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1491 DE LEIGA A RELIGIOSA: AS IRMÃS FRANCISCANAS ATENDENDO AO CHAMAMENTO DE CRISTO 1 Franciele Roveda Maffi Mestranda em História do Programa de Pós-graduação em História-UFpel Especialista em Patrimônio Cultural e Identidades - Ulbra/Canoas [email protected] RESUMO O presente trabalho tem como lócus de pesquisa investigar o processo formativo da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã. A Vestidura celebrava publicamente a mudança da condição de leiga a irmã noviça, pois marcava a entrada para a vida ativa na instituição conventual. Em se tratando dos processos de passagens, a solenidade se tornava um momento bastante aguardado pela candidata que tinha a pretensão seguir o caminho religioso. O rito de passagem entre as irmãs estava alicerçado em deixar para trás o conceito de vida mundana – leiga. Para abordar a temática proposta, utilizou-se de fontes imagéticas que foram produzidas ao longo dos tempos, e que representam a teatralização do cerimonial. Considera-se de extrema relevância a reflexão das mulheres, nas congregações femininas, no que corresponde aos preparativos prévios ao ritual. Palavras-Chave: Mulheres; Religiosas; Formação; Rito. INTRODUÇÃO Este artigo corresponde a uma parte do trabalho desenvolvido na monografia de Conclusão de Curso da Especialização em Patrimônio Cultural e Identidades da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Propôs-se como objeto central dessa produção acadêmica o processo ritual da condição de leiga a religiosa, a fim de que se possa apresentar pelo resgate da historiografia, os passos que levam a preparação da candidata a uma futura irmã Franciscana, sendo a Cerimônia de Vestição considerada o rito de passagem máximo deste processo formativo. Partindo, deste pressuposto, a solenidade celebrava publicamente o ritual de passagem da condição de leiga a irmã noviça, marcando oficialmente a entrada para a vida ativa religiosa na instituição chamada de convento. Em se tratando dos processos de passagem, a solenidade se tornava um momento aguardado pela candidata que tinha a pretensão o caminho religioso, a expectativa pelo grande dia do casamento com Cristo, era vivenciada cotidianamente ao longo de todas as etapas da formação. 1 Artigo correspondente aos anais eletrônicos do XI Encontro Estadual de História do Rio Grande do Sul- ANPUH/RS. Apresentação no Simpósio Temático 015: Religião e Religiosidades em 25 de julho. FURG, 2012. Parte da monografia de conclusão do Curso de Especialização em Patrimônio e Identidades sobre orientação da professora Drª. Evangelia Aravanis - ULBRA/Canoas.

DE LEIGA A RELIGIOSA: AS IRMÃS FRANCISCANAS … · a uma futura irmã Franciscana, sendo a Cerimônia de Vestição considerada o rito de passagem máximo deste processo formativo

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DE LEIGA A RELIGIOSA: AS IRMÃS FRANCISCANAS ATENDENDO AO CHAMAMENTO DE CRISTO1

Franciele Roveda MaffiMestranda em História do Programa de Pós-graduação em História-UFpel

Especialista em Patrimônio Cultural e Identidades - Ulbra/[email protected]

RESUMOO presente trabalho tem como lócus de pesquisa investigar o processo formativo da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã. A Vestidura celebrava publicamente a mudança da condição de leiga a irmã noviça, pois marcava a entrada para a vida ativa na instituição conventual. Em se tratando dos processos de passagens, a solenidade se tornava um momento bastante aguardado pela candidata que tinha a pretensão seguir o caminho religioso. O rito de passagem entre as irmãs estava alicerçado em deixar para trás o conceito de vida mundana – leiga. Para abordar a temática proposta, utilizou-se de fontes imagéticas que foram produzidas ao longo dos tempos, e que representam a teatralização do cerimonial. Considera-se de extrema relevância a reflexão das mulheres, nas congregações femininas, no que corresponde aos preparativos prévios ao ritual.

Palavras-Chave: Mulheres; Religiosas; Formação; Rito.

INTRODUÇÃO

Este artigo corresponde a uma parte do trabalho desenvolvido na monografia de Conclusão de Curso da Especialização em Patrimônio Cultural e Identidades da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Propôs-se como objeto central dessa produção acadêmica o processo ritual da condição de leiga a religiosa, a fim de que se possa apresentar pelo resgate da historiografia, os passos que levam a preparação da candidata a uma futura irmã Franciscana, sendo a Cerimônia de Vestição considerada o rito de passagem máximo deste processo formativo. Partindo, deste pressuposto, a solenidade celebrava publicamente o ritual de passagem da condição de leiga a irmã noviça, marcando oficialmente a entrada para a vida ativa religiosa na instituição chamada de convento. Em se tratando dos processos de passagem, a solenidade se tornava um momento aguardado pela candidata que tinha a pretensão o caminho religioso, a expectativa pelo grande dia do casamento com Cristo, era vivenciada cotidianamente ao longo de todas as etapas da formação.

1 Artigo correspondente aos anais eletrônicos do XI Encontro Estadual de História do Rio Grande do Sul- ANPUH/RS. Apresentação no Simpósio Temático 015: Religião e Religiosidades em 25 de julho. FURG, 2012. Parte da monografia de conclusão do Curso de Especialização em Patrimônio e Identidades sobre orientação da professora Drª. Evangelia Aravanis - ULBRA/Canoas.

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O ritual de passagem entre as irmãs estava alicerçado em deixar para trás o conceito da vida mundana (leiga), para o ingresso na vida regular religiosa, dedicada a Cristo, o inspirador dessa nova proposta de amor incondicional.

Neste sentido, começou-se a abordar nesse estudo, mulheres nas congregações femininas, um assunto instigante e inédito, pois a historiografia tradicional, por longo tempo não proporcionou destaque como a questão de gênero – que trata da mulher no sagrado religioso, em especial no universo feminino no meio católico.

Assim, a estrutura metodológica dessa produção se divide em dois capítulos. No primeiro intitulado “O Chamado a Consagrar-se: as Etapas em Preparação a uma nova opção de Vida”, buscou-se pesquisar como diante da escolha vocacional pela vida consagrada, era realizado o processo de formação. No que corresponde à preparação pessoal e espiritual da candidata ao ingresso no mundo Cristão religioso, cada etapa específica da formação inicial e o papel desempenhado pela mestra, como orientadora nessa caminhada em discernimento por Jesus Cristo.

Dentro das perspectivas do primeiro capítulo a intenção foi pensar historicamente, através da documentação oficial2 da Província Imaculado Coração de Maria, quais são os critérios fundamentais que regem cada etapa do processo formativo religioso, cruzando com os dados obtidos pelo método de história oral.

Para realização desta investigação torna-se fundamental discutir o conceito de “memória”, já que se utilizou de fontes orais- as lembranças atuais das irmãs dessa congregação em relação ao processo formativo religioso.

Assim, entende-se por memória um sentimento único e particular de cada sujeito, pois cada pessoa transmite uma especificidade própria ao evocar suas lembranças e recordações (HALBWACHS, 2006). Portanto, o ato de lembrar individualizado, ganha potencial, na medida em que o suporte da memória é o grupo. Como afirma Maurice Halbwachs (2006), a memória é afetiva e social. Em outros termos, que ela se liga à lembrança das vivências, que só existe quando laços afetivos criam o pertencimento ao grupo social. Os grupos sociais são, então, os suportes da memória e, assim sendo, elaboram sempre de forma seletiva suas memórias e esquecimentos.

No segundo capítulo destacou-se o conceito de rito de passagem, fundamental no processo de formação religiosa das Irmãs Franciscanas, no que tange as etapas de preparação: o aspirantado, postulado e noviciado. Essa discussão teórica está ligada a autores, que exploram o universo ritual. Neste caso, a intenção foi pensar historicamente, como nesta Congregação também existe um rito de passagem, que se assemelha ao sacramento do matrimônio. O que evidencia-se a essa consideração, é as etapas que antecedem o cerimonial, assim, o tempo em que a candidata dedica-se a preparação para

2 Plano Global de Formação redigido pela equipe que é responsável por acompanhar a caminhada voca-cional das futuras religiosas. Esse plano é revisto anualmente pela equipe de formação da Província.

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a vida religiosa, equivale para as leigas, as fases do namoro, noivado e o casamento.Neste sentido, utilizou-se como fontes, além dos relatos das próprias religiosas, a

documentação que abrange as constituições internas da Congregação.

1. O CHAMADO A CONSAGRAR-SE: AS ETAPAS EM PREPARAÇÃO A UMA NOVA OPÇÃO DE VIDA

“O Senhor disse para os apóstolosNão foram vocês que me escolheram,Eu que escolhi vocês” (Jo 15, 12-17)

O processo de formação para a vida religiosa é um caminho a ser percorrido por longos anos. Portanto, as mulheres que almejam e optam por essa decisão acerca de consagrar-se necessitam passar por etapas, onde o período corresponde há quatro anos basicamente, podendo estender-se. Portanto, em outras épocas as candidatas permaneciam no espaço do convento restritamente, eram submetidas a uma formação especializada e controladas pela mestra responsável direta nesse percurso religioso. Assim, a intenção maior dessa preparação, por parte das jovens era a espera pelo grande do Casamento com Cristo, a instituição como religiosa e o rito da vestidura.

Assim, a Cerimônia de Vestição Religiosa era um evento que celebrava publicamente o rito de passagem na vida da futura candidata à irmã. Consistia em um momento solene e marcante, pois, nesta ocasião, afloravam os sentimentos, expectativas eram despertas, além de ser este um ato coletivo e de inserção ao novo mundo institucional-Cristão. Deixava-se para trás o conceito da vida mundana (leiga), para entrada na vida consagrada (religiosa), totalmente dedicada à Cristo o inspirador dessa nova proposta de amor incondicional. Essa discussão parte da concepção religiosa, que apresenta as novas irmãs uma distinção do sagrado em relação ao profano, ambos elementos existentes numa mesma esfera teológica.

Portanto, as jovens que optavam pela vocação de vida religiosa consagrada, vivenciavam um processo de preparação pessoal e espiritual, que se alicerçava em etapas específicas da formação religiosa. Para esta ordem, a vocação é definida como as diversas formas de chamamento à vida que Deus coloca a disposição para a realização plena da pessoa humana (DICK, 1998). Na concepção de Krindges (2011), a vocação é aquilo que a gente se sente atraída e que Deus coloca no coração e se deve rezar e pedir para que eu acerte minha vocação3.

Em se tratando da vocação religiosa feminina Suaud (1975, apud Grossi 1990, p.52), considera que “é na realidade uma inculcação, e o que parece escolha é na verdade

3 Dados obtidos em relato oral datado de 26 de setembro de 2011 em entrevista concedida ao Banco de Memória do Museu Histórico e Cultural das Irmãs Franciscanas (MHIF).

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condicionamento”. Partindo dessa premissa, concorda-se que a vocação pode partir da subjetividade do individuo, que a vê como um chamado de Deus a serviço da vida e do próximo. No entanto, por outro viés, as vocações religiosas podem ser concebidas como socialmente, seja pela Igreja Católica, instituição de cunho eclesiástico, que carece de pessoas, para dar continuidade as atividades de evangelização, bem como pelas famílias, que prometem um de seus filhos a vida religiosa. Neste caso, Grossi (1990), pondera que as vocações nos sujeitos não são despertadas espontaneamente é fruto da necessidade de um período, de manifestações materiais e simbólicas, ou seja, de um grupo familiar ou da própria instituição religiosa. Para tanto, a base promissora para o fomento de novas vocações são as famílias, o primeiro espaço preparatório e indicativo das futuras gerações religiosas.

Então, são demonstrações dessa opção vocacional feminina as primeiras experiências de ingresso na instituição convento suas regras internas, bem como a mudança de postura por parte da candidata ao dedicar-se à vida orante, ao aprofundamento da fé e reflexão das questões religiosas.

A especificidade de cada etapa é carregada de um profundo acompanhamento por parte da mestra4 - a irmã responsável por acompanhar toda a formação - que se preocupava em definir parâmetros que marcavam e auxiliavam a construir a identidade da nova religiosa. Dentro deste processo de formação religiosa, a primeira fase versava no juvenato, conforme aponta Cubas “tempo em que numa atitude de busca, a candidata questiona-se sobre sua vocação à vida consagrada e a congregação estuda-lhes as aptidões” (2007, p.64). Esse período estabelecia-se em dois anos ou mais. Ele variava conforme a idade da jovem5, seu processo de amadurecimento espiritual, sua vivência e adaptação à comunidade religiosa, bem com a sua renúncia ao mundo externo. A etapa do juvenato funcionava como a primeira experiência da formação, onde era estabelecido o contato das jovens candidatas com a vida consagrada, a estrutura institucional religiosa- o convento-, bem como o grupo religioso das demais irmãs. Segundo Krindges (2011), uma mestra de formação, as candidatas que almejavam a vida religiosa, vinham, via de regra sem nenhuma instrução,

[elas] geralmente não tinham o primeiro e o segundo ano primário, então a gente preparava separado para poder ingressar na admissão, o horário não era tão puxado como postulante, mas elas tinham instrução [para] aprender os

4 Mestra: Eleita durante as reuniões do Conselho Provincial, ocupando esse cargo por quatro anos, poden-do ser reeleita por outro mandato (ESTATUTO PROVINCIAL, 1997). Mestra é aquela irmã que é escolhida, responsável, ela é nomeada pelo Conselho Provincial de tomar con-ta das postulantes, ou das noviças, e ser guia, ensiná-las, como fazer, tem o papel de mãe (KRINDGES, 2011).5 Jovem: Havia um limite da faixa etária para o ingresso na Congregação, sendo 30 anos o máximo para entrar no postulado. Casos especiais eram resolvidos pela equipe de formação (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990).

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mandamentos, fazer o sinal da cruz, a gente tinha trabalho com as juvenistas mais que as postulantes.

Portanto, através do relato e das lembranças de irmã Lorena, supõe-se que o cotidiano da juvenista6 não era tão rigoroso, como as demais etapas formativas, mas consistia em um período de conhecimento para a ingressante que optava pela vida consagrada. Diante disso, o Plano Global de Formação estabelece diretrizes que indicam que nessa primeira fase a preocupação estava alicerçada em definir objetivos acerca da formação humana, bem como o auto cuidado por parte da mestra para que “a vocacionada se situa como pessoa na descoberta das motivações pessoais” (1990, p.01).

Além disso, é proposto pelo plano o desenvolvimento dos aspectos que impliquem a psicologia das fases da criança, adolescente e da vida adulta, bem como a iniciação para técnica doméstica e familiar (costura, tricô, limpeza) e práticas educativas, etc. Porém, a experiência e vivência da Irmã Lorena como mestra na província, fez com que durante a entrevista concedida, ela se lembrasse de como se configurava o cotidiano do processo formativo na etapa da admissão. Na medida em que expunha seus relatos, indicava elementos do juvenato, como havia horários de oração, onde as candidatas faziam um pequeno momento celebrativo pela, parte da manhã, e de noite a oração em agradecimento pelo dia. Considera-se que durante a fala de Irmã Lorena, ela ressaltou que grande parcela dos documentos que indicavam esses passos iniciais da primeira formação foram incinerados, posteriormente ao Concílio Vaticano II7. Cabe destacar que não existem evidências documentais acerca do processo formativo religioso no período de admissão, segundo a memória da Irmã. Assim, para obter um panorama acerca do cotidiano do processo formativo torna-se complexo, pois não havendo os dados oficiais da Igreja, a analise do trabalho fica em torno apenas do relato oral. Porém, estamos descobrindo paulatinamente que existe sim uma documentação que até o momento estava restrita, porém, um diálogo se estabeleceu com a coordenação responsável pela Província, que abriu essas fontes a pesquisa.

Contudo disponibilizamos dos relatos orais Krindges, que são carregados de emoção, nos trazem dados que apontam para este cotidiano como árduo e a presença de jovens despreparadas para a vida religiosa. Diante disso, considera-se que as lembranças

6 Juvenista: é a jovem que está se preparando para a vida religiosa. JUVE, vêm do latim, significa jovem, uma jovem que está aspirando a vida religiosa (KRINDGES, 2011). 7 Concílio Vaticano II: Ocorrido na década de 1960, em Roma, foi considerado um marco divisor na Igreja Católica, onde apresentou uma mudança no pensamento acerca das correntes em meios eclesiais. Assim, a Igreja reorganizou sua ação evangelizadora, permitindo novas práticas religiosas, e a transformação das mentalidades humanas, voltada a futura geração. Para tanto, a Igreja propôs uma organização inédita dentro das estruturas da vida religiosa, em especial a feminina, que permitiu a adaptação aos novos tempos, onde os trabalhos pastorais começaram a se integrar no processo missionário dessa instituição Igreja (ROSADO, 2010).

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e memória de Krindges (2011), são permeadas pelas emoções do sujeito mais as vivências e realidades sociais do presente.

Então, era prática comum desse período formativo, uma vez na semana, passar pela instrução aprendendo os mandamentos e orações, que são princípios básicos da vida religiosa; e à aprendizagem do ato do sinal da cruz. Conforme Krindges (2011), muitas candidatas optavam pela vida consagrada, mas não sabiam as noções do catecismo. Então, o trabalho da Mestra de juvenista tinha que ser intensificado, pois o despreparo por parte de algumas candidatas exigia dessa orientadora um acompanhamento acentuado, de rigor e vigilância, ensinando, por exemplo, como rezar e ler os textos bíblicos do evangelho. Assistir todos os dias a missa, era fundamental, pois se tornava alimento para alma e o corpo. O juvenato era um período de adaptação, de verificar como as irmãs viviam em comunidade, além disso, fazia-se um momento coletivo das juvenistas com as demais irmãs, para troca de experiências e celebração da palavra.

Hoje, com as mudanças nas constituições canônicas, o juvenato8 passou a ser designado de aspirantado. Dessa forma, essa fase de formação, para Grossi se define como

(...) o aspirantado é considerado uma etapa de experiência, onde as candidatas à vida religiosa devem tomar contato com o cotidiano do convento e avaliar se estão interessadas ou não em seguir carreira. Do ponto de vista das candidatas, elas já fazem parte da Congregação, mas do ponto de vista da instituição, estão experimentando, razão pela qual as congregações não investem economicamente na formação escolar das meninas (1990, p. 53).

Nessa etapa é importante ressaltar que as juvenistas gradativamente assumiam a consciência de formação à vida religiosa. Também a Mestra tinha por responsabilidade acompanhar a preparação da candidata, diagnosticando através dos atos e atitudes da jovem se ela deveria dar prosseguimento a escolha vocacional, favorecendo nesse sentido, o crescimento espiritual e a decisão por essa opção de vida.

Havia na Congregação das Irmãs Franciscanas um documento religioso norteador deste processo de formação religiosa: o Plano Global de Formação da Província9. Nele estão especificadas todas as etapas de formação e o usamos para ilustrar esta etapa do juvenato. O juvenato apresentava-se em três etapas específicas

o Juvenato I- “momento de proporcionar formação humana e auto-cuidado

8 Juvenato: O aspirantado de hoje é o juvenato de antes. Corresponde a etapa de reconhecer, para conhe-cer, de se afastar, para ver, se quer isso, como opção de vida, de olhar para Irmã, é o tempo de ela estabelecer o contato com o contexto eclesiástico (KRINDGES, 2011).9 Plano Global de Formação da Província: Esse plano coloca-se como objetivo geral, proporcionar condi-ções de formação da pessoa nas dimensões: humana, cristã, vocacional, religiosa e profissional, fundamen-tada em Jesus Cristo, no espírito de São Francisco de Assis e Madre Madalena Damen, para responder aos apelos da Igreja em missão e na construção do Reino (1990).

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para que a vocacionada se situe como pessoa na descoberta de suas motivações vocacionais”; Juvenato II- “a preocupação desta etapa se constituía em proporcionar à jovem efetivo relacionamento pessoal e grupal, crescimento humano e cristão, assim aprofundar as motivações e a vivência, testemunhando a fé, integrando os valores adquiridos na etapa anterior”; Juvenato III- “conduzir a jovem a assumir [a] maturidade cristã e comunitária para que possa discernir sua opção vocacional na Congregação” (1990, p. 01).

Portanto, cada fase de formação do juvenato é carregada de uma preocupação em direcionamento ao nível de crescimento da candidata a vida religiosa. Neste caso, cabe destacar a preocupação por parte da formadora, em dar o devido acompanhamento no aspecto social, psicológico, interagindo as fases entre aspirantado e o postulado, o resultado de um processo contínuo e permanente na vida da futura irmã. O Projeto da Província visava a formação das futuras candidatas ao ingresso na vida religiosa.

Nessa fase destaca-se que as juvenistas eram integrantes da Congregação10 institucionalmente. Porém economicamente, eram mantidas por suas famílias, como os custos das vestimentas e a alimentação, bem como plano de saúde e despesas com pertences pessoais e atividades em relação à formação escolar. Neste sentido, conforme Grossi é durante o processo de inserção no aspirantado que as candidatas tomam consciência de sua vocação, pois

nem todas suportam o duro aprendizado da vida de freira e algumas saem espontaneamente nas primeiras semanas [...]. Estas saídas não preocupam a instituição, pois o aspirantado “separa o joio do trigo”, eliminando aquelas que não se adaptavam às rígidas regras da vida comunitária (1990, p.53).

É nessa etapa que a mestra fazia a seleção prévia das aspirantes, separando aquelas que não correspondem à proposta da instituição e apresentavam desvio de conduta e mau comportamento, que não correspondiam à proposta da instituição e apresentavam desvio de conduta e mau comportamento, que não se adequavam no seguimento das principais regras da vida religiosa que são: a obediência e o trabalho. Cabe destacar que o juvenato era o momento bastante decisivo da vocacionada, pois consistia na expressão representativa do abandono dos laços familiares, da vida civil, em detrimento a uma nova proposta seguir a opção vocacional por Jesus Cristo. Caso as candidatas não se adaptassem eram, convidadas a se retirem espontaneamente do processo de continuidade religiosa. Portanto, o juvenato era o primeiro contato da candidata com as condições

10 Congregação: Em 10 de maio de 1835, em Heythuisen na Holanda, Catarina Damen e algumas com-panheiras religiosas se mudaram para um casarão abandonado de proporção maior, chamado de Kreppel, inicialmente abrigava as instalações de um presídio. Posteriormente a essa transferência a concretização do sonho da jovem irmã se realizou a fundação da Congregação, foi oficializada pela autorização do bispo de Liége. Assim, aquelas mulheres comuns leigas, que auxiliavam aos pobres e necessitados, tornavam-se irmãs religiosas reconhecidas pela Igreja Católica. Atualmente a Congregação encontra-se presente em vários lugares do mundo, despertando novas vocações a serviço da vida, nas diversas frentes de trabalho: saúde, educação e evangelização missionária (MAFFI, 2010).

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eclesiásticas. Precisava-se, por parte da mestra, o cuidado e zelo, com o novo fruto que estava despontando, fazendo-se necessário então intensificar a vida em comunidade, o estudo, a prática orante, a vida fraterna, bem como cursos de formação religiosa: pastoral e bíblico (CUBAS, 2007) (grifo da autora).

Dentro do Plano Global de Formação (1990), o postulado consistia na segunda etapa da formação religiosa. Já nos relatos de Krindges ressalta que a etapa do postulado era uma fase intermediária entre o aspirantado e o noviciado. Nessa fase em que a candidata estava mais confiante em dar prosseguimento na caminhada vocacional, a jovem passava a se incorporar oficialmente na vida da Congregação e apresentava um nível de aprimoramento maior, como uma maturidade da fé clara e decisiva. Outro ponto de destaque dessa etapa consiste na rígida instrução diária, que a postulante deveria executar. Segundo Krindges (2011), o acompanhamento iniciava bastante cedo,

as cinco e meia começavam as orações, era a oração da manhã [...], a boa intenção, depois dessa oração a meditação, a gente lia os pontos, porque cada uma não tinha bíblia na mão, então a gente lia e elas refletiam, fazia perguntas, e rezavam sobre aquilo, ter o coração aberto.

Outro aspecto destacado por Krindges (2011), durante a entrevista acerca da formação religiosa é a demonstração de uma visão cética que a vida de postulante11 era bastante árdua, além de acordar cedo, os momentos de orações tornavam variados e intensificados, pois serviam como instrumento inspirador da vida consagrada, ler e meditar a palavra era o fio condutor dessa etapa. Além disso, uma vez ao mês fazia-se um domingo de retiro, compreendido por exercícios espirituais. Portanto, é durante esse período formativo, que se dividiam as tarefas domésticas, delegando o serviço por atividades e setores “as postulantes que tinham concluído os estudos trabalhavam, umas na biblioteca, umas na escolhinha, na cozinha, assim em toda a parte” (KRINDGES, 2011). Diante dessa assertiva, considera-se a importância dessas jovens nas atividades diárias, eram elas que realizavam todo o serviço de mão de obra, não necessitando de funcionários para o labor. Atualmente, com a diminuição das vocações religiosas, o trabalho doméstico esta sendo substituído pelo vínculo empregatício.

Além disso, as despesas que na etapa antecessora era de encargo da família da candidata, passam a ser assumida pela instituição. Então, nessa fase, o objetivo principal se constituía na preocupação em “acompanhar o processo de crescimento vocacional da postulante, para que ela [fosse] capaz de realizar a transição da vida secular para a vida regular, em vista da missão de Madre Madalena e do engajamento na Igreja” (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990, p. 01).

11 Postulante: “Corresponde a uma jovem que já deu um passo adiante, que resolveu por essa opção de vida, que não está somente olhando, quero ou não quero eu já escolhi” (KRINDGES, 2011).

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Portanto, alguns requisitos tornam-se básicos e primordiais para admissão das candidatas ao postulado, pois essa fase requer um desprendimento integral e um crescimento na caminhada vocacional. Esses requisitos estão claros no Plano Global de Formação

“ter trinta anos no máximo”; estar com o 2º grau completo quando essa situação for viável; disposição e capacidade para realizar em sua vida as mudanças necessárias para seguir Jesus Cristo mais de perto; atração para o serviço apostólico e pelo espírito e carisma de nossa Congregação; capacidade para inteirar-se a buscar entre ajuda do grupo e dos formadores; suficiente maturidade humana; ter convívio pelo menos um ano com o grupo em uma comunidade; ter despertado interesse pelo estudo, reflexão, cultivo pessoal, vida de oração, vivência sacramental (1990, p. 07).

Para o ingresso na Congregação das Irmãs Franciscanas na fase do postulado, dentro dos critérios mencionados acima. Supõe que o item I, tornava-se um dos mais relevantes por parte da equipe de formação, pois conforme consta no “Estatuto Provincial Artigo nº.47, a idade mínima consistia nos vintes anos, salvo em casos especiais” (1990). Os trinta anos, já se considerava uma idade cronológica bastante avançada, em decorrência a isto, “a superiora provincial juntamente a equipe de formação inicial, decidiam a respeito da admissão no postulado” (1990, p.04). Também, se entendia que a candidata que optava pela vida consagrada, não poderia passar desse teto de idade, pois acreditava que a mesma, já estaria com sua vida estruturada (profissionalmente), e a adaptação ao ambiente do convento e as regras institucionais, seriam um tanto complexas. Portanto, a instituição carecia de candidatas jovens, pois o período de formação corresponde a quatro anos específicos, podendo prolongar-se a temporariedade, dependia exclusivamente da suficiente maturidade humana, a clareza das motivações acerca da escolha vocacional, além do interesse pelo estudo, reflexão, cultivo pessoal e vivência sacramental (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990).

Conforme os itens de admissão do postulado o Plano Global de Formação (1990), apresenta pré-requisitos, que são essenciais para o ingresso da jovem ao postulado. Neste sentido, a candidata deveria possuir uma titulação mínima de estudo, o 2º grau completo, pois, dentro do aspecto formativo esse critério era uma exigência, quando fosse possível. Outro elemento, no que corresponde a jovem ingressante, era quanto mais nova fosse a candidata, mais tempo dedicado ao serviço doméstico ou administrativo da Congregação. Destaca-se que o interesse por parte da instituição a candidatas jovens, estava atrelado, a questão da formação da identidade, pois conforme Krindges (2011), “as postulantes precisavam de vigilância constante”. Neste sentido, essa seleção tornava-se fundamental, pois dentro do Plano Global de (1990), o perfil da jovem aspirante a vida religiosa, deveria se alicerçar na construção dos valores morais, nos ensinamentos bíblicos e no serviço

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apostólico, dedicado aos princípios dos fundadores São Francisco de Assis e Madre Madalena.

Na etapa em que os estudos tornavam aprofundados teologicamente, as atividades de formação eram rígidas e intensas, a prática orante se aprimorava através das reflexões bíblicas e das leituras acerca da história congregacional e provincial12. O discernimento para a vida religiosa vinha atrelado às práticas domésticas, para ser uma boa irmã, era necessário “desenvolver sua feminilidade nos trabalhos manuais, maneira de ser, para assemelhar-se mais a Maria Santíssima” (CUBAS, 2007, p. 69). Pois, a figura sublime de Maria, mãe de Jesus, era a demonstração perfeita de mulher que entendeu o chamado e soube dar a resposta, a um projeto intenso que era a vinda do Salvador. Além disso, Maria é considerada modelo exemplar de entendimento e perfeição humana. Então, ser irmã religiosa, é optar por um projeto de vida, de se assemelhar à Maria, de tornar-se uma mulher fiel, de ter uma vida marcada pela santidade e comunhão fraterna. Destaco que esse período de formação equivale a um ano aproximadamente. Após, a postulante conduzir-se a próxima etapa, era necessário registrar por escrito, o interesse de continuidade no processo formativo, onde era justificado as motivações para ingressar no noviciado. Esta carta era direcionada a provincial e a candidata passava por um processo avaliativo da mestra de postulante, que redigia um parecer descritivo do processo de crescimento da candidata em direcionamento à vida religiosa (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990).

Neste sentido, enfocaremos no próximo subtítulo, o ritual de passagem, importante conceito nas Congregações Femininas, acerca do processo de formação e a transição do postulado para o noviciado, dentro do aspecto teológico que envolve a ruptura do mundo laico (Profano) e a inserção para o mundo Religioso (Sagrado).

2. RITUAL DE PASSAGEM: UMA QUESTÃO DISCUTÍVEL

As fases de formação representam uma relação hierárquica da instituição religiosa, as novas candidatas passavam por um processo profundo de aprendizado e ensinamentos dogmáticos. Sendo assim, as jovens que ingressavam na Congregação, deviam obediência e respeito, às religiosas de mais tempo de vida consagrada, neste caso, as irmãs que haviam professado os votos perpétuos13. Como pode se perceber, as relações na Congregação das

12 Congregacional e Provincial: Teoria e literatura acerca da História da Congregação e Província. Cons-tituem referenciais teóricos, obras como: Madre Madalena e sua Congregação; a coleção constituída por 3 volumes, Seguindo Passo a Passo uma Caminhada - História da Congregação Franciscana da Penitência e Caridade Cristã no Brasil; Uma Trajetória de Fé e Esperança- Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, entre outras disponíveis no acervo bibliográfico da instituição. 13 Votos Perpétuos: A profissão perpétua pode ser realizada entre um período de quatro a seis anos de vida religiosa, quando a irmã se julga apta encaminha um pedido por escrito a Ministra Provincial. Após uma

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Irmãs Franciscanas eram estabelecidas pelo grau de tempo dedicado a instituição. No entanto, como define Grossi, “ao estarem mais próximas hierarquicamente das novas, as [irmãs] mais antigas conseguiam treiná-las conforme as normas do convento, ao mesmo tempo em que reproduzia e legitimava seu poder hierárquico frente às mesmas” (1990, p. 53). Portanto, era comum umas assumirem o controle sobre as demais, sendo inerente a prática da subordinação que as primeiras já haviam enfrentado.

Dentro deste processo de formação religiosa, algumas implicações são visíveis, e discutíveis, pois para compreender essa etapa formativa da candidata à vida religiosa, torna-se imprescindível prever que as instituições de cunho eclesiástico proporcionam um processo que se configura como um ritual de passagem. Para Turner, o processo de passagem esta entre o “status e o estado cultural que foram cognoscitivamente definidos e logicamente articulados. Passagens liminares e “liminares” (pessoas em passagem), não estão aqui nem lá, são um grau intermediário” (1974, p. 05). Assim, as jovens candidatas que estão no processo formativo, não se configuram nem na condição de leigas e nem de religiosas, neste caso, estão na condição do processo ou ritual de passagem. Esse rito de passagem torna-se complexo e discutível, pois como aponta Van Gennep (2011, p. 30), admite em “teoria ritos preliminares (separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação)”. Em se tratando do processo religioso, no caso, a formação para vida consagrada, esses conceitos se configuram da seguinte forma, a candidata encontra-se nos três estágios que são conceituados por Peirano (2003) como universais: Pré-liminar, Liminar e pós-liminar e pós-liminar. Assim, nos ritos preliminares a aspirante a vida religiosa encontra-se desvinculando dos valores familiares, das condições previas sociais. Já a margem o indivíduo entra em um estado de suspensão porque está passando de uma fase a outra, da condição de leiga a religiosa, a transição do profano ao sagrado, porém ainda não definido em seu novo status. E pós-liminares, porque está agregando os valores, costumes de uma religiosa, que neste exemplo, consistem na vida orante, na mudança do vestuário, e no desprendimento das coisas materiais, aderindo a uma nova opção. No entanto, esses ritos de passagem causam mudanças, desprendimentos, agregações, experiências, e como aponta Gennep (2011 apud Peirano 2003) é na fase liminar que

[...] os indivíduos ou grupos entram em estado social de suspensão, separados da vida cotidiana, porém ainda não incorporados em novo estado. Nesse momento, os indivíduos são ‘perigosos’, tanto para si, próprios quanto para o grupo que pertencem. A função dessa fase é reduzir as tensões e os efeitos perturbadores próprios a mudanças (p. 23).

No meio religioso, em se referindo ao processo formativo feminino, a fase liminar torna-se perigosa, pois durante essa etapa a candidata, fica suscetível a dúvidas, incertezas,

preparação de seis meses de formação, ela celebra os votos definitivos na sede da Província ou na comuni-dade de origem (ESTATUTO PROVINCIAL, 1997).

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demonstrando insegurança acerca da escolha vocacional. Pois, o desprendimento da comodidade familiar, é resultado, na maioria das vezes da não continuidade na formação. Porque ser religiosa, exige um processo de preparação pessoal e espiritual, de abandono daquilo que é ligado às condições materiais, aos prazeres da vida mundana, e a dedicação exclusiva aos votos religiosos, que consistem na obediência14, castidade15 e pobreza16. Então, o papel da mestra torna-se fundamental para acompanhar a futura irmã, pois é ela que fornecerá a base teológica da candidata, auxiliando no crescimento e amadurecimento da fé, obtendo como resultado uma irmã zelosa, e bem instruída ao termino do processo formativo é o meio de transição de uma condição de leiga a religiosa, atendendo a opção vocacional por Cristo.

Dentro deste contexto, entende-se que em um processo de formação religiosa o indivíduo encontra-se num ritual de passagem, onde sai de uma condição específica, do meio ao qual foi gerado e criado, o berço familiar, com condições e valores constituídos, para aderir a uma nova formação. Segundo Grossi, todo o processo de iniciação religiosa implica [...] “abandonar sua identidade construída dentro da comunidade de origem, adotando o modelo seguido pelas outras pessoas do grupo. Neste período de passagem, ou liminar, não se é mais o que se era, e ainda não se é membro integrante da Congregação” (1990, p. 53).

Portanto, o período de formação religiosa se constitui em uma etapa de inúmeras descobertas, reflexões, incertezas, mortificações, privações, provas, estudos, discernimentos da personalidade, além dos mecanismos de defesa afetiva e emocional. Então, os ritos de passagem são experiências visíveis ao longo da história humana, desde as comunidades primitivas, perfazendo as sociedades modernas, pois esse processo exige uma preparação que desfaz uma condição pré-existente, levando-a outra

[...] o indivíduo que é leigo torna-se sacerdote, ou inversamente, é preciso executar cerimônias, isto é, atos de um gênero especial, ligados a uma certa tendência de sensibilidade e orientação mental. Entre o mundo profano e o mundo sagrado há incompatibilidade, a tal ponto que a passagem de um outro

14 Obediência: é a competência desse voto a exigência da ordem, quando a superiora ordena: No entanto, o grau de obediência perfeita requer por parte da irmã uma postura de vontade, coragem, prontidão, dispo-nibilidade para os sacrifícios. Então “a obediência não consiste em que se goste de fazer o que foi ordena-do, mas sim, em que esteja sempre pronta a cumprir toda e qualquer ordem. Então o voto de obediência é submeter-se aos superiores legítimos como representantes da autoridade divina”. “Nada pedir, nada negar, nada desejar e nada a temer (SEEBÖCK, 1932).15 Castidade: O voto de castidade está alicerçado primeiramente na renúncia do matrimônio, dá não leitura de novidades mundanas, sendo não permitido o contato físico das mãos com outras pessoas, a re-cordações e representações sedutoras na imaginação. Então, o voto de castidade é para a alma da religiosa inestimável honra de ser a esposa de Jesus Cristo (SEEBÖCK, 1932). 16 Pobreza: O voto de pobreza sacrifica o direito a propriedade, a disponibilização de bens e recursos ma-teriais próprios. No voto de pobreza não se pode aceitar coisa alguma, nem como renumeração por serviços prestados, nem presentes, nem dos pais, nem dos amigos. A obrigação da irmã é entregar todos os pertences à superiora (madre) e deixá-las dispor com bem entender (SEEBÖCK, 1932).

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pode ser feita sem um estágio intermediário (VAN GENNEP, 2011, p. 23).

Partindo dessa premissa percebe-se que para ser religiosa de vida consagrada, torna-se indispensável um intenso preparo por parte das formadoras, que auxiliam as futuras irmãs nessa caminhada. Além disso, a postura das formadoras deve ser inspirada na rigidez e vigilância permanente em cada etapa do processo formativo.

Assim, o que demarca esse rito de passagem nas congregações religiosas são as cerimônias, neste caso, na instituição feminina das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, a transição da condição de leiga para a religiosa, era realizada através das etapas de formação17 e também da Cerimônia de Vestição18. Neste caso, a solenidade religiosa, fazia parte integrante do processo de preparação, onde demarcava o rito de passagem, da jovem que assumia a condição de irmã noviça, renunciando ao estágio anterior de postulante. Conforme Krindges (2011), “a noviça já esta se preparando para ser aquela religiosa consagrada a Deus”.

Então, o noviciado era um período de dois anos de formação, nesse momento as candidatas precisavam se dedicar-se assiduamente aos estudos, o recolhimento pessoal e espiritual. Nessa fase que a moça definia seu projeto de vida, fazia a experiência cristã, com Deus e com os seus semelhantes, os pobres irmãos. O noviciado tempo em que abarcava os “estudos direcionados a temáticas como: mariologia, história da Congregação, teologia da vida religiosa e o carisma dos fundadores, além das Constituições Gerais e o Estatuto Provincial” (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990, p. 01).

O noviciado período que antecedia a profissão dos votos temporários. Por parte da noviça, a postura deveria ser voltada exclusivamente para a espiritualidade cristã, o amor fraterno, a escatologia. Nessa etapa formativa, as noviças do primeiro ano intensificam os estudos, já as do segundo ano partiam para o estágio extra vida conventual, como aponta Grossi, as jovens irmãs partiam para “trabalhar nas comunidades mantidas pela Congregação, como forma de estabelecer o primeiro contato com as atividades cotidianas da vida secular” (1990, p. 53). É através dessa experiência que as irmãs definiam quais as opções profissionais que escolheriam futuramente, na saúde, no ensino ou evangelização, “a construção da identidade de freira e dá pela permanente articulação entre o universo das representações do sagrado (ligado a eterna busca da santidade) e a realização de tarefas seculares” (1990, p. 54). Assim, entende-se que a vida de irmã deverá estar em conformidade à escolha vocacional com a realização profissional. Pois, a vocação tem um sentido, diferenciado da profissão, enquanto a primeira é um chamado de Deus a vida, a

17 As etapas de formação inicial: Juvenato, postulado e noviciado (PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO, 1990). 18 Ato religioso que celebrava publicamente a entrada da jovem na instituição conventual, era um momen-to celebrativo, presidido pelo bispo da Igreja local, e uma solenidade restrita as irmãs e seus familiares.

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segunda consiste em um meio de sobrevivência, de concretização das buscas materiais e das utopias pessoais.

Retomando os processos de passagens, em se tratando do chamado a vida consagrada, o estágio intermediário, corresponde ao processo formativo. Nesse período de preparação para assumir o jeito de freira (GROSSI, 1990), a candidata estará na condição liminar da margem, então, é preciso a vivência das novas experiências, a busca de respostas aos questionamentos, a adaptação ao novo meio e os costumes diferenciados. Portanto, a vida religiosa se assemelha a preparação ao casamento, a etapa do namoro, do noivado, até o momento celebrativo da união, mas por outro viés, a opção vocacional por Jesus Cristo (GENNEP, 2011). Neste sentido, a Cerimônia do Casamento torna-se tão especial, para a Igreja, pois, compreende um dos sete sacramentos, que é conhecido por matrimônio.

Assim, dentro desse ritual de passagem, delineia um perfil e se considera que para ser religiosa é preciso adquirir alguns atributos essenciais, que são constituídos ao longo do processo formativo. São características de uma futura religiosa a disponibilização e sensibilização vocacional, doando-se integralmente a Congregação e ao chamamento de Cristo, que pressupõe o voto de castidade, a vida em comunidade, o desprendimento das condições materiais e externas. O abandono da condição existencial primária torna-se reflexo de uma nova condição. Assim, para um dia se almejar um posto mais exitoso dentro instituições religiosas, como ser madre19, é fundamental passar por situações que impliquem na inferioridade. No caso, de uma aspirante a vida é essencial passar por um processo formativo de mortificações e aprovações, para se tornar capaz e merecedora de um dia, quem sabe, fazer parte da comunidade religiosa. Portanto, o que idêntica pertencer ao um grupo são as experiências vivenciadas, que geram um crescimento pessoal e o discernimento vocacional. Assim ser integrante de um grupo, é reconhecer que os demais membros já vivenciaram as mesmas práticas formativas.

Então, no processo de formação, as candidatas à vida religiosa, devem estar propensas e abertas a remodelar-se a um novo estágio. Conforme Turner, em um processo de iniciação:

O comportamento é normalmente passivo e humilde. Devem, implicitamente, obedecer aos instrutores e aceitar as punições arbitrárias, sem queixa. E como se fossem reduzidas ou oprimidas até a uma condição uniforme, para serem modeladas de novo e dotadas de outros poderes, para se capacitarem a enfrentar sua nova condição de vida (1979, p. 118).

19 Madre: O papel da Madre é fundamental diante de uma Congregação Religiosa. Ela é eleita durante os Capítulos Gerais e Provinciais. O poder da Madre é manifestado sempre quando correspondem aos interesses da Congregação enquanto instituição. A Madre tem por função primordial e a incumbência de planejar as transferências das irmãs, remodelando cargos, além de manter o controle total do que acontece no interior do convento. Posteriormente, a figura de Cristo, ela assume o papel principal entre as demais irmãs (ESTATUTO PROVINCIAL, 1997).

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Portanto, subentende-se que assumir a postura de religiosa, é renunciar a si mesmo, em virtude do chamado vocacional. É viver sistematicamente os padrões de uma instituição, o Convento, que é redigido por uma constituição estritamente hierárquica e convencional, que pretende regrar e controlar o cotidiano religioso. Esta instituição – o Convento- como define Goffman, uma instituição total que assume um [...] “caráter total simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo” (1974, p. 18). Nas instituições totais todas as atividades cotidianas são regidas por um grupo específico dirigente, assim as práticas são rigorosamente controladas, onde todos os membros do grupo devem desempenhar as mesmas tarefas, pois define um sistema de regras que levam a obediência.

Então, nas instituições totais não se respeita a individualidade de cada membro, todos são tratados da mesma forma, e são obrigados a cumprir as mesmas tarefas (GOFFMAN, 1974).

Neste sentido, amparado na discussão teórica, concluímos o segundo subtítulo do artigo, espera-se ter realizado uma análise historiográfica, mais apurada de como se configura o rito de passagem no universo feminino religioso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da concepção que as mulheres foram inexistentes pela historiografia, nos vários segmentos sociais. Nossa pesquisa vem modestamente contribuir e se preocupa em resgatar o papel das mulheres nas esferas religiosas, especialmente nas congregações femininas, no que corresponde ao processo de formação e a mudança de condição. Cabe destacar que essa é uma pesquisa recente e encontra-se em fase inicial.

Considera-se de extrema relevância o estudo do rito de passagem Cerimônia de Vestição Religiosa, pois este envolve tantos aspectos do universo feminino, como do masculino do período. Em outros termos, deve se relacionar a postura passiva e subordinada da mulher, desejável ao rito, com a posição hierárquica superior do homem/ do ministro ordenado, uma das figuras máximas desse ritual.

Concluiu-se ainda, que atualmente com as Reformas da Igreja Católica, em virtude do Concílio Vaticano II, esse ritual de passagem que era comum a inúmeras irmandades passou a ser extinto, e não relacionado carregado de uma simbologia que relembra o sacramento do matrimônio.

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PLANO GLOBAL DE FORMAÇÃO - Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã- Província do Imaculado Coração de Maria Santa Maria-RS, 1990.

REFERÊNCIA ORAL

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IRMÃS FRANCISCANAS DE PENITÊNCIA E CARIDADE CRISTÃ. Lembranças e memórias: uma construção histórica. Entrevista Concedida ao Banco de Memória do Museu Histórico e Cultural das Irmãs Franciscanas (MHIF). Santa Maria: 12 de maio de 2011.