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O Grupo de Análise da Conjuntura Interna- cional (GACINT) recebeu em seu encontro no mês de setembro André Gar- cez Ghirardi, assessor da Presi- dente da Petrobras e professor adjunto licenciado da Univer- sidade Federal da Bahia. Os comentários foram de Philipe Reichstul, ex-presidente da Pe- trobrás e do IPEA, atualmente membro do Coinfra e dos con- selhos da ABDIB, Repsol, Ga- fisa, Semco Partners, Foster Wheeler, Peugeot Citroen, Lhoist do Brasil e Internacional UTC. O tema da palestra foi a inserção nacio- nal e internacional da Petrobrás, no mer- cado mundial de energia. Além das im- plicações para o Brasil e para o mundo, Ghirardi propôs a discussão sobre a base física petroleira do país e a geopolítica do petróleo. Uma nova fronteira exploratória Segundo relatório do serviço geológico norte-americano, que avalia os volumes de petróleo ainda não descobertos, no ano 2000 havia entre 600 e 700 bilhões de barris no mundo ainda a serem explorados. Desse volume, a maioria estaria no Oriente Médio e no norte da África, seguido pela Rússia e pela região da antiga URSS, e por fim, em quinto lugar estaria a América do Sul. Essa estimativa, baseada em dados probabilísticos, previa que no Brasil havia entre 40 a 50 bilhões de barris ainda a serem explorados. Hoje, com o descobrimento das acumulações na camada do pré-sal, estamos diante de uma das principais fronteiras exploratórias do mundo. Apesar da existência dessa camada de petróleo já ser há muito tempo de conhecimento pelos geólogos, a tecnologia necessária para sua exploração ainda não existia. O Brasil se encontra diante da perspectiva concreta de tornar-se um grande exportador de petróleo. Essa é uma condição singular e sem precedentes para a história do país,que até então objetivava apenas garantir o abastecimento do mercado interno (segundo mandato consultivo do Conselho Nacional de Petróleo). Além disso, o Brasil também é colocado frente a uma nova condição de inserção na comunidade internacional. A previsão é de que em sete anos, o país possa fazer parte do grupo dos grandes exportadores de petróleo (como Líbia, México, Venezuela e Angola), que correspondem a aqueles exportadores de mais de 1 milhão de barris por dia. DEBATES GA CINT O informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional N o 20/ 2013 A Petrobras e o Mercado Mundial de Energia Instituto de Relações Internacionais Philipe Reichstul, André Garcez Ghirardi e Ricardo Sennes

Debates Gacint143.107.26.205/documentos/Debates_Gacint20.pdf dente da Petrobras e professor adjunto licenciado da Univer-sidade Federal da Bahia. Os comentários foram de Philipe Reichstul,

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O Grupo de Análise da Conjuntura Interna-cional (GACINT)

recebeu em seu encontro no mês de setembro André Gar-cez Ghirardi, assessor da Presi-dente da Petrobras e professor adjunto licenciado da Univer-sidade Federal da Bahia. Os comentários foram de Philipe Reichstul, ex-presidente da Pe-trobrás e do IPEA, atualmente membro do Coinfra e dos con-selhos da ABDIB, Repsol, Ga-fisa, Semco Partners, Foster Wheeler, Peugeot Citroen, Lhoist do Brasil e Internacional UTC. O tema da palestra foi a inserção nacio-nal e internacional da Petrobrás, no mer-cado mundial de energia. Além das im-plicações para o Brasil e para o mundo, Ghirardi propôs a discussão sobre a base física petroleira do país e a geopolítica do petróleo.

Uma nova fronteira exploratóriaSegundo relatório do serviço geológico norte-americano, que avalia os volumes de petróleo ainda não descobertos, no ano 2000 havia entre 600 e 700 bilhões de barris no mundo ainda a serem explorados. Desse volume, a maioria estaria no Oriente Médio e no norte da África, seguido pela Rússia e pela região da antiga URSS, e por fim, em quinto lugar estaria a América do Sul. Essa estimativa, baseada em dados probabilísticos, previa que no Brasil havia entre 40 a 50 bilhões de barris ainda a serem explorados.

Hoje, com o descobrimento das acumulações na camada do pré-sal, estamos diante de uma das principais fronteiras exploratórias do mundo. Apesar da existência dessa camada de petróleo já ser há muito tempo de conhecimento pelos geólogos, a tecnologia necessária para sua exploração ainda não existia. O Brasil se encontra diante da perspectiva concreta de tornar-se um grande exportador de petróleo. Essa é uma condição singular e sem precedentes para a história do país, que até então objetivava apenas garantir o abastecimento do mercado interno (segundo mandato consultivo do Conselho Nacional de Petróleo).Além disso, o Brasil também é colocado frente a uma nova condição de inserção na comunidade internacional. A previsão é de que em sete anos, o país possa fazer parte do grupo dos grandes exportadores de petróleo (como Líbia, México, Venezuela e Angola), que correspondem a aqueles exportadores de mais de 1 milhão de barris por dia.

DEBATES GACINTO informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional

No 20/ 2013

A Petrobras e o Mercado Mundial de Energia

Instituto de Relações Internacionais

Philipe Reichstul, André Garcez Ghirardi e Ricardo Sennes

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André Garcez Ghirardi

A geopolítica do petróleoO segundo tema pautado pelo professor esbarra na natureza das novas questões que o Brasil irá enfrentar nos próximos anos. Por se tratar de um insumo dominante desde a primeira guerra mundial, principalmente para a movimentação de pessoas, cargas e tropas, o petróleo é objeto de diversos conflitos de interesse. Dessa forma, Ghirardi entende que o petróleo e a indústria que o cerca são questões de Estado. Ao final da segunda guerra mundial, surgem dois conceitos importantes com relação à geopolítica do petróleo. O primeiro é o conceito de segurança energética, ou segurança de abastecimento, que consiste na capacidade de possuir acesso a um volume suficiente de petróleo em momentos de crise de abastecimento. É possível afirmar que essa é a razão de existência da Agência Internacional de Energia, constituída com a função de coordenação entre os países da OCDE. Segundo a ex-Secretária de Estado Norte-americana Hillary Clinton, tal garantia de suprimento segue sendo a principal questão de segurança internacional. A política de segurança energética permanece como um dos principais pilares da diplomacia norte-americana.

O segundo conceito, que surge também ao final da segunda guerra entre os estrategistas das forças armadas norte-americanas, é a Teoria da Conservação do Petróleo. Até 1947, a posição internacional dos EUA era a de maior fornecedor e consumidor de petróleo no mundo. Essa posição muda quando o país passa por um gradual declínio de suas reservas durante a guerra, originando um momento de pânico com relação à possibilidade de que o petróleo norte-americano fosse acabar. É esse sentimento de ameaça que origina a Teoria da Conservação, que naquele momento dizia respeito a uma estratégia de estimular a produção de petróleo fora do território norte-americano, para abastecer o mercado norte-americano, de forma a preservar os recursos domésticos dos EUA. Essa formulação permanece atual se considerarmos que a política atual norte-americana é de que a costa do país, com exceção de parte do Alasca e do Golfo do México, permanece fechada à exploração de petróleo e que, desde a década de 70, está vetada a exportação de petróleo pelo país. Essa atitude está respaldada em uma baixa probabilidade de existência de petróleo nessa região e em relatórios estratégicos do departamento de defesa. Além disso, o país incentiva o estabelecimento de novos potenciais fornecedores aos EUA, e dentre estes, o Brasil desponta como um potencial candidato. Esses elementos não podem ser desconsiderados pelo Brasil enquanto exportador.

O petróleo no BrasilO professor discute ainda as implicações políticas para o Brasil no âmbito interno do descobrimento das reservas na camada do pré-sal. Quanto à reforma normativa, o Brasil definiu quatro projetos de lei. O principal destes é aquele que estabelece a possibilidade de contratos de produção compartilhada

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para as áreas consideradas estratégicas pelo Conselho Nacional de Política Energética. Dentro desse tema, é necessário destacar a atuação particular da Petrobrás. A evolução histórica da geopolítica do petróleo protagonizou, principalmente a partir da década de 1960, um conflito entre as companhias nacionais e as internacionais, sendo as primeiras detentoras das reservas e as segundas controladoras de mercado. A Petrobrás possui uma posição muito peculiar nesse cenário, pois não só produz todo o seu petróleo no país de origem, como também realiza essencialmente toda a sua receita dentro do país de origem. Por isso, a perspectiva de que a Petrobrás deve participar com 30% do empreendimento nas áreas estratégicas, que correspondem essencialmente às áreas do pré-sal, é bastante controversa e nos coloca diante de dilemas judiciais e financeiros.Além das normativas, o Brasil enfrenta ainda a questão temporal da exploração do recurso existente. Isso significa se perguntar o quanto devemos produzir em cada momento, qual é o ritmo em que queremos usar essas reservas existentes. O Brasil precisa definir qual seria então a sua postura fundante diante dessa perspectiva. Para ilustrar o caso, o professor menciona duas posições extremas. A primeira é a conservacionista absoluta, que defende a não exploração imediata do petróleo e entende o momento atual como uma oportunidade para construir uma economia mais livre do petróleo, procurando fontes energéticas alternativas. No outro extremo estaria a posição produtivista, defendendo uma produção acelerada para aproveitar a oportunidade de exploração, que será efêmera, principalmente, pois as tecnologias de petróleo estão em declínio com relação à matriz de energia do mundo. Essa postura defende ainda que o recurso mineral deixado no solo não gera riquezas para ninguém, ou seja, a monetização do petróleo

é necessária, uma vez que o país necessita urgentemente de investimentos estruturantes.

O Brasil e o petróleo no mundoO quarto e último ponto levantado pelo professor se refere às implicações externas para o Brasil e para a Petrobrás. Nessa seção, ele trata do posicionamento do país, e da Companhia, com relação a três grupos de interesse distintos. Primeiramente, aborda a relação com os grandes consumidores. Por grandes consumidores entendem-se os EUA, a China e a União Europeia, cujo relacionamento com o Brasil se dá em torno das questões de segurança e conservação, já mencionadas anteriormente. O segundo trata da relação com os grandes produtores, tanto os OPEP, quanto os produtores não-OPEP. Esse último é hoje o grupo responsável pela maior parte da produção mundial, gerando cerca de 54 milhões de barris, dentre os 90 milhões de barris consumidos por dia no mundo. São parte do grupo dos exportadores não-OPEP notadamente a Rússia e futuramente o Brasil, quando esse se tornar um grande exportador do petróleo do pré-sal. A disponibilidade desse volume adicional vindo do Brasil possui implicações diretas na disputa por espaços de mercado, além de impactar sobre os preços e gerar uma complexidade de interesses dos produtores. Por último, ele destaca a relação com os vizinhos Sul-Americanos, talvez a mais sensível no âmbito internacional. O momento desperta nos nossos vizinhos imediatos uma grande expectativa com relação ao Brasil, e à Petrobrás mais especificamente, enquanto uma fonte abundante de recursos para investimento. Como o negócio petroleiro é muito intensivo em capital, isso dá a impressão de que a Companhia dispõe de grandes excedentes passíveis de investimento nesses vizinhos. Mas a realidade é outra.

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Membros do Gacint ADHEMAR DA COSTA MACHADO FILHOADRIANA SCHOR ADRIANO HENRIQUE REBELO BIAVA AFFONSO CELSO DE OURO PRETO AFFONSO DE ALENCASTRO MASSOTALBERTO PFEIFER ALEXANDRE BARBOSAALEXANDRE RATSUO UEHARA ANGELO DE OLIVEIRA SEGRILLO ANTONIO CARLOS PEREIRA ANTONIO CORRÊA DE LACERDA ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVABORIS FAUSTO CARLOS EDUARDO E CARVALHOCARLOS EDUARDO LINS DA SILVACELSO GRISICELSO LAFER CELSO NUNES AMORIMCHRISTIAN LOHBAUER CLAUDIO GONÇALVES COUTO CORONEL UBIRAJARA NEVESDANIELA CARLA DECARO SCHETTINIDÉCIO ODDONE DEISY VENTURA DEMÉTRIO MAGNOLI FELIPE LOUREIROGELSON FONSECA JUNIOR GERALDO DE FIGUEIREDO FORBES GERALDO ZAHRAN

GILMAR MASIERO GIORGIO ROMANO SCHUTTE GONZALO BERRONGUNTHER RUDZITHELGA HOFFMANN HENRI PHILIPPE REICHSTUL JACQUES MARCOVITCH JAIME SPITZCOVSKYJANINA ONUKI JOÃO GRANDINO RODAS JOÃO PAULO CANDIA VEIGA JOSÉ LUIZ PIMENTA JÚNIORJOSÉ LUIZ CONRADO VIEIRAKAI ENNO LEHMANNKJELD AAGAARD JAKSOBSEN LEANDRO PIQUET CARNEIRO LENINA POMERANZ LOURDES SOLALUCIA NADERLUCIANA NICOLALUIZ AFONSO SIMOENS DA SILVA LUKAS LINGENTHALMARCO AURÉLIO GARCIAMARIA ANTONIETA DEL TEDESCO LINS MARIA HELENA TACHINARDI MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA MARIANA LUZOLIVER STUENKELOTAVIANO CANUTO

PATRÍCIA CAMPOS MELLOPAULO ROBERTO FELDMANPAULO SOTERO PEDRO BOHOMOLETZ DE ABREU DALLARI PEDRO MENDONÇAPETER ROBERT DEMANT PETERSON FERREIRA E SILVAPHILIPPE LAVANCHYRAFAEL DUARTE VILLA RAFAEL SOUZA FONSECARICARDO UBIRACI SENNES ROBERTO ABDENUR ROBERTO RODRIGUES ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA RODRIGO TAVARESRONALDO SARDEMBERGROSSANA ROCHA REIS RUBENS ANTÔNIO BARBOSARUY MARTINS ALTENFELDER SILVASAMUEL FELDBERGSÉRGIO ERNESTO ALVES CONFORTOSÉRGIO FAUSTO SÉRGIO SILVA DO AMARALTULLO VIGEVANI VAHAN AGOPYAN VERA THORSTENSEN YI SHIN TANG

Gacint Coordenador Geral Ricardo SennesVice-CoordenadorBruno Reis

DiretoraMaria Hermínia Tavares de Almeida

Debates Gacint Coordenador ExecutivoAndré Luiz SicilianoRedação e edição Mariana BernussiPatrícia Tambourgi

IRI Contato: [email protected] André Michelin

FotosVanessa Delfino

ComentáriosPhilipe Reichstul pontuou alguns comentários sobre a exposição, focados na geopolítica do petróleo, na questão geracional e na posição da Petrobrás. Quanto ao primeiro tema, destacou as posições chave da China, que importa mais da metade do volume de petróleo que consome, e dos EUA, que se encontra diante de um cenário possível de autossuficiência energética em 2020 devido ao investimento em hidrocarburos. Reichstul acredita, todavia, que se houver uma pressão internacional muito forte, principalmente vinda da Europa, os EUA passarão a exportar o gás, uma vez que o preço praticado no continente é mais de três vezes maior que o praticado nos EUA.Sobre a questão geracional, foi citada a solução encontrada pela Noruega como um exemplo a ser seguindo por países como o Brasil. A Noruega, dado a incerteza quanto à utilidade do petróleo no futuro, frente às novas tecnologias, mas ainda assim sem a intenção de utilizar na geração atual toda a sua riqueza, pertencente também às gerações futuras, passou a extrair

essa riqueza, mas separando uma porção para as gerações futuras. Dessa forma, os lucros do comércio do petróleo foram investidos, principalmente em infraestrutura, deixando um legado e garantindo o benefício da apropriação dessa riqueza hoje para as futuras gerações. Por fim, com relação à posição da Petrobrás diante dos desafios postos, Reichstul discute o movimento da empresa de reduzir sua participação internacional e se voltar totalmente para o Brasil, tornando-se uma “regional major”. Ele acredita que abrir mão da possibilidade de ser uma empresa internacional é prejudicial, pois há perda de benchmarking, de acesso à tecnologia e do ambiente competitivo. Além disso, as previsões apontam para a possibilidade de exploração de 1 milhão de barris, o que representaria 35 bilhões de dólares de exportação adicional para o Brasil em 2020, montante que também se perderia em função de uma posição da empresa fechada no mercado nacional. Assim, abrir mão da internacionalização em troca de uma concentração no Brasil enfraquece a companhia no longo prazo.