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Vim die passear com a Mimi, o João e o Luiz. Os dois mais velhos têm 7 anos... Voltamos .pela mansidão dâ tarde. A ainda/r de-vagar vou achando que estes são alguns des velhos lugares em que fui nova, por onde passei muitas, muitas vezes, ora mai6 para a direita, ora mais para a esquerda... Parece quie nada mudou. Até o sol é o mesmo. Um Inverno luminoso, que tanlto parece iniverno oomO primavera, multo frio, igual a tantos outulos! Este mesmo parque abandonado, abanda- lhado! Até a gente que o atra- vessa, me parece que o atra- vessou sempre! Pequenos ban- dos de crianças multo pobres, umas vdstanhas dais o u t r a s — êste é meu irmãO, esta é mi- n t o visinha, aquele é irmão daquela...—mulheres incate- gorlzáveis, irisadas, loiras, miais velhas dto que novas, e que me parecem saiir todas de velhos conventos trans- formados cm pensionatos do estado, trabalhadores, guar- das indolentes, um raro ele- gante com uma criança... Tudo teto é suiave e dlstrac- itiivo: ver esta gente calma. a r d a T pelas belas alamedas sem trato, com algum cheiro de fermentação... Tudo assim era há Já 15 e 20 anos! A Mimi, quando entrámos e quando saímos do parque. ANTOLOGIA (continuação ria página anterior) Beethoven compunha por Intui- ção? Doutro modo não se po- deria conceber que o seu génio pudesse ter a faculdade dc fa- zor ouvir aos outros maravilhas que êle próprio não podia ou- vir ... Beethoven lutou mais que nin- guém contra o melo e contra si mesmo, e a parte impura, que como a de todo o mortal a sua natureza devia ter, nunca che- gou a ter força suficiente para eclipsar a porte pura, prevale- cendo sempre a última. Mas a- peear-de haver prevalecido, essa parte puia ter-se-ia perdido^ pa- ra o m u n d o se o seu génio não o coloca, felizmente, na possibili- dade de expressar essa pureza recôndita por meio de notas mu- sicais, a-fim-dc que sc não per- desse para a humanidade. R as- sim esta última sabe que o verdadeiro «eu» é a parte pura e eterna que todos trazemos na alma, e que os defeitos são ape- nas o imaginário, o transcen- dente, o q u e não é o «eu» verda- deiro. Consequentemente sabo também que o Beethoven real, quero dizer, a alma do Beetho- ven eterno foi pura, nobre, grande, e que êle no-ln legou nas suas harmonias, nos seus ritmos, nas suas melodias mara- vilhosamente combinadas, que constituem o maior dos porten- tos do Universo... A música de Beethoven, des- tinada a acabar com a Ideia do nos-á à sabedoria, fazendo-nos mal» neste mundo, conduziri- compreender o destino e inician- do-nos assim na ideia da eterni- dade. com a mão dela dentro da minto, diz -me com firmeza, que muito de leve é dú- vida, que ali é que brincava antigamente o príncipe e a pnlnceza. Eu pregumto-lhe se ela tem a certeza disso, mas a Mimi não gosta, desconfia... E' estúpida ja confusão que por distracção lhe levo ao es- pirito. Os seus cinco anos e melo andam encanltiadas com as primcezas e outras coisas feéwtoas. E também muito apiedados da miséria. Diz-me, cá na Cova da Moura, ven- do um homem a arrastar-se sem pernas, que quando for crescida há-de dar muitas coisas aos pobres e ela ficar com poucas... Casas com quartos e salas de jantar e tudo muito bem arranjadi- nho... A sua ternura e a sua piedade ultrapassam, pelo menos à vista, as necessidades dos pedintes, que têm um ar conformado e indiferente, de quem se regala com p sol. Eu levo-a pela mão e oioo-a cem convicta seriedade, e penso na felicidade das orian- ças que têm quem se ocupe delias, acho mesmo que cada criança devia ter o exclusivo de algumas atenções, que o seu abandono e a sua solidão são trágicos. Aquela mãozinha, perten- cente a um corpo frágil e ner- voso, de onde saem os deci- didos pensamentos que eu conheço, simboliza para mim toda a infância. Continuámos a andar paca- tamente, os rapazes vão â frente. O Luiz mostrou ao João uma parede de quintal com bicharia de loiça das Caldas. Bicharia em que eu sempre reparo a rir por dentro quan- do passo por estia rua. Mas M m T e p a r a r a m a sério. Mul- tas destas ruas são pobríssi- mas, antigas e tristes. As mu- lheres, neste belo dia. surdem à boca de corredores lôbregos de pátiOs, como animais desafrontados. Pobres criatu- ras! Têm más caras, sem san- gue, desconfiadas. Aquele homem enco.stou-se à ombreira de uma porta e falando baixo disse-me mui- tíssima coisa. 'Falou como um homem inteligente, depressa e com segurança. Eu supunha que o que êle dizia não era fatalmente original!, nem me Importava que o fosse, mas era perfeitamente claro. As minhas interrupções e os meus assentimentos é que lhe davam a êle parte da minha Ignorância... Mas eu. para me desculpar e readquirir alguma confian- ça em mim própria é que te- nho de me dizer, de me con- vencer, de que estou, multo pouco habituada à agilidade das inteligências, a acompa- nhar quem pense. Uma coisa é ler e outra é ouvir... A ou- de um vir, sou forçada a adaptar- me a um ritmo menta'.' que não é o meu; a ouvir, respon- dendo; a ler eu própria me conduzo a'través da leitura. E, no fim de contas, leio pouco. Mas aquele homem oõs-se a faiar comigo com uma injtelú- g ê n c 4 a tão incontinente! Nuns minutos diisse-me um ror de coteas em que eu ata- da não pensara Na verdade, a velocidade do pensamento dos outros sempre me deu um grande choque, me desarmou, me pós a pique! Mas não de- ve ser o facto de o pensa- mento dos outros nos ser transmitido de boca que nos alucina... A distancia en- tre o ouvido e o lido é secun- dária. O que nos enerva e nos chega a deprimir, de vez em quando, é termos de cor- rer atraz desses outros, serem eles e não nós os primeiros... T. Mamai é correcto, .im, e um grande ironiza, um ffjno critico, o rei dos estetas, etc. Sempre qUe lei-" qualquer das suas novelas, e sobretudo se a leio solta de outras, me sin- to maravilhada. Curiosa dos seus movilmemtos apreciatlvos, da sua grande delicadeza de vistas, dá sua tranquilidade e segurança de estilo, da sua sensibilidade... Este elegante das letras representa, s*m dú- vida, que T. Mann enche coro Use e da mesura formal. A sua admirável critica é toda de observação e desapaixo- nada. Mas a despeito de tudo isto a sua construção artís- tica parece-me pobre. Todas as figuras das suas novelas se me representan isoladas, e o mundo fraccionado, dividi- do... Parece que nele não há tumultos, que todas as con- tradições existentes são dis- cretas e serenas. Há circu- las ideais de vida, que T. Mann enche com a graça melancólica das digressões do seu espírito. Em cada uma das suas novelas aparecem das tais figuras isoladas, de psicologia levemente gra- tuita, amável, flutuante e anedótica. Por isto ae admira T. Mann sem se crer nele... O seu mundo arrefece nas suas delicadas mãos. Há nele ex- cessivo amor da arte; uma espécie de oposição entre o homem e o artista, aquele cedendo demasiado terreno a êste, adelgacando-se para não contrariar nem rebentar a medida ou forma da arte... Na obra de T. Mann o ar- tista explora o homem para leriiglr à custa dele. e por seu gosto, o tirco curioso, repre- sentativo, que embora carac- terize uma sociedade se dis- tingue perfeitamente dela. O diário artista, como um deus fleug- mátlco, domina-o, no entanto, e tem-no sempre a distancia, dissocia-ode si, mesmo que da sua própria alma o tire! Clas- sifica-o, remira-o, cobre-o do seu sarcasmo ameno, tole- rante e compreensivo. A arte de T. Mann, finamente critica como é, é multo mais de di- visões que de sínteses. Mas é de uma correcção, de uma le- veza e de uma penetração psí- quica incomparáveis. ocasiões em que se apa- relha em mim, absolutamente liem reservas e sem impedi- mentos, impertinente, imposi- tivo, franco—o riso! O riso, o gosto da comédia. Ocasiões em que me sinto um incipien- te, Incubado criador de comé- dias, o explorador dos mais Imprevistos ridículos. Esta manhã, por exemplo... Mas porque é que aquelas galinhas me haviam de ter feito rir? Umas inocentes ga- linhas num jardtozinlho dte repartição pública. Na vés- pera ainda lá nâo estavam. Foi a surpresa da, sua apari- ção que provocou o meu gáu- dio? Não sei. Sei é que dou com elas, sem as esperar, numa aberta e dionisíaca ale- gria, alegria de galinhas ao sol e à solta e que me espan- to, me. maravilho daquela tnsó'lta' cena de liberdade. Vejo as capoeiras escancara- das e os bichinhos espaneja- dos e em cacarejas semeeri- moniosois cá fora. Parece-me tudo bem, muito bem, mas de uma franqueza e de uma li- berdade ridículas. Só coisas de galinhas... A liberdade reveste-se de súbito perante os meus Olhos de um simbolfemo inferior e animal. Vem-me mesmo a idea de que só galinhas a sa- berão gosar. Tudo isto nem se'l se chega a ser pensado... Subo, falo com homens. Fe- Gioito-os pela grande alegria que a vlsinhança inopinada das galinhas lhes deve dar. Eles riem-se e secundam-me nos gracejos, mas um pouco contrafeitos. Devem ter in- veja das galinhas... Tudo '.hes deve parecer bom e invejável fora das suas apertadas vidas. O espelho da vida das gali- nhas afrontá-los-ia se bem o apreciassem. Não sei se o apreciam, se não. eu é que me regalo compondo uma" pe- quena comédia à custa das galinhas... e deles. E fico ain- da cem o desejo de compor uma nova e espantosa co- média burlesca, moral, cheia de galinhas e de conceitos ambíguos .sôbrc a liberdade, a sol nascente. velho, preambular de outro vida dos bichos e a dos ho» merus. Mas um desejo pura- mente ocioso! Quando o Yic, com a serie- dade dos seus pequenos inte- resses e a sua urbanldade de homem de secretaria, pres- tante, adamada, meticulosa e o seu quê folgazã (desde que certos ressentimentos o náo envenenem) me mostrou a -sua prova de muaisler de ca- ligrafia e me falou dos tire- zentosi escudos mensais que ela há-de representa - , come- cei a sentir respeito pelos va- lores caligráfieos. Porque nós, •francamente, somos tolos cem as nossas ideas feitas! Adop- tamos sempre critérios es- treitos para JUlgar seja do que for. Critérios mundanos, critérios de posição, nunca •critério largos, independen- tes! Eu nunca dera impor- tância â caligrafia, canside- rava-a Irremediavelmente se- cundária. Nunca a ensinar meninos me preocupara com os finos c os grossos das le- tras, e a escrever tal qual. Mas a caligrafia, que nunca me tinha Interessado, dava pão e orgulho a muitos ho- mens. Um deles ali estava, aquele meu agradável colega! O Yle é um homem sério, res- peitador do seu trabalho. E êle sabe o que uma boa cali- grafia vale. Os livros da es- crituração comercial não são em grande parte manuscri- tos? E deste trabalho vive muita família. Um bom cali- grafo deve ter tanta razão de ser orgulhoso como jm bom pintor, um bom professor, etc. Era â ligeira., mas absoTUta- mente â ligeira que eu consi- derava até aqui a caligrafia coisa de pouca monta. Ideas levianas, minhas e de muitos outros! Um iurespelto fácil pelas vidas de escritórios, qnJB não conhecemos, uma vene- ração absurda pela espiritua- lidade... peias actividades li- berais, ou pelas retintamente mentais. e*c. E uim repúdio, um desprêso velho, fundo, também, mas provavelmente descomedido, pelos puros va- lores formais... Ora, o Yle. com a sua ale- gria circunspecta e susceptí- vel <é um homem ao pé de quem -se pode estar, bem edu- cado, dado a um lisboetismo, uma chalaça briosa e espu- mada, correcta, quando não tem dores de estômago), o Yle enslnou-me, .gratuita e indiferentemente, certos mis- térios do mundo... Enslnou- me a existência de mais um valor, o valor da caligrafia! e também a pôr em dúvida certas das minhas bases de preferências. Alargou-me o espirito, pois não? Noto que em face do exter- no e do alheio, daquilo de que não participo directa nem in- directamente, me toma um grande acobardamenlto. Não é bem Indiferença, é retraimen- to e também necessidade de encontrar firme, de ir alem do que me tolhe. Talvez exagere ohamando-me cobar- de, como chamei. Glde diz de Dostolewsky que a abstracção, o Jogo dias lldeas sem aplicação lhe era penoso, mas que apesar disso as sUas personagens encarna- vam as miais estranhas e sub- tis ideas. Dostoiewsky não era, em resumo, um dialecto nem um filósofo, era um ro- mancista. Mas sendo um ro- mancista possuía (e seria bom romancista por isso) um vi- víssimo sentido critico e con- oeltuoso, filosófico, da vida. O que Gtde quie fazer notar com a sua observação, é que Dost. tinha limites. Formais, mais do que formais? Enfim. Imites. No outro dia eu pensava, e muitas vezes penso, que te- nho sempre abusado do espi- rito poético, que sempre ro- deei 05 objectos das minhas preocupações, os consumido- res dia m i n h a sensibilidade, de uma atmosfera miaguada e excitante, romântica. E que um tom assim apaixonado, cheio die evasões e de fugas sentimentais, tom a que eu murtas vezes quero fugir ,e desprezar, será provavelmente o meu fatal limite... Mas também penso. Já fora do meu coso pessoal:, do de- sejo de me Ultrapassar, quie a arte literária se balouça entre estes dois poios: o poético e o realístico, ou antes, o tefor- mado e o índeformadO. E quie o poético quadra perfeitamen- te à sensibilidade Introverti- da, egccon.trloa, que se nutre miais do particular que do ge- ral. Os meus pequenos quadros de sol e dc chuva, de ruas e de docas, etc., serão obejoti- vamente plcturals, mas não representam francamente qualquer coisa além da ob- jectividade? uma acidlentali- dade interior? São deforma- dos em virtude de um estado meu de espírito. Correspon- dem a uma realidade, mas fu- gindo ao seu carácter perma- nente e comum. Estia defor- mação e fuga ao real, explo- rando-o, é uma característica por JOÃO FALCO poética e simultaneamente de temperamento. Mas eu compreendo, ou ad- mito ainda assim, que seria admirável e útil que pudés- semos adaptar por desdobra- mento ou por extensão pró- pria do pensamento, mais de uma atitude mental. Exerci- tlairmos variadamente a nossa (actividade do espírito, tempe- rarmos a emotividade com a análise critica, a observação com os juízos de preferên- cia... E assim o fozemos, mas sem absoluto .equilíbrio. iNo entanto, a poesia... Quarlto e quanto .se faz para a envilecer, para a di- mltruir! E porquê? Porque, enfim, a poesia do nosso tem- po já não é uma arte fraca, mé/Jca apenas e de contor- nos, sem conteúdo! A poesia, como forma lite- rária expressiva, é económi- ca: vasto e concentrada, emo- tiva e conoeitiuosa. Deforma sentimentalmente cs objectos do Interesse? Mas o que é que não revela da espiritualidade do interessado? Que vibração moral e que vida se não con- tém num .súbito movimento de palavras, num espontâneo jogo de impressões? Bltte jardim da D. Josefa, da decadente e tina D. Josefa, pessoa que tão bem se veste e tâo bem se calça... que con- serva em velha o seu chie de nova, êste jardim sombrio mão tem nada de bonito. Quantas vezes Já lhe tenho anulado as inúteis ruas? Qua- tro canteiros e um de cen- tro... com ruas de separação. O jardim da D. Josefa ora existe, ara deixa de existir. Para mim... Mas aquele mo- vimento e aquela forma dos seus ramos finos, que em cada ano se enfolham de novo... Isso existe, existe e nota-se. fora de toda a dúvida! E' uma coisa que me vive nos olhos, que lhes não passa indiferente! Em certos momentos acom- panho e admiro intimamente o aerismo, a leveza e o jogo daquelas formas. Ha qual- quer coisa interior, em mim. que se agita e se identifica com elas. Verdade é que a forma e o movimento provocam sempre a sensação. E, reciprocamen- te, certas sensações indeter- minadas e até mesmo certos pensamentos se acompanham dentro de nós de não sei que ritmo motriz, ou de que orien- tação no espaço. A Mila chegou bocadi- nho com flores. Mulher pe- quena I De saia nova... Fez- iha a mãi, daquele casaco azul de veludo de lá, prenda ainda do seu casamento! e que tantos serviços tem prestado! A Deo, com o seu modo es- pecial para as crianças fez uns cumprimentos engraçados à Mila. A Mila gostou realmente de estrear a sua primeira saia de cintura... e também de trazer o seu raminho de flo- res... Ela e a irmã dão-me a Justa impressão de mulhe- res pequenas. Uma impressão de graça. Ai, falar do cotidiano! do invariável, ou insensivelmente variável... Estou sempre á beira do que me é mais íntimo e sem- pre a fuglr-lhe, sempre a re- cuá-lo, a negá-lo. a anulá-lo. Um quer que seja tão subsis- tente e permanente, tão claro, tâo inexplicável c tão sensí- vel... Tudo isto em demasia, porque não acho nunca pala- vras com que o abordar! Cansaço, creio, uma sensa- ção profunda de esgotamento de mim mesma, de can- saço... aí está o meu fundo! Um desejo impossível e irrea- lizável de evasão, de trans- formação. Um desejo doido de liberdade. De Uberdade fatal- mente inútil. Cansaço de mim e dos ou- tros! E a tuido isto. tão pouco e tanto, não posso nem sei dar expressão. Há em mim a Ini- bição interior. Naturalmente o sentido da inutilidade, tam- bém.

de um diário velho, preambular de outro - dspace.uevora.pt · das indolentes, um raro ele ... falando baixo disse-me mui tíssima coisa. 'Falou como um homem inteligente, depressa

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Vim die passear com a Mimi, o João e o Luiz. Os dois mais velhos têm 7 anos.. .

Voltamos .pela mansidão dâ tarde.

A ainda/r de-vagar v o u achando que estes são alguns des velhos lugares e m que fui nova, por onde passei muitas, m u i t a s vezes, ora m a i 6

para a direita, o r a mais para a esquerda... Parece quie nada mudou. Até o sol é o mesmo. Um Inverno luminoso, que tanlto parece iniverno oomO primavera, multo frio, igual a tantos outulos! Este mesmo parque abandonado, abanda­lhado! Até a gente que o a t r a ­vessa, me parece que o a t r a ­vessou sempre! Pequenos ban­dos de cr ianças multo pobres, umas vdstanhas dais outras— êste é meu irmãO, esta é mi­n t o visinha, aquele é irmão daquela . . .—mulheres incate-gorlzáveis, irisadas, loiras, miais velhas dto que novas, e que me parecem saiir todas de velhos conventos t r a n s ­formados cm pensionatos do estado, trabalhadores, guar­das indolentes, um raro ele­gante com uma cr iança . . . Tudo teto é suiave e dls trac-itiivo: ver esta gente calma. a r d a T pelas belas a lamedas sem trato, com algum cheiro de fermentação. . . Tudo assim era há Já 15 e 20 anos!

A Mimi, quando entrámos e quando saímos do parque.

A N T O L O G I A ( c o n t i n u a ç ã o ria p á g i n a a n t e r i o r )

B e e t h o v e n c o m p u n h a p o r In tu i ­ç ã o ? D o u t r o m o d o n ã o s e p o ­d e r i a c o n c e b e r q u e o s e u g é n i o p u d e s s e t e r a f a c u l d a d e d c f a -z o r o u v i r a o s o u t r o s m a r a v i l h a s q u e ê le p r ó p r i o n ã o p o d i a o u ­v i r . . .

B e e t h o v e n l u t o u m a i s q u e n i n ­g u é m c o n t r a o m e l o e c o n t r a si m e s m o , e a p a r t e i m p u r a , q u e c o m o a d e t o d o o m o r t a l a s u a n a t u r e z a d e v i a t e r , n u n c a c h e ­g o u a t e r f o r ç a s u f i c i e n t e p a r a e c l i p s a r a p o r t e p u r a , p r e v a l e ­c e n d o s e m p r e a ú l t i m a . M a s a -p e e a r - d e h a v e r p r e v a l e c i d o , e s s a p a r t e p u i a t e r - s e - i a p e r d i d o ^ p a ­r a o m u n d o s e o s e u g é n i o n ã o o c o l o c a , f e l i z m e n t e , n a poss ib i l i ­d a d e d e e x p r e s s a r e s s a p u r e z a r e c ô n d i t a p o r m e i o d e n o t a s m u ­s i c a i s , a - f i m - d c q u e s c n ã o p e r ­d e s s e p a r a a h u m a n i d a d e . R a s ­s i m e s t a ú l t i m a j á s a b e q u e o v e r d a d e i r o « e u » é a p a r t e p u r a e e t e r n a q u e t o d o s t r a z e m o s n a a l m a , e q u e o s d e f e i t o s s ã o a p e ­n a s o i m a g i n á r i o , o t r a n s c e n ­d e n t e , o q u e n ã o é o « e u » v e r d a ­d e i r o . C o n s e q u e n t e m e n t e s a b o t a m b é m q u e o B e e t h o v e n r e a l , q u e r o d i z e r , a a l m a d o B e e t h o ­v e n e t e r n o foi p u r a , n o b r e , g r a n d e , e q u e ê le no- ln l e g o u n a s s u a s h a r m o n i a s , n o s s e u s r i t m o s , n a s s u a s m e l o d i a s m a r a ­v i l h o s a m e n t e c o m b i n a d a s , q u e c o n s t i t u e m o m a i o r d o s p o r t e n ­t o s d o U n i v e r s o . . .

A m ú s i c a d e B e e t h o v e n , d e s ­t i n a d a a a c a b a r c o m a Ide ia d o n o s - á à s a b e d o r i a , f a z e n d o - n o s m a l » n e s t e m u n d o , conduz ir i -c o m p r e e n d e r o d e s t i n o e i n i c i a n -d o - n o s a s s i m n a i d e i a d a e t e r n i ­d a d e .

com a m ã o dela dentro da m i n t o , d i z - m e com firmeza, que só muito de leve é dú­vida, que ali é que brincava ant igamente o príncipe e a pnlnceza. Eu pregumto-lhe se ela tem a certeza disso, mas a Mimi não gosta, desconfia... E' estúpida ja confusão que por distracção lhe levo ao es­pirito. Os seus cinco anos e melo andam encanltiadas com as primcezas e outras coisas feéwtoas. E também muito apiedados da miséria. Diz-me, Já cá na Cova da Moura, ven­do um homem a arras tar - se sem pernas, que quando for crescida há-de dar muitas coisas aos pobres e ela ficar com poucas... Casas com quartos e salas de jantar e tudo muito bem arranjadi-nho... A sua ternura e a sua piedade ultrapassam, p e l o menos à vista, as necessidades dos pedintes, que têm um ar conformado e indiferente, de quem se regala com p sol.

Eu levo-a pela mão e oioo-a c e m convicta seriedade, e penso na felicidade das orian-ças que têm quem se ocupe delias, acho mesmo que cada cr iança devia ter o exclusivo de algumas atenções, que o seu abandono e a sua solidão são trágicos.

Aquela mãozinha, perten­cente a um corpo frágil e ner­voso, de onde saem os deci­didos pensamentos que eu conheço, simboliza para mim toda a infância.

Continuámos a andar p a c a ­tamente , os rapazes vão â frente.

O Luiz mostrou ao J o ã o uma parede de quintal com bicharia de loiça das Caldas. Bicharia em que eu sempre reparo a rir por dentro quan­do passo por estia rua . Mas M m T e p a r a r a m a sério. Mul­tas destas ruas são pobríssi­m a s , ant igas e tristes. As m u ­lheres, neste belo dia. surdem à boca de corredores lôbregos • de pátiOs, como animais desafrontados. Pobres cr ia tu­r a s ! Têm más caras , sem san­gue, desconfiadas.

Aquele homem enco.stou-se à ombreira de uma porta e falando baixo disse-me mui­tíssima coisa. 'Falou como um homem inteligente, depressa e com segurança. Eu supunha que o que êle dizia não era fatalmente original!, nem me Importava que o fosse, mas era perfeitamente claro. As minhas interrupções e os meus assentimentos é que lhe davam a êle parte da minha Ignorância.. .

Mas eu. para me desculpar e readquirir alguma confian­ça em mim própria é que t e ­nho de me dizer, de me con­vencer, de que estou, multo pouco habituada à agilidade das inteligências, a acompa­n h a r quem pense. Uma coisa é ler e outra é ouvir... A ou-

de um vir, sou forçada a a d a p t a r -me a um ritmo menta'.' que não é o meu; a ouvir, respon­dendo; a ler eu própria me conduzo a'través da leitura. E, no fim de contas, leio pouco. Mas aquele homem oõs-se a faiar comigo com uma injtelú-g ê n c 4 a tão incontinente! Nuns minutos diisse-me um ror de coteas em que eu a t a ­da não p e n s a r a Na verdade, a velocidade do pensamento dos outros sempre me deu um grande choque, me desarmou, m e pós a pique! Mas não de­ve ser o facto de o pensa­mento dos outros n o s ser transmitido de b o c a que nos alucina.. . A distancia en­tre o ouvido e o lido é secun­dária. O que nos enerva e nos chega a deprimir, de vez e m quando, é termos de cor­rer atraz desses outros, serem eles e não nós os primeiros...

• T. Mamai é correcto, .im, e

um grande i ron iza , um ffjno critico, o rei dos estetas, etc. Sempre qUe lei-" qualquer das suas novelas, e sobretudo se a leio solta de outras, me sin­to maravi lhada. Curiosa dos seus movilmemtos apreciatlvos, da sua grande delicadeza de vistas, dá sua tranquilidade e segurança de estilo, da sua sensibilidade... Este elegante das letras representa, s*m dú­vida, que T. Mann enche coro Use e da mesura formal. A sua admirável crit ica é toda de observação e desapaixo­nada. Mas a despeito de tudo isto a sua construção ar t í s ­t ica parece-me pobre. Todas a s figuras das suas novelas se me representan isoladas, e o mundo fraccionado, dividi­do.. . Parece que nele não há tumultos, que todas as con­tradições existentes são dis­cre tas e serenas. Há circu­las ideais de vida, que T. Mann enche com a graça melancólica das digressões do seu espírito. Em cada uma das suas novelas aparecem das t a i s figuras isoladas, de psicologia levemente gra ­tuita, amável, flutuante e anedótica. Por isto ae admira T. Mann sem se c r e r nele... O seu mundo arrefece nas suas delicadas mãos. Há nele ex ­cessivo amor da ar te ; uma espécie de oposição entre o homem e o art is ta , aquele cedendo demasiado terreno a êste, adelgacando-se para não contrar iar nem rebentar a medida ou forma da a r t e . . .

Na obra de T. Mann o a r ­t ista explora o homem para leriiglr à custa dele. e por seu gosto, o tirco curioso, repre­sentativo, que embora c a r a c ­terize uma sociedade se dis­tingue perfeitamente dela. O

diário artista, como um deus fleug-mátlco, domina-o, no entanto, e tem-no sempre a distancia, dissocia-ode si, mesmo que da sua própria alma o tire! Clas­sifica-o, remira-o, cobre-o do seu sarcasmo ameno, tole­rante e compreensivo. A a r t e de T. Mann, finamente crit ica como é, é multo mais de di­visões que de sínteses. Mas é de uma correcção, de uma le­veza e de uma penetração psí­quica incomparáveis.

Há ocasiões em que se apa­relha em mim, absolutamente liem reservas e sem impedi­mentos, impertinente, imposi­tivo, franco—o riso! O riso, o gosto da comédia. Ocasiões em que me sinto um incipien­te, Incubado criador de comé­dias, o explorador dos mais Imprevistos ridículos. Es ta manhã, por exemplo.. .

Mas porque é que aquelas galinhas me haviam de ter feito rir? Umas inocentes g a ­linhas num jardtozinlho dte repartição pública. Na vés­pera ainda lá n â o estavam. Foi a surpresa da, sua apar i ­ção que provocou o meu gáu­dio? Não sei. Sei é que dou c o m elas, sem a s esperar, numa aberta e dionisíaca a le ­gria, alegria de galinhas ao sol e à solta e que me espan­to, me. maravilho daquela tnsó'lta' c e n a de liberdade. Vejo as capoeiras e scancara ­das e os bichinhos espaneja­dos e em cacarejas semeeri-moniosois cá fora. Parece -me tudo bem, muito bem, mas de uma franqueza e de uma li­berdade ridículas. Só coisas de galinhas.. .

A liberdade reveste-se de súbito perante os meus Olhos de um simbolfemo inferior e animal. Vem-me mesmo a idea de que só galinhas a sa ­berão gosar.

Tudo isto nem se'l se chega a ser pensado...

Subo, falo com homens. F e -Gioito-os pela grande alegria que a vlsinhança inopinada das galinhas lhes deve dar. Eles riem-se e secundam-me nos gracejos, m a s um pouco contrafeitos. Devem ter in­veja das galinhas... Tudo '.hes deve parecer bom e invejável fora das suas apertadas vidas. O espelho da vida das gali­nhas afrontá-los-ia se bem o apreciassem. Não sei se o apreciam, se não. eu é que me regalo compondo uma" pe­quena comédia à custa das galinhas. . . e deles. E fico ain­da cem o desejo de compor uma nova e espantosa co­média burlesca, moral, cheia de galinhas e de conceitos ambíguos .sôbrc a liberdade, a

sol nascente.

velho, preambular de outro vida dos bichos e a dos ho» merus. Mas um desejo pura­mente ocioso!

Quando o Yic , com a serie­dade dos seus pequenos inte­resses e a sua urbanldade de homem de secretaria, pres­tante , adamada, meticulosa e o seu quê folgazã (desde que certos ressentimentos o náo envenenem) me mostrou a -sua prova de muaisler de c a ­ligrafia e me falou dos tire-zentosi escudos mensais que ela há-de representa - , come­cei a sentir respeito pelos va ­lores caligráfieos. Porque nós, •francamente, somos tolos cem as nossas ideas feitas! Adop­tamos sempre critérios es­treitos para JUlgar seja do que for. Critérios mundanos, critérios de posição, nunca •cri tério largos, independen­tes ! Eu nunca dera impor­tância â caligrafia, canside-r a v a - a Irremediavelmente se­cundária. Nunca a ensinar meninos me preocupara com os finos c os grossos das le­t r a s , e a escrever tal qual.

Mas a caligrafia, que nunca me t inha Interessado, dava pão e orgulho a muitos ho­mens. Um deles ali estava, aquele meu agradável colega! O Yle é um homem sério, re s ­peitador do seu trabalho. E êle sabe o que uma boa cali­graf ia vale. Os livros da es ­cr i turação comercial não são em grande p a r t e manuscri­tos? E deste trabalho vive muita família. Um bom cali-grafo deve ter tanta razão de ser orgulhoso como j m bom pintor, um bom professor, etc.

E r a â ligeira., m a s absoTUta-mente â ligeira que eu consi­derava até aqui a caligrafia coisa de pouca monta. Ideas levianas, minhas e de muitos outros! Um iurespelto fácil pelas vidas de escritórios, qnJB n ã o conhecemos, uma vene­ração absurda pela espiritua­lidade... peias actividades li­berais, ou pelas retintamente mentais . e*c. E uim repúdio, um desprêso velho, fundo, também, mas provavelmente descomedido, pelos puros va ­lores formais...

Ora, o Yle. com a sua ale­gria circunspecta e susceptí­vel <é um homem ao pé de quem -se pode estar, bem edu­cado, dado a um lisboetismo, uma chalaça briosa e espu­mada, correcta , quando não tem dores de estômago) , o Yle enslnou-me, .gratuita e indiferentemente, certos mis­térios do mundo.. . Enslnou-me a existência de mais um valor, o valor da caligrafia!

e também a pôr em dúvida certas das minhas bases de preferências. Alargou-me o espirito, pois não?

Noto que em face do exter­no e do alheio, daquilo de que não participo directa nem in­directamente, me toma um grande acobardamenlto. Não é bem Indiferença, é retraimen­to e também necessidade de encontrar pé firme, de ir alem do que me tolhe. Talvez exagere ohamando-me cobar­de, como chamei.

Glde diz de Dostolewsky que a abstracção, o Jogo dias lldeas sem aplicação lhe era penoso, m a s que apesar disso a s sUas personagens e n c a r n a ­vam as miais e s tranhas e sub­tis ideas. Dostoiewsky não e r a , em resumo, um dialecto nem um filósofo, e ra um r o ­mancista. Mas sendo um ro ­mancista possuía (e seria bom romancista por isso) um vi­víssimo sentido critico e con-oeltuoso, filosófico, da vida. O que Gtde quie fazer notar com a sua observação, é que Dost. t inha limites. Formais, mais do que formais? Enfim. Imites .

No outro dia eu pensava, e muitas vezes penso, que t e ­nho sempre abusado do espi­rito poético, que sempre ro­deei 0 5 objectos das minhas preocupações, os consumido­res dia minha sensibilidade, de uma atmosfera miaguada e excitante, romântica. E que um tom ass im apaixonado, cheio die evasões e de fugas sentimentais, tom a que eu murtas vezes quero fugir ,e desprezar, será provavelmente o meu fatal limite...

Mas também penso. Já fora do meu coso pessoal:, do de ­sejo de me Ultrapassar, quie a a r t e l i terária se balouça entre estes dois poios: o poético e o realístico, ou antes, o tefor-mado e o índeformadO. E quie o poético quadra perfeitamen­te à sensibilidade Introverti­da, egccon.trloa, que se nutre miais do particular que d o ge­ral .

Os meus pequenos quadros de sol e dc chuva, de ruas e de docas, etc., serão obejoti-vamente plcturals, mas n ã o r e p r e s e n t a m francamente qualquer coisa além da ob­jectividade? uma acidlentali-dade interior? S ã o deforma­dos em virtude de um estado meu de espírito. Correspon­dem a uma realidade, mas fu­gindo ao seu carác ter perma­nente e comum. Estia defor­mação e fuga ao real, explo-rando-o, é uma caracter ís t ica

p o r

J O Ã O F A L C O

poética e simultaneamente de temperamento.

Mas eu compreendo, ou ad­mito ainda assim, que seria admirável e útil que pudés­semos adaptar por desdobra­mento ou por extensão pró­pria do pensamento, mais de uma atitude mental. Exerc i -tlairmos variadamente a nossa (actividade do espírito, tempe­rarmos a emotividade com a análise critica, a observação com os juízos de preferên­c i a . . . E assim o fozemos, mas sem absoluto .equilíbrio.

i N o entanto, a poesia... Quarlto e quanto .se faz

para a envilecer, para a di-mltruir! E porquê? Porque, enfim, a poesia do nosso t e m ­po já não é uma a r t e fraca, mé/Jca apenas e de contor­nos, sem conteúdo!

A poesia, como forma lite­rár ia expressiva, é económi­c a : vasto e concentrada, emo­tiva e conoeitiuosa. Deforma sentimentalmente cs objectos do Interesse? Mas o que é que n ã o revela da espiritualidade do interessado? Que vibração moral e que vida se não con­tém n u m .súbito movimento de palavras, n u m espontâneo jogo de impressões?

Bltte jardim da D. Josefa, da decadente e tina D. Josefa, pessoa que tão bem se veste e tâo bem se calça . . . que con­serva em velha o seu chie de nova, êste jardim sombrio mão tem nada de bonito. Quantas vezes Já lhe tenho anulado as inúteis ruas? Qua­t r o canteiros e um de cen­tro. . . com ruas de separação.

O jardim da D. Josefa ora existe, ara deixa de existir. P a r a mim... Mas aquele mo­vimento e aquela f o r m a dos seus ramos finos, que em cada ano se enfolham de novo... Isso e x i s t e , existe e nota-se. fora de toda a dúvida! E' uma coisa que me vive nos olhos, que lhes não passa indiferente! E m certos momentos acom­panho e admiro intimamente o aerismo, a leveza e o jogo daquelas formas. Ha qual­quer coisa interior, em mim. que se agita e se identifica com elas.

Verdade é que a forma e o movimento provocam sempre a sensação. E, reciprocamen­te , certas sensações indeter­minadas e até mesmo certos pensamentos se acompanham dentro de nós de n ã o sei que ritmo motriz, ou de que orien­t a ç ã o no espaço.

A Mila chegou há bocadi­nho com flores. Mulher pe­quena I De saia nova... Fez-iha a mãi , daquele casaco azul de veludo de lá, prenda ainda do seu casamento! e que tantos serviços já tem prestado!

A Deo, com o seu modo es­pecial para as crianças fez uns cumprimentos engraçados à Mila.

A Mila gostou realmente de estrear a sua primeira saia de c intura. . . e também de trazer o seu raminho de flo­res . . . Ela e a irmã dão-me a Justa impressão de mulhe­res pequenas. Uma impressão de graça.

Ai, falar do cotidiano! do invariável, ou insensivelmente variável.. .

Estou sempre á beira do que me é mais íntimo e sem­pre a fuglr-lhe, sempre a re ­cuá-lo, a negá-lo. a anulá-lo. Um quer que seja tão subsis­tente e permanente, tão claro, tâo inexplicável c t ã o sensí­vel... Tudo isto em demasia, porque n ã o acho nunca pala­vras com que o abordar!

Cansaço, creio, uma sensa­ção profunda de esgotamento de m i m mesma, de c a n ­saço.. . aí está o meu fundo! Um desejo impossível e irrea­lizável de evasão, de t r a n s ­formação. Um desejo doido de liberdade. De Uberdade fatal­mente inútil.

Cansaço de mim e dos ou­tros!

E a tuido isto. tão pouco e tanto , não posso nem sei dar expressão. Há em mim a Ini­bição interior. Naturalmente o sentido da inutilidade, tam­bém.