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De seringueiro a grande produtor de peixes Página 20 Rio Branco – Acre, DOMINGO , 12, e SEGUNDA-FEIRA , 13 de junho de 2011 Conheça a história de sucesso do ex-seringueiro Benício, que virou pintor de carro e depois produtor de peixe de sucesso no Quixadá Texto e fotos: ROMERITO AQUINO (*) A educação pode não ter sido decisiva para a vida do ex-serin- gueiro José Benício de Melo, mas foi em busca dela que ele e sua família deixaram em 1977 o seringal São Mar- cos rumo a Rio Branco em busca de “melhoria de vida”. São Marcos fica a duas horas de burro do seringal Andirá, que está a cinco horas de bar- co de Boca do Acre (AM). E não foi nada fácil o co- meço da vida da família de Benício na capital, onde o pai foi vigia, os irmãos ajudantes de pedreiro e ele aprendiz de pintor de carro, “uma coisa” que ele mal conhecia. A mãe queria que eles e os irmãos estudassem, mas Benício preferiu cursar apenas até a quarta série do ensino funda- mental, passando a dedicar todo o seu tempo a trabalhar para melhorar de vida. Em um ano pintando carro, o jovem seringueiro já domina- va tudo no novo ofício, passan- do a ganhar e guardar dinheiro para alimentar o sonho de um dia ser um grande produtor ru- ral. E lá se foi Benício pintando carro por mais alguns anos, até que tirou o dinheiro da pou- pança para comprar 10,5 hec- tares de terra no antigo seringal Quixadá, próximo a Rio Bran- co. Começava ali, pelos idos de 1995, o antigo sonho de pro- dutor rural alimentado durante a infância no seringal. De início, Benício passou a usar a propriedade para lazer de final de semana, indo pes- car tambaqui e piau no igara- pé que cortava sua área e no primeiro açude que construiu. Ele queria fazer o mesmo que fazia no rio Acre, no seringal Andirá, onde pescava tamba- qui de até 30 quilos, garantin- do comida farta para os pais e irmãos no seringal. Veio a separação da pri- meira mulher e das duas filhas e Benício foi morar em defi- nitivo na sua colônia do Qui- xadá, onde nada existia, além dos poucos peixes do açude e do igarapé que fica abaixo da grande sumaúma – a maior árvore da floresta amazônica - existente na sua propriedade. A empresa concessionária de carro em que Benício tra- balhava faliu e ele ficou desem- prego. Foi aí que decidiu inves- tir parte da indenização para fazer outro açude para criar mais peixe. Mas tudo ainda muito artesanal, sem técnicas e equipamentos adequados para a piscicultura. Alguns anos depois, Benício resolveu, finalmente, profissio- nalizar sua atividade de subsis- tência. Foi até a antiga Seater (hoje Seaprof) pedir assistência técnica e um projeto de finan- ciamento para trabalhar com peixes. “Naquela época, eu ti- nha uns peixes que eram cria- dos com restos de comida da minha casa”, relata Benício. Ele lembra que já tinha no Acre a ração extrusada, aque- la de alta digestibilidade e que atende totalmente às exigên- cias nutricionais dos peixes. Com R$ 17 mil vindos do financiamento do Banco da Amazônia (Basa) e tecnologia repassada pela Seater, Benício comprou os alevinos, a ração extrusada e os canos para construir novos açudes, ago- ra totalmente adequados para produzir peixe. O ex-seringueiro se cre- denciava ali a ser mais um ele- mento essencial para o mais ousado e mais sofisticado programa de peixe da Ama- zônia brasileira, com o qual o governo Tião Viana, o tercei- ro da Frente Popular do Acre, deve transformar o Acre nos próximos anos no endereço do peixe amazônico e um dos maiores produtores nacionais. José Benício de Melo será um dos milhares de pequenos piscicultores do Acre que vão usufruir do complexo indus- trial, que está sendo montado pelo governo do estado para contribuir com o aumento da produção acreana de peixes das atuais cinco mil para 20 mil toneladas-ano até dezem- bro de 2014. O peixe é a fonte protéica que mais se assemelha à proteína padrão recomendada pelo FAO Ex-seringueiro vive bem agora como piscicultor

De seringueiro a grande produtor de peixes

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De seringueiro a grande produtor de peixes - Jornal Página 20

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De seringueiro a grande produtor de peixes

Página 20

Rio Branco – Acre, DOMINGO, 12, e SEGUNDA-FEIRA, 13 de junho de 2011

Conheça a história de sucesso do ex-seringueiro Benício, que virou pintor de carro e depois produtor de peixe de sucesso no Quixadá

Texto e fotos:

�ROMERITO AQUINO (*)

A educação pode não ter sido decisiva para a vida do ex-serin-

gueiro José Benício de Melo, mas foi em busca dela que ele e sua família deixaram em 1977 o seringal São Mar-cos rumo a Rio Branco em busca de “melhoria de vida”. São Marcos fica a duas horas de burro do seringal Andirá, que está a cinco horas de bar-co de Boca do Acre (AM).

E não foi nada fácil o co-meço da vida da família de Benício na capital, onde o pai foi vigia, os irmãos ajudantes de pedreiro e ele aprendiz de pintor de carro, “uma coisa” que ele mal conhecia. A mãe queria que eles e os irmãos estudassem, mas Benício preferiu cursar apenas até a quarta série do ensino funda-mental, passando a dedicar todo o seu tempo a trabalhar para melhorar de vida.

Em um ano pintando carro, o jovem seringueiro já domina-va tudo no novo ofício, passan-do a ganhar e guardar dinheiro para alimentar o sonho de um dia ser um grande produtor ru-ral. E lá se foi Benício pintando carro por mais alguns anos, até que tirou o dinheiro da pou-pança para comprar 10,5 hec-tares de terra no antigo seringal Quixadá, próximo a Rio Bran-co. Começava ali, pelos idos de 1995, o antigo sonho de pro-dutor rural alimentado durante a infância no seringal.

De início, Benício passou a usar a propriedade para lazer de final de semana, indo pes-car tambaqui e piau no igara-pé que cortava sua área e no primeiro açude que construiu. Ele queria fazer o mesmo que fazia no rio Acre, no seringal Andirá, onde pescava tamba-qui de até 30 quilos, garantin-do comida farta para os pais e irmãos no seringal.

Veio a separação da pri-meira mulher e das duas filhas

e Benício foi morar em defi-nitivo na sua colônia do Qui-xadá, onde nada existia, além dos poucos peixes do açude e do igarapé que fica abaixo da grande sumaúma – a maior árvore da floresta amazônica - existente na sua propriedade.

A empresa concessionária de carro em que Benício tra-balhava faliu e ele ficou desem-prego. Foi aí que decidiu inves-tir parte da indenização para fazer outro açude para criar mais peixe. Mas tudo ainda muito artesanal, sem técnicas e equipamentos adequados para a piscicultura.

Alguns anos depois, Benício resolveu, finalmente, profissio-nalizar sua atividade de subsis-tência. Foi até a antiga Seater (hoje Seaprof) pedir assistência técnica e um projeto de finan-ciamento para trabalhar com peixes. “Naquela época, eu ti-nha uns peixes que eram cria-dos com restos de comida da minha casa”, relata Benício.

Ele lembra que já tinha no

Acre a ração extrusada, aque-la de alta digestibilidade e que atende totalmente às exigên-cias nutricionais dos peixes. Com R$ 17 mil vindos do financiamento do Banco da Amazônia (Basa) e tecnologia repassada pela Seater, Benício comprou os alevinos, a ração extrusada e os canos para construir novos açudes, ago-ra totalmente adequados para produzir peixe.

O ex-seringueiro se cre-denciava ali a ser mais um ele-mento essencial para o mais ousado e mais sofisticado programa de peixe da Ama-

zônia brasileira, com o qual o governo Tião Viana, o tercei-ro da Frente Popular do Acre, deve transformar o Acre nos próximos anos no endereço do peixe amazônico e um dos maiores produtores nacionais.

José Benício de Melo será um dos milhares de pequenos piscicultores do Acre que vão usufruir do complexo indus-trial, que está sendo montado pelo governo do estado para contribuir com o aumento da produção acreana de peixes das atuais cinco mil para 20 mil toneladas-ano até dezem-bro de 2014.

O peixe é a fonte protéica que mais se assemelha à proteína padrão recomendada pelo FAO

Ex-seringueiro vive bem agora como piscicultor

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Rio Branco – Acre, DOMINGO, 12, e SEGUNDA-FEIRA, 13 de junho de 20112 Página 20

ESPECIAL

Foi investindo na cons-trução de mais tanques de criação de peixe que o ex--seringueiro Benício de Melo se consolidou para produzir atualmente nove toneladas, tendo vendido até agora sete delas, principalmente no fe-rido da Semana Santa deste ano.

“Tenho ainda duas tonela-das para vender este ano”, diz o piscicultor, que vende seus peixes em Rio Branco para supermercados, vendedores ambulantes e diretamente aos consumidores, na Feira do Peixe, realizada nos dois últi-mos dias do mês pela Ceasa (Central de Abastecimento).

Construída pela prefeitura de Rio Branco, a Ceasa me-lhorou muito a vida do pro-dutor rural porque permite que ele venda diretamente

Produção de Benício pode chegar logo a 25 toneladas

ao consumidor, tirando do caminho as antigas redes de atravessadores, que só espe-culavam e encareciam os pro-dutos para os consumidores.

“Fui investindo na minha área fazendo mais tanques”, relata Benício, que hoje tem oito tanques cheios de tam-baqui, parapitinga, piau e curimatã. E já está partindo para construir mais outros três tanques, que podem lhe permitir elevar a produção de nove para mais de 20 to-neladas por ano, numa época em que o Acre já deverá ser o endereço do peixe na Ama-zônia.

Para isso, o piscicultor rece-berá nas próximas semanas a visita de tratores e técnicos da Secretaria de Extensão Agro-florestal e Produção Familiar (Seaprof), que irão preparar a

ampliação de sua produção de peixe. “Otimizada o uso de sua área, o Benício pode chegar a produzir até 25 toneladas--ano”, aposta o engenheiro de Pesca Wallace Santos Batista, chefe da Cadeia Produtiva do Pescado, da Seaprof.

Mesmo com a produção atual, o piscicultor Benício diz já dispor de uma boa qualida-de de vida, retratada no carro--utilitário que dispõe e na boa casa de dois andares, com suíte, que construiu e que dis-põe hoje de ar condicionado,

freezer, fogão a gás, televisão, DVD, micro-ondas, telefones celulares e outros modernos equipamentos domésticos, comandados por sua esposa.

Outro fato de progresso de vida que Benício faz ques-tão de mostrar é apontar o avanço também ocorrido nas propriedades vizinhas à sua, onde se encontra a maioria dos irmãos, que saíram com ele dos seringais e que hoje também criam peixe, cultivam grandes hortas e produzem frutas regionais. E vivem tão

bem como ele, com caminho-netes novas e todo o conforto de uma boa casa.

O antigo casebre em que Benício morava serve hoje para ele armazenar as deze-nas de sacos de ração e de calcário que ele precisa para criar seus peixes. Próximo ao casebre simples, ele construiu um criatório de carneiro, ou-tra atividade econômica que vem sendo incentivada pelo atual governo para ampliar a renda e gerar mais empregos no estado.

ENgENhEIRO de pesca Wallace Batista (dir.) orienta o piscicultor Benício PROPRIEdAdE tem oito açudes, com produção de nove toneladas

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3Página 20 www.pagina20.com.br

ESPECIAL

A expansão da produção de peixe do ex-seringueiro José Benício de Melo faz par-te do grande programa de desenvolvimento da piscicul-tura que o governo do estado, através da Secretaria de De-senvolvimento, Ciência, Tec-nologia, Indústria e Comércio e da Seaprof, está implantan-do no Acre com investimen-tos iniciais da ordem de R$ 70 milhões.

O programa já começou a construir em Rio Branco um parque industrial que contem-pla um frigorífico de pescado, com capacidade para proces-sar até 70 toneladas por dia; uma fábrica de ração; e uma estação de alevinagem para produzir os diversos tipos de peixes existentes na Amazô-nia. O parque industrial deve ser concluído até agosto do próximo ano, quando entrará em funcionamento integral na capital do estado.

Segundo o engenheiro de pesca Wallace Santos Batista,

chefe da Cadeia Produtiva do Pescado da Seaprof, a produ-ção atual de peixe do estado está na casa das cinco mil toneladas, com estimativa de chegar em 2014 com mais de 20 mil toneladas. “Para atin-gir esse objetivo, o governo do estado, através da Seaprof, está incentivando o cultivo de peixes em todo o estado por meio da assistência téc-nica especializada na área de piscicultura, com a formação de um setor voltado exclusi-vamente para a atividade”, as-sinala Wallace Batista.

Segundo o engenheiro, o foco principal do desenvol-vimento é a construção de viveiros piscículas (tanques ou açudes) em todo o estado, onde o governo subsidia 40 horas de máquinas de trator e o produtor rural fornece o óleo diesel e a parte hidráulica como contrapartida, gerando uma relação de investimentos disposta em 70% para o go-verno e 30% para o produtor.

Parque industrial vai garantir renda para quatro mil famílias

Wallace Batista informa que já foram construídos mais de 130 viveiros através do programa de desenvol-vimento da piscicultura e a previsão é que mais de qua-tro mil famílias de pequenos agricultores sejam atendidas e cerca de dois mil hectares de tanques sejam construídos, atendendo a atual deman-da dos pequenos pisciculto-res acreanos, que produzem aquela que é considerada a

melhor fonte protéica de ori-gem animal.

Das cinco mil toneladas de peixe produzidas pelo estado, 3,5 mil são consumidas no mercado interno, 800 toneladas se destinam ao Amazonas, 200 toneladas vão para Rondônia e 400 toneladas são exportadas para o Peru e a Bolívia, países que, a partir da inauguração da Rodovia Interoceânica, podem consumir todo o aumento da produção de peixe do estado.

AUMENTAM o número de açudes nos municípios do Vale do Acre

CARNEIROs fazem parte de outro programa do governo Tião Viana

CRIATóRIO de carneiros, outra atividade econômica de Benício

BENíCIO, esposa e sobrinha no quarto confortável do casal

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Rio Branco – Acre, DOMINGO, 12, e SEGUNDA-FEIRA, 13 de junho de 20114 Página 20 www.pagina20.com.br

ESPECIAL

(*) A reportagem contou com a colaboração de Caroline Galo e Letícia Pessoa, respectivamente, coordenadora e técnica de Planejamento da Seaprof.

O engenheiro de pesca Wallace Santos Batista des-taca que o pescado é a fonte protéica que mais se asseme-lha à proteína padrão reco-mendada pela Organização das Nações Unidas para Agri-cultura e Alimentação (FAO).

Suas proteínas muscula-

Pescados apresentam muitas qualidades nutricionais

res apresentam a vantagem de possuírem um elevado valor biológico, decorrente de uma alta sensibilidade à hidrólise e de uma compo-sição balanceada em amino-ácidos, particularmente da-queles que costumam ser os limitantes em proteínas de

origem vegetal, como a me-tionina e a cisteína.

Segundo Wallace Batista, os peixes são ricos em vita-minas A, D, E e K, que for-mam o complexo B, além de minerais como sódio, potás-sio, magnésio, cálcio, ferro e fósforo, entre outros regula-dores das funções do corpo e participantes do metabolis-mo de nutrientes.

Os peixes, por exemplo, são consumidos largamente pelos esquimós e demons-tram efeitos benéficos sobre os níveis de colesterol do fí-gado e do sangue, além de protegê-los contra doenças coronárias e doenças infla-matórias, tais como psoríases e artrites reumáticas.

As funções mais impor-tantes das proteínas do peixe se destinam a manter a integri-dade das células endoteliais, prevenindo aterosclerose e alterações cardiovasculares, a estimular a liberação de insu-

lina e a inibir a vasoconstric-ção e a agregação plaquetária.

Além disso, participam no desenvolvimento normal da placenta, do crescimento fetal e do desenvolvimento neuronal. Outra vantagem do peixe é participar das fun-ções imuno-moduladoras. Os

ácidos graxos presentes nos peixes ainda exercem impor-tante papel fisiológico como potentes mediadores da in-flamação e efeito benéfico sobre o sistema imunológico, além de mostrarem efeito be-néfico na prevenção de vários tipos de câncer.

O PIsCICUlTOR com a família no intervalo do trabalho nos açudes

BENíCIO gosta de visitar diariamente a grande samaúma

de sua propriedade

O PROdUTOR recebe assistência técnica

da Seaprof