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DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. “ÍNDICE OFICIAL DE REMUNERAÇÃO BÁSICA DA CADERNETA DE POUPANÇA: INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na alínea a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO/RPV COMPLEMENTAR. EC N. 62/2009. ART. 100, § 12, DA CF. CONSTITUCIONALIDADE. INCIDÊNCIA IMEDIATA. 1. O § 12 do artigo 100 da Constituição Federal, introduzido pela EC n. 62, de 09/11/2009 (publicada em 10/12/2009), tem aplicação imediata aos feitos de natureza previdenciária, sendo constitucional. 2. Entendimento firmado no sentido de que a TR mostra-se válida como índice de correção monetária. 3. Nada impede o legislador constitucional ou infraconstitucional de dispor sobre correção monetária e taxa de juros e, em se tratando de relação de direito público, não há óbice a incidência imediata da lei, desde que respeitado período anterior à vigência da nova norma (vedação à retroatividade), pois não existe direito adquirido a regime jurídico(fl. 68). 2. O Agravante alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 1º, inc. III, 5º, caput e incs. XXII, XXXVI, e 37, caput, da Constituição da República. Argumenta que:

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Decisão STF sobre a taxa referencial.

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Page 1: Decisão stf

DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL. “ÍNDICE OFICIAL DE

REMUNERAÇÃO BÁSICA DA

CADERNETA DE POUPANÇA”:

INCONSTITUCIONALIDADE DA

EXPRESSÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO

DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ÍNDICE

DE CORREÇÃO MONETÁRIA: OFENSA

CONSTITUCIONAL INDIRETA. RECURSO

PARCIALMENTE PROVIDO.

Relatório

1. Recurso extraordinário interposto com base na alínea a do inc. III

do art. 102 da Constituição da República contra julgado do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, que decidiu:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO.

EXECUÇÃO. PRECATÓRIO/RPV COMPLEMENTAR. EC N.

62/2009. ART. 100, § 12, DA CF. CONSTITUCIONALIDADE.

INCIDÊNCIA IMEDIATA. 1. O § 12 do artigo 100 da Constituição

Federal, introduzido pela EC n. 62, de 09/11/2009 (publicada em

10/12/2009), tem aplicação imediata aos feitos de natureza

previdenciária, sendo constitucional. 2. Entendimento firmado no

sentido de que a TR mostra-se válida como índice de correção

monetária. 3. Nada impede o legislador constitucional ou

infraconstitucional de dispor sobre correção monetária e taxa de juros

e, em se tratando de relação de direito público, não há óbice a

incidência imediata da lei, desde que respeitado período anterior à

vigência da nova norma (vedação à retroatividade), pois não existe

direito adquirido a regime jurídico” (fl. 68).

2. O Agravante alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts.

1º, inc. III, 5º, caput e incs. XXII, XXXVI, e 37, caput, da Constituição da

República.

Argumenta que:

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“A EC n. 62/2009, em seu art. 1º, § 12, instituiu que ‘A partir

da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de

valores de requisitórios , após sua expedição, até o efetivo pagamento,

independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de

remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de

compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual

de juros indecentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a

incidência de juros compensatórios’.

Como se sabe, o índice de remuneração básico da poupança é a

Taxa Referencial – TR, índice controlado pelo Estado, e utilizado como

instrumento de controle da economia – vide os sucessivos índices

mensais zerados, a fim de controle de aporte de capital nas poupanças.

Tanto a TR não se presta como índice de correção monetária,

que o STF já decidiu nesse sentido: ‘A taxa referencial (TR) não é

índice de correção monetária (...) não constitui índice que reflita a

variação do poder aquisitivo da moeda’ (ADI 493-0/DF, Relator Min.

Moreira Alves, Plenário, DJ 4.9.1992).

(...)

Assim sendo, texto tão danoso ao cidadão não poderá ser

tolerado pelo Judiciário, merecendo a declaração de

inconstitucionalidade do § 12 do artigo 100 da Constituição Federal,

adicionado pela EC n. 62/2009.

(...)

Assim, declarada a inconstitucionalidade do índice aplicado ao

precatório pago nos autos, deve ser tomado como vigente e aplicado ao

caso concreto o índice IPCA-E” (fls. 72-73).

Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.

3. Razão jurídica assiste, em parte, ao Recorrente.

O Desembargador Relator no Tribunal Regional Federal da 4ª Região

afirmou:

Page 3: Decisão stf

“Quando da análise do pedido de efeito suspensivo, foi proferida

a seguinte decisão:

‘(...)

Firmou-se na 3ª Seção deste Tribunal o entendimento de

que a Lei n. 11.960, de 29/06/2009 (publicada em 30/06/2009),

que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, determinando a

incidência nos débitos da Fazenda Pública, para fins de

atualização monetária, remuneração do capital e compensação

da mora, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices

oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança,

aplica-se imediatamente aos feitos de natureza previdenciária,

sendo constitucional.

Não há razão para tratamento diferenciado em relação ao

§ 12 do artigo 100 da Constituição Federal, introduzido pela EC

n. 62, de 09/11/2009 (publicada em 10/12/2009), que trata

especificamente da situação a atualização de valores de

requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento.

A Taxa Referencial, segundo entendeu o Superior

Tribunal de Justiça, pode ser utilizada como índice de correção

monetária. O que não se mostra possível é sua substituição em

pactos já firmados, de modo a violar o direito adquirido e o ato

jurídico perfeito.

A Súmula n. 295 do Superior Tribunal de Justiça, a

propósito, enuncia:

A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos

posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada.

Colhe-se da jurisprudência desta Corte: (...).

A situação dos autos é um pouco diversa, pois se discute

sobre a incidência imediata de norma que dispôs sobre os

acréscimos aplicáveis aos débitos previdenciários. Apropriada,

contudo, a aplicação do entendimento de que a TR mostra-se

válida como índice de correção monetária. Por outro lado, nada

impede o legislador constitucional ou infraconstitucional de

dispor sobre correção monetária e taxa de juros. Em se tratando

de relação de direito público, nada obsta a incidência imediata da

lei, desde que respeitado período anterior à vigência da nova

norma (vedação à retroatividade), pois não existe direito

adquirido a regime jurídico. Assim, tratando-se de norma nova

que dispôs, para o futuro, sobre os acréscimos aplicáveis a

créditos previdenciários, não se cogita de violação à cláusula

constitucional que assegura o direito de propriedade (art. 5º,

XXII, CF), ou mesmo àquela que protege o direito adquirido e o

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ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF). Como não se cogita

de violação do princípio da isonomia, certo que situações

díspares podem receber tratamento diferenciado, de modo que a

utilização de indexadores diversos, mas idôneos, para

atualização de créditos de naturezas diversas, não contraria o

artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Da mesma forma,

como a norma produz efeitos para o futuro, não está a ofender a

coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI CF), certo que a coisa

julgada somente incide em relação às situações especificamente

na decisão judicial, de modo que a definição do índice de

correção monetária referente a período posterior não está forrada

ao advento de mudança normativa. Consigno, por fim, que a

norma que validamente dispõe sobre os acréscimos aplicáveis a

débito do poder público evidentemente não está a violar os

princípios da moralidade e da eficiência (art. 37 da CF).

Oportuna a referência a precedentes do Superior Tribunal

de Justiça: (...).

Segue em sentido assemelhado precedente do Supremo

Tribunal Federal que espelha a posição daquela Corte:

‘Agravo regimental em agravo de instrumento. 2.

Execução contra a Fazenda Pública. Juros de mora. Art.

1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela MP n.

2.180-35/2001. 3. Entendimento pacífico desta Corte no

sentido de que a MP n. 2.180-35/2001 tem natureza

processual. Aplicação imediata aos processos em curso. 4.

Agravo regimental a que se nega provimento’ (AgR no AI

n. 776.497. Relator: Min. GILMAR MENDES

Julgamento: 15/02/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma

STF).

Diante de todo o exposto, defiro o pedido de efeito

suspensivo’.

Não havendo novos elementos a ensejar a alteração do

entendimento acima esboçado, deve o mesmo ser mantido por seus

próprios fundamentos, dada a sua adequação ao caso concreto” (fls.

66-67 v. - grifos nossos).

O acórdão recorrido destoa da jurisprudência deste Supremo

Tribunal, que declarou a inconstitucionalidade da expressão “índice oficial

de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art.

100 da Constituição da República (acrescentado pela Emenda

Constitucional n. 62/2009):

Page 5: Decisão stf

“o Tribunal julgou procedente a ação para declarar a

inconstitucionalidade da expressão ‘na data de expedição do

precatório’, contida no § 2º; os §§ 9º e 10; e das expressões ‘índice

oficial de remuneração básica da caderneta de poupança’ e

‘independentemente de sua natureza’, constantes do § 12, todos

dispositivos do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC n.

62/2009, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e

Dias Toffoli. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa” (ADI

4.357, Relator o Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe n. 59/2013, de

2.4.2013 – grifos nossos).

4. Quanto à determinação do índice a ser aplicado na correção

monetária do precatório, trata-se de matéria a ser decidida com base em

norma infralegal (Resolução n. 122/2010 do Conselho da Justiça Federal),

não afeta a este Supremo Tribunal:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO.

ATUALIZAÇÃO. ÍNDICE DE CORREÇÃO. A REPERCUSSÃO

GERAL NÃO DISPENSA O PREENCHIMENTO DOS DEMAIS

REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS. ART.

323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA

REFLEXA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.

IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. (...). 3. Deveras, entendimento diverso do

adotado pelo acórdão recorrido – como deseja o recorrente – quanto ao

índice de correção monetária adequado para a atualização do valor do

presente precatório, demandaria a análise da legislação

infraconstitucional que disciplina a espécie (Resolução n. 115/2010,

do CNJ), bem como o reexame do contexto fático-probatório

engendrado nos autos, o que inviabiliza o extraordinário, a teor do

Enunciado da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal, que

interdita a esta Corte, em sede de recurso extraordinário, sindicar

matéria fática, ‘verbis’: (...). (Precedentes: RE n 404.801-AgR,

Relator o Ministro Cezar Peluso, 1ª Turma, Dj de 04.03.05; AI n.

466.584-AgR, Relator o Ministro Nelson Jobim, 2ª Turma, DJ de

21.05.04, entre outros). 4. ‘In casu’, o acórdão originariamente

recorrido assentou: ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO –

PRECATÓRIO – NÃO INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA –

INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 17, DO STF – ATUALIZAÇÃO –

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ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE

POUPANÇA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) É

vedada a incidência de juros no cálculo da atualização dos valores de

precatórios, exceto se houver mora no seu pagamento (STF: Súmula

Vinculante n. 17). 2) Após o advento da emenda Constitucional n.

62/2009, a atualização de valores de precatórios, após sua expedição,

até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, passou a

ser feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de

poupança (CF/88: art. 100, § 12º). 3) Recurso conhecido e

parcialmente provido’. 5. Agravo regimental a que se nega

provimento” (RE 684.571-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux,

Primeira Turma, DJe 30.10.2012 – grifos nossos).

5. Pelo exposto, dou parcial provimento a este recurso

extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º,

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para reafirmar a

inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração

básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da

Constituição da República e determinar que o Tribunal de origem

julgue como de direito quanto à aplicação de outro índice que não a

taxa referencial (TR).

Publique-se.

Brasília, 13 de junho de 2013.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora