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Marcelo Coutinho* S egundo pesquisa encomendada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, o uso da rede em locais públicos de acesso pago (lan houses, cibercafés etc.) explodiu no ano passado. Em 2005, 18% dos internautas afirmaram utilizar a Internet neste tipo de local, número que subiu para 49% em 2007. Enquanto isso, o acesso domiciliar, no trabalho e na escola permaneceu praticamente o mesmo em termos relativos (embora, é claro, tenha aumentado em números absolutos). Mais pessoas estão utilizando a Web, em locais mais variados. Cruzando alguns dos dados publicados pelo Comitê, é possível afirmar que cerca de 18% da população brasileira já utiliza a Internet dia- riamente, percentual que atinge 80% na classe A e 42% na classe B. E para quem (ainda) acha que Internet é coisa de criança: praticamente um em cada quatro adultos entre 25 e 34 anos utiliza a rede todo santo dia. Mas a grande no- vidade é que o uso praticamente dobrou entre as pessoas na base da pirâmide social. Apenas 7% dos integrantes das classes D/E utilizavam a rede em 2005, número que atingiu 14% no ano passado. Ainda é um percentual pequeno, mas são justamente estes usuários de menor renda os que mais se beneficiam do acesso de baixo custo e alta velocidade, principalmente se levar- mos em conta que em boa parte de seus locais de residência não existe cobertura por cabo ou linha telefônica de alta velocidade. Tive a oportu- nidade de participar da realização e discussão de algumas investigações acadêmicas sobre o tema, feitas por alunos de pós-graduação e mestrado da Fundação Cásper Líbero e da ESPM em lan houses na periferia de São Paulo no final de 2007 e início deste ano. Embora tratando de zonas geográficas distintas (a periferia das zonas leste e oeste), as conclusões são similares. Para os jovens que freqüentam es- tes ambientes (e eles são a esmagadora maioria dos usuários nestas regiões), o acesso representa uma oportunidade de, ao menos simbolicamente, estar em contato com a “modernidade”. Esta longe de garantir uma efetiva inserção no sistema produ- tivo moderno, mas pelo menos ajuda em termos da conscientização das possibilidades. É importante constatar que estes levantamentos acadêmicos, de caráter qualitativo, mostraram aquilo que há muito já sabemos: simplesmente oferecer o aces- São Paulo, 16 de abril de 2008 – Edição 570 – www.bites.com.br O fenômeno da periferia *Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli- gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow. com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor. so não significa efetivamente integrar as pessoas nas possibilidades representadas pela “Sociedade da Informação” (se é que tal “sociedade” existe). É a mesma coisa que achar que uma pessoa está alfabetizada por saber assinar o nome. O mais interessante é que estes trabalhos apon- tam não somente para um fenômeno econômico – existem verdadeiros “empresários”, geralmente jovens, que chegam a montar 3 ou 4 Lan Houses em um bairro – mas principalmente social. Os usos relatados e observados da rede são principalmente para contato com a “tribo” –é comum alguém dei- xar o recado na página do Orkut de um amigo que mora na mesma rua— como também para jogos e download de música. Entre alguns relatos inusi- tados, chama atenção a existência de “experts” em momentos críticos de jogos como o counter- strike: por um real (ou menos) ele assume seu lugar em momentos difíceis do jogo, fazendo com que você passe para uma próxima missão ou etapa. Outros ganham dinheiro montando páginas pessoais incrementadas e, até mesmo, cobrando para levantar dados como pagamento de IPTU, segunda via de conta de luz etc. O uso relatado nas Lan Houses é eminentemen- te social, em contraste com o que se diz sobre os centros públicos governamentais de acesso (freqüentados por 6% dos usuários, segundo o Comitê Gestor), no qual o uso se reveste de um caráter mais utilitário, já que sites de jogos e re- lacionamentos costumam ser proibidos nesses locais. Também foi observada a realização de festas nas noites dos fins de semana, com ao som de músicas baixadas e remixadas da rede, com as pessoas desfilando seus celulares e pen-drives presos no pescoço. Na periferia paulistana, as Lan Houses são uma resposta para a carência de espaços públicos para o lazer. A combinação destes dados quantitativos e qualitativos aponta para o desenvolvimento de novas formas de sociabilidade, baseadas na Internet, que antes estavam restritas aos ado- lescentes de renda mais elevada. Seu impacto não deve ser pequeno, posto que os jovens, nas periferias, estavam tradicionalmente expostos a menos informação que seus pares em regi- ões mais abastadas. Muitas outras coisas preci- sam ser feitas para que o acesso efetivamente contribua para a melhoria de vida da população carente (a começar pela educação básica e pro- fissionalizante). Mas na medida em que este público se familiariza com outras possibilidades de uso da rede, notadamente as tecnologias agru- padas sob o conceito de “Web 2.0” vão aumentar a pressão sobre as empresas que interagem com esta camada social (incluindo veículos de comu- nicação) e os poderes políticos locais. Certamente seu impacto sobre as eleições municipais deste ano será mínimo em termos de votos, mas se a expansão continuar neste ritmo, os próximos pre- feitos terão que, de alguma maneira, incorporar o tema na agenda de suas administrações.

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Marcelo Coutinho* São Paulo, 16 de abril de 2008 – Edição 570 – www.bites.com.br *Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli- gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow. com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor.

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Page 1: deabrilde2008–Edição570–*MarceloCoutinhoédiretor-executivodoIBOPEInteli-gênc

Marcelo Coutinho*

Segundo pesquisa encomendada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, o uso da rede em locais públicos de acesso pago (lan houses, cibercafés

etc.) explodiu no ano passado. Em 2005, 18% dos internautas afirmaram utilizar a Internet neste tipo de local, número que subiu para 49% em 2007. Enquanto isso, o acesso domiciliar, no trabalho e na escola permaneceu praticamente o mesmo em termos relativos (embora, é claro, tenha aumentado em números absolutos). Mais pessoas estão utilizando a Web, em locais mais variados. Cruzando alguns dos dados publicados pelo Comitê, é possível afirmar que cerca de 18% da população brasileira já utiliza a Internet dia-riamente, percentual que atinge 80% na classe A e 42% na classe B. E para quem (ainda) acha que Internet é coisa de criança: praticamente um em cada quatro adultos entre 25 e 34 anos utiliza a rede todo santo dia. Mas a grande no-vidade é que o uso praticamente dobrou entre as pessoas na base da pirâmide social. Apenas 7% dos integrantes das classes D/E utilizavam a rede em 2005, número que atingiu 14% no ano passado. Ainda é um percentual pequeno, mas são justamente estes usuários de menor renda os que mais se beneficiam do acesso de baixo custo e alta velocidade, principalmente se levar-mos em conta que em boa parte de seus locais de residência não existe cobertura por cabo ou linha telefônica de alta velocidade. Tive a oportu-nidade de participar da realização e discussão de algumas investigações acadêmicas sobre o tema, feitas por alunos de pós-graduação e mestrado da Fundação Cásper Líbero e da ESPM em lan houses na periferia de São Paulo no final de 2007 e início deste ano.

Embora tratando de zonas geográficas distintas (a periferia das zonas leste e oeste), as conclusões são similares. Para os jovens que freqüentam es-tes ambientes (e eles são a esmagadora maioria dos usuários nestas regiões), o acesso representa uma oportunidade de, ao menos simbolicamente, estar em contato com a “modernidade”. Esta longe de garantir uma efetiva inserção no sistema produ-tivo moderno, mas pelo menos ajuda em termos da conscientização das possibilidades. É importante constatar que estes levantamentos acadêmicos, de caráter qualitativo, mostraram aquilo que há muito já sabemos: simplesmente oferecer o aces-

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O fenômeno da periferia

*Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteli-gência e professor de Pós-Graduação na Cásper Líbero. Artigo originalmente publicado no IDG Nov (www.idgnow.com.br). reproduzido em bites sob autorização do autor.

so não significa efetivamente integrar as pessoas nas possibilidades representadas pela “Sociedade da Informação” (se é que tal “sociedade” existe). É a mesma coisa que achar que uma pessoa está alfabetizada por saber assinar o nome.

O mais interessante é que estes trabalhos apon-tam não somente para um fenômeno econômico – existem verdadeiros “empresários”, geralmente jovens, que chegam a montar 3 ou 4 Lan Houses em um bairro – mas principalmente social. Os usos relatados e observados da rede são principalmente para contato com a “tribo” –é comum alguém dei-xar o recado na página do Orkut de um amigo que mora na mesma rua— como também para jogos e

download de música. Entre alguns relatos inusi-tados, chama atenção a existência de “experts” em momentos críticos de jogos como o counter-strike: por um real (ou menos) ele assume seu lugar em momentos difíceis do jogo, fazendo com que você passe para uma próxima missão ou etapa. Outros ganham dinheiro montando páginas pessoais incrementadas e, até mesmo, cobrando para levantar dados como pagamento de IPTU, segunda via de conta de luz etc.O uso relatado nas Lan Houses é eminentemen-te social, em contraste com o que se diz sobre os centros públicos governamentais de acesso (freqüentados por 6% dos usuários, segundo o Comitê Gestor), no qual o uso se reveste de um caráter mais utilitário, já que sites de jogos e re-lacionamentos costumam ser proibidos nesses locais.

Também foi observada a realização de festas nas noites dos fins de semana, com ao som de músicas baixadas e remixadas da rede, com as pessoas desfilando seus celulares e pen-drives presos no pescoço. Na periferia paulistana, as Lan Houses são uma resposta para a carência de espaços públicos para o lazer.A combinação destes dados quantitativos e qualitativos aponta para o desenvolvimento de novas formas de sociabilidade, baseadas na Internet, que antes estavam restritas aos ado-lescentes de renda mais elevada. Seu impacto não deve ser pequeno, posto que os jovens, nas periferias, estavam tradicionalmente expostos a menos informação que seus pares em regi-ões mais abastadas. Muitas outras coisas preci-sam ser feitas para que o acesso efetivamente contribua para a melhoria de vida da população carente (a começar pela educação básica e pro-fissionalizante). Mas na medida em que este

público se familiariza com outras possibilidades de uso da rede, notadamente as tecnologias agru-padas sob o conceito de “Web 2.0” vão aumentar a pressão sobre as empresas que interagem com esta camada social (incluindo veículos de comu-nicação) e os poderes políticos locais. Certamente seu impacto sobre as eleições municipais deste ano será mínimo em termos de votos, mas se a expansão continuar neste ritmo, os próximos pre-feitos terão que, de alguma maneira, incorporar o tema na agenda de suas administrações.