui o autor, o direito não regula contextos interativos em geral,
como é o caso da moral, servindo, apenas, como o meio através do qual se habilita
uma auto-organização de comunidades jurídicas que se afirmam, num ambiente
social, sob determinadas condições históricas. Com isso, imigram para o direito
conteúdos concretos e pontos de vista teleológicos66.
Rodrigo Brandão também defende a superioridade das teorias dialógicas
sobre a ideia de supremacia judicial. Ao analisar a realidade brasileira, ele afirma
que a defesa da supremacia judicial na interpretação constitucional apresenta
sérias deficiências, notadamente porque atribuir definitividade às decisões do STF
promove uma legitimação ex ante das suas decisões, o que para o autor se afigura
incompatível com a exigência de justificação da compatibilidade das suas
decisões com a Constituição de 1988, o que seria corolário do dever de
fundamentação das decisões tomadas pelas autoridades públicas numa democracia
deliberativa, sobretudo pelos juízes, nos termos do art. 93, inciso IX, da CRFB67.
Prosseguindo nessa linha argumentativa, o autor, após concluir que o
modelo dialógico articula de forma mais proveitosa o autogoverno do povo e os
direitos fundamentais do que os modelos de supremacia, por dois motivos
principais: primeiro porque provê múltiplos pontos de acesso aos interessados em
determinada questão constitucional, na medida em que eles poderão atuar perante
instituições diversamente interpretativas, promovendo-se o pluralismo e a
democracia. E em segundo lugar, tem a virtude de reduzir a possibilidade de
atuação unilateral de quaisquer Poderes, intensificando os mecanismos de freios e
contrapesos, o que tende a conter possíveis arbitrariedades do poder estatal68.
Nesse sentido, Jeremy Waldron, apesar de defender que a última palavra
caiba ao legislativo, afirma que questões de direito serão sempre submetidas ao
crivo popular, na medida em que têm o condão de afetar, diretamente ou não, os
cidadãos, e fazem parte do contexto social vivenciado por cada sociedade de
tempos em tempos. Com efeito, os debates e os acordos (ou desacordos)
possíveis, estão diretamente ligados às novas questões que se apresentam, e sem
66 Ibid, p. 191. 67 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais – A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? 1ª ed., 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 279. 68 Ibid, p. 289.
58
dúvida alguma devem ser levados em consideração no processo decisório. Nas
palavras do autor,
I assume that the rights-disagreements are mostly not issues of interpretation in a narrow legalistic sense. They may present themselves in the first instance as issues of interpretation, but they raise questions of considerable practical moment for the political community. (…)They are major issues of political philosophy with significant ramifications for the lives of many people. Moreover, I assume that they are not idiosyncratic to the society in which they arise. They define major choices that any modern society must face, choices that are reasonably well understood in the context of existing moral and political debates, choices that are focal points of moral and political disagreement in many societies. Examples spring quickly to mind: abortion, affirmative action, the legitimacy of government redistribution or interference in the marketplace, the rights of criminal suspects, the precise meaning of religious toleration, minority cultural rights, the regulation of speech and spending in electoral campaigns, and so on69.
Obviamente, há o risco de estas interações minarem ou de não terem a
densidade deliberativa que delas se espera, como bem alerta Conrado Hubner
Mendes. Ao analisar, especificamente, a interação entre cortes e parlamentos, o
autor destaca o risco, primeiramente, de as cortes se fecharem ao diálogo, através
do que ele chama de legalismo hermético, imperialismo retórico ou da soberba do
guardião entrincheirado. Ou seja, estariam as cortes pouco propícias ao diálogo,
pela presunção de que a tecnicidade da sua atuação e o seu maior pedigree
institucional não permitiriam que o parlamento se colocasse no mesmo nível de
discussão. No caso do parlamento, o risco principal é o da deferência e do
comodismo legislativo. Todavia, a proposta é que se abandone a retórica do
guardião entrincheirado ou do parlamento deferente, partindo-se para o
engajamento persuasivo, através de uma demanda mais forte de diálogo70.
Nesse ponto, o prisma competitivo dessa interação sobreleva-se através do
desempenho deliberativo das instituições, que tentam maximizá-lo, o que se
revela extremamente relevante numa democracia calcada na separação de poderes.
Dessa forma, cortes e parlamentos desafiam-se mutuamente a exercerem suas
responsabilidades deliberativas. E, com efeito, as últimas palavras provisórias são
o ponto culminante das rodadas procedimentais dentro das quais esses atores
69 WALDRON, Jeremy. The core of the case against judicial review. Yale: Yale Law Journal, v. 115, 2006, p. 1367. 70 MENDES, Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. p. 203.
59
políticos se digladiam. Segundo Conrado Hubner Mendes esta é a tensão entre
forma e substância71.
Portanto, uma primeira constatação que se pode extrair da análise feita
acima, é que a instituição com melhor desempenho deliberativo se sobressai na
competição pelo melhor argumento e passa a desafiar a outra. Contudo, quando a
discordância permanece entre elas, apesar do esforço feito por ambas de
maximização do seu desempenho institucional, estamos diante do problema
fundamental da última palavra porque, afinal, ao chegar a esse impasse, a questão
natural que surge é: quem então decidirá por último e definitivamente? Para poder
responder a essa pergunta, precisamos entender o funcionamento das rodadas
procedimentais.
2.5.3 Rodadas procedimentais
Num sistema regido pelo controle de constitucionalidade, a última palavra,
a rigor, seria do judiciário. Contudo, sob a perspectiva temporal das rodadas
procedimentais, torna-se possível que a instituição “derrotada”, que aqui seria o
parlamento, inicie uma nova rodada deliberativa, estabelecendo um desacordo
sincero (o embate construtivista ao qual nos referimos anteriormente).
Em sendo assim, determinar a quem compete a última palavra depende do
amadurecimento interativo propiciado pelas rodadas procedimentais anteriores,
que geram últimas palavras provisórias e estas, por sua vez, reabrem
constantemente o debate. Não obstante, chegar-se-á a um momento de
estabilização, que decorrerá de uma acomodação entre os dois poderes, fruto desse
longo processo negocial engendrado por rodadas anteriores, momento em que um
aceitará a posição do outro.
Embora a validade da tese pareça mais teórica do que prática, é possível,
ainda assim, defender sua viabilidade fática. Afinal, em maior ou menor medida,
ou com mais ou menos tempo, os poderes tendem a reduzir progressivamente o
desacordo, mediante concessões recíprocas. Faz parte do jogo político, sendo
possível inserirmos nele o aspecto deliberativo de influência.
71 Ibid. p. 204.
60
Cumpre ressaltar que defender o diálogo institucional (ou
interinstitucional) não significa permitir que todos decidam tudo a todo tempo,
pois desse caos decisório somente decorreriam impasse, paralisia e vácuo de
poder. Por conseguinte, a última palavra é necessária, não apenas para pôr fim a
uma determinada rodada procedimental, mas também para estimular o diálogo e,
em última análise, o consenso, valendo como um possível norte a ser seguido.
Nesse diapasão, ao identificarmos os dois modelos básicos de interação, o
deliberativo e o adversarial, percebemos naquele o potencial para se aproximar
das melhores respostas. Quer dizer, o modelo deliberativo tem o condão de gerar
melhores soluções epistêmicas para o conflito.
Ocorre que, em um modelo que se orienta por princípios deliberativos,
aberto à justificação e à reatividade política (desde que a partir de bons
argumentos), a adoção de atitudes deliberativas, que levam em consideração os
fundamentos expostos, tem o condão de gerar respostas mais criativas.
Assim, a proteção de direitos deve inspirar rodadas deliberativas através
das quais se chegue a respostas provisórias – pois, de fato, existe uma pressão
temporal pela decisão. Afinal, deliberações políticas, parlamentares, judiciais e
executivas têm uma demanda muito mais concentrada pela célere tomada de
decisão, do que, por exemplo, decisões acadêmicas. Aqui, a resposta a uma tese
aventada pode levar anos ou décadas. Lá, a sociedade demanda respostas mais
imediatas.
Ou seja, o anseio social exige uma solução rápida sobre determinada
questão, decorrendo daí que em certas circunstâncias é melhor tomar uma decisão
imperfeita do que enfrentar a paralisia institucional na busca infinita pela resposta
correta. No entanto, o processo não se encerra ali, pois o auto-aperfeiçoamento é
um compromisso desse sistema.
Logo, a pressão temporal exerce uma função de maximização da
capacidade epistêmica do diálogo, permitindo que mesmo respostas erradas sejam
aceitas, pois a sua provisoriedade mantém a busca pelo consenso e pela melhor
resposta possível. Nesse sentido, em relação ao papel da revisão judicial no
processo de amadurecimento das melhores decisões, lapidares são as palavras de
Conrado Hubner Mendes:
61
A revisão judicial não precisa ser vista apenas como um dique ou uma barreira de contenção, mas também como um mecanismo propulsor de melhores deliberações. Não serve somente para (tentar) nos proteger da política quando esta sucumbe ao pânico ou irracionalidade, mas para desafiá-la a superar-se em qualidade. A corte pode ser um catalisador deliberativo. Simboliza um esforço para fazer da democracia um regime que não apenas separe maiorias e minorias, estruture a competição política periódica e selecione as elites vencedoras e perdedoras, mas também seja capaz de discernir entre bons e maus argumentos. Isso não exclui a competição, mas a qualifica72.
Enfim, estabelecido os conceitos de última palavra provisória, diálogos
institucionais e rodadas procedimentais, passaremos no próximo tópico a tratar
das teorias que, a partir de tais conceitos, propõem contextos específicos e
metodologias próprias para realizar essa interação.
2.6 Diálogos institucionais: teorias
No presente tópico pretendemos estabelecer uma visão geral sobre as vias
do diálogo, como subsídio para, ao tratarmos do diálogo institucional na realidade
brasileira, podermos delimitar qual ou quais dessas teorias se amoldam melhor à
nossa proposta de interação e legitimação do ativismo judicial através do
mandado de injunção.
As teorias que serão abordadas possuem duas características principais,
segundo Conrado Hubner Mendes: todas recusam a visão juricêntrica na
interpretação da Constituição, admitindo que esta possa ser feita, legitimamente,
também pelos demais poderes, e a rejeição da última palavra (ou, ao menos, que
esta caiba exclusivamente à corte através da revisão judicial)73.
Ademais, de plano, identificam-se duas linhas argumentativas bem claras:
a primeira propõe uma teoria da decisão judicial calcada na interação com o
legislador. A segunda posiciona o diálogo como fruto necessário da separação dos
poderes, como característica da própria configuração institucional.
Nesse segundo caso, faz-se uma ressalva importante: ao falarmos em
diálogo, não estamos afirmando que, necessariamente, haja uma predisposição de
qualquer dos poderes para dialogar. Como bem pontua Conrado Hubner Mendes:
“Não se deve cobrar dessas teorias a demonstração de que as instituições estão
72 Ibid, p. 212. 73 Ibid, p. 107.
62
conversando amistosa e pacificamente umas com as outras, mas ao menos uma
abordagem original”74.
O que se quer dizer, portanto (e é exatamente o que defendemos), é que o
diálogo não deve representar, propriamente, a imagem de um grupo de cavalheiros
sentados à mesa deliberando cordialmente sobre direitos fundamentais, mas sim a
possibilidade de todos os atores sociais participarem do processo decisório, de
serem ouvidos continuamente num ambiente de interatividade, em busca não do
detentor da última palavra ou de unanimidade, mas do consenso possível,
alcançável através de rodadas procedimentais e de concessões recíprocas.
2.6.1 Virtudes passivas x Virtudes ativas
No que tange às virtudes passivas duas teorias serão abordadas e ambas
visualizam o diálogo no interior da decisão judicial. As próprias definições
teóricas já denotam tratar-se de visões minimalistas quanto à postura que a corte
deve assumir. Os seus principais defensores são Alexander Bickel, que irá falar
em “colóquio socrático”, e definirá a corte como um “animal político prudente”, e
Cass Sunstein que defende o “minimalismo”.
Adotando ponto de vista oposto aos desenvolvidos por Bickel e Sunstein,
está Neal Kumar Katyal, para quem a corte deve assumir a função proativa de
conselheira, enviando recados aos demais poderes. Katyal defendeu sua teoria no
artigo intitulado Justices as Advicegivers. Comecemos com Bickel.
2.6.1.1 Bickel e o colóquio socrático
Alexander Bickel desenvolveu a maior parte dos seus trabalhos sobre
ativismo judicial na década de 60, quando a Suprema Corte Norte-Americana
encontrava-se no centro das agitações sociais, notadamente no papel de
protagonista das transformações sociais, sobretudo em relação aos casos de
segregação racial.
Antes de se lançar na defesa do diálogo (e da corte como um dos seus
agentes), Bickel se propôs a defender a corte dos ataques advindos da “dificuldade
74 Ibid. p. 105.
63
contramajoritária”, que como já dissemos, é expressão por ele cunhada que se
popularizou e se mantém até hoje. O autor analisa a atuação da corte não sob o
prisma do distanciamento e da neutralidade que, em tese, dela se espera na
interpretação e aplicação do direito. Pelo contrário, reconhece-se que uma corte
constitucional é apenas mais um ator político, sendo influenciada por fatores
externos ao direito. Contudo, para ele, tal influência não é negativa, sendo até
mesmo desejável, dependendo de quais sejam esses fatores.
Contudo, o juízo político que Bickel entende haver na revisão judicial, não
é regido pelo sentimentalismo, pelo impulso passional e tampouco pela predileção
ideológica. Pelo contrário, essa vontade seria desinteressada e isenta, o que
qualifica o juízo pela virtude e pela prudência. Para o autor, este é o agir da corte
enquanto “animal político”75.
Pressupondo-se, então, que as cortes estão inseridas no jogo político, uma
observação deve ser feita. Toda decisão política possui duas dimensões, a de
princípio e a de conveniência e oportunidade. Enquanto a primeira se relaciona
com valores morais, rígidos e intangíveis a concessões, a segunda está pautada no
pragmatismo daquilo que é factível, de modo que a tomada de decisão terá de ser
maleável o suficiente para adequar-se ao momento considerado propício.
Bickel entende que a missão da corte é defender a dimensão de princípio,
pois o desenho institucional que ela possui não é encontrado no parlamento,
sobretudo porque as cortes lidam com casos concretos, o que lhes permite testar
com maior precisão a aplicabilidade prática de valores abstratos. Segundo Bickel:
Our System, however, like all secular systems, calls for the evolution of principle in novel circumstances, rather than only for its mechanical application. Not merely respect for the rule of established principles but the creative establishment and renewal of a coherent body of principled rules – that is what our legislatures have proven themselves ill equipped to give us (…) Moreover, and more importantly, courts have certain capacities for dealing with matters of principle that legislatures and executives do not possesses. Judges have, or should have, the leisure, the training, and the insulation to follow the ways of the scholar in pursuing the ends of government76.
75 BICKEL, Alexander M. Foreword: The Passive Virtues (1961). Faculty Scholarship Series. Paper 3968. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/3968>. Acesso em 30 de dezembro de 2013, p. 47. 76 BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch. Op. cit. ps. 25-26.
64
Todavia, em possuindo os princípios um aspecto mais duradouro, por
vezes a corte é instada a decidir questões de constitucionalidade que irão gerar um
compromisso mais longo para o qual a sociedade talvez não esteja preparada.
Quer dizer, repentinamente, estar-se-ia a impor regras rígidas contrárias às
práticas enraizadas naquela determinada sociedade. Nesse contexto, Bickel,
entendendo que a corte em sede de controle de constitucionalidade pode, ou
revogar uma lei por inconstitucional, ou validá-la como constitucional, irá propor
uma terceira via: não decidir de plano:
I take it that a neutral principle, whatever its other, less controversial but by no means unimportant aspects, is one that the Court must be prepared to apply across the board, without compromise. A neutral principle – of which, given the nature of a free society and the consensual basis of all its effective law, there can be but very few – is a rule of action that will be authoritatively enforced under present circumstances and in the foresseable future, without adjustment or concession77.
Propõe ele que a corte adote técnicas que evitem a tomada de decisão, que
a posterguem, que seriam as chamadas virtudes passivas. São mecanismos
processuais manejados pela corte para, justamente, evitar emitir opinião sobre o
caso. A premissa, aqui, é a seguinte: a corte não está obrigada a legitimar toda e
qualquer situação que não considere inconstitucional. Afirma Bickel:
When it strikes down legislative policy, the Court must act rigorously on principle, else it undermines the justification for its power (…) But it is not obligated to foresee all foreseeable relevant cases and to foreclose all compromise. Indeed, it cannot. It can only decide the case before it, giving reasons which rise to de dignity of principles and hence, of course, have a forward momentum and broad radiations78.
As virtudes passivas se sustentam, basicamente, sobre dois pilares: o
primeiro é o da estabilização social através do tempo, que reside na possibilidade
de que os processos deliberativos sejam estimulados socialmente antes de se
tomar qualquer decisão duradoura sobre princípios. Ou seja, busca-se o
amadurecimento da questão através da experiência. O segundo pilar reside numa
mudança de postura da corte, no sentido de que esta busque persuadir antes de
77 BICKEL, Alexander M. Foreword: The Passive Virtues. Op. cit., p. 48. 78 BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch. Op. cit. ps. 69-70.
65
coagir, acomodando as demandas de princípio e de conveniência e oportunidade.
Ocorre que, em certos casos, verifica-se que o próprio processo democrático pode
ser suficiente para gerar boas respostas, de modo que uma decisão súbita sobre
princípios poderia representar uma interferência indesejada nesse processo79.
Para Bickel essa é a missão educativa da corte, a quem chama de
“professora da cidadania” (teacher of the citizenry). Ao deixar de decidir, a corte
estimula um colóquio com os demais poderes e com a própria sociedade. A
potencialidade desse colóquio (colloquy) reside em gerar pressão sobre o
legislativo para que este aja, pois a autoridade da lei, não raro, se mostra mais
efetiva do que uma decisão judicial impositiva. Além disso, por vezes o colóquio
permite a decantação de novos valores, e quando isso ocorre, a decisão judicial se
torna uma decorrência natural desse processo. Enfim, o princípio torna-se um guia
valorativo cunhado pelo diálogo e não pela imposição unilateral80-81.
Nesse contexto, a corte lança questões ao debate publico, optando por não
respondê-las. Pelo contrário, somente dará ela própria a resposta em situações
excepcionais, que Bickel entende se manifestam a partir de três critérios
alternativos: quando a corte tem expertise diferenciada sobre o assunto; quando há
informação e conhecimento suficientes sobre ele; e quando seu senso político diz
que é necessário. Quer dizer, a rigor a decisão apenas deverá ser tomada quando
esgotadas todas as vias do diálogo e quando houver efetiva necessidade. Segundo
Bickel,
The Court can, even, possibly, as in Kent v. Dulles, require a second decision. Of course, vagueness and delegation and their extensions have an intellectual content that must be respected; hence they cannot always be availed of. But in any event, the role of the Court and its raison d´être are to evolve, to defend, and to protect principle. If ultimately a course of action that cannot be accommodated to principle is insisted upon by the political institutions, it is no part of the function of the Court to bless it, however double-negatively. Where the judicial process has been invoked defensively, dismissal of the suit is the solution, after other devices have been exhausted82.
79 Ibid, ps. 205-206. 80 Ibid, p. 113. 81 “Even when it is ultimately constrained to yield to necessity, however – to yield, this is to say, to the judgment of the political institutions – the Court can exert immense influence. It may be unable to wield its ultimate power as an organ of government charged with translating principle into positive law; but it need not abandon its concomitant role of “teacher to the citizenry”. (BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch. Op. cit. ps. 187-188). 82 BICKEL, Alexander M. Op. cit. p. 77.
66
Assim, tal qual Dworkin, Bickel considera a corte um fórum de princípio,
para ele a tomada de decisão pautada em princípios não deve ser feita pela corte
sozinha, cumprindo-lhe, pelo contrário, atuar para que o parlamento e a própria
sociedade participem do processo decisório. Logo, a missão da corte não é
encontrar a resposta certa, mas a melhor resposta para a sociedade – desde que,
antes, tenha exercido suas virtudes passivas e incentivado o colóquio.
Tal cuidado é fundamental para que se estabeleça um fluxo contínuo nessa
tomada de decisão, cuja importância decorre do fato de que os princípios que
regem determinada sociedade tendem a mudar de geração para geração ou, ao
menos, muda a percepção que se tem deles (sendo esta uma das facetas da
chamada “mutação constitucional”). Nesse sentido, percebe-se que a
provisoriedade é também uma característica das decisões da corte.
Enfim, tendo explicado os principais pontos de destaque da teoria de
Bickel, passaremos no próximo tópico a falar sobre Cass Sunstein e da corrente
minimalista.
2.6.1.2 Sunstein e o minimalismo
Cass Sunstein, diferentemente de Bickel, defendeu que, idealmente, não
seria o caso da corte deixar de decidir, mas decidir não mais do que o necessário
para justificar o resultado, deixando o máximo possível em aberto. Em Sunstein a
função da Corte de invalidar ou legitimar leis através do controle de
constitucionalidade permaneceria irretocável, mas adotar-se-ia como modelo
ideal, o da decisão que não soluciona o caso.
O objetivo, aqui, seria tanto evitar a decisão judicial errada quanto a
decisão certa invasiva, considerando-se que ambas gerariam efeitos negativos.
Assim como em Bickel, o contorno da teoria de Sunstein é desenhado por
expressões chave como “deixar coisas não decididas” (leaving things undecided) e
“acordos teóricos incompletos” (incompletely theorized agreements).
A principal característica do minimalismo consiste em deixar questões
fundamentais não decididas, quando não essencial para o deslinde do caso posto.
Para tanto, inicialmente, defende que a decisão deve focar-se no caso particular,
67
sendo evitadas decisões muito genéricas. Ademais, ao invés de raciocínios
dedutivos, o juiz minimalista deve valer-se da analogia e dos precedentes para
julgar, justamente a fim de evitar formulações muito abstratas. A ideia, portanto, é
minimizar os reflexos jurídicos da decisão sobre outros casos83.
Ao defender a formulação de “acordos teóricos incompletos”, o que
Sunstein busca é a redução do desacordo. Nesse sentido, a postura minimalista
tem a potencialidade de concretizar um objetivo crucial do sistema político, que é
permitir que pessoas concordem quando o acordo é necessário, tornando
desnecessário concordarem quando o acordo foi impossível. Afirma Sunstein:
The second point is that minimalists generally try to avoid issues of basic principle. They want to allow people who disagree on the deepest issues to converge. In this way they attempt to reach incompletely theorized agreements. Such agreements come in two forms: agreements on concrete particulars amid disagreements or uncertainty about the basis for those concrete particulars, and agreements about abstractions amid disagreements or uncertainty about the particular meaning of those abstractions. Both forms are important to constitucional Law84.
Igualmente importante, é a percepção de que há uma clara ligação entre o
minimalismo e a deliberação democrática, tendo em vista que as decisões
minimalistas permitem o aumento do espaço para futuras reflexões e debates, não
apenas em nível local, mas também estadual e nacional, justamente por não
encerrar em caráter definitivo decisões subseqüentes. Por conseguinte, as
discussões que se iniciam no seio do tribunal, têm o condão de promover maior
deliberação fora da corte85.
Outra constatação importante sobre o minimalismo reside na percepção de
que ele guarda em si notada desconfiança quanto ao potencial do juiz de promover 83 “Decisional minimalism has two attractive features. First, it is likely to reduce the burdens of judicial decision. It may be very hard, for example, to obtain a ruling on the circumstamces under which single-sex education is legitimate. It may be especially hard to do this on a multimember court, consisting of diverse people who disagree on a great deal (…) And a court that tries to agree on that question may find itself in the position of having to obtain and use a great deal of information, information that may not be available to courts (and perhaps not to anyone else). Second, and more fundamentally, minimalism is likely to make judicial errors less frequent and (above all) less damaging. A court that leaves things open will not foreclose options in a way that may do a great deal of harm”. (SUNSTEIN, Cass R. One case at a time – judicial minimalism on the supreme court. Harvard: Harvard University Press, p. 04. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=npY0aMUOacUC&printsec=frontcover&dq=sunstein+one+case+at+a+time+pdf&hl=en&sa=X&ei=e3TBUsHzFOW_sQT6vYKADw&ved=0CCsQ6AEwAA#v=onepage&q&f=false >. Acesso em: 30 de dezembro de 2013). 84 Ibid, p. 12. 85 Ibid, p. 04.
68
a democracia por conta própria. Nesse diapasão, Sunstein defende que os debates
gerados por uma decisão minimalista que invalida uma lei são potencialmente
ricos, pois as questões que foram deixadas em aberto poderão ser aprimoradas e
decididas por deliberações posteriores. Assim, o autor sustenta que o minimalismo
não representa uma limitação ao poder judicial, mas pelo contrário estimula a
tomada de decisões relevantes pelos órgãos políticos democraticamente
legitimados. Nas palavras de Sunstein,
Minimalism can interact in diverse ways with judicial validations or invalidation of statutes. Minimalism does not mean judicial “restraint”, if this term is understood to mean judicial unwillingness to invalidate legislation. To get hold of the relation between minimalism and democracy, the diverse possibilities should be kept in mind (…) The goal of accountability is fostered by ensuring that officials with the requisite political legitimacy make relevant decisions86.
A descrição acima proposta, sobre o minimalismo, pode ser sumarizada
através das duas maiores potencialidades que Sunstein enxerga na tomada de
decisões de caráter minimalista: a primeira, permitir que o amadurecimento e a
solução da questão posteriormente pela própria sociedade, a partir das bases
argumentativas estabelecidas pela decisão judicial. A segunda, apurar a percepção
sobre questões de alta complexidade e de envergadura constitucional, a fim de se
evitar decidi-las, com caráter de definitividade, considerando-se a divergência na
opinião pública:
The first suggestion is that certain forms of minimalism can be democracy-promoting, not only in the sense that they leave issues open for democratic deliberation, but also and more fundamentally in the sense thar they promote reason-giving and ensure that certain important decisions are made by democratically accountable actors (…) My second suggestion is that a minimalist path usually – not always, but usually – makes a good deal of sense when the Court is dealing with a constitutional issue of high complexity about which many people feel deeply and on which the nation is divided (on moral or other grounds). The complexity may result from a lack of information, from changing circumstances, or from (legally relevant) moral uncertainty. Minimalism makes sense first because courts may resolve those issues incorrectly, and second because courts may create serious problems even if their answers are right. Courts thus try to economize on moral disagreement by refusing to take on other people´s deeply held moral commitments when it is not necessary for them to do so in order to decide a case87.
86 Ibid ps. 28 e 31. 87 Ibid, p. 05.
69
Enfim, Sunstein considera ser fundamental para a democracia que a corte
deixe coisas não decididas, e que tal postura não representa o abandono do
heroísmo moral dos juízes constitucionais que adotam decisões maximalistas.
Pelo contrário, preconiza que, mesmo discretamente, o minimalismo pode ser
heróico também.
2.6.1.3 Katyal e as virtudes ativas
As virtudes ativas, segundo Neal Kumar Katyal, residem no
aconselhamento. Este consiste em recomendar, mas não impor, um rumo
decisório específico a outro poder. Segundo ele, os juízes quando atuam como
conselheiros estão criando uma quarta via possível na revisão judicial, para além
das três anteriormente vistas: invalidar ou não invalidar as leis, e não decidir. Não
se trata, propriamente, de estabelecer uma supremacia judicial, mas de permitir às
cortes, de modo não impositivo, indicar aos demais poderes os caminhos a
seguir88.
Os conselhos seriam dados no âmbito da decisão judicial, contudo não
inseridos nas razões de decidir (ratio decidendi). Com efeito, Katyal defende que
as decisões tomadas pelas cortes sejam estreitas, mas entremeadas por obter
dictas, ou seja, palavras ditas “de passagem”, que não vinculam e não compõem o
dispositivo da decisão. Ilustrativa, nesse aspecto, a seguinte passagem de sua obra:
Despite these declarations, this article argues that the Justices often act to provide advice in their published opinions. Indeed, advicegiving is a natural adaptation in a world in which judges fear deciding issues due to the countermajoritarian difficulty; those jurists who want to avoid interference with legislative power announce narrow holdings, but superimpose broad advice (a form of dicta) by fully explicating the rationale and assumptions behind a
88 Because of a misguided focus on interbranch and intergovernental autonomy, doctrines os justiciability, abstention, political questions, and the like have been phrased largely in negative terms as doctrines that preserve respect for states and politically accountable branches of the federal government by minimzing the judicial role. But once the advicegiving view is adopted, a space develops for courts to act affirmatively without compromising the power of these other political entities. (KATYAL, Neal Kumar. Judges as Advicegivers. Stanford: Stanford Law Review, v. 50, 1997, p. 1712. Disponível em:http://www.jstor.org/discover/10.2307/1229240?uid=2134&uid=2478869033&uid=32754&uid=3737664&uid=5909624&uid=2&uid=70&uid=3&uid=32753&uid=67&uid=2478869023&uid=62&uid=60&sid=21103360614611. Acesso em 07/02/2014). (grifos no original)
70
decision. The combination of ‘narrow holding + advicegiving dicta’ enjoys a natural advantage over a broad holding in terms of democratic self-rule, flexibility, popular accountability, and adaptability”.89 (grifos no original)
Acredita o Autor que, em sendo assim, o conselho assume maior
flexibilidade e, sobretudo, afigura-se como uma técnica mais efetiva para
promover a democracia e a adaptabilidade da decisão judicial. Diz Katyal:
“Advicegiving can attain minimalism´s advantage of preserving legislative
flexibility while simultaneously tempering minimalism´s dangerous tendency to
reduce predictability and guidance”90.
É certo que juízes, de forma implícita ou explícita, invariavelmente
fornecem conselhos em suas decisões. Portanto, aceitar tal postura é importante,
pois do contrário, ela será adotada marginalmente, longe do controle público.
Aliás, ao se reconhecer a validade dos conselhos como técnica de decisão judicial,
a interação entre o judiciário e os demais poderes, principalmente o parlamento,
torna-se cooperativa e rompe com o modelo adversarial.
Acredita-se que, dessa forma, a corte cria condições para que os poderes
conversem produtivamente, evitando-se com isso ou a hostilidade ou a deferência
acrítica. Nessa esteira, Katyal organizou uma tipologia dos conselhos.
Ilustrativamente, enumeram-se os oito principais: (i) clarificação; (ii)
autoalienação; (iii) personificação; (iv) exemplificação; (v) demarcação; (vi)
prescrição; (vii) educação; (viii) moralização91.
Por fim, partindo-se do conceito de virtudes ativas estabelecido por Katyal,
à luz do papel da corte como conselheira, torna-se imperioso tratar de outro
mecanismo teórico que atende ao mesmo objetivo: a adoção da técnica da
proporcionalidade na tomada de decisão pelas cortes constitucionais, capitaneada
por Robert Alexy.
A máxima da proporcionalidade propõe três testes à lei, para que esta seja
considerada válida – necessidade, adequação, e proporcionalidade em sentido
estrito – e está vinculada à inserção dos princípios na interpretação e aplicação das
normas constitucionais. A proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento)
89 Ibid p. 1711. 90Ibid, p. 1716. 91 O Autor relaciona tais aconselhamentos, os conceitua e explica seus respectivos papéis através de exemplos de julgados pela Suprema Corte Norte-Americana, na obra ora sob estudo, ps. 115-120.
71
decorre da relativização dos princípios em face das possibilidades jurídicas,
enquanto que a necessidade e a adequação decorrem da natureza dos princípios
como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas92.
Basicamente, a técnica da proporcionalidade consiste em submeter a
legislação a três testes, com vistas a aferir se a lei é ou não constitucional. O
primeiro teste é o da legitimidade e adequação: os fins buscados pelo legislador
devem ser compatíveis com a Constituição e os meios utilizados para tanto devem
estar adequados a eles.
O segundo teste é o da necessidade: também relacionado com os meios
através dos quais se buscam determinados fins, neste se examina se tais meios
são, efetivamente, necessários e únicos, ou se existiriam outros menos gravosos.
E, finalmente, o terceiro teste é o da proporcionalidade em sentido estrito: uma
avaliação de custo-benefício, com o fito de saber se a prevalência de um direito
sobre outro é proporcional. Assim, se a lei falhar em qualquer um desses testes ela
será considerada inconstitucional.
A técnica da proporcionalidade, enquanto técnica dialógica foi mais
especificamente defendida por Alec Stone-Sweet, que constatou sua larga adoção
pelas cortes constitucionais. Para o autor, quando essa técnica é empregada de
maneira bem sucedida, o judiciário acaba induzindo os demais poderes a refletir
sobre seus próprios papéis, em termos de proporcionalidade:
In many polities today, proportionality is treated as a taken-for-granted feature of constitutionalism, or a criterion for the perfection of the “rule of law.” For us, this “takenfor-granted” quality is an outcome of a social process that, like any social process, can and should be examined empirically. Treating PA as a natural, inherent principle of the legal system disguises the open-ended process through which it emerged, and downplays the controversies that PA routinely occasions among judges, elected officials, and scholars. The source of the anxiety is clear: however inherently “judicial” one takes the procedure to be, the LRM and balancing stages of PA fully expose judges as lawmakers. Indeed, the framework is typically debated from two opposed standpoints.10 Some see it as dangerous: judges may defer too much to legislators and executives; they may even “balance rights away.” Others see PA as being too restrictive of policy discretion, inevitably casting judges as masters of the policy processes under review.11 Proponents defend proportionality againstattacks from both sides.12 Although we will join this debate, it is important to emphasize that PA is an analytical procedure—it does not, in itself, produce substantive outcomes. That
92 ALEXY, Robert. Op. cit. ps. 117-118.
72
point made, judges also use proportionality as a foundation on which to build doctrine, the “argumentation frameworks” that govern rights litigation93.
Nesse diapasão, a proporcionalidade se torna uma linguagem comum, pela
qual os poderes podem se comunicar. E sabendo que a técnica eventualmente será
manejada pelas cortes, os poderes passam, previamente, a tentar persuadi-la da
validade dos seus atos.
Enfim, uma vez analisadas as virtudes ativas e as virtudes passivas, como
técnicas que estimulam o diálogo institucional no interior da decisão judicial, no
próximo tópico passaremos a tratar das técnicas de diálogo que consideram a
interação entre os poderes fora da decisão, como produto da separação dos
poderes.
2.6.2 Constituição fora das cortes
Nos tópicos anteriores, falamos sobre o diálogo no interior da decisão
judicial. Dentro desse contexto, analisamos as possíveis atitudes que a corte pode
adotar com vistas a promover o diálogo no momento decisório. Para autores como
Bickel e Sunstein, o seu papel seria de autocontenção, evitando decidir ou
decidindo pouco. Tal medida teria o propósito de permitir a maturação das
questões colocadas, evitando a corte de assumir a condição de protagonista.
Nesse contexto, os demais poderes, bem como a própria sociedade
poderiam, em conjunto, e assumindo cada qual a importância dos seus papéis,
chegar à melhor solução possível sobre o tema posto em debate, a partir do
caminho deixado pela corte.
Já em Katyal, a corte surge como conselheira e, ao invés de não decidir ou
decidir pouco, deixa conselhos e recomendações aos demais poderes através da
decisão; são as virtudes ativas. Tais conselhos, uma vez que não estariam insertos
nas razões decisórias, não teriam caráter vinculante e, por tal motivo, dariam
margem de manobra aos demais poderes para agir, enquanto sujeitos
representativos dentro de uma sociedade democrática. E a mesma potencialidade,
como vimos, encontra-se presente na aplicação da técnica da proporcionalidade,
93 STONE-SWEET, Alec; MATHEWS, Jud. Proportionality Balancing and Global Constitutionalism (2008). Faculty Scholarship Series. Paper 14, p. 03. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/14>. Acesso em 30 de dezembro de 2013.
73
conforme defendem Alec Stone-Sweet e Jud Mathew, considerando os
ensinamentos encontrados em Robert Alexy.
A partir do presente tópico, contudo, mudaremos o olhar sobre a ideia do
diálogo. O diálogo, agora, será abordado como produto necessário da separação
de poderes. A análise se desenvolverá a partir das experiências norte-americana e
canadense (esta, no subtópico seguinte). No âmbito, pois, da experiência norte-
americana, há teorias que possuem a mesma base argumentativa, no sentido de
que todos somos intérpretes da Constituição, e que tal prerrogativa não deva ser
atribuída exclusivamente às cortes.
Pelo contrário seriam as decisões judiciais apenas um estágio dentro de um
processo decisório mais amplo, que passa por rodadas procedimentais, nas quais
os argumentos e a construção de soluções para as questões postas advêm dos
diversos atores sociais - dos demais Poderes e dos próprios cidadãos – que passam
a ter a mesma voz ativa que os juízes. Logo, pode-se afirmar que tal premissa leva
em consideração o diálogo que se estabelece simultaneamente entre as instituições
e a sociedade, e não mais o diálogo posto a partir e no interior da decisão judicial,
como nos casos vistos anteriormente.
2.6.2.1 Potencial interpretativo extrajudicial
Inicialmente, iremos analisar a teoria de Mitch Pickerill sobre a construção
de uma interpretação constitucional feita conjuntamente entre os poderes, de
maneira coordenada. Pickerill faz uma análise empírica (da realidade norte-
americana) sobre o potencial interpretativo extrajudicial, notadamente em relação
ao diálogo possível entre cortes e parlamentos, e de início constata que, em
momentos sujeitos a uma “ameaça real” de revisão judicial, o legislador passa a
considerar com mais cuidado a dimensão constitucional dos temas por ele
abordados.
Partindo de tal pressuposto, Pickerill afirma que há dois potenciais efeitos
que a corte pode exercer sobre o parlamento, a partir da revisão judicial: o
primeiro é permitir-lhe dar respostas à decisão judicial, seja contrariando esta, seja
respeitando-a e fazendo concessões. O segundo efeito é refinar o debate e a
74
deliberação no bojo do próprio processo legislativo, sobretudo por enfatizar o
peso constitucional da criação legislativa. Nas palavras de Pickerill,
First, what does the exercise of judicial review do to the specific statute involved in a Court decision? After the Court strikes down legislation as unconstitucional, Congress can succumb to the Court´s interpretation, or it can respond to the Court. In responding to the Court, Congress may try to override the Court´s decisions, or it may revise the statute and make concessions to the Court on constitutional issues in an attempt to preserve the underlying public policy. Second, how do the Court´s judicial review decisions affect debate and deliberation in Congress over newly proposed legislation that raises constitutional provision or issue is a real threat, members in Congress may be more likely to consider that issue when drafting relevant legislation, and to draft statutory provisions that will satisfy the Court´s constitutional doctrine or preferences94.
O que podemos extrair da passagem acima, é que, em regra, o parlamento,
embora tenha argumentos e estratégias para responder à decisão judicial,
normalmente acaba se abstendo de agir. Pelo contrário, sempre que possível busca
atender ao objetivo da política pública e, ao mesmo tempo, obedecer aos limites
impostos pela corte. E essa, para ele, é a rotina da política normal. Ou seja, em
regra buscará o parlamento editar leis que se adaptem às exigências judiciais.
Pickerill acredita que a resposta do parlamento às cortes nem sempre
corresponderá a uma rejeição da supremacia judicial e uma prova de que o
legislador deve prevalecer. Pelo contrário, faz-se necessário olhar para a
substância da resposta, de modo que sempre que os objetivos da política puderem
ser preservados o legislativo tenderá a editar leis com deferência à corte. Não se
trata, em absoluto, de reconhecer a supremacia judicial, mas sim de uma interação
e negociação entre os poderes, num processo em que há concessões mútuas.
Ao analisar a teoria de Pickerill, Conrado Hubner Mendes afirma que para
o autor seria equivocado sustentar que os poderes têm igual capacidade de
deliberarem sobre princípios. No entanto, não está a admitir que haja uma
supremacia judicial. Propõe, então, um meio termo, uma “primazia judicial”
(judicial primacy). Sob este prisma, reconhece que questões de princípio são
agendas prioritárias para as cortes, mas não para o legislador, que se preocupa, a
94 PICKERILL, J. Mitchell. Constitutional Deliberation in Congress: the Impact of Judicial Review in a Separated System. Duke: Duke University Press, 2004, p. 04. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=FLFdpJIeEeYC&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 02 de janeiro de 2014.
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priori, com matérias de conveniência da política pública. Todavia, nenhum poder
está isento de deliberar observando princípios, embora estes, no âmbito da
atividade legislativa, por exemplo, assumam importância meramente secundária95.
A conclusão que se pode extrair da teoria de Pickerill é que o sistema de
separação de poderes tem por pressuposto a produção de normas jurídicas que
reflitam o balanceamento das diferentes instituições. Pode-se dizer, por
conseguinte, que tal balanceamento traz em si uma concepção integral de
constitucionalismo e estimula uma deliberação qualitativa dentro e fora das cortes.
2.6.2.2 Constitucionalismo popular mediado
O constitucionalismo popular mediado é a tese defendida por Barry
Friedman em artigos publicados ao longo de vinte anos, e tem como ponto-chave
a constatação de que nem a lei é sempre majoritária, nem a revisão judicial é
sempre contramajoritária. Pelo contrário, raramente é assim, não havendo como
tratar da revisão judicial a partir, simplesmente, de uma oposição entre maiorias e
minorias.
A proposta básica da teoria de Friedman consiste em desconstruir duas
suposições que ele acredita serem equivocadas sobre a revisão judicial: a primeira,
de que existe uma vontade fixa e identificável da maioria, que o legislador espelha
e da qual as cortes se distanciam96; a segunda, de que a corte tem a última palavra
sobre questões de direito97.
95 MENDES, Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. p. 136. 96 a. The faulty assumption as a “majority”. The first premise upon which the countermajoritarian difficulty rests is that decisions in our government must be mada in electorally accountable fashion, either by the people themselves or by their representatives. According to a familiar statement of the countermajoritarian difficulty, the problem with judicial decisions is that they often “thwart” the will of popular majorities (…) Courts, on the other hand, are undemocratic (…) This view, however, depends for its coherence on the assumption that there is an identifiable majority whose will can be assessed (…) Absent a claim that legislative acts actually represent majority will, one only has an argument about the relative legimacy – without regard to actual majority support – of each branch of government. But that is silly: the Constitution creates three “legitimate” branches of government, one of which is the judiciary. (FRIEDMAN, Barry. Dialogue and Judicial Review. Michigan: Michigan Law Review, v. 91, 1993, ps. 629-630). 97 The challenge now is to define a judicial role in our constitutional system that sidesteps the foulty premises of the countermajoritarian difficulty an integrates the triple virtues of spaciousness, dynamism, and constituency representation (…) My goal here is to describe the manner in which courts actually operate in society (…) I call the process of judicial review that actuallt occurs in the workaday world dialogue (…) The Constitution is not interpreted by aloof judges imposing theirs will on the people. Rather, constitutional interpretation is an elaborate
76
Sua sugestão é substituir esses dogmas por três ideias que seriam mais
próximas da realidade: (i) o sistema de governo não representa, propriamente a
vontade da maioria, mas ouve e integra as aspirações dos diversos grupos de
interesse; (ii) o texto constitucional pode ser interpretado de diversas maneiras,
sendo flexível o suficiente para acomodar a todas; (iii) o processo de interpretação
constitucional é dinâmico, e não estanque, permitindo diferentes interpretações a
cada momento social.
Friedman defende que nenhum poder é perfeitamente majoritário. Nesse
contexto, o controle de constitucionalidade pode assumir dois papéis: o de
facilitador e de interlocutor de um diálogo permanente, estando o autor certo de
que, quando a decisão judicial tem maior amplitude e efeitos erga omnes, está
longe de ser a última palavra. Assim afirma:
The Court facilitates and shapes the constitutional debate. The Court sparks discussion as to what the text should men by siding with one constituency´s interpretation, or synthesing several, as to what our norms should be. The Court dictates how the dialogue will proceed by choosing one interpretation (…) This process of constitutional interpretation hardly pits the Court against the people. Rather, the Court mediates the views of various people. The process ins interactive, like all mediation, and the ultimate result depends upon participation by all interested parties. Simply put, our process of constitutional interpretation is a dialogue98.
Sob tal ótica, para Friedman, a separação de poderes na verdade seria uma
cooperação de poderes, devendo nesse aspecto, ser afastada a ideia da luta
adversarial. A partir desse desenho, surge em Friedman o conceito de
“constitucionalismo dialógico”, ou “constitucionalismo popular mediado”. Tal
conceito afirma a existência de um paradoxo entre dois objetivos que esperamos
discussion between judges and the body politic (…) The Court, like all other institutions, speaks to the meaning of the text. In this sense, the Court is, like all other branches of government, an active participant in the debate over the Constitution´s meaning. (ibid. ps. 654-655). Em outra passagem, diz o autor: This notion of “judicial finality” seriously overstates the impact of a judicial decision, however, even a decision by the Supreme Court. A judicial decision is an important word on any subject. But it is not necessarily the last word. Because the judicial word is not the last world, the countermajoritarian difficulty loses force. (ibid. p. 644). 98 Ibid, ps. 654-655.
77
da democracia – que os poderes reflitam a vontade popular, mas que também
ofereçam alternativas e caminhos inovadores99.
Segundo Friedman, a resposta para esse paradoxo está na forma como o
sistema constitucional funciona, na medida em que os poderes, alternadamente,
encontram-se mais próximos ou mais distantes da opinião popular, através de
ciclos de aproximação e de afastamento. A corte, nesse diapasão, oscila entre
papéis ativo e passivo, sendo visionária ou reacionária, majoritária ou
contramajoritária. E para o autor, essa ciclotomia ajuda a resolver o paradoxo,
pois diante dessa tensão constante e dinâmica, novas interpretações
constitucionais surgem e refletem de alguma maneira, a vontade popular100.
A natureza mediada da decisão torna-se importante para a adjudicação
constitucional, pois esta não deve atender a preferências ou desejos populares
imediatos. A convergência entre vontade popular e revisão judicial deve buscar
princípios mais profundos, valores que o povo aceita ao longo do tempo. Agindo
dessa forma, a corte se resguarda ao promover o diálogo, pois do contrário não
resistiria ao ataque público.
Assim, pode-se dizer que a grande diferença entre a teoria de Friedman e
as demais teorias do diálogo vistas até aqui, reside no rechaço direto da
dificuldade contramajoritária e na inclusão da opinião pública na tomada de
decisão, partindo da premissa de que a decisão judicial ao invés de encampar, com
caráter de exclusividade, a última palavra, abre o debate e o lança também para os
99 “The countermajoritarian difficulty assumes, first, that there is a majority whose will courts are trumping and, second, that judicial decisions are sufficiently final to act as “trumps”. I intend to show that neither of these assumptions is correct. While critiquing the countermajoritarian difficulty, I also seek to identify and describe actual aspects of our everyday constitutionalism that help explain the role of judicial review. In preview they are these: first, that popular democracy and judicial review have grown up as checks on one another; second, that, rather than a majoritarian government, we have a government of varying and shifting constituencies that clamor to be heard; third, that our Constitution, rather than being determinate, is spacious an capable of varying interpretations; and finally, that judicial decisions are not final but encourage a dynamic interpretation of the Constitution. All this leads to our government of dialogic constitutionalism”. (FRIEDMAN, Barry. Op. cit. ps. 616-617). 100 “Politics tends to move in cylces; people will favor one approach and then, after a time, favor change. Just as a President is gaining firm control over the judiciary, the people are likely to change political direction, leaving the judiciary and the political branches at odds (…) The reality is that, despite the different cycling, times of congruence do accur. There are times when all the branches will be highly representative of majority will (…) The process of election and judicial appointment works to keep the lines somewhat responsive to one another and within the rough bounds of public opinion (…) This tentative thinking suggests a picture of a judiciary that rarely is completely on target with the body politic but is never too far ahead or behind. The judiciary can be at times visionary, and at times reactionary, but never too much of either”. (Ibid, ps. 677-678).
78
demais atores sociais, pois a participação popular, em última análise, legitimaria a
sua atuação.
2.6.2.3 Sequência legislativa
A última das teorias do diálogo a ser estudada é a chamada “Sequência
Legislativa”, desenvolvida no Canadá. Essa teoria baseia-se no estudo realizado
por Peter Hogg e Alison Bushell ao analisarem as interações entre a corte
constitucional e o parlamento canadense a partir das respostas dadas por este às
decisões tomadas por aquela em sede de controle de constitucionalidade, e do
manejo que foi feito pelo parlamento de um mecanismo previsto na Carta de
Direitos do Canadá, na chamada “Seção 33”.
A Carta de Direitos e Liberdades do Canadá (Charter of Rights and
Freedoms), de 1982, estabeleceu uma nova forma de relacionamento entre cortes
e parlamentos. Através da sua Seção 33, a Carta de Direitos canadense deu ao
parlamento o poder de recusar que uma lei aprovada fosse objeto de revisão
judicial. Essa decisão teria validade de cinco anos, podendo ser renovada pelas
legislaturas posteriores. Apesar da previsão legal, até hoje, contudo, não foi feito
uso da prerrogativa concedida pela Seção 33.
A análise do diálogo a partir do cenário canadense foi levada a efeito por
Peter Hogg e Alison Bushell em 1997. Eles traçaram um panorama das decisões
tomadas nos quinze anos anteriores (desde 1982) pela corte constitucional, nas
quais se declarou a inconstitucionalidade de determinadas leis, e analisaram as
respostas dadas pelo parlamento.
As conclusões a que chegaram, basicamente, foram de que: em quase
todos os casos o parlamento respondeu através de uma sequência legislativa; que
essa resposta foi, em regra, imediata; e que, mesmo quando a lei não era declarada
inconstitucional, o debate público despertado poderia levar o legislador a alterá-la.
Ou seja, apesar do parlamento não ter, propriamente, feito uso do recurso da
Seção 33, raros foram os casos em que silenciou; pelo contrário, o que se viu foi
um aumento na interação argumentativa101.
101 Our conclusion is that the critique of the Charter based on democratic legitimacy cannot be sustained. To be sure, the Supreme Court of Canada is a non-elected, unaccountable body of
79
Os autores, a partir dos elementos extraídos do estudo, consideram que a
sequência legislativa corresponde a toda resposta parlamentar a uma decisão
judicial, mesmo quando não se está a discordar da decisão da corte. Ou seja, a
corte força o parlamento a enfrentar argumentos que, a princípio, não apareceriam
na agenda legislativa.
Em síntese, para Hogg e Bushell, a sequência legislativa é o caminho para
o diálogo. O enfoque por eles adotado não pressupõe uma aproximação entre
direito e política, como em regas o fizeram as teorias do diálogo vistas até aqui,
pois os autores não estão preocupados, propriamente, com os efeitos da interação
no comportamento dos agentes, tampouco com as negociações informais entre os
poderes, mas simplesmente na interação possível entre cortes e parlamento,
através das respostas dadas por este às decisões tomadas por aquelas. O diálogo,
nesse diapasão, estabelece-se a partir da constatação de que a interação, também
aqui, não necessariamente se dá de maneira adversarial, podendo surgir dela, pelo
contrário, consenso e o amadurecimento da criação legislativa102.
Segundo Conrado Hubner Mendes, os autores tentaram demonstrar que a
preocupação com o elemento antimajoritário da revisão judicial não demanda
tanto alarde como se supunha, tendo em vista que mantém a possibilidade de o
legislador responder, e este frequentemente o faz. Logo, descrevem um processo
middle-aged lawyers. To be sure, it does from time to time strike down statutes enacted by the elected, accountable, representative legislative bodies. But, the decisions of the Court almost always leave room for a legislative response, and they usually get a legislative response. In the end, if the democratic will is there, the legislative objective will still be able to be accomplished, albeit with some new safeguards to protect individual rights and liberty. Judicial review is not “a veto over the politics of the nation,”112 but rather the beginning of a dialogue as to how best to reconcile the individualistic values of the Charter with the accomplishment of social and economic policies for the benefit of the community as a whole. (HOGG, Peter; BUSHELL, Alison. The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures [Or Perhaps the Charter of Rights Isn´t Such a Bad Thing After All]. Osgoode: Osgoode Hall Law Journal, v. 35, n° 1, 1997, p. 105).
102 Legislative action of some kind has followed all but thirteen of the sixty five cases we surveyed; fully 80 per cent of the decisions in this survey have generated a legislative response. Of the thirteen cases without sequels, at least two have been the subject of proposed legislation, and another three have only been decided within the last two years, making it premature to discount the possibility of a legislative sequel in the future. Are all legislative sequels examples of dialogue? We have taken the position that any legislation is dialogue, because legislative action is a conscious response from the competent legislative body to the words spoken by the courts (…) But it is probably casting the notion of dialogue too narrowly to discount those remedial measures that have merely followed the directions of the Court, either by repealing or amending an unconstitutional law. After all, it is always possible that the outcome of a dialogue will be an agreement between the participants! And even if we did exclude those cases, there would still be a significant majority of cases in which the competent legislative body has responded to a Charter decision by changing the outcome in a substantive way. Obviously, on any definition, dialogue is quite prevalent as between Canadian courts and legislatures. (Ibid, ps. 97-98).
80
dialógico guiado pela corte, no qual o legislador tem uma função reativa.
Destarte, se não abandonam a ideia da última palavra, demonstram que,
constitucionalmente, ela pertence às cortes, e factualmente, ao parlamento103.
2.7 Conclusões do capítulo
Após estabelecermos, no primeiro capítulo, uma introdução conceitual
sobre alguns dos elementos que dão sustentação ao tema central da nossa pesquisa
(tais como jurisdição constitucional, ativismo judicial e jurisdição constitucional
brasileira), no presente capítulo passamos ao estudo do diálogo institucional.
Antes, contudo, analisamos o problema da definição quanto a quem
compete a última palavra em questões de direitos, a partir de argumentos
contrários e a favor das cortes e do parlamento, enquanto guardiões da última
palavra. Tratou-se de uma introdução necessária ao tema do diálogo, pois este, em
verdade, pressupõe a ausência de última palavra. Sendo assim, fazia-se necessário
entendermos o que, exatamente, as teorias do diálogo estão a rechaçar.
Com efeito, o diálogo pressupõe que não haja um órgão que detenha a
última palavra sobre questões de direito, questões estas com grande impacto sobre
assuntos de natureza política e social. Pelo contrário, o diálogo parte da premissa
de que a tomada de decisão nesta seara deva ser efetivada através do consenso e
do debate, de modo que, caso haja última palavra, esta será tão-somente
provisória, dentro de uma rodada procedimental, permitindo que se reflita sobre a
posição adotada, podendo os demais atores envolvidos responder ao que restou
decidido, iniciando assim novas rodadas.
Dentre as teorias abordadas, estudamos as virtudes passivas defendidas
por Alexander Bickel e Cass Sunstein, onde o primeiro defende que as cortes
constitucionais devem, sempre que possível, adotar técnicas para não decidir,
enquanto o segundo defende que a corte decida o mínimo possível. Já Neal
Kumar Katyal, em lado oposto, defende as virtudes ativas, partindo da premissa
103 MENDES, Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. ps. 157-158. Os autores reafirmaram dez anos depois do artigo de 1997, em edição comemorativa na mesma revista onde o artigo original foi publicado - Charter Dialogue Revisited – Or Much Ado About Metaphors (2007).
81
de que a corte, ao decidir, atua como conselheira dos demais poderes, através de
conselhos dados no interior da decisão judicial, em obiter dictum.
Vimos, ainda, teorias que falam de “Constituições fora das cortes”, como a
de Mitchel Pickerill sobre construção coordenada; a de Barry Friedman, que por
sua vez fala sobre o constitucionalismo popular mediado; e a de Peter Hogg e
Alison Bushell, que tratam da experiência canadense da sequência legislativa e
das respostas que o parlamento pode dar à corte quando esta exerce o controle de
constitucionalidade das leis e atos normativos. Todas estas são teorias que
defendem o diálogo, contudo não mais a partir da decisão judicial mas como
produto do próprio cenário político, como efeito prático da separação dos poderes.
No próximo capítulo discorreremos sobre o mandado de injunção,
analisando as principais características do instituto e, principalmente, o seu estado
atual de aplicação no direito brasileiro, pois ao longo das últimas décadas lhe foi
atribuído um caráter completamente novo pelo STF através da evolução na sua
jurisprudência, e o potencial decisório e transformador do instituto alcançou novo
patamar.
Nesse diapasão, consideramos que, hoje, o mandado de injunção
representa uma via de legitimação do ativismo judicial exercido pelo STF, pois o
mandado de injunção, ao mesmo tempo em que se encontra constitucionalmente
previsto como mecanismo de efetivação de direitos, tem a virtude de promover o
diálogo institucional.
3 O mandado de injunção
No presente capítulo será analisado o mandado de injunção, instituto
criado pela Constituição de 1988 para dar efetividade a direitos constitucionais,
cuja fruição encontra-se em suspenso devido a ausência de lei, lei esta que a
própria Constituição prevê como necessária para que tal direito seja gozado na
prática. A proposta do capítulo é apresentar a configuração básica do instrumento,
tratando das questões principais como conceito, objeto e procedimento adotado
em sede de mandado de injunção.
O mais importante, contudo, será a análise que será feita da evolução
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no que tange aos efeitos da decisão
proferida no julgamento do mandado de injunção. Considerando-se que o nosso
trabalho pretende demonstrar as virtudes democráticas do ativismo judicial, a
partir do mandado de injunção, faz-se mister entender os limites e possibilidades
que a corte constitucional estabelece em relação à sua própria atuação, diante
desse instrumento de efetivação de direitos.
Isso decorre do fato de que, inicialmente, o STF adotava uma postura
muito acanhada em relação ao mandado de injunção, e havia consenso entre os
ministros de que a única medida que poderia ser adotada era notificar o Congresso
quanto à mora legislativa. Veremos, pois, que a jurisprudência antes dominante
mudou, predominando atualmente o entendimento de que compete, sim, à corte,
de plano, efetivar o direito constitucional pendente de positivação, criando a
normatividade necessária para o caso concreto – e para os casos idênticos – até
que advenha a lei faltante.
Desde já, contudo, fazemos alguns esclarecimentos: o assunto mandado de
injunção é denso e complexo, tendo sido objeto de estudos próprios, de trabalhos
exclusivamente dedicados a tratar das suas nuances. Por tal motivo, nossa
proposta não será esgotar o tema, mas estabelecer um panorama geral sobre o
mandado de injunção, através do qual seja possível, ainda que sem a
83
profundidade que um estudo ideal demandaria, entendermos com razoável clareza
o papel que o mandado de injunção exerce em nosso ordenamento jurídico.
Desta feita, salientamos que o ponto crucial da presente análise reside no
estudo feito sobre a atual conjuntura de aplicação do instrumento manejada pelo
Supremo Tribunal Federal, pois será a partir da demonstração de que a corte, ao
julgar o mandado de injunção sem se limitar a notificar a mora legislativa, mas
criando as condições necessárias para a fruição do direito em suspenso, ganha
legitimidade democrática sem ofender a separação dos poderes, exercendo
plenamente, e sem qualquer dificuldade contramajoritária, seu ativismo judicial e
encerra uma rodada procedimental.
3.1 Conceito
Desde a promulgação da Constituição de 1988 existem dois mecanismos
no direito brasileiro que lidam com as omissões constitucionais: a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção.
Guilherme Peña de Moraes destaca cinco critérios que diferenciam a ação
direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, apesar da
semelhança que há entre eles104. O primeiro deles seria quanto à natureza jurídica,
pois enquanto a ADIN por omissão revela-se instrumento de provocação da
jurisdição constitucional concentrada, o mandado de injunção seria um remédio
constitucional, tal qual o mandado de segurança e o habeas corpus, manejado,
pois, também por outros tribunais.
A segunda distinção decorre dos seus objetos. A ADIN por omissão
dedica-se à tutela do direito objetivo, traduzido como ordem jurídica violada pela
omissão inconstitucional, enquanto que o mandado de injunção, por sua vez,
destina-se à tutela do direito subjetivo, com assento constitucional, cujo exercício
esteja sendo inviabilizado pela ausência da norma regulamentadora.
Em terceiro lugar, também há diferença no que atine à competência de
julgamento. Como será visto à frente, enquanto na ADIN por omissão a
competência para julgamento é originária e exclusiva do Supremo Tribunal
104 MORAES. Guilherme Peña de. Direito Constitucional – Teoria da Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, ps. 241-242.
84
Federal, no mandado de injunção não há competência exclusiva do STF, sendo
esta atribuída também a outros tribunais (como ao Superior Tribunal de Justiça,
por exemplo), em razão do órgão público competente para a edição da norma.
A quarta diferença decorre da legitimação ativa, pois no caso da ADIN por
omissão os únicos legitimados para sua propositura são aqueles elencados no art.
103, § 2º, da Constituição da República, rol taxativo. Já no mandado de injunção o
legitimado ativo será o titular do direito subjetivo inviabilizado pela falta da
norma constitucionalmente prevista como necessária para sua efetivação, não
havendo, portanto, qualquer limitação em relação aos legitimados. A quinta
diferença diz respeito à eficácia da decisão. Na ADIN por omissão a decisão tem
eficácia erga omnes, enquanto que no mandado de injunção o efeito é meramente
inter partes105.
Por fim, distinguem-se a ADIN por omissão e o mandado de injunção em
virtude, também, do conteúdo da decisão, pois no primeiro caso, a decisão tem
conteúdo meramente mandamental, limitando-se a cientificar o poder competente
para a adoção das providências necessárias para sanar a mora legislativa. Já no
segundo caso, a decisão terá caráter condenatório e constitutivo, de modo que,
cientificado o órgão competente para sanar a mora e permanecendo esta, terá o
poder judiciário legitimidade para solucionar de plano o caso concreto.
Enfim, como bem define Luís Roberto Barroso, a ADIN por omissão
representa modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, realizado
através de processo objetivo de guarda do ordenamento constitucional, afetado
pela lacuna normativa ou pela existência de um ato normativo reputado
insatisfatório ou insuficiente. Não se destina, por conseguinte, à solução de
controvérsia entre as partes em litígio, operando efeitos apenas no plano
normativo, cuja decisão repercute em um plano estritamente político106.
O mandado de injunção, por sua vez, destina-se ao controle incidental,
possuindo também, o STF, competência originária (mas não exclusiva). Encontra-
se insculpido no art. 5º, inciso LXXI, da Constituição da República, que assim
dispõe:
105 Desde já fica o alerta de que, de acordo com a mais recente jurisprudência do STF, os efeitos do mandado de injunção são extensíveis a todos os casos semelhantes, não se limitando às partes do processo julgado, de modo que os juízes que vierem a analisar casos idênticos, deverão balizar-se pelos parâmetros estabelecidos pelo STF no precedente analisado. 106 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: ed. Saraiva, 2006, ps. 220-221.
85
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Como foi dito, o objeto da ADIN por omissão é cientificar o ente público
responsável pela edição da lei faltante, sobre a mora legislativa. Já no mandado de
injunção, seu objetivo é efetivar direitos. Partindo dessa clara distinção, devemos
apontar um viés pouco explorado do mandado de injunção, mas explicitado e
defendido com muita propriedade por Clèmerson Merlin Clève, que propugna que
sequer seria necessário haver mora legislativa ou que desta fosse notificado o
legislativo, para que o writ pudesse ser manejado.
Com efeito, em se tratando de um instrumento de efetivação de direitos,
entende o autor que a Constituição de 1988 atribuiu ao judiciário uma
competência normativa secundária para regulamentar o caso concreto através do
mandado de injunção, até que venha a lei prevista no texto constitucional, sendo,
contudo, desnecessário notificar o órgão público sobre a mora, e tampouco
esperar um prazo razoável a partir do qual se constataria a mora. Clèmerson chega
a dizer que seria possível, no dia seguinte após a promulgação da Constituição, ser
impetrado mandado de injunção. Ilustrativa, nesse sentido, a seguinte passagem
de sua obra:
Se a ação direta presta-se para a obtenção da declaração de inconstitucionalidade da inércia, o que implica existência de omissão inconstitucional (decurso de prazo intolerável sem a concretização da providência legislativa constitucionalmente reclamada), esse pressuposto nem sempre é necessário para o provimento do mandado de injunção. O Supremo Tribunal Federal, é verdade, procurou equiparar os efeitos da decisão em ambos os casos. Não se deu conta de que o mandado de injunção pode ser concedido sem a realização daquele pressuposto. Promulgada a Constituição de 1988, no dia seguinte inexistia ‘omissão inconstitucional’. Afinal, não havia transcorrido prazo suficiente para a manifestação do Congresso Nacional. Todavia, no dia 6 de outubro de 1988 já seria possível aforar mandado de injunção para a proteção de direito constitucional dependente de norma regulamentadora. Por isso, o mandado de injunção constitui, sim, mecanismo de fiscalização concreta da omissão inconstitucional, mas simultaneamente, caracteriza-se por proteger os direitos
86
constitucionais, também contra as meras lacunas técnicas (lacunas de legislação)107.
O pressuposto aqui é o seguinte: a notificação da mora legislativa e a
constatação de omissão inconstitucional seriam papéis da ADIN. No mandado de
injunção, entretanto, o estado de mora e a sua notificação seriam irrelevantes. Por
conseguinte, em se tratando de um mecanismo de efetivação de direitos, bastaria
haver a previsão constitucional desse determinado direito, e o fato de que sua
efetivação estaria a depender de lei. Verificado esse pressuposto mínimo,
independentemente do prazo pelo qual a omissão legislativa perdure, será
autorizado o manejo do writ.
Não obstante, verifica-se que, doutrinária e jurisprudencialmente,
consignou-se que faz parte do rito do mandado de injunção a notificação da mora
ao ente público responsável pela edição da lei e a abertura de prazo para que esta
seja editada, e somente ao cabo deste é que poderá o órgão julgador normatizar a
questão (posteriormente será feita uma análise mais minuciosa sobre o
procedimento do mandado de injunção).
A partir dessa constatação, apesar de considerarmos perfeitamente válida a
teoria defendida por Clèmerson Merlin Clève, e concordarmos com a ótica do
autor de que não haveria usurpação de competências ou violação à separação de
poderes ao se permitir a impetração do mandado de injunção a qualquer tempo –
ou seja, independentemente de se notificar a mora legislativa – cumpre esclarecer
que, embora não venhamos a abandonar por completo, ao longo do trabalho a tese
exposta pelo autor, trataremos do tema a partir do entendimento dominante.
A razão dessa escolha é simples. Nosso intuito no presente estudo é
apresentar todos os argumentos possíveis e minimamente válidos para defender a
legitimidade democrática do dito ativismo judicial preconizado através do
mandado injunção. A via de legitimação escolhida é a via dos diálogos
institucionais, por incentivar a participação no processo decisório, de todos os
atores sociais possivelmente afetados pelo julgamento.
Consequentemente, para cumprirmos tal mister, devemos nos valer de
todos os mecanismos que potencialmente que estabeleçam tais diálogos, com
vistas a afastar toda e qualquer objeção contramajoritária e quaisquer déficits
107 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 247.
87
democráticos. Nesse diapasão, a notificação da mora afigura-se para nós como um
desses elementos de legitimação, pois além de estabelecer o diálogo entre a corte
e o parlamento, “dá uma chance” ao legislador para exercer sua função precípua,
antes que a matéria seja regulamentada (atipicamente) pelo judiciário.
Assim, embora consideremos que exista na teoria de Clèmerson Clève um
viés igualmente legitimador quanto ao mandado de injunção, pois enxerga este
como um mecanismo de efetivação de direitos, constitucionalmente previsto e
através do qual as pessoas possam fruir de tais direitos sem ter que esperar o
burocrático e moroso processo legislativo, ainda sim levaremos em conta que faz
parte do rito do mandado de injunção a notificação da mora legislativa e a
abertura de prazo ao Congresso, à luz das razões acima expostas.
3.2 Origem
Segundo Rachel Bruno Anastácio há divergência doutrinária acerca da
origem do instituto. Alguns autores entendem que o mandado de injunção decorre
do direito anglo-saxão; outros, por sua vez, afirmam que o instituto não apresenta
paralelo no direito comparado, sendo uma inovação do direito pátrio; e, ainda,
uma terceira corrente aponta o direito português como sua origem108.
Com efeito, no que tange à suposta influência do direito anglo-saxão,
autores como José Afonso da Silva e Vicente Greco Filho defendem que o
mandado de injunção se assemelha ao writ of injunction dos direitos inglês e
norte-americano109.
Não obstante, autores como Celso Ribeiro Bastos, José Cretella Júnior e
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sustentam a originalidade do direito brasileiro
na configuração do mandado de injunção, pois embora guarde semelhanças com
outros mecanismos do direito alienígena, tais semelhanças se afiguram
irrelevantes, e pouco provam sobre a influência destes sobre aquele.
Por fim, pela terceira via citada, o mandado de injunção seria uma
adaptação ao direito brasileiro da ação direita de inconstitucionalidade por
108 ANASTÁCIO. Rachel Bruno. Mandado de Injunção – em busca da efetividade da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 03. 109 Ibid,. p. 04.
88
omissão do direito português, que por sua vez seria reprodução de igual ação
constitucional criada no direito germânico. Capitaneiam tal corrente Adhemar
Ferreira Maciel e J.J. Calmon de Passos.
Sem pretendermos nos estender por demais nesse debate, acreditamos que
a razão está com a primeira corrente que defende a conformação do nosso
mandado de injunção com a injunction do direito anglo-saxão, pois ambos
representam mecanismos que permitem a tomada de uma decisão, pelo judiciário,
na ausência de instrumentos adequados para tanto, valendo-se de um juízo de
equidade.
José Afonso da Silva, nesse diapasão, ensina que o mandado de injunção é
um instituto que se originou na Inglaterra, no século XIV, como essencial remédio
da Equity, nascendo do juízo de equidade. Nesse contexto, representa um remédio
outorgado mediante um juízo discricionário, quando falta norma legal regulando a
espécie, não oferecendo a Common Law a proteção necessária. Mas assim na
injunction inglesa, como no mandado de injunção, o juízo de equidade não é
inteiramente desligado de pautas jurídicas, não podendo o juiz inglês criar norma
ao seu livre arbítrio, devendo orientar-se por pautas de valores jurídicos existentes
na sociedade (princípios gerais de direito, costumes e o próprio ordenamento
constitucional)110.
José Afonso afirma que a preocupação do constituinte, ao inserir na Carta
Magna de 1988 o mandado de injunção, foi aparelhar meios para a eficácia
imediata das normas constitucionais, outorgando diretamente ao seu titular, o
direito reclamado. Informa que o constituinte Gastone Righi, no dia 22.04.1987,
na 3ª reunião da Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e
Garantias, clamava pela criação de um mandamus pelo qual alguém pudesse
exercitar um direito social. Contudo, a precedência ideológica é atribuída ao
senador Virgílio Távora111.
Diversos outros mecanismos semelhantes foram propostos, durante os
debates constituintes, através dos anteprojetos apresentados pelos membros da
Subcomissão responsável, prevalecendo o mandado de injunção, na forma em que
110 SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 446. 111 Ibid, p. 449.
89
o encontramos hoje. A partir dessa estruturação das bases conceituais do mandado
de injunção, o mesmo autor define o instituto da seguinte forma:
Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição. Sua principal finalidade consiste assim em conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerte em virtude de ausência de regulamentação112.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o mandado de injunção representa
um meio de controle da inércia do Poder Público em expedir as regras necessárias,
com vistas a superar os obstáculos decorrentes da sua omissão, tendo em vista ser
a norma faltante lei ou ato normativo nela presumido113.
Enfim, o mandado de injunção é uma garantia constitucional que visa
proteger o exercício de um direito fundamental cuja fruição encontra-se impedida
pela ausência da norma regulamentadora, e que a própria Constituição prevê seja
editada, vindo a dar imediata aplicabilidade às normas constitucionais de eficácia
limitada, diante da mora legislativa.
3.3 Objeto
A definição do objeto do mandado de injunção, assim como sua origem,
por muito tempo dividiu os doutrinadores. A dúvida residia, basicamente, na
extensão dos direitos fundamentais por ele tuteláveis. Ensina Rachel Bruno
que três correntes se formaram sobre o tema: a primeira, restritiva, apenas
entendia tuteláveis pelo mandado de injunção direitos decorrentes da
nacionalidade e da cidadania; defendia tal entendimento, dentre outros, Manoel
Gonçalves Ferreira Filho. A segunda corrente, intermediária, capitaneada por
Celso Bastos e J.J. Calmon de Passos, afirmava que somente seriam objeto do
mandado de injunção os direitos previstos no Título II, da Constituição da
112 Ibid, p. 447. 113 MELLO. Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 899.
90
República – ou seja, os direitos individuais, coletivos, sociais, da nacionalidade e
políticos114.
Por fim, acabou prevalecendo a tese esposada pela terceira corrente, mais
abrangente e liderada por Alcântara Machado e José Afonso da Silva, segundo a
qual não haveria nenhuma restrição quanto aos direitos constitucionalmente
tuteláveis através do mandado de injunção. Ou seja, todas e quaisquer garantias
constitucionais devem ser interpretadas da maneira mais ampliativa possível, e
nunca restritivamente.
Sendo as correntes acima as mais notórias, cumpre salientar que,
minoritariamente, José Carlos Barbosa Moreira adotou posição que confere ao
mandado de injunção objeto amplíssimo, admitindo que o direito
infraconstitucional também fosse tutelado pela via do mandado de injunção115.
As normas constitucionais tuteladas pela via do mandado de injunção,
seguindo a tradicional classificação de José Afonso da Silva, são as normas
constitucionais de eficácia limitada. Tais normas dependem da emissão de uma
normatividade futura, em que o legislador ordinário, integrando-lhes a eficácia,
mediante lei ordinária, lhes dá capacidade de execução, regulamentando os
interesses visados.
Nessa mesma linha de definição, valendo-nos da sistematização proposta
por Luís Roberto Barroso, pode-se dizer que o mandado de injunção, igualmente,
atua sobre as normas constitucionais definidoras de direito. Tais normas, segundo
o autor, definem os direitos fundamentais dos indivíduos submetidos à soberania
estatal, direitos estes que, basicamente, podem ser divididos em quatro categorias:
direitos políticos, individuais, sociais e difusos (e coletivos)116.
114 ANASTÁCIO. Rachel Bruno. Op. cit. p. 32. 115 CHADDAD, Maria Cecília Cury. A efetividade das normas constitucionais através do mandado de injunção. Belo Horizonte: ed. Fórum, 2011, ps. 69-70. Apesar do peso do posicionamento de Barbosa Moreira, entendemos pouco aplicável sua teoria, ou, em verdade, totalmente inaplicável, primeiro por ser difícil identificar na prática casos em que o direito infraconstitucional possa ser objeto de mandado de injunção – uma lei que delegasse a tutela de um direito à um decreto ou uma portaria, por exemplo, sendo certo, ainda, que tais normas são meramente regulamentares, e que cabe à lei estipular direitos e obrigações. Por outro lado, parece-nos que o texto constitucional não comporta interpretação tão alargada, de modo que a previsão do mandado de injunção, na Constituição, a rigor limita-se à efetivação dos direitos previstos na própria Constituição, onde esta preveja a posterior edição de lei. 116 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Op. cit., p. 95. Observe-se que, ao lado das normas constitucionais definidoras de direitos, o autor ainda elenca outras duas categorias: normas constitucionais de organização, aquelas que instituem os órgãos da soberania, definem suas competências e determinam as formas e processos de exercício
91
Importante salientar que, conforme o próprio Barroso explica, as normas
programáticas normalmente são caracterizadas como as normas constitucionais de
eficácia limitada da classificação de José Afonso da Silva117. Contudo, em regra,
normas programáticas não são objeto de mandado de injunção, porque elas
estipulam tão-somente diretrizes a serem seguidas pelo poder público e não
direitos, efetivamente. Portanto, o mandado de injunção é aplicável em face de
normas constitucionais definidoras de direito118.
Segundo explica Barroso, existem alguns limites no que atine ao objeto do
mandado de injunção. Exemplificativamente, não é admitido em face de norma
constitucional auto-aplicável. Afinal, nesse caso, entende-se não haver lacuna
legislativa, de modo que o instrumento cabível seria o mandado de segurança.
Também não é admitido o mandado de injunção para dar cumprimento à lei já
existente. Havendo a norma, ainda que seja ela criticável, não comportará
mandado de injunção, a não ser que se trate de uma omissão constitucional
parcial. A hipótese mais comum de omissão parcial ocorre quando um
determinado grupo é excluído indevidamente do rol de destinatários da norma119.
José Afonso da Silva ensina que os pressupostos do mandado de injunção
são dois: a falta de norma regulamentadora do direito, liberdade ou prerrogativa
reclamada e ser o impetrante beneficiário de tal direito, liberdade ou prerrogativa
que postula em juízo. Assim, o interesse de agir mediante mandado de injunção,
decorre da titularidade do bem reclamado, para que a sentença que o confira tenha
direta utilidade para o demandante120. E acarreta perda do objeto do mandado de
injunção a superveniência, no curso do processo, da norma faltante (inclusive
sendo esta medida provisória).121.
do poder político; e as normas constitucionais programáticas, que traçam as linhas diretoras pelas quais devem se guiar os poderes públicos, sendo ditames que orientam os programas a serem seguidos tanto pelo executivo quanto pelo legislativo e pelo judiciário. 117 Ibid., p. 114. O autor cita como exemplos de normas programáticas os arts. 170, III, 193 e 215, todos da Constituição de 1988. 118 Ibid, p. 255. 119 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 119. 120 SILVA. José Afonso da. Op. cit. p. 447. 121 Segundo Luís Roberto Barroso, nesse diapasão, o STF já estabeleceu jurisprudência no sentido de que sequer cabe o ajuizamento da ação, caso o projeto de lei esteja em trâmite no Congresso Nacional, seja ele de competência do executivo, seja do próprio legislativo. À luz desse entendimento, foram rejeitados pedidos de procuradores autárquicos que reclamavam omissão do Presidente da República em encaminhar ao Congresso projeto de lei dispondo sobre a Advocacia-Geral da União (art. 29, § 2º, do ADCT) – MI 193-6/RJ, de 1990, rel. Min. Célio Borja; e de defensor público em relação à lei a que se refere o art. 22, do ADCT – MI 96-4/DF, de 1990, rel.
92
Por fim, relevante dizer que é cabível mandado de injunção em face da
ausência de norma de qualquer hierarquia: lei complementar, ordinária,
regulamento, resolução, portaria, ou mesmo decisões administrativas normativas.
O crucial é que sua ausência esteja a inviabilizar um direito constitucional, e que a
própria Constituição preveja a necessidade da edição da norma para sua
efetivação. Mais uma vez, repise-se, havendo a lei, ainda que seja ela
insatisfatória em relação aos ditames constitucionais, não cabe mandado de
injunção122.
3.4 Procedimento
Não há lei específica que defina o procedimento a ser adotado em sede de
mandado de injunção, não tendo este sido regulamentado até hoje. Contudo, o
STF firmou entendimento de que o mandado de injunção não careceria de
regulamentação, sendo, pois, auto-aplicável, de modo que a ele pode ser aplicado,
analogicamente, o procedimento do mandado de segurança123.
Tal entendimento foi corroborado legislativamente, através da Lei 8.038,
de 28 de maio de 1990, que dispõe sobre normas procedimentais para os
processos em trâmite no STF e no STJ, pois no seu art. 24 traz a previsão de que
no mandado de injunção e no habeas data serão observadas as normas do
mandado de segurança, até o advento de lei específica.
A extensão do procedimento do mandado de segurança ao mandado de
injunção, contudo, não se encontra imune a críticas, segundo Barroso, como a que
tece Carlos Ari Sundfeld, para quem deveria ser adotada a via processual ordinária
em sede de mandado de injunção, não havendo semelhanças entre este e o
mandado de segurança (senão na nomenclatura) que justifiquem a aplicação do
procedimento do último ao primeiro.
Ademais, entende o autor que a maior celeridade demandada pelo
mandado de segurança não se justifica em relação ao mandado de injunção, pois
naquele caso busca-se agilizar o controle judicial sobre a autoridade coatora, o que
Min. Celso de Mello. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 119. 122 Ibid, p. 121. 123Ibid, p. 122.
93
seria despiciendo nas ações comuns. Contudo, no mandado de injunção, o
objetivo não seria tornar mais ágil a prestação jurisdicional, mas sim torná-la mais
abrangente, e nesse caso o procedimento comum permitiria uma cognição mais
exauriente124. Nesse contexto, Hely Lopes Meirelles alerta, por sua vez, para o
fato de não ser o mandado de injunção sucedâneo do mandado de segurança, não
podendo substituir este, nos casos de seu cabimento125.
Outrossim, segundo o autor, os recursos cabíveis da decisão em sede de
mandado de injunção são apenas aqueles previstos na própria Constituição. Nessa
esteira, admite-se recurso ordinário, contra decisão denegatória de mandado de
injunção (art. 102, inciso II, “a”, da Constituição de 1988), perante o STF, e
independentemente da prévia interposição do recurso ordinário. Caberá ainda
recurso extraordinário, caso a decisão proferida em única ou última instância
contrarie dispositivos da própria Constituição (art. 102, inciso III, “a” e “c”). E
cabe recurso especial perante o STJ126.
Enfim, tem-se que, tanto jurisprudencial quanto legislativamente, adotou-
se o procedimento aplicável ao mandado de segurança também no mandado de
injunção. Contudo, partindo da posição anteriormente dominante na Suprema
Corte, de que o objeto da ação era tão-somente declarar e comunicar a omissão
legislativa, o STF firmara entendimento no sentido de não ser cabível pedido de
medida cautelar127.
3.4.1. Competência para julgamento
Além do art. 5º, LXXI, da Constituição Federal, há outros quatro
dispositivos constitucionais que tratam especificamente do instituto, e todos eles
cuidam das regras de competência originária e recursal sobre mandado de
124 SUNDFELD, Carlos Ari. Mandado de Injunção. Revista de Direito Público, n° 94:146, 1990, p. 150. Apud BARROSO, Luís Roberto Barroso. Ibid, p. 123. 125 MEIRELLES, Hely Lopes; MENDES, Gilmar Ferreira; WALD, Arnoldo. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 334. 126 Ibid. O Autor informa, ainda, que há projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados, já aprovado pelo Senado Federal, que regulamenta o mandado de injunção – PL 6.002/1990. O projeto é simples, e estabelece algumas regras especiais para o mandado de injunção e, no mais, remete o tema à regulamentação subsidiária do Código de Processo Cvil. 127 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 123. Sobre o julgado em referência, vide: MI 520-6-SP (medida cautelar), relator Ministro Celso de Mello.
94
injunção. Com efeito, pelo texto constitucional, têm competência para apreciar e
julgar mandados de injunção:
- O Supremo Tribunal Federal - art. 102, I, q, e II, a, Constituição de 1988:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
- O Superior Tribunal de Justiça - art. 105, I, h, Constituição de 1988:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal128;
128 José dos Santos Carvalho Filho, lembra que não há previsão constitucional expressa de competência dos Tribunais Regionais Federais e dos juízes federais no que tange ao julgamento do mandado de injunção, acreditando ter havido equívoco do constituinte ao editar o art. 105, inciso I, h, na medida em que a sua competência está inteiramente posta na Constituição, e por tal motivo não lhes poderia ser atribuída qualquer outra, nem mesmo através de lei infraconstitucional, quanto ao julgamento de mandado de injunção. (CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 927).
95
- Os Tribunais Regionais Eleitorais – art. 121, § 4º, V, Constituição de 1988:
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. (...)
§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: (...) V - denegarem "habeas-corpus", mandado de segurança, "habeas-data" ou mandado de injunção.
Basicamente, a divisão de competência tomou por base a fonte normativa
de onde deveria ter emanado a norma faltante. A jurisprudência do STF, nesse
aspecto, consolidou-se no sentido de que se trata de um critério em razão da
pessoa, ou seja, da condição dos Poderes, órgãos, entidades ou autoridades a que
seja imputada a omissão regulamentadora.
Nesse sentido, o tribunal considera, inclusive, que o pólo passivo da
relação processual deve ser integrado apenas pelo órgão omisso, e não pela pessoa
a quem incumbiria a obrigação prevista na norma regulamentadora. Luís Roberto
Barroso discorda dessa posição, afirmando que no pólo passivo deveria, sim,
constar, também a pessoa a que incumbe satisfazer a pretensão e não meramente o
órgão responsável pela edição da lei, por compreender que se o objeto da ação é a
efetivação do direito subjetivo, seria inócuo movê-la em face do legislador, sem
incluir quem detém o poder de efetivar a lei criada.129
Uma observação, todavia, faz-se necessária. A previsão constitucional da
competência para julgamento do mandado de injunção é bastante confusa, e a falta
de lei própria que o regulamente contribui para a manutenção desse quadro de
incerteza. Isso porque, uma leitura mais atenta dos dispositivos constitucionais
acima expostos, leva-nos à constatação de que o rol de órgãos jurisdicionais
legitimados a julgar o mandado de injunção é mais amplo do que se afigura.
Embora não seja nosso intuito nos estender sobre esta discussão,
chamamos atenção, inicialmente, para a previsão do art. 102, II, a, Constituição de
1988. O dispositivo estabelece que compete ao STF julgar em recurso ordinário, o
129 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 114.
96
mandado de injunção julgado em única ou última instância, pelos tribunais
superiores. Logo, dali se extrai que o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal
Superior do Trabalho, o Superior Tribunal Militar e o Tribunal Superior Eleitoral,
teriam competência para julgar mandado de injunção. Todavia, observe-se que, na
Constituição, apenas há previsão expressa em relação ao STJ.
Igualmente interessante observar, a previsão do art. 105, I, h, Constituição
de 1988, que trata da competência do STJ. O próprio dispositivo constitucional
ressalva sua competência, quando couber ao STF ou aos órgãos da justiça militar,
eleitoral, do trabalho e eleitoral, o julgamento do mandado de injunção. Contudo,
não há previsão para tanto, na Constituição, em relação à justiça federal, seja a
militar, do trabalho ou a federal comum.
Por fim, também lacônico o art. 121, § 4º, V, da CRFB. Ao estabelecer que
somente caberá recurso das decisões dos TREs, dentre outros casos, quando for
denegado mandado de injunção, indiretamente o dispositivo estabeleceu
competência recursal para o TSE julgar mandado de injunção, sem contudo haver
previsão expressa nesse sentido.
Enfim, a partir do exposto podemos dizer que a questão da competência
para apreciação e julgamento do mandado de injunção carece de melhor
regulamentação, e torna imperiosa a edição da lei que virá a discipliná-lo. Há
muitas brechas no texto constitucional que comportam interpretações extensivas
no que tange à atribuição de competências, mas esse é um ponto que não pode ser
deixado aberto à livre interpretação, devendo ser tratado normativamente.
De toda sorte, também no âmbito estadual é possível o estabelecimento de
mandado de injunção, mediante previsão expressa nas Constituições Estaduais,
desde que observados os parâmetros constitucionais. A competência, no caso,
para processamento e julgamento, é dos Tribunais de Justiça. Barroso, no entanto,
defende não haver inconstitucionalidade se, porventura, for atribuída competência
aos juízes de primeiro grau para julgar, por exemplo, omissões de normas
municipais130. Não obstante, cumpre ressaltar que as hipóteses de injunção em
sede regional afiguram-se remotas, tendo em vista que, quase que exaustivamente,
as hipóteses de omissões inconstitucionais guardam conexão com omissões em
nível federal, tratando-se, em regra, de normas de reprodução obrigatória.
130 Ibid.
97
3.4.2 Legitimação ativa e passiva
Seguindo as regras aplicáveis ao mandado de segurança que, conforme
dissemos, foram estendidas ao mandado de injunção, o legitimado ativo para
impetrar o mandado de injunção é, em regra, o titular do direito que se encontra
obstado pela ausência de norma regulamentadora. Ainda sim, atribui-se também
competência às entidades de classe ou associativas e aos sindicatos, na qualidade
de substitutos processuais, como ocorre no mandado de segurança coletivo, de
onde se conclui também ser possível a impetração de mandado de injunção
coletivo. O Ministério Público, igualmente, será sujeito ativo, quando os direitos
tuteláveis forem difusos ou coletivos. É o que prevê a Lei Orgânica do MP, Lei
Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, no seu art. 6º, inciso VIII131.
Interessante observar, no que atine à legitimação ativa, que, segundo
Carvalho Filho, o impetrante no mandado de injunção não possui plena
disponibilidade quanto ao interesse de prosseguir ou não com a ação. Salienta o
autor que se firmou entendimento de que, iniciado o julgamento do mandado de
injunção fica o demandante impedido de desistir da causa, pois a desistência
poderia caracterizar uma fraude para frustrar o julgamento, que é uno132.
No que tange à legitimação passiva, como se viu, num primeiro
entendimento, afirma-se que a legitimação passiva deve ser atribuída à autoridade
ou órgão público ao qual se imputa a omissão, e que, por litisconsórcio necessário,
também deveria compor o pólo passivo o agente público ou privado que viria a
suportar o ônus da concessão da ordem133, havendo um segundo entendimento
existente de que o único legitimado passivo deve ser a parte a quem cabe prestar a
obrigação decorrente da norma a integrar, não se incluindo o órgão a quem
caberia editar a norma.
131 Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (...) VIII - promover outras ações, nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos; 132 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 928. Nesse sentido, veja-se o MI 712-PA, relator ministro Eros Grau, julgado em 15.10.2007. Disponível no Informativo do STF, nº 484. 133 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 115.
98
O Supremo Tribunal Federal, contudo, inicialmente, não adotou nenhuma
das duas teorias acima, firmando jurisprudência no sentido de que o único sujeito
passivo no mandado de injunção seria a autoridade ou o órgão omisso na edição
da norma, não incluindo o particular ou o agente público, devedores da prestação.
Barroso acredita que essa posição não é compatível com o entendimento
de que o mandado de injunção tem por objeto o suprimento da norma faltante na
solução do caso concreto. Segundo ele o responsável pela prestação decorrente da
norma omissa deveria sim figurar no pólo passivo, mas quanto a ele a decisão não
terá caráter mandamental. Veja-se, inclusive, que a tese adotada pelo STF tem
efeito direto sobre a fixação ou não de prazo para que seja sanada a mora
legislativa. Há julgados no Supremo, no sentido de que, apenas quando o órgão
omisso na edição da norma for também o responsável pela sua aplicação, é que
será possível estabelecer prazo para ser sanada a mora134.
Mais recentemente, contudo, como informa Daniel Wunder Hachem, a
corte evoluiu na sua jurisprudência e passou a entender que, além do órgão ou
autoridade omissa, deve figurar também no pólo passivo da demanda a pessoa ou
o ente público que deverá suportar os efeitos da decisão135. Carvalho Filho afirma
que também nesse sentido se fixou o entendimento no Superior Tribunal de
Justiça. Ademais, salienta o autor que, em relação à norma faltante, o texto
constitucional trata de normas primárias, de modo que os órgãos responsáveis por
normas meramente secundárias (regulamentadoras de normas primárias) não
teriam legitimidade passiva ad causam136.
Por fim, outro aspecto importante apontado por Carvalho Filho é o de que
não pode figurar como sujeito passivo do mandado de injunção o órgão que tem o
dever de deflagrar o processo de formação da norma, mas sim a autoridade que
detém a iniciativa de criá-la. Ou seja, no caso de uma lei de iniciativa reservada do
Presidente da República (art. 61, § 1º, CRFB), será este a autoridade legitimada a
figurar no pólo passivo da ação, e não a Câmara dos Deputados ou o Senado
Federal137.
134 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 117. Exemplificativamente, veja-se o MI 361-7-RJ, relator ministro Sepúlveda Pertence. 135 HACHEM, Daniel Wunder. Mandado de Injunção e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 174. Veja-se, por exemplo, MI 1463-AgR, DJe 13.05.2011. 136 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 928. 137 Ibid.
99
3.4.3 Efeitos da decisão
Tal qual assinalado em relação à origem e ao objeto do mandado de
injunção, igualmente não há pacificação doutrinária quanto aos efeitos da decisão,
surgindo, nesse diapasão, três posições distintas.
Segundo Barroso, a primeira delas atribui à decisão judicial natureza
constitutiva, permitindo ao órgão competente para julgar o mandado de injunção
criar a norma regulamentadora para o caso concreto com eficácia entre as partes.
Nesse caso, viabiliza-se o exercício do direito por seu titular, uma vez mantida a
mora legislativa mesmo após a notificação do órgão regulamentador138. Desse
entendimento, compartilha Celso Antônio Bandeira de Mello, dentre outros, que
deixa bem claro sua posição ao afirmar que:
O mandado de injunção, previsto no inciso LXXI do mesmo artigo, é a medida hábil para que o postulante obtenha, em um específico caso concreto (e estritamente para ele), mediante suprimento judicial, a disciplina necessária indispensável ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, frustrados pela ausência de norma regulamentadora, cuja falta esteja a inviabilizar-lhes o exercício139.
Por outro lado, há doutrinadores que adotam a tese da natureza
mandamental – ou declaratória/condenatória, segundo informa Carvalho Filho140.
Aqui caberia ao poder judiciário apenas dar ciência ao órgão omisso da mora na
regulamentação para que este adote as providências cabíveis, sem impor prazo
para que se edite a lei faltante, e sem estipular qualquer outra medida coercitiva.
Esta foi a posição adotada inicialmente pelo STF, cristalizada, por exemplo, no
julgamento do MI 107-3/DF.
Por fim, a terceira corrente defende que, após ser dada ciência ao órgão
regulamentador da omissão normativa e sendo estipulado prazo para que esta seja
sanada, mantendo-se a inércia legislativa poderá o órgão jurisdicional prover a
regulamentação para o caso concreto, possibilitando imediatamente o exercício do
direito por seu titular. Quer dizer, não sendo editada a norma no prazo previsto,
138 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 124. 139 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 899. 140 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Op. cit. p. 929.
100
considerar-se-á em mora o órgão, permitindo que o interessado ajuíze ação
diretamente para obter a providência concreta. É a posição, dentre outros, de
Carvalho Filho141.
Eros Grau, parindo da premissa acima aventada, de que o mandado de
injunção é recurso apenas contra a falta de norma regulamentadora, não
representando remédio contra a omissão do Estado, no sentido de obrigá-lo a
realizar políticas públicas, alerta que a decisão proferida em sede de mandado de
injunção deve se ater à prestação concreta e individualizada, para que não venha o
judiciário a substituir o poder legislativo na criação de normas abstratas e
genéricas. Ou seja, para ele, cabe ao judiciário apenas ajustar a situação posta em
juízo ao preceito constitucional que invoca142.
Por se tratar de direito oponível contra o Estado, deverá ser determinada a
suspensão dos processos judiciais e administrativos dos quais possa advir dano ao
impetrante143. Entretanto, independentemente da corrente que se adote, o mandado
de injunção possuirá, sempre, caráter instrumental, de modo que, advindo a norma
faltante, deverá ela ser aplicada de plano ao caso concreto.
Joana Machado, a partir das três correntes doutrinárias acima expostas,
estabelece um quadro analítico que as sintetiza perfeitamente, além de incluir uma
quarta corrente, que reflete o atual entendimento jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal144. Vejamos:
(i) Teoria Não-Concretista. Conservadora. Aqui a corte apenas reconhece a mora
legislativa e comunica o órgão competente para que edite a norma faltante. A
decisão tem caráter mandamental, mas não impõe prazo ou qualquer outra medida
coercitiva que determine o seu cumprimento;
(ii) Teoria Concretista Intermediária Individual. Nesse caso, concedida a ordem, o
tribunal estabelece ao legislativo prazo para edição da norma faltante. Ao final
deste, permanecendo inerte o órgão competente, a própria corte reconhece a
titularidade do direito ao impetrante, permitindo-lhe ajuizar ação ordinária para
141 Ibid. 142 GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 13ª ed., 2008, ps. 326-327. 143 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 126. 144 MACHADO, Joana de Souza, Op. cit. ps. 62-63.
101
efetivar o direito reconhecido. A decisão no presente caso já não é meramente
mandamental, mas também constitutiva;
(iii) Teoria Concretista Individual Direta. Nessa terceira posição, também após
verificar a permanência da mora legislativa, no bojo do próprio mandado de
injunção, cria-se a norma para o caso concreto, gerando efeitos inter partes.
Também possui natureza constitutiva;
(iv) Teoria Concretista Geral. Por fim, segundo este entendimento, a corte cria a
norma a partir do caso concreto, e estende sua aplicação a todos os casos
semelhantes, gerando efeito erga omnes.
Para Luís Roberto Barroso, o único comando possível no mandado de
injunção é o de suprir a norma faltante, pois a mera ciência ao órgão omisso seria
função da ADIN por omissão, tendo o mandado de injunção sido concebido como
instrumento de tutela efetiva de direitos145. Por conseguinte, não haveria que se
falar em violação ao princípio da separação dos poderes, pois o mandado de
injunção afigura-se como um instituto constitucionalmente previsto para efetivar
direitos, que permite ao judiciário, única e exclusivamente diante da inércia do
órgão legislativo ou administrativo competente para editar a norma, e tão-somente
enquanto perdurar essa inércia, criar ele próprio, para os fins específicos do litígio,
a norma faltante.
Quer dizer, o objetivo do mandado de injunção é permitir que o dispositivo
constitucional que estabelece um determinado direito seja aplicado em favor do
impetrante ainda que não haja a regulamentação infraconstitucional ali prevista,
evitando-se com isso o perecimento do direito, em virtude da mora legislativa. Em
igual sentido, são esclarecedoras as palavras de Eurico Bittencourt Neto146:
Nesse contexto, o mandado de injunção é um meio constitucional de fazer valer a fundamentalidade dos direitos nos casos em que esta deva prevalecer sobre a regra geral de primazia do legislador democrático. Dito de outro modo, o mandado de injunção é um instrumento de ´desequilíbrio´ entre socialidade e democracia, em determinadas circunstâncias em que se pode fundamentar, a
145 Barroso, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Op. cit. p. 118. 146 BITTENCOURT NETO. Eurico. Mandado de injunção na tutela de direitos sociais. Salvador: ed. Jus Podium, 2009, p. 131.
102
partir da Constituição, a prevalência da primeira (...) não sendo o juiz competente para definições de natureza política, a Constituição reconhece que, em algumas hipóteses, a inércia do legislador pode comprometer, de modo grave, o respeito à dignidade do ser humano concretamente considerado, base sobre a qual se ergue o próprio edifício constitucional.
Esta também é a conclusão a que chega Vanice Regina Lírio do Valle, ao
analisar os limites e possibilidades da sindicabilidade das omissões legislativas,
pelo judiciário. Assim afirma a autora,
A estrutura teórica de proteção à Carta Constitucional demanda, portanto, uma resposta mais eficaz – e, por certo, mais criativa. O limite que até o momento se pôs, como não pode, do ponto de vista de todo o edifício teórico do novo constitucionalismo, se opor à efetividade da Constituição (...) Esse mesmo resultado, a rigor, se chega quando se aborda uma vez mais o problema das possibilidades de superação jurisdicional da omissão legislativa, tendo em conta o sempre presente contraste entre democracia e constitucionalismo (...) Dessa forma, o argumento da deliberação democrática que supostamente se materializa na inação do poder (inobstante se tenha já demonstrado seja uma alternativa de comportamento que por si só não encontra autorização constitucional), não pode ser apresentado em oposição a uma possível atividade de controle orientada à garantia, a fazer prevalecer o constitucional sobre o – alegadamente – democrático147.
Tendo em mente as posições acima expostas, veremos a seguir a evolução
pela qual passou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois este, num
primeiro momento, adotou posição acanhada e conservadora, mas ao longo dos
anos passou a adotar entendimentos mais progressistas até chegar à sua posição
atual, vanguardista até mesmo em relação às correntes doutrinárias mais
avançadas.
3.5 Evolução jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal
A evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal, acerca dos
limites e possibilidades do mandado de injunção, passou por alguns casos
emblemáticos que deram o tom dessa mudança, na medida em que serviram de
precedentes para cada um desses momentos de transição na aplicação do instituto.
Vejamos alguns deles.
147 VALLE. Vanice Regina Lírio do. Sindicar a omissão legislativa. Belo Horizonte: Fórum, 2007, ps. 373-374.
103
No julgamento do MI 107-3/DF, em novembro de 1990, a corte partiu de
uma visão clássica e rígida do princípio da separação dos poderes, adotando
decisão “Não Concretista”, no que equiparou o mandado de injunção à ação direta
de inconstitucionalidade por omissão148. No caso, oficial militar do exército
impetrou o mandado objetivando obter estabilidade no serviço público, por já ter
servido por mais de nove anos às forças armadas, pois conforme explica Bruna de
Bem Esteves, a legislação infraconstitucional anterior estabelecia que, ao
completar dez anos de serviço, o requerente iria para a reserva149. Quer dizer, a
obtenção da estabilidade estaria sendo impedida pela ausência da norma
regulamentadora prevista no art. 42, § 9º, da Constituição de 1988, em vigor à
época150.
Os ministros, por maioria, deixaram de conhecer o mandado de injunção
por entender que a lei faltante não assegurava ao militar direito subjetivo à
estabilidade, mas mera expectativa de direito. Todavia, firmaram entendimento de
que em sede de mandado de injunção, cabe ao tribunal, apenas, notificar ao órgão
competente, da mora legislativa.
Contudo, o posicionamento inicial do STF foi progressivamente revisto.
No MI 283-5/DF, julgado em novembro de 1991, impetrado em face da omissão
legislativa quanto ao disposto no art. 8º, § 3º, dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), a corte adotou a tese Concretista
Intermediária Individual. O dispositivo em comento garante aos cidadãos afetados
por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica adotados logo após o golpe
militar de 1964, indenização cujos parâmetros seriam estabelecidos por lei de
iniciativa do Congresso Nacional. Embora tal lei devesse entrar em vigor até doze
meses após a promulgação da Constituição, jamais foi editada.
148 Cumpre ressaltar que, no mesmo processo, a corte julgou questão de ordem pela qual entendeu que a norma constitucional que dispõe sobre o mandado de injunção é autoaplicável, não dependendo de norma regulamentadora para ser efetivada. 149 ESTEVES. Bruna de Bem. O que mudou no entendimento do STF sobre os efeitos do mandado de injunção. In: Adriana Vojvodic; Henrique Motta Pinto; Paula Gorzoni; Rodrigo Pagani de Souza. (Org.). Jurisdição Constitucional no Brasil. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 142. 150 Art. 42. São servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas polícias militares e de seus corpos de bombeiros militares. (...) § 9º. A lei disporá sobre os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor militar para a inatividade.
104
Importante esclarecer que, a esta altura, segundo Vanice Lírio do Valle,
havia se consolidado na jurisprudência do STF que a mera instauração do
processo legislativo não supriria a mora legislativa. Ou seja, o fato de estar em
trâmite perante o Congresso Nacional, projeto de lei com o fito de regular a
matéria, não afasta por si só, a inércia. Logo, é imperioso que tenha efetivamente
sido editada a lei, para que se compreenda ter perdido o objeto o mandado de
injunção, tornando-o, pois, despiciendo151.
De toda sorte, no julgamento do MI 283-5/DF, o STF então, ao invés de
mais uma vez limitar-se a notificar o Congresso da mora legislativa, decidiu ir
além e estabeleceu um prazo para que a norma fosse editada (incluindo no prazo a
sanção presidencial)152. Caso fosse extrapolado, o titular do direito à reparação
poderia, com base na decisão proferida no MI 283-5/DF, pela via processual
adequada obter em face da União, a reparação cabível. Restou decidido, ainda,
que prolatada a sentença condenatória e transitada em julgado, a superveniência
da lei não afetaria os efeitos daquela, bem como se previsse direitos outros, estes
também seriam assegurados ao impetrante. Assim restou consignado na ementa
do acórdão:
Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo artigo 8º, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização por perdas e danos. (MI 283-5/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J.U. 14.11.1991).
Em novo mandado de injunção sobre o idêntico tema, MI 284-3/DF, o STF
reforçou o entendimento adotado e consignou ainda que, diante do escoamento do
prazo estabelecido no writ anterior, não seria necessário mais uma vez notificar o
Congresso Nacional da mora, de modo que o impetrante poderia ingressar
imediatamente em juízo para obter a reparação a que fazia jus153.
151 VALLE, Vanice Regina Lírio do. A Construção de uma Garantia Constitucional: Compreensão da Suprema Corte quanto ao Mandado de Injunção. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, ps. 167-169. 152 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1322. 153 Parte da doutrina enxergou nessa decisão, a possibilidade de se admitir que uma norma constitucional de eficácia limitada em norma de eficácia plena. Vanice Lírio do Valle discorda
105
Ademais, restou decidido que quaisquer direitos previstos na Constituição,
e não apenas os do Título II, seriam tuteláveis através de mandado de injunção,
bem como que o legitimado passivo seria, tão-somente, o órgão responsável pela
edição da norma faltante, e não o órgão responsável pela sua aplicação154.
Caso semelhante foi julgado no MI 232-1/RJ, onde se discutiu o alcance
do § 7º, do art. 195 da Constituição de 1988. Aqui, o STF não supriu nenhuma
lacuna legislativa, mas afirmou que a norma constitucional era auto-aplicável. O
artigo em tela dispõe que serão isentas de contribuição para a seguridade social as
entidades beneficentes de assistência social, desde que atendam às exigências
estabelecidas em lei.
A lei em referência nunca foi editada, apesar de haver prazo estabelecido
no art. 59, do ADCT, para tanto. Assim, o tribunal considerou auto-aplicável o
dispositivo constitucional, admitindo que qualquer instituição que se enquadrasse
na definição do artigo fruiria do benefício, independentemente de ter atendido
qualquer exigência.
Segundo Gilmar Mendes, as decisões proferidas nos Mandados de
Injunção nºs 232 e 284 sinalizaram para uma nova compreensão do instituto e a
admissão de uma solução “normativa” para a decisão judicial155. Contudo, a
grande guinada do STF nos rumos do mandado de injunção deu-se com o
julgamento da questão da greve dos servidores públicos. O art. 37, inciso VII, da
dessa construção teórica, afirmando, inclusive, que tal não foi o entendimento consagrado pelo STF. Segundo a autora, se se considerasse que o mandado de injunção tornaria uma norma de eficácia limitada em norma de eficácia plena, os demais mandados com mesmo objeto deveriam não ser conhecidos, por perda do objeto (contudo, a mesma situação descrita foi objeto de novos mandados de injunção posteriormente, e.g. MI´s 355, 384, 287, 429). Além disso, entende ela que tal compreensão atentaria contra o próprio texto constitucional, pois pela inação estar-se-ia dispensando a interseção do Poder Legislativo na regulação de situações de fato e de direito. (VALLE, Vanice Regina Lírio do. A Construção de uma Garantia Constitucional. Op. cit. ps. 188-189). 154 MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA JURÍDICA – FUNÇÃO PROCESSUAL – ADCT, ART. 8º, § 3º (PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA) – A QUESTÃO DO SIGILO – MORA INCONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO – EXCLUSÃO DA UNIÃO FEDERAL DA RELAÇÃO PROCESSUAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” – “WRIT” DEFERIDO. (...) Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada – e, considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção nº 283, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório. (MI 284-3/DF, rel. Min. Marco Aurélio, D.J.U. 26.06.1992). 155 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p. 1324.
106
Constituição da República dispõe que o direito de greve será exercido nos limites
determinados em lei específica156.
O MI 670-9/ES proposto pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do
Espírito Santo (SINDIPOL) teve dois objetivos: autorizar o exercício imediato do
direito de greve, e compelir o Congresso Nacional a regulamentar a matéria. Dois
outros mandados de injunção foram julgados com o mesmo tema: MI 708-0/DF e
MI 712-8/PA 157.
Inicialmente, o relator do MI 670-9/ES, ministro Maurício Corrêa, apenas
reconheceu a mora legislativa, sem sequer fixar prazo ao poder legislativo para
editar a norma faltante. Entendeu que substituir o legislador ou compeli-lo a agir
representaria afronta ao princípio da separação dos poderes, e extrapolação dos
seus misteres constitucionais.
Contudo, o ministro Gilmar Mendes em voto-vista abriu divergência para,
em homenagem ao princípio da continuidade do serviço público, conceder a
ordem, reconhecendo à categoria o livre exercício do direito constitucional de
greve, determinando que a matéria fosse regulamentada com a aplicação
subsidiária da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o direito de
greve na iniciativa privada, enquanto não suprida a lacuna legislativa.
Acrescentou, ainda, que o judiciário poderia e deveria adotar posição mais
incisiva ao julgar mandados de injunção, sempre que se constatasse que direitos
constitucionalmente assegurados estriam deixando de ser concretizados em
decorrência da omissão legislativa. Nesse sentido, precisa a seguinte passagem do
seu voto:
156 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). 157 MENDES, Conrado Hubner. Op. cit. p. 226. Saliente-se que, à mesma época, foi julgado o MI 721-7/DF, que tinha como objeto a efetivação dos critérios diferenciados de aposentadoria para servidores públicos, previstos no art. 40, § 4º, da Constituição de 1988 – no caso a servidora trabalhava em atividade insalubre. Restou decidido no julgado que caberia ao STF, de plano, estabelecer critérios normativos para dar efetividade ao direito em suspenso devido à mora legislativa. Nesse diapasão, decidiu-se, com efeitos meramente inter partes, aplicar ao caso o disposto no art. 57, § 1º, da Lei 8.213/91 (MI 721-7/DF, rel. Min. Marco Aurélio, D.J.U. 30.11.2007).
107
Estamos diante de uma situação jurídica que, desde a promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja, há mais de 17 anos), remanesce sem qualquer alteração. Isto é, mesmo com as modificações implementadas pela Emenda n. 19/1998 quanto à exigência de lei ordinária específica, o direito de greve dos servidores públicos ainda não recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. Por essa razão, não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal. Pelo contrário, enfatizo tão somente que, tendo em vista as imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, este Tribunal não pode se abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo158.
O voto do ministro Gilmar Mendes foi acompanhado pelos ministros Celso
de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso.
Transcrevem-se abaixo, por elucidativas, as seguintes passagens do acórdão
proferido no processo em comento (MI 670-9/DF):
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL, ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NOS 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). 1.1. No julgamento do MI nº 107/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de
158 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p. 1327.
108
normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções “normativas” para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI nº 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI nº 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI nº 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI nº 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI nº 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003. (...) 4. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI Nº 7.783/1989). FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito greve para os trabalhadores em geral, quanto às “atividades essenciais”, é especificamente delineada nos arts. 9º a 11 da Lei 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9º, caput c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, d lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2. Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei nº 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). (...) 6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE
109
INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nº 7.701/1988 E 7.783/1989. (...) 6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção, aplicação da Lei nº 7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça fedral, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, “a”, da Lei nº 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6º da Lei nº 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais. (...) 6.6. Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis nº 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis. (MI 670-9-DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, D.J. 31.10.2008) (grifos no original)
Assim, atualmente, o STF evoluiu da postura mais acanhada para a mais
vanguardista em sede de mandado de injunção, a partir da compreensão de que o
instrumento visa à concretização de direitos e que, na prática, estaria a perder toda
sua efetividade com a manutenção do entendimento de que o limite de atuação da
corte seria tão-somente noticiar a mora legislativa, transformando-o em verdadeira
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, sendo certo que ambos não se
confundem.
Concluiu-se, pois, que ao legislador não é dado escolher se concede ou não
o direito de greve, podendo tão somente dispor sobre a adequada configuração da
sua disciplina. Nesse diapasão, o ministro Gilmar Mendes recomendou que, na
110
tomada de decisões em sede de mandado de injunção, se adotasse um modelo de
“sentença de perfil aditivo ou modificativo”, importado do direito italiano.
Tais sentenças asseguram a atribuição de uma função positiva ao juiz
constitucional, e harmonizam-se com a tendência hodierna de acentuação da
importância e da criatividade da função jurisdicional, integrando-se,
coerentemente, no movimento de valorização do momento jurisprudencial do
direito. Sentenças aditivas ou modificativas são em geral aceitas quando integram
ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou ainda quando a
solução adotada pelo Tribunal incorpora solução constitucionalmente
obrigatória159.
Assim que, segundo Bruna de Bem Esteves, os principais fundamentos que
caracterizaram a evolução jurisprudencial do STF em relação aos efeitos das
decisões proferidas em sede de mandado de injunção, do julgamento do MI 107-
3/DF ao julgamento do MI 670-9/ES (e mandados de injunção correlatos - MI
708-0/DF e MI 712-8/PA, por exemplo), foram os seguintes160:
(i) em relação à preocupação com a separação dos poderes, deve-se diferenciar o
exercício da função legislativa propriamente, da função normativa. Nesta, inclui-
se a possibilidade de se expedir normas de caráter regimental e regulamentar, o
que a própria Constituição teria permitido ao judiciário fazer em sede de mandado
de injunção;
(ii) a solução judicial adotada pela corte, de criar norma para o caso concreto seria
apenas provisória, pois subsistiria até que fosse editada a lei competente. Logo,
não haveria ofensa ao princípio da separação de poderes, na medida em que não
haveria usurpação de competências, já que o poder legislativo permanece
plenamente legitimado a exercer a sua função precípua e, notadamente, a editar a
norma que trate da matéria discutida no mandado de injunção;
159 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p. 1328 e 1329. Cumpre salientar, ademais, que o sistema constitucional não repudia a ideia de competências implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas constitucionais evidentes (Ibid., p. 1333). 160 ESTEVES. Bruna de Bem. Op. cit. ps. 152-154.
111
(iii) a decisão tomada pelo Supremo não teria caráter abstrato como as leis
produzidas pelo Congresso. Pelo contrário, teria efeito concreto, seria apta a
decidir o caso concreto, ainda que extensível aos casos semelhantes ao julgado;
(iv) ainda que, posteriormente, seja editada a lei faltante, esta não poderá violar a
coisa julgada, afetando as relações jurídicas constituídas a partir da decisão
judicial, de modo a prejudicar o beneficiário do direito reconhecido, podendo ele,
contudo, valer-se da norma caso mais favorável.
Uma última observação se faz necessária. No caso ora analisado, o STF
regulamentou a questão da greve dos servidores públicos, a partir da aplicação de
norma análoga preexistente. Em contrapartida, poderia permanecer no ar a
seguinte pergunta: e quando não for possível o emprego da analogia para
solucionar a questão, devido à ausência de norma que sirva de parâmetro?
Acreditamos que, na hipótese vertente, poderá a corte, perfeitamente,
valer-se dos costumes, dos princípios gerais do direito e da equidade. Já vimos o
importante papel que detêm os princípios no nosso ordenamento jurídico atual,
sendo certo que gozam de força normativa, podendo ser aplicados diretamente à
solução do caso concreto. Logo, despiciendo revolver o assunto, para mais uma
vez dizermos que princípios podem ser amplamente manejados pelos juízes na
solução das demandas judiciais (sendo sempre importante o alerta quanto ao seu
uso racional).
Por outro lado, também os costumes e a equidade se apresentam como
mecanismos válidos de aplicação do direito, quando a lei, seja pela sua
insuficiência, seja pela sua inexistência, não consiga resolver o caso concreto. O
que se defende é que a ausência de um parâmetro legal prévio não pode ser razão
suficiente para engessar os direitos que se buscam tutelar pela via do mandado de
injunção.
Vale lembrar, conforme estudado anteriormente, que na própria origem do
instituto (em que pese as controvérsias doutrinárias) encontramos a aplicação da
equity do direito anglo-saxão, que justamente assegurava ao aplicador do direito
certo juízo discricionário na solução de controvérsias, quando a Common Law não
fornecia as bases necessárias para tanto.
112
Cumpre ressaltar, ademais, que a legislação em vigor autoriza o manejo de
tais fontes do direito na solução de conflitos. Com efeito, a Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942),
estabelece em seu art. 4º, que quando a lei for omissa, caberá o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito161.
Entendemos, pois, que a norma em tela se aplica também quando faltar a própria
lei. Ou seja, quando a omissão não for “na lei”, mas “a lei”. Maria Helena Diniz
explica muito bem o papel desses instrumentos de integração normativa. Aduz a
autora:
Quando, ao aplicar a norma ao caso, o juiz não encontra norma que a este seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhuma norma, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de um certo comportamento, devido a um defeito da ordem normativa que pode consistir na ausência de uma solução, estamos diante do problema da lacuna (...) Daí a importante missão do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dá ao magistrado, impedido de furtar-se a uma decisão, a possibilidade de integrar a lacuna, de forma que possa chegar a uma solução adequada. Trata-se do fenômeno da integração normativa (...) O juiz tem permissão para desenvolver o direito sempre que se apresentar uma lacuna (...) Havendo lacuna, ou antinomia, o jurista deve, ao sistematizar o direito, apontar o critério solucionador162. (grifos no original)
Em igual sentido dispõe o Código de Processo Civil - CPC (Lei 5.869, de
11 de janeiro de 1973), que no seu art. 126 preconiza, inclusive, que o juiz não
pode se eximir de julgar alegando lacuna ou obscuridade na lei, cabendo-lhe
recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. Por sua vez, o
art. 127 determina que o juiz decidirá com equidade nos casos previstos em lei163.
Ada Pellegrini Grinover, nesse diapasão, afirma que o direito não se confunde
com a lei nem a esta se reduz. Salienta que, por conseguinte, embora o nosso
ordenamento preconize o primado da lei sobre as demais fontes do direito, não se
161 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 162 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, ps. 60 e 62.
163 Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).
Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.
113
pode adotar, em absoluto, tese que negue, de todo, a possibilidade do efeito ab-
rogatório da lei pelas demais fontes164.
A equidade, segundo Tércio Sampaio Ferraz, representa a solução de
litígios através da consideração harmônica das circunstâncias concretas, sendo um
princípio que não se opõe à justiça, mas antes, a completa. Nesse sentido, pode-se
ajustar a norma à especificidade da situação, a fim de que a solução seja justa.
Não se trata de um princípio que se oponha à justiça, mas que a completa e a torna
plena 165. Miguel Reale afirma que “há casos em que é necessário abrandar o
texto, operando-se tal abrandamento através da eqüidade, que é, portanto, a justiça
amoldada à especificidade de uma situação real”166.
Ademais, segundo Caio Mário, a equidade não representa fonte do direito
aplicável, única e exclusivamente, em casos de omissão legislativa, ou de lacunas
do direito, sendo mecanismo de amenização do rigor da lei, equiparada ou
aproximada do conceito de justiça ideal, impedindo que o rigor dos preceitos se
converta em atentado ao próprio direito. Segundo o jurista, a equidade é a justiça
do caso dado, pela qual se aplica o direito de forma a satisfazer as necessidades
sociais167.
Já os costumes têm natureza histórica, sendo forma primeira de elaboração
da norma jurídica, tais quais consagrados no direito romano. Representam práticas
reiteradas adotadas por um determinado grupo social, e constituem, tipicamente, o
direito não-escrito, consuetudinário. Possuem dois elementos, um externo e um
interno. No primeiro, temos a constância da repetição dos mesmos atos e a
observância uniforme de um mesmo comportamento, a partir do qual nasce uma
norma jurídica. No segundo, temos a convicção de que a observância da prática
representa uma necessidade jurídica. Contudo, falta-lhe força coercitiva, que pode
lhe ser atribuída por um agente estatal, no caso, o juiz. Assim consagrado, o
costume vira norma jurídica, fonte secundária do direito168-169.
164 GRINOVER, Ada Pellegrini, et aL. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 98. 165 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 244. 166 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. 4ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 299. 167 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol I. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ps. 50-51. 168 Ibid, ps. 44-46.
114
Enfim, buscamos demonstrar que a regulamentação do caso concreto pelo
STF, através do mandado de injunção, pode ser feita através do correto manejo
das fontes do direito acima estudadas. É razoável que, prioritariamente, sempre
que possível, o juiz se valha da analogia, aplicando norma jurídica preexistente
que regule casos semelhantes – como ocorreu no julgamento do direito de greve
dos servidores públicos.
Contudo, defende-se que a impossibilidade de se aplicar a analogia não
deve representar um óbice ao poder criativo da corte, pois ainda caber-lhe-á
aplicar os costumes, os princípios constitucionais e a equidade. Todos eles, a
nosso ver, representam meios legítimos para se alcançar a efetividade que se
espera da norma constitucional, que criou o mandado de injunção para ser um
instrumento de efetivação de direitos.
3.6 Conclusões do capítulo
No presente capítulo, buscamos, com um mínimo de abrangência para
permitir uma melhor compreensão do instrumento, sua finalidade, o procedimento
adotado e as suas potencialidades.
O mandado de injunção tem por objetivo concretizar direitos. Não é um
mecanismo que aponta omissões inconstitucionais; é um mecanismo que supre
omissões inconstitucionais. Em virtude disso, limitar seu objetivo final a notificar
o órgão competente da mora legislativa, sem adotar nenhuma medida concreta
para revertê-la, significa esvaziar o mandado de injunção.
Não obstante, durante anos a jurisprudência dominante do STF caminhou
nesta direção. Com efeito, à luz de uma visão rigorosa e conservadora do
princípio da separação dos poderes, a corte buscou evitar ao máximo dar uma
solução efetiva para o caso concreto, mantendo o titular do direito violado pela
169 São várias as distinções entre a lei e o costume, tal qual pontua Miguel Reale. São distinções quanto à origem – certa e determinada no caso da lei, incerta no caso dos costumes; quanto à elaboração – existência de trâmites predeterminados para a lei, e de maneira imprevisível no caso dos costumes; quanto ao âmbito de eficácia (ou extensão) – a lei é, em regra genérica, e os costumes, em regra, particulares, atingindo um determinado grupo ou categoria de pessoas; forma – lei é sempre escrita e os costumes, normalmente não escritos, havendo casos em que se podem ser consagrados oficialmente; e por último, vigência – a lei detém prazo de vigência preestabelecido, enquanto que os costumes, não possuem um prazo de duração certo, nem de início nem de fim. (REALE, Miguel. Op. cit., ps. 155-157).
115
ausência da lei no limbo jurídico, pois sabia que a Constituição o protegia, mas na
prática não conseguia fazer valer seus direitos.
Enquanto a doutrina avançava a passos largos na compreensão de que o
mandado de injunção pedia mais da corte, esta, gradual e lentamente, percebeu
que, realmente, algo estava incompleto. Decidiu então abandonar a teoria Não
Concretista, e percorreu progressivamente os caminhos decisórios possíveis, até
chegar à sua atual jurisprudência, que estende a todos os casos idênticos os
direitos reconhecidos a partir do julgamento do mandado de injunção, inclusive
regulamentando a situação no caso concreto, até o advento da norma faltante.
Finalizando, pois, o presente capítulo, nosso intuito foi deixar claro o
potencial e as virtudes do mandado de injunção enquanto mecanismo
constitucionalmente criado para dar efetividade a direitos. Como bem define
Gilmar Mendes:
O que se evidencia é a possibilidade de as decisões nos mandados de injunção surtirem efeitos não somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo também seus efeitos normativos para os demais casos que guardem similitude. Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda que dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão objetiva, com eficácia erga omnes, que serve para tantos quantos forem os casos que demandem a concretização de uma omissão geral do Poder Público, seja em relação a uma determinada conduta, seja em relação a uma determinada lei170.
Nesse sentido, o fato de o STF gozar de legitimidade para instituir a
normatividade necessária para dar vida ao direito que a Constituição assegura ao
cidadão, e que pela burocracia estatal ainda não se encontrava devidamente
realizado, não representa ameaça alguma à democracia. Não há, aqui, qualquer
dificuldade contramajoritária.
Pelo contrário, no próximo capítulo iremos demonstrar que o mandado de
injunção se apresenta como um mecanismo poderoso a serviço do diálogo
institucional, e que a decisão tomada pela corte não representa a última palavra,
mas tão-somente a última palavra provisória dentro de uma rodada procedimental,
ao mesmo tempo em que já inicia uma nova.
170 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit. p. 1334 e 1335.
4 OMISSÕES LEGISLATIVAS E AS VIAS DO DIÁLOGO
Este último capítulo pretende unir todos os elementos conceituais até agora
analisados – notadamente, ativismo judicial, jurisdição constitucional, diálogos
institucionais e mandado de injunção – para traçarmos os argumentos e
fundamentos chave do nosso trabalho: o papel deles, conjuntamente, na
legitimação democrática do ativismo judicial, pela via do diálogo, proporcionada
pelo mandado de injunção.
Iremos discorrer sobre as diversas nuances que configuram esta
legitimação, sobretudo a possibilidade da tomada de decisões consensuais em
sede de mandado de injunção, com base na participação de todos os atores
políticos envolvidos na concretização do direito que o mandado visa efetivar.
Defende-se que ao invés de haver violação à separação dos poderes, o julgamento
do mandado de injunção pode aproximar os poderes, colocando-os a dialogar
sobre questões de direito.
Afinal, a democracia é o governo de todos, onde maiorias e minorias têm
igual direito de serem ouvidas e protegidas, e se não podemos, pela conformação
geográfica dos Estados atuais, exercer a democracia direta, devemos assegurar
que a democracia representativa cumpra seu papel. E a nosso ver, a inserção do
poder judiciário nesse processo, através da efetivação de direitos
constitucionalmente assegurados aos cidadãos, tende apenas a fortalecer o ideal
democrático, e não violá-lo. Pois é isto que pretendemos demonstrar nas próximas
linhas.
4.1 Diálogos institucionais na realidade brasileira
No presente tópico analisaremos como o diálogo institucional se
desenvolve na realidade brasileira. Também aqui, partiremos da polarização
judiciário/legislativo para desenvolver esta análise.
117
A relação entre ambas instituições no cenário político nacional tem sido,
notadamente, adversarial. Com efeito, o ativismo judicial que vem se
desenvolvendo no Supremo Tribunal Federal desde a década de noventa e,
principalmente, a partir do ano 2000, tem provocado, em regra, reações contrárias
no parlamento.
Principalmente em sede de controle de constitucionalidade, ao STF têm
sido levadas questões extremamente significativas para a vida social do país. São
casos emblemáticos que quebraram paradigmas e, de certa forma, permitiram à
própria sociedade evoluir no trato de tais situações. Isso porque, em sede de
controle de constitucionalidade, a suprema corte brasileira tem analisado questões
que refogem ao caráter meramente técnico-jurídico, apresentando elas viés
eminentemente político e social.
Em casos como esses, mostra-se imperioso adotar a via do diálogo, pois
nitidamente, a relação que se estabelece em tais julgados, envolve não apenas
judiciário/legislativo, mas, pelo contrário, atrai outros atores sociais para o
processo decisório, de modo que o prisma agregador do diálogo permite o
estabelecimento de uma decisão muito mais duradoura e democrática171.
E na experiência brasileira, normalmente o legislativo tende a responder às
decisões tomadas pelo Supremo, quando elas apresentam essa implicação social
mais ampla. Dois exemplos, lembrados por Conrado Hubner Mendes,
demonstram claramente o que ora se afirma - as questões da Cláusula de Barreira
e da Licença-Maternidade. Em ambos os casos, observou-se uma reação quase
que instantânea do Congresso Nacional às decisões tomadas pelo tribunal172.
No primeiro caso, o STF, ao julgar as ADINs n° 1.351 e 1354, declarou a
inconstitucionalidade da chamada “cláusula de barreira”. Esse instrumento
encontra-se previsto no art. 13 da Lei 9.096, de 15 de setembro de 1995173, que
dispõe sobre partidos políticos. Segundo o artigo em tela, exige-se de um partido
171 Em julgados como os apresentados é comum a realização de audiências públicas nas quais são ouvidos especialistas na área, e mesmo representantes da sociedade civil, diretamente interessada na solução da questão, além da oitiva de amicus curiae. 172 MENDES, Conrado Hubner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op. cit. ps. 224 e 225. 173 Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles. (Vide Adins nºs 1.351-3 e 1.354-8).
118
político um número mínimo de cinco por cento do total de votos para que possa
funcionar em qualquer casa legislativa, seja em nível federal, estadual ou
municipal, bem como para que tenha direito a uma maior distribuição do Fundo
Partidário.
O Supremo entendeu que esta cláusula violava os seguintes dispositivos
constitucionais: art. 1º, V, da Constituição de 1988, que prevê como um dos
fundamentos da república o pluralismo político; art. 17, que estabelece a livre
criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos; e o art. 58, § 1º, que
assegura aos partidos representação proporcional nas mesas e nas comissões
permanentes ou temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal174.
Dois meses após a decisão acima narrada, foi editada uma Proposta de
Emenda à Constituição - PEC nº 02/2007, de autoria do senador Marco Maciel,
174 Partidos Políticos e Cláusula de Barreira. O Tribunal julgou procedente pedido formulado em duas ações diretas ajuizadas, uma pelo Partido Social Cristão - PSC, e outra pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB e pelo Partido Verde - PV, para declarar a inconstitucionalidade do art. 13; da expressão "obedecendo aos seguintes critérios", contida no caput do art. 41; dos incisos I e II do art. 41; do art. 48; da expressão "que atenda ao disposto no art. 13", contida no caput do art. 49, com redução de texto; e da expressão "no art. 13", constante do inciso II do art. 57, todos da Lei 9.096/95. O Tribunal também deu ao caput dos artigos 56 e 57 interpretação que elimina de tais dispositivos as limitações temporais deles constantes, até que sobrevenha disposição legislativa a respeito, e julgou improcedente o pedido no que se refere ao inciso II do art. 56, todos da referida lei. Os dispositivos questionados condicionam o funcionamento parlamentar a determinado desempenho eleitoral, conferindo, aos partidos, diferentes proporções de participação no Fundo Partidário e de tempo disponível para a propaganda partidária ("direito de antena"), conforme alcançados, ou não, os patamares de desempenho impostos para o funcionamento parlamentar. Entendeu-se que os dispositivos impugnados violam o art. 1º, V, que prevê como um dos fundamentos da República o pluralismo político; o art. 17, que estabelece ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana; e o art. 58, § 1º, que assegura, na constituição das Mesas e das comissões permanentes ou temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa, todos da CF. Asseverou-se, relativamente ao inciso IV do art. 17 da CF, que a previsão quanto à competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar não deve ser tomada a ponto de esvaziar-se os princípios constitucionais, notadamente o revelador do pluripartidarismo, e inviabilizar, por completo, esse funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões. Considerou-se, ainda, sob o ângulo da razoabilidade, serem inaceitáveis os patamares de desempenho e a forma de rateio concernente à participação no Fundo Partidário e ao tempo disponível para a propaganda partidária adotados pela lei. Por fim, ressaltou-se que, no Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais da minoria, tais como a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública. (ADI 1351/DF e ADI 1354/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 7.12.2006). Informativo do STF nº 451, dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo451.htm#Partidos Políticos e Cláusula de Barreira - 2>. Acesso em: 07 de janeiro de 2014.
119
prevendo a volta da cláusula de barreira. A PEC acrescenta um parágrafo ao art.
17 da Constituição de 1988, para autorizar distinções entre partidos políticos com
base no seu desempenho eleitoral.
Todavia, cumpre salientar que, no parecer da Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania, favorável à aprovação da PEC, teceu-se uma longa análise
sobre os argumentos do STF no julgamento das ADINs acima referidas, mas ao
invés de simplesmente afrontar a decisão judicial, procurou-se demonstrar que a
Emenda Constitucional institui um novo tipo de cláusula que não afronta a
interpretação dada pelo STF175.
Já no segundo caso, o STF, em sede de recurso extraordinário (RE nº
197.807/RS) julgou através da Primeira Turma, por unanimidade, que as mães
adotivas não teriam direito à licença-maternidade de cento e vinte dias,
asseguradas às gestantes pelo art. 7º, inciso XVIII, da Constituição de 1988. O
argumento suscitado pelo relator, ministro Octávio Gallotti, e seguido pelos
demais ministros, foi no sentido de que o dispositivo constitucional asseguraria a
175 Ilustrativamente, veja-se o seguinte trecho do referido parecer: “A recente declaração de inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 9.096, de 1995, por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, ao derrubar a cláusula de desempenho, ou cláusula de barreira, gerou reflexos importantes sobre o funcionamento parlamentar, a distribuição de recursos do fundo partidário e a alocação de tempo para propaganda política em rádio e televisão. A decisão do Supremo não excluiu a possibilidade de fixação de uma cláusula de desempenho para os partidos políticos, ou de se fazerem distinções para efeito de funcionamento parlamentar, mas estabeleceu que os direitos mínimos inerentes ao mandato parlamentar e às condições de disputa política e eleitoral não podem ser recusados aos grupos minoritários. O Tribunal considerou que a cláusula de desempenho contida no art. 13 da Lei nº 9.096/95 e dispositivos conexos impediria, na prática, o acesso de pequenos partidos ao parlamento, uma vez que favoreceria demais os grandes partidos na distribuição de recursos do fundo partidário e na alocação de tempo de propaganda em rádio e televisão, com prejuízo à possibilidade de alternância do poder. (...) Essa importante decisão sinaliza no sentido de se pensar de outra maneira a regulamentação do funcionamento parlamentar, tal como se faz na presente proposta de emenda à Constituição. De acordo com a proposta, a lei poderá, para fins de funcionamento parlamentar, estabelecer distinções entre os partidos que obtenham um mínimo de cinco por cento de todos os votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos de cada um desses Estados na mesma eleição e os partidos que não atinjam esse patamar. Há uma diferença bastante significativa entre admitir distinções entre partidos e impedir o funcionamento parlamentar. A PEC n° 2, de 2007 preserva o espaço reservado aos pequenos partidos e remete à lei a tarefa de indicar quais serão as distinções mencionadas no texto constitucional. À luz da decisão do STF, pode-se considerar que não há vício de inconstitucionalidade em anunciar que serão feitas distinções entre partidos pequenos e grandes para fins de funcionamento parlamentar. Caberá à lei assegurar que tais distinções não inviabilizem o exercício do mandato representativo nem imponham obstáculos excessivos aos partidos pequenos ou novos”. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=24288&tp=1>. Acesso em 07 de janeiro de 2014. Até a conclusão do presente trabalho a PEC n. 02/07 ainda não havia sido votada. Foram apresentadas emendas à proposta original, alterando o seu texto, que podem ser analisadas através do seguinte endereço eletrônico: <http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=76346&tp=1>. Acesso em: 07 de janeiro de 2014.
120
licença apenas às gestantes, o que pressuporia tratar-se, exclusivamente, da mãe
biológica176.
Segundo informa Conrado Hubner Mendes, esse julgamento teve grande
repercussão, tendo sido desde então, propostos vários projetos de lei sobre a
concessão de licença maternidade às mães adotivas, em resposta à decisão
restritiva adotada pelo Supremo177. Mas além dos projetos de lei, foi apresentada,
em agosto de 2000, também uma Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº
31, de autoria da senadora Maria do Carmo Alves (PFL). A PEC acrescenta o
inciso XVIII-A, ao art. 7º, da CRFB. A justificativa da PEC funda-se na proteção
à maternidade e à infância, garantidas em vários dispositivos da Constituição178.
Atualmente, a imagem que se têm na relação entre o judiciário e o
legislativo é de uma relação onde um perde e o outro, ganha. Contudo,
defendemos a possibilidade de se estabelecer uma relação na qual ambos ganhem,
onde a interação entre os poderes construa, conjuntamente, a melhor decisão, não
sendo esta, por conseguinte, atribuída a um ou outro.
Entendemos, nesse contexto, que o legislador, quando aceita a posição do
STF, nem sempre o faz por pura passividade ou deferência, mas tampouco,
quando resiste, buscando novas vias para o mesmo fim, vale-se de pura pressão
política ou manifestação de forças, como se travasse um cabo-de-guerra com o
judiciário.
Devemos partir da premissa, como bem coloca Luís Roberto Barroso, de
que o papel do judiciário e, principalmente, das cortes constitucionais é de
resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais,
superando, quando cabível, os déficits de legitimidade dos demais Poderes179. Não
176 Veja-se Informativo do STF nº 199, agosto/2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo199.htm#Licença-Maternidade e Adoção (Transcrições)>. Acesso em: 07 de janeiro de 2014. 177 MENDES, Conrado. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Op.cit. p. 225. O autor cita os seguintes projetos: PL 3.525/00, de autoria do deputado Márcio Bittar (PPS); PL 3.479/00, de autoria do deputado Paulo Paim (PT); PL 3.406/00, de autoria do deputado Padre Roque (PT); PL 3.392/00, de autoria do Executivo Federal; PL 3.266/00, de autoria do deputado Alberto Fraga (PMDB); e PL 3.216/00, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT). 178 Ibid, p. 226. A PEC 31/00 foi aprovada em dois turnos no Senado em 08/01/2006, e desde 2007 encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Vale ressaltar também que após o julgamento dos mandados de injunção de dispuseram sobre o direito de greve dos servidores públicos, o Executivo Federal elaborou um anteprojeto de lei para regulamentar a matéria. Atualmente encontra-se em trâmite no Senado o Projeto de Lei n 710/11, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira, também disciplinando a questão. 179 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 414.
121
lhe é dado, por conseguinte, assumir a figura de Poder soberano, que se coloca
acima dos demais como última instância decisória de racionalidade, encampando
a máxima do detentor da última palavra.
Pelo contrário, segundo Barroso, em países de tradição democrática menos
enraizada, cabe ao tribunal constitucional funcionar como garantidor da
estabilidade institucional, mediando conflitos entre os Poderes ou entre estes e a
sociedade civil. Logo, seu real objetivo é proteger os valores fundamentais e os
procedimentos democráticos, assim como manter a estabilidade institucional180.
Nesse sentido, importante a observação feita por Rodrigo Brandão de que,
antes do advento da Constituição de 1988, foram feitos diversos ataques
institucionais ao Supremo Tribunal Federal, de maneira corriqueira, como forma
de privar do exercício da sua competência constitucional de controlar
imparcialmente a validade de leis e atos administrativos181. Contudo, alerta-se que
foram estes tempos sombrios, nos quais o país esteve sob o julgo autoritário da
ditadura, os quais se espera jamais voltem.
O autor esclarece que a defesa, no plano prescritivo, de que os ataques
institucionais à Corte violam a Constituição não é incompatível com o
reconhecimento de que, no plano descritivo, se a corte interpretar princípios
constitucionais controvertidos de forma radical e diametralmente oposta à visão
do povo, em questões de grande relevo, o povo, através dos seus representantes,
buscará um meio para se evitar ou reverter tais decisões judiciais182.
Não se pode perder de vista que o ativismo judicial e os diálogos
institucionais nos Estados democráticos contemporâneos estão inseridos no
âmbito de democracias deliberativas, demarcadas a partir de dois eixos principais,
segundo aponta Rodrigo Brandão: autogoverno do povo e direitos fundamentais.
Nesta seara, são comuns os chamados desacordos morais razoáveis, que
como explica Luís Roberto Barroso, são a marca de sociedades pluralistas e
diversificadas, nas quais pessoas bem intencionadas e esclarecidas pensam de
maneiras radicalmente opostas, inconciliáveis, mas a partir de argumentos válidos
e legítimos, tanto para um lado, quanto para o outro. Diante deste impasse, o papel
do direito e do Estado é assegurar que cada pessoa viva sua autonomia e sua
180 Ibid, p. 415. 181 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais – A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Op.cit., p. 231. 182 Ibid, p. 232.
122
crença, podendo, sem dúvidas, o judiciário ser provocado para solucionar tais
questões, sempre que necessário183.
Diante deste quadro, é importante que as vias do diálogo, com a
participação dos Poderes constituídos e da própria sociedade civil, estejam sempre
abertas e seu manejo seja incentivado, pois a democracia deliberativa parte da
premissa, justamente, de que todos os atores sociais – instituições e povo –
tenham voz e possam ser ouvidos.
A democracia deliberativa não tem a pretensão de transformar o desacordo
em acordo, mas tem a vantagem de, ao menos, instigar os participantes a
considerar, com respeito e seriedade a perspectiva do outro, reconhecendo seus
eventuais méritos e sua razoabilidade argumentativa, deixando de lado desacordos
sobre aspectos não essenciais à resolução de questões controvertidas. Outra
vantagem desse panorama é encorajar que os cidadãos expressem as suas visões
sobre questões públicas de forma menos egoística, buscando pontos em comum a
partir de visões divergentes184.
Considerando-se os elementos acima tratados, e defendendo o prisma
agregativo dos diálogos institucionais, entendemos que o jogo democrático pode
ser perfeitamente jogado a partir do ativismo judicial manejado pelo STF, através
do mandado de injunção. Consideramos que o instrumento, conforme já
adiantado, tem o condão de assegurar legitimidade democrática à inserção da
corte no debate e no julgamento de questões com viés eminentemente político ou
social, justamente por entendermos que existe a potencialidade de, através dele,
desenvolver-se plenamente uma democracia deliberativa, pois não há de se falar
em encampação da última palavra, mas sim na construção consensual desta –
através, é claro, de últimas palavras provisórias e rodadas procedimentais.
Pretendemos nos próximos tópicos explicar como a interação a partir do
mandado de injunção pode ser feita e o prisma democrático desta interação. A
proposta lançada sustenta-se em três pilares: primeiramente, o de que o mandado
de injunção concretiza aspirações sociais, não havendo que se falar em
dificuldades contramajoritárias ou déficits democráticos; em segundo lugar, que o
julgamento do mandado de injunção permite a participação popular no processo
decisório; e em terceiro lugar, que o julgamento do mandado de injunção, seja
183 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Op. cit., p. 423. 184 BRANDÃO, Rodrigo. Op. cit. p. 214.
123
quando o STF cria a norma faltante, seja quando estimula o legislativo a editar a
norma faltante, representa, ao mesmo tempo, o término de uma rodada
procedimental e o início de uma nova, até que se atinja o consenso.
4.2 Concretizando aspirações sociais
No segundo capítulo exploramos o potencial construtivista do mandado de
injunção, através da concretização de direitos constitucionalmente previstos, mas
não efetivados em virtude da mora legislativa, tendo em vista que o processo
decisório é pautado na interlocução entre a corte e o legislativo, bem como
autoriza a participação da própria sociedade.
Como visto inicialmente o STF adotou uma postura acanhada e
conservadora no que tange aos efeitos da decisão do mandado de injunção,
firmando entendimento de que o poder normativo era exclusividade do legislativo,
e que somente a este competiria editar a norma faltante.
Por conseguinte, durante anos o STF limitou-se a notificar o Congresso da
mora legislativa, esquivando-se de adotar qualquer medida concreta. No entanto, a
inércia legislativa normalmente se mantinha, pois a decisão do Supremo, embora
mandamental, não possuía caráter coercitivo, e não impunha ao legislativo
qualquer agir. Logo, os direitos previstos na Constituição permaneciam sem a
necessária efetivação.
Sob esta ótica, importante lembrar a posição de Clèmerson Merlin Clève,
vista anteriormente, ao defender que não faria parte do procedimento do mandado
de injunção a notificação da mora ao legislador, não sendo sequer relevante existir
um estado de mora. Bastaria a previsão constitucional acerca de um determinado
direito – e que este se exerceria nos termos da lei – para se admitir o manejo do
writ. Todavia, seria desnecessário aguardar a elaboração e edição da referida lei,
podendo-se a qualquer tempo impetrar a injunção.
O pressuposto básico, aqui, reside no fato de que o mandado de injunção é
um remédio constitucional próprio para efetivar direitos. Como foi visto, a razão
precípua da sua inclusão no texto constitucional pelo constituinte foi assegurar
que nenhum direito previsto na Carta Magna ficaria sem sua a efetiva realização,
como por muitas vezes ocorreu no regime ditatorial dos “anos de chumbo”.
124
Por conseguinte, haveria na Constituição direitos que, embora tivessem
sua regulamentação delegada à legislação infraconstitucional, poderiam ser
assegurados, desde logo, pela via do mandado de injunção. Afinal há direitos que
para serem exercidos, de fato necessitam ser devidamente regulamentados, como
a greve dos servidores públicos, pois há várias questões envolvidas que precisam
ser detalhadas. Não obstante, isso não significa que tais direitos não possam ser de
plano exercidos, pelo só fato de não haver ainda a lei.
Ou seja, em havendo a previsão constitucional, desde a promulgação da
Constituição, todo e qualquer servidor teria o direito de fazer greve, apesar da
ausência de regulamentação. E o mandado de injunção caberia para assegurar tal
direito, prevalecendo a decisão e a normatização criada pelo STF até o advento da
lei específica.
A aplicação do mandamus, por este prisma, não acarretaria violação à
separação dos poderes. Em primeiro lugar, porque sua aplicação decorre de
previsão constitucional expressa, e a Constituição no art. 5º, inciso LXXI não
estabelece qualquer limitação ao seu manejo, no que tange à existência de um
prévio estágio de mora legislativa ou à prévia notificação do legislador. Ou seja, o
mandado de injunção se prestaria a efetivar direitos, e por tal motivo poderia ser
impetrado a qualquer tempo.
Em segundo lugar, existe o argumento de que a notificação e o
estabelecimento da mora legislativa seria objeto da ADIN por omissão, sendo
esta, inclusive, a grande distinção entre ela e o mandado de injunção. Não há de se
falar em concretização de direitos na ADIN, estando, pois, os objetivos de cada
um bem claros e definidos. E, ainda, pode-se dizer que o propósito da efetivação
de direitos, por si só, legitimaria a impetração do mandado de injunção a qualquer
tempo.
Enfim, o que tentamos explicitar é que, apesar de entendermos que a
notificação do legislador quanto à mora legislativa, e a estipulação de prazo para
saná-la devam fazer parte do procedimento do mandado de injunção, por
considerarmos que tais medidas agregam maior legitimidade democrática à futura
decisão, e principalmente, que são um canal de diálogo entre os poderes,
entendemos igualmente que mesmo na ausência dessas medidas (cuja
desnecessidade é defendida pela tese de Clève) o mandado de injunção permanece
125
um instrumento válido e legítimo de efetivação de direitos, e que não ofende a
separação dos poderes.
Por sua vez, no pólo oposto, o panorama inicialmente traçado na
jurisprudência do STF, de que o papel do mandado de injunção seria apenas
notificar a omissão legislativa, além de desvirtuar o seu objeto, apresenta uma
visão muito limitada da separação dos poderes, e não nos parece o melhor para o
ideal de democracia que se pretende atingir. Parte-se de uma visão romantizada
dos órgãos representativos, que reside na ideia da sua infalibilidade, que é tão
falaciosa quanto a crença na infalibilidade do juiz constitucional.
No que atine à teoria da separação dos poderes, segundo Celso Bastos,
Aristóteles teria sido o primeiro filósofo a isolar, no funcionamento do complexo
estatal, três tipos de atos: as deliberações sobre interesses comuns, a organização
de cargos e magistraturas e atos judiciais. Contudo, o pensamento aristotélico,
neste particular, pouco influenciou a vida política e social do seu tempo. A teoria,
por conseguinte, somente voltaria a aflorar nos séculos XVII e XVIII, a partir de
Montesquieu, a quem coube sua formulação mais acabada e perfeita
juridicamente185.
A visão clássica da separação dos poderes, pensada por Montesquieu,
prevê a equipotência entre os poderes, sendo condição para o Estado de direito a
independência entre eles, assim como sua equivalência. Contudo, vale ressaltar
que a análise feita pelo filósofo francês tinha como objeto de estudo o regime
britânico do século XVIII, no qual, entre os poderes, o que havia, em verdade, era
uma interdependência e uma interpenetração de funções186.
O mais importante de se observar, como coloca Guilhon Albuquerque é
que se trata de assegurar a existência de um poder que seja capaz de contrariar
outro poder, sendo mais um problema político, de correlação de forças, do que um
problema jurídico-administrativo de organização de funções. Lida dessa forma, a
teoria de Montesquieu se insere na linha das teorias democráticas que apontam a
necessidade de arranjos institucionais que impeçam que uma das forças políticas
185 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p.559. 186 ALBUQUERQUE, J.A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In: WEFFORT, Francisco C (org.). Os Clássicos da Política. Vol. 1. 14ª ed. SãoPaulo: Ática, 2009, p. 119. Locke, antes de Montesquieu, já havia concebido igual ideia de separação dos poderes; contudo, em Locke, preconizava-se a soberania legislativa sobre os demais poderes, subordinando-se a ele o poder executivo e o chamado poder federativo (Ibid, p. 87).
126
prevaleça sobre as demais – é o chamado sistema de freios e contrapesos187. Em
igual sentido, afirma Celso Bastos:
O que acontece é que para Montesquieu a separação de poderes não era uma teoria abstrata que se satisfizesse com a mera descrição das formas de atuar do Estado. Pelo contrário, ao determinar que à separação funcional estivesse subjacente uma separação orgânica, Montesquieu concebia sua teoria da separação dos poderes como técnica posta a serviço da contenção do poder pelo próprio poder. Nenhum dos órgãos poderia desmandar-se a ponto de instaurar a perseguição e o arbítrio, porque nenhum desfrutaria de poderes para tanto. O poder estatal, assim dividido, seria o oposto daquele outro fruído pelo monarca de então, desvinculado de qualquer ordem jurídica preestabelecida188. A separação dos poderes, em Montesquieu, representa um pressuposto
incontornável da liberdade política e da própria democracia pois segundo o
filósofo francês, quando se reúne no mesmo corpo magistratura, legislativo e
executivo, não existe liberdade, abrem-se as portas da tirania. Como diz
Montesquieu:
A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor189.
Com efeito, a separação dos poderes tem por escopo, primordial, assegurar
a independência entre os poderes, delimitando o âmbito de atuação de cada um,
mas, ao mesmo tempo, permitindo o controle mútuo entre eles, para que um não
se torne hegemônico em relação aos demais pois, nesse caso, o risco de um
governo tornar-se tirânico acaba sendo grande.
Entretanto, sabe-se que, paralelamente à sua função precípua, cada poder
tem a possibilidade de exercer, secundariamente, as demais. O que é vedado é que
187 Ibid, p. 120. 188 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. p. 561. 189 MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat – Barão de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 168.
127
um Poder exerça a função precípua do outro, embora se reconheça que os Poderes
exercem funções típicas e atípicas. Nesse diapasão, a independência dos Poderes
tem por escopo impedir ingerências indevidas de um sobre o outro, dispondo a
Constituição de 1988 de vários dispositivos que buscam assegurar essa regra.
Ademais, preconiza a Carta Magna a indelegabilidade entre os poderes, bem como
a impossibilidade de investidura simultânea em funções que correspondam a
poderes distintos.
Diante do quadro acima delineado, não há dúvidas de que ao judiciário não
é dado legislar, nem a nenhum dos Poderes imiscuir-se nas funções típicas do
outro. Todavia, entendemos que, ao se verificar falhas ou deficiências na atuação
dos Poderes, na realização dos seus misteres institucionais, faz-se necessário
haver mecanismos aptos a corrigir tais distorções, até porque, como dito, os
Poderes se controlam mutuamente, através do sistema de freios e contrapesos
(checks and balances).
Nesse contexto, o mandado de injunção surge como medida de justiça, por
ser um instrumento apto a reverter ofensas a direitos fundamentais, decorrentes da
mora legislativa, estando legitimado por se tratar de mecanismo
constitucionalmente criado para este fim - art. 5º, inciso LXXI, da Constituição da
República.
Por conseguinte, se o judiciário não agir, eficazmente, para concretizar tais
direitos e garantias constitucionais, limitando-se a apontar a mora legislativa
através de uma decisão sem coercitividade, o dispositivo não passará de letra
morta. Nessa mesma linha, entendemos que a atual jurisprudência do STF relativa
aos efeitos da decisão proferida em sede de mandado de injunção (Concretista
Geral), representa o único posicionamento realmente capaz de dar efetividade, não
apenas ao dispositivo constitucional que cria e define os objetivos do mandado de
injunção, como também aos direitos violados pela inércia do Congresso.
Nesse diapasão, acreditamos, igualmente, à luz dos postulados da
separação dos poderes detalhados linhas acima, que encontram raízes em
Aristóteles, Locke e Montesquieu, que não há de se falar, na hipótese, em
violação à separação e à independência dos poderes.
John Hart Ely, por exemplo, afirma que déficits de representatividade
podem advir do Legislativo, e diante desse fato, além da possibilidade dos
cidadãos fazerem melhores escolhas no futuro, através do voto, pode-se
128
igualmente atribuir ao judiciário a função de concretizar anseios sociais – quando
relegados estes a um segundo plano em virtude da crise de representação – e
proteger os direitos das minorias. Nas palavras do autor:
Our government cannot fairly be Said to be ‘malfunctioning’ simply becouse it sometimes generates outcomes with which we disagree, however strongly (and claims that it is reaching results with which “the people” really disagree – or would IF they ‘understood’ – are likely to be little more than self-deluding projections). In a representative democracy, value determinations are to be made by our elected representatives, and if in fact most of us disapprove we can kick them out of office. Malfunction occurs whenever the process cannot be trusted (…) Obviously our elected representatives are the last persons we should trust with identification of either of these situations. Appointed judges, however, are comparative outsiders in our governmental system: they are largely removed from de political hurly-burly and need worry about continuance in office only very obliquely. This does not give them some special pipeline to the genuine values of the American people; in fact it goes far to ensure they will not have one. It does, however, put them in a position objectively to assess claims – though no one could suppose it will not be full of judgment calls – that either by clogging the channels of change or by acting as accessories to simple majority tyranny, our elected representatives in fact are not representing the interests of those that the system presumes and presupposes they are190.
Defendemos, pois, que pela via do mandado de injunção, o judiciário não
está a usurpar competências do legislativo, tampouco está exercendo, tipicamente,
a atividade legiferante. O que ocorre, em verdade, é a concretização de direitos
constitucionais através de um mecanismo constitucionalmente válido e legítimo,
até que o Legislativo venha a editar a lei faltante. Já foi explicado que, em
nenhum momento – seja antes, durante ou depois do julgamento do mandado de
injunção – o Congresso perde sua autonomia, independência e, principalmente,
competência para editar leis. Por conseguinte, a criação da lei acarreta a perda do
objeto do mandado de injunção e, igualmente, a sua superveniência prevalece
sobre a decisão tomada.
Ou seja, o postulado da separação dos poderes preconiza que nenhum
poder invada o campo de atuação precípua do outro, que nenhum deles detenha o
controle total das três funções (administrar, legislar e julgar), bem como que haja
um controle recíproco entre eles, para que nenhum deles se torne autoritário. Essa
é a regra do jogo, e nos parece que o mandado de injunção conserva,
190 ELY, John Hart. Toward a Representation-reinforcing Mode of Judicial Review. Maryland: Maryland Law Review, n. 37, rev. 451, 1978, p. 486-487. Disponível em: http://digitalcommons.law.umaryland.edu/mlr/vol37/iss3/3. Acesso em 16 de janeiro de 2014.
129
perfeitamente, as suas premissas básicas. Afinal, sob o prisma explicitado, cabe
indagar: há no julgamento do mandado de injunção, na atualidade, violação à
separação dos poderes? Acredito que não.
Existem dois fatores principais que ensejam a inércia legislativa. O
primeiro é a morosidade do processo legislativo e a sua burocracia. Não raro,
projetos de lei demoram anos tramitando ou, simplesmente, permanecem
engavetados. O segundo é, simplesmente, a falta de interesse em editar a lei. Por
vezes, a omissão legislativa é uma opção política de não regulamentar a matéria,
calcada numa avaliação de conveniência e oportunidade.
Em ambos os casos, contudo, os legítimos direitos assegurados pela
Constituição estão à mercê das opções políticas dos ditos representantes do povo.
Embora as aspirações sociais sejam claras, elas deixam de ser atendidas por
interesses outros que não o interesse público. Logo, torna-se imperioso que o
problema seja solucionado, ainda que não pelo legislativo. Nesse contexto, o
mandado de injunção é a opção para dar respostas à sociedade, ainda que
provisoriamente. E nesse aspecto, assume uma função democrática, de efetivação
de direitos, que derruba qualquer argumento de dificuldade contramajoritária,
sobretudo se considerarmos que a ofensa decorre da inércia dos órgãos
representativos.
Defendemos, pois, que o caráter constitutivo (normativo) da decisão do
STF, em sede de mandado de injunção, é agregativo e não excludente. Ou seja,
não se tem a pretensão de usurpar competências constitucionais que são próprias
do legislativo. A função precípua de editar normas, obviamente, é deste. Não
obstante, oferece-se uma via alternativa criada pela própria Constituição, a rigor
provisória, de proteção a direitos constitucionalmente tutelados que dependem da
norma faltante para serem concretizados.
Esta segunda via oferecida pelo mandado de injunção corre paralelamente
à via principal da atividade legislativa, e não em substituição a esta. Sim, porque,
se o STF através da sua decisão judicial cria determinada norma para o caso
concreto (extensível aos casos semelhantes), e a partir do momento em que a lei
faltante é editada aquela decisão perde sua vigência.
Enfim, entendemos que a adoção dessa dinâmica procedimental
concretista é a única forma de se atingir o objetivo constitucional pensado para o
mandado de injunção: a efetivação de direitos. Como não se trata de usurpar
130
competências, mas apenas de agir diante da mora legislativa, até que o parlamento
saia do seu estado de inércia – repise-se, como quis o legislador constituinte -,
pode-se dizer que a medida em nada afeta a harmonia e a separação dos poderes,
tampouco o ideal democrático (senão o realiza). Nesse sentido, lapidares as
palavras de Hely Lopes Meirelles:
Se é verdade que o mandado de injunção pode dar margem a uma certa judicialização da política, não é menos verdade que isso só ocorrerá na medida em que os Poderes Legislativo ou Executivo se omitirem. Não se trata, aqui, de intromissão indevida do Poder Judiciário na seara alheia, mas, ao contrário, da garantia de que as pessoas não serão prejudicadas pela eventual inércia legislativa ou regulamentadora, verdadeira disfunção do Poder Público. Basta que a autoridade competente cumpra a sua função, e edite a norma de cuja elaboração a Constituição lhe incumbiu, para se afastar a intervenção do Poder Judiciário. Mas o mandado de injunção pode garantir que, neste ínterim, ninguém deixará de usufruir do direito que a Constituição lhe outorgou. E a eficácia máxima do texto constitucional é prioridade inegociável no sistema democrático191.
Assim, uma vez demonstrado que o mandado de injunção é um poderoso
instrumento de efetivação de direitos e liberdades constitucionais, que atende
perfeitamente às aspirações sociais, sem imiscuir o judiciário nas competências do
legislativo, mas, pelo contrário, estabelecendo o diálogo entre eles, passaremos
nos próximos tópicos a demonstrar como o mandado de injunção tem o potencial,
justamente, de promover o diálogo institucional.
4.3 Participação popular no processo deliberativo do mandado de injunção
O mandado de injunção, conforme defendemos no tópico anterior, tem o
potencial de concretizar direitos constitucionalmente previstos, que a inércia
legislativa não permite sejam fruídos pelos seus legítimos titulares. Foi dito,
igualmente, que permitir ao judiciário normatizar a questão, não representa
usurpação de direitos nem medida antidemocrática; pelo contrário, tal postura vai
ao encontro do ideal de democracia, na medida em que se baseia num mecanismo
de índole constitucional próprio para viabilizar direitos.
Todavia, se ainda assim persiste alguma desconfiança acerca do potencial
democrático do mandado de injunção, ou quanto à legitimidade do STF para
191 MEIRELLES, Hely Lopes; MENDES, Gilmar Ferreira; WALD, Arnoldo. Op. cit. p. 345.
131
assumir essa atividade legiferante, nesse tópico iremos somar um novo argumento
àqueles delineados anteriormente, em favor da sua legitimidade democrática –
demonstraremos ser possível que haja participação popular no processo decisório
do mandado de injunção.
Conforme foi visto nos capítulos anteriores, o STF aplica ao mandado de
injunção o rito previsto para o mandado de segurança. Atualmente, o mandado de
segurança é regido pela Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009192. O writ em
comento também se propõe a compor direitos - no caso direito líquido e certo não
amparado por habeas corpus ou habeas data -, sempre que qualquer pessoa, física
ou jurídica, venha a sofrer violação a esse direito, ou se sinta ameaçada de sofrê-
la193.
A lei não prevê a participação popular no processo decisório, limitando-se
a determinar que a autoridade coatora preste informações, no prazo de dez dias –
art. 7º, inciso I, da Lei 12.016/09. A ausência dessa previsão legal decorre do fato
de que o writ possui rito mais célere, gozando, inclusive, de preferência
processual194. A rigor, em verdade, a participação popular somente se justificaria
se se tratasse de mandado de segurança coletivo.
Foi dito que alguns autores discordam da aplicação do rito do mandado de
segurança ao mandado de injunção, justamente em virtude do rito sumário
aplicável àquele, que não se justificaria, contudo, em relação a este, que deveria
seguir o rito processual ordinário. Dissemos, igualmente, que compartilhamos
192 Interessante observar que a atual lei do mandado de segurança demonstra um positivo exemplo de interação institucional entre cortes e parlamento. Com efeito, segundo coloca Bruno Garcia Redondo, há dispositivos no texto legal que representam a positivação de entendimentos pacificados pelo STF e pelo STJ, através de súmulas de sua jurisprudência, editadas quando ainda vigia a antiga lei, Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951. Exemplificativamente, veja-se o arts. 5º, inciso III, da Lei 12.016/09, que positivou o entendimento consubstanciado na Súmula 268, do E. STF, e o art. 25, que sedimentou os entendimentos firmados nas súmulas 294, 512 e 597, do STF, e 105 e 169, do STJ. (REDONDO, Bruno Garcia, et. al. Mandado de Segurança – Comentários à Lei 12.016/2009. São Paulo: Método, 2009, ps. 88-163). 193 Dispõe o art. 1º, da Lei 12.016/09: Art. 1o. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 194 Dispõe o art. 20, da Lei 12.016/09: Art. 20. Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus. § 1o Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à data em que forem conclusos ao relator. § 2o O prazo para a conclusão dos autos não poderá exceder de 5 (cinco) dias.
132
desse entendimento. Parece-nos que, aqui, se está atribuindo ao poder judiciário
uma legitimidade heterônoma, a de produzir normas, medida complexa que
demanda uma análise mais profunda do caso e uma cognição exauriente.
A adoção do procedimento ordinário de julgamento possibilita a inclusão
de mecanismos de legitimação democrática e de participação popular. Partindo
desta premissa, propomos, pois, a realização de audiências públicas no julgamento
do mandado de injunção, medida que entendemos ser perfeitamente aplicável,
ante a atual jurisprudência do STF, e nos casos de mandado de injunção coletivo.
Tratando da competência originária do Supremo Tribunal Federal para
julgamento de mandado de injunção, nota-se que a proposta é completamente
plausível. O Regimento Interno do STF prevê a possibilidade de, tanto o
presidente do tribunal, quanto o relator do processo em julgamento, convocarem
audiências públicas, para ouvir pessoas interessadas, com experiência ou
autoridade em determinada matéria de relevante interesse social. É o que
preconizam os arts. 13, inciso XVII e 21, inciso XVII, do Regimento Interno do
STF, com a redação dada pela Emenda Regimental 29/09195.
Nesse contexto, a proposta teria o condão de permitir aos interessados e
aos experts participarem do processo decisório, opinando sobre a questão, ou
mesmo apresentando sugestões à corte quanto ao possível teor da norma a ser
prescrita. Ademais, tal dinâmica vai ao encontro do que propugnava Keith
Whittington ao falar de constitucionalismo fora das cortes, e defender que todos
os poderes e a própria sociedade são, igualmente, intérpretes da Constituição, não
havendo hierarquia entre eles. Mais uma vez, precisas são as palavras de Peter
Häberle, nesse sentido:
A Ciência do Direito Constitucional, as Ciências da realidade, os cidadãos e os grupos em geral não dispõem de uma legitimação democrática para a interpretação da Constituição em sentido estrito. Todavia, a democracia não se
195 Art. 13. São atribuições do Presidente: (...) XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante, debatidas no âmbito do Tribunal. Art. 21. São atribuições do Relator: (...) XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral ou de interesse público relevante.
133
desenvolve apenas no contexto de delegação de responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais (legitimação mediante eleições), até o último intérprete formalmente “competente”, a Corte Constitucional. Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também por meio de formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da política e da práxis cotidiana, especialmente mediante a realização dos Direitos Fundamentais (Grundrechtsverwirklichung), tema muitas vezes referido sob a epígrafe do ‘aspecto democrático’ dos Direitos Fundamentais. Democracia desenvolve-se mediante a controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade e também o ‘concerto’ científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode haver interrupção e nas quais não existe e nem deve existir dirigente. ‘Povo’ não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interrupção que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão196.
John Rawls, ao falar da aplicação da chamada justiça política à luz da
Constituição desenvolve argumento semelhante, ao defender que a participação
popular na tomada de decisões realiza o postulado da justiça contido no que ele
chama de liberdade igualitária (equal liberty), e igualmente homenageia o
princípio de participação. Defende, ainda, a necessidade de todos os cidadãos
estarem devidamente representados pelo corpo institucional. Nas palavras do
autor:
The principle of equal liberty, when applied to the political procedure defined by the constitution, I shall refer to as the principle of (equal) participation. It requires that all citizens are to have an equal right to take part in, and to determine the outcome of, the constitutional process that establishes the laws with which they are to comply. Justice as fairness begins with the idea that where common principles are necessary and to everyone’s advantage, they are to be worked out from the viewpoint of a suitably defined initial situation of equality in which each person is fairly represented. The principle of participation transfers this notion from the original position to the constitution as the highest-order system of social rules for making rules. If the state is to exercise a final and coercive authority over a certain territory, and if it is in this way to affect permanently men’s prospects in life, then the constitutional process should preserve the equal representation of the original position to the degree that this is practicable197.
Segundo Luiz Werneck Vianna, ao traçar uma minuciosa e empírica
análise da judicialização da política no Brasil, através do STF, e a partir do estudo
das diversas ações diretas de inconstitucionalidade interpostas desde a
196 HÄBERLE, Peter. Op. cit., ps. 36-37. 197 RAWLS, John. A Theory of Justice - revisted edition. Harvard: the Belknap Press of Harvard University Press, 2009. ps. 194-195.
134
redemocratização do país, o próprio desenho constitucional brasileiro torna a
comunidade dos intérpretes da Constituição heterogênea, a comportar desde o
mundo dos interesses e da opinião pública até os governadores e os procuradores
da República198.
O que restou decidido pelo STF é que a decisão do caso concreto serviria
de parâmetro para que decisões idênticas fossem tomadas, e não que o
ajuizamento de outras ações seria desnecessário. Esse, inclusive, seria outro efeito
positivo do incremento no manejo do mandado de injunção coletivo – reduzir o
número de ações individuais sobre o mesmo tema, enxugando a máquina
judiciária199.
Mais uma vez podemos nos valer dos ensinamentos de Habermas, que ao
tratar do modelo republicano de democracia (como o nosso), destaca a
importância do agir comunicativo, das interações sociais e da participação da
opinião pública na tomada de decisões de caráter político:
Segundo a concepção republicana, a formação de opinião e vontade política em meio à opinião pública e no parlamento não obedece às estruturas de processos de mercado, mas às renitentes estruturas de uma comunicação pública orientada ao entendimento mútuo. Para a política no sentido de uma práxis de autodeterminação por parte de cidadãos do Estado, o paradigma não é o mercado, mas sim a interlocução. Segundo essa visão, há uma diferença estrutural entre o poder comunicativo, que advém da comunicação política na forma de opiniões majoritárias estabelecidas por via discursiva, e o poder administrativo de que dispõe o aparato estatal (...) Portanto, o embate de opiniões ocorrido na arena política tem força legitimadora não apenas no sentido de uma autorização para que se ocupem posições de poder; mais que isso, o discurso político ocorrido continuamente também apresenta força vinculativa diante desse tipo de exercício de dominação política. O poder administrativo só pode ser aplicado com base em políticas e no limite das leis que nascem do processo democrático200.
Assim que, partindo da participação da população na tomada de decisão, e
dos postulados de representatividade acima defendidos, acreditamos que qualquer
198 VIANNA, Luiz Werneck et al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 53. 199 Cumpre ressaltar que no presente caso estamos defendendo a inserção de mais um elemento de legitimação democrática no mandado de injunção, que é a participação popular. Nesse aspecto, defende-se o manejo do mandado de injunção coletivo como forma de garantir, processualmente, a viabilidade da proposta. Entretanto, deixamos claro que, ao nosso entender, o mandado de injunção individual já detém minimamente sua legitimidade democrática, conforme vimos defendendo ao longo do presente trabalho. O que pretendemos, portanto, ao tratar da participação popular no processo decisório do mandado de injunção, é trazer um novo argumento favorável ao viés democrático do instituto, e igualmente, do ativismo judicial praticado através dele. 200 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – Estudos de Teoria Política. Tradução de George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002, ps. 275-276.
135
objeção contramajoritária ao mandado de injunção na sua atual conjuntura (teoria
concretista) reste superada, somando-se tal medida ao conjunto de proposições
que foram feitas em defesa da sua legitimidade democrática, a saber:
(i) o processo judicial do mandado de injunção não substitui o processo
legislativo, mas caminha paralelamente a este;
(ii) o mandado de injunção é o mecanismo constitucionalmente previsto e
legitimado para sanar violações a direitos fundamentais decorrentes da mora
legislativa;
(iii) o fato do STF não ser um órgão representativo e dos seus membros não serem
agentes eleitos, não afeta a legitimidade democrática do mandado de injunção,
sendo, inclusive, perfeitamente cabível a participação popular no seu processo
decisório.
Demonstrado, pois, que o mandado de injunção tem a virtude de
estabelecer um diálogo entre a corte e a própria sociedade, ou mesmo, em última
instância, de suscitar o debate no seio social, superando-se assim os traumas da
ausência de representatividade, no próximo tópico demonstraremos que através do
writ também é possível pautar o diálogo entre cortes e parlamentos, promovendo
rodadas procedimentais de interação institucional.
4.4 A “criação legislativa” pelo STF: inovação ou renovação?
Os críticos do ativismo judicial provavelmente diriam que o mandado de
injunção retira do parlamento o controle da atividade legislativa e, em mais esta
oportunidade, atribui às cortes a última palavra sobre questões de direito. Nesse
caso, portanto, a violação à separação dos poderes seria clara, por dar ao judiciário
também o poder da criação normativa. Parece, portanto que, definitivamente,
estar-se-ia estabelecendo uma “Supremocracia”.
Não é bem assim. Partindo das teorias que defendem a ausência da última
palavra, passaremos a demonstrar que o mandado de injunção, pelo contrário, tem
136
o condão de estabelecer, para utilizar a expressão de Alexander Bickel, um
“colóquio” entre os poderes, de modo que o julgamento do mandado de injunção
inicia uma rodada procedimental longa e complexa e, ao final, a decisão poderá
até mesmo inaugurar uma nova rodada. Essa dinâmica será melhor explicitada nos
subitens a seguir.
4.4.1 A resposta do Congresso
O mandado de injunção decorre de uma demanda social pela efetivação de
direitos que, nos termos da Constituição, dependem de lei regulamentadora, sendo
que tal lei inexiste. A normatização pendente, por conseguinte, primordialmente
compete ao legislativo, podendo, contudo, ser atribuída ao próprio STF (segundo
sua mais recente jurisprudência).
Com efeito, a omissão legislativa inicial, que levou à intervenção judicial
da Suprema Corte, não representa óbice a que, posteriormente, venha o Congresso
a suprir a mora legislativa, vindo inclusive, a lei superveniente, a prevalecer sobre
a decisão judicial. Enfim, o que se está a afirmar é que, no curso do processo,
cortes e parlamentos dialogam, sendo possível ao legislativo responder às
decisões tomadas pelo judiciário.
Para fixar a argumentação, analisemos na realidade brasileira, três cenários
distintos de resposta do Congresso às decisões do STF. Partiremos do exemplo da
greve dos servidores públicos, já que este representa o leading case da atual fase
da evolução jurisprudencial do Supremo. Em todos os casos, a decisão adotada
tem caráter concretista. Assim que, no primeiro cenário, o Supremo adotará
decisão de caráter concretista intermediário individual. No segundo, decisão
concretista direta individual. E no terceiro, decisão concretista direta geral.
Em cada um desses cenários, aplicar-se-ão alguns dos conceitos presentes
nas teorias do diálogo anteriormente vistos e explicados, de acordo com o maior
ou menor grau de ativismo da corte. A ideia é revelar o potencial interpretativo
extrajudicial que surge a partir do julgamento do mandado de injunção,
permitindo-nos constatar que, em momentos sujeitos a uma “ameaça real” de
revisão judicial, o legislador passa a considerar com mais cuidado a dimensão
137
constitucional dos temas por ele abordados, como preconiza Mitchel Pickerill, em
resposta aos ditames estabelecidos pela corte, passa a com esta dialogar. Vejamos.
- CENÁRIO 01 - A corte estabelece prazo para o parlamento editar a lei, e este a
edita dentro do prazo dado:
Suponha-se que o STF, reconhecendo a mora legislativa decorrente da não
edição da lei de que trata o art. 37, VII, da Constituição de 1988, abre prazo de
180 dias para que o Congresso Nacional supra a omissão. Foi estabelecido o
primeiro diálogo. O parlamento está ciente da ausência da norma (se já não estava
antes), e a partir de uma análise de conveniência e oportunidade irá definir se
inicia ou não o processo legislativo para criá-la.
Com efeito, pode-se dizer que, neste momento, a corte está exercendo suas
virtudes passivas, optando por não decidir, como dizia Bickel. Ao assinalar prazo
ao parlamento para editar a norma, o tribunal possibilita o amadurecimento da
questão no âmbito do próprio órgão representativo, onde também a participação
popular é franqueada através de audiências e/ou consultas públicas. A edição da
lei dentro do prazo dado resolverá a questão, e tornará desnecessário que o STF
assuma (provisoriamente) o papel de legislador positivo, representando o
consenso mínimo que as teorias do diálogo pregam, o que não impede que a
questão venha ser debatida novamente, em outra rodada procedimental.
- CENÁRIO 02 – A corte julga o mandado de injunção, mas restringe os efeitos
ao caso concreto (Teoria Concretista Individual):
Neste segundo cenário, o tribunal constitucional, constatando a
manutenção da mora legislativa após o decurso do prazo assinalado, opta por
decidir, mas decide pouco, como defende Cass Sunstein. É uma forma de
minimizar possíveis riscos. Como visto, para Sunstein, o ideal é que a corte, em
sede de controle de constitucionalidade decida determinadas questões, deixando
outras em aberto.
Na hipótese vertente, a corte restringe os efeitos da decisão ao caso
concreto (inter partes), de modo que o minimalismo (para usar a expressão do
autor norte-americano) aqui, reside na adoção de uma decisão casuística, não
138
extensível, de plano, aos demais casos semelhantes. Com isso, possíveis tensões
entre a decisão judicial e a lei futuramente editada pelo parlamento têm o seu peso
reduzido, na medida em que os efeitos práticos daquela restam limitados ao caso
concreto.
Consideremos, pois, no exemplo em análise, que um sindicato de
servidores do Rio de Janeiro impetrou mandado de injunção para obter a
regulamentação do seu direito de greve. Estabelecido prazo para o legislativo
sanar a omissão, tal prazo se esgotou sem qualquer manifestação. O STF, então,
decide adotar alguns parâmetros da Lei 7.783/89, e regulamenta o exercício do
direito constitucional de greve pelo sindicato impetrante, estabelecendo as regras
que ele deverá seguir. O efeito dessa decisão, como dito, será meramente inter
partes.
De qualquer forma, nada impede que mesmo após o prazo estabelecido
pela corte, venha o parlamento a editar a lei faltante. Criada a lei, a decisão do
STF no caso concreto perde vigência. Aliás, note-se que a nova lei poderá ou não
manter as diretrizes estabelecidas pela decisão do Supremo, podendo, ainda,
futuramente, ser questionada em sede de controle de constitucionalidade. De uma
forma ou de outra, os efeitos da decisão judicial, ao se limitarem ao caso concreto
acabam tendo uma amplitude menor e menos conturbada do que teria uma decisão
com efeitos erga omnes201.
Portanto, adaptando o minimalismo de Cass Sunstein para o julgamento do
mandado de injunção, entende-se que decidir pouco, no presente caso, significa
limitar os efeitos da decisão ao caso concreto. Tornando-a menos abrangente e
mais casuística, permite-se ao legislador, futuramente, regulamentar a matéria
com a generalidade que é própria das leis.
- CENÁRIO 03 – A corte julga o mandado de injunção e estende os efeitos da
decisão proferida a todos os casos semelhantes (Teoria Concretista Geral):
Por fim a corte determina, ao julgar o caso concreto, que todos os casos
semelhantes serão regidos pela mesma regulamentação estabelecida para o caso
201 Não estamos defendendo a prevalência da Teoria Concretista Individual, até porque já firmamos nosso posicionamento em favor da atual jurisprudência do STF, que aplica a Concretista Geral. Estamos, apenas, teorizando sobre os possíveis cenários encontrados nos diversos campos de decisão, no âmbito do mandado de injunção.
139
concreto analisado. Mais uma vez partimos da premissa de que o legislativo se
manteve silente, mesmo após a concessão de prazo pela corte para que se
manifestasse202.
Também aqui podemos aplicar o minimalismo de Cass Sunstein. Contudo,
agora é o próprio teor da decisão que deve ser minimalista. Em sendo a eficácia da
decisão erga omnes, pode o tribunal optar por regulamentar a matéria de modo
menos abrangente. Acreditamos que a corte, ao adotar uma decisão pouco
invasiva, atenua as objeções quanto a possibilidade de se imiscuir em funções
típicas do legislativo. Além disso, ao decidir pouco, entendemos que pode a corte
atuar como conselheira (Katyal), indicando possíveis diretrizes a serem seguidas
pelo parlamento, quando vier a editar a lei faltante (cumprindo relembrar que o
legislativo, contudo, não estará vinculado ao teor nem aos parâmetros
estabelecidos pela decisão judicial).
Partindo do exemplo sob análise, ao aplicar a lei de greve da iniciativa
privada à greve no serviço público, pode a corte optar por uma adequação mínima,
estabelecendo, apenas, os requisitos mais básicos, aptos a legitimar o exercício do
direito constitucional de greve pelos servidores públicos. Nesse diapasão, deixa-se
em aberto regulamentações outras que poderão, posteriormente, vir a serem
supridas pela própria lei.
Ou seja, embora o mandado de injunção confira ao STF liberdade criativa
diante da lacuna legislativa, o passo inicial será sempre dar ao legislador uma
“segunda chance” de agir, estabelecendo-se prazo para que ele venha a editar a
norma faltante. Todavia, decorrido o prazo, terá a corte o condão de regulamentar
a questão, podendo ao fazê-lo adotar uma postura minimalista, decidindo pouco e
estabelecendo apenas regras básicas – seja em decisões com efeito inter partes,
seja em decisões com efeito erga omnes - permitindo ao legislador, futuramente,
promover uma regulamentação mais abrangente e complexa, evitando-se, assim, o
risco de gerar uma tensão desnecessária entre a decisão judicial e a norma,
sobretudo se aquela se mostrar mais benéfica do que esta.
Em todas as situações descritas, entendemos ter havido um diálogo entre a
corte e o parlamento, sem última palavra, pois ao julgar o mandado de injunção, o
202 Vale lembrar que o entendimento jurisprudencial firmado pelo STF determina ser despiciendo nova notificação do Congresso e nova estipulação de prazo para a edição da norma, no julgamento de novos mandados de injunção sobre a mesma matéria.
140
STF não está assumindo para si, com pretensões de definitividade, a última
palavra, mas apenas decidindo provisoriamente sobre uma questão de direito,
através de mecanismo legítimo e constitucionalmente criado para este fim.
Consignou-se, ainda, que no processo decisório do mandado de injunção
(coletivo), pode ser franqueada a participação popular, através de audiências
públicas, permitindo que a interpretação constitucional seja feita também
extrajudicialmente pela sociedade e pelos interessados na matéria – como já
defendia Louis Fisher – através de uma “construção coordenada”.
De qualquer forma, seja quando o tribunal decide, seja quando opta por
não decidir, o legislativo é convocado a participar do jogo. A partir daí,
permanecer silente ou editar a lei faltante são escolhas possíveis dentro da rodada
procedimental em curso. Além disso, percebe-se que na realidade brasileira, existe
uma clara predisposição por parte do Legislativo de adotar medidas concretas em
resposta a decisões do STF (lembramos dos casos da “Cláusula de Barreira” e da
“Licença-Maternidade”), como no caso canadense, descrito por Hogg e Bushell.
De toda sorte, o importante é perceber que o processo decisório não é
excludente, mas agregativo, e que enquanto não houver um mínimo de consenso
entre os diversos atores envolvidos sobre a melhor escolha, as decisões tomadas
serão, sempre, provisórias. Enfim, alcançado o consenso, pacifica-se a questão
inicial e novas questões e novos debates, por óbvio, serão colocados à mesa. Não
obstante, se a discordância persistir, novas rodadas procedimentais serão
paulatinamente inauguradas até que se chegue a um denominador comum. É o que
veremos no tópico a seguir.
4.4.2 De volta à revisão judicial
Nos tópicos anteriores tentamos demonstrar que o mandado de injunção é
uma via de legitimação do ativismo judicial, devido à potencialidade que detém
de promover o diálogo institucional. Contudo, o diálogo inaugurado não se
encerra com a criação normativa pelo STF, ou pela posterior edição da lei pelo
Congresso. Veremos nas linhas abaixo que a partir do julgamento do mandado de
injunção poderá ser desencadeado um novo processo de revisão judicial e uma
141
nova rodada procedimental, caso a nova lei venha a ser questionada quanto à sua
constitucionalidade.
Ao analisar o mandado de injunção o STF sempre notificará o Congresso
sobre a mora legislativa (repise-se, se for impetrado novo mandado de injunção
sobre o mesmo assunto, é desnecessária nova notificação), podendo ou não,
estipular prazo para a edição da lei faltante. Uma vez notificado, pode o
Congresso editar a lei de plano, dentro do prazo estabelecido, ou editá-la
posteriormente, durante ou após o julgamento do mandado de injunção.
De qualquer forma, advindo a nova lei, não estará ela isenta de ter sua
constitucionalidade questionada perante o Supremo. O importante, contudo, é
perceber que a revisão judicial decorrerá, nesse caso, da apreciação inicial do
mandado de injunção. Ou seja, o debate gerado levou o parlamento a agir, pois do
contrário a inércia legislativa permaneceria. Foi estabelecido um diálogo entre os
poderes, iniciado pelo judiciário, pelo qual o legislativo foi instado a dar uma
resposta sobre a questão de direito colocada em pauta.
Eventualmente, portanto, a lei editada pelo Congresso poderá ser
questionada perante o STF através de alguma das ações de controle de
constitucionalidade previstas no nosso ordenamento jurídico, a saber: ação direta
de inconstitucionalidade (ADIN) e ação declaratória de constitucionalidade
(ADC) - art. 102, I, “a”, da CRFB e Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999; e
arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) - art. 102, § 1º, da
CRFB e Lei 9.882, de 03 de dezembro de 1999203.
Sugerimos, abaixo, um esquema gráfico que demonstra os possíveis
caminhos do ativismo judicial - do mandado de injunção até a revisão judicial –
pelo qual pretendemos ilustrar o potencial democrático deste mecanismo
constitucional na concretização de direitos, na promoção do diálogo institucional
e na legitimação do próprio ativismo judicial.
203 Por óbvio, excluiu-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, já que representa mecanismo de controle a ser manejado diante de omissões legislativas, tal qual o mandado de injunção, não sendo aplicável, portanto, quando a norma já existe.
142
DIÁLOGO SE INICIA E SE ENCERRA NO INTERIOR DO MANDADO DE
INJUNÇÃO
143
DIÁLOGO SE INICIA NO INTERIOR DO MANDADO DE INJUNÇÃO E PASSA À REVISÃO JUDICIAL (CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE)
Assim, iniciado o processo de revisão judicial através do controle de
constitucionalidade da lei editada pelo Congresso – antes, durante ou depois do
julgamento do mandado de injunção -, novos debates irão surgir, permanecendo
abertas, contudo, as vias do diálogo. Porém, a análise da legitimidade democrática
do ativismo judicial no âmbito da revisão judicial extrapola os limites propostos
no presente trabalho, que é tratar das omissões legislativas.
4.5 Conclusões do capítulo
O quarto capítulo promoveu o encontro teórico entre os temas trabalhados
nos capítulos anteriores. Ao tratarmos do ativismo judicial e dos diálogos
institucionais no primeiro e no segundo capítulos, defendemos que não deveria
haver última palavra em questões de direito, e optamos pelo caminho do meio, do
diálogo institucional, pelo qual os poderes interagem entre si e chegam a decisões
144
consensuais sobre a melhor escolha, estabelecendo uma relação conciliatória, e
não adversarial.
No terceiro capítulo, por sua vez, falamos sobre o mandado de injunção,
abordando diversos aspectos característicos, como competência para julgamento,
legitimação ativa e passiva e procedimento. O mais importante, contudo, foi
demonstrar a evolução pela qual passou a jurisprudência do STF sobre o tema,
deixando para trás uma postura conservadora e acanhada de não fornecer o
regramento necessário ao caso concreto, limitando-se a notificar o legislativo
sobre a mora. O entendimento atualmente firmado pelo STF é no sentido de ser
legítimo normatizar a questão posta, e estender os seus efeitos a todos os casos
semelhantes, até que venha a lei competente.
Assim que, no presente capítulo, defendemos as virtudes democráticas do
mandado de injunção à luz do diálogo institucional, como um elemento de suma
importância para a sociedade, já que propicia a efetivação de direitos pelo
judiciário, diante da inércia legislativa. Acreditamos, pois, que o mandado de
injunção legitima o ativismo judicial, pois não impõe ou representa uma
usurpação de poderes, mas sim uma solução diante da falha do legislativo no
cumprimento do seu mister constitucional de editar leis, sobretudo quando a
concretização de direitos depende da lei faltante, segundo preconiza a própria
Constituição.
O STF nas últimas décadas tem praticado um ativismo judicial de grau
elevado, sendo instado a se pronunciar sobre questões de viés nitidamente político
e social, que a princípio deveriam ser tratadas, exclusivamente, pelos órgãos
representativos. Há muitas críticas lançadas contra essa postura proativa do STF,
tendo como argumento principal a noção de que a corte estaria se imiscuindo em
questões que fogem do seu âmbito de competência. Todavia, procuramos
demonstrar que o manejo do mandado de injunção pelo Supremo passa ao largo
dessa discussão, pois não estamos, propriamente, diante de um processo de
revisão judicial, mas sim de um mecanismo atribuído ao judiciário, para que este
aja diante da inércia do legislativo, mecanismo este, constitucionalmente
instituído.
Não se trata, tampouco, de um embate entre os poderes, mas de uma
atuação conjunta entre eles - não excludente, e sim, complementar. Deixou-se
claro que o julgamento do mandado de injunção não representa o sepultamento da
145
matéria versada, tampouco representa um óbice à atividade legislativa. A lei
faltante poderá ser editada a qualquer tempo, mesmo após a decisão judicial. E,
igualmente, sua edição também não significa o fim da discussão.
Na verdade, o julgamento do mandado de injunção fixa o início de um
diálogo entre o judiciário e o legislativo, sendo que também a sociedade é trazida
para o debate. Demonstramos ser perfeitamente cabível a participação popular no
processo decisório do mandado de injunção, o que agrega maior densidade à
decisão tomada, notadamente por contribuir com a superação dos déficits
democráticos, que sempre são apontados quando se trata de ativismo judicial.
Além disso, através do mandado de injunção, a corte manda uma
mensagem ao parlamento e, de certa forma, atua como conselheira deste ao
apontar a mora legislativa e demonstrar a importância de se resolver aquela
específica questão, inclusive apontando possíveis parâmetros norteadores da
norma vindoura. Por sua vez, a normatividade desenhada – seja pelo STF seja
pelo Congresso – não importa, necessariamente, na resolução definitiva do
problema, mas, tão-somente, o fim de uma rodada procedimental. Com efeito, a
nova lei pode advir mesmo após o Supremo julgar a causa, e com certeza não
estará imune a questionamentos quanto à sua constitucionalidade, como toda e
qualquer lei. E a partir daí, a revisão judicial iniciará uma nova rodada
procedimental e novos diálogos institucionais.
A reflexão final, aqui, portanto, é no sentido de que a democracia só tem a
ganhar com o correto manejo do mandado de injunção. O seu processo decisório
estimula o colóquio entre os poderes e a participação popular, e serve de ponto de
partida para novas rodadas de discussão sobre temas importantes para a sociedade,
que envolvem a concretização de direitos, e direitos de envergadura
constitucional.
Enfim, o objetivo do capítulo foi atentar para esse lado pouco explorado da
questão do ativismo judicial, que é o papel da corte constitucional diante da mora
legislativa. No nosso sentir, o papel da corte deve ser o mais proativo possível,
normatizando a questão e atribuindo eficácia geral à decisão, pois dessa forma
estará cumprindo duas funções essenciais – efetivar direitos e dialogar com os
demais poderes e com a sociedade. Como dito, é o ponto de partida para a criação
de uma solução consensual e conjunta do problema.
5 Conclusão
Chegamos ao final do trabalho. Desenvolvemos uma pesquisa sobre as
vias de legitimação democrática do ativismo judicial, calcadas no manejo do
mandado de injunção, e na possibilidade que este enseja de abertura dos canais de
comunicação dos diálogos institucionais.
Explicamos, desde o começo, que a maior dificuldade enfrentada ainda
hoje pela jurisdição constitucional e pelo processo de revisão judicial, é superar as
objeções que advêm das chamadas dificuldades contramajoritárias e dos déficits
democráticos, pautados, basicamente, na premissa de que os juízes são agentes
estatais não eleitos, e que por tal razão lhes faltaria o pressuposto da
representatividade, não sendo, pois, os agentes públicos escolhidos pelo povo para
cuidar dos seus interesses em questões de direito, questões de viés notadamente
político e social.
Portanto, o desafio lançado na presente dissertação, foi encontrar um
caminho no processo decisório jurisdicional que viabilizasse o agir da corte
constitucional, sem esbarrar ou contrariar os limites impostos pela legitimação
democrática. Pelo contrário, a proposta era pensar num processo decisório
democrático, ainda que iniciado pelo judiciário, onde a tomada de decisão fosse
consensual, e permitisse a participação dos demais Poderes, instituições e da
própria sociedade. E para tanto, pensamos na via do mandado de injunção e dos
diálogos institucionais.
Com efeito, percebemos que, primeiramente, era necessário fugir do ponto
comum da mera revisão judicial, promovida através do controle de
constitucionalidade, onde se atribui à corte constitucional a função de guardiã da
Constituição, permitindo-lhe declarar a inconstitucional ou não leis e atos
normativos a ela contrários.
Ocorre que, o grande problema da revisão judicial, tal como posta, reside,
justamente, no fato de se atribuir aos juízes a possibilidade rever ato
normativos editados pelos representantes do povo – os membros do Legislativo e
do Executivo – sendo certo que, como dito, juízes são agentes não eleitos. Logo,
com que propriedade, ou, com base em que fator de legitimação, a palavra dada
pelos juízes deveria ser última e prevalecer sobre a palavra do Legislativo, que em
última análise representa a vontade popular soberana? Afinal, de certa forma, as
escolhas legislativas seriam as escolhas do povo (o que tem sido bastante
questionado no cenário nacional, que vive uma crise de representatividade, onde a
aceitação do parlamento pela população tem se deteriorado muito).
Ao fugir desse ponto comum, lançamos luzes sobre outro aspecto ainda
pouco explorado no que tange às discussões sobre revisão judicial: as omissões
legislativas. Afinal, se o grande problema da revisão judicial reside na
legitimidade da corte para julgar inconstitucional uma lei editada pelo parlamento,
o que dizer quando, devendo legislar, o parlamento se omite? Pior, o que dizer
quando esta omissão legislativa viola uma determinação constitucional expressa, e
suprime um direito constitucionalmente tutelado? E aqui entra o mandado de
injunção.
A Constituição prevê determinados direitos, e estipula que sua fruição
dependerá de futura regulamentação infraconstitucional. Contudo, tal
regulamentação não vem, configurando-se a mora legislativa. Nesse caso, estamos
diante de um caso emblemático onde os representantes do povo, onde o detentor
da função primária de legislar, se abstém do seu mister constitucional mais básico,
e ao fazê-lo viola direitos assegurados constitucionalmente aos cidadãos, pois sem
a necessária regulamentação, faz-se letra morta do texto constitucional.
Não obstante, há na Constituição de 1988 a previsão de um mecanismo
apto a efetivar direitos diante da inércia do legislador – é o mandado de injunção,
previsto no art. 5º, inciso LXXI. Logo, há um meio constitucionalmente previsto
pelo qual se admite que o judiciário dê uma solução ao caso concreto, e propicie
ao titular do direito a sua fruição, obstada pela mora do Congresso Nacional.
Neste trabalho, por conseguinte, tentamos demonstrar que o mandado de injunção
permitiria ao judiciário regulamentar a situação no caso concreto, até o advento da
devida lei.
Mais do que isso, tentamos demonstrar que este representa um caminho
legítimo e democrático, não apenas por dar respostas às aspirações sociais, como
também devido à potencialidade de, no bojo do processo decisório, instaurar-se o
148
diálogo entre o judiciário e os demais poderes (sobretudo com o legislativo), e
com a própria sociedade. Ou seja, seria o mandado de injunção uma via de
legitimação democrática do ativismo judicial, através dos diálogos institucionais
que ele estimula.
Nossa argumentação se desenvolveu em quatro capítulos. No primeiro
falamos de conceitos básicos que deveriam ser esclarecidos antes de adentrarmos
no mérito do nosso estudo. Explicamos, pois, os conceitos de jurisdição
constitucional e ativismo judicial, e demonstramos que, atualmente, à luz das
Constituições erigidas após a Segunda Guerra Mundial, a jurisdicional
constitucional nos principais Estados Democráticos de Direito tem se
desenvolvido calcada nas ideias do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo.
Cuida-se, como vimos, de uma nova forma de leitura da Constituição,
onde esta ganha normatividade e coercitividade, ao mesmo tempo em que a
interpretação constitucional passa a ser feita sobre uma base principiológica, onde
os princípios constitucionais, igualmente, ganham normatividade, e força cogente.
Estabelecidas tais premissas conceituais, analisamos, igualmente, no primeiro
capítulo, a jurisdição constitucional brasileira, que encampou tais conceitos.
No segundo capítulo discutimos a questão da última palavra sobre matérias
de direito, e sobre quem deveria ser seu detentor – a corte ou o parlamento.
Analisamos argumentos favoráveis às cortes e contrários ao parlamento – e vice-
versa – e chegamos à conclusão de que a melhor escolha seria o caminho do meio:
o do diálogo. Com efeito, estudamos as principais teorias desenvolvidas sobre os
chamados diálogos institucionais, segundo as quais não há que se perquirir quem
deva decidir por último, mas sim como que esta decisão possa ser tomada
consensualmente, a partir da interação entre os Poderes e as instituições
envolvidas.
Foi visto que há diversas maneiras de se promover o diálogo, seja no
interior das decisões judiciais (virtudes passivas e ativas), seja fora das cortes, mas
com a participação destas (colóquio socrático, construção coordenada, sequência
legislativa etc.). A rigor, em que pese a singularidade de cada uma dessas
correntes doutrinárias, a conclusão foi sempre única: é possível que a decisão
sobre questões de direito seja tomada conjuntamente, e não de maneira
adversarial.
149
Mais do que isso, é salutar que a construção decisória decorra do diálogo,
da interação, de modo que, partindo desse modelo, a resolução do problema se
fixa sobre uma base mais sólida, e ganha contornos de legitimidade mais
acentuados, por decorrer da participação de todos os possíveis interessados, ao
mesmo tempo em que reduz as imbricações das dificuldades contramajoritárias e
dos déficits democráticos e de representatividade, sempre alardeados.
Na sequência, falamos sobre o mandado de injunção, estabelecendo, ainda
que sem a densidade ideal, os principais conceitos e definições: origem,
competência, legitimidade passiva e ativa e procedimento. O principal ponto de
análise, contudo, foi a evolução jurisprudencial do STF sobre o mandado de
injunção, notadamente no que atine à amplitude dada aos efeitos da decisão.
Vimos que a Suprema Corte passou de uma postura acanhada em relação
ao writ, onde se limitava a notificar o legislador sobre a mora legislativa (Teoria
Não Concretista), passando à postura proativa de, não apenas regulamentar a
situação no caso concreto, e dar ao impetrante o direito postulado, cuja fruição
encontrava-se obstada pela ausência de norma, como também de estender os
efeitos dessa decisão aos demais casos semelhantes (Teoria Concretista Geral)204.
Ao adotar tal postura, o STF não foge às críticas da invasão de
competência, de usurpação da função legislativa e de violação à Separação dos
Poderes. Contudo, entendemos, e tentamos demonstrar que nenhum desses
argumentos merece prosperar, pois em verdade, o que se tem, é o Supremo
exercendo o seu mister constitucional, através de um mecanismo igualmente
previsto na Constituição, e dando as respostas necessárias aos anseios e as
aspirações sociais, sendo certo que tais questões foram levadas ao judiciário pela
própria população, já que vige no nosso ordenamento jurídico o princípio da
inércia do judiciário, de modo que este somente age quando instado a agir205.
Assim que, no quarto e último capítulo, defendemos a legitimidade
democrática do ativismo judicial pela via do mandado de injunção. Tentamos
204 Vimos ainda a interessante posição de Clèmerson Merlin Clève, para quem o mandado de injunção poderia ser impetrado a qualquer tempo, não havendo necessidade de existir um estado de mora legislativa, sendo tampouco necessário notificar o legislador sobre a omissão. 205 Segundo Alexandre Câmara, tal princípio, também chamado de princípio da demanda, proíbe os juízes de exercerem a função jurisdicional sem que haja a manifestação de uma pretensão por parte do titular de um interesse; ou seja, não pode haver exercício da jurisdição sem que haja uma demanda. Aplica-se à hipótese o brocardo ne procedat iudex ex officio. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Processo Civil. 10ª ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, ps. 70-71).
150
demonstrar que o “remédio constitucional” em tela não isola a corte, e tampouco a
coloca sobre um pedestal inatingível, de onde ela passa a exercer controle sobre o
bem e o mal, imputando-se como soberana detentora do poder de legislar e de
julgar. Não. Pelo contrário, enxergamos no mandado de injunção uma via
conciliatória, pela qual se efetiva direitos, mas para tanto busca-se o consenso
entre os poderes, e não o litígio entre eles.
Tentou-se demonstrar que no mandado de injunção, o legislativo é
chamado a exercer a sua função precípua, permitindo-lhe editar a norma faltante e
fazer valer, por conta própria, o que a Constituição preconiza. Todavia, os direitos
fundamentais não podem padecer sob o julgo arbitrário do Legislativo, quando
este, ainda que notificado sobre a mora, mantém-se inerte.
Logo, abre-se, com razão, a possibilidade do STF, diante da manutenção
da mora na edição da lei competente, julgar o mandado de injunção e
regulamentar a matéria, atribuindo efeitos erga omnes a esta decisão. É certo,
contudo, que, vindo posteriormente a lei, esta prevalecerá sobre a decisão judicial,
respeitados, contudo, os limites do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Além disso, foi dito que, durante o próprio processo de julgamento do
mandado de injunção, poder-se-ia franquear a participação popular, através de
audiências públicas, conforme prevê o Regimento Interno do STF, o que seria
viável, por óbvio, no caso da impetração de mandado de injunção coletivo. Ou
seja, sob qualquer ótica, estabelece-se pelo mandado de injunção o diálogo entre
os poderes, as instituições e a sociedade, e tal dinâmica segue, como se explicitou,
em muitos aspectos, as diretrizes traçadas a partir das teorias do diálogo narradas
no segundo capítulo.
Mas a interação entre os atores sociais não terminará com o julgamento do
mandado de injunção. Posteriormente, encerrada esta rodada procedimental, outra
poderá ser aberta, através da revisão judicial, porque, como foi dito, editada a lei
faltante, esta poderá ter sua constitucionalidade questionada, e novas discussões
acerca da matéria, fruto, inicialmente, do mandado de injunção, surgirão, até que a
questão resta definitivamente pacificada.
Assim, ao final deste trabalho, esperamos ter contribuído com a discussão
acerca do papel da jurisdição constitucional na efetivação de direitos, e dos limites
e possibilidades do ativismo judicial. Para além do enfoque já tradicional da
revisão judicial, jogamos luzes sobre a possibilidade de agir da corte, diante das
151
omissões legislativas, pois neste caso, não se trata de julgar a
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos editados pelos representantes do
povo, mas sim da solução possível diante da inércia destes, em face do
cumprimento dos seus misteres constitucionais, sobretudo diante de normas que a
própria Constituição dispõe serem imprescindíveis para a concretização de
direitos.
Assim, a conclusão a que chegamos, com respeito aos entendimentos
contrários, é de que o ativismo judicial, praticado através da análise e julgamento
do mandado de injunção, com a conformação atual dada pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, não padece de déficits democráticos.
Acreditamos, pois, que o julgamento do mandado de injunção promove
diálogos institucionais entre os poderes, e permite, nas hipóteses de omissões
legislativas, que estas sejam sanadas através de um colóquio entre poder público e
sociedade, através da adoção de soluções erigidas do consenso, e não do
desacordo. Não haverá ninguém querendo ser o detentor da última palavra, pois
não haverá última palavra. Pelo contrário, buscar-se-á o respeito e a conciliação, e
a solução do problema poderá ser ditada antes, durante ou depois do julgamento
do mandado de injunção.
Enfim, estamos diante de uma via de legitimação do ativismo judicial,
onde as omissões legislativas dão ensejo à impetração do mandado de injunção, e
este permite a tomada de decisões pautada nos diálogos institucionais. Se na teoria
a ideia parece interessante, acreditamos que na prática ela se revele eficiente.
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