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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL KÁTIA REGINA DO VALLE FREITAS matrícula nº: 103002882 ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida DEZEMBRO 2004

DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO … · Neste trabalho é feita uma análise das principais formas de definição tarifária ... Por outro lado, ... Ronaldo, pela minha

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA

DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE

DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL

KÁTIA REGINA DO VALLE FREITAS matrícula nº: 103002882

ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida

DEZEMBRO 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MESTRADO EM ECONOMIA

DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE

DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL

________________________________________ KÁTIA REGINA DO VALLE FREITAS

matrícula nº: 103002882

ORIENTADOR: Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida

DEZEMBRO 2004

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DEFINIÇÃO TARIFÁRIA COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO: PRECIFICAÇÃO DO TRANSPORTE DUTOVIÁRIO DE GÁS NATURAL NO BRASIL

Kátia Regina do Valle Freitas

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia

Orientador: Edmar Luiz Fagundes de Almeida

DEZEMBRO 2004

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RESUMO

FREITAS, Kátia Regina do Valle. Definição Tarifária como Instrumento Regulatório:

precificação do transporte dutoviário de gás natural no Brasil. Rio de Janeiro, 2004.

Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

Neste trabalho é feita uma análise das principais formas de definição tarifária

existentes na indústria de gás natural. Apresentam-se as características específicas do gás e alguns aspectos relacionados à regulação dessa indústria, em especial as formas principais de tarifação do transporte de gás natural: a tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação entrada/saída. Cada uma das formas de tarifação possui características específicas e, portanto, deve haver uma avaliação dos objetivos da política e das especificidades da rede de cada país para a decisão da metodologia a ser adotada. No caso brasileiro, a indústria de gás natural é ainda incipiente, existe uma empresa dominante em todos os segmentos da cadeia e o arcabouço regulatório limita o poder de ação da agência reguladora. Essas características são fortemente refletidas no segmento de transporte de gás natural. Diante de perspectivas de desenvolvimento de novos mercados para o gás natural e de integração energética no Cone Sul e, ainda, buscando atingir a eficiência econômica da indústria, as diferentes formas de tarifação apresentaram vantagens e limitações. A tarifação postal, embora favoreça o desenvolvimento de novos mercado, não reflete os custos associados ao transporte, não estimulando a eficiência econômica, causando subsídios cruzados entre os consumidores e dificultando a integração energética com a região. Por outro lado, a tarifação por distância estimula a eficiência econômica, mas não desenvolve alguns mercados de gás natural em regiões distantes dos centros de produção. Para a definição tarifária no âmbito de uma política de transporte para o gás natural no Brasil, sugerem-se medidas para contornar os possíveis problemas relacionados a cada uma das formas de tarifação.

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ABSTRACT

FREITAS, Kátia Regina do Valle. Tariff Definition as a Regulatory Instrument: pricing

natural gas pipeline transmission. Rio de Janeiro, 2004. Masters Thesis (M.Sc. in

Economy) – Institute of Economics, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2004.

In this work, the main forms of tax defining in the natural gas industry are studied. Specific characteristics of gas and some aspects related to the regulation of this industry are presented, specially the mains forms of pricing natural gas transmission: the postage stamp, the distance based tariff and the entry-exit taxation. Each taxation forms has specific characteristics and, therefore, there must be an evaluation of political aims and of network specialities to define the methodology that should be adopted in each country. In the Brazilian case, the industry of natural gas is still incipient. There is only one firm that dominates all sections of the chain, and the regulatory framework limits the action power of the regulatory agency. Those characteristics reflect mostly on the natural gas transmission segment. Facing the development perspectives of new natural gas markets and the cross-border gas trade in the Southern Cone and, also, trying to reach economic efficiency in the industry, the different forms of pricing have shown advantages and limitations. The postal stamp taxation, although improving the development of new markets, does not reflect the costs associated with transmission, nor stimulates economic efficiency. Furthermore, it causes cross subsidies among consumers and entangles cross border trade in the region. On the other hand, distance based tariffs stimulate economic efficiency, but does not develop overcome natural gas market in regions distant from production fields. In order to obtain a tax definition in the field of natural gas transmission policy in Brazil, some measurements to by-pass possible problems related to each one of the taxation forms are suggested.

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À minha família

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida,

Aos meus pais, Artur e Christa, pelo amor, motivação, confiança em meu trabalho, correções

e estímulo,

Aos meus irmãos, Marcos e Cristiana, pela compreensão,

A Leonardo, pelo incentivo,

Ao Professor Edmar de Almeida, meu orientador, pela sua disponibilidade,

Aos professores do Instituto de Economia da UFRJ, pela minha formação acadêmica,

Aos professores do Grupo de Economia da Energia: Edmar, Helder, Carmen, Mariana e

Ronaldo, pela minha formação profissional,

Aos demais participantes do Grupo de Economia da Energia: Joseane, Daisy, Heloisa, Carla e

Letícia, pelos conselhos e apoio,

Ao Professor Marc-Kévin, pela bibliografia sugerida,

À Agência Nacional do Petróleo, através do Programa de Formação de Recursos Humanos da

ANP para o Setor de Petróleo e Gás Natural, pelo apoio bibliográfico, financeiro e de

capacitação profissional,

Aos professores José Cesário Cecchi e Ronaldo Fiani, que se dispuseram a avaliar esse

trabalho,

A todos os outros que direta ou indiretamente contribuíram para que este trabalho fosse

realizado.

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES

ANP Agência Nacional do Petróleo BGT Bord Gáis Transmission (Irlanda) CEE Comunidade Econômica Européia CER Commission of Energy Regulation (Irlanda) CNE Comisión Nacional de Energía (Espanha) CRE Comission de Régulation de l’Énergie (França) CREG Comisión de Regulación de Energía y Gas (Colombia) CSPE Comissão de Serviços Públicos de Energia EIA Energy Information Administration ENAGAS Empresa Nacional del Gas (Espanha) ENARGAS Ente Nacional Regulador del Gas (Argentina) ERSE Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Portugal) FERC Federal Regulatory Comisión (EUA) FPC Federal Power Comisión (EUA) GdE Gas del Estado (Argentina) GLP Gás Liquefeito de Petróleo GN Gás Natural GNC Gás Natural Comprimido GNL Gás Natural Liquefeito GNV Gás Natural Veicular IEA International Energy Agency IGN Indústria de Gás Natural MFV Modified Fixed-Variable NERA National Economic Research Associates NGA Natural Gas Act OECD Organization for Economic Co-operation and Development PLANGAS Plano Nacional de Gás Natural PPT Plano Prioritário de Termoeletricidade PUC Public Utility Commission (EUA) SFV Straight Fixed-Variable SNT Sistema Nacional del Transporte (Colômbia) TBG Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil TGN Transportadora Gas del Norte (Argentina) TGS Transportadora Gas del Sur (Argentina) TSB Transportadora Sulbrasileira de Gás UPGN Unidade de Processamento de Gás Natural YPF Yacimientos Petrolíferos Fiscales (Argentina)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 10

CAPÍTULO I - REGULAÇÃO E TARIFAÇÃO NAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA............. 15 1.1 - O MODELO CONVENCIONAL DE DETERMINAÇÃO DE PREÇOS ................................................................ 16

1.1.1 - Concorrência Perfeita ...................................................................................................................... 16 1.1.2 - Monopólios ..................................................................................................................................... 17

1.2 - CARACTERÍSTICAS DAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA E A NECESSIDADE DE REGULAÇÃO............. 19 1.3 - REGULAÇÃO ........................................................................................................................................... 25

1.3.1 - Objetivos da Regulação ................................................................................................................... 26 1.3.2 - Problemas Regulatórios ................................................................................................................... 27 1.3.3 - Instrumentos Regulatórios ............................................................................................................... 29

1.4 - TARIFAÇÃO COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO ................................................................................. 30 1.4.1 - Regulação por Custo de Serviço....................................................................................................... 31 1.4.2 - Regulação por Incentivo .................................................................................................................. 34 1.4.3 - Regulação Second Best para monopólios multi-produto e mono-produto .......................................... 36 1.4.4 - Preço de Acesso .............................................................................................................................. 38

1.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................. 40 CAPÍTULO II - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL................................................. 42 2.1 - VISÃO GERAL DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL ....................................................................................... 42

2.1.1 - Breve Análise da Cadeia de Gás Natural .......................................................................................... 43 2.1.2 - Necessidade de Regulação da Indústria de Gás Natural .................................................................... 47 2.1.3 - Evolução da Organização da Indústria de Gás Natural...................................................................... 50

2.2 - FORMAS DE TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL ................................................................... 54 2.2.1 - Objetivos e Princípios da Tarifação de Transporte de Gás Natural .................................................... 54 2.2.2 - Custos ............................................................................................................................................. 56 2.2.3 - Tarifação Postal (Postage-Stamp) .................................................................................................... 59 2.2.4 - Tarifação por Distância.................................................................................................................... 60 2.2.5 - Tarifação Entrada/Saída (Entry-Exit) ............................................................................................... 61 2.2.6 - Combinações de metodologias tarifárias .......................................................................................... 62 2.2.7 - Tarifa em Duas Partes...................................................................................................................... 65 2.2.8 - Tipo de Capacidade......................................................................................................................... 66

2.3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................. 71 CAPÍTULO III - EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL .......................... 73 3.1 - EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL NO BRASIL......................................................................... 74

3.1.1 - Condições de Oferta ........................................................................................................................ 74 3.1.2 - Condições de Demanda ................................................................................................................... 80 3.1.3 - Evolução das Políticas para o aumento da utilização de Gás Natural................................................. 83

3.2 - ASPECTOS REGULATÓRIOS..................................................................................................................... 87 3.2.1 - Produção e Processamento............................................................................................................... 88 3.2.2 - Transporte....................................................................................................................................... 89 3.2.3 - Comercialização e Importação ......................................................................................................... 92 3.2.4 - Distribuição..................................................................................................................................... 92 3.2.5 - Análise da Regulação da Indústria de Gás Natural no Brasil ............................................................. 93 3.2.6 - Principais Problemas relativos ao transporte de gás natural no Brasil ................................................ 95

3.3 - A TARIFAÇÃO DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ............................................................... 97 3.3.1 - Preço do Gás Natural de Produção Nacional até 2001....................................................................... 99 3.3.2 - Preço do Gás Natural Importado .....................................................................................................105 3.3.3 - Preço do Gás Natural destinado ao PPT ..........................................................................................108 3.3.4 - Situação Atual da Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil................................................108

3.4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................110

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CAPÍTULO IV - EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL .............................................................................113 4.1 - UNIÃO EUROPÉIA ..................................................................................................................................114

4.1.1 - Diretiva Européia ...........................................................................................................................115 4.1.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................117

4.2 - ESTADOS UNIDOS ..................................................................................................................................123 4.2.1 - Regulação ......................................................................................................................................125 4.2.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................128

4.3 - ARGENTINA ...........................................................................................................................................132 4.3.1 - Antecedentes..................................................................................................................................133 4.3.2 - Reestruturação................................................................................................................................134 4.3.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................138

4.4 - COLÔMBIA ............................................................................................................................................140 4.4.1 - Antecedentes..................................................................................................................................141 4.4.2 - Reestruturação................................................................................................................................142 4.4.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural ..........................................................................................144

4.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .................................................................................................147 CAPÍTULO V - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ..........................150 5.1 - MOMENTO ATUAL DA INDÚSTRIA DE GÁS NO BRASIL E DESAFIOS ........................................................150

5.1.1 - Marco Regulatório..........................................................................................................................152 5.1.2 - Infra-estrutura de Transporte...........................................................................................................153 5.1.3 - Precificação do Gás Natural............................................................................................................154 5.1.4 - Perspectivas de aumento da participação do gás na matriz energética...............................................155

5.2 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ......................156 5.2.1 - Regime de Concessões ...................................................................................................................157 5.2.2 - Classificação dos Dutos ..................................................................................................................158 5.2.3 - Livre Acesso ..................................................................................................................................159 5.2.4 - Operação do Sistema ......................................................................................................................162 5.2.5 - Financiamento................................................................................................................................163 5.2.6 - Questão Tarifária............................................................................................................................164

5.3 - CRITÉRIOS A SEREM UTILIZADOS PARA A DEFINIÇÃO DA POLÍTICA DE TARIFAÇÃO DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NO BRASIL ..............................................................................................................................165

5.3.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados de Gás Natural no Brasil ......................................................165 5.3.2 - Adaptação às Características da Rede..............................................................................................168 5.3.3 - Incentivos à Eficiência Econômica..................................................................................................171 5.3.4 - Estímulo a Integração Energética no Cone Sul ................................................................................172

5.4 - ANÁLISE COMPARATIVA DAS POSSÍVEIS FORMAS DE TARIFAÇÃO...........................................................176 5.4.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados ............................................................................................178 5.4.2 - Adaptação às Características da Rede..............................................................................................180 5.4.3 - Estímulo à Eficiência Econômica....................................................................................................181 5.4.4 - Estímulo à Integração Energética no Cone Sul ................................................................................182 5.4.5 - Análise Comparativa ......................................................................................................................183

5.5 - PROPOSTAS PARA A POLÍTICA DE TARIFAÇÃO NO BRASIL......................................................................185 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................189

GLOSSÁRIO ...............................................................................................................................................192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................195

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INTRODUÇÃO

A indústria de gás natural no Brasil começou a se desenvolver mais largamente a partir

da década de 80, com a descoberta de reservas no Rio de Janeiro. A participação do gás na

matriz energética é reduzida, mas a perspectiva é de aumento dessa participação nos próximos

anos. Para que esse objetivo se concretize, há uma enorme necessidade de novos

investimentos na rede de transporte de gás natural, que ainda é muito incipiente no País. A

existência de elevados riscos faz com que os investimentos sejam capitaneados pela Petrobras,

que detém a maior parte da infra-estrutura de gasodutos no Brasil.

Dentro deste contexto, a definição de uma sistemática de tarifação do transporte do gás

natural é de fundamental importância para o desenvolvimento da indústria de gás natural no

Brasil e para estimular novos investimentos no segmento de transporte. Entretanto, por se

tratar de um monopólio natural, a tarifação do transporte de gás natural apresenta algumas

características específicas que devem ser consideradas na análise.

O transporte de gás natural, assim como as demais indústrias de infra-estrutura, possui

como características específicas o alto custo de implantação dos ativos, o longo prazo de

maturação dos investimentos, a existência de externalidades, a obrigação de fornecimento e a

especificidade dos ativos. Além disso, alguns segmentos dessas indústrias, como é o caso de

transporte de gás natural, são considerados monopólios naturais, ou seja, a existência de uma

só firma é o arranjo que apresenta maior eficiência produtiva. Nesse caso, se o preço é

definido da mesma forma que por concorrência perfeita, este não compensa os investimentos

realizados e, assim, o capital privado não é atraído. Por esse motivo, as condições de

funcionamento de alguns setores industriais justificam a intervenção do Estado, direta ou

indiretamente. Um das formas mais comuns de intervenção é a regulação tarifária, ou seja, o

agente regulador define os preços como forma de estimular a eficiência do sistema e diminuir

a perda de bem-estar associada ao monopólio.

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Dentre as formas de tarifação mais utilizadas, destacam-se a regulação por custo de

serviço e a regulação incentivada. O objetivo principal da regulação por custo de serviço é

remunerar os custos totais e garantir uma taxa interna de retorno ao mesmo tempo atrativa

para o investidor e justa para o consumidor. Alguns problemas derivados desse tipo de

regulação, entretanto, são a dificuldade na definição da taxa a ser utilizada para remunerar a

base de capital, o custo da regulação e os efeitos indesejados de sobreinvestimento, conhecido

como Efeito Averch-Johnson, que não estimulam a produtividade das empresas. A regulação

por incentivo, por sua vez, visa aumentar a produtividade das empresas. O price cap, por

exemplo, é um tipo de regulação no qual o regulador estabelece um preço máximo reajustado

pela inflação do período mais uma parcela relativa ao aumento de produtividade. Esse

mecanismo estimula o aumento de produtividade uma vez que a firma pode ficar com o lucro

se o aumento de produtividade for maior do que o previsto.

A definição tarifária é um aspecto muito importante da regulação do caso específico

do transporte de gás natural. O investimento inicial na construção de gasodutos é muito

elevado e o aproveitamento de economias de escala é essencial para a redução do custo médio

de transporte. Os ativos utilizados nos projetos são específicos, e, portanto, existem sunk

costs, ou seja, os gastos realizados são irreversíveis. O transporte de gás natural é

considerado, ainda, como uma indústria de rede e, portanto, além de ser um monopólio

natural, há articulação em torno da infra-estrutura e existem externalidades de rede, o que

significa que as funções de oferta e de demanda são interdependentes. Dadas as

especificidades do transporte dutoviário de gás natural, a regulação tarifária deste segmento

também apresenta algumas características específicas. Os três critérios da tarifação mais

utilizados no transporte de gás natural são a tarifação postal, a tarifação por distância e a

tarifação do tipo entrada/saída.

Na tarifação postal um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo,

independente da origem e destino do gás. Suas principais vantagens são a uniformidade

tarifária, a facilidade de uso e o nível de transparência para o regulador. Por outro lado, a

tarifação postal pode permitir que haja um subsídio cruzado entre os clientes situados perto e

longe dos pontos de produção. A utilização desse critério é mais indicada para casos de

monopólio ou em mercados mais maduros. Entretanto, para gasodutos unidirecionais e poucos

ramificados, esse tipo de tarifação pode causar efeitos perversos sobre os investimentos.

Alguns dos países que utilizam esse tipo de tarifação são a Espanha, Dinamarca, Suécia,

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Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Romênia, Bulgária e Luxemburgo, além dos hubs1 norte-

americanos.

Já na tarifação por distância, a distância é considerada no cálculo da tarifa por ser uma

aproximação dos custos variáveis de transporte do gás. Geralmente esse tipo de tarifação é

utilizado tanto em mercados em desenvolvimento, que necessitam de boa sinalização

locacional, quanto em mercados em que há concorrência. Com esse tipo de tarifação é

possível eliminar as distorções causadas por subsídios cruzados e respeitar as vantagens

comparativas das regiões produtoras. A tarifação por distância também evita soluções

irracionais de investimento por falta de sinalização locacional. Entretanto, uma tarifação

baseada exclusivamente no fator distância pode onerar demais as regiões distantes dos centros

de produção, o que pode prejudicar o desenvolvimento da rede. Bélgica, França, Alemanha e

Argentina são países que utilizam o tipo de tarifação por distância.

Por sua vez, na tarifação entry-exit, as tarifas são definidas com base na combinação

de preços de entrada e de saída do gás no sistema de transporte. Esse tipo de tarifação é

bastante flexível, pois apresenta sinais locacionais no ponto de entrada e tarifas postais no

ponto de saída. Assim, utiliza-se indiretamente um elemento de distância. A tarifação

entrada/saída é recomendada quando se utiliza o conceito de que o custo dominante é o custo

marginal de longo prazo. Além disso, essa tarifação é uma boa forma de utilização da

capacidade ociosa dos gasodutos, principalmente se o tipo de capacidade utilizado for postal,

ou seja, se o carregador tem o direito de entrar com o gás em qualquer ponto de entrada e sair

em qualquer ponto de saída. O tipo de tarifação entry-exit é utilizado na Irlanda, Reino Unido,

Holanda e Itália.

A escolha entre os diversos tipos de tarifação vai depender das características do

sistema e dos objetivos do órgão regulador. A regulação tarifária deve ser coerente com a

estrutura da indústria e com a fase de desenvolvimento na qual ela se encontra. Existem trade-

offs que devem ser trabalhados antes de se optar pela forma de tarifação a ser utilizada no

segmento. É a partir do entendimento do sistema de gasodutos e da regulação que se torna

possível determinar o melhor tipo de tarifação para os diversos países.

No Brasil, a estrutura da indústria é de oferta concentrada e política tarifária

heterogênea. Os aspectos regulatórios vigentes na indústria de gás natural brasileira foram

1 Localidade geográfica na qual um grande número de compradores e vendedores negociam o gás e o entregam

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determinados pela Lei do Petróleo em 1997, que estabeleceu o livre acesso às redes de

gasodutos, a licitação de blocos para exploração e produção de gás natural e a autorização

para as atividades de transporte, importação . O preço do gás natural vendido no Brasil é

composto de uma parcela de remuneração do produtor e outra de transporte de gás natural.

Até o final de 2001, existiam três formas distintas de tarifação de transporte de gás natural no

Brasil: a livre contratação para o gás natural de origem importada, o preço fixo do gás natural

destinado às termelétricas participantes do PPT e a tarifação do gás de origem nacional, com

um componente relacionado à distância. Essa terceira forma de tarifação, regulada pela

Portaria MME/MF 003 de 2000, foi revogada em dezembro de 2001 e, a partir de janeiro de

2002, os preços do gás de origem nacional também passaram a ser definidos por livre

negociação entre as partes, com a ANP sendo responsável pela resolução de possíveis

conflitos. O preço do gás para as térmicas, entretanto, ainda é regulado.

Por estar voltado para o petróleo e seus derivados, o marco institucional vigente

mostrou-se inadequado diante das particularidades do gás natural. As regras estabelecidas

para a Agência Nacional do Petróleo – ANP – em relação ao segmento de transporte de gás

natural mostraram-se ineficazes para a promoção da competição. No Brasil, ainda não existe

uma política clara de tarifação para o transporte de gás natural, apenas critérios de tarifação.

Tais critérios variam entre os diversos gasodutos: além dos tipos de tarifação diferentes para

os gasodutos nacionais, para o Gasoduto Bolívia-Brasil e para as termelétricas, ainda há

conflitos contratuais em relação ao livre acesso.

O objetivo central desta dissertação é analisar as formas de tarifação de transporte de

gás natural existentes na indústria mundial como premissa para verificar-se qual a melhor

política a ser adotada no caso brasileiro. Para isso é necessário investigar a coerência do atual

arcabouço regulatório do transporte de gás natural no Brasil, em particular a estrutura

tarifária. O objetivo específico deste trabalho é adequar à estrutura tarifária com vistas ao

desenvolvimento da indústria de gás no País. A partir da análise da regulação dos monopólios

naturais, das práticas regulatórias que vêm sendo adotadas por diversos países e da análise do

caso brasileiro, é possível apresentar soluções para a tarifação do transporte de gás natural no

Brasil.

A dissertação será estruturada em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão.

O primeiro Capítulo é o referencial teórico da análise e busca compreender as razões que

fisicamente nesse ponto.

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levam à necessidade do Estado intervir na economia, em especial determinando formas de

precificação. Ao se falar de precificação, existe um pressuposto de que o mercado não é capaz

de, por si só, achar um preço de equilíbrio para esse tipo de serviço. Ou seja, a forma

convencional de determinação de preços não é suficiente para entender seu funcionamento.

Portanto, deve haver a intervenção do Estado regulando os preços, principalmente em setores

estratégicos e monopólios naturais, onde há falhas de mercado, como é o caso do transporte

de gás natural. As instituições tornam-se particularmente importantes como forma de

organizar as transações. Neste capítulo, busca-se, portanto, realizar uma análise da literatura

acerca de políticas de tarifação como instrumentos de intervenção de agências reguladoras.

No segundo Capítulo, apresenta-se uma análise da literatura acerca das características

da indústria de gás natural, em especial do segmento de transporte de gás natural. O Capítulo

aborda ainda as formas de tarifação do transporte de gás natural que podem ser utilizadas

como instrumentos de intervenção de agências reguladoras.

No terceiro Capítulo, faz-se um breve resumo do desenvolvimento da IGN no Brasil,

sendo apresentadas as principais mudanças ocorridas nessa indústria até a atualidade. Aborda-

se o crescimento da indústria no País, com ênfase nas alterações no padrão de concorrência,

com a flexibilização do monopólio estatal e a criação da ANP, a partir de 1997. Este Capítulo

apresenta ainda uma análise da evolução das políticas de tarifação de transporte de gás

natural, via gasodutos, no Brasil.

O quarto Capítulo apresenta as especificidades do transporte de gás natural com

referência às metodologias existentes para a tarifação do segmento. O Capítulo também

aborda diferentes formas de precificação do transporte de gás natural adotadas em alguns

países da União Européia, além de Argentina, Colômbia e Estados Unidos.

O quinto e último Capítulo propõe critérios a serem utilizados para a definição de uma

política de tarifação de transporte de gás para o Brasil. Posteriormente, analisa-se

comparativamente as formas de tarifação, definindo as vantagens e desvantagens de cada uma

delas em relação aos critérios estabelecidos. A partir dessa análise são propostas alternativas

de formas de tarifação para o transporte de gás natural no Brasil.

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CAPÍTULO I - REGULAÇÃO E TARIFAÇÃO NAS INDÚSTRIAS DE

INFRA-ESTRUTURA

Este capítulo busca compreender algumas das razões que levam à necessidade do

Estado intervir na economia, determinando formas de precificação. Ao se falar de

precificação, existe um pressuposto de que o mercado não é capaz de, por si só, achar um

ponto de alocação eficiente para esses serviços. Ou seja, as teorias convencionais não são

suficientes para entender seu funcionamento. Portanto, deve haver a intervenção do Estado

regulando os preços, principalmente em setores estratégicos e monopólios naturais, onde há

falhas de mercado, como é o caso do transporte de gás natural.

O transporte de gás natural é uma indústria de infra-estrutura, assim como a

eletricidade, o transporte, a água e as telecomunicações. Estas indústrias são consideradas

também indústrias de rede, pois os produtores e consumidores estão ligados por uma infra-

estrutura física ou virtual. Nesse tipo de indústria, os produtos comercializados são essenciais

para a sociedade, os investimentos possuem longo prazo de maturação e existem

externalidades de rede, rendimentos crescentes de escala e escopo e complementaridades

entre os elos da cadeia. Todas essas características fizeram com que tais atividades

econômicas sofressem intervenção estatal, tanto para garantir a infra-estrutura básica

necessária para o desenvolvimento econômico, como para defender o interesse público.

Um instrumental importante para a análise da determinação convencional de preços

encontra-se nos trabalhos de Mas-Collel et al. (1995), Varian (1994) e Pindyck e Rubinfeld

(1999). No âmbito das características das indústrias de infra-estrutura, são apresentadas as

contribuições de Newbery (2000) e Trebing (1996). Apresentam-se, particularmente, as

contribuições de estudos realizados por Fiani (2003) e pela ANP (2001). As características da

regulação são baseadas nos trabalhos de Baldwin, Scott e Hood (1998). No caso das possíveis

formas de tarifação, apresentam-se principalmente os trabalhos de Viscusi, Vernon e

Harrington Jr. (1995), Laffont e Tirole (1993), Berg e Tschirhart (1988), Armstrong e

Sappington (2003), Mansell e Church (1995), Cave e Doyle (1994) e Pinto Jr. e Silveira

(1999).

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1.1 - O Modelo Convencional de Determinação de Preços

Para entender a necessidade de regulação é importante analisar os motivos que

impedem, em determinados casos, a alocação eficiente dos recursos apenas com as forças

atuantes no mercado. Nessa seção será feita uma rápida revisão da determinação de preços

em concorrência perfeita e em monopólio, pois estes conceitos serão utilizados no decorrer

deste capítulo.

1.1.1 - Concorrência Perfeita

Um mercado em concorrência perfeita é caracterizado por um número elevado de

compradores e vendedores negociando produtos homogêneos, de tal forma que os

compradores não se importam de quem comprarão o produto, contanto que os preços sejam os

mesmos. Nesse mercado, os vendedores são tomadores de preço, ou seja, as decisões

individuais de cada vendedor não afetam as decisões dos demais. Além disso, todos os

participantes do mercado possuem perfeito conhecimento sobre os preços, produtos e outras

informações do mercado (HOVENKAMP, 1999).

No mercado competitivo, sendo p* o preço do bem, dado pelo mercado, q a

quantidade produzida e c (q) a função de custos, a condição de maximização de lucros é dada

por (MAS-COLLEL et al., 1995, p.317):

Max p*.q – c (q)

q � 0

A solução desse problema implica pc = c’(qc), ou seja, em concorrência perfeita, os

lucros são maximizados com o preço igual ao custo marginal. Em concorrência, as empresas

terão sua rentabilidade máxima se praticarem os melhores preços possíveis, que são iguais aos

custos marginais e iguais aos custos médios. Nesse caso, o ótimo social e o ótimo econômico

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coincidem, ou seja, a minimização dos custos e a maximização do bem-estar estão exatamente

no mesmo ponto. Mas, para que o ótimo seja atingido, o custo marginal deve refletir todos os

custos sociais envolvidos na produção. Um dos princípios da regulação é justamente tentar

aproximar as tarifas dos custos marginais.

A eficiência ocorre, nesse caso, pois o custo social de produzir mais uma unidade de

produto é igual ao valor que a sociedade está disposta a pagar por essa mesma unidade

adicional. Esse tipo de eficiência alocativa é uma eficiência paretiana, ou seja, para que um

agente aumente seu nível de bem-estar, o outro agente terá seu nível de bem-estar diminuído

(ERSE, 2004).

1.1.2 - Monopólios

O problema de maximização para um monopolista consiste na determinação de um

preço p que maximize seus lucros. Sendo a demanda inversa do bem dada por p (q) e a função

custo dada por c (q), esse problema consiste em maximizar a receita total menos o custo total,

da seguinte maneira (MAS-COLLEL et al., 1995, p.385):

Max p (q).q – c (q)

q � 0

A solução deste problema mostra que o nível de receita marginal do monopolista

deverá ser igual aos seus custos marginais. Sendo qm a quantidade a ser produzida pelo

monopolista, tem-se:

p’(qm) qm + p (qm) = c’(qm)

Como p’(qm) < 0, para todo q � 0, então p (qm) > c’(qm), ou seja, nas condições de

monopólio, a maximização do lucro não ocorre no ponto em que os preços são iguais aos

custos marginais, mas em um nível superior. Da mesma forma, a quantidade ótima a ser

produzida pelo monopolista qm será menor do que a quantidade ótima competitiva qc.

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Com preços maiores e quantidade produzida menor, a existência de monopólios causa

uma perda de bem-estar para a sociedade, uma vez que o ganho do monopolista, nesse caso, é

menor do que a perda dos consumidores. Isso ocorre porque, ao cobrar mais caro, alguns

consumidores deixam de comprar o bem e essa perda não será compensada, diferentemente da

perda dos consumidores que pagarão mais caro, que será transformada em ganho para o

produtor. Essa perda de bem-estar é também chamada de peso morto (deadweight loss) do

monopólio e pode ser observada a seguir:

Gráfico 1 - Perda de Bem-Estar gerada pelo monopólio

Fonte: Adaptado de Mas-Collel et al, 1995, p. 386

A quantidade produzida pelo monopolista (qm) é determinada pela intersecção das

curvas de custo marginal (c’(q)) e de receita marginal (p(q) + p’(q)q). A partir da

determinação da quantidade, o preço de monopólio (pm) é calculado pela curva de demanda

inversa (p(q)).

A área A representa o ganho do excedente do produtor, ou seja, a diferença entre o que

o produtor estava disposto a receber e o que efetivamente recebeu. A área C, por outro lado,

representa uma perda de excedente do produtor pela diminuição do número de compradores.

Assim, a variação total no excedente do produtor é dada pela diferença entre as áreas A e C. A

Peso Morto do Monopólio

pm = p(qm)

qm qc

p(q)

q

p(q) + p’(q)q

c’(q)

p c

A B

C

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soma das áreas A e B representam, por sua vez, a perda do excedente do consumidor, que é a

diferença entre o valor máximo que o consumidor está disposto a pagar para adquirir o bem e

o que efetivamente pagou por esse bem. A variação do bem-estar é medida como a soma das

variações do excedente do consumidor (– A – B) e do excedente do produtor (A – C).

Portanto, a variação do bem-estar é de – (B + C), representado pela área hachurada no gráfico

(VARIAN, 1994).

No caso do monopólio, em geral, os preços iguais aos custos marginais não são

suficientes para a firma obter a receita necessária para seu equilíbrio econômico-financeiro.

Nesse caso, o papel do regulador não será a definição de tarifas baseadas nos custos

marginais, mas orientadas pela estrutura desses custos marginais, de forma que seja possível

transmitir os sinais preços adequados (ERSE, 2004).

Embora a competição perfeita e o monopólio puro não sejam comuns na prática, esses

modelos são úteis para se discutir a questão da eficiência alocativa, do bem-estar e do poder

de mercado das empresas (PINDYCK e RUBINFELD, 1999). A seguir, serão apresentadas

algumas características das indústrias de infra-estrutura que as tornam diferentes dos demais

setores da economia, sendo necessário, portanto, algum tipo de intervenção estatal.

1.2 - Características das Indústrias de Infra-estrutura e a Necessidade de

Regulação

As formas de organização das transações econômicas costumam ser bem mais

complexas do que pressupõe o enfoque econômico convencional, em especial quando se trata

de grandes investimentos. Tradicionalmente, a coordenação dos agentes é dada no mercado,

por meio do sistema de preços. Porém, em muitos casos, o mercado não consegue atingir, por

si só, uma alocação eficiente dos recursos. Isso acontece porque em alguns setores da

economia existem características diferentes dos demais setores, as chamadas falhas de

mercado. As falhas de mercado são situações que impedem que ocorra o ótimo paretiano. Ou

seja, são violações no sistema de livre concorrência.

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Uma das particularidades das indústrias de infra-estrutura é o fato de seus ativos

serem indivisíveis, ou seja, eles só são eficientes se forem construídos como um todo. O custo

de implantação dos ativos de infra-estrutura costuma ser muito elevado e o prazo de

maturação desses investimentos muito longo. Em contrapartida, uma vez realizados os

investimentos, os custos marginais de fornecimento do serviço são muito baixos. A existência

de economias de escala é, portanto, característica da maioria dos setores de infra-estrutura

(ANP, 2001).

Uma empresa possui economias de escala se o custo médio é reduzido quando a

produção é elevada, ou seja, se as quantidades de todos os fatores aumentam na mesma

proporção, haverá declínio nos custos unitários. Geralmente as empresas apresentam curvas

de custos médios com duas características: um segmento decrescente, que representa a

economia de escala, e a existência de uma Escala Mínima Eficiente, onde as economias de

escala se esgotam (IOOTTY e SZAPIRO, 2002). Entretanto, os setores de infra-estrutura de

uma maneira geral possuem uma característica distinta dos demais setores: nessas indústrias,

as economias de escala nunca se tornam decrescentes. Por esse motivo, a presença de uma

única empresa é justificada. Além disso, a elevada Escala Mínima Eficiente da indústria

também faz com que apenas uma empresa opere com eficiência. Portanto, tais setores são

denominados monopólios naturais, ou seja, existe uma subativividade dos custos de produção

de tal forma que nenhuma combinação de firmas pode, coletivamente, ter custos menores que

um monopolista (BERG e TSCHIRHART, 1988). A subaditividade pode ser ilustrada usando

funções de custo. Supondo C(y) a função de custo de uma única firma na indústria e C(yi) a

função custo da i-ésima firma em uma configuração multi-firma da indústria, haverá

subaditividade de custos se (GORDON, GUNSCH e PAWLUK, 2003, p. 475):

C(y) < � C(yi)

Se os custos médios da empresa forem decrescentes em toda a amplitude de produção

possível, chamada de escala relevante de produção, então o monopólio natural em questão é

considerado permanente. Entretanto, o monopólio natural pode ser temporário, ou seja, à

medida que a demanda se expande, deixa de ser um monopólio natural.

Laffont e Tirole (1993) apontam que, no caso dos monopólios naturais, o preço

definido com base na eficiência alocativa, isto é, preço igual ao custo marginal, traz prejuízos

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à firma porque remunera apenas os custos marginais, em detrimento da eficiência produtiva.

Com o preço estabelecido como na situação de concorrência perfeita, os preços não

compensam os investimentos realizados e, assim, o capital privado não é atraído. O gráfico a

seguir ilustra esta condição:

Gráfico 2 - Situação de Monopólio Natural

Fonte: Adaptado de Varian (1994)

Embora a quantidade qc seja eficiente, ela não será lucrativa para a firma, pois a

interseção da curva de demanda p(q) com a curva de custo marginal c’(q) encontra-se abaixo

da curva de custo médio CMe. Por esse motivo, o regulador não deverá fixar o preço no

patamar dos custos marginais (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999). Por outro lado, se a empresa

cobrasse o preço que maximiza seus lucros, haveria lucro extraordinário. A definição tarifária

é particularmente importante na resolução dessa questão.

Em relação às firmas multiprodutos, apenas a existência de economias de escalas não é

suficiente para a subaditividade de custos. Evans e Heckman (apud GORDON, GUNSCH E

PAWLUK, 2003, p. 477) mostram que, para o caso de dois produtos, y1 e y2, com n firmas e

com a seguinte configuração:

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C (y1 , y2) < � C(ai y1 , bi y2), ai � 0 , bi � 0, i = 1, ... ,n i Então existirá subaditividade de custos e, portanto, haverá monopólio natural.

Entretanto, se �ai = �bi = 1, a combinação de produtos das firmas individuais será igual ao

produto do monopolista e, se a inequação for revertida, existirá superaditividade de custos

(GORDON, GUNSCH e PAWLUK, 2003). No caso das firmas multiproduto, portanto, a

presença de economia de escala não é suficiente para gerar a subaditividade de custos, e a

economia de escopo passa a ser importante (PINTO JR. e FIANI, 2002). A economia de

escopo ocorre quando o custo de produção conjunta de a e b é menor do que o custo de

produzir a e b separadamente, ou seja, C (qa,qb) < C(qa,0) + C(0,qb) (IOOTTY e SZAPIRO,

2002, p.61).

As indústrias de rede são um tipo especial de monopólio natural. Nesse tipo de

indústria, existe um padrão de interconexão e compatibilidade entre unidades produtivas e tal

interconexão é requisito básico para a operação eficaz dessas unidades produtivas (BRITTO,

2002). As indústrias de infra-estrutura, de uma maneira geral, são consideradas indústrias de

rede. As características principais das indústrias de rede são a economia de escala, a

articulação em torno da infra-estrutura e a existência de externalidades de rede (PINTO JR. e

FIANI, 2002). Além da economia de escala, Farrer (apud NEWBERY, 2000, p. 28) apresenta

outras características dos monopólios naturais para o caso dos serviços de rede: intensividade

de capital; impossibilidade de formação de estoque; especificidade locacional; produção de

serviços essenciais para a comunidade; e conexão direta com os clientes.

A presença de externalidades significa que as ações de um agente interferem

economicamente nas ações dos demais. Para o caso de externalidades positivas, significa que

os benefícios sociais associados a esses serviços são maiores do que os benefícios privados.

Assim, as empresas não se apropriam de todos os benefícios que geram e, portanto, não se

interessam em produzir, exceto para aproveitar-se da situação de monopolista, cobrando

preços elevados (ANP, 2001).

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A externalidade de rede significa que existe interdependência entre as funções de

oferta dos produtores e de função demanda dos consumidores2. A associação entre as funções

demanda significa que a demanda de um consumidor produz externalidades positivas para os

demais consumidores por haver complementaridade entre os produtos e necessidade de

padrões tecnológicos compatíveis. Isso significa que, quanto maior o número de

consumidores conectados à rede, haverá maior estandardização e maior oferta de produtos

complementares.

Por outro lado, a associação entre as funções de oferta está relacionada ao fato de que

a decisão de oferta de um produtor pode afetar a capacidade de oferta dos demais, dado que os

produtores estão interligados em uma mesma infra-estrutura. Quando um produtor opta por

aumentar a produção, a rede pode ficar congestionada, diminuindo a capacidade de oferta dos

demais. Por esse motivo, a coordenação da operação da rede é importante para contornar os

possíveis problemas relacionados à interdependência das funções oferta.

A questão da externalidade de rede está associada ao fato que o benefício de um

usuário depende do número de usuários conectados à rede. As externalidades levam a falhas

de mercado porque o nível de interconexão pode não ser o adequado, tornando o sistema

ineficiente. A elevada economia de escala associada ao fato da conexão direta com o

consumidor e a falta de concorrência faz com que o poder de fixação de preço do fornecedor

seja muito elevado (NEWBERY, 2000).

A questão das elevadas barreiras à entrada é também importante para esses setores. A

primeira empresa a se instalar na indústria, além de ser monopolista, não será contestada por

outras empresas por causa da subaditividade de custos, da elevada Escala Mínima Eficiente e

da presença de sunk costs (TREBING, 1996). Em relação à externalidade de rede, essa

situação é ainda mais favorável, pois o consumidor não desejará substituir uma rede com

muitos usuários conectados por outra menor (ANP, 2001).

Outra característica dos setores de infra-estrutura é a presença de economias de

aprendizado, que são também consideradas especificidades de recursos humanos. Essa

característica está relacionada à questão de transferência tecnológica e da experiência de

produção acumulada com o tempo. O aprendizado está relacionado também ao conceito de

lock in, ou trancamento tecnológico, que significa que a especificidade dos investimentos, os

2 A interdependência entre os produtores e consumidores está associada à própria infra-estrutura em rede, como

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custos de mudança e a experiência adquirida chegam a um determinado nível que as opções

tornam-se quase irreversíveis. A empresa que implantar a infra-estrutura, nesse caso, terá

maior experiência nas atividades especializadas e menores custos de operação do que as

demais (ANP, 2001).

Considerando o exposto sobre as indústrias de infra-estrutura, as condições de

funcionamento de alguns setores industriais justificam a intervenção do Estado, direta ou

indiretamente. Tais setores, por serem monopólios naturais, possuírem projetos com longo

prazo de maturação, terem obrigação de fornecimento, especificidade dos ativos e custos

irrecuperáveis, além de apresentarem externalidades positivas, costumam apresentar uma

elevada concentração e dominância de mercado, o que incentiva estratégias anticompetitivas

(TREBING, 1996). Tais características fazem com que esses setores necessitem da

intervenção governamental para estimular a competição, aproximar a taxa de retorno privada

da social, estimular o volume de investimento e para garantir a oferta desses serviços em

quantidade e qualidade satisfatória.

Nos Estados Unidos, a forma escolhida de intervenção estatal nesses setores foi

indireta, por meio de concessões das atividades para empresas privadas e um aparato

regulador responsável por evitar condutas desses agentes que pudessem prejudicar os

consumidores. Já no caso europeu, a opção foi a intervenção direta do Estado, por meio de

empresas estatais, assim como ocorreu no Brasil até a década de 90, quando se iniciou um

movimento de reestruturação dessas indústrias, com tentativas de introdução da concorrência

a criação de agências reguladoras nos moldes americanos.

A seguir serão apresentadas, brevemente, algumas características da regulação e de

seus principais instrumentos regulatórios. No âmbito desse instrumental, será dada maior

ênfase à definição tarifária, que é o objeto de estudo desta dissertação.

cabos e gasodutos. Todos os consumidores e produtores estão conectados à mesma rede.

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1.3 - Regulação

Existem muitos significados para o termo regulação. Baldwin, Scott e Hood (1998)

apresentam três dessas definições. A primeira delas diz respeito à promulgação de regras

autoritárias acompanhadas de uma agência reguladora para monitorar e promover o

cumprimento dessas regras. O segundo significado, encontrado na literatura de economia

política, diz respeito aos esforços das agências do Estado em dirigir a economia, incluindo

impostos e empresas estatais. Uma terceira definição inclui todos os mecanismos de controle

social como formas de regulação, inclusive mecanismos que não são produtos da atividade do

Estado, nem de nenhuma instituição, como é o caso do desenvolvimento de normas sociais.

Fiani (1999, p.2) apresenta os agentes envolvidos em um esquema de regulação de

monopólios: (i) a firma regulada, no caso, um monopólio natural ou a firma com maior poder

de mercado; (ii) a estrutura institucional, composta pela instituição responsável pela atividade

regulatória e todas as instituições capazes de interferir nas atividades da firma regulada; (iii)

os fornecedores da firma regulada; (iv) os usuários, tanto consumidores como empresas; (v)

os competidores, existentes e potenciais, da firma regulada; e (vi) o mercado externo, que

engloba as exportações. A relação entre esses agentes pode ocorrer sempre ou apenas

ocasionalmente3.

Existem basicamente três abordagens de regulação: as comissões regulatórias, a

legislação detalhada e a lei contratual. As comissões regulatórias são mais comumente

utilizadas nos EUA. Tais comissões possuem um grande poder discricionário e afetam a

lucratividade das firmas, sendo necessário, portanto, um Judiciário forte para contrabalançar

esse poder. Na tradição regulatória norte-americana, existem instituições independentes

3 No que tange relação entre a firma regulada e a estrutura institucional, Fiani (1999) apresenta três questões importantes: o ambiente político onde se processa a regulação; a possibilidade de captura da entidade reguladora pela firma regulada ou pelo governo; e o tipo de empresa, estatal ou privada, que é mais adequada para ser regulada. Alguns dos principais problemas regulatórios surgem exatamente dessa relação, como será visto posteriormente, na seção 1.3.2. Já na relação da estrutura institucional com os fornecedores e usuários, a questão central está relacionada ao poder de pressão desses agentes, pois quanto maior esse poder, maior a influência sobre a estrutura para aumento de seu bem-estar. Nesse aspecto, as questões do tamanho do grupo, dos recursos utilizado e do free rider são importantes: quanto menor o grupo, maiores os recursos e menor a possibilidade de existência de free rider, maior poder de pressão o grupo terá. Portanto, os usuários, por serem heterogêneos e em grande número, possuem menor poder do que os fornecedores, que agem cooperativamente com a firma regulada. Além de

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especializadas que exercem simultaneamente funções legislativas, administrativas e quasi-

judiciais, que reforçam o poder decisório dos órgãos reguladores norte-americanos.

Uma segunda abordagem é a legislação detalhada, que busca prever os problemas que

possam eventualmente surgir e como o regulador deverá agir. Nesse caso, o poder

discricionário do regulador é menor, representando, por um lado, menor risco regulatório e,

por outro, maior flexibilidade para enfrentar situações não previstas. Já a lei contratual diz

respeito às concessões e as regras que são estipuladas em contrato e não por meio de

legislação. O papel do regulador, nesse caso, é supervisionar esses contratos (MUELLER,

1998).

1.3.1 - Objetivos da Regulação

Mueller (1998, p. 12) apresenta dez objetivos do processo regulatório: (i) garantir

preços baixos para os consumidores; (ii) assegurar receita que permita obter um lucro

razoável para a firma; (iii) incentivar o desenvolvimento da infra-estrutura; (iv) garantir a

universalidade dos serviços; (v) atingir a eficiência econômica; (vi) manter o ritmo de

inovação tecnológica; (vii) garantir a confiabilidade do serviço; (viii) introduzir um processo

regulatório estável; (ix) buscar a aceitação pública das decisões regulatórias; e (x) estimular à

competição.

Possas, Pondé e Fagundes (1997, p. 86), entretanto, alertam que “o objetivo central da

regulação econômica não é promover a concorrência como um fim em si mesmo, mas

aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados correspondentes”. Para o caso de

monopólios naturais, o objetivo principal da regulação é tentar corrigir as falhas de mercado e

buscar a eficiência econômica, impedindo, por exemplo, a prática de preços de monopólio,

que geram perda de bem-estar para a sociedade. O Estado deve defender o interesse público,

intervindo onde as forças competitivas são frágeis (BAUMOL e SIDACK, 1995).

A regulação pode, além de arbitrar problemas alocativos, atuar em questões

distributivas, ou seja, de acordo com a forma de regulação a ser utilizada, o regulador pode

transferir renda entre os agentes envolvidos, diminuindo o excedente do produtor. A

eficiência distributiva está relacionada à capacidade de redução das rendas de monopólio

conhecer a pressão de cada um desses grupos, é importante entender a interação e o conflito entre eles, uma

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pelos agentes individuais por meio da introdução da concorrência e de leis que diminuam seu

poder de mercado. Nesse sentido, a regulação não é somente capaz de resolver questões

relacionadas à eficiência alocativa e à eficiência produtiva, mas também atuar visando à

eficiência distributiva.

1.3.2 - Problemas Regulatórios

A visão normativa tradicional da Economia do Bem-Estar afirma que quando há um

número suficiente de mercados, com os consumidores e produtores comportando-se

competitivamente, então, se houver um equilíbrio, a alocação de recursos será ótima no

sentido paretiano. Essa teoria estabelece que quando existem falhas de mercado, ou seja,

quando as características da indústria impedem que o mercado atinja espontaneamente o

ótimo, então deve haver regulação como forma do Estado estabelecer o ótimo de Pareto por

meio do controle de preços. Essa análise não envolve questões relativas à capacidade do

Estado regular, apenas afirma que deve haver regulação na presença de falhas de mercado. As

visões positivas da economia industrial e institucionalista diferem dessa visão pois analisam a

capacidade do Estado de atuar regulando as firmas.

Alguns dos principais problemas associados à regulação estão relacionados à

assimetria de informação entre a firma regulada e o regulador. Enquanto a firma regulada tem

informações completas sobre suas atividades, a agência reguladora não as detém, embora

necessite delas para conseguir que a firma regulada aja de maneira eficiente. A busca de

informações, entretanto, é freqüentemente onerosa e pode levar à chamada captura do

regulador (PINTO JR. e PIRES, 2000).

De acordo com a Teoria da Captura, a regulação tende a defender mais os interesses

das firmas do que o dos consumidores pois as firmas possuem maior capacidade de

organização de seus grupos de interesse4. Uma visão mais simplificada dessa teoria acredita

que o Estado é sempre passível de captura e que, portanto, deveria se ausentar da regulação.

Entretanto, no caso das indústrias de rede, como há grande renda de monopólio, existe a

tendência de mobilização dos consumidores em grandes grupos de interesse e, portanto, há

vez que os usuários finais se preocupam com preço e qualidade e os fornecedores com rentabilidade. 4 Grupos de interesse são aqueles estabelecidos com o objetivo de prover bens coletivos e públicos a seus membros. A regulação seria uma resposta à pressão desses grupos para maximização de renda. Dessa forma, a

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pressões para a regulação de preços (STIGLER, 1971). De uma maneira geral, a possibilidade

de captura do órgão regulador pode ser vista como uma perda de credibilidade da agência

reguladora em seu papel de árbitro de conflitos, diminuindo a eficácia da regulação (PINTO

JR. e PIRES, 2000).

No âmbito dessa visão positiva da economia industrial, os grupos de interesse se

formam com o objetivo de apropriação de rendas. Nesse sentido, a regulação possui um custo

associado elevado, resultante do emprego dos recursos dos grupos de interesse na defesa de

suas posições. Estes recursos são desviados do sistema produtivo e, por isso, comumente

chamados de peso morto da regulação. Assim, se a diminuição do peso morto do monopólio

for menor do que o da regulação, esta pode piorar o bem-estar social.

Já na visão da economia institucionalista, os problemas das externalidades e dos

monopólios naturais podem não ser resolvidos com a regulação se os custos de transação5

envolvidos nela forem elevados. Nessa visão, a decisão acerca da melhor forma de

coordenação, mercado ou regulação, envolve a comparação desses custos.

A assimetria de informação leva a comportamentos oportunistas, principalmente a

seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa é resultado do custo de acesso à

informação e derivada do diferencial de riscos entre os agentes. Como existe assimetria de

informação, a seleção do produto pode ser ineficiente. A seleção adversa decorre de

assimetrias de informação pré-contratuais e, portanto, os mecanismos básicos para minimizá-

la estão relacionados à tentativa de melhorar a qualidade e o fluxo de informações (PINTO

JR. e PIRES, 2000).

Já o risco moral, ou moral hazard, ocorre quando a ação propriamente dita do agente

não é conhecida. Esse tipo de oportunismo ocorre após a elaboração do contrato e, como

forma de minimizar esses riscos, são propostos, entre outros, o monitoramento dos contratos

por um agente independente ou a criação de incentivos para comportamentos positivos

(PINTO JR. e PIRES, 2000).

regulação tende a beneficiar grupos de interesse com maior capacidade de organização, como é o caso das firmas. 5 Os Custos de Transação incluem os custos ex-ante de coleta de informação sobre preços, condições de venda e sobre as características do produto (Coase, 1937), e os custos ex-post de monitorar as transações e de adaptar as transações às novas condições (Williamson, 1975 e 1985). A existência dos custos de transação faz com que as empresas substituam o mecanismo de mercado pela alocação de fatores em seu interior.

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A existência de restrições na formulação de contratos é, portanto, fonte de alguns

problemas regulatórios. Não existem contratos capazes de prever todas as possíveis

contingências. A incompletude contratual leva à necessidade de monitoramento e controle,

envolvendo custos significativos.

A relação agente-principal também está relacionada à questão da assimetria de

informações. Enquanto o agente dispõe de muitas informações sobre sua ação, o principal não

pode observar diretamente todas essas ações, ou por impossibilidade ou pelo alto custo do

monitoramento, e só consegue perceber os resultados dessas ações. Tanto o principal quanto o

agente buscam maximizar suas utilidades, entretanto, como o principal não pode monitorar o

agente, as decisões tomadas pelo agente interferem no bem-estar de ambos. O agente

regulador, que é o principal, estabelece incentivos para que a firma regulada tome decisões

que satisfaçam os objetivos do principal. Este problema não é fácil, dado que os objetivos de

agentes e principais são normalmente divergentes.

1.3.3 - Instrumentos Regulatórios

Embora a definição de tarifas seja o instrumento regulatório mais discutido, existem

outras formas de intervenção das agências reguladoras no funcionamento das indústrias de

infra-estrutura. Tais instrumentos, conforme apresentados por Pinto Jr. e Silveira (1999a, p. 6)

são o controle de preços, que é uma forma de evitar que as empresas fixem preços abusivos; a

interferência nas condições de entrada e saída nos mercados, por meio de barreiras

institucionais; e o controle da qualidade do serviço prestado. O órgão regulador pode, ainda,

controlar a quantidade ofertada, independentemente da regulação de tarifas.

A definição tarifária é o principal instrumento regulatório. Por meio da determinação

de preços, o agente regulador pode distribuir o excedente gerado pelo monopólio natural. Ao

mesmo tempo em que a definição tarifária busca preservar o interesse dos consumidores

impedindo a cobrança de tarifas abusivas, o regulador deve ter em mente a preservação da

rentabilidade dos investidores. Na próxima seção serão apresentadas as principais formas de

definição tarifária.

A regulação também pode ser estabelecida mediante a concessão de exclusividade de

mercado a monopólios privados ou estatais. O regulador pode optar por criar barreiras

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institucionais à entrada, de forma a evitar a entrada de novas firmas e garantir a rentabilidade

dos investimentos realizados. O controle de entrada e saída está, portanto, relacionado à

manutenção da eficiência da indústria, dadas sua característica de monopólio natural.

Quando, por outro lado, existe a intenção de incentivar a entrada de novas firmas no

mercado, outra forma de regulação é necessária: a regulação do acesso. Esse tipo de

regulação busca garantir a igualdade de acesso dos entrantes à infra-estrutura existente. Para

isso, é necessário regulamentar o preço de conexão à rede e separar as atividades do

monopólio.

A regulação por qualidade está relacionada à questão da confiabilidade do serviço

prestado e também ao fato de que as informações são assimétricas, pois o consumidor não

possui informações acerca dos atributos críticos do bem ou serviço que está sendo adquirido.

A partir do momento que se regula preços é possível que os agentes desejem, em

contrapartida, diminuir a qualidade dos serviços prestados. Por esse motivo, o órgão regulador

deve estipular padrões mínimos de qualidade e fiscalizar estes padrões. Esse tipo de

regulação, entretanto, é bastante complexa, dadas as dificuldades de fiscalização.

1.4 - Tarifação como Instrumento Regulatório

Um dos mecanismos possíveis para a regulação atingir seus objetivos é a definição

tarifária, que deve garantir, ao mesmo tempo, a rentabilidade do investidor e o bem-estar do

consumidor. As tarifas devem assegurar, simultaneamente, preços baixos e elevados níveis de

produção e, ainda, resolver as tensões entre a eficiência alocativa, que é a geração de maior

renda agregada possível derivada do maior número de transações possíveis; a eficiência

distributiva, que é a redução da apropriação do excedente pelo investidor; e a eficiência

produtiva, que é a utilização da capacidade com máximo rendimento e menor custo. Além

disso, a tarifação deve introduzir mecanismos de indução à eficiência dinâmica, processo pelo

qual há diminuição de custos e melhora na qualidade por meio de inovações.

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De uma forma geral, a definição de tarifas deve seguir alguns princípios para que sua

implantação não seja dificultada. Além da questão da manutenção da rentabilidade do

investidor e da eficiência, outros fatores, como a não discriminação dos usuários, a

simplicidade, transparência e estabilidade das regras são também muito importantes.

A regulação das indústrias de rede se estabeleceu, historicamente, por meio da

concessão da exclusividade do mercado para monopólios públicos ou estatais ou por meio do

controle de preços, no qual se estabeleciam preços pelo critério de custo de serviço.

Entretanto, a partir do choque do petróleo, com o aumento dos preços da energia juntamente

com inflação e estagnação da economia, essa forma de tarifação passou a apresentar alguns

problemas, causando pressões para sua substituição. As críticas à regulação por taxa de

retorno deram origem ao desenvolvimento de novas formas de regulação, em especial a

regulação por incentivo. A regulação por custo de serviço e a regulação por incentivo serão

apresentadas a seguir.

1.4.1 - Regulação por Custo de Serviço

Para o caso de monopólios naturais, geralmente se utiliza a tarifação por custo serviço,

que tem como objetivo principal remunerar os custos totais e, ainda, garantir uma taxa interna

de retorno que seja atrativa para o investidor e justa por parte do regulador. Por essa razão, a

regulação por custo de serviço é também denominada regulação por taxa de retorno. O

processo de tarifação por custo de serviço pode ser expresso da seguinte forma (VISCUSI,

VERNON e HARRINGTON JR., 1995):

n

� pi qi = custos + s (TB)

i =1

onde: pi = preços do i-ésimo serviço

qi= quantidade do i-ésimo serviço

n = número de serviços

s = taxa de retorno permitida ou justa

TB = taxa base, uma medida do valor do investimento da firma regulada

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O objetivo, portanto, é aproximar a receita da empresa de seus custos, de maneira que

o lucro econômico seja igual a zero. Nessa equação, não são requeridos preços

economicamente eficientes, mas preços que cubram os custos totais. Viscusi, Vernon e

Harrington Jr. (1995) apontam que, na discussão acerca da regulação de monopólios naturais,

existem dois problemas: o problema do nível da taxa de retorno, relacionado com a busca de

um ‘s’ tal que proporcione à empresa um nível apropriado de ganhos sobre o investimento; e

o problema da estrutura dessa taxa, relacionado com a discriminação de preços entre as

classes de consumidores e produtos, ou seja, a determinação de ‘pi’.

O nível da taxa de retorno é definido pelo regulador depois de uma negociação com o

prestador do serviço. Ao se determinar a taxa de retorno, indiretamente se determina as tarifas

e preços e como serão feitos os reajustes. Tais revisões são feitas periodicamente e sempre

que o regulador aceitar o pedido da empresa regulada que teve seus custos aumentados. Pinto

Jr. e Fiani (2002) atentam para o fato de que, embora o nível de taxa de retorno mais

adequado seja igual ao custo de levantar o capital da empresa, a determinação desse custo de

capital é bastante complexa, principalmente dos custos de capital de suas ações ordinárias.

Existe, ainda, uma grande dificuldade em se determinar a base de capital. De uma

maneira geral, essa base é representada pelos “custos históricos”, que são os investimentos

efetivamente realizados no passado. Porém, a depreciação dos ativos diminui o valor da base

e, conseqüentemente, da tarifa. Da mesma forma, investimentos em novas instalações

aumentarão a base sobre a qual é calculada a tarifa.

Uma outra questão importante da tarifação por custo de serviço é a taxa de

remuneração da base de capital. Um conceito utilizado comumente é o Custo Médio

Ponderado de Capital (CMPC - WACC), que utiliza uma proporção entre o capital próprio e o

de terceiros. A determinação do capital próprio necessária para o modelo pode ser realizada

pelos métodos de Capital Asset Pricing Model (CAPM), Discounted Cash Flow (DCF),

rendimentos comparáveis ou prêmio de risco6.

A determinação de custo variável, que está incluída na variável ‘custos’ é também

complexa, por depender do conhecimento do processo produtivo e da contabilidade da

empresa. A dificuldade da determinação da receita está relacionada ao fato que a

determinação dos preços causa impactos na demanda e, portanto, na própria receita. Para

6 Em Motta e Caloba (2002) os modelos CMPC e CAPM são apresentados em detalhes

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calcular a receita, portanto, é necessário conhecer o comportamento da demanda (PINTO JR.

e FIANI, 2002).

Alguns dos problemas associados à regulação por taxa de retorno estão relacionados à

assimetria de informações, que dificulta a avaliação dos custos da firma; a definição sobre

qual taxa de retorno será utilizada; e a forma de definição dos custos, pela controvérsia

existente entre os custos históricos ou os custos de produção (POSSAS, PONDÉ e

FAGUNDES, 1997).

A regulação por taxa de retorno pode criar distorções ou incentivos perversos. Um

desses efeitos é conhecido como Efeito Averch-Johnson7 e, basicamente, mostra que, como os

lucros variam diretamente com a taxa base (capital), a firma tenderá a substituir insumos por

mais capital. Nesse caso, há uma ineficiência alocativa, pois o agente usa um volume de

capital excessivo em relação a seu custo para a sociedade8 (VISCUSI, VERNON e

HARRINGTON JR., 1995).

A tarifação por custo de serviço possui algumas variações para que os custos

regulatórios possam ser minimizados e a eficiência maximizada. Uma dessas versões é a

Escala Móvel de Preço (Sliding Scale Plan), também chamada de lucro ou benefício

compartilhado, pois consiste na divisão, entre produtores e consumidores, da diferença da taxa

de retorno desejada9. Quando as taxas de retorno forem menores do que um mínimo pré-

estabelecido, o prejuízo é compartilhado com os consumidores da mesma forma que os lucros,

quando essa taxa atingir um patamar maior do que a taxa máxima definida. Esse mecanismo

tem como objetivo incentivar o aumento da produtividade, e, quando isso ocorre, os

consumidores são também beneficiados (VISCUSI, VERNON e HARRINGTON JR., 1995).

Como visto, a tarifação por custo de serviço apresenta alguns problemas como o alto

custo regulatório e o baixo incentivo ao aumento de produtividade. A complexidade da

implantação desse método o torna mais eficaz quando as condições de custo e demanda não

variam excessivamente ao longo do tempo. Se isso não ocorre, ou seja, se há constantes

mudanças nessas variáveis, esse tipo de tarifação não cumpre seus objetivos com facilidade

7 O Efeito Averch-Johnson é apresentado em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 388 e 389). 8 De acordo com Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995), o Efeito Averch-Johnson não foi comprovado empiricamente e, ainda que fosse comprovado, não haveria problemas graves, dado que, quanto maior o volume de capital investido, maior a chance de ter uma estrutura moderna. Além disso, o maior volume de capital ajuda a expandir fisicamente a rede e, ainda que não comumente, possibilita um aumento na qualidade do serviço. 9 O cálculo da taxa de retorno baseado na Escala Móvel de Preços pode ser consultado em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 385).

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(PINTO JR. e FIANI, 2002, p. 521). Os problemas da regulação por taxa de retorno são,

portanto, assimetria de informações entre firma regulada e órgão regulador (PINTO JR. e

SILVEIRA, 1999b); e a ausência de estímulo dos agentes para a redução de custos, pois eles

podem ser repassados para os consumidores finais.

1.4.2 - Regulação por Incentivo

A ineficiência produtiva da regulação por taxa de retorno estimulou a criação de outra

forma importante de tarifação: a regulação por incentivo, que objetiva primariamente

aumentar a eficiência da firma regulada concedendo alguns direitos às firmas. Com esse

mecanismo, a firma tem incentivo para reduzir custos porque não haverá, necessariamente,

repasse para os preços. Duas das formas de regulação por incentivo são a regulação de preço,

que inclui o price cap; e a regulação por padrão de comparação, como é o caso da yardstick

competition. Esses tipos de regulação por incentivo serão vistos a seguir:

a) Regulação de Preço Teto

O mecanismo price cap é um tipo de regulação por nível de preços em que o regulador

define o preço máximo de um produto ou serviço e esse preço será ajustado periodicamente

por um fator pré-determinado, composto de uma parcela referente à inflação do período e

outra relativa à produtividade, conhecida como fator-X (MANSELL e CHURCH, 1995). Na

revisão tarifária, se define a base que será reajustada anualmente e o teto do reajuste anual até

a próxima revisão tarifária. Formalmente, tem-se (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999b):

P = IPC – X + Y

onde: IPC = índice de preços

X = fator de produtividade (fator-X)

Y = contingências

A regulação price cap incentiva o aumento de produtividade porque pode haver

aumento nos lucros se o aumento na produtividade for maior do que o previsto. Outra

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característica do price cap é o fato dele ser utilizado principalmente nos setores onde a firma

regulada atua como monopolista. Essa característica, entretanto, pode trazer problemas se a

firma atuar também em setores competitivos. Nesse caso, existe a possibilidade de utilizar

mecanismos de subsídio cruzado para praticar preços predatórios (PINTO JR e FIANI, 2002).

Armstrong e Sappington (2003) alertam, ainda, sobre a dificuldade de se escolher o fator-X

mais adequado, pois variáveis como a taxa de retorno da firma, o valor dos ativos e os custos

marginais devem ser levados em conta.

Do ponto de vista da expansão e modernização da rede, esse modelo também é

contraditório pois estimula apenas à eficiência produtiva. Para aumentar a taxa de lucro, se

reduz a base de capital, gerando subinvestimento, que tem efeitos perversos sobre a qualidade

do serviço. Por essa razão, a agência reguladora deverá agir no sentido de garantir que haja

investimento e qualidade nos serviços e, portanto, os custos regulatórios aumentam (PINTO

JR. e FIANI, 2002).

b) Regulação por Padrão de Comparação

A yardstick competition, também conhecida como regulação de desempenho, é outra

forma de regulação de monopólios naturais que estimula a redução de custos, a diminuição de

assimetrias de informação e o aumento da eficiência econômica. Nesse método, o regulador

determina a remuneração das firmas fazendo uma comparação entre o desempenho das

diversas firmas.

De acordo com Armstrong e Sappington (2003), em casos de monopólios naturais,

quando a competição não é possível no mercado, o agente regulador pode disciplinar o

monopolista por meio de forças competitivas. Uma forma possível de se fazer isso é basear a

compensação de uma firma comparando seu desempenho com o desempenho de outras firmas

no mercado. Existem duas possíveis formas de se fazer isso: a Yardstick Performance Setting,

baseada no desempenho das firmas e a Yardstick Reporting Setting baseada em comparações

entre os relatórios de custos das empresas existentes e das potenciais entrantes10.

10 Para detalhes sobre a Yardstick Performance Setting e a Yardstick Reporting Setting, consultar Armstrong e Sappington (2003, p.75).

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Os instrumentos de regulação por taxa de retorno e de regulação por incentivo

possuem vantagens e desvantagens e, portanto, a escolha entre a forma de tarifação variará de

acordo com os objetivos do regulador. Se o órgão regulador desejar um aumento de

produtividade, implementará uma regulação por incentivo, como o price cap. Se, entretanto,

os objetivos forem de expansão, modernização e aumento de qualidade da rede, a regulação

será por taxa de retorno.

1.4.3 - Regulação Second Best para monopólios multi-produto e mono-produto

A análise normativa tradicional parte do pressuposto de que o Estado tem todas as

informações necessárias para regular os preços e assim, levar à economia a um ponto de

ótimo de Pareto. Porém, os rendimentos crescentes de escala que existem nas indústrias de

rede implicam um custo marginal menor do que o custo médio de longo prazo. Nesse caso, se

o preço for estabelecido no nível do custo marginal, que é a solução de first best e

proporciona a máxima eficiência alocativa, a empresa não recuperará todos os seus custos.

Inicialmente sugeriu-se que a firma cobrasse o preço competitivo e fosse ressarcida, via

subsídios, dos prejuízos registrados. Essa proposta foi descartada por causar distorções na

alocação de recursos.

Devido às distorções causadas, algumas soluções denominadas second best foram

propostas. Nesse tipo de regulação, busca-se um preço que maximiza o excedente coletivo,

respeitando o equilíbrio financeiro da empresa. Nesse tipo de tarifação, o preço é estabelecido

no patamar do custo médio de produção, que é uma opção intermediária entre o preço

competitivo e o preço de monopólio. A tarifa em duas partes, que será apresentada a seguir, é

uma forma de regulação second best para monopólio mono-produto. Já para o caso de firma

multi-produto, a regra de tarifação Ramsey-Boiteux é também uma solução second best.

A regra de second best iguala a receita total ao custo total, com um lucro razoável. Tal

alternativa iguala os preços ao custo médio em condições estáveis. A solução second best

deve, simultaneamente, minimizar as perdas de excedente e remunerar a firma com lucros

normais (PINTO JR. e SILVEIRA, 1999b). Entretanto, as recomendações da Teoria do Bem-

Estar relativas à tarifação first e second best se baseiam no pressuposto de que o regulador

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possui todas as informações necessárias para realizar os cálculos das tarifas, o que não ocorre

na realidade.

a) Regra de Ramsey

A regra de Ramsey é baseada em uma precificação linear, em que as tarifas são

definidas igualando o custo total à receita total, de modo a minimizar as perdas de bem-estar.

Essa forma de tarifação é utilizada em casos de monopólios naturais multi-produtos. A partir

da regra de Ramsey11 é possível perceber que os preços devem ser estabelecidos inversamente

às suas elasticidades-preço para que as perdas de bem-estar sejam minimizadas (VISCUSI,

VERNON e HARRINGTON JR., 1995, p. 365). Formalmente tem-se:

(Pi – CMgi) / Pi = � / ei

onde: Pi = preço do bem i

Cmgi = custo marginal de i

� = constante

ei = elasticidade da demanda pelo bem i

Outra forma alternativa para determinação de preços utilizando a regra de Ramsey é

diminuir a produção de todos os bens na mesma proporção até que se igualem custo e receita

total (VISCUSI, VERNON e HARRINGTON JR., 1995, p. 367).

A regra de Ramsey também possui algumas desvantagens, apresentadas por Pinto Jr. e

Silveira (1999b, p. 11), como a dificuldade do regulador conhecer plenamente as funções de

custo da empresa, a função de demanda do mercado, as elasticidades e as características dos

clientes. Outros problemas relacionados à regra de Ramsey envolvem a possibilidade de

distribuição injusta de renda, uma vez que as classes de menor renda possuem demanda mais

inelásticas; e o não incentivo ao corte de custos e ao aumento de produtividade.

11 A regra de Ramsey é apresentada em Armstrong e Sappington (2003, p. 102) e exemplificada em Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1995, p. 366). Já a derivação Ramsey-Boiteux pode ser consultada em Pinto Jr. e Fiani (2002, p. 527).

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b) Tarifa em Duas Partes

A tarifa em duas partes é um tipo de tarifação não-linear, ou seja, a despesa não varia

na mesma proporção que a quantidade consumida. Independentemente do consumo, se paga

um valor base, isto é, a tarifa em duas partes (T(q)) é a soma de um componente fixo (A), que

é cobrado pelo acesso à rede, e um componente variável (Pi), calculado por unidade

consumida. Formalmente tem-se (PINTO JR. e FIANI, 2002):

T(q) = A + Pi

No caso da tarifa por duas partes, se o preço por unidade é igual ao custo marginal,

então os custos totais da empresa serão iguais à receita total e a tarifação será eficiente. A

tarifa em duas partes envolve um preço por unidade que excede os custos marginais e um

valor fixo de acesso que exclui alguns consumidores do mercado (VISCUSI, VERNON e

HARRINGTON JR., 1995, p.362-363). De acordo com Pinto Jr. e Fiani (2002, p. 530), se os

elementos que compõe a tarifa em duas partes são distintos, então, pela regra de Ramsey, se a

demanda por um produto for inelástica, a remuneração deve ter um mark up maior sobre o

custo marginal.

1.4.4 - Preço de Acesso

A definição do preço de acesso não é uma forma diferente de metodologia, mas a

utilização de outras metodologias existentes. O problema do acesso surge quando é necessária

a utilização da infra-estrutura de uma empresa por uma concorrente. Cave e Doyle (1994, p.

182) apresentam três objetivos principais ao se definirem tarifas de acesso: a promoção de um

preço de acesso em nível e estrutura eficientes; a obtenção de eficiência dinâmica por meio de

entrada eficiente e decisões de investimento; e a manutenção de uma taxa de retorno

suficiente para a empresa incumbente sustentar o custo das obrigações sociais, que geralmente

são maiores do que os das empresas entrantes.

Se a indústria em questão for competitiva no dowstream de tal forma que exista um

mark up desprezível sobre o custo marginal, então o preço de acesso é calculado baseado em

seus custos. Entretanto, se não existe competição perfeita, então o preço de acesso deve ser

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menor do que seu custo para que os preços downstream sejam mais baixos (ARMSTRONG e

SAPPINGTON, 2003).

A determinação do preço de acesso varia em relação à estrutura vertical da firma. Se

há separação vertical, somente o custo direto de permitir o acesso será relevante para a

escolha do encargo de acesso. Em um mundo ideal essa tarifa seria baseada nos custos

marginais (opção de first best). Se a competição entre os ofertantes é imperfeita, a definição

de um preço de acesso abaixo do custo marginal de acesso levaria à redução do preço aos

consumidores, aumentando o bem-estar. Entretanto, nos casos reais, costuma-se utilizar a

segunda melhor opção, que é manter os preços iguais aos custos médios do acesso (CAVE e

DOYLE, 1994).

No caso de uma empresa integrada verticalmente, o preço de acesso deve conter um

componente de custo de oportunidade que represente o lucro que a empresa incumbente

ganharia vendendo o produto por ela mesma. Assim, para o cálculo da remuneração do

acesso, além do custo de utilização da rede deve-se considerar também o que a empresa

proprietária da rede deixa de ganhar (PINTO JR. e FIANI, 2002). Nesse tipo de situação, por

causa da presença de custo de oportunidade, a regulação é um grande desafio.

A tarifação de acesso ideal, tanto no caso de empresas verticalmente integradas como

nos demais casos, é manter os preços de acesso iguais aos custos marginais, para promover o

bem-estar e evitar distorções. Como essa situação não é possível, para a definição de preço de

acesso para firmas verticalmente integradas foi desenvolvida a regra de componente de preço

eficiente (Efficient Component Pricing Rule – ECPR). Essa regra só foi utilizada uma vez e

sua eficiência ainda é motivo de intenso debate. A ECPR iguala o preço de acesso ao custo

marginal e adiciona um termo para os custos de oportunidade de entrada. O exemplo a seguir

ilustra a ECPR. Suponha uma empresa integrada de rede que conecta três pontos (A, B e C).

Um entrante oferece a conexão entre B e C e necessita do acesso à infra-estrutura da empresa

incumbente no trecho AB. Suponha que a empresa incumbente cobre um preço p, igual ao

custo médio, para ligar A, B e C. O custo incremental médio da incumbente em AB é c1 e em

BC é c2, de tal forma que p > c1 + c2. Se o custo incremental da entrante em BC é c3, o preço

de acesso A* é definido formalmente como (CAVE e DOYLE, 1994, p. 183):

A* = p – c2

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Essa equação é o ECPR. Se o preço de acesso for maior do que A*, então uma entrante

que possuir um custo incremental abaixo do custo da incumbente não terá uma entrada

lucrativa. A equação pode ser reescrita da seguinte forma:

A* = c1 + (p – c1 – c2)

Nesse caso, existem dois componentes, o custo marginal de acesso (c1) e o custo de

oportunidade de acesso (p – c1 – c2).

Para a definição de um preço de acesso em redes integradas é preciso levar em

consideração fatores como as necessidades da firma incumbente, as aspirações da nova

entrante e o potencial de ganho de eficiência com a entrada. O preço de acesso deve sempre

incluir o custo marginal de acesso e um elemento que cubra os custos de oportunidade (CAVE

e DOYLE, 1994).

1.5 - Considerações Finais do Capítulo

Neste Capítulo foram apresentadas as abordagens teóricas de definição de preços pelo

mercado e em monopólios. Dadas as características das indústrias de infra-estrutura, foi

possível concluir que existe a necessidade de regulação nesses setores. Dentre os possíveis

instrumentos de regulação, destaca-se a definição tarifária, como forma de estimular a

eficiência do sistema e diminuir a perda de bem-estar associada ao monopólio.

Foram analisadas as formas mais utilizadas de definição tarifária. A tarifação por custo

serviço tem como objetivo principal remunerar os custos totais e, ainda, garantir uma taxa

interna de retorno que seja atrativa para o investidor e justa por parte do regulador. Esse tipo

de regulação, entretanto, possui alguns problemas, tanto na definição da taxa a ser utilizada e

na base de capital como também alguns efeitos indesejados na produtividade das empresas e

no custo de regulação. Por sua vez, a regulação por incentivo tem como principal objetivo o

aumento de produtividade.

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O price cap é um tipo de regulação de incentivo por nível de preços, isso estimula o

aumento de produtividade porque a firma pode ficar com o lucro se o aumento de

produtividade for maior do que o previsto. A Yardstick Competition é outro tipo de regulação

por incentivo, porém com base na comparação entre o desempenho das diversas firmas.

Foram analisadas, ainda, a Regra de Ramsey e a tarifa em duas partes. A regra de

Ramsey é um tipo de precificação linear e as tarifas são definidas igualando o custo total à

receita total. A regra conclui que os preços devem ser estabelecidos inversamente às suas

elasticidades, para que as perdas de bem-estar sejam minimizadas. A regra de Ramsey possui,

entretanto, algumas dificuldades provenientes da assimetria de informações do regulador na

determinação das funções de custo e elasticidades. A tarifa em duas partes, por sua vez, é um

tipo de tarifação não-linear em que despesa e consumo não variam na mesma proporção. A

tarifa em duas partes é representada pela soma de um componente fixo, que é cobrado pelo

acesso à rede, e um componente variável.

A questão do preço de acesso foi também analisada neste capítulo. Essa questão torna-

se relevante quando é necessária a utilização da infra-estrutura de uma empresa por uma

concorrente. Para resolver essa situação é indicada a regra de componente de preço eficiente.

Para o cálculo da remuneração do acesso, além do custo de utilização da rede deve-se

considerar também o que a empresa proprietária da rede deixa de ganhar. Com esse tipo de

precificação, as firmas pouco eficientes saem do mercado no caso do preço estar definido

competitivamente.

No próximo capítulo será feita uma breve análise da indústria de gás natural,

apresentando alguns dos principais aspectos técnicos e econômicos. A seguir, serão

apresentadas as principais metodologias de tarifação de transporte de gás natural existentes na

indústria.

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CAPÍTULO II - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL

Neste capítulo, busca-se realizar uma análise da literatura acerca das características da

indústria de gás natural e da necessidade de regulação. O capítulo aborda ainda quais as

políticas de tarifação que podem ser utilizadas como instrumentos de intervenção de agências

reguladoras e faz uma análise das possíveis formas de tarifação do transporte de gás natural.

Para uma visão técnico-econômica da cadeia de gás natural são abordados autores

como Almeida (2001) e Alveal e Almeida (2001). A necessidade de regulação na indústria

aborda os trabalhos de Newbery (2000) e Fiani (2003). Já a questão da evolução da

organização da indústria de gás natural foi baseada em estudos de Krause e Pinto Jr. (1998a),

ANP (2002b) e Pinto Jr. (2003). Para a definição das metodologias de tarifação do transporte

de gás natural são abordados autores como Lapuerta e Moselle (2002) e (1997), além de

trabalhos como os da OECD (1994), IEA (1998), ANP (2002a) e ERSE (2004).

2.1 - Visão geral da indústria de gás natural

Para o entendimento da importância da metodologia da regulação tarifária para o caso

específico do transporte de gás natural é preciso, primeiramente, fazer uma breve análise da

cadeia de gás natural e das condições do transporte dutoviário de gás que levam à necessidade

de regulação e de definição tarifária.

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2.1.1 - Breve Análise da Cadeia de Gás Natural

A indústria e o mercado de gás natural possuem características específicas relevantes,

tanto técnicas como econômicas, que devem ser consideradas na análise do tema. Em cada um

dos segmentos da cadeia, analisados a seguir, existem especificidades distintas. A grande

interdependência entre esses segmentos faz com que as decisões de investimento em cada

uma das etapas dependam também do investimento nas demais.

No segmento upstream da indústria de gás é necessário um elevado investimento

inicial, tanto para a determinação da localização de reservatórios, que envolve testes sísmicos,

testes de formação e perfuração de poços de delimitação, quanto para o desenvolvimento

tecnológico e de campo. Esses investimentos fazem com que as empresas se deparem com

altos riscos e incertezas, tanto geológicos como de mercado (ALMEIDA, 2001).

Ainda nesse segmento, outra especificidade do gás natural é a renda mineral. Assim

como ocorre com o petróleo, nem todas as reservas possuem as mesmas características físico-

químicas. Dessa forma, a capacidade de recuperação, ou seja, o quanto é possível extrair de

gás da reserva, é função das características de pressão, composição do gás, do fato do gás ser

associado ou não, entre outros. Nesse sentido, a renda mineral é um fator de diferenciação

competitiva entre as empresas, pois o produtor que possuir uma reserva com maior

viabilidade de exploração, auferirá uma renda extra, frente ao preço do gás, em relação aos

demais produtores.

Após a exploração, o gás natural é tratado nas Unidades de Processamento de Gás

Natural (UPGN) para atender as especificações da demanda. Nas UPGN’s, o GN é

desidratado e fracionado. Dado que cada tipo de gás possui características diferentes, os

custos para o atendimento das condições de consumo vão diferir de acordo com as

especificidades do gás nos diversos campos de produção.

No que tange ao transporte, existem características importantes. Diferentemente do

petróleo, o volume de gás por unidade de energia é muito elevado12. A principal forma de

transporte de gás natural é o gasoduto, embora também tenha importância o transporte de Gás

Natural Liquefeito (GNL) e de Gás Natural Comprimido (GNC). Os gasodutos podem variar

12 O gás natural ocupa um volume mil vezes maior que o óleo, considerando o mesmo poder calorífico.

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em diâmetro e pressão, entretanto, por causa do atrito com a tubulação, há perdas de pressão

ao longo do gasoduto, que devem ser compensadas por estações de compressão. Assim, os

custos de transporte são bastante elevados, principalmente para distâncias mais elevadas, por

necessitarem de mais estações de compressão. A atividade de distribuição também é feita por

gasodutos e se inicia em city-gates13, com dutos de menor pressão.

A construção de gasodutos exige um investimento em capital fixo elevado. Tais

custos variam de acordo com a extensão do gasoduto, as condições geográficas da região onde

ele será implantado e a demanda máxima a ser atendida por esse gasoduto. Por outro lado, o

aproveitamento de economias de escala é essencial para a redução do custo médio de

transporte, já que, com o aumento da carga de gás transportada, os custos fixos se diluem.

Dada a existência de rendimentos crescentes, é interessante que o gasoduto tenha grande

capacidade, pois, proporcionalmente, o aumento do investimento é menor do que o aumento

da capacidade. Além disso, o custo de capital da estação de compressão cresce a uma taxa

menor que o aumento de pressão proporcionado.

Outra fonte de economia de escala nos gasodutos reside no fato de que a queda de

pressão diminui de acordo com o diâmetro da tubulação. Além disso, os custos de obtenção de

licenças de direitos de passagem, de elaboração de projeto e de mão-de-obra são praticamente

fixos e, portanto, o custo relativo diminui com o aumento da produção. O negócio do gás

contém ainda ativos específicos que geram gastos não passíveis de reversão (sunk costs). Esse

é o caso, por exemplo, dos ativos de transporte, que uma vez construídos não podem ser

realocados em outras atividades. A decisão sobre o investimento em gasodutos deve, portanto,

levar em consideração os elevados custos fixos de implementação da rede e a economia de

escala associada (ALVEAL e ALMEIDA, 2001).

De acordo com Newbery (2000), a necessidade de uma grande infra-estrutura

interconectada de transporte e distribuição na indústria de gás natural faz com que esta seja

caracterizada como uma indústria de rede. Mas, ao contrário das demais indústrias de rede, o

gás natural é um recurso esgotável e seu valor futuro é um dos determinantes do custo de

produção atual.

13 City-gates são estações de medição que podem dispor de regulagem de pressão, nas quais uma rede de distribuição recebe gás de uma companhia transportadora ou de um sistema de transporte. Referem-se ao ponto de entrega ou transferência, no qual o gás passa de uma linha principal de transporte para um sistema de distribuição local, sem troca de propriedade necessariamente (Petrobras, 2004).

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Um fator importante devido à rigidez de abastecimento é a enorme influência das

condições geopolíticas nas decisões de investimento. Uma vez estabelecido um gasoduto, os

países envolvidos tornam-se dependentes. Por isso, a estabilidade geopolítica tem grande

importância nesse segmento (ALVEAL e ALMEIDA, 2003).

As características da cadeia do GN mostram que, à medida que a densidade da rede de

distribuição aumenta, o custo de abastecimento de cada consumidor a mais diminui, devido às

economias de escala. Isso também vale para a expansão por meio da duplicação ou construção

de novos gasodutos, que ocorre porque a evolução das indústrias de rede apresenta, como

característica importante, custos marginais de expansão decrescentes. Além disso, como

conseqüência do custo fixo muito elevado e da economia de escala, existe uma estrutura de

monopólio natural na distribuição, inibindo a entrada de novos agentes.

A questão do estoque é também relevante para a indústria de gás natural, pois pode

possibilitar o ajuste entre a oferta e a demanda de gás, principalmente em horários de pico de

consumo. A atividade de estocagem do gás natural, entretanto, é bastante complexa, dadas as

características do produto, como os riscos de operação e o estado gasoso. Algumas das formas

de se estocar o gás é utilizar jazidas já esgotadas ou mantê-lo em estado liquefeito, em

depósitos criogênicos, o que demanda elevados investimentos e custos de operação. Para

estoques de curto prazo, pode ser utilizada a própria rede de gasodutos

Dentre os riscos do mercado de gás natural, verifica-se, do lado da oferta, que em

indústrias pouco desenvolvidas existe a possibilidade de falta de suprimento. Uma rede mais

madura permite maior autonomia em relação aos investimentos em expansão da produção e a

possibilidade de se criar rotas alternativas para o gás natural. Dessa forma, é possível reduzir a

incerteza de mercado. Do lado da demanda, o risco é do mercado não estar sendo

desenvolvido como planejado. Além disso, a concorrência interenergética, principalmente do

óleo combustível, faz com que o preço do gás deva ter um “teto” de preço para que seu uso

seja vantajoso para o consumidor. Desta forma, o preço do gás é determinado pelo seu valor,

ou seja, pelo preço máximo que o consumidor pagaria por ele, e não pelo seu custo.

Outra característica importante dos gasodutos é a elevada interdependência entre os

diversos segmentos da cadeia. De acordo com Alveal e Almeida (2001), essa

interdependência é causada pelo fato dos custos marginais serem decrescentes em relação à

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expansão da rede. Essa economia de escala faz com que exista externalidade de rede. O

aproveitamento racional dessa economia é fator importante para a eficiência da indústria.

Essa forte interdependência entre os agentes é também fator de risco e incerteza. Um

empreendimento depende diretamente de outro e existe a possibilidade de haver

comportamento oportunista, fazendo com que os custos de transação aumentem. Para

contornar essa situação a empresa pode se integrar verticalmente visando reduzir os custos de

utilizar o mercado, garantir a confiabilidade do sistema, a coordenação de esforços e a

continuidade do fluxo. No entanto, caso não seja possível a verticalização, uma outra solução

é a contratação de longo prazo com cláusulas específicas para o gerenciamento da incerteza,

incluindo renegociações periódicas; cláusulas do tipo take or pay e ship or pay e os princípios

para a definição de preços.

O gás é particularmente diferente das demais indústrias de energia, devido à alta

elasticidade da demanda por gás. O gás natural compete com outros energéticos, o que

dificulta o desenvolvimento de mercados exclusivos. Por essa razão, seu preço é geralmente

indexado aos preços dos energéticos substitutos. Na fase infante da indústria, a elasticidade

da demanda por gás natural costuma ser ainda maior, pois os consumidores estão mais

preocupados com o diferencial de preços.

O transporte de gás natural tem características específicas, como a facilidade de

identificação e controle dos fluxos; a possibilidade de estoque; e a flexibilidade no

gerenciamento de aspectos de segurança da rede. Por outro lado, a IGN enfrenta elevados

custos de transação, dada a presença de ativos específicos e a existência de monopólio natural,

que elevam o poder de mercado do transportador. Entretanto, esse poder de mercado é

reduzido, dada a competição interenergética que fazem as margens diminuírem com a

variação de preços dos substitutos (NEWBERY, 2000).

As especificidades tecnológicas se convertem em riscos econômicos, como o

oportunismo e o risco regulatório, que aumentam os custos de transação na indústria. Todas as

implicações dessas características da indústria de gás natural devem ser levadas em conta para

que os riscos e incertezas associados à indústria possam ser identificados e, se possível,

minimizados. A condição de monopólio natural, os investimentos elevados em infra-estrutura

e as inversões necessárias para possibilitar seu consumo tornam a questão da precificação

fundamental para o desenvolvimento do segmento de gás natural.

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2.1.2 - Necessidade de Regulação da Indústria de Gás Natural

Todas as características que aumentam os custos de transação estão presentes nos

setores de infra-estrutura, como é o caso da indústria de gás natural. Como isso ocorre, são

duas as alternativas de governança14 possíveis: uma governança hierárquica, como, por

exemplo, uma empresa estatal ou uma governança híbrida, como a regulação de empresas

privadas. A regulação de empresas privadas significa que haverá controle sobre as ações e a

performance dos agentes individuais. A regulação é feita por uma agência reguladora, que

detém alguns poderes para intervir na alocação dos recursos, como o de criação de regras de

precificação, de determinação da produção das empresas, de criação de barreiras à entrada e

de promoção do acesso de terceiros à infra-estrutura (FIANI, 2003).

A lógica da regulação econômica está por trás dos elevados sunk costs dos monopólios

naturais, que implicam em baixo custo de oportunidade. O custo de oportunidade está

relacionado à quase renda, que é a diferença entre a receita gerada e a soma dos custos de

produção e de oportunidade. Assim, na indústria de gás natural, devido às especificidades dos

gasodutos, não há alternativa econômica para o uso do ativo e os custos de saída são

relevantes. A quase-renda é elevada para a indústria, assim como a disputa sobre ela. Nesse

caso, a especificidade pode gerar extração de quase renda indesejada, o que dificulta o

desenvolvimento da capacidade de transporte. O governo, por meio da regulação, pode manter

os preços dos monopólios naturais em um nível que cubra apenas os custos de operação e de

oportunidade dos investimentos já realizados.

Em relação à extração da quase renda, também existe a possibilidade de

comportamento oportunista dos agentes. Esse oportunismo se manifesta nas barganhas para

redução dos preços e até mesmo em ameaças de rompimento e disputas entre as partes, que

são possíveis dada a incompletude contratual. Em um ambiente complexo e repleto de

incerteza e com racionalidade limitada, não existem contratos que sejam perfeitos em relação

às condições futuras, em especial em termos de previsão de crescimento de oferta e demanda.

Os riscos relacionados a essa incerteza devem ser distribuídos entre os agentes e as cláusulas

dos contratos devem possibilitar essa distribuição.

14 Estruturas de Governança no sentido apresentado por Williamson (1975). Estas estruturas podem ser o mercado, a firma (hierarquia), ou qualquer outra forma entre esses dois extremos (governança híbrida).

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Nessa situação também aparece o problema do hold-up, que nada mais é do que uma

“queda-de-braço” entre as partes. Esta é a razão pela qual, nas indústrias de rede, há tendência

à integração vertical: as operações são recorrentes e os hold-ups constantes, encarecendo

muito o funcionamento do sistema. No caso do transporte de gás natural, sempre haverá

quase-rendas. O regulador tem o papel de evitar as situações de hold-up, que tendem a

aumentar os custos de transação e os custos de regulação devido às renegociações contratuais.

A escolha entre firma e regulação depende de alguns fatores, como o estágio de

desenvolvimento da indústria. A mudança entre cada uma dessas estruturas é possível e,

geralmente, a partir de um certo estágio de desenvolvimento, há a reestruturação da cadeia,

que passa de estruturas monopolistas para novas estruturas de governança baseadas em

competição, embora permaneça regulada. No caso da indústria de gás natural, para que esses

custos sejam minimizados e a regulação seja eficiente, a questão do livre acesso torna-se

fundamental para estimular a competição no setor. Fiani (2003, p. 27) apresenta outra questão

relevante na escolha entre a empresa estatal e a regulação. Tal questão diz respeito à

capacidade do governo de criar, com baixos custos de transação, as instituições que regularão

as empresas gerando baixos preços, alta qualidade e evitando comportamento anticompetitivo.

O transporte, por ser um monopólio natural, é o principal segmento da cadeia de gás

natural sujeito à regulação. Como a existência de uma só firma é o arranjo mais eficiente, a

concorrência deve ser introduzida a partir da possibilidade de acesso de terceiros à infra-

estrutura existente. Ou seja, o órgão regulador deve estabelecer condições e preços que

possibilite aos agentes interessados utilizarem parte da capacidade ociosa dos gasodutos do

monopolista.

Quando as transações envolvem as hipóteses comportamentais de racionalidade

limitada e de oportunismo dos agentes, em um ambiente com complexidade e incerteza e com

o envolvimento de ativos específicos nas transações, então os custos de transação são

relevantes e o mercado é incapaz, por meio do sistema de preços, de realizar as transações

eficientemente.

Os ativos envolvidos no segmento de transporte de gás natural possuem elevada

especificidade e, portanto, de acordo com Williamson (1996), não é recomendado que a

estrutura de governança seja o mercado nem uma estrutura de governança bilateral, pois há

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incompletude contratual derivada da racionalidade limitada e há, ainda, a possibilidade de

manipulação oportunista das cláusulas do contrato.

No caso específico dos gasodutos, são três as principais fontes de especificidade dos

ativos15: as especificidades locacional e humana e a existência de ativos dedicados. Por

exemplo, um gasoduto que leva o gás para um local muito povoado e desenvolvido é mais

valioso que outro que leva o gás para áreas menos populosas. Nesse setor, existe ainda

gerentes e staff operacional que desenvolveram conhecimento acerca dos problemas

relacionados ao setor. Já os ativos dedicados estão freqüentemente presentes em infra-

estrutura de rede para lidar com peculiaridades geográficas (FIANI, 2003).

Portanto, dada a especificidade dos ativos nessa indústria, não pode haver governança

de mercado, devendo-se considerar a forma híbrida ou a hierarquia, ou seja, deve-se escolher

entre empresas privadas reguladas ou empresas estatais. Newbery (2000) também concorda

com a impossibilidade do mercado resolver os conflitos existentes nas indústrias de rede. A

competição falha para tais indústrias pois, além de serem monopólios naturais clássicos,

necessitam de uma rede fixa, são de grande importância econômica, são duráveis, o capital

utilizado é intensivo e irrecuperável (sunk costs) e estão diretamente conectadas ao

consumidor. Portanto, deve haver uma instituição que arbitre os conflitos entre os

consumidores e os investidores. Essa instituição pode ser uma empresa estatal, com poder de

financiar os investimentos necessários, ou ainda uma agência reguladora, que pode tentar

conciliar os interesses das empresas privadas e dos consumidores.

As questões da complexidade e incerteza no ambiente e de oportunismo do agente

também podem ser aplicadas à indústria de gás natural. No caso das reservas de gás e do

transporte via gasodutos, o controle por um único agente gera muitas incertezas no ambiente

das transações, relacionadas à possibilidade de entrada de novos operadores e às condições de

comercialização do produto nas etapas à jusante da cadeia. Como visto anteriormente, a

grande interdependência entre as etapas da cadeia também gera incerteza, uma vez que cada

segmento da cadeia depende diretamente dos demais.

Em relação ao comportamento oportunista, pode-se citar o problema de fechamento de

mercado, que ocorre quando a empresa dominante inviabiliza ou dificulta a utilização da

15 As fontes de especificidade de ativos apresentada por Williamson são especificidade locacional, especificidade de ativos humanos, especificidade física, de ativos dedicados, de reputação de marca comercial e especificidade temporal.

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infra-estrutura de gasodutos para as firmas competidoras. A especificidade locacional dos

gasodutos também permite que alguns produtores oportunistas neguem conexão a outro

produtor, sem pensar no sistema como um todo, ou seja, nas externalidades (FIANI, 2003).

Portanto, a indústria de gás natural apresenta todas as outras características que aumentam os

custos de transação e, portanto, há necessidade de intervenção.

2.1.3 - Evolução da Organização da Indústria de Gás Natural

A indústria de gás natural, assim como as demais indústrias de rede, se desenvolveu

inicialmente a partir do fornecimento local dos serviços. Entretanto, as inovações tecnológicas

permitiram conectar consumidores mais distantes, configurando uma organização sistêmica.

As características de rede da indústria, a indivisibilidade dos equipamentos, os elevados sunk

costs, a condição de monopólio natural, a obrigação do fornecimento e a importância

econômica levaram à concentração do mercado de forma que, até o início da década de 80, o

modo de organização predominante da indústria era o monopólio público regional de

fornecimento, com integração vertical e horizontal e com contratos bilaterais longo prazo na

comercialização (KRAUSE e PINTO JR., 1998a).

A atuação de uma empresa em diversos segmentos da cadeia de forma integrada tinha

como objetivos principais o aproveitamento das economias de escala e escopo e a diminuição

dos custos de transação. A integração vertical permitia ainda uma maior flexibilidade às

mudanças, redução de riscos e a possibilidade de haver subsídios cruzados entre as diversas

atividades da firma. Os ganhos da integração vertical eram geralmente apropriados pelas

firmas e os lucros extraordinários auferidos nas atividades monopólicas da cadeia (transporte

e distribuição), poderiam ser utilizados para diminuir os preços nas atividades potencialmente

concorrenciais (Exploração & Produção e comercialização), inviabilizando a entrada de novos

agentes (ANP, 2002b).

A organização do mercado em torno de um monopólio era, portanto, muito comum no

período de expansão das redes e influenciou o aumento da produção e da participação do gás

natural na matriz energética de diversos países. A presença do Estado era importante para

balancear o interesse e o poder dos investidores e dos consumidores e para financiar os

elevados investimentos (NEWBERY, 2000). Esse modo de organização, portanto, justificava

uma forte intervenção estatal, cujos instrumentos regulatórios centravam-se definição de

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tarifas para evitar a fixação de preços de monopólio, nas barreiras institucionais de entrada

para assegurar a eficiência da rede e no controle da qualidade do serviço (PINTO JR., 2003)

A dinâmica da indústria de gás natural modificou-se significativamente nas últimas

décadas e a demanda pelo energético aumentou sensivelmente. Os choques de petróleo da

década de 70 deram novo papel ao gás natural, principalmente devido à tentativa de redução

da dependência em relação aos países da OPEP. Ao mesmo tempo, o gás natural teve seu

preço elevado nesse período, acompanhando os preços do petróleo, o que tornou os

investimentos em infra-estrutura mais viáveis. O desenvolvimento tecnológico das últimas

décadas também foi fator relevante do desenvolvimento da IGN. Os avanços se deram na

produção, no transporte, na distribuição e na tecnologia de informação. Durante a década de

80 houve ainda um grande avanço da política ambiental, com a internalização dos custos

ambientais de alguns energéticos. Em relação às mudanças geopolíticas, a relativa

estabilidade que se seguiu após o fim da guerra fria influenciou a melhoria nas condições de

crescimento da indústria. Por sua vez, a utilização do gás na geração elétrica também

contribuiu para a expansão da demanda.

Os elevados índices de crescimento da indústria a partir da década de 80 somados às

idéias liberais que questionavam a eficiência da intervenção estatal, ocasionaram alterações

estruturais e institucionais significativas na organização da indústria de gás natural. O período

pós-choque modificou a visão sobre a legitimidade do papel do Estado na atividade

econômica (NEWBERY, 2000). Muitos países promoveram reformas, com destaque para a

introdução da concorrência, privatização de empresas públicas, implementação de novas

formas contratuais, abertura do acesso de terceiros às redes e estabelecimento de novos

mecanismos de regulação, coordenados nas agências reguladoras (KRAUSE e PINTO JR.,

1998a).

As reformas propostas para a indústria de gás natural, assim como nas demais

indústrias de infra-estrutura, envolviam a proteção dos interesses dos consumidores, a

minimização dos efeitos da integração das atividades da cadeia, a busca por uma maior

eficiência econômica e a redução de preços e custos. Nesse novo contexto, a regulação deixou

de ser caracterizada apenas pelo controle de entrada dos agentes, de preços e de qualidade.

Novas atribuições foram sendo incorporadas, ampliando o leque de atuação dos órgãos

reguladores. Antes da liberalização da indústria de gás natural, os preços eram controlados e,

portanto, a competição era menos intensa. Após a liberalização, a volatilidade de preços fez

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com que aumentassem os riscos de mercado. A função principal dos reguladores deixou de ser

apenas a regulação de monopólios, mas também passou a haver regulação dos segmentos em

concorrência e de coordenação do sistema como um todo.

A regulação da indústria pode ser comportamental ou estrutural. A regulação

comportamental envolve restrições na conduta dos agentes e tem como objetivos a redução de

custos de transação, o aumento das economias de escopo e o aumento da competição via

diminuição de barreiras à entrada. Na indústria de gás natural, a principal forma de regulação

comportamental está relacionada ao acesso não discriminatório de terceiros aos gasodutos,

com a regulação das tarifas de acesso e o estabelecimento de regras para os concursos abertos

de alocação de capacidade. Nesse caso, as principais desvantagens decorrem da assimetria de

informações entre o órgão regulador e os agentes regulados uma vez que o regulador deve

acompanhar todas as ações dos agentes envolvidos (ANP, 2002b).

As redes de gasodutos com muitos pontos de entrada e saída requerem despacho

centralizado e controle da oferta, do fluxo e do estoque de gás. O livre acesso torna as

decisões dos compradores e vendedores independentes, o que pode reduzir as opções de

gerenciamento de despacho e balanceamento do sistema (TREBING, 1999). Dessa forma, a

operação do sistema é fundamental para a coordenação, segurança e definição de regras de

operação e despacho. O operador pode ser um órgão independente ou ainda a própria empresa

de transporte.

A regulação estrutural, por sua vez, envolve o estabelecimento de restrições à

integração vertical, limitando a participação dos agentes em diversas etapas da cadeia de

forma a diminuir os subsídios cruzados, garantir o acesso de terceiros à infra-estrutura e

estimular a competição. Tais limitações vão contra a lógica econômica de integração vertical

e, portanto, podem diminuir os investimentos, aumentar os custos de transação e diminuir o

aproveitamento de economias de escopo. Em uma indústria não-madura, a possibilidade de

haver integração vertical é importante para o desenvolvimento da indústria e deve ser

considerada. Em indústrias maduras, por sua vez, existe uma tendência para a separação das

atividades de produção, transporte e distribuição de forma a estimular a competição. As

limitações à integração vertical podem ser por separação contábil, jurídica ou societária.

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Na maioria dos casos, é exigida apenas a separação contábil das atividades,

possibilitando algum nível de integração vertical entre os segmentos de transporte e

distribuição, que freqüentemente é constituído por um monopólio regional. Na produção, por

sua vez, as reformas eliminaram as barreiras à entrada na maioria dos países, estimulando a

concorrência.

Outra forma de regulação possível para a indústria é o estabelecimento de concessões

ou autorizações. No sistema de concessão, o governo fixa as tarifas, garantindo o retorno

financeiro para os agentes e minimizando os riscos. O sistema de autorizações, por outro lado,

aumenta os riscos por não garantir as receitas do projeto. Nesse caso, as tarifas são

estabelecidas livremente entre as partes envolvidas na negociação. A autorização dificulta a

implementação da concorrência e possui uma maior dificuldade de financiamento. Os riscos

envolvidos nesse sistema são geralmente assumidos pelos carregadores, que em troca exigem

contratos de longo prazo com exclusividade de mercados. Estes contratos de longo prazo, por

sua vez, dificultam a criação de mercados secundários de capacidade, que envolvem variações

de curto prazo.

Por fim, outra forma possível de regulação na indústria de gás natural é a definição

tarifária, objeto de estudo dessa dissertação. A definição tarifária engloba duas fases: a tarifa

inicial e os reajustes tarifários. A tarifa inicial pode ser definida por concurso aberto, pelo

órgão regulador ou, ainda, negociada livremente entre as partes envolvidas. Já os reajustes

tarifários seguem geralmente as metodologias de custo de serviço tradicional ou de price-cap.

Do ponto de vista alocativo, mais importante do que a definição de qual metodologia tarifária

será utilizada é a questão da coerência da tarifa. Outro aspecto a ser considerado é a não-

neutralidade da tarifa, ou seja, a forma de tarifação pode implicar em subsídios cruzados entre

determinadas regiões e permitir captura de parte da renda mineral, o que pode não ser

eficiente do ponto de vista econômico.

O novo contexto regulatório modificou a forma de tarifação na indústria e a definição

tarifária passou a ser ainda mais importante. No caso de uma indústria caracterizada pela

presença de monopólios e pela grande necessidade de investimentos, a definição tarifária

concentrava-se na fixação de preços que evitassem que os monopolistas cobrassem tarifas

abusivas. Nesse caso, a tarifa costumava ser única para todo o território. No contexto de

introdução da concorrência, flexibilização da indústria e melhor ocupação da rede, a

metodologia de definição tarifária ganhou um novo papel, passando a ser essencial para o

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funcionamento do novo ambiente institucional. A análise do critério de tarifação mais

adequado para cada país está relacionada com os interesses do agente regulador e com a

morfologia da rede.

2.2 - Formas de tarifação do transporte de gás natural

Todos os agentes da cadeia do gás natural estão envolvidos em sua precificação. Para

o produtor, o preço do gás será calculado levando em consideração os custos de

desenvolvimento dos campos, sua operação, o retorno de capital e uma remuneração para os

riscos geológicos, contratuais e comerciais envolvidos na produção. Já o governo preocupa-se

em minimizar o preço do produtor e arrecadar mais por meio de impostos. Para o consumidor,

a preocupação é o diferencial de preços entre o gás natural e outros energéticos, que é

diferente para cada segmento: comercial, industrial e residencial (SCHWYTER, 2001). A

questão da precificação do transporte de gás natural, por sua vez, é de extrema importância

para o desenvolvimento desse segmento e para o preço final do produto.

2.2.1 - Objetivos e Princípios da Tarifação de Transporte de Gás Natural

Para o caso do transporte do gás natural, o sistema tarifário tem como objetivos

básicos, além da eficiência econômica, nos aspectos produtivo, dinâmico e alocativo, garantir

a igualdade aos usuários, eliminando barreiras à entrada; ser transparente, previsível e ter

aceitabilidade e eqüidade no que refere à formação da tarifa; garantir uma taxa de retorno

apropriada para os ativos envolvidos; e, ainda, ter uma implantação eficiente, sem custos

adicionais às transações entre carregadores e transportadores (OECD, 1994).

O objetivo principal de uma política de tarifação é a não-discriminação. Para que esse

objetivo seja cumprido, torna-se necessária a publicação dessas tarifas e sua aplicação de

forma igual para todos os clientes, com variações apenas em relação ao padrão de

fornecimento e características do serviço prestado (ERSE, 2004). Nas conclusões do 5o Fórum

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de Madrid, realizado em 2002, foram definidos os princípios básicos que devem ser aplicados

na definição da tarifação do transporte de gás natural, são eles (EUROPEAN GAS

REGULATORY FÓRUM, 2002, p. 2):

- refletir os custos e ser baseado em modelos robustos de fluxo e da rede;

- facilitar o comércio eficiente de gás e a liquidez do Mercado;

- garantir altos níveis de transparência;

- dar sinais que encorajem os investimentos de longo prazo eficientes na infra-estrutura

de transporte;

- levar em conta as especificidades e as características de Mercado das diferentes redes;

- garantir uma taxa de retorno justa para os investimentos dos transportadores;

- ter supervisão adequada;

- quaisquer diferenças nas condições das tarifas aplicadas a diferentes clientes para

serviços similares devem refletir os custos.

Outros critérios que devem ser considerados na determinação da tarifa são a

simplicidade; o nível de transparência do regulador; a não-discriminação; a refletividade dos

custos; a possibilidade de efeitos perversos nos investimentos; a possibilidade de existência de

um mercado secundário para capacidade; e articulação e compatibilidade entre os sistemas de

países vizinhos (LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p. 36).

Embora todos esses critérios sejam importantes, a refletividade dos custos é de grande

relevância para a não-discriminação. Se as tarifas refletem os custos associados a cada

serviço, a utilização da rede é eficiente e cada cliente pagará de acordo com os custos que

causa ao sistema. Assim, as tarifas pagas pelos clientes refletem todas as tarifas e preços ao

longo da cadeia de valor (ERSE, 2004).

De acordo com Lapuerta e Moselle (2002, p.37), a refletividade dos custos terá

implicações diferentes dependendo do nível de crescimento da rede e o congestionamento

atual ou esperado. Com crescimento ou congestionamento na rede, não há capacidade ociosa e

as tarifas seguem o princípio da eficiência alocativa. No entanto, quando a taxa de

crescimento é pequena e há capacidade ociosa, a principal preocupação é alocar os custos dos

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investimentos anteriores feitos na rede entre os carregadores. Já para um sistema com tráfego

intenso, com grande expectativa de crescimento, ou com demanda incremental, os custos

previstos tornam-se importantes, pois haverá novos custos em construção de rede.

Os custos previstos devem estar refletidos na definição da tarifa para que haja

eficiência. No caso de gasodutos com custo dos fluxos incrementais diferentes, deve haver

tarifas diferentes de tal forma que o gasoduto com menor custo seja mais utilizado. Da mesma

forma, se o tráfego não é uma variável relevante entre os diversos gasodutos, as tarifas não

precisarão estimular o uso de um em detrimento de outros. A definição tarifária não é simples:

além de alocar os investimentos de forma eficiente, deve levar em consideração as

características dos gasodutos, a extensão e a natureza do sistema (LAPUERTA e MOSELLE,

2002).

2.2.2 - Custos

De acordo com a OCDE (1994), são três as bases de custo utilizadas para se calcular

as tarifas de transporte do gás natural: o custo marginal de curto-prazo, o custo marginal de

longo-prazo e os custos contábeis médios. A base mais comum para o cálculo dos serviços

regulados, entretanto, é o custo contábil médio, devido às dificuldades na determinação dos

custos marginais de curto e longo-prazo. Nessa abordagem, todos os custos relacionados no

balanço da firma são alocados em relação a diferentes serviços de transporte e à capacidade e

desempenho.

Para o cálculo dos custos de serviço do transporte de gás natural, é feita uma divisão

entre os custos fixos e os custos variáveis. Os custos fixos envolvem, além dos investimentos,

todos os custos não associados ao volume transportado, como o custo fixo de serviço,

operação, manutenção e administração, além dos custos com seguros e impostos. Já os custos

variáveis envolvem os custos associados ao volume de gás transportado, como a compressão e

as perdas de gás. Os custos, após serem classificados entre fixos e variáveis, podem ser

associados a uma capacidade de reserva ou à utilização. A estrutura tarifária do transporte do

gás natural costuma ser binomial, com uma tarifa de capacidade, que é cobrada sobre a

capacidade contratada e deve cobrir os custos de investimento e os custos fixos; e uma tarifa

de movimentação, que cobre os custos variáveis.

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57

Os principais determinantes dos custos fixos são a extensão do gasoduto e o volume a

ser transportado nos picos de demanda. Assim, se os gasodutos ligam diretamente as zonas de

produção e consumo, a extensão do gasoduto é a distância entre as áreas. Da mesma forma, se

o gasoduto é totalmente utilizado para atender a demanda, a capacidade máxima do gasoduto

será o volume a ser transportado nos picos de demanda. Nesses casos, todos os custos fixos

são atribuídos à capacidade contratada pelo carregador. Os custos variáveis, por sua vez, são

determinados principalmente pelo volume transportado e pela distância entre os pontos de

entrada e saída. Como os principais determinantes dos custos são a capacidade e a distância, a

demanda total pode ser expressa pelo Momento de Capacidade de Transporte (MC) que é um

indicador de capacidade e distância, expresso em m3.km. O MC é dado pela seguinte fórmula

(ANP, 2002c, p.18):

Onde: MC = momento de capacidade total (m3.km)

Cij = capacidade contratada entre o ponto de entrega i e o ponto de recepção j (m3)

Dij = distância entre o ponto de entrega i e o ponto de recepção j (km)

n = número de pontos de entrega

p = número de pontos de recepção

A tarifa de transporte firme dos gasodutos deve cobrir os custos fixos da capacidade

de recepção e de transporte não relacionados à distância (encargo de capacidade de entrada),

os custos fixos da capacidade de transporte relacionados à distância (encargo de capacidade

de transporte) e os custos fixos relacionados à capacidade de entrega (encargo de capacidade

de saída), além dos custos variáveis da movimentação do gás (encargo de movimentação).

(ANP, 2002a).

As tarifas de transporte de gás natural terão, segundo Lapuerta e Moselle (2002), dois

componentes: um de escassez16 e outro relacionado aos custos fixos. O de escassez pode ser

16 Lapuerta e Moselle (2002, p. 37) utilizam o termo “scarcity charge”.

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calculado por market-clearing17 ou pelo cálculo dos custos marginais. Se esse componente já

cobrir os custos fixos, então não haverá necessidade de nenhum outro encargo adicional. Por

outro lado, se isso não ocorrer, deverá haver outro componente que cubra os custos fixos e

assegure a receita. Formalmente tem-se (LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p. 38):

Tarifa = “Encargo de Escassez” + “Encargo para cobrir os Custos Fixos”

Se o sistema está em fase de crescimento e há pouca capacidade ociosa, então o

encargo de escassez deve prevalecer na tarifa total. Nesse caso, além do encargo de escassez,

os custos marginais de longo prazo estarão presentes nos encargos de refletividade de custos.

Em sistemas complexos, os custos marginais de longo prazo, provavelmente, não serão

proporcionais à distância (LAPUERTA e MOSELLE, 2002).

Para a definição das tarifas é preciso calcular ainda o valor presente da receita total

pelo serviço de transporte, que é calculada igualando as entradas de caixa ao valor presente

das saídas de caixa. A taxa de desconto utilizada deve ser igual à taxa de retorno18 considerada

adequada e deve refletir os riscos envolvidos no fornecimento do serviço de transporte.

Onde: Receita Total = receita total (R$)

Invi = custos de investimento do gasoduto realizados no ano i (R$)

CFi = custos fixos referentes ao ano i (R$)

CVi = custos variáveis referentes ao ano i (R$)

VRn = valor residual do gasoduto ao final do ano n (R$)

R = taxa de retorno

n = prazo de avaliação

Para se calcular qual a tarifa a ser praticada, deve-se fazer um levantamento do

investimento necessário para o desenvolvimento da atividade, custos de operação e

17 O mecanismo de market clearing pode ser, por exemplo, um leilão ou cálculos de custo marginal. 18 A taxa de retorno é definida com base na média ponderada do retorno aplicável a cada tipo de fonte de recurso, seja ela capital próprio, de terceiros ou outra fonte de recursos.

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manutenção e impostos, respeitando os padrões locais e internacionais. Posteriormente, deve-

se definir qual a taxa de retorno sobre o investimento, que deve incorporar as condições do

mercado e os riscos associados ao transporte do gás, e fazer uma estimativa da demanda, ou

do momento da construção da infra-estrutura ou a demanda de transporte efetivamente

contratada. A tarifa deve ser, portanto, aquela que multiplicada pela demanda recupere o

investimento remunerado à taxa de retorno justa e também os custos de operação e

manutenção e impostos (ANP, 2002a).

As principais formas de tarifação de gás natural são a tarifação postal, a tarifação por

distância e a tarifação do tipo entrada/saída. A seguir, cada uma dessas metodologias será

apresentada detalhadamente, assim como algumas das formas de combinação entre esses

diferentes tipos de tarifação.

2.2.3 - Tarifação Postal (Postage-Stamp)

A tarifação denominada postal independe da distância percorrida pelo gás natural de

tal forma que o transporte de cada m3 de volume de gás possui a mesma tarifa. Nesse caso, a

demanda deve ser expressa por um indicador de capacidade, que pode ser a capacidade

máxima do gasoduto ou o somatório das capacidades contratadas. Esse tipo de tarifa é

aplicado em casos de monopólio territorial e, dependendo da estrutura da oferta, em mercados

maduros, nos quais há crescimento mínimo do consumo de gás e os novos investimentos não

são tão impactantes (ANP, 2002a).

Com a tarifação postal, um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo,

independentemente da origem e do destino do gás natural. Assim, é mais fácil aplicar o

princípio da uniformidade tarifária em todo território. Porém, de acordo com a ERSE (2004),

neste tipo de tarifação existe um subsídio cruzado entre os clientes situados perto e longe dos

pontos de produção. Este tipo de tarifação será menos indicado quanto maiores, menos

ramificados e mais unidirecionais forem os gasodutos.

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2.2.4 - Tarifação por Distância

Por outro lado, se a distância percorrida pelo gás for considerada no cálculo da tarifa, a

demanda é expressa por um indicador de capacidade de distância, que é denominado

momento de capacidade de transporte e é calculado somando-se os produtos da capacidade

disponibilizada em um ponto de entrega pela distância entre os pontos de recepção e entrega.

Quando existe uma grande distância entre os pontos de entrada e de saída de gás, a variável

distância condiciona fortemente os custos do transporte e, por isso, deve ser considerada no

cálculo da tarifa.

A tarifa por distância é prática comum em mercados em desenvolvimento e em

concorrência, uma vez que as tarifas que não apresentam os determinantes de seus custos são

ineficientes. Com a introdução da variável distância é possível eliminar as distorções causadas

por subsídios cruzados entre usuários do serviço. Com esse tipo de tarifa é possível, ainda,

respeitar as vantagens comparativas das regiões produtoras e evitar decisões irracionais de

investimento por falta de sinalização locacional (ANP, 2002a). O custo de transporte deve ser

condicionado à distância quando o fluxo é dominantemente unidirecional, e principalmente

quando há poucos pontos de injeção (ERSE, 2004). Lapuerta e Moselle (2002) concordam

que a tarifação baseada em distância reflete seus custos quando os gasodutos são extensos e

com fluxos unidirecionais. Entretanto, quando as redes possuem muitos pontos de entrada e

saída, a tarifação por distância não terá seus custos refletidos nas tarifas e será potencialmente

discriminatória, principalmente em relação às empresas entrantes, em benefício das

incumbentes, que levam vantagens relacionadas ao grande portfólio de fontes de oferta e

clientes.

A tarifação ponto-a-ponto é a principal forma de aplicação da tarifação por distância e

geralmente é utilizada para transporte de grandes distâncias, quando há um deslocamento

linear do gás. Nesse caso, entre cada ponto de recepção e entrega é aplicada uma tarifa

unitária por m3.km e para cada carregamento é cobrada tarifa por unidade de volume. A tarifa

por m3 entre o ponto de recepção (x) e o ponto de entrega (y) é obtida da seguinte maneira

(ANP, 2002c, p. 18):

TarifaXY = Custo Unitário . DXY

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Onde: TarifaXY = tarifa de transporte entre os pontos x e y (R$/m3)

Custo Unitário = custo unitário de transporte (R$/m3/km)

DXY = distância, em km, entre os pontos x e y

2.2.5 - Tarifação Entrada/Saída (Entry-Exit)

O tipo de tarifação “entry-exit”, ou entrada/saída, é outra forma de tarifação para o

transporte de gás natural. Este tipo de determinação de tarifas é definido com base na

combinação de preços separados para a introdução de gás no sistema – preços de entrada – e

para a retirada de gás do sistema de transporte – preços de saída. Assim, busca-se refletir,

simultaneamente, o uso da capacidade do sistema e a flexibilidade de utilização do mesmo.

Esse critério contém, indiretamente, um elemento de distância na determinação do quanto

cada agente irá pagar (ERSE, 2004).

De acordo com Lapuerta e Moselle (2002), em um sistema de entrada/saída, o encargo

total de transporte é a soma dos encargos de capacidade de entrada e de saída. Esses encargos

podem variar muito entre o ponto de entrada e o ponto de saída e podem ser distribuídos de

maneira a tornar os encargos totais de transporte o mais próximo possível de seus custos

associados. A implementação depende do conceito de custo que se utiliza: no Reino Unido,

por exemplo, a empresa UK Transco usa as tarifas entry-exit para aproximar o valor do custo

marginal de longo prazo. Entretanto, pode-se utilizar a mesma metodologia utilizando como

base os custos médios ou outra forma de alocação de custos.

Algumas análises teóricas afirmam que é sempre possível refletir os custos marginais

de longo prazo por meio dos encargos de entrada e saída. Lapuerta e Moselle (2002, p.42)

interpretam essa afirmação como um pressuposto inicial a favor da tarifação entry-exit nos

casos em que o conceito de custo dominante é o de custo marginal de longo prazo. Entretanto,

os autores fazem algumas advertências pois os argumentos teóricos pressupõe hipóteses de

planejamento ótimo e perfeita previsibilidade, mas, na prática pode ser difícil para a tarifação

entrada/saída refletir completamente os custos marginais. Além disso, as teorias aplicadas ao

custo marginal podem não ser eficientes quando se usa a tarifação entrada/saída para refletir

os custos médios. O exemplo a seguir mostra isso:

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Figura 1 - Tarifação Entrada/Saída e Custos Médios

Fonte: Lapuerta e Moselle (2002, p. 43)

Considerando o sistema hipotético da figura 1, com dois pontos de entrada (I e J) e dois

pontos de saída (V e W) e supondo que o custo médio de transporte é o mesmo entre I e V e I e

W, mas o custo médio entre J e V é bem mais baixo do que entre J e W, então, se a meta é refletir

os custos médios nas tarifas, os encargos para usar IV e IW devem ser os mesmos, e, portanto, os

encargos de saída para V e W devem ser iguais. Entretanto, isso implica que o encargo para usar

JV será o mesmo da utilização de JW, mesmo com os custos médios sendo diferentes

(LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p.43).

Para que a tarifação entry-exit seja eficiente, é necessário que a autoridade responsável

pela definição tarifária defina claramente a metodologia de medição de custos associados aos

gasodutos e calcule os encargos de entrada e saída de tal forma que, para qualquer contrato, as

tarifas se aproximem o máximo possível dos custos. Após a definição é necessário que

qualquer divergência na refletividade dos custos seja examinada para que, se possível,

modificações sejam feitas.

2.2.6 - Combinações de metodologias tarifárias

A tarifação por distância, postal e entry-exit são as três principais metodologias de

tarifação de transporte de gás natural. Entretanto, existem variações e combinações dessas três

(ponto de saída) V J (ponto de entrada)

(ponto de entrada) I W (ponto de saída)

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formas, que são utilizadas de forma a agregar as vantagens específicas de cada uma delas. As

combinações de diferentes metodologias costumam ser mais utilizadas do que as formas

puras, dada a minimização dos pontos negativos.

A tarifação zonal é uma das principais combinações de metodologias e ocorre entre a

tarifa postal e a ponto-a-ponto. Na tarifas zonais, há uma divisão por zonas tarifárias na região

por onde passa o gasoduto. Dentro de uma mesma região, as tarifas por unidades de volume

são as mesmas, ou seja, a tarifação é postal. Para a definição da tarifa a ser cobrada deve se

utilizar a metodologia da tarifa ponto a ponto aplicada à distância média equivalente da zona,

também denominada centro da carga (ANP, 2002a). Para cada centro de carga existe uma

distância e uma capacidade contratada associadas. A capacidade contratada é calculada a

partir da soma de todas as capacidades contratadas nos pontos de entrega da zona. Para o

cálculo da localização do centro de carga é preciso calcular a distância média de capacidade,

obtida da seguinte forma (ANP, 2002c, p. 19):

Onde: DC = distância média de capacidade (km)

MC = momento de capacidade total (m3.km)

CT = capacidade contratada total no gasoduto (m3)

A distância média ponderada é, portanto, a média das distâncias ponderada pelas

capacidades contratadas em cada ponto de entrega de uma zona, que é calculada como a

relação entre o momento de capacidade total e o somatório de todas as capacidades

contratadas.

A tarifação zonal contorna alguns dos problemas relacionados à tarifação ponto-a-

ponto uma vez que a tarifa é mais homogênea. Ao mesmo tempo, este tipo de tarifação

fornece sinalização locacional para os consumidores e produtores, o que não ocorre com a

tarifação postal. Por outro lado, a tarifação zonal também apresenta desvantagens, como a

possibilidade de consumidores iguais pagarem tarifas diferentes se estiverem em zonas

distintas e de tornar-se instável no caso de grandes expansões na rede.

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Há ainda uma outra forma de tarifação denominada tarifa binária, tarifa mista ou tarifa

híbrida. Nesse caso, a tarifa é apenas em parte proporcional à distância, assim, tanto os custos

fixos (sobre a capacidade contratada) como os custos variáveis (sobre a movimentação) são

remunerados. A tarifa binária possui, portanto, dois componentes: um que remunera os custos

fixos e é cobrado sobre as capacidades contratadas, e outro que remunera os custos variáveis e

é cobrado sobre a movimentação (ANP, 2002c, p. 20):

Onde: RecTotFix = receita total fixa (R$)

RecTotVar = receita total variável (R$)

MCi = momento total de capacidade no ano i (m3.km)

MMi = momento total de movimentação no ano i (m3.km)

CustoUnitárioCapacidade = custo unitário19 de capacidade (R$/m3/km)

CustoUnitárioMovimentação = custo unitário de movimentação (R$/m3/km)

R = taxa de retorno

n = prazo de avaliação

São muitas as formas de variação e combinação na tarifação de transporte de gás

natural. Cada país, de acordo com as características da rede e dos gasodutos, da contratação

do transporte e de aspectos relacionados ao serviço e uso final do gás, determinam a forma de

tarifação que mais se adapta a essas características. Muitos países costumam subdividir as

tarifas em uma parte fixa e outra proporcional à distância e, portanto, utilizam-se de

combinações das formas de tarifação analisadas.

19 Se as demandas e os custos forem conhecidos, os custos unitários de capacidade e de movimentação podem ser calculados dividindo a receita total fixa e variável pelos respectivos momentos de capacidade e de movimentação.

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2.2.7 - Tarifa em Duas Partes

De acordo com OECD (1994), quando o transporte do gás natural é feito com um

número fixo de carregadores e volumes estáveis, a alocação dos custos é simples. Por outro

lado, quando a rede de gasoduto é aberta para o livre acesso, há um maior número de

carregadores competindo, cada um com um fator de carga diferente. Nesse caso, os efeitos

dos incentivos da tarifa são fundamentais. O problema é alocar os custos totais de forma a

cobrir a capacidade reservada para o transporte firme, compensando os custos fixos do

transportador e os custos variáveis, que são a capacidade de transporte realmente usada.

Nesse caso, as tarifas de movimentação costumam ser baixas e as de capacidade altas

para, assim, estimularem um alto fator de carga dos contratos firmados e, conseqüentemente,

a maximização do volume transportado. O regulador, entretanto, pode variar a participação

relativa da tarifa de movimentação em relação à de capacidade se seus objetivos forem outros,

como a conservação da oferta do gás, a diminuição do volume transportado em horário de

pico ou o estímulo à contratação de novas capacidades.

Para cada tipo de incentivo, diferentes formas de classificação de custos para tarifas

binômias são apresentadas pela OECD (1994):

- No critério Atlantic Seaboard Method, criado em 1952, metade dos custos fixos

são alocados como tarifa de movimentação. É geralmente utilizado em momentos

de grande crescimento de infra-estrutura e intensa competição. Esse critério é uma

forma dos consumidores interruptíveis também arcarem com parte dos custos fixos

(PINTO JR. e FIANI, 2002, p. 530).

- No United Method, criado em 1973, 25% dos custos fixos ficam alocados na tarifa

de capacidade e 75% desses custos na tarifa de movimentação, assim como os

custos variáveis. Esse método foi utilizado para aumentar o fator de carga no

transporte.

- O método Modified Fixed Variable, criado em 1983, aloca os custos fixos e os

custos variáveis na tarifa de movimentação. O objetivo desse método é maximizar

a utilização do gasoduto e tornar o gás mais competitivo em relação a

combustíveis alternativos.

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- O Modified Fixed Variable Without D220, criado em 1989, aloca quase todos os

custos fixos na tarifa de capacidade e os custos variáveis na tarifa de

movimentação. O objetivo desse método é assegurar a transição para o livre

acesso.

- Por fim, o método Straight Fixed-Variable passou a ser utilizado nos EUA desde

1992 e apresenta tarifa de movimentação baixa, incentivando um fator de carga

elevado. Nesse caso, os custos são repassados aos usuários como nos gasodutos e

o custo de transportar volumes incrementais de gás é baixo pois há uma pequena

parcela de custos fixos na movimentação adicional. Os carregadores têm, ainda, a

possibilidade de aumentar o fator de carga pela venda de gás adicional no mercado

spot.

2.2.8 - Tipo de Capacidade

Lapuerta e Moselle (2002) distinguem entre dois aspectos de um sistema tarifário: o

tipo da tarifa e o tipo de capacidade. Dois países podem ter o mesmo tipo de tarifação com

tipos de capacidade diferentes, como é o caso da Irlanda e da Inglaterra. Em ambos os países

o tipo de tarifação é de entrada/saída, no entanto, na Irlanda a capacidade é ponto-a-ponto, ou

seja, os contratos especificam os pontos de início e de fim, sem qualquer flexibilidade de

mudança, já na Inglaterra, os contratos são mais flexíveis. A escolha entre o tipo de tarifa e o

tipo de capacidade é independente e os critérios de definição são diferentes. No caso do tipo

de tarifa o principal objetivo é refletir os custos, já o tipo de capacidade está relacionado com

a flexibilidade do usuário da rede.

Os sistemas de capacidade são tipos de contrato de transporte de gás natural com

diferentes direitos e obrigações. Cada tipo de contrato enfrenta diferentes trade-offs entre as

metas de adoção da competição, a promoção de liquidez e o gerenciamento do tráfego nos

gasodutos. Existem três tipos de contrato de capacidade: postal, entry-exit e ponto-a-ponto.

Lapuerta e Moselle (2002) ilustram esses três tipos de contrato, supondo a rede hipotética

representada na Figura 2:

20 Tarifa de capacidade anual

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Figura 2 – Exemplo de uma rede hipotética

Fonte: Lapuerta e Moselle, 2001, p.56

a) Postal: O tipo de capacidade postal dá ao carregador o direito de entrar com o gás

em qualquer ponto de entrada (A ou B) e tirá-lo em qualquer ponto de saída (C ou

D). Além disso, os carregadores podem trocar os pontos de entrada e de saída sem

a necessidade de assinar novos contratos.

b) Entry-Exit: Um contrato de capacidade de entrada amarra o carregador a um

ponto específico de entrada, mas dá a eles acesso aos clientes que reservaram a

capacidade de saída em qualquer ponto de saída. No exemplo, suponha que o

carregador contrate o ponto de entrada A. Porém, uma vez que o gás entra no

sistema ele pode ser entregue a qualquer um que assinou um contrato separado de

saída nos pontos C ou D. Para o carregador utilizar o ponto de entrada B, um novo

contrato deve ser assinado. O mesmo ocorre com os contratos de capacidade de

saída.

c) Ponto-a-Ponto: Nesse tipo de contrato o carregador contrata um ponto de entrada

(A ou B) e um ponto de saída (C ou D). Nesse caso, o shipper não pode usar

nenhum outro ponto de entrada nem de saída exceto o estabelecido no contrato.

Cada um desses tipos de contrato possui flexibilidade diferente. Existe, entretanto, um

trade-off na questão da flexibilidade: ao mesmo tempo em que ela alimenta a competição, ela

A B

C D

Ponto de Entrada

Ponto de Saída

Gasodutos

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pode reduzir o total de capacidade disponível. Assim, a escolha dependerá do tamanho do

tráfego no sistema. Quando há pouca capacidade é melhor utilizar contratos menos flexíveis e

vice-versa.

O principal benefício da flexibilidade desse tipo de contrato é desenvolver a

competição, uma vez que ele diminui a competitividade significativa do tamanho do

carregador. Em um contrato ponto-a-ponto, os carregadores com um grande portfólio de

clientes possuem vantagens competitivas, pois é possível fazer swaps internos e manter a

elevada utilização dos pontos de entrada e saída particulares. Por outro lado, um carregador

com apenas um cliente poderá desperdiçar capacidade de transporte se o consumidor utilizar

menos gás do que foi antecipado, pois é difícil vender essa capacidade ociosa em um sistema

ponto a ponto. Já os direitos de capacidade postais facilitam o comércio e diminuem o

desperdício do pequeno carregador. Com a flexibilidade, o pequeno carregador tem maior

possibilidade de crescer gradualmente, sem desvantagens competitivas. Além disso, a

existência de flexibilidade encoraja a comercialização secundária da capacidade de transporte

(LAPUERTA e MOSELLE, 2002, p.58).

A flexibilidade dada aos carregadores, entretanto, pode afetar o montante de

capacidade disponível do transportador. Lapuerta e Moselle (2002, p.59) ilustram esse

problema com o exemplo representado na Figura 3. Nesse sistema hipotético, existem três

pontos de entrada (A, B e C) e dois pontos de saída (D e E). Os gasodutos A-E e C-D tem

capacidade de duas unidades cada enquanto os gasodutos B-D e B-E tem apenas uma unidade

disponível. A demanda de gás é de duas unidades em cada ponto de saída (D e E), totalizando

uma demanda de quatro unidades.

Figura 3 - Custo da Flexibilidade

Fonte: Lapuerta e Moselle (2002, p. 59)

Ponto de Entrada

Ponto de Saída

Gasodutos

A B

D E

C

1 2 1 2

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69

Se o contrato de capacidade for do tipo postal, o transportador só pode vender uma

unidade da capacidade da firma, pois de outra forma ele corre o risco de ficar incapaz de

cumprir com seus compromissos. Se o transportador vender duas unidades da capacidade ele

pode não conseguir transportar duas unidades de gás de B para o ponto D. Por outro lado, se o

transportador vende uma unidade da capacidade, as outras três necessárias nos pontos D e E

terão que ser obtidas usando capacidade interruptível.

Já para o caso do contrato entry-exit, o transportador pode vender cinco unidades de

capacidade de entrada, duas em A e C e uma em B. Caso contrário, a firma não poderá

cumprir seus compromissos. Se a firma vender duas unidades em B, não conseguirá

transportar essas unidades até D. O transportador também pode vender quatro unidades de

capacidade de saída, duas em cada ponto. Mesmo cinco unidades sendo mais do que a

demanda, há ineficiência no ponto B

Se, entretanto, o contrato for ponto-a-ponto, o transportador poderá vender seis

unidades: duas em A-E e C-D e uma em B-D e B-E. Nesse caso, a inflexibilidade permite ao

transportador maximizar as vendas de capacidade da firma. Esse exemplo mostra que a

capacidade que uma firma irá vender depende do tipo de contrato que é oferecido. Com

contratos mais flexíveis, a capacidade a ser vendida é menor.

O contrato do tipo entry-exit é positivo para a eficiência do comércio, para a liquidez

do mercado e para a competição. Separando as capacidades de entrada e saída, o sistema cria

uma commodity homogênea que pode ser comercializada em termos equivalentes por todos os

usuários do sistema. O mesmo não ocorre no contrato ponto-a-ponto pois há uma commodity

para cada combinação de pontos de entrada e saída (LAPUERTA e MOSELLE, 2002).

Em relação à escolha da tarifa de capacidade pode-se concluir que há um trade-off

entre a quantidade de capacidade que o transportador pode vender e a flexibilidade dos

carregadores. A flexibilidade estimula o aumento da competição, mas a maximização da

quantidade disponível para venda também é importante, pois encoraja a utilização da rede,

ajuda a evitar congestionamento e, no longo prazo, diminui os custos totais do sistema. Essa

decisão dependerá da natureza do sistema e da capacidade ociosa dos gasodutos. Se o sistema

for congestionado, o valor da capacidade adicional pode ser tão alto que justifica o uso de um

contrato inflexível. O trade-off deve ser analisado particularmente para cada sistema.

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Na visão de Lapuerta e Moselle (2002), o contrato ponto-a-ponto pode não ser

totalmente inflexível. Uma das formas de possibilitar algum grau de flexibilidade é permitir

que os carregadores, ao contratarem o transporte entre dois pontos, tenham o direito de

designar um ponto de entrada e/ou saída secundário se for fisicamente factível. Outra

possibilidade é fazer uma segmentação, onde o carregador pode quebrar o caminho escolhido

no contrato nos seus segmentos constituintes ou combinar segmentos diferentes em um único

caminho. Essas alternativas mantém os benefícios da capacidade ponto-a-ponto ao mesmo

tempo que o flexibilizam.

A questão da flexibilidade também está relacionada à existência de um mercado

secundário nos sistemas com diversos carregadores, uma vez que o mercado secundário é

capaz de estimular a competição e aliviar a congestão. Em um mercado com muitos

carregadores competindo, qualquer carregador com excesso de capacidade terá incentivos

para colocá-lo no mercado secundário. Apenas um carregador com possibilidade de perder

clientes para algum concorrente que costuma resistir a este tipo de negociação, mesmo

sabendo que o concorrente pode comprar excesso de capacidade de outros carregadores. Por

outro lado, no caso de existir um carregador dominante, ele controla a capacidade existente e

pode bloquear os competidores recusando-se a negociar o excesso de capacidade

(LAPUERTA e MOSELLE, 2002).

Cada tipo de capacidade tem impactos diferentes sobre a criação de mercado

secundário. No caso do tipo de capacidade entry-exit, existe a criação de um pequeno número

de commodities, uma para cada ponto de entrada ou saída e, assim o mercado secundário é

mais estimulado do que no caso do tipo de capacidade ponto a ponto, que cria centenas de

commodities diferentes, uma para cada combinação de pontos de entrada e saída

(LAPUERTA e MOSELLE, 2002).

Por meio do estudo dos diferentes tipos de tarifação e dos diferentes tipos de

capacidade que podem ser aplicados na tarifação entrada/saída é possível perceber que são

inúmeras as combinações existentes e, portanto, inúmeras as formas de tarifação do transporte

de gás natural. Assim, cada país irá definir o método que mais se adapta aos objetivos do

órgão regulador, ao modelo de organização da indústria e às características da rede.

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2.3 - Considerações Finais do Capítulo

Este Capítulo analisou as características técnico-econômicas da indústria do gás

natural, dando ênfase as características do segmento de transporte que fazem da tarifação do

transporte de gás natural um ponto importante da regulação do segmento. A tarifação do

transporte do gás natural deve levar em conta tanto os custos de movimentação do gás quanto

os custos fixos relacionados à construção da rede de gasodutos.

Os tipos de tarifa de transporte de gás natural analisados nesse capítulo foram a

tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação do tipo entrada/saída. Na tarifação

postal um mesmo preço é aplicado para cada unidade de consumo e existe um subsídio

cruzado entre os clientes situados perto e longe dos pontos de produção. Já na tarifação por

distância, a demanda é expressa por um indicador de capacidade de distância e assim, é

possível eliminar as distorções causadas por subsídios cruzados e respeitar as vantagens

comparativas das regiões produtoras. Na tarifação entry-exit, as tarifas são definidas com base

na combinação de preços de entrada e de saída do sistema de transporte, sendo, portanto,

bastante flexível.

A escolha entre os diversos tipos de tarifação vai depender das características do

sistema e dos objetivos do órgão regulador. Cada país leva em consideração fatores diferentes

na formulação da metodologia tarifária a ser adotada para o transporte de gás natural. As

tarifas baseadas em distância são indicadas para gasodutos extensos com fluxo unidirecional.

Em outras circunstâncias, esse tipo de tarifa pode não refletir bem os custos do sistema e se

tornar discriminatória. Já a tarifação do tipo entrada/saída é geralmente recomendada quando

os custos marginais de longo prazo são o conceito de custo dominante. A tarifação postal, por

sua vez, é indicada para monopólios ou em mercados maduros. O quadro abaixo faz uma

pequena comparação entre os três principais tipos de tarifação de transporte de gás natural.

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Quadro 1 - Comparação entre as Formas de Tarifação de Transporte de Gás

Tarifação por Distância

Tarifação Entry-Exit

Tarifação Postal

Facilidade de Uso Razoável Bom Muito Bom Transparência para o Regulador Difícil de

determinar Bom Muito Bom

Discriminação pelo Custo do Transporte

Alta Nenhuma Nenhuma

Refletividade dos Custos

Geralmente Boa

Crítico em alguns casos

Ruim para grandes redes

Efeitos perversos sobre Investimentos

Possível Possível Alta se a rede é ampla

Facilidade de Comercialização no Mercado Secundário

Razoavelmente difícil

Razoavelmente fácil

Razoavelmente fácil

Fonte: Adaptado de Lapuerta e Moselle (2002, p.49)

É possível perceber, portanto, que existem trade-offs que devem ser trabalhados antes

de se optar pela forma de tarifação a ser utilizada no segmento. No próximo Capítulo serão

analisadas algumas particularidades da indústria de gás natural no Brasil e o histórico da

tarifação de transporte de gás natural no País. É a partir do entendimento do sistema de

gasodutos e da regulação brasileira que será possível determinar qual o tipo de tarifação que

terá maior possibilidade de sucesso no Brasil.

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CAPÍTULO III - EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL

NO BRASIL

Neste capítulo discute-se a indústria de gás natural no Brasil, apresentando suas

características principais, as mudanças ocorridas na indústria até a atualidade e os aspectos

regulatórios relacionados a ela, dando ênfase ao segmento de transporte de gás. O estudo das

características específicas da indústria brasileira de gás natural é de fundamental importância

para a formulação de uma política para o transporte de gás natural e, particularmente, das

possíveis soluções para a questão tarifária.

O Capítulo aborda o crescimento do setor no País, as alterações no padrão de

concorrência com a flexibilização do monopólio estatal e o histórico das políticas de

desenvolvimento da indústria no país. São analisados, ainda, alguns dos problemas

relacionados ao transporte de gás natural no Brasil. Por fim, o capítulo apresenta o histórico

dos critérios de tarifação adotados no Brasil, que até o final de 2001 eram três: a tarifação do

transporte do gás natural de produção nacional, a tarifação do gás importado e a tarifação do

gás destinado às usinas do Programa Prioritário de Termeletricidade. Desde 2002, o transporte

de gás natural de produção nacional passou a ser definido livremente entre as partes e a ANP

passou a atuar apenas na resolução dos possíveis conflitos envolvendo os agentes.

Para a análise geral da indústria de gás natural no País, utilizaram-se os dados técnicos

disponíveis em EIA (2004) e ANP (2004). No âmbito dos aspectos regulatórios da indústria,

além dos trabalhos de Krause e Pinto Jr. (1998b) e ANP (2002d), foram analisadas a

Constituição Federal de 1988, a Lei 9.478 de 1997 e a Portaria ANP 169 de 1998. As

informações sobre os problemas relacionados ao transporte de gás natural no Brasil são

baseadas nos trabalhos de Krause e Pinto Jr. (1998b), Cecchi (2003), ANP (2001) e nas

Portarias ANP 98 e 254 de 2001 e 001 de 2003. Por fim, as informações sobre os critérios e

formas de tarifação de transporte de gás natural no País baseiam-se principalmente nos

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trabalhos de ANP (2002c) e também na legislação vigente sobre o tema, em especial a

Portaria MME 003 de 2000, a Portaria MME/MF 176 de 2001 e as Portarias da ANP 108 de

2000, 101 de 2001 e 45 de 2002.

3.1 - Evolução da indústria de gás natural no Brasil

Antes de analisar os aspectos concernentes ao transporte de gás natural no Brasil é

interessante estudar a evolução da indústria como um todo, desde o início da utilização do

energético até as mudanças ocorridas na indústria após a Constituição de 1988 e a Lei 9.478

de 1997. Nesse contexto, serão apresentadas as características principais da indústria no

Brasil, como a infra-estrutura existente, a disponibilidade de gás natural, os principais

aspectos da demanda por gás natural no Brasil e algumas políticas desenvolvidas para o

aumento da participação do gás natural no País.

3.1.1 - Condições de Oferta

O gás natural passou a ser utilizado no país ainda na década de 40, na Bahia, após a

descoberta de uma reserva de petróleo e gás. Sua utilização em indústrias locais era,

entretanto, bastante limitada. Somente na década de 80, com a descoberta de reservas de gás

na Bacia de Campos que o gás natural começou a aumentar sua participação na matriz

energética brasileira, embora permaneça muito limitada. Por outro lado, com as novas

descobertas de reservas de gás natural e a criação de novos incentivos, a perspectiva é de um

incremento dessa participação nos próximos anos.

a) Reservas e Produção

As reservas provadas de gás natural brasileira até o final de 2003 eram de 316 bilhões

de m3. Esse valor é inferior ao que existe efetivamente no País pois apenas 78 dos 419 bilhões

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de m3 da nova reserva de gás da Bacia de Santos foram agregados às reservas provadas

brasileiras. Se todos os recursos fossem somados, o Brasil teria quase 700 bilhões de m3, o

que significa um potencial de produção estimado em 100 milhões de m3 por dia. Esse valor é

significativamente superior à produção atual, de cerca de 20 milhões de m3 diários. Até 2001,

a participação do gás natural como fonte primária de energia era de cerca de 3,5%, entretanto,

com esse potencial de produção e investimentos previstos da ordem de três bilhões de dólares,

espera-se que esse percentual seja elevado para 12% em 2010 e 15% em 2015.

(PETROBRAS, 2004).

As principais reservas de gás natural do Brasil estão localizadas nas Bacias de Campos

e Santos, no Sudeste, de Solimões e Amazonas, no Amazonas, e de Potiguar e Recôncavo, no

Nordeste. Como a maioria das reservas brasileiras é localizada offshore, muitas vezes não é

viável economicamente que se invista em infra-estrutura para comercializar boa parte desse

gás (ALMEIDA, 2003c). O Brasil importa cerca de 40% do gás natural que é vendido aos

consumidores finais. As importações são provenientes da Bolívia, pelo gasoduto Bolívia-

Brasil e da Argentina, pelo gasoduto que liga a malha dutoviária desse país com a cidade de

Uruguaiana, no Rio Grande do Sul (ANP, 2004).

Com a abertura do segmento de exploração e produção, muitos novos agentes

passaram a atuar no segmento, aumentando o número de descobertas. A principal delas está

localizada na Bacia de Santos e foi descoberta pela Petrobras. Estima-se que com essa nova

descoberta, a relação reserva-produção brasileira passe de 15 para 40 anos. Outro ponto

importante em relação a essa descoberta é a proximidade com São Paulo, maior mercado

consumidor de gás brasileiro (ALMEIDA, 2003b).

A produção de gás natural no Brasil também se desenvolveu significativamente entre

os anos de 1992 e 2001. O crescimento nesse período foi de 92,5% (EIA, 2004). Com as

rodadas de licitação realizadas pela ANP, há boas perspectivas de aumento da produção do

gás natural nacional. Novas descobertas de gás na Bolívia sem demanda local também

aumentam a possibilidade de importação brasileira, através do gasoduto Bolívia-Brasil (ANP,

2002d).

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b) Infra-estrutura

Até 1998 a rede de transporte brasileira era de cerca 4.000 km. Entretanto, essa rede

quase dobrou em poucos anos. A malha de gasodutos brasileiros é, atualmente, constituída de

cerca de 7.700 km de redes de transporte e 8.400 km de redes de distribuição. As redes de

transporte englobam os 5,5 mil km de gasodutos de transporte e os 2,2 mil km de gasodutos

de transferência21. O sistema de transporte de gás natural é limitado às Regiões Sul e Sudeste,

com uma pequena rede interconectando os estados do Nordeste. Os gasodutos de transporte

são divididos em três malhas, além do gasoduto Bolívia-Brasil. As três malhas são a Malha

RJ-MG-SP, a Malha Espírito Santo e a Malha Nordeste.

A Malha RJ-MG-SP é composta de sete gasodutos: o gasoduto Cabiúnas-REDUC,

com 183 km de extensão e que transporta cerca de 1,5 bilhões de m3 de gás por ano da Bacia

de Campos para abastecer o estado do Rio de Janeiro; o gasoduto REDUC-REGAP, com 357

km e que transporta anualmente 712 milhões de m3 de gás da Bacia de Campos até Minas

Gerais; o gasoduto REDUC-ESVOL, com 92,5 km de extensão e capacidade anual de

transporte 1,54 bilhões de m3 de Duque de Caxias até o gasoduto Volta Redonda-São Paulo; o

gasoduto ESVOL-São Paulo, com 325,7 km e capacidade de 1,54 bilhões de m3 anuais entre

as cidades de Volta Redonda e São Paulo; o gasoduto ESVOL-TEVOL, com 5,5 km de

extensão entre o gasoduto REDUC-ESVOL e a cidade de Volta Redonda, transportando

anualmente até 1,54 bilhões de m3 de gás; o gasoduto RPBC-Capuava, que transporta até 350

milhões de m3 por ano nos 37 km entre o campo de Merluza, na Bacia de Santos e as cidades

de Cubatão e Capuava; e, por fim, o gasoduto RPBC-Comgás, com 1,5 km e capacidade anual

de 566 milhões de m3 anuais para abastecimento do ponto de entrega da Comgás na Baixada

Santista.

A Malha Espírito Santo é composta por apenas dois gasodutos, o Lagoa Parda-Vitória,

com 100 km de extensão e capaz de transportar até 365 milhões de m3 por ano entre Lagoa

Parda e os municípios de Aracruz, Serra e Vitória; e o gasoduto Serra-Viana, o Gasvit, com

21 Gasodutos de transferência são de uso particular do proprietário ou do explorador das facilidades. É importante ressaltar que no artigo 59 da Lei 9.478/97 ficou estabelecido que os dutos de transferência serão reclassificados pela ANP como de transporte caso haja comprovado interesse de terceiros em sua utilização.

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46 km de extensão com capacidade máxima anual de 240 milhões de m3 para abastecimento

dos pontos de entrega de Cariacica e Viana.

A Malha SE-BA, também chamada de Malha Nordeste Meridional, possui cinco

gasodutos: o gasoduto Atalaia-Catu, ou Gaseb, que é responsável pelo transporte de até 402

milhões de m3 por ano nos 230 km entre Aracaju e alguns municípios baianos; o gasoduto

Santiago-Camaçari 14” que liga os 32 km entre essas duas cidades, conduzindo até 365

milhões de m3 por ano; o gasoduto Santiago-Camaçari 18”, também com 32 km, mas com

capacidade máxima anual de 657 milhões de m3 por ano; o gasoduto Candeias-Camaçari, que

transporta até 365 milhões de m3 por ano pelos 37 km entre as cidades; e o gasoduto Aratu-

Camaçari, que é o gasoduto mais antigo do Brasil e transporta anualmente até 255 milhões de

m3 pelos 20 km do trecho.

A Malha Nordeste Setentrional engloba os estados do Ceará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Pernambuco e Alagoas e possui três gasodutos: o gasoduto Guamaré-Pecém, com

capacidade máxima anual de 292 milhões de m3 e 383 km de extensão entre os municípios de

Guamaré, no Rio Grande do Norte, e os municípios cearenses de Icapuí, Horizonte,

Maracanaú e São Gonçalo do Amarante; o gasoduto Guamaré-Cabo, conhecido como

Nordestão, responsável pelo abastecimento de 11 municípios e com capacidade máxima anual

de 314 milhões de m3 de gás natural e 424 km de extensão; e o gasoduto Alagoas-

Pernambuco, com 204 km de extensão entre os municípios de Pilar e Cabo.

O gasoduto Bolívia-Brasil, conhecido como Gasbol é operado pela Transportadora

Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S/A – TBG. O Gasbol possui ao todo 3.150 km de

extensão, sendo 2.593 km no território brasileiro e 557 km na Bolívia. O gasoduto passa pelos

estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O

trecho Norte do gasoduto, que vai da Bolívia até Campinas possui 1.418 km e foi inaugurado

em 1999. Já o trecho Sul, inaugurado em 2000, passa pelos 1.165 km entre São Paulo e a

cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. A capacidade máxima diária do Gasbol é de 30

milhões de m3 de gás. A expectativa é de que sua capacidade máxima seja atingida em 2007,

liderado pelo consumo no Estado de São Paulo. O custo de construção do gasoduto foi de

aproximadamente dois bilhões de dólares, financiado pelo aporte de acionistas, venda

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antecipada de serviços, emissão de títulos com garantia do Banco Mundial, além de

empréstimos22 (Gás Energia, 2004).

Existem ainda outros gasodutos construídos recentemente, como é o caso do gasoduto

Lateral Cuiabá, que liga a Bolívia à cidade de Cuiabá, no Mato Grasso e possui 267 km de

extensão; e o gasoduto Urucu-Coari, que liga o campo de Urucu, na Amazônia e a cidade de

Coari. Está prevista ainda a construção da extensão desse gasoduto, ligando Coari até a cidade

de Manaus.

Estão ainda em estudos alguns novos gasodutos, como o gasoduto Uruguaiana - Porto

Alegre, que deve fornecer gás natural ao Estado do Rio Grande do Sul e interligar as

principais bacias gasíferas do Brasil, da Argentina e da Bolívia. O gasoduto previsto possui

615 km de extensão e capacidade máxima de 15 milhões de m3 diários. Os investimentos

previstos são de cerca de 350 milhões de dólares. A primeira etapa desse gasoduto já foi

concluída e possui dois trechos: um ligando a fronteira com a Argentina até o city gate de

Uruguaiana e outro ligando o município de Canoas até o Pólo Petroquímico de Triunfo. A

próxima etapa é interligar esses dois trechos já construídos. Outro gasoduto em estudo deverá

ligar Porto Alegre até a cidade de Colônia, no Uruguai. Este gasoduto, chamado de Cruzeiro

do Sul, prevê a construção de 505 km de gasodutos em solo brasileiro e 415 km no Uruguai.

São três as empresas transportadoras que atuam no Brasil: a Transpetro; a

Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-

Brasil (TBG). A Transpetro, criada em 1997, é uma subsidiária de transporte marítimo,

dutoviário e de operação de terminais da Petrobras. A empresa realiza atividades relacionadas

ao transporte e armazenamento de combustíveis por dutos, terminais e embarcações e é

responsável por todos os gasodutos brasileiro, com exceção do Gasbol e do gasoduto

Uruguaiana-Porto Alegre. A TSB foi criada em 1999 e ficou responsável pela construção do

gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre. Já a TBG, criada em 1997, é a responsável pela

administração do gasoduto Bolívia-Brasil.

A Figura a seguir mostra toda a rede de gasodutos brasileira incluindo as três malhas:

Malha RJ-MG-SP, a Malha Espírito Santo e a Malha Nordeste; o Gasoduto Bolívia-Brasil; os

gasodutos já construídos, mas fora de operação, como é o caso do gasoduto Urucu-Coari; e

22 A construção do Gasbol contou com empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), do BIRD (Banco Mundial), de

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alguns dos gasodutos em estudo, como é o caso do Gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre e do

Coari-Manaus.

Figura 4 - Rede de Gasodutos Brasileira

Fonte: Petrobras, 2004

Agências de Fomento à Exportação, do CAF (Corporación Andina de Fomentos) e do BEI (Banco Europeu de Investimento)

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Os gasodutos de distribuição, por sua vez, também são pouco desenvolvidos e somam,

ao todo, 8.400 km. De acordo com a Constituição Federal de 1988 e a Lei do Petróleo (Lei

9.478/97), a distribuição de gás canalizado é de responsabilidade dos Estados da União. Com

a promulgação dessas leis, o número de empresas distribuidoras cresceu muito no país.

Entretanto, a rede de gasodutos de distribuição é pequena em comparação com a rede de

transporte. São 21 os Estados brasileiros que já possuem empresas distribuidoras de gás,

porém, nem todas estão em operação. Os Estados que possuem as maiores redes de

distribuição de gás natural são Rio de Janeiro e São Paulo.

3.1.2 - Condições de Demanda

O desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira está bastante atrasado em

relação a países desenvolvidos, como os Estados Unidos e alguns países europeus. Mesmo

com o crescimento anual de 13% no Norte e no Nordeste e de 19% no Sul, Sudeste e Centro-

Oeste entre 1996 e 2003 (SAUER, 2004), o índice de participação do gás natural na matriz

energética ainda é muito baixo. Para que essa situação seja revertida é de fundamental

importância o desenvolvimento da demanda desse energético.

São três os principais mercados de gás natural no Brasil. O primeiro compreende os

estados do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste, que juntos representam a maior parte da

produção industrial do Brasil e do consumo de energia, os estados da Região Sudeste recebem

gás das Bacias de Campos, de Santos e do Espírito Santo e os demais estados, incluindo

também São Paulo, recebem gás da Bolívia. O segundo maior mercado está localizado na

Região Nordeste, sendo a Bahia o principal mercado consumidor. Os estados do Nordeste

recebem gás das Bacias do Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e da Bahia, mas nos

últimos anos, as reservas da Região vêm declinando. O terceiro mercado está localizado na

Região Amazônica que, embora possua grandes reservas, ainda não possui consumidores23

(ALMEIDA, 2003c).

Existem diversos usos possíveis para o gás natural. O energético pode ser utilizado

como combustível de indústrias, em residências e estabelecimentos comerciais, como

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combustível para veículos e, ainda, na geração de eletricidade, uso que impulsionou o

crescimento da demanda do energético. As principais vantagens da utilização do gás são a

competitividade econômica e os benefícios ambientais. Do ponto de vista da competitividade,

embora o gás natural seja mais caro que alguns combustíveis, ele costuma apresentar

vantagens comparativas técnicas e ambientais em relação aos concorrentes. Já do ponto de

vista ambiental, o gás natural apresenta menores índices de emissões e, conseqüentemente,

menor custo no controle de poluentes.

No caso brasileiro, a demanda por gás natural é concentrada no segmento industrial,

responsável por cerca de 60% da demanda pelo energético, e no segmento de geração térmica,

que representa 23% do consumo. O segmento automotivo, por sua vez, responde por cerca de

12% das vendas de gás natural e os segmentos comercial e residencial somam apenas cerca de

5% da demanda. A seguir serão apresentadas as características principais de cada um desses

segmentos.

a) Consumo Industrial

O gás natural, como combustível industrial, além de aumentar a qualidade de

fabricação, possui uma combustão bem menos poluente do que outros combustíveis, como o

coque, a lenha e os óleos combustíveis. O desenvolvimento do mercado industrial é de grande

importância para a expansão do gás natural no país. A demanda industrial é relativamente

estável e geralmente de grande volume, o que possibilita que alguns projetos sejam

viabilizados apenas com um grande consumidor que garanta uma demanda mínima de gás

natural. Atualmente, o gás natural representa cerca de 7,5% da energia industrial consumida

no Brasil.

A principal questão relacionada à demanda industrial do gás natural é a

competitividade em relação aos demais energéticos. Se o preço do gás natural deixar de ser

atrativo para os grandes consumidores, a demanda ficará prejudicada, assim como o

desenvolvimento da indústria. É preciso, portanto, que se criem políticas que garantam a

competitividade do combustível, inclusive refletindo as vantagens ambientais do gás natural

nas tarifas.

23 Se o gasoduto Coari-Manaus for construído, haverá algum mercado na Região Amazônica, principalmente de térmicas.

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b) Geração Termelétrica

Outro mercado importante para o gás natural é o da geração termelétrica, que no caso

brasileiro, está baseada na complementação da hidroeletricidade. Por ser uma grande

demandante de gás natural, uma usina termelétrica é capaz de viabilizar a construção de um

trecho de gasoduto.

O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), como será visto a seguir,

impulsionou fortemente a geração termelétrica no País, embora tenha apresentado resultados

abaixo do esperado. Atualmente, a capacidade de geração das térmicas a gás natural é de

cerca de 5.400 MW e a utilização de gás natural é de aproximadamente nove milhões de m3

diários, mas a previsão é que, até 2007, a geração de energia termelétrica atinja um consumo

de 50 milhões de m3 por dia.

c) Segmento Automotivo

Um mercado de grande perspectiva para o gás natural no Brasil é o de GNV. A

principal vantagem desse combustível é o preço em relação à gasolina, ao álcool e ao diesel.

Do ponto de vista ecológico, o GNV também apresenta redução de alguns poluentes. O ritmo

de crescimento da utilização do GNV se tornou bastante acelerado nos últimos seis anos,

depois que o governo autorizou os veículos particulares a se converterem para GNV.

Atualmente existem mais de 700 mil veículos convertidos no Brasil. Esse mercado é

concentrado nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, mas já apresenta um crescimento

considerável em alguns Estados do Nordeste.

O GNV tem potencial para ser o principal mercado de pequena escala de gás natural

no Brasil, uma vez que o combustível é importante para a capilarização da rede de

distribuição. Para que o mercado de GNV seja ainda maior são necessários: a manutenção dos

preços em patamares competitivos em relação aos demais combustíveis; a ampliação do

número de cidades abastecidas com o combustível; incentivos para a conversão de veículos de

grande porte, de transporte de carga e de passageiros; e investimentos em postos revendedores

de GNV, na distribuição via Gás Natural Comprimido (GNC) e na distribuição de gás

canalizado.

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d) Consumo Residencial e Comercial

O desenvolvimento dos segmentos residencial e comercial de gás no Brasil é bastante

complicado, dado o estágio incipiente da indústria no País. Com exceção da CEG, no Rio de

Janeiro e da Comgas, em São Paulo, que já possuem redes de distribuição mais desenvolvidas,

a maioria das empresas de distribuição não possui capacidade financeira para arcar com os

custos significativos de construção e expansão da rede. Os altos investimentos necessários não

se justificam para pequenas demandas. Com a deficiência de financiamento, as distribuidoras

procuram por consumidores com demanda elevada e estável (ALMEIDA, 2003c).

A maioria das residências brasileiras utiliza o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e,

portanto, a substituição pelo gás natural depende da ampliação da malha residencial. Por sua

vez, os investimentos necessários para a utilização de gás natural em residências já

construídas são muito altos e, além disso, o aquecimento de residências não é necessário em

quase todo o território brasileiro. Mesmo com todas essas dificuldades, a previsão é de que o

índice de substituição do GLP por gás natural atinja 15% em 2010 (ANP, 2004). Outra

possibilidade é a utilização de gás natural para o aquecimento de água nas residências em

substituição à eletricidade.

O segmento comercial, por sua vez, pode crescer significativamente se houver

incentivos para a substituição do GLP para a cocção e aquecimento de água. Existem alguns

projetos de co-geração para refrigeração e energia elétrica. Além disso, o gás natural pode ser

utilizado em equipamentos de ar condicionado, geladeiras e frigoríficos.

3.1.3 - Evolução das Políticas para o aumento da utilização de Gás Natural

Para o entendimento do desenvolvimento da indústria de gás natural País, é importante

que se aborde a questão das políticas empreendidas no Brasil para o crescimento da demanda

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de gás natural. Até a década de 70 não existia nenhuma política específica para o gás natural.

Entretanto, devido aos choques de petróleo, foi feita uma revisão na política energética

brasileira e as diretrizes fundamentais passaram a ser o estímulo à substituição do petróleo

importado e a conservação de energia, de modo a minimizar o impacto do aumento dos preços

do petróleo no mercado internacional sobre a economia brasileira. A seguir, serão

apresentadas brevemente algumas das políticas relacionadas ao uso do gás natural

implementadas no Brasil.

a) Plano Nacional de Gás Natural

O Plano Nacional de Gás Natural (PLANGAS), desenvolvido em 1987, definiu

algumas prioridades para o uso de gás natural, tendo como objetivo principal substituir o óleo

diesel utilizado em indústrias e no transporte. O PLANGAS não incluía as termoelétricas pois

as disponibilidades de gás eram insuficientes, mas previa a substituição do óleo diesel para

geração de eletricidade na região Norte. Esse plano falhou pois, até o momento, não havia

sido desenvolvida a tecnologia necessária para a conversão de veículos movidos a óleo diesel;

devido à necessidade de elevados investimentos em equipamentos e instalações; e devido à

oferta de gás natural estar restrita a algumas áreas.

Com o início da construção do gasoduto Bolívia-Brasil houve uma reversão da postura

do PLANGAS. A oferta de gás natural ganhou novas expectativas com a importação do gás

da Bolívia. Primeiramente, objetivava-se o atendimento do mercado industrial. Entretanto,

como o mercado não cresceu como o esperado, a solução encontrada foi o atendimento da

demanda por termoeletricidade.

b) Programa Prioritário de Termeletricidade

Após o blecaute de 1999, o gás natural ganhou importância significativa uma vez que

a geração termelétrica passou a ter um papel complementar em relação à hidroeletricidade. O

Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) foi criado após esse blecaute e previa

inicialmente a instalação de 15 termelétricas com capacidade de 12 GW até 2003. Embora a

construção de usinas termelétricas requeira investimentos menores do que as hidrelétricas, por

outro lado, o custo de operação das térmicas é mais elevado, tornando-as pouco competitivas.

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Dadas as dificuldades de se atrair investimento privado para a construção de termelétricas, o

PPT criou incentivos para a construção de usinas de forma a aumentar a confiabilidade do

sistema. O PPT seria acompanhado, ainda, de investimentos para aliviar o carregamento das

linhas de transmissão, proporcionar um estabelecimento rápido em casos de blecaute e

modernizar as subestações (SCHÜFFNER, 2002).

Em 2000, uma nova versão do PPT foi apresentada, com a previsão de que 51

termelétricas totalizando 17 GW seriam instaladas até 2004. As termelétricas, entretanto, não

tiveram um lançamento imediato e alguns dos problemas apontados estavam relacionados à

fórmula de cálculo do preço do gás, ao elevado preço do gás natural importado da Bolívia e

ao valor das tarifas de transporte, cuja redução para as térmicas perto do centro de consumo

ainda precisava ser regulamentada pela ANEEL.

No ano de 2001 havia apenas 10 projetos em andamento, todos com participação da

Petrobras. Contudo, com o racionamento, criou-se o Plano Emergencial de Termelétricas, que

possibilitou melhores condições para os interessados. Com esse novo plano, 14 usinas foram

instaladas em 2002, representando um potencial de 3,3 GW. Entretanto, o PPT não foi um

plano bem sucedido e seus resultados foram muito aquém dos esperados. Esse resultado ruim

pode ser explicado, em parte, pelo potencial hidráulico competitivo mesmo com custos e

prazos de construção mais elevados. Além disso, o risco de cortes de energia foi diminuído

devido à elevação de água nos reservatórios. Para que a utilização de gás natural na geração

termelétrica fosse estimulada seria necessária uma diminuição no preço do gás e no valor das

tarifas de transmissão.

Com o PPT, a expectativa de crescimento da demanda por gás natural cresceu muito

no país, em especial depois da crise de 2001. Entretanto, o racionamento provocou uma

grande queda na demanda por energia elétrica reduzindo os investimentos no PPT. Porém,

mesmo com investimentos menores do que os previstos, houve um aumento significativo da

geração baseada em gás natural no Brasil, que atualmente é de 5.400 MW. Se toda a geração

fosse despachada, a demanda por gás natural atingiria cerca de 20 MCM por dia (ALMEIDA,

2003c).

c) Plano de Massificação do Uso do Gás Natural

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A descoberta da grande reserva de gás natural na Bacia de Santos foi um dos motivos

que levou a Petrobras a criar o Plano de Massificação do Uso do Gás Natural, que tem como

objetivo aumentar a participação do gás natural na matriz energética brasileira. Para isso, o

gás deverá ser disponibilizado para novos consumidores, inclusive em áreas que não possuem

redes de gasodutos, por meio de gasodutos virtuais. O Plano dá atenção especial para o

segmento automotivo, para a co-geração e para a geração distribuída. A previsão é de que

50% da oferta total seja destinada ao segmento industrial, comercial e serviços de grande

porte; 20% para o setor automotivo; 20% para as unidades da Petrobras e para a geração

Termoelétrica; e 10% para consumo residencial e comercial de pequeno porte.

A primeira fase do Plano de Massificação foi o Projeto Malhas, que previa

investimentos de US$ 1,2 bilhões em gasodutos das regiões Nordeste e Sudeste. No Sudeste,

o principal gasoduto previsto é o Campinas-Rio, com 442 Km e, no Nordeste, a previsão é de

construir sete gasodutos totalizando 962 km, oito city gates e duas estações de compressão.

Ainda está em estudo o projeto de interligação das Malhas SE e NE, o chamado Gasene, com

1.225 km de extensão. O Plano também prevê a necessidade de expandir em 200 mil km a

rede metropolitana de gás canalizado. O Plano de Massificação estuda ainda a possibilidade

de construção de uma planta de liquefação de gás natural e investimento da ordem de 2,5

bilhões de dólares para desenvolver a reservas da Bacia de Santos. Com o Projeto Malhas

ficaram evidentes os problemas da indústria de gás natural no Brasil e a falta de aderência

regulatória.

O maior desafio para a massificação do uso do gás natural no Brasil é a interiorização

do combustível. Depois da consolidação do segmento industrial, as distribuidoras apostam na

interiorização dos segmentos veicular, residencial e comercial. Para disponibilizar o gás

natural em qualquer parte do país é necessária a viabilização de gasodutos virtuais, que

consistem na compressão do gás natural em cilindros que são transportados via caminhões até

as estações de descompressão.

O Plano de Massificação da Petrobras é bastante ambicioso e, por isso, possui algumas

dificuldades para se concretizar de fato. O principal gargalo do Plano é a capacidade de

investimento das distribuidoras de gás. A Petrobras espera que sejam construídos 200 mil km

de gasodutos de distribuição, o que representa investimentos muito superiores à capacidade

das distribuidoras (ALMEIDA e BUENO, 2004).

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As políticas de desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil conseguiram

aumentar a utilização do energético, mas sua participação ainda é muito pequena na matriz

energética brasileira. Alguns dos obstáculos para o crescimento da indústria está relacionado a

aspectos regulatórios, como será visto a seguir.

3.2 - Aspectos Regulatórios

A Constituição de 1988, a Lei 9.478 de 1997 e as Portarias da ANP estabeleceram o

marco regulatório relacionado à indústria do Gás Natural no Brasil. O artigo 25, parágrafo

segundo, da Constituição Federal estabeleceu que “Cabe aos Estados explorar direta, ou

mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição

de medida provisória para a sua regulamentação”. A reforma institucional, por sua vez, foi

realizada pela Lei 9.478/97, conhecida como Lei do Petróleo, que modificou a estrutura da

indústria, desverticalizando seus segmentos. Os segmentos de produção, transporte,

importação e comercialização ficaram sob a responsabilidade da agência reguladora criada

nessa própria lei, a ANP, e a distribuição e os consumidores finais, sob a responsabilidade dos

Estados da União, conforme ilustra a figura a seguir:

Figura 5 - Estrutura da Indústria de Gás Natural Brasileira

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Fonte: ANP, 2004

A Agência Nacional do Petróleo é, portanto, a responsável pela regulação da indústria

de gás natural brasileira, em seus segmentos de produção, importação, transporte e

comercialização. Até a promulgação da Lei do Petróleo e a criação da agência, a Petrobras,

empresa estatal verticalizada, detinha o monopólio desses segmentos. Com a

desverticalização, a ANP foi criada para “promover a regulação, a contratação e a

fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo” (artigo 8o).

Neste sentido, as principais atribuições da agência dizem respeito à defesa dos interesses dos

consumidores; à licitação de blocos para exploração de petróleo e gás; à autorização do

exercício das demais atividades da cadeia (transporte, comercialização e distribuição); ao

estabelecimento de tarifas quando não houver acordo entre as partes; à resolução de conflitos,

e à fiscalização, direta ou mediante convênios, das atividades (ANP, 2002d, p. 3).

3.2.1 - Produção e Processamento

Em relação à produção de gás natural, ficou estabelecido no artigo 21 da Lei 9.748/97

que a União é a detentora dos direitos de exploração de petróleo e gás natural e que a ANP é a

responsável pela administração. A Lei prevê, ainda, a licitação de blocos e a assinatura de

contratos de concessão para o exercício das atividades de exploração, desenvolvimento e

produção de petróleo. A regulação é feita a partir desses contratos de concessão, que podem

ser transferidos a outros agentes, mediante a autorização da agência. A maior parte dos novos

agentes na indústria brasileira após a quebra do monopólio da Petrobras atua no segmento de

Exploração & Produção, através dos blocos licitados nos seis leilões da ANP.

Já as unidades de processamento de gás natural (UPGN) só podem ser construídas,

ampliadas e operadas com a autorização da ANP, conforme estabelece a Portaria no. 28 de

1999. As atividades relacionas às UPGNs não são concessões dadas aos agentes, que também

não possuem exclusividade no exercício. As autorizações dadas pela ANP podem ser

transferidas, mediante aprovação da agência (ANP, 2002d).

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3.2.2 - Transporte

Na regulação da atividade de transporte de gás natural não existem licitações. Para o

exercício dessa atividade, é necessária apenas a autorização da agência, que pode ser dada a

qualquer empresa ou consórcio que deseja construir instalações e transportar o gás, tanto no

mercado interno como para importação e exportação (Lei 9.748/97 artigo 56). Já no artigo 65,

a Lei estabelece os requisitos de separação da atividade de transporte, determinando a criação

de uma subsidiária da Petrobras para o segmento. Essa subsidiária é a Transpetro, que tem

como finalidade a construção e operação de dutos, terminais marítimos e embarcações para

transporte.

Outro aspecto importante da regulação de transporte de gás natural é a questão do

livre acesso de terceiros à infra-estrutura existente. O artigo 58 da citada lei prevê que:

Art. 58. Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais

marítimos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das

instalações.

§1º A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada, caso não haja

acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com

o mercado.

§2º A ANP regulará a preferência a ser atribuída aos proprietários das instalações para a

movimentação de seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização

da capacidade de transporte pelos meios disponíveis.

Em 1998, a ANP estabeleceu a Portaria 170, que regulamentou a construção e

operação de infra-estrutura de transporte. A partir dessa Portaria, alguns empreendimentos

importantes foram autorizados, como o gasoduto Bolívia-Brasil, o Uruguaiana-Porto Alegre e

o Lateral Cuiabá. A entrada de novos agentes nesse segmento é bastante complexa, devido

aos elevados investimentos necessários para a construção de novos gasodutos. Entretanto,

pode ser observado o movimento de alguns novos agentes em consórcios para a construção de

nova infra-estrutura.

A Portaria no. 169 da ANP, publicada em 1998, foi a primeira a estabelecer critérios

sobre o acesso de terceiros às redes, como a tarifação do transporte dutoviário. Essa Portaria

foi revogada, devido à necessidade de aperfeiçoamento, pela Minuta de Portaria sobre Livre

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Acesso, colocada à disposição dos agentes em 2001. Para atender à demanda do PPT e

estimular a expansão da rede de gasodutos brasileira, a ANP publicou, ainda em 2001, a

Portaria no. 98, que continha a regulamentação da expansão da capacidade de transporte de

gás natural no Brasil. Em setembro desse mesmo ano, a agência publicou a Portaria 254/01

que tratava dos procedimentos para Resolução de Conflitos.

Os temas apresentados na Minuta de Livre Acesso a princípio seriam regulamentados

por cinco outras Portarias, que seriam colocadas em Consulta Pública: a Portaria de livre

acesso às instalações de transporte de gás natural; a Portaria que regulamenta o processo de

resolução de conflito; a Portaria de informações a serem enviadas pelos transportadores e

carregadores de gás natural à ANP, ao mercado e aos carregadores; a Portaria de cessão de

capacidade de transporte de gás natural; e a Portaria de critérios tarifários (ANP, 2002d, p.7).

Desde então, realizaram-se três processos de Consulta Pública para as minutas de portarias,

mas apenas regras relativas às informações entraram em vigor. Atualmente, a única Portaria

que trata da questão do acesso de terceiros no Brasil é a Portaria ANP 254 de 2001, que

determina a intervenção da Agência na resolução de possíveis conflitos na negociação de

acesso.

Nas Portarias da ANP que se seguiram ao livre acesso proposto na Lei do Petróleo

algumas mudanças foram postas em consulta e audiência pública. Foi proposta a introdução

de um período de carência que proporcionaria maiores investimentos em infra-estrutura, uma

vez que a percepção de riscos do carregador seria minimizada. Tal período de carência valeria

para Mercados Emergentes24 e Novas Instalações de Transporte25. Além disso, foram

propostas limitações para a realização de Concurso Aberto para expansão da capacidade e

para a prestação de Serviço de Transporte Interruptível, de forma a dar mais segurança para o

retorno do investimento. Foi proposto, ainda, um critério de alocação de capacidade de

transporte pelo menor preço do gás ofertado para beneficiar o consumidor final.

Em relação aos critérios tarifários, foi proposto que as tarifas fossem uniformes em

qualquer ponto de retirada dentro de uma área de concessão e a receita de transporte

interruptível deveria ser repassada de forma proporcional à capacidade de cada contrato de

24 Seria considerado Mercado Emergente aquele “localizado em uma área geográfica limitada, correspondente a uma região de concessão estadual de distribuição de gás canalizado, na qual o primeiro fornecimento comercial de seu primeiro contrato de longa duração tenha sido efetuado há menos de 8 (oito) anos”. 25 Nova Instalação de Transporte é uma “Instalação de Transporte com Autorização de Operação (AO) expedida há menos de 4 (quatro) anos, ao longo de toda sua extensão, conforme projeto aprovado, que não interligue pontos de recepção e entrega já conectados por dutos existentes”.

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serviço de transporte firme. Por fim, em relação à cessão de capacidade, foi proposta a

possibilidade de negociação direta, sem necessidade de oferta pública para operações de

cessão de capacidade com prazos inferiores a dois anos e procedimentos mais transparentes de

oferta pública para cessão de capacidade com mais de dois anos (CECCHI, 2003).

Alguns agentes se mostraram contrários a essas regras pois a reserva de mercado

impede a competitividade e pode trazer prejuízos ao consumidor, que poderão pagar preços

mais caros. As limitações ao Serviço de Transporte Interruptível, por sua vez, podem

comprometer a maximização do uso da capacidade dos gasodutos e dificultar o crescimento

do mercado, uma vez que o comercializador monopolista pode manter o gasoduto abaixo de

seu limite de utilização para o oferecimento do STI, que na proposta é de 70% (IEPUC,

2004).

Em relação à minuta de portaria de critérios tarifários, realizada na mesma audiência

pública, os agentes expressaram a necessidade de se estabelecerem regras mais detalhadas,

evitando assim a discriminação na prestação de serviços. Já em relação à minuta de portaria

de cessão de capacidade, as principais críticas estão relacionadas à oferta pública de cessão

mesmo nos casos em que pode ser realizada diretamente entre as partes (IEPUC, 2004).

Outra questão relativa à regulação do segmento de transporte de gás natural é o

Concurso Aberto, que é um mecanismo para a oferta pública de capacidade de serviço de

transporte firme. Concurso Aberto para oferta e alocação de capacidade decorrente da

expansão de gasodutos foi estabelecido no contexto do racionamento de energia, pela Portaria

ANP 98/01. O processo do Concurso Aberto é iniciado pela Declaração de Utilidade Pública,

na qual o prestador de serviço declara a intenção de aumentar a capacidade de transporte,

informando quais os pontos de recepção e entrega a serem contemplados, as exigências

técnicas, as datas de término e entrega dos resultados e os critérios de escolha das socilitações.

A oferta pública é uma forma transparente e evita o tratamento discriminatório entre os

agentes interessados em contratar a capacidade de transporte e em fornecer gás natural ao

mercado (ANP, 2003b).

O Concurso Aberto é, portanto, um leilão de capacidade firme de transporte, com a

ampliação da rede de gasodutos já existente. O leilão pode facilitar a entrada de novos

agentes, com a concorrência entre os carregadores e a limitação da participação da Petrobras

em contratar a capacidade a ser expandida (ANP, 2002d). Em relação ao Concurso Aberto,

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alguns agentes contestaram o critério de menor preço para a alocação de capacidade, pois o

transportador passaria a ter o poder de estabelecimento de preços.

3.2.3 - Comercialização e Importação

A comercialização de gás natural de origem nacional pode ser exercida por qualquer

agente produtor ou importador autorizado, que é encarregado de conduzir a matéria-prima até

os city gates das transportadoras. No caso do gás natural importado, a comercialização

depende da autorização da ANP, conforme previsto na Portaria no. 43 de 1998. No caso

brasileiro, há importação de gás da Argentina e da Bolívia. A importação da Argentina

abastece, principalmente, a usina termelétrica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Já a

importação da Bolívia, via Gasbol, é destinada para as companhias de distribuição de gás dos

Estados pelos quais passa o gasoduto. De acordo com a ANP (2002d), até maio de 2002

estavam autorizadas importações de cerca de 72 milhões de m3 diários, entretanto, foram

efetivamente importados apenas cerca de 14 milhões m3 /dia.

3.2.4 - Distribuição

Como visto anteriormente, a distribuição de gás canalizado é de responsabilidade dos

Estados da União, conforme previsto na Constituição Federal de 1988. As secretarias ou as

agências reguladoras estaduais são as responsáveis pela regulação do segmento. Até 1988

existiam no país apenas três empresas estatais de distribuição de gás: a CEG, do Rio de

Janeiro, a Comgás, de São Paulo e a Gasmig, de Minas Gerais. Dessas três empresas, apenas

as duas primeiras estavam em operação (KRAUSE e PINTO JR., 1998b). Até 1995 foram

criadas mais onze novas companhias, todas com a participação da Petrobras e dos governos

estaduais, que detinham grande parte das ações ordinárias.

Nesse mesmo ano, o artigo 25 da Constituição Federal recebeu nova redação e os

Estados da União passaram a poder explorar a distribuição de gás canalizado mediante

concessão. Algumas empresas já existentes, como a CEG, foram privatizadas com a

finalidade de aumentar os investimentos e a eficiência. Em São Paulo, entre os anos de 1999 e

2000, foram licitadas três áreas de concessão, por intermédio da Comissão de Serviços

Públicos de Energia (CSPE).

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A construção do Gasoduto Bolívia-Brasil e o desenvolvimento do campo de Urucu

estimularam a criação de sete novas empresas de distribuição estaduais no Centro-Oeste e no

Norte do País. Atualmente existem 24 empresas de distribuição de gás natural no Brasil, com

18 delas já em operação. Embora novos operadores tenham adquirido participação nas

empresas estaduais, a participação do governo e da Petrobras ainda é dominante no segmento.

3.2.5 - Análise da Regulação da Indústria de Gás Natural no Brasil

A regulação da indústria de gás natural pela ANP se concentra na atividade de

transporte de gás natural. A ANP é responsável pela mediação dos conflitos entre as partes

interessadas, mas não regula diretamente os preços do transporte. Entretanto, a tendência

mundial é de ampliação do papel do regulador e da regulação dos preços e das condições de

transporte. Essa tendência é causada pelos elevados custos de transação que existem na

elaboração dos contratos entre os agentes (PINTO JR., 2003).

Alguns aspectos da regulação são de fundamental importância para o desenvolvimento

da indústria de gás natural no Brasil. No caso brasileiro, o ambiente institucional para a

indústria de gás natural não está totalmente definido, o momento é de transição e as incertezas

são muitas. A construção do marco regulatório, por se tratar de uma tarefa bastante complexa,

ainda não se consolidou. A Lei do Petróleo considera o gás natural como derivado do petróleo

e muitas das leis necessárias para o desenvolvimento dessa indústria ainda não foram

regulamentadas, inibindo a ação de novos agentes no setor. A ausência de uma lei que atribua

à ANP papel na negociação e elaboração contratual na atividade de transporte de gás é um dos

principais entraves ao desenvolvimento da IGN no Brasil.

Outros problemas relacionados à regulação do gás natural no Brasil são: a posição

dominante da Petrobras, que dificulta a entrada de novos agentes; alguns problemas

contratuais e regulatórios do gás natural para a geração de energia que não são compatíveis

com os de energia elétrica; a indefinição em relação ao acesso de terceiros à infra-estrutura de

transporte de gás natural; e a divisão da regulação da cadeia de gás natural entre a ANP e as

agências estaduais, que dificulta a homogeneidade e continuidade da regulação (ANP, 2002d).

Em muitos países, diferentemente do que ocorre no Brasil, existe uma agência

regulatória específica para o gás natural ou uma associação com a energia elétrica. As

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particularidades do gás natural, principalmente as relacionadas à existência de monopólio

natural no transporte e na distribuição do energético fazem com que a associação com a

regulação do setor de petróleo não seja indicada para a indústria. O poder de mercado do

produtor é muito elevado e economicamente incontestável, pois ele apropria-se das rendas

minerais e, aproveitando-se das economias de escala, chega a um custo marginal de operação

próximo a zero. Sendo assim, apenas um marco regulatório específico para a indústria pode

evitar que haja abusos do monopolista.

Além da associação da regulação do gás com a regulação do petróleo, a distribuição é

regulada pelas agências estaduais no Brasil e, assim, há sensíveis diferenças entre os Estados,

inclusive no preço do gás vendido. Para que a regulação estadual seja bem sucedida é

necessário que haja articulação dos arranjos institucionais entre os diversos Estados. Além

disso, não há limitações à integração horizontal, ou seja, um mesmo grupo pode controlar a

distribuição de gás canalizado em diversos Estados, aumentando seu poder de mercado e

dificultando a negociação com os fornecedores e transportadores (KRAUSE e PINTO JR.,

1998b).

A questão da importação do gás também deve ser ressaltada. Além de atuar no

controle da qualidade do gás, que deve estar de acordo com as normas brasileiras, o regulador

também deveria ter papel no monitoramento e na aprovação dos preços praticados na

importação, principalmente pela necessidade de manter o gás natural em patamares

competitivos frente aos demais energéticos. No caso do importador, seria interessante que a

propriedade cruzada dos agentes fosse limitada pelo regulador, uma vez que o importador cria

um monopólio local (KRAUSE e PINTO JR., 1998b).

A Lei do Petróleo estabeleceu a abertura do mercado, mas não forneceu os

instrumentos necessários para que ela fosse implementada no Brasil e, portanto, a ANP

depende da publicação de portarias e de negociações para atuar (CECCHI, 2003). Além das

dificuldades da regulação da indústria como um todo, existem ainda alguns problemas

específicos do segmento de transporte de gás natural, como será visto a seguir.

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3.2.6 - Principais Problemas relativos ao transporte de gás natural no Brasil

São muitos os problemas relacionados ao segmento de transporte de gás natural no

Brasil. O principal deles está relacionado à falta de investimentos em infra-estrutura de

transporte, que dificulta o desenvolvimento da indústria e a ampliação da participação do gás

natural na matriz energética brasileira. Além disso, as questões relacionadas ao livre-acesso

também são problemáticas no caso brasileiro. O artigo 58 da Lei 9.478/97 estabeleceu o

acesso de terceiros à infra-estrutura existente, mas não forneceu os instrumentos para sua

implementação nem o modelo a ser seguido. Outro problema relativo ao transporte de gás

natural no Brasil é a classificação dos dutos: não basta definir uma política para o transporte

de gás natural no Brasil enquanto muitos dos gasodutos de transporte continuarem a ser

classificados como dutos de transferência. Todos esses problemas são somados à questão

tarifária, ponto central dessa dissertação, que será amplamente discutida na seção 3.3.

a) Ausência de Infra-estrutura

O principal problema relacionado ao segmento de transporte de gás natural no Brasil é

a escassez da rede existente. A Argentina, que é um país de dimensões menores que a

brasileira, possui uma rede de transporte de mais de 12 mil quilômetros de gasodutos e os

EUA, com uma indústria madura, quase 450 mil. O desenvolvimento da indústria de gás

natural depende do desenvolvimento de sua malha, tanto de gasodutos de transporte como de

distribuição.

Em relação à expansão da rede de transporte, existem muitos projetos a serem

implantados, como é o caso do Gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre, o Gasoduto Cruzeiro do

Sul, o Gasoduto Coari-Manaus, os novos gasodutos no Sudeste e do Nordeste e o Gasene. A

implantação desses novos gasodutos é muito importante para o desenvolvimento da indústria

de gás natural brasileira e para sua interiorização. Uma política de tarifação de transporte de

gás natural, portanto, deve levar em consideração que a malha de gasodutos está em fase de

expansão e, por isso, deve estimular novos investimentos.

É interessante ressaltar que a expansão da rede de transporte de gás natural não é

suficiente para o desenvolvimento da IGN no Brasil. Fatores como o desenvolvimento da

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demanda e a expansão da rede de distribuição são fundamentais para que novos mercados

sejam atingidos.

b) Livre Acesso

O acesso de terceiros à infra-estrutura de transporte de gás natural é um dos problemas

relacionado a esse segmento. A Petrobras, responsável pela maior parte do transporte

dutoviário de gás natural no Brasil, se posicionou contra a legislação do livre acesso e criou

dificuldades na negociação com os terceiros interessados em utilizar a rede. A questão do

livre acesso deve ser resolvida, uma vez que, mesmo sendo economicamente ineficiente, pode

resultar, em último caso, em duplicação de trechos de gasodutos (KRAUSE e PINTO JR.,

1998b).

Os objetivos da ANP que norteiam as decisões dos conflitos de livre acesso se baseiam

na utilização eficiente da infra-estrutura existente, na promoção da competição via diminuição

das barreiras à entrada, no tratamento não discriminatório e no estímulo a novos

investimentos. Porém, como visto anteriormente, a legislação que irá regular o livre acesso

ainda não foi concluída.

Para a escolha do tipo de livre acesso a ser estabelecido no País é preciso levar em

conta os riscos assumidos pelos agentes. Se o livre acesso for mais aberto, os investimentos de

transporte não antecipam a demanda e os produtores só compram quando têm certeza sobre o

mercado. No livre acesso aberto, que foi para consulta pública em 2002, há incentivos para

investimentos na exploração e produção do gás pelas empresas privadas. Já no livre acesso

mais restrito, proposto na consulta pública de 2003, pode haver sobre-investimento em

transporte de gás dada a antecipação da demanda. Esse tipo de livre acesso privilegia o agente

dominante, por estar mais apto a correr os riscos do mercado e manter sua posição no

mercado (CECCHI, 2003).

Outra questão importante relacionada ao acesso de terceiros à infra-estrutura é a

existência de capacidade ociosa. O gasoduto Bolívia-Brasil, por exemplo, tem capacidade

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para importar diariamente da Bolívia até 30 milhões de m3 de gás, mas em 2004 transportou,

em média, apenas 13 milhões de m3 por dia. (ANP, 2004). Parte dessa capacidade ociosa pode

ser explicada pelo preço pouco competitivo do gás boliviano e pela demanda pouco

desenvolvida em algumas partes do País. A questão do livre acesso é importante também

nesse sentido, pois estimula o aproveitamento da capacidade ociosa.

c) Classificação dos Dutos

Outro problema relacionado ao transporte de gás natural no Brasil relaciona-se à

classificação entre dutos de transporte e dutos de transferência. De acordo com a Lei

9.478/97, “dutos de transferência são aqueles de interesse específico e exclusivo do

proprietário das instalações enquanto os dutos de transporte são aqueles de interesse geral”

(ANP, 2001, p. 27). Com essa classificação, alguns gasodutos que na realidade são de

transporte, são classificados como de transferência e, portanto, não são incluídos no cálculo

da parcela referencial do transporte. Na verdade, a dificuldade dessa classificação se deve ao

monopólio da Petrobras na produção. Se mais de um produtor tivesse interesse em usar o

gasoduto, este seria reclassificado como de transporte pela ANP. Como isso não acontece,

muitos deles ficam caracterizados como dutos de transferência. É importante que esse

problema seja solucionado para que a política de transporte de gás natural englobe todos os

gasodutos que, na prática, sejam gasodutos de transporte.

Para que a política de tarifação de transporte de gás natural seja bem sucedida no caso

brasileiro é preciso levar em consideração os problemas apontados. As questões apresentadas

nessa seção serão retomadas no Capítulo 5, no qual se discutirá aspectos da política para o

transporte de gás natural. A essas questões soma-se a definição tarifária, que será vista a

seguir.

3.3 - A Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil

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Até 1999 o preço máximo de venda do gás natural estava sujeito a uma regra de

paridade em relação ao óleo combustível 1A, estabelecido em 75% pela Portaria DNC no. 24

de 1994. Esse preço de venda não calculava, separadamente, uma tarifa para o transporte

dutoviário. Como o preço do óleo combustível era controlado até o início de 1999, essa regra

não apresentava muitas oscilações. Entretanto, quando o preço dos óleos combustíveis foi

flexibilizado essa situação se reverteu. A partir das portarias MF/MME 90 e 91 de 1999, esse

preço passou a ser relacionado aos preços internacionais, variando mensalmente. Por estar

vinculado ao preço do petróleo, o preço do GN começou a apresentar grandes oscilações. Por

esse motivo, buscou-se encontrar uma solução tarifária que conseguisse refletir mais

claramente a estrutura de custos e reduzisse distorções na formação do preço do gás (ANP,

2002c).

A Lei do Petróleo estabeleceu que haveria um período de transição até 31 de dezembro

de 2001, no qual os preços e os reajustes seguiriam parâmetros estabelecidos e, após esse

período, os preços seriam liberalizados. A Portaria Interministerial MF/MME no. 03 de 2000

foi estabelecida com o objetivo de regular os preços do gás natural de origem nacional e havia

uma preocupação em manter o vínculo entre o preço do gás natural e o preço do óleo

combustível, seu principal concorrente. Optou-se que, para o cálculo do preço do gás natural

vendido para as distribuidoras, deveria-se somar duas parcelas. A primeira parte seria a

remuneração do produtor, referida como commodity, que comumente é denominada preço

“boca-de-poço”26. A esse preço seria somada a tarifa de transporte entre a produção e o

consumo, que remunera o serviço de movimentação do gás.

Foram definidas, então, três formas de determinação do preço do transporte de gás no

país: o preço do gás de produção nacional, que tinha seu preço máximo regulado pela Portaria

MME/MF 003 de 2000; o preço do gás natural importado, que seria livre e arbitrado entre as

partes; e o preço médio do gás destinado ao Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT),

regulado pela Portaria MME/MF 176 de 2001 e válido para todo o gás destinado às

termelétricas, de origem nacional ou importado. Esse preço foi calculado considerando-se um

portfólio de 80% de gás importado e 20% de gás nacional (ANP, 2002c).

26 No caso brasileiro, é incorreto denominar a remuneração do produtor como “boca-de-poço” pois essa parcela engloba também os custos de transferência.

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3.3.1 - Preço do Gás Natural de Produção Nacional até 2001

A Portaria MME/MF 003 de 2000 regulava os preços máximos do gás natural de

produção nacional para venda à vista às distribuidoras. Os objetivos iniciais dessa Portaria

eram: manter o vínculo entre o preço do gás natural e o óleo combustível; incentivar o

investimento em exploração e produção em áreas com perspectivas favoráveis à descoberta de

gás; dar maior transparência à formação do preço; possibilitar diferentes mecanismos de

correção para cada parcela que compõe o preço nos pontos de entrega; reduzir os subsídios

cruzados entre os usuários do serviço; e incrementar a eficiência na utilização da rede de

transporte. Para o regulador, por outro lado, o principal objetivo era a separação das

atividades de comercialização e transporte de gás na formação do preço.

As premissas dessa Portaria eram: (i) menor volatilidade de preços com relação à

regulamentação anterior; (ii) simplicidade das regras, dada a fase incipiente da indústria; (iii)

separação, ao menos referencial, na esfera da formação de preços, das atividades de

comercialização e transporte; (iv) introdução progressiva do fator distância no cálculo da

tarifa de transporte, reduzindo os subsídios cruzados entre os usuários; (v) eliminação dos

preços diferenciados por uso final; e (vi) compromisso com a desregulamentação dos preços

do gás natural, de acordo com o desenvolvimento do mercado. Essas premissas deveriam

valer até que os contratos firmados da Transpetro refletissem todos os custos associados à

prestação do serviço (ANP, 2002c, p.5).

Essa Portaria definiu que o preço máximo do gás natural de origem nacional deveria

ser calculado somando-se a parcela referente ao produto, que engloba os custos de produção,

transferência e processamento; e a parcela referente ao transporte do gás pelo gasoduto, que

deveria ser estabelecida pela ANP. Embora se tenham duas parcelas corrigidas

independentemente, o preço controlado seria o preço máximo nos pontos de entrega.

A Tarifa de Transporte de Referência (Tref), posteriormente chamada de Parcela

Referencial de Transporte tinha como base os valores estimados dos ativos que compõe o

sistema de transporte de gás natural. Portanto, como poderia haver novos investimentos em

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gasodutos de transporte, essa parcela deveria ser revista periodicamente27, para a garantia da

remuneração desses investimentos.

A parcela Tref compunha o preço máximo de venda do gás, conjuntamente com a

parcela relativa ao produto (PGT), que era calculada residualmente como a diferença entre o

preço nos pontos de entrega praticado ao longo do segundo semestre de 1999 e a parcela de

transporte. O valor inicial da PGT foi indexado à taxa de câmbio e à mesma cesta de óleos

aplicada no contrato de importação de gás boliviano firmado pela Petrobras.

Cabe ressaltar que a parcela referencial de transporte considerava apenas os custos do

sistema definidos como de transporte. Os custos de transferência eram incorporados na

parcela PGT. O problema da classificação dos custos com ausência de informações impedia

que a parcela referente aos custos de transporte refletisse com exatidão seus reais custos, pois

não incorporava os custos de transferência (ANP, 2002c).

a) Cálculo da Parcela Referente ao Produto - PGT

Para o cálculo da remuneração dos produtores, a Portaria Ministerial MME/MF 003/00

utilizou a diferença entre o preço nos pontos de entrega entre os meses de agosto e dezembro

de 1999, de R$ 130,20 por mil m3, e a parcela referencial de transporte que será analisada a

seguir. O reajuste desse preço deveria ser trimestral e a fórmula utilizada seria baseada na

fórmula boliviana de reajuste, para dar maior estabilidade e previsibilidade ao mercado. O

valor da PGT seria reajustado da seguinte maneira (PORTARIA MME/MF 003/00, art.2):

Onde: PGT(ant) = o valor de PGT vigente no trimestre civil anterior àquele para o qual se

esteja calculando o novo PGT;

27 Todo fornecimento de gás de produção nacional utilizando os gasodutos já existentes ou que viriam a ser construídos deveriam ter o preço máximo estabelecido pela Portaria Interministerial no 03. O art. 69 da Lei 9478/97 estabeleceu que durante um período de transição “os reajustes e revisões de preços dos derivados básicos de petróleo e do gás natural, praticados pelas unidades de processamento, serão efetuados segundo diretrizes e parâmetros específicos estabelecidos, em ato conjunto, pelos Ministros de Estado da Fazenda e de Minas e Energia”. Dessa forma, a Portaria da ANP em particular ou regulamentação que a substitusse vigoraria, a princípio, enquanto os preços fossem regulamentados.

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PGT(0) = o valor inicial de PGT, igual a R$ 110,80 / mil m³;TC = média das taxas de

câmbio comercial de venda do dólar norte-americano

PTAX-800, publicadas no Sistema do Banco Central do Brasil (SISBACEN), relativa

aos meses m – 4, m – 3 e m – 2, sendo “m” o primeiro mês do trimestre civil para o

qual se esteja calculando o novo valor de PGT;

TC0 = média das taxas de câmbio comercial de venda do dólar norte-americano

PTAX-800, publicadas no Sistema do Banco Central do Brasil (SISBACEN), no

período de junho a agosto de 1999, inclusive.

F1, F2 e F3 = médias dos pontos médios diários das cotações superior e inferior,

publicados no Platt’s Oilgram Price Report, tabela Spot Price Assessments, dos meses

m - 4, m - 3 e m - 2, sendo:

F1 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil 3,5% Cargoes FOB Med

Basis Italy;

F2 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil #6 Sulphur 1% US Gulf

Coast Waterborne;

F3 = produto designado na referida publicação por Fuel Oil 1% Sulphur Cargoes FOB

NWE;

F10, F20 e F30 = médias dos pontos médios diários das cotações superior e inferior,

publicados no Platt’s Oilgram Price Report, tabela Spot Price Assessments, dos

produtos a que correspondem F1, F2 e F3 acima designados, no período de junho a

agosto de 1999, inclusive.

b) Cálculo da Parcela Referente ao Transporte - Tref

Em relação à Tarifa de Transporte de Referência, a Portaria 108, de 28 de junho de

2000, da ANP, estabeleceu que esta deveria ser revisada anualmente pelo índice IGP-M da

Fundação Getúlio Vargas. Essa Portaria introduziu gradualmente a variável distância no

cálculo da tarifa como forma de produzir sinais locacionais e alocar eficientemente os custos

entre os usuários. A introdução dessa sinalização foi feita com, inicialmente, 30% dos custos

proporcionais à distância. Os cálculos foram feitos consolidando todos os gasodutos da rede

como um gasoduto fictício único, ao invés de se fazerem os cálculos separadamente evitando-

se assim discrepâncias e imprecisão. Dessa maneira, o custo de investimento de cada gasoduto

deixaria de ser avaliado por uma estimativa de custo de reposição que não refletia com

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exatidão o valor de cada gasoduto (ANP, 2002c). A tabela abaixo mostra as parcelas

referenciais de transporte calculadas nas Portarias de 108/2000, 101/2001 e 45/2002:

Tabela 1 - Parcelas Referencias de Transporte (em R$/ mil m3)

Estado 2000 2001 2002 Ceará 22,13 19,40 26,94

Rio Grande do Norte 18,67 18,99 19,20 Paraíba 23,74 26,50 30,46

Pernambuco 27,51 32,08 38,84 Alagoas - 12,11 0,00 Sergipe 16,46 12,83 14,29 Bahia 16,84 16,29 15,15

Espírito Santo 16,80 16,23 15,05 Rio de Janeiro 17,31 16,25 16,18

São Paulo 23,97 26,85 30,98 Minas Gerais 26,49 30,57 36,56 Fonte: Adaptado das Portarias ANP 108/2000, ANP 101/2001 e ANP 45/2002 Para o cálculo da Tref, a ANP incorporou todos os gasodutos de transporte de gás de produção nacional com licença de operação até a publicação da Portaria. Os custos de investimento utilizados no cálculo foram informados pelo proprietário ou estimados pelos custos de reposição, com base em um valor definido pela extensão multiplicado pelo diâmetro do gasoduto. A partir dos custos de reposição foi possível deduzir a depreciação28 proporcional ao uso da instalação. Pela diferença entre o custo de reposição e a depreciação foi calculado o valor residual. Os custos fixos de operação e manutenção foram estimados como sendo 3% do custo de reposição do gasoduto novo, já os custos variáveis de O&M são desprezados nesse cálculo. Todos os custos de investimento e de operação e manutenção são somados formando o gasoduto fictício único, com um custo unitário por m3.km (ANP, 2002c).

A demanda considerada para o gasoduto fictício único era o somatório dos momentos de capacidade de todos os gasodutos. Devido à falta de informações para esse cálculo, seria necessário estimar29 a capacidade contratada entre os pontos. O momento de capacidade de 28 A depreciação é medida pela Tabela de Ross-Heidecke. Nessa Tabela foi encontrado um fator de depreciação a partir da idade percentual de cada duto, considerando o ano de início de operação e uma vida útil de 30 anos.A partir dessas considerações chegou-se a uma estimativa para o valor presente de cada gasoduto (ANP, 2002c). 29 Para essa estimativa tomaram-se como hipóteses que o somatório das capacidades contratadas em cada ponto de entrega de um gasoduto é igual a sua capacidade máxima declarada; e que as estimativas de capacidades contratadas por ponto de entrega são proporcionais às movimentações, referentes ao ano de 1999, nos respectivos pontos de entrega.

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cada gasoduto seria calculado como o somatório dos momentos de capacidade de todos os

seus pontos de entrega, conforme fórmula a seguir (ANP, 2002c, p. 24):

Onde: i: corresponde a cada ponto de entrega dentro de um gasoduto;

g: corresponde a cada gasoduto.

Di: é a distância até o ponto de entrega i;

CAPi: capacidade contratada entre pontos de recepção e entrega para cada gasoduto

A capacidade estimada para cada gasoduto era o volume retirado no gasoduto

proporcionalmente ao volume total retirado multiplicado pela capacidade declarada desse

gasoduto, conforme fórmula a seguir:

Onde: Vi: volumes retirados por ponto de entrega no gasoduto

CAPg: capacidade declarada desse gasoduto

Para calcular o custo unitário por m3.km, a receita total deveria ser dividida pelo

momento de capacidade total, considerando valores presentes descontados pela taxa de

retorno do investimento, calculados com base em um modelo de fluxo de caixa descontado30.

Na avaliação foi considerada uma taxa interna de retorno de 15%, e o investimento feito

apenas com capital próprio.

A abordagem determinada para a introdução da distância era a tarifa por zonas

tarifárias, sendo que cada zona era um estado da União e o centro de carga era calculado

como a distância média de movimentação dessa zona em relação aos pontos de produção.

Entretanto, devido à ausência de informações sobre as capacidades contratadas por ponto de

30 O fluxo de caixa tem um horizonte de 20 anos. As saídas são os custos de investimento, os custos de operação e manutenção e os impostos. Já as entradas são o residual e as receitas do projeto, geradas pela venda do serviço de transporte.

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entrega, a distância referente ao centro de carga de cada Estado era denominada distância

média equivalente estadual, calculada da seguinte forma (ANP, 2002c, p. 26):

Onde: Deq Estadual: distância média equivalente estadual;

i: corresponde a cada ponto de entrega dentro de um estado;

Di: distâncias entre pontos de recepção e entrega;

Vi: volumes retirados em cada ponto de entrega.

A tarifa por m3 de cada Estado, quando totalmente relacionada à distância, era

calculada de acordo com a regra a seguir:

Tarifa Estadual (100%) = Custo Unitário x Deq Estadual

Para o cálculo proporcional à distância, a tarifa calculada para cada zona tarifária

deveria ser ponderada com a tarifa média nacional. Supondo uma proporção de X%, tem-se a

seguinte regra:

Tarifa Estadual (X%) = Tarifa Média x (1 – X)/100 + Tarifa Estadual (100%) x X/100

Inicialmente, apenas 30% dos custos deveriam ser proporcionais à distância. Com a

Portaria ANP 101, de 2001, a proporcionalidade passou a ser de 40%. Já na Portaria ANP 45,

de 2002, a proporção passou a ser de 60%. Com a Portaria de 2001, os volumes de gás que

não utilizavam os gasodutos definidos como de transporte passaram a ser incorporados nos

cálculos para evitar algumas distorções.

Alguns agentes mostraram-se contrários às novas regras, mesmo aqueles que eram

prejudicados com a política de preço único. Um dos argumentos apresentados foi o de que a

metodologia poderia onerar demais alguns Estados, causando distorções e não sendo boa

sinalização econômica. No caso do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as empresas

queriam que a tarifa de referência de transporte fosse eliminada do preço máximo do gás nos

pontos de entrega mesmo com o benefício que a tarifação por distância traria ao Estado, que é

produtor de gás.

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Outra crítica ao modelo estava relacionada com a forma como foi feita a classificação

dos gasodutos de transporte uma vez que, como visto anteriormente, alguns gasodutos que

foram classificados como de transferência são, na realidade, de transporte, mas não são

incluídos nos cálculos das parcelas referenciais do transporte. Sem a correta classificação, os

Estados estavam dividindo os custos relativos aos gasodutos de transferência do País,

inclusive aqueles que não utilizavam essa infra-estrutura.

A ANP, por outro lado, alegava que a Tarifa Referencial de Transporte

proporcionalmente baseada no fator distância seria uma decisão temporária, até que ocorresse

a separação efetiva da atividade de transporte prevista na Lei do Petróleo. Quando os

contratos de transporte fossem assinados, os custos reais seriam estabelecidos e, portanto, não

haveria mais necessidade da intervenção da ANP na definição dessa parcela. A solução

encontrada, entretanto, não agradou muitos dos agentes envolvidos e a Agência passou a se

concentrar no processo de definição das tarifas e de contratação por zona da capacidade

existente no sistema operado pela Transpetro, cujos valores substituiriam os valores

referenciais utilizados na formação do preço de venda às distribuidoras (ANP, 2002c).

A Portaria Ministerial MME 003 de 2000 foi revogada em 2001 e, a partir de janeiro

de 2002, os preços do gás de produção nacional passaram a ser estabelecidos por meio de

contratos, da mesma forma que ocorre com o gás importado. A ANP, a partir de então, passou

a arbitrar os possíveis conflitos entre as partes envolvidas nos contratos, além de verificar se

as tarifas acordadas são compatíveis com o mercado e não prejudicam os interesses do

consumidor, funções estas definidas na Lei do Petróleo.

3.3.2 - Preço do Gás Natural Importado

O preço do gás natural importado não é regulamentado no Brasil. As partes envolvidas

negociam o preço por meio de contratos e a agência reguladora arbitra os eventuais conflitos.

O Brasil importa gás principalmente da Bolívia, através do Gasbol, que é operado pela TBG.

Nesse gasoduto, a forma de tarifação não varia com a distância, ou seja, a tarifação é do tipo

postal e é dividida entre tarifa de capacidade e tarifa de movimentação.

Até 2002, a ANP havia resolvido quatro conflitos de livre acesso, todos envolvendo a

TBG, transportadora do gasoduto Bolívia-Brasil, e outras empresas. Três dos conflitos

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envolviam o serviço de transporte não firme (STNF) e um o serviço de transporte firme

(STF). O serviço de transporte é considerado não firme ou interruptível quando há

disponibilidade ou ociosidade no duto, ou seja, só pode ser utilizado quando todos os usuários

firmes forem atendidos. Já o serviço de transporte firme é ininterrupto e implica reserva de

capacidade contratada de transporte no duto. A resolução dos conflitos foi baseada nas

premissas de acesso não discriminatório de terceiros à capacidade disponível e à capacidade

ociosa das instalações de transporte; e nos princípios de livre concorrência, utilização

eficiente da rede e estímulo aos investimentos estabelecidos pela Lei n° 9.478 (ANP, 2002c).

A tabela a seguir resume a resolução dos conflitos arbitrados pela ANP:

Tabela 2 - Resolução de Conflitos de Livre-Acesso

Empresa Tipo de Serviço

Volume (milhões m3/dia)

Período Mercado Potencial

Enersil Não-Firme 1 set/2000 a set/2001 (renovável por mais um ano) MS e SP

0,8 abr/2001 a ago/2001 Não-Firme 1 set/2001 a dez/2003 British Gas

Firme CP 2,1 set/2001 a dez/2002 SP

Fonte: ANP, 2002d, p. 6

A tarifa não firme determinada na resolução do conflito entre a TBG e Enersil, tinha

três aspectos importantes: o Fator Distância; o Fator de Carga, variável entre os limites de

85% e 100% da tarifa de capacidade do transporte firme relevante, para aproximar o valor da

tarifa não firme do custo unitário efetivo do carregador firme; e o Fator de Desconto, aplicado

no caso de interrupções no serviço de transporte por parte do transportador e calculado pela

razão entre o número de dias no mês em que não houvesse interrupção e o número total de

dias do mês (ANP, 2002c).

A TBG aceitou o fator distância, mas observou problemas na implementação do

mecanismo de fator de carga variável, como o fato do carregador ter estímulos para sempre

operar com um fator de carga de 100%, pela contratação de volumes em curtos períodos de

tempo ou da efetuação de vários contratos não firme. A TBG criticou ainda o fator desconto,

apontando que este poderia ser excessivo ou resultar em transporte gratuito, em caso de

reduções de quantidades a serem transportadas, independentemente da extensão destas

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reduções. Frente ao recurso da TBG, a ANP estabeleceu que a tarifa de transporte não firme

deveria: considerar a distância; ser equivalente à Tarifa Firme relevante a um fator de carga de

90%; e eliminar o Fator de Desconto (ANP, 2002c, p.41).

No conflito de transporte não firme entre a BG e TBG ficou também determinada a

introdução de um fator distância na tarifa. O mesmo ocorreu para a determinação da tarifa de

transporte firme entre a TBG e a BG. Nesse conflito ficaram ainda estabelecidos os valores

para a tarifa de capacidade e de movimentação.

A tarifação por distância no preço do transporte firme e não firme no Gasoduto

Bolívia-Brasil baseia-se no princípio de que, como a distância determina fortemente os custos,

uma tarifação do tipo postal não sinaliza os investidores e consumidores de forma adequada e,

portanto, é ineficiente tanto pelos efeitos locacionais como de utilização da infra-estrutura.

Portanto, o fator distância, segundo a ANP (2002c) é essencial para eliminar subsídios

cruzados entre os usuários do serviço e para eliminar o uso irracional da capacidade existente.

Para o caso do contrato entre a Petrobras e a TBG, entretanto, o tipo de tarifação é postal, ou

seja, única para todo o gasoduto. Para o ano de 2001, a tarifa de capacidade ficou acordada

em US$ 1,17 / MMBTU e a tarifa de movimentação em US$ 0,002 / MMBTU.

Além da inclusão do fator distância, os contratos de transporte firme contêm cláusulas

do tipo ship or pay, que estabelecem um pagamento mínimo independente do volume

efetivamente transportado. No caso dos contratos efetuados pela Petrobras e entre a TBG e a

British Gas, a cláusula ship or pay é igual a 100% do encargo por reserva de capacidade. Por

outro lado, o serviço de transporte não firme, por seu caráter interruptível, contém apenas um

encargo que varia de acordo com o volume efetivamente transportado. Cabe ressaltar que o

serviço de transporte não firme é incomum no Brasil pois o principal mercado consumidor, o

de indústrias que podem alternar o combustível utilizado em seus diferentes processos, quase

não existe no País.

A Petrobras assinou, ainda, contratos utilizando o gás boliviano com algumas

distribuidoras. Nesses contratos, o preço do gás é também composto das parcelas referentes ao

produto e ao transporte. Entretanto, devido à falta de demanda nas térmicas e ao alto preço do

gás proveniente da Bolívia, os níveis de importação do gás permanecem baixos,

impossibilitando o cumprimento das cláusulas take or pay desses contratos.

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3.3.3 - Preço do Gás Natural destinado ao PPT

O terceiro caso de precificação de transporte de gás natural no Brasil está associado ao

Programa Prioritário de Termeletricidade. A Portaria MME/MF 176 de 2001 definiu que, para

todo o País, haveria um preço único para o gás natural destinado às usinas integrantes do

PPT31, não importando sua origem, nacional ou importada. A mesma Portaria fixou esse preço

em US$ 2,581/MMBTU e definiu que as correções anuais seriam feitas com base na inflação

norte-americana. A Portaria introduziu, ainda, um mecanismo de compensação das variações

cambiais, para que os reajustes do preço do gás natural ficassem alinhados com os reajustes

das tarifas de energia elétrica, eliminando o risco de perdas cambiais entre os reajustes.

A Portaria MME/MF 176/01 estabeleceu duas parcelas para o cálculo do preço do gás

natural: a primeira parcela corresponde a 80% do preço total do gás para as termelétricas e o

reajuste é dado por variações cambiais e pela inflação norte-americana; a segunda parcela, por

sua vez, corresponde aos 20% restante do preço total do gás e o reajuste tem como base o

IGP-M da Fundação Getúlio Vargas. Essa divisão decorre do compromisso da Petrobras com

o fornecimento de até 40 milhões de m3 diários de gás natural, sendo 20% de origem nacional

e 80% importado (ANP, 2002c).

Para se calcular os impactos das medidas propostas na Portaria MME/MF 176/01

deve-se considerar que as usinas termelétricas são um mercado importante para o

desenvolvimento da indústria de gás natural no país, principalmente pelo fato de que, como

visto anteriormente, as usinas termelétricas, na posição de grandes consumidores, são capazes

de viabilizar a expansão da infra-estrutura de transporte de gás natural.

3.3.4 - Situação Atual da Tarifação de Transporte de Gás Natural no Brasil

Em dezembro de 2001, a Portaria Ministerial MME 003 / 2000 foi revogada e o gás de

produção nacional passou a ter seus preços estabelecidos por meio de contratos. A partir de

janeiro de 2002, portanto, os preços do gás natural de origem nacional deixaram de ser

estabelecidos pelo governo federal, cabendo às partes interessadas negociá-los direta e

31 Esse preço ficou limitado às plantas que entraram em operação até junho de 2003 e até o volume de 40 milhões de m3 diários de gás.

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livremente. A ANP passou a atuar somente arbitrando os conflitos que poderiam surgir entre

as partes envolvidas e verificando se as tarifas acordadas são compatíveis com o mercado.

A liberalização dos preços significou que não haveria mais regras para os contratos

antigos e as distribuidoras ficariam submetidas às decisões da Petrobras. Por outro lado, a

ausência de regras representou uma sinalização positiva para os investidores privados atuantes

na exploração e produção de gás. Em relação aos aspectos contratuais, em julho de 2003

foram acordados contratos relativos ao transporte de gás natural entre o Consórcio Malhas

Sudeste Nordeste e a Petrobras. Nesse contrato, ficou estabelecido que as tarifas seriam

postais, sem determinantes de custos (ANP, 2004).

Em 2003, o Ministério das Minas e Energia estabeleceu a Portaria no. 432, na qual

instituiu-se um Grupo de Trabalho responsável pela elaboração de uma política de preços para

o gás natural. A ANP ficou responsável pelos estudos necessários para a formulação desta

política. A instituição desse Grupo de Trabalho significa que os preços do gás natural no

Brasil, embora estejam atualmente liberalizados, deverão ser novamente regulados.

A existência de monopólio natural no transporte de gás natural, o estágio do processo

de abertura da indústria, as perspectivas de aumento da participação na matriz energética e a

forte dominância da Petrobras na indústria fazem com que a regulação dos preços de gás

natural seja importante para o momento atual da indústria, que ainda é incipiente.

Embora atualmente os preços do gás natural estejam liberados, na Minuta de Portaria

sobre o estabelecimento de critérios tarifários para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário

de gás natural, posta em consulta na Audiência Pública realizada em dezembro de 2003,

propôs-se a inclusão do percurso, da capacidade e da diferença de pressão entre os pontos de

recepção e entrega no cálculo da tarifa. Propôs-se ainda um maior nível de detalhamento no

estabelecimento de regras, uma vez que a ausência de objetividade pode criar espaço para a

utilização da tarifa de forma discriminatória na prestação dos diversos serviços de transporte

(IEPUC, 2004).

A ausência de regulação de preços e a diferença nos critérios de tarifação para o gás de

origem nacional, para o PPT e para o gás importado pode causar problemas para a indústria.

A sustentabilidade econômica de cada gasoduto pode ficar ameaçada se para cada novo

gasoduto existir uma nova tarifa. É importante para a alocação de recursos, portanto, que haja

coerência nas tarifas cobradas. Como exemplo, pode-se citar o caso do gasoduto Bolívia-

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Brasil, cuja tarifação é postal. Se a Bacia de Santos for aproveitada com um novo gasoduto

até São Paulo que utilize como critério a tarifação por distância, a renda ficará com a empresa

produtora do gás e não com os consumidores, pois o preço será estabelecido pelo critério

netback, ou seja, a empresa parte do preço que está sendo cobrado dos consumidores e

diminui desse valor o preço do transporte de gás para formar o preço boca-de-poço. Do ponto

de vista alocativo, portanto, mais importante do que a definição de qual metodologia tarifária

será utilizada é a questão da coerência da tarifa.

3.4 - Considerações Finais do Capítulo

Apresentaram-se neste capítulo alguns aspectos da indústria de gás natural no Brasil,

que começou a apresentar sinais de crescimento na década de 80, com a descoberta de

reservas no Rio de Janeiro. Embora a participação do gás na matriz energética seja ainda

limitada, há perspectivas de aumento para os próximos anos, especialmente por interesse da

Petrobras, principal empresa do setor. As reservas de gás do Brasil aumentaram muito nos

últimos anos, mas a rede de transporte, embora tenha praticamente dobrado de extensão em

quatro anos, é ainda pouco desenvolvida.

Em relação aos aspectos regulatórios, é importante ressaltar a Constituição de 1988,

que conferiu aos Estados da União a responsabilidade sobre a distribuição de gás canalizado,

e a Lei 9.748 de 1997, que definiu algumas regras para a indústria, como a licitação e

concessão de blocos para exploração e produção do gás natural e o acesso regulado de

terceiros às redes existentes de infra-estrutura. A questão do livre-acesso, entretanto, ainda

não está solucionada, assim como os problemas de coordenação, de capacidade ociosa, de

classificação dos dutos e de desenvolvimento da rede de transporte de gás natural brasileira.

Analisou-se também a questão da tarifação do transporte de gás natural no Brasil. O

preço do gás natural vendido para as distribuidoras é dividido em duas parcelas: a

remuneração do produtor e a tarifa de transporte entre a produção e o consumo, que remunera

o serviço de movimentação do gás. Entretanto, até o final de 2001, existiam três formas

distintas de determinação do preço do transporte de gás no país: o preço do gás de produção

nacional, regulado pela Portaria MME/MF 003 de 2000; o preço do gás natural importado,

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111

que é livre e arbitrado entre as partes; e o preço do gás destinado ao Programa Prioritário de

Termoeletricidade (PPT), regulado pela Portaria MME/MF 176 de 2001 e fixado em US$

2,581/MMBTU, corrigido anualmente pela inflação americana e válido para todo o gás

destinado às termelétricas de origem nacional ou importada.

A Portaria Interministerial MME/MF 003/2000 estabeleceu o preço do gás natural de

produção nacional, regulamentando um preço máximo para a venda às concessionárias de gás

canalizado. Seu objetivo foi reduzir distorções no processo de formação do preço do gás,

introduzindo regras mais simples, incluindo o fator distância, separando a etapa de

comercialização do transporte, desregulamentando os preços e eliminando preços

diferenciados por uso final.

A metodologia tarifária adotada para o transporte do gás de origem nacional incluiu o

fator distância por ser uma sinalização locacional. A introdução dessa sinalização foi feita

com, inicialmente, 30% dos custos proporcionais à distância sendo que, atualmente, a

proporção é de 60%. Os cálculos foram feitos consolidando todos os gasodutos da rede como

um gasoduto fictício único, ao invés de fazerem os cálculos separadamente, evitando-se assim

discrepâncias e imprecisão. Esse tipo de definição fazia com que houvesse clara diferença de

preços entre as localidades produtoras e as localidades consumidoras. A abordagem

determinada para a introdução da distância seria a de zonas tarifárias, sendo que cada zona

seria um Estado da União e o centro de carga seria calculado como a distância média de

movimentação dessa zona em relação aos pontos de produção. Essa Portaria foi revogada e, a

partir de janeiro de 2002, os preços do gás de produção nacional passaram a ser estabelecidos

por contratos entre as partes envolvidas na negociação, assim como é feito para o gás natural

de origem importada.

Em relação ao gás natural importado, os conflitos que surgiram foram resolvidos pela

ANP, que também utilizou o fator distância para os serviços de transporte firme e não firme.

A Agência espera que, com o tempo, haja a separação efetiva da atividade de transporte.

Quando isso ocorrer, não haverá mais necessidade da intervenção da ANP.

Atualmente, portanto, existem duas formas distintas de determinação de tarifas de

transporte de gás natural: a do gás natural destinado ao PPT, que é fixo para todas as regiões

do país, e a do gás natural importado e de produção nacional, que tem seus preços acordados

entre as partes envolvidas e cujos possíveis conflitos são arbitrados pelo regulador. Portanto,

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não existe nenhum critério específico para a tarifação de transporte de gás natural no Brasil

estabelecido pelo regulador.

A indústria de gás natural no Brasil encontra-se em um momento de indefinição e são

muitos os problemas e desafios a serem enfrentados nos próximos anos. Existem questões

relativas à escassez de investimentos na infra-estrutura de transporte, ao livre acesso, ao

crescimento da demanda de gás natural abaixo do esperado, à classificação dos dutos e, em

especial, a indefinição de uma política única e coerente de definição tarifária para o transporte

dutoviário de gás natural.

No próximo Capítulo serão analisadas as indústrias de gás natural e as políticas de

tarifação de transporte de gás natural na União Européia, Estados Unidos, Colômbia e

Argentina. Conhecendo as características da indústria brasileira e a experiência internacional

em políticas de tarifação de transporte de gás natural será possível analisar possíveis

alternativas para o caso brasileiro.

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CAPÍTULO IV - EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

O objetivo deste Capítulo é analisar diferentes formas de precificação do transporte de

gás natural adotadas em alguns países da União Européia, e também nos Estados Unidos, na

Argentina e na Colômbia. O estudo da experiência internacional na tarifação do transporte de

gás natural é de grande importância para a definição de propostas para o caso brasileiro.

As configurações da indústria de gás nos países selecionados são bastante diferentes

do caso brasileiro, entretanto, a análise desses países permite delimitar a tendência da

indústria mundial. As indústrias de gás na Europa e nos EUA são bem mais desenvolvidas

que no Brasil, porém, o caso europeu é bastante distinto do caso norte-americano, tornando a

análise de ambos os casos muito importante para o entendimento da evolução da indústria.

Já o estudo do caso Argentino é bastante interessante para o Brasil uma vez que,

apesar da Argentina ser um país também em desenvolvimento, a indústria de gás natural é

bem mais desenvolvida e a participação do gás na matriz energética é muito significativa. A

rede de transporte e de distribuição é consideravelmente maior do que a brasileira e a

introdução da concorrência atingiu todos os segmentos da indústria. O estudo do caso

colombiano é também útil para a análise da indústria no Brasil, uma vez que o gás natural na

Colômbia apresentou crescimento expressivo nos últimos anos.

Para avaliar-se a experiência da União Européia em tarifação de transporte de gás

natural foram analisados os estudos da CER (2004), do Parlamento Europeu e Conselho

(2003), da ANP (2003a), de Krause e Pinto Jr. (1998) e de Alveal e Almeida (2003). Foram

utilizadas, ainda, as Diretivas 91/377/CEE, 91/296/CEE, 94/54/CEE, 98/30/CE e 2003/55/EC.

Para o caso específico de tarifação na Espanha e na Irlanda, utilizaram-se as informações dos

respectivos órgãos reguladores CNE (2001) e CER (2004), além de dados da ENAGAS

(2004) da Espanha.

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Para a análise da indústria de gás natural dos Estados Unidos foram abordados os

estudos de NERA (2002), IEA (2002), OECD (1994) e Almeida (2003a). Para a Argentina,

utilizaram-se os estudos de Teich e Niemetz (2004), de Visintini (1998), da ANP (2003b), de

Bravo e Kozulj (1991) e do regulador ENARGAS (2004). Foi consultada ainda a Lei

24.076/92, relativa à regulação da indústria de gás natural na Argentina. Por fim, para o

estudo da Colômbia, foram de grande importância as informações e a legislação da agência

reguladora CREG (2004) além do estudo da ANP (2002b). Para as informações estatísticas

sobre o gás natural em todos os países, foram utilizadas as informações disponíveis no BP

Statistical Review (2004).

4.1 - União Européia

Ao final de 2003, as reservas provadas de gás natural da União Européia eram de 2,88

trilhões de m3, com uma relação reserva/produção média de 14,1 anos. A produção anual foi

de 204,6 bilhões de m3 e o consumo de 403,9 bilhões de m3. Este déficit foi coberto

principalmente com importações da Rússia (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A rede de

gasodutos da Europa é bastante desenvolvida e os mercado nacionais são quase totalmente

interconectados.

A indústria de Gás Natural na Europa começou a se desenvolver fortemente a partir da

década de setenta. A forte presença de empresas estatais e a organização oligopólica da

indústria foram as principais características da indústria gasífera européia até a década de

oitenta. Havia a presença de oligopólio tanto na importação, como na produção, devido à

concentração das reservas em poucos países. Já a intervenção estatal era conseqüência,

principalmente, da preocupação com o abastecimento proveniente de reservas da União

Soviética (KRAUSE e PINTO JR., 1998).

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A presença de empresas integradas e os contratos bilaterais de longo prazo são

características da indústria européia embora, em cada país membro, a organização da indústria

possua algumas particularidades. Tais particularidades, como a diversidade de preços,

dificultavam a criação de um mercado único (KRAUSE e PINTO JR., 1998).

4.1.1 - Diretiva Européia

Durante a década de noventa, intensificou-se na Europa a reestruturação do setor, com

ênfase na introdução da competição e diminuição do papel do Estado empresário. A criação

de um mercado único para o gás natural entre os países membros da União Européia ocorreu

em etapas. A primeira fase foi a Diretiva 91/296/CEE que tinha como objetivo facilitar o

trânsito de gás natural entre as grandes redes de transporte de alta pressão, para que as trocas

de gás entre as grandes redes fossem aumentadas. A próxima fase foi estabelecida, logo em

seguida, na Diretiva 91/377/CEE que teve como objetivo assegurar a transparência dos preços

ao consumidor final industrial de gás e eletricidade. A terceira fase foi estabelecida na

Diretiva 94/54/CEE, que assegurava o acesso não discriminatório de qualquer empresa às

atividades de prospecção, exploração e extração de hidrocarbonetos (ANP, 2003a).

A Diretiva 98/30/CE foi adotada pelos países da União Européia em 1998 e teve como

objetivo regulamentar o setor de gás natural dos países membros, gerando competição e

garantia de abastecimento. As novas regras estabelecidas por essa Diretiva implementaram a

competição no setor, com a regulamentação do acesso de terceiros à rede de transporte32, além

da separação e transparência contábil nas atividades da cadeia e do estabelecimento de

procedimentos não discriminatórios na tarifação de transporte e de distribuição. Além disso, a

atividade de transporte passaria a ser por autorização e a distribuição por concessão e cada

Estado-membro poderia designar uma autoridade competente para a resolução de eventuais

conflitos (ANP, 2003a).

32 A regulação européia estabeleceu que os mercados deveriam ser competitivos e o acesso não-discriminatório. Entretanto, existem situações nas quais as empresas podem recusar o acesso à suas redes, como nos casos de: falta de capacidade; impossibilidade de cumprimento das obrigações de serviço público em decorrência do acesso; e dificuldades econômicas nos contratos take or pay. Além disso, no caso de países nos quais o primeiro contrato de fornecimento de longa duração tenha sido efetuado a menos de dez anos, pode haver derrogações temporárias para a abertura do mercado, a venda direta para os consumidores e para as regras nas concessões e autorizações para a construção e operação de dutos (ANP, 2003b).

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Em 2003, o Parlamento Europeu adotou a Diretiva 03/55/CE, que previa regras

comuns para o mercado interno de gás natural. Enquanto a Diretiva de 1998 deu os primeiros

passos na tentativa da criação de um mercado interno de gás, essa segunda Diretiva

estabeleceu quais seriam as mudanças estruturais necessárias no arcabouço regulatório para

que as barreiras ainda existentes para a criação do mercado único fossem eliminadas (CER,

2004).

Para ajudar a desenvolver um Mercado de gás natural mais competitivo e para acelerar

o processo de liberalização em cada estado membro, essa diretiva, que foi implementada em

1o de julho de 2004, determinou algumas cláusulas para diminuir o poder de mercado e

garantir um nível de ação para as empresas existentes e para as potenciais entrantes. Nesse

sentido, cláusulas de acesso não discriminatório às redes em associação a tarifas transparentes

e justas foram essenciais para atingir essas metas. Ao mesmo tempo, as autoridades

regulatórias de cada Estado membro teriam que garantir as salvaguardas adequadas,

principalmente para clientes vulneráveis e clientes conectados à rede em áreas remotas. Os

princípios chaves dessa Diretiva foram: a proteção dos clientes; a viabilidade e os incentivos

aos investimentos nas redes; tarifas justas e não discriminatórias; a refletividade dos custos; e

a preocupação ambiental. Todos esses princípios devem ser levados em conta no

estabelecimento das tarifas de transporte de gás natural (CER, 2004, p. 9).

A Diretiva de 2003, relativa ao mercado interno do gás, prevê o direito de todos os

consumidores de gás escolherem livremente o seu fornecedor a partir de 1o de Julho de 2007.

Além disso, a diretiva estabelece outras cláusulas, como: o acesso de terceiros às redes de

transporte e distribuição com base em tarifas publicadas e regulamentadas; a criação de uma

entidade reguladora com um conjunto mínimo comum de responsabilidades em cada um dos

Estados-Membros; a separação jurídica das empresas de transporte e das empresas de

distribuição de grande dimensão e de dimensão média; o acesso a instalações de

armazenamento numa base negociada ou regulamentada. A União Européia adotou ainda,

como complementação dessa Diretiva, o Regulamento 1228/2003 relativo às condições de

acesso à rede para o comércio de eletricidade entre os países, que prevê, entre outras coisas,

estruturas tarifárias comuns (PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO, 2003).

Para estimular o cumprimento do acesso de terceiros às redes de gasodutos, foi criado

o Fórum Europeu de Reguladores do Gás, que tem por objetivo elaborar, mediante consenso,

regras técnicas necessárias à realização do mercado interno do gás. Tal Fórum estabeleceu um

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conjunto de “Orientações sobre Boas Práticas de Acesso de Terceiros”. Entretanto, o

Parlamento Europeu acredita que ainda existe um grau significativo e inaceitável de não

cumprimento dessas recomendações e, portanto, condições justas e equilibradas de acesso à

rede de distribuição de gás ainda não estão garantidas. Tais condições de acesso, por serem

assimétricas e pouco desenvolvidas, prejudicam a eficiência do mercado interno do gás

natural. Para a criação de mecanismos que promovam a competição, baseadas no acesso de

terceiros à rede, são necessários princípios básicos sobre os custos de acesso assim como

regras e custos de equilíbrio (PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO, 2003).

Na sétima reunião desse Fórum, realizado em Madrid, em setembro de 2003, alguns

aspectos sobre o acesso de terceiros foram abordados, destacando-se: critérios de

determinação das taxas de acesso à rede; um conjunto mínimo comum de serviços de acesso

de terceiros; informação sobre requisitos técnicos e capacidade disponível; e requisitos

fundamentais comuns sobre as transações de direitos primários à capacidade.

4.1.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural

A Diretiva Européia não estabeleceu nenhuma metodologia específica para a tarifação

de gás natural na União Européia, apenas as “Orientações sobre Boas Práticas de Acesso de

Terceiros” do Fórum Europeu de Reguladores do Gás. Entretanto, nesse documento, a

tarifação do tipo entrada/saída foi indicada visando a possível uniformização das tarifas dos

países membros da União Européia. Essa indicação se deve ao fato da tarifação entry-exit

possuir maior potencial de introdução da competição e boa sinalização para novos

investimentos. Em relação à tarifação por distância, por outro lado, é feita uma advertência,

pois nesse tipo de metodologia, os custos podem não ser refletidos corretamente, uma vez que

os valores podem variar de acordo com a quantidades de operadores e da precisão na

nomeação do gás. Além disso, a tarifação por distância favorece grandes carregadores que

possuam muitos clientes (ANP, 2003a).

Ainda em relação à tarifação do gás natural na União Européia, é importante ressaltar

que existe, entre os países membros, uma enorme discrepância nas tarifas praticadas e, até

mesmo dentro de um país, uma enorme diferença entre as tarifas máximas e mínimas, como

pode ser observado no gráfico a seguir:

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Gráfico 4 - Preços Máximos e Mínimos do Gás Natural na Europa

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Dinamar

ca

Aleman

ha

Irland

a

Luxe

mburg

o

Holand

a

Espan

ha

Reino U

nido

Eur

o/kW

h

Tarifa Mínima Tarifa Máxima

Fonte: ANP, 2003a, p. 16

Cada país membro da União Européia pode determinar qual a forma de tarifação de

transporte de gás que irá utilizar. No entanto, a metodologia de cálculo dessas tarifas deve ser

aprovada e publicada pelo órgão regulador nacional e não poderá haver discriminação entre os

agentes que utilizam a rede. A estrutura tarifária de transporte é por distância na Bélgica,

França e Alemanha. A tarifação é postal na Dinamarca, Luxemburgo, Espanha e Suécia e

também nos países recém admitidos Lituânia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Romênia e

Bulgária. A metodologia do tipo entrada/saída é utilizada na Irlanda, Itália, Holanda e Reino

Unido. Nos demais países, como Portugal, Grécia, Áustria e Finlândia a metodologia de

cálculo para as tarifas ainda não foi decidida (ANP, 2003). A seguir, serão apresentados

brevemente os exemplos da Espanha, que optou por uma forma de tarifação postal, e da

Irlanda, que utiliza o critério de entrada/saída.

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a) O caso da Espanha

A participação do gás na matriz energética espanhola é de 14%. Na Espanha não

existem reservas provadas de gás natural e quase todo o consumo é proveniente de

importações de gás da Noruega e de GNL (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A Empresa

Nacional del Gás (ENAGAS) é a principal transportadora do país e tem a responsabilidade de

gerir a rede básica e a rede secundária de gás espanholas, apresentadas na figura a seguir:

Figura 6 - Gasodutos da Espanha

Fonte: Netto (2004)

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Ficou definido na Lei n.º 34/1998, que a indústria de gás natural espanhol deixaria de

ser um serviço público e passaria a ser de livre iniciativa empresarial. Esta Lei estabeleceu o

funcionamento da indústria de gás natural no País, definindo os agentes que atuam no

mercado e a separação legal entre as atividades reguladas e abertas à concorrência. A

legislação estabeleceu a separação das atividades de transporte e comercialização, e

distribuição e comercialização, limitando a participação da ENAGAS em 35% do capital

dessas atividades. Além disso, a ENAGAS adquiriu a função de Gestor Técnico do Sistema,

que é a empresa de transporte titular da maioria das instalações da rede básica de gás natural e

tem a responsabilidade da gestão técnica da rede básica e das redes de transporte secundário

(ENAGAS, 2004).

Esse processo de liberalização culminou em 1o de Janeiro de 2003, quando todos os

clientes de gás natural passaram a escolher livremente o seu fornecedor. Além disso, ficou

decidido nessa lei, que as tarifas máximas de transporte de gás natural por gasodutos seriam

únicas para todo o território espanhol, em função do volume, pressão e forma de consumo do

gás, ou seja, a tarifação seguiria o critério postal. As tarifas seriam responsáveis por assegurar

a recuperação dos investimentos, garantir a rentabilidade dos recursos investidos, incentivar

melhor produtividade e não produzir distorções. A determinação das tarifas é feita de quatro

em quatro anos, quando é feita uma revisão (CNE, 2001).

Em relação ao livre acesso, ficou estabelecido que este seria regulado e a CNE ficaria

responsável pela resolução dos conflitos. A Ordem Ministerial de Julho de 2000 definiu as

tarifas a serem praticadas para o acesso a terceiros, estabelecendo que as tarifas na Espanha

seriam divididas em dois grupos: os carregadores de pequeno volume, com um consumo

anual inferior a 350 MCM; e os carregadores de grande volume, com consumo superior a 350

MCM anuais. Para cada um desses carregadores, a tarifa é dividida em um encargo de

conexão e segurança, baseado na capacidade diária, e um encargo de transporte, que depende

da combinação da capacidade diária, da quantidade de gás transportada e da distância do

transporte (LAPUERTA e MOSELLE, 2001).

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O encargo de transporte para os pequenos carregadores em redes de alta pressão é

relacionado à distância e engloba os encargos de capacidade e o da commodity. Para calcular

o encargo, a distância tem um piso de 100 quilômetros e um teto de 500 quilômetros33. Os

carregadores de grande volume, por sua vez, pagam uma tarifa postal para o transporte, que

compreende o encargo de capacidade e o encargo da commodity. Assim, a tarifação para os

grandes carregadores é independente da distância percorrida pelo gás (LAPUERTA e

MOSELLE, 2001).

A Espanha, portanto, adotou a tarifação postal para o transporte de gás natural

realizado pela empresa monopolista ENAGAS e para o acesso de grandes carregadores à rede

existente. O critério relacionado à distância é utilizado apenas para o acesso de pequenos

carregadores.

b) O caso da Irlanda

A Irlanda não possui reservas provadas de gás natural, importando do Reino Unido

todo a gás consumido em 2003 (BP STATISTICAL REVIEW, 2004). A indústria de gás

natural na Irlanda ainda não é muito desenvolvida e a introdução da competição no mercado

iniciou-se em 1995. Atualmente, cerca de 85% dos clientes já podem escolher seu fornecedor

e 87% do mercado é aberto à competição.

A Comission of Energy Regulation (CER) é a responsável pela promoção da

competição, eficiência, qualidade e continuidade da oferta de gás natural no país, definindo as

tarifas a serem praticadas no mercado (CER, 2004). A rede de transporte de gás natural

irlandesa possui 1.850 km de gasodutos e a rede de distribuição é de aproximadamente 7.000

km (BORD GÁIS, 2004). Na figura abaixo está representada a rede de gasodutos irlandesa:

33 Além disso, o carregador pagará um encargo de conexão e de capacidade por no mínimo dois anos, mesmo que utilize apenas um. Isso ocorre pois a Enagas impôs uma duração mínima de dois anos para os contratos.

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Figura 7 - Gasodutos da Irlanda�

Fonte: Bord Gáis (2004)

Nesse país, a tarifação é baseada na abordagem do Custo Marginal de Longo Prazo,

que, para o transporte de gás natural, é calculado pelo Custo Incremental Médio de Longo

Prazo. A CER é a responsável pela determinação da receita máxima a ser obtida pela Bord

Gáis Transmission (BGT), empresa responsável pelo transporte de gás no país. Essa receita

máxima é revista de quatro em quatro anos (CER, 2004).

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A partir da determinação da receita máxima permitida é possível determinar as tarifas

a serem praticadas pela BGT. A estrutura tarifária é do tipo “entry-exit” e inclui sinais

locacionais na entrada e tarifas postais na saída. O nível das tarifas de entrada é determinado

pelo custo da infra-estrutura necessária para colocar o gás na rede de gasodutos irlandesa em

cada ponto de entrada. Já a tarifa de saída é determinada pelo custo médio do transporte de

gás natural por gasodutos e, portanto, todos os pontos de saída pagam a mesma tarifa (CER,

2004).

Embora a Diretiva Européia para o Gás Natural tenha implementado algumas

mudanças importantes, ainda não houve a efetivação do mercado interno de gás europeu.

Cada país membro possui níveis de abertura diferentes e há enormes disparidades nas tarifas

praticadas. Além disso, a produção e a importação estão concentradas na mão de poucas

empresas. Dentre esses obstáculos, a questão da tarifação de transporte de gás natural é de

grande relevância, uma vez que a introdução da competição, o acesso de terceiros à infra-

estrutura existente e o preço final para o consumidor estão ligados a essa questão.

A questão da tarifação do transporte de gás na Europa é importante e delicada. Embora

a Diretiva européia tenha proposto uma legislação válida para todos os países ligados à União

Européia, a forma como é feita a tarifação do transporte de gás natural é diferente em cada

país membro. A diferença entre as formas de tarifação pode gerar problemas para a integração

energética do bloco.

4.2 - Estados Unidos

As reservas provadas de gás natural dos Estados Unidos somavam 5,23 trilhões de m3

no final de 2003. Esse valor, embora seja consideravelmente alto, não garante auto-suficiência

para o maior mercado consumidor de gás natural do mundo, cujo consumo foi de 629 bilhões

de m3 em 2003. Desse total, 549,5 bilhões de m3 foram produzidos no país e o restante foi

proveniente de importações do Canadá e de GNL. A relação reserva/produção do país é de

apenas 9,5 anos e o energético responde por 24,6% do consumo de energia primária no País

(BP STATISTICAL REVIEW, 2004).

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A indústria de gás natural norte-americana é composta de cerca de 10 mil produtores,

quase 200 transportadores e 2 mil empresas de distribuição. De todo o gás consumido no país,

44% são para a indústria, 27% para o setor residencial, 15% para o comércio e 14% para a

geração elétrica. A rede de gasodutos de transporte de gás natural dos Estados Unidos é de

432 mil quilômetros e a de distribuição ultrapassa os 1,6 milhões de quilômetros (IEA, 2002).

Na figura abaixo é apresentada a rede de gasodutos de transporte dos Estados Unidos:

Figura 8 - Rede de Gasodutos de Transporte dos EUA

Fonte: NERA, 2002

A regulação da indústria de gás norte-americana é particularmente diferente dos outros

países. A Federal Regulatory Comission (FERC) regula as transações entre os diversos

Estados do País, enquanto a regulação estadual é de responsabilidade das Public Utility

Comissions (PUCs).

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4.2.1 - Regulação

A regulação da indústria de gás norte-americana teve início durante a década de 20

com a implantação das Public Utilities Comissions (PUCs), que regulavam a distribuição e o

transporte de gás natural nos Estados. As PUCs determinaram a criação de monopólios e

passaram a fixar as tarifas por custo de serviço. Em 1938, foi publicada uma lei federal para o

gás natural, o Natural Gas Act (NGA), que instituiu a regulação no transporte de gás entre os

Estados pela Federal Power Comission (FPC34), que também regulava as tarifas interestaduais

pelo custo de serviço. Por sua vez, a produção de gás natural não era regulada até 1954, ano

em que os reguladores estaduais e federais passaram a determinar os preços do gás boca de

poço, inicialmente com base na regulação por custo de serviço e posteriormente pela

determinação de preços teto35.

A forte intervenção estatal na indústria entre os anos 1950 e 1973 acelerou o

desenvolvimento da demanda, embora a fixação dos preços de produção tenha diminuído a

expansão da oferta do gás por falta de investimentos na reposição de reservas. A queda na

oferta do gás foi bastante significativa e fez com que a FPC aumentasse, sem sucesso, os

preços do gás no início da década de 70. A crise da década de 70 teve como causa um período

de intensa regulação nos anos 50, que tinha como principal aspecto o controle de preços boca

de poço (OECD, 1994).

A crise de oferta foi tão significativa que em 1978 foi aprovado o Natural Gas Policy

Act (NGPA), que reformulou a indústria norte-americana de gás natural. O NGPA definiu

uma nova política de preços para o gás natural de novos produtores e passou a regular o preço

do gás dentro dos Estados. Porém, pouco a pouco, o preço do gás seria liberalizado e se

introduziria competição no segmento de produção de gás (ALMEIDA, 2003a). O NGPA

iniciou, assim, a desregulamentação da IGN norte-americana por meio da liberação dos

preços boca de poço e do início da desregulamentação do transporte interestadual (OECD,

1994).

34 A FPC posteriormente passou a ser a FERC. 35 Como existiam cerca de 5.000 poços de gás natural nessa época, a regulação por custo de serviço tornou-se muito difícil. Por esse motivo, a FPC dividiu o mercado em 23 áreas e estipulou preços teto para cada uma delas (Almeida, 2003a).

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No início dos anos 80, devido a uma grave crise econômica, a situação da indústria de

gás norte-americana se reverteu. Houve uma drástica diminuição da demanda, o que fez com

que o preço do gás boca de poço diminuísse devido ao excesso de oferta. A queda na

demanda e nos preços prejudicou as transportadoras que contrataram o gás quando o preço

ainda estava elevado, o que dificultou o cumprimento dos contratos com cláusulas de take-or-

pay. Essa crise no cumprimento dos contratos take-or-pay ficou conhecida como a bolha de

gás americana. Em 1984, a Order 380 liberou os consumidores da obrigação de pagamento de

uma parte de todo o encargo da commodity sendo o gás usado ou não, o que exacerbou o

problema do take-or-pay (OECD, 1994).

Ainda em 1984, tais cláusulas foram extintas dos contratos pela FERC em troca do

acesso de terceiros às redes, que no ano seguinte, já eram responsáveis por metade do volume

de gás transportado entre os Estados (ALMEIDA, 2003a). Até a década de 80, o declínio na

demanda e o excesso de capacidade ociosa nas redes formaram as condições ideais para o

desenvolvimento de um mercado mais competitivo. As transportadoras em crise aceitaram

facilmente a introdução do livre-acesso quando a Order 436 foi criada em 1986, criando o

programa de livre-acesso voluntário à rede de transporte. Outro aspecto importante dessa lei

foi a criação do mercado spot para o gás natural que permitiu que produtores com excedente

pudessem vender o gás em um mercado de curto prazo (OECD, 1994). Já em 1989, com o

Natural Gas Wellhead Decontrol Act (NGWDA), o controle de preços do gás na boca do

poço foi totalmente eliminado (IEA, 2002).

No ano de 1992, a Order 636, conhecida como Final Restructuring Order, completou

o processo regulatório de introdução da concorrência. Essa regulamentação tinha quatro

objetivos principais: a separação das atividades de transporte, suprimento e estocagem de gás

natural de forma a erradicar os incentivos à discriminação contra os competidores e dar

transparência ao mercado; o livre acesso não-discriminatório de terceiros às redes de

transporte e estocagem e a obrigação de informar sobre a disponibilidade da capacidade; a

obrigação de realocação de capacidade em um mercado secundário para a revenda da

capacidade não utilizada; e a criação de um encargo fixo de capacidade para cobrir os custos

fixos de transporte, o “straight fixed variable”, em substituição ao “modified fixed variable”,

apresentados no Capítulo 2 (IEA, 2002). A nova regulamentação previa ainda a padronização

dos pacotes de serviços a serem contratados para diminuir os custos de transação e a criação

dos Centros de Comercialização (CDC) que, operando nos pontos de interconexão da rede,

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127

tentam agregar oferta e demanda de gás utilizando estoques se necessário, equilibrando o

mercado e uniformizando o preço do gás em toda a rede (ALMEIDA, 2003a).

Para a introdução da concorrência no segmento de distribuição, determinou-se a

separação dos serviços oferecidos pelas companhias de distribuição local, que além de

disponibilizar o acesso de terceiros às suas redes de transporte e estocagem, ficariam

responsáveis pelos serviços de transporte e entrega do gás através de gasodutos de baixa

pressão, pelos serviços de estocagem e de comercialização e pela medição e cobrança. A

reforma na distribuição teria um ritmo mais lento do que a liberalização do mercado de

grandes consumidores porque no caso dos pequenos consumidores, dado o menor consumo, a

possibilidade de se reduzir os custos do gás é pequena (ALMEIDA, 2003a).

A Order 636 mudou consideravelmente a relação entre os agentes da indústria de gás

natural dos Estados Unidos. Um grande número de comercializadores surgiu, os centros de

comercialização se desenvolveram e mercados spot e futuro36 de gás se expandiram. Essas

transformações na organização da IGN americana mudaram o padrão de concorrência e

aumentaram a complexidade da indústria (IEA, 2002). A Order 636 removeu grande parte das

barreiras remanescentes que impediam a transparência do mercado, pré-condição para a

competição. Nesse novo ambiente, novas regras foram introduzidas. Dentre essas regras,

pode-se citar: o balanceamento do sistema por acordos operacionais de retiradas e injeção de

gás dos gasodutos de transporte como forma de garantir o abastecimento em períodos de pico;

e a aplicação de multas para os agentes que não cumprirem com o acordado (ALMEIDA,

2003a).

Em relação às mudanças ocorridas nos contratos, a participação dos contratos de curto

prazo passou a ser expressiva. Tais contratos possibilitaram aos fornecedores maior

flexibilidade para atender mudanças na demanda e maior diversidade de opções de contrato de

fornecimento. Esse tipo de contrato permite ainda que os consumidores que podem trocar de

36 Os contratos no mercado spot são finalizados no final do mês anterior à entrega do gás e envolvem um volume de gás negociado pelo preço do dia do fechamento do negócio. O mercado spot de gás natural surgiu nos anos 80 e se desenvolveu rapidamente com o colapso de 1986. Já o mercado futuro é uma forma dos agentes minimizarem os riscos de mercado que surgiram com a desverticalizam das empresas por meio de contratos de hedge (Almeida, 2003a). Os contratos da indústria de gás natural também podem ser de médio e longo prazo. Os contratos de médio prazo são aqueles de até três anos e são caracterizados por volumes diários fixos com pequenas variações. Já os contratos de longo prazo são de mais de três anos e são relativos a volumes mensais de gás fixos, o que possibilita cobrir custos fixos de expansão de capacidade. Os preços dos contratos de longo prazo podem ser fixos, indexados aos preços dos mercados spot ou futuro, ou relacionados ao preço de combustíveis alternativos ou da eletricidade. Os contratos de longo prazo podem envolver ainda cláusulas do tipo take-or-release, que disponibiliza no mercado de curto prazo o gás não retirado pelo carregador (ALMEIDA, 2003a).

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combustível aproveitem o movimento dos preços relativos. Os contratos de curto prazo

podem ser feitos por negociação direta entre consumidores e comercializadores ou por meio

de mercados spot e futuro (ALMEIDA, 2003a).

Nos Estados Unidos existem diferentes tipos de transporte de gás natural, sendo os

mais importantes o serviço de transporte interruptível, o serviço de transporte firme e o

serviço premium, em que o carregador não paga multas ao utilizar uma capacidade de

transporte maior do que a que foi contratada com o transportador, que por sua vez oferece

uma capacidade de backup37. As empresas de distribuição geralmente utilizam os serviços de

transporte firme e premium, dada a necessidade de atendimento do mercado cativo. Alguns

grandes consumidores, por sua vez, além do serviço firme, utilizam também o interruptível,

quando podem trocar de combustível (ALMEIDA, 2003a).

Além desses serviços, existe ainda o mercado secundário de capacidade, onde se pode

despachar o gás no mercado de curto-prazo. No mercado secundário, o preço da capacidade

está diretamente relacionado à demanda pelo gás, ou seja, quanto maior a demanda pelo gás,

maior seu preço no mercado secundário. Porém, de uma maneira geral, dada a incerteza de

fornecimento de gás nesse mercado, os preços costumam ser menores (ALMEIDA, 2003a).

A reestruturação da IGN americana mudou significativamente as negociações e

ampliou o número de agentes, em especial na comercialização do gás natural. Os produtores

passaram a vender gás para os usuários finais e para os comercializadores, além das empresas

de distribuição. Os consumidores, por sua vez, passaram a poder contratar o fornecimento do

gás natural separadamente de seu transporte, o que proporciona menores custos. O transporte

foi separado da comercialização pois se acreditava que a competição no segmento de

transporte ainda não era factível. Por esse motivo as tarifas de transporte deveriam ser

reguladas conforme regras que serão apresentadas a seguir (IEA, 2002).

4.2.2 - Tarifação do Transporte de Gás Natural

O Natural Gas Act de 1938 autorizava o então FPC a regular as taxas de transporte

interestadual de gás natural. A Lei previa que essas taxas deveriam ser justas e razoáveis, sem

que houvesse qualquer tipo de discriminação entre os contratantes. O princípio do custo de

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serviço utilizado na época se manteve na Order 436 de 1985 e na Order 636 de 1992, que

mudou apenas a forma de representar a taxa para eliminar as potenciais distorções

competitivas nas estruturas da tarifa de utilização dos gasodutos.

Nos Estados Unidos, se utiliza o conceito de Custos Contábeis Médios (Average

Accounting Costs - AAC) para o cálculo da taxa de retorno dos gasodutos. No método AAC,

todos os custos presentes na contabilidade da empresa são alocados nos diferentes serviços de

transporte ou na capacidade. Esse método permite toda a cobertura dos custos, mas não dá os

sinais de preço corretos para os carregadores, existindo a possibilidade de haver subsídio

cruzado. Uma vez escolhida a base de custo, basta decidir de que forma os encargos se

relacionarão à distância (OECD, 1994).

Para a determinação das taxas dos gasodutos regulados pela FERC, deve-se seguir os

seguintes passos (OECD, 1994, p. 144):

- Determinar o custo total do serviço do gasoduto: a receita total necessária sem

cobrir as operações do gasoduto, incluindo uma taxa de retorno justa e razoável em

sua taxa base (o valor dos ativos sobre os quais é permitido à empresa ganhar um

retorno específico);

- Operacionalizar os custos do gasoduto, determinando qual das operações do

gasoduto engloba cada custo;

- Caracterizar os custos como fixos (não variáveis de acordo com o volume de gás

transportado) ou variáveis e classificá-los em encargo de reserva e encargo de

uso38;

- Alocar os custos classificados em relação ao encargo de reserva e de uso entre as

várias zonas tarifárias dos gasodutos e classes de serviço jurisdicionais;

- Determinar as taxas computando taxas unitárias para cada serviço. Os encargos

unitários resultantes para os diversos serviços, divididos entre encargo de reserva e

de uso, devem ser transparentes e publicados.

37 A capacidade de backup pode ser por meio de estoques perto do mercado consumidor ou o transportador lançar mão de serviço interruptível (Almeida, 2003a). 38 Na terminologia européia esses encargos seriam equivalentes aos encargos de demanda e encargos da commodity.

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Para a FERC, “a transferência dos custos para as tarifas é mais do que um simples

mecanismo de procedimento contábil sobre a causa dos custos, mas um complexo de metas às

vezes contraditórias de reconciliação dos interesses conflitantes no processo de transferência

de receitas entre os diversos serviços dos gasodutos e os consumidores” (OCDE, 1994,

p.145).

A forma como os custos fixos e variáveis são alocados em encargos de demanda e de

commodity é de grande importância na discussão sobre a forma da tarifação de transporte de

gás nos EUA. Em 1952, com o Atlantic Seabord Method, 50% dos custos fixos eram alocados

em um encargo de demanda e o resto dos custos fixos e todos os custos variáveis eram

alocados em um encargo de commodity. Posteriormente, o sistema foi modificado e 100% dos

custos fixos passaram a ser alocados ao encargo de commodity.

Em 1973, com o United Method, 25% dos custos fixos foram alocados ao encargo de

demanda de uma parte e os demais custos fixos e variáveis ao encargo de commodity. O

objetivo desse método era conservar a oferta de gás disponível impondo um alto encargo de

commodity (OECD, 1994).

Em 1983 foi criado o Modified Fixed Variable (MFV) que passou a envolver um

encargo de demanda de duas partes, com metade dos custos fixos cobertos por um encargo de

demanda de pico e a outra metade por um encargo de demanda anual. No MFV, todos os

encargos variáveis eram alocados ao encargo de commodity.

Já em 1992, o Straight Fixed Variable (SFV), estabelecido pela Order 636, previa a

alocação de todos os custos fixos no encargo de reserva e todos os custos variáveis no encargo

de uso. O SFV utilizado nos EUA possui de 90 a 95% dos custos alocados ao encargo de

capacidade. Assim, enquanto o MFV possui cerca de 25% de participação do encargo de

commodity, o SFV tem apenas 5%. O SFV foi criado com os objetivos de facilitar o

desenvolvimento do mercado secundário, aumentar os incentivos de redução da capacidade

ociosa, promover a competição boca de poço, facilitar a criação de um mercado nacional de

gás, promover sinais de preço não discriminatório e assegurar taxas razoáveis e justas às

empresas (OECD, 1994).

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A FERC atua, portanto, estabelecendo um preço máximo a ser cobrado pelas empresas

de transporte interestadual. As empresas de transporte, por sua vez, têm interesse em manter

um custo baixo, uma vez que a introdução da concorrência na comercialização de gás implica

concorrência também no setor de transporte39. Assim, quanto menores os custos de transporte,

mais descontos terão as tarifas, mais contratos de venda serão feitos e melhores os contratos

de compra das comercializadores (ALMEIDA, 2003a).

Cabe ressaltar que o critério utilizado na tarifação de transporte nos EUA é postal

dentro dos hubs, que são localidades geográficas nas quais um grande número de

compradores e vendedores negociam o gás e onde se dá a entrega física do produto. Já entre

os diversos hubs, a tarifa é calculada utilizando-se o fator distância. Assim, a tarifação

utilizada nos EUA é de certa forma semelhante à tarifação zonal, onde cada hub é uma zona

tarifária. Entretanto, a área coberta pelos hubs é muito pequena comparada ao território norte-

americano, conforme pode observado no mapa a seguir:

Figura 9 - Hubs dos EUA

Fonte: Naturalgas.org, 2004

Ainda não foram estabelecidas nos EUA as pré-condições para que as tarifas de

transporte de gás natural sejam definidas pelo mercado e, portanto, espera-se que as tarifas de

transporte continuem sendo reguladas, exceto em algumas áreas onde as empresas que

possuem gasodutos competem entre si. As empresas, por outro lado, argumentam a favor de

39 A concorrência no suprimento e na comercialização implica concorrência no transporte de gás porque as empresas das duas pontas da cadeia estão interessadas em diminuir os custos do transporte (Almeida, 2003a).

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taxas negociadas livremente com os consumidores, que, por sua vez, terão a opção de

reverteram para taxas reguladas se desejarem. A FERC continua a requerer taxas reguladas

exceto para casos especiais, como o mercado secundário, pois acredita que ainda não exista

competição suficiente que impeça que as empresas pratiquem subsídios cruzados entre os

compradores (IEA, 2002).

A intenção da FERC é introduzir uma regulação incentivada, de forma a corrigir as

deficiências da regulação tradicional criando incentivos para a redução de custos. Os

mecanismos de incentivo têm como objetivo dividir, entre produtores e consumidores, os

benefícios da melhora de eficiência40 (IEA, 2002). Portanto, a previsão é de que as tarifas de

transporte de gás natural continuem sendo reguladas até que a competição ocorra

efetivamente entre as empresas que atuam no segmento.

4.3 - Argentina

As reservas provadas de gás da Argentina eram de 660 bilhões de m3 até o final de

2003, a terceira maior da América do Sul, atrás apenas da Bolívia e da Venezuela. A produção

em 2003 foi de 41 bilhões de m3, com uma relação reserva/produção de 16,2 anos. O consumo

anual interno é da ordem de 34,6 bilhões de m3. O país passou, a partir de 1997, a exportar gás

natural para países vizinhos e, em 2003, exportou 5,75 bilhões de m3 para o Chile, 680

milhões de m3 para o Brasil e 30 milhões para o Uruguai (BP STATISTICAL REVIEW,

2004).

A participação do gás natural na matriz energética argentina é de 53% do total de

energia primária consumida. Atualmente, o gás natural tem grande relevância em vários

segmentos, com 34,2% de participação nas indústrias, 32,7% na geração termelétrica, 18,6%

no segmento residencial e 9% no segmento automotivo (ENARGAS, 2004).

40 No passado, quando a FERC utilizou taxas de incentivo, as transportadoras deveriam demonstrar benefícios quantificáveis ou que as taxas não excediam as taxas de custo de serviço. Para promover as taxas de incentivo, a FERC abandonou esses requerimentos e está estudando a possibilidade de usar uma taxa benchmark-performance.

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A rede de gasodutos de transporte argentina possui cinco grandes gasodutos para

atender a demanda interna, sendo três deles associados à Transportadora Gas del Sur (TGS) e

os outros dois à Transportadora Gas del Norte (TGN). Existem ainda dez gasodutos para a

exportação de gás natural para o Chile, Brasil e Uruguai. A rede de gasodutos de transporte da

Argentina é de aproximadamente 12,4 mil km, com capacidade de 157,5 milhões m³/dia

(IPQA, 2004). A figura abaixo apresenta a rede de gasodutos de transporte argentina.

Figura 10 - Rede de Gasodutos de Transporte da Argentina

Fonte: Petrobras (2004)

4.3.1 - Antecedentes

Até a década de 40, a indústria de gás na Argentina era pouco desenvolvida. Depois de

90 anos de exploração do serviço de gás manufaturado canalizado por empresas estrangeiras,

somente 6% da população era atendida (BRAVO e KOZULJ, 1991). Em 1946 foi criada a

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estatal Gas Del Estado (GdE), uma empresa integrada que ficaria responsável pelo transporte

e distribuição do gás natural desde as bacias até os usuários residenciais e industriais. A

Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), por sua vez, seria a responsável pelas atividades de

exploração e produção (TEICH e NIEMETZ, 2004).

Na década de 70, foram descobertas significativas reservas de gás no país, o que

estimulou a Argentina a desenvolver políticas de diversificação de sua matriz energética,

expandindo a participação do gás. Entre essas políticas, destaca-se o Plano Nacional de

Substituição de Combustíveis Líquidos, que promovia o uso do gás natural em veículos de

forma a favorecer a exportação de petróleo e reduzir o déficit na balança comercial. Com esse

Plano, a Argentina aumentou sua frota de veículos movidos a GNV e hoje é o país do mundo

com o maior número de veículos convertidos (ANP, 2003b).

Até 1990, a YPF havia crescido, em média, 11% ao ano enquanto a GdE apresentou

um crescimento anual de 12,2%. Em 1990 a Argentina era um dos países com maior

desenvolvimento da rede de gasodutos e atendia cinco milhões de usuários domésticos,

equivalentes a 45% da população do país (BRAVO e KOZULJ, 1991). Entretanto, acreditava-

se que as condições eram desfavoráveis para novos investimentos, o que culminou com a

reestruturação do setor em 1992.

4.3.2 - Reestruturação

O processo de reestruturação da Indústria de Gás Natural na Argentina teve início com

a quebra do monopólio estatal, com a venda da YPF para a espanhola Repsol e com a entrada

de novos operadores. A Lei 24.076 de 1992 estabeleceu o marco regulatório para a indústria

Argentina, com leis que regulavam as atividades de transporte e distribuição. Tal lei

estabeleceu, ainda, a divisão da estatal Gas del Estado em oito companhias de distribuição e

duas transportadoras, a Transportadora Gas del Norte e a Transportadora Gas del Sur.

Os argumentos utilizados para essa reestruturação incluíam: a ausência de capital da

Gas del Estado; a existência de subsídios cruzados entre a GdE e a YPF; a grande abundância

de recursos não utilizados; a necessidade de expandir os sistemas de transporte e distribuição;

a existência de déficits operacionais da GdE e da YPF; a fixação de preços, que se dava

politicamente; a existência de problemas de abastecimento durante o inverno; o tratamento do

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gás natural como produto secundário da YPF; a elevada importação de gás natural da Bolívia

a preços muito altos; e o baixo nível de produção. Os objetivos da regulação da indústria de

gás natural argentina, portanto, centravam-se na necessidade de atrair investimentos para a

indústria em geral; na separação da cadeia de gás natural; no aumento da produção; na

eliminação de subsídios cruzados; e na necessidade de expansão do sistema de transporte e

distribuição (TEICH e NIEMETZ, 2004).

Todas as empresas da indústria foram privatizadas e a competição foi inserida em

todos os segmentos da cadeia. Ficou estabelecido que as atividades de exploração, produção,

processamento e comercialização do gás natural seriam segmentos livres, enquanto o

transporte e a distribuição do gás deveriam ser regulados, por meio de concessões, pelo Ente

Nacional Regulador del Gas (ENARGAS), criado na ocasião da Lei (ENARGAS, 2004). A

figura a seguir apresenta as mudanças ocorridas na estrutura da indústria de gás natural

Argentina:

Figura 11 - Mudanças Ocorridas na Estrutura da Indústria de

Gás Natural na Argentina

Fonte: ANP, 2002b, p. 10

Produção (YPF)

Transporte (Gas del Estado)

Distribuição (Monopólios Geográficos)

Transporte (TGS e TGN)

Produção (Vários Agentes)

Consumo

Distribuição (Gas del Estado)

UTEs e Grandes Indústrias

Consumo

Estrutura Antiga Estrutura Atual

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A Lei 24.076/92, em seus artigos 33 e 34, apresentou limites à participação cruzada na

indústria de gás natural:

- Os transportadores ficaram proibidos de comprar ou vender gás, exceto para

consumo próprio e para manter o sistema em operação;

- Nenhum produtor, armazenador, distribuidor ou consumidor que contrate

diretamente com o produtor poderia ter participação controladora em uma

sociedade habilitada como transportadora;

- Os produtores, armazenadores e transportadores não poderiam ter participação

controladora em uma sociedade habilitada como distribuidora;

- Os consumidores que contratassem diretamente com o produtor não poderiam ter

participação controladora em uma sociedade habilitada como distribuidora que

corresponda à zona geográfica de seu consumo;

- Os comercializadores não poderiam ter participação controladora em sociedades

habilitadas como transportadora ou distribuidora.

Em relação ao transporte de gás natural, além da necessidade de licenças baseadas no

“Regulamento do Serviço”, do Decreto 2.555 de 1992, a lei prevê o acesso regulado de

terceiros às redes de transporte, sem que haja nenhum tipo de discriminação. É de

responsabilidade do Enargas o estabelecimento de tarifas de acesso transparentes e justas. Há

ainda o Concurso Aberto41 para a oferta e alocação de capacidade de transporte para o serviço

firme. As operações de cessão de capacidade de transporte são reguladas pelo Enargas,

conforme a Resolução 419 de 1997, que estabelece que qualquer operação de cessão de

capacidade de transporte de gás deve ser realizada por oferta pública de capacidade. A

manutenção da eficiência do sistema de transporte era um dos principais objetivos do Ente

Regulador. Por este motivo, a Resolução 716 de 1998 do Enargas, previa alguns

procedimentos para manter o equilíbrio do sistema, como o controle por parte dos

carregadores de seu desequilíbrio42 acumulado; a determinação por parte dos transportadores

41 O Concurso Aberto inicia-se com uma Declaração de Utilidade Pública, disponibilizada no portal eletrônico da Enargas e da Transportadora, na qual o prestador de serviço anuncia a intenção de aumentar a capacidade de transporte. Essa declaração contém informações a respeito dos pontos de recepção e entrega da expansão, os critérios de escolha das solicitações, as exigências técnicas e as datas dos resultados. 42 Desequilíbrio é a diferença entre o somatório das Quantidades Realizadas nos Pontos de Recepção, excluindo o gás para uso no sistema, e o somatório das Quantidades Realizadas nos Pontos de Entrega (ANP, 2003b).

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de bandas de tolerância de desequilíbrios acumulados; a definição de níveis de alarme e do

estado do sistema (classificados como normal, alerta, crítico ou de emergência, dependendo

do fator de carga e da capacidade de entrega do gasoduto); e a manutenção de fluxos de

informação entre transportadores e carregadores.

Já em relação à distribuição do gás natural canalizado, a Argentina é dividida em nove

áreas de concessão e, portanto, são nove as distribuidoras que possuem licença para atuar no

país. Também está previsto o livre acesso não discriminatório de terceiros às redes existentes.

Outro aspecto previsto na legislação sobre a distribuição é a possibilidade de by pass, que

permite que grandes usuários43 e distribuidoras comprem o gás diretamente de produtores ou

comercializadores44. Existem, na Argentina, três modalidades de comercialização do gás: o by

pass comercial, que é a negociação direta do gás com o grande consumidor final, que paga

apenas uma tarifa para o distribuidor pela utilização de sua rede; o by pass físico, onde o

consumidor conecta-se diretamente ao sistema de transporte, sem utilizar a rede de

distribuição; e as vendas na boca do poço, que ocorrem quando o consumidor não se vincula

aos sistemas de transporte nem de distribuição (ANP, 2003b).

O mercado spot45 de venda de gás na Argentina é regulado pelo Decreto nº 2.731 de

1993, que determina que as distribuidoras podem efetuar transações de compra de gás no

mercado spot até 20%46 dos volumes operados durante o mesmo mês do ano anterior. As

tarifas de distribuição de gás natural são reguladas pelo Enargas e fundamentam-se no

mecanismo de price cap, com reajustes semestrais baseados na inflação, nos investimentos na

rede e nos incentivos à eficiência. Os distribuidores devem informar ao Enargas as tarifas que

pretendem cobrar e devem respeitar as tarifas máximas autorizadas (ANP, 2003b).

O preço final do gás natural na Argentina, de acordo com a Lei 24.076/92, é a soma de

três parcelas: o preço do gás natural no ponto de entrega no sistema de transporte; a tarifa de

transporte e a tarifa de distribuição.

43 São considerados grandes usuários aqueles que consumem mais de 5.000 m3 diários de gás. 44 Comercializadores são agentes que compram o gás dos produtores e vendem diretamente para distribuidoras e alguns consumidores finais. 45 No mercado spot da Argentina são consideradas as transações entre um e seis meses. 46 A critério da Secretaría de Energía, esse patamar pode ser de até 40%.

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4.3.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural

A tarifação do transporte de gás natural na Argentina, assim como a de distribuição, é

baseada no estabelecimento de um preço teto, que foi visto no Capítulo 1. Esse preço máximo

é estabelecido pelo Enargas e, até 2002, essas tarifas eram reajustadas com base em

indicadores internacionais e em um fator de produtividade, que tinha como objetivo estimular

a eficiência e investimentos na infra-estrutura da rede de transportes. Assim, o sistema de

regulação de preços passou a ser do tipo price cap, com um sistema de ajuste por fator-X. A

metodologia utilizada para calcular a taxa de rentabilidade da indústria de gás se baseou no

custo médio ponderado de capital (WACC), sendo o custo de capital próprio calculado com

base no modelo CAPM, visto no Capítulo 1 (VISINTINI, 1998).

A Lei 24.076 de 1992, em seu artigo 38, estabeleceu que as tarifas de transporte de gás

natural deveriam garantir receitas suficientes para cobrir os custos de operação e manutenção,

impostos, amortizações e uma taxa de retorno justa sobre os investimentos, calculada como a

taxa que poderia ser obtida em uma atividade de risco semelhante (Lei 24.076/92, art. 39). Na

tarifação, devem ser levadas em conta as diferenças que existem entre os diversos tipos de

serviço em relação à forma de prestação, localização geográfica e distância relativa.

Considerando essas premissas, o custo do gás para o consumidor final deve ser o menor

possível, compatível com a segurança no abastecimento. As tarifas de transporte incluem o

fator distância e são definidas por zona de entrega.

Nessa mesma Lei, o artigo 42 previa uma revisão do sistema de ajuste de tarifas de

cinco em cinco anos, fixando novas tarifas máximas de acordo com o estabelecido no artigo

38. As tarifas estabelecidas pelo Enargas têm caráter de máximo e, portanto, os

transportadores podem praticar preços menores sem necessidade de autorização, contanto que

não haja subsídios cruzados, que a mesma tarifa seja oferecida a todos os carregadores em

condição de igualdade e que o ente regulador seja informado (Lei 24.076/92, art. 41, 43 e 44).

Para o cálculo da tarifa de transporte, deve-se considerar o risco envolvido nessa

atividade. No caso da Argentina, as empresas de transporte de gás natural vendem sua

capacidade principalmente por meio de contratação de longo prazo com as distribuidoras. No

caso de expansão de capacidade, da mesma forma, se praticam contratos de longo prazo com

as distribuidoras ou com as centrais elétricas. Outro aspecto relacionado ao transporte de gás

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natural na Argentina é a escassa possibilidade de concorrência entre a TGS e a TGN, devido à

estrutura geográfica de conexão entre as bacias e o mercado. Por esses motivos, o risco do

transporte de gás natural na Argentina é considerado baixo, e, portanto, as tarifas de transporte

costumam ser mais baixas que as tarifas de distribuição47 (VISINTINI, 1998).

Apenas uma revisão qüinqüenal foi realizada, pois a crise Argentina, em 2002, ocorreu

durante o processo da segunda revisão tarifária. Devido à crise, a forma de tarifação de

transporte de gás natural sofreu algumas alterações. Com a mudança no sistema de câmbio, os

contratos e os serviços públicos privatizados também foram modificados. A Lei 25.561 de

2002, que modificou o sistema de câmbio fixo argentino, converteu as tarifas do serviço

público de dólar para pesos e impediu qualquer reajuste por indexadores externos (ANP,

2003b).

Desde o congelamento, o preço final do gás doméstico passou de 1,50 US$/MBTU

para 0,50 US$/MBTU, afetando as empresas de transporte e distribuição. Por outro lado, as

tarifas são livres para a compra direto do produtor e para a exportação. Ao exportar o gás, os

produtores podem cobrar 1,40 US$/MBTU, o que leva os produtores a priorizarem a

exportação (REPAR, 2004). Os agentes envolvidos no transporte e distribuição de gás natural

exigiram tarifas mais altas para dar continuidade aos serviços e aos investimentos. Porém, em

2002 só houve um pequeno aumento no preço final do gás natural, sem nenhum reajuste nas

tarifas de transporte nem nas margens de distribuição. A desvalorização do peso frente ao

dólar fez com que muitas empresas de gás natural da Argentina deixassem de pagar suas

dívidas, incluindo a TGN, a TGS e algumas distribuidoras de gás.

A forma de tarifação por preço teto na Argentina foi satisfatória apenas até a

desvalorização do peso frente ao dólar. Como os contratos de transporte de gás natural foram

proibidos de sofrer reajustes, as tarifas passaram a não refletir seus custos fazendo com que os

lucros diminuíssem e os investimentos fossem paralisados. Tais problemas foram apontados

pelas empresas como a principal causa da crise energética que atingiu o país no início de

2004.

47 As tarifas de distribuição são mais altas pois os riscos da atividade de distribuição na Argentina são maiores. Não há concorrência na distribuição para pequenos usuários e consumidores residenciais, entretanto, para as termelétricas e usuários industrias, existe a possibilidade de by pass físico ou comercial, que faz com que a empresa esteja exposta a um grande risco de perdas.

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140

O processo de reformas pelo qual passou a indústria de gás natural argentina foi

bastante intenso. Toda a indústria foi reestruturada, com a privatização de empresas nos

diversos segmentos da cadeia. Dentro desse processo houve a introdução da concorrência,

com limitações à participação cruzada das empresas e estabelecimento do livre acesso. A

Enargas passou a regular a indústria e as tarifas a serem praticadas nos diversos segmentos.

Embora a crise argentina tenha causado alguns problemas para a indústria, o estudo do

mercado de gás natural com maior experiência regulatória na América Latina é relevante para

a análise do caso brasileiro.

4.4 - Colômbia

A Colômbia possuía, até o final de 2003, reservas provadas de 110 bilhões de m3 de

gás natural. A produção de gás no país no mesmo ano foi de 6,1 bilhões de m3, representando

uma relação reserva produção de 18,6 anos. O consumo no mesmo ano foi de seis bilhões de

m3 (BP STATISTICAL REVIEW, 2004).

A rede de transporte de gás na Colômbia é apresentada na figura a seguir. Até 1999, a

infra-estrutura de transporte era de 2.800 quilômetros e havia cerca de 1,8 milhões de usuários

finais (CREG, 2004). A malha de gasodutos colombiana é composta de duas redes: a da Costa

Atlântica, que já está totalmente integrada com uma ampla rede de transporte; e a do Interior,

que também já está bastante desenvolvida.

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141

Figura 12 - Rede de Gasodutos Colombiana

Fonte: DOE, 2004

4.4.1 - Antecedentes

A prestação de serviço de gás natural domiciliar na Colômbia teve início na década de

setenta, de forma isolada em algumas regiões do país. Entretanto, apesar da existência de

reservas de gás no país, a indústria apresentou um baixo crescimento durante um longo

período. A partir de 1986, com o programa “Gas para el cambio”, essa situação começou a se

modificar. Esse programa teve como objetivos expandir a rede de gasodutos de forma a

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142

interconectar todas as regiões do país e aumentar a cobertura do sistema, além de estimular a

descoberta de novas reservas (CREG, 2004).

A empresa Ecopetrol controlava todas as etapas da cadeia produtiva e, entre 1995 e

1997, construiu mais de dois mil quilômetros de gasodutos, interconectando a rede. Em 1997,

a lei 401 separou a atividade de transporte da empresa e criou a Empresa Colombiana de Gás,

conhecida como Ecogas. O segmento de distribuição também sofreu algumas modificações,

com a concessão de áreas de distribuição exclusiva de gás entre 1997 e 1998.

Cada um dos segmentos da cadeia é regulado de forma independente, com limitações

diferentes para a integração vertical e horizontal. As empresas colombianas de produção,

comercialização e transporte de gás natural são tanto privadas como estatais. Já as empresas

de distribuição são majoritariamente de capital privado.

4.4.2 - Reestruturação

O marco regulatório colombiano para a indústria de gás natural estabeleceu regras que

permitiram um mercado administrado na produção e comercialização do gás. Para os

segmentos de transporte e distribuição, que são considerados monopólios naturais, a questão

do livre acesso foi fundamental na regulamentação do setor. Para atingir esses objetivos,

algumas limitações verticais e horizontais foram impostas. Com o objetivo de garantir o

acesso de terceiros à infra-estrutura de transporte, tal atividade foi separada dos segmentos de

produção, comercialização e distribuição de gás em 1996. Assim, o transportador de gás ficou

proibido de realizar ou manter interesse econômico em qualquer atividade relacionada à

produção e distribuição de gás e não poderia dar nenhum tratamento preferencial a qualquer

usuário de seus serviços (CREG, 2004). Outras limitações verticais impostas pela nova

legislação em relação às empresas foram: a proibição dos agentes de distribuição e

comercialização de atuarem em geração de energia elétrica e o fato dos produtores só

poderem deter até 25% das empresas de geração de eletricidade e até 30% de uma

distribuidora. Por outro lado, a comercialização poderia ser realizada por empresas de

produção e distribuição (ANP, 2002b).

As limitações horizontais incluíam: a proibição de qualquer pessoa ou empresa possuir

mais de 25% do volume transacionado no mercado de comercialização a usuários finais,

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regulados ou não, excluindo o gás comercializado para geração termelétrica e as

determinações de que, a partir de 1o de janeiro de 2015, nenhuma empresa de distribuição

poderia atender a mais de 30% do total de usuários do mercado e de que, a partir de setembro

de 2000, os produtores de gás não poderiam comercializar a produção conjuntamente com

outros sócios do contrato de exploração e produção respectivo nem poderiam comercializar

conjuntamente a produção de dois ou mais contratos de exploração e produção diferentes. Por

outro lado, a comercialização de gás para empresas de geração termoelétrica não teria limites

de participação no mercado (CREG, 2004).

O conjunto de todos os gasodutos colombianos que ligam os centros de produção de

gás do país, aos city-gates, sistemas de distribuição, usuários não regulados, interconexões

internacionais ou sistemas de armazenamento, excluindo conexões e gasodutos dedicados

recebeu, em 2000, o nome de Sistema Nacional de Transporte. A maior parte da rede de

transporte do interior do País é de propriedade da estatal Ecogás, e da Costa Atlântica, da

empresa privada Promigas. Os outros transportadores de gás colombianos foram definidos por

meio de contratos de concessão, ou por livre iniciativa.

A Resolução no. 66 de 2002 definiu que existiriam dois tipos de transportadores no

monopólio de rede: o transportador comum, que no caso colombiano seriam a Ecogás e a

Promigas, e o transportador por contrato, estabelecidos por concessão. O transportador

comum tem como características: a expansão se baseia em estimativas de demanda realizadas

por um ente centralizado; os direitos de capacidade permanecem com o transportador; o ente

central concede o serviço de transporte mediante rateio da demanda; a capacidade não

remunerada é custo irrecuperável para o investidor; e existe a obrigação de expansão

promovida por um ente central. Já o modelo de transportador por contrato tem como

características principais: a expansão está baseada em contratos; os usuários adquirem direitos

de capacidade por meio dos contratos; o serviço de transporte é concedido diante do princípio

do que o primeiro a solicitar é o primeiro que se atende; a capacidade não contratada é um

custo irrecuperável para o transportador; e não há obrigação de expansão se não existe

contrato de transporte. Na modalidade de transporte por contrato, portanto, os diferentes tipos

de serviço e a expansão da infra-estrutura dependem dos termos e das condições dos contratos

(CREG, 2004).

O esquema abaixo mostra as mudanças ocorridas na estrutura da indústria colombiana

de gás natural:

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144

Figura 13 - Mudanças Ocorridas na Estrutura da Indústria de

Gás Natural na Colômbia

Fonte: ANP, 2002b, p. 12

4.4.3 - Tarifação do Transporte de Gás Natural

De 1961 até 1994, o custo do transporte por gasodutos era fixado pelo Ministério de

Minas e Energia e revisado, a cada quatro anos, com cada um dos agentes. Em 1995,

entretanto, essa forma de determinação de custos foi modificada. A infra-estrutura de

gasodutos era formada por duas grandes redes não integradas e com enfoques regulatórios

diferentes. Tais redes eram a da Costa Atlântica, que tinha um encargo de capacidade único; e

o do interior, com um conjunto de encargos de capacidade de entrada e saída. Na Costa

Atlântica, portanto, as tarifas eram postais, com encargo único fixado em US$ 0,34/kpc

(ADUEN, 2000).

Produção (Ecopetrol)

Transporte (Ecopetrol)

Distribuição (Monopólios Geográficos)

Transporte (Ecogas e Promigas)

Produção (Vários Agentes)

Consumo

Distribuição (Ecopetrol)

UTEs e Grandes Indústrias

Consumo

Estrutura Antiga Estrutura Atual

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145

Para a rede de gasodutos do interior, o nó de Vascovia era considerado o centro de

referência para as transações de gás natural. Ou seja, os transportadores calculavam a

distância do nó de entrada ao centro de referência e todas as transações de gás efetuavam em

relação a este centro. Este encargo denominava-se encargo de capacidade de entrada e refletia

o custo econômico de transportar o gás do nó de entrada ao centro de referência. Assim, os

consumidores pagavam o transporte do centro de referência até o nó de saída com base em

tarifas postais. Com base nesse esquema, a CREG (Comissão de Regulação de Energia e Gás)

fixou as tarifas de transporte de gás natural para o interior, o centro e o sul, em 1996, e para o

gasoduto de Tolima, Boyacá e Valle, em 1998 (CREG, 2004).

O Regulamento Único de Transporte foi concluído em 1999 e estabeleceu regras de

funcionamento do Sistema Nacional de Transporte (SNT). Esse regulamento assegurava o

acesso de terceiros sem discriminação ao SNT e criava condições e instrumentos para que a

operação da rede de gasodutos fosse eficiente, confiável e de qualidade. Além disso, o

regulamento determinou funções para o Conselho Nacional de Operação, que deveria atuar

em conjunto com a CREG na organização e resolução de conflitos no segmento de transporte

de gás natural.

Em 2000, aproveitando o prazo de vencimento dos períodos tarifários e com o objetivo

de unificar os diferentes critérios de tarifação de gás natural existentes, a CREG estabeleceu

um novo regime regulatório. A metodologia proposta tinha como objetivo facilitar a

penetração do gás natural, fazer uma sinalização eficiente dos custos do sistema de transporte

e manter a estabilidade regulatória (CREG, 2004).

O regime regulatório escolhido é baseado na tarifação por distância, de forma similar

ao que já ocorria em alguns gasodutos. O fator distância foi escolhido devido à sinalização

locacional possibilitada por esse critério e porque ele reflete todos os custos médios de cada

componente do sistema. Para o cálculo da remuneração do transporte de gás na Colômbia, a

metodologia proposta é de tarifação ponto a ponto. Ou seja, deve-se somar todos os

carregamentos correspondentes a cada trecho compreendido entre o ponto de entrada e o

ponto de saída.

A metodologia adotada é a de Custo Médio de Longo Prazo calculado a partir dos

custos eficientes de investimento no gasoduto; os gastos de administração, operação e

manutenção; e o volume transportado. Para a determinação dos carregamentos para cada

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empresa, se utiliza, como taxa de retorno, o valor ponderado entre seu custo de capital

histórico e o custo de capital corrente, de acordo com a proporção entre a base de ativos

existentes e os novos investimentos previstos para o período tarifário (Resolução CREG-

007/2001).

Como diretrizes gerais, as empresas transportadoras devem ser remuneradas mediante

encargos de capacidade fixos e variáveis que remunerem os custos de investimento e

mediante encargos fixos que remunerem os gastos de administração, operação e manutenção

dos gasodutos, de acordo com a seguinte equação, apresentada na Resolução CREG 028 de

1999:

RT = CFC* CAP + CVC*VOL + CFAO&M* CAP

Onde: RT = Receita do transportador

CFC = Encargo fixo que remunera os custos de investimento calculados com uma taxa

de capital investido de 11%

CVC = Encargo variável que remunera os custos de investimento calculados com uma

taxa de capital investido de 16%

CFAO&M = Encargo fixo que remunera os gastos de Administração, Operação &

Manutenção calculado com uma taxa de capital investido de 11%

CAP = Capacidade contratada

VOL = Volume transportado

A determinação dos encargos fixos e variáveis que remuneram o investimento pode

ser feita livremente, por mútuo acordo entre as partes ou utilizando-se a metodologia de

aproximação ordinal. Já a determinação dos encargos para a remuneração dos gastos com

administração, operação e manutenção será feita pela CREG. A estimativa dos encargos fixos

e variáveis regulados para a prestação de serviço de transporte de um gasoduto ou grupo de

gasodutos se baseia na utilização de modelos de fluxo de caixa descontado (Resolução CREG

028/99). Para cada empresa de transporte do SNT, com exceção da Ecogas, foram feitas

resoluções diferentes, durante os anos de 2001 e 2002.

O principal objetivo desse novo regime, segundo a CREG (2004), era o incentivo a

inovações na remuneração de transporte de gás de forma a proporcionar flexibilidade e

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repartição de riscos entre os agentes. A negociação das tarifas com alternativa fixada ex-ante

pelo agente regulador permite a adoção de mecanismos mais eficientes que os tradicionais e

rígidos esquemas regulatórios.

A reestruturação da indústria e as políticas de desenvolvimento do mercado e da infra-

estrutura de gás natural na Colômbia têm apresentado bons resultados nos últimos anos, com

incremento expressivo da demanda, ampliação da rede de transporte e aumento de

descobertas. A flexibilidade da regulação e a criação do Conselho Nacional de Operação em

atuação conjunta com o CREG na organização e resolução de conflitos são também pontos

positivos da reforma da indústria na Colômbia. No que diz respeito à definição tarifária, a

inserção do fator distância para que os custos associados ao transporte fossem refletidos na

tarifa foi marcante na reforma colombiana. A perspectiva de médio prazo para a indústria

colombiana é a interconexão com países vizinhos como forma de aproveitar as reservas do

País.

Os obstáculos, entretanto, também existem. O principal deles é a concorrência

hidrelétrica, que torna o mercado de termoeletricidade muito volátil e, consequentemente

expõe os agentes a altos riscos comerciais e financeiros. Outro obstáculo é a necessidade de

novas descobertas de reservas, para fazer frente à previsão de aumento da demanda nos

próximos anos (ADUEN, 2000).

4.5 - Considerações Finais do Capítulo

Este capítulo analisou algumas características da Indústria de Gás Natural na União

Européia, em especial na Espanha e na Irlanda, bem como nos Estados Unidos, Argentina e

Colômbia, com ênfase nas diferentes metodologias utilizadas para a determinação das tarifas

de transporte de gás natural.

Na União Européia, as Diretivas de 1998 e 2003 tinham como objetivo criar um

mercado único para o gás, regulamentar o setor, gerar competição e garantir o acesso de

terceiros à rede de transporte. As tarifas de transporte deveriam ser não-discriminatórias,

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transparentes e justas, embora não tenha sido estabelecida nenhuma metodologia específica

para a tarifação, apenas uma indicação para a tarifação entry-exit, como ocorre, por exemplo,

na Irlanda. Neste país, a estrutura tarifária inclui sinais locacionais na entrada e tarifas postais

na saída. Avaliou-se também o exemplo da Espanha, que utiliza a metodologia de tarifação

postal, e a tarifa máxima de transporte do gás é única para todo o território. Entretanto, ainda

há alguns países europeus, como Portugal e Grécia, que não definiram nenhuma metodologia

para a tarifação.

No caso dos Estados Unidos, a regulação interestadual da indústria de gás natural é

feita pela FERC e, dentro dos Estados, pelas PUCs. O processo reestruturação do setor foi

finalizado com a Order 636, em 1992, que estabeleceu o livre-acesso e modificou a relação

entre os agentes da indústria de gás natural do país. Um grande número de comercializadores

surgiu, os centros de comercialização se desenvolveram e mercados spot e futuros de gás se

expandiram. O segmento de transporte de gás natural nos Estados Unidos, embora tenha sido

liberalizado, ainda tem suas tarifas reguladas. No caso do transporte de gás natural

interestadual, as tarifas são reguladas pela FERC, que tradicionalmente utiliza como

metodologia o custo histórico do serviço mais uma taxa de retorno justa. A tarifa é dividida

em tarifa de reserva de capacidade e tarifa de uso do gasoduto e o regulador estabelece um

preço máximo a ser cobrado pelas empresas de transporte. A partir de 1992 passou a se

utilizar a metodologia STV para promover a competição boca de poço, facilitar a criação de

um mercado nacional de gás, promover sinais de preço não discriminatórios e assegurar taxas

razoáveis e justas às empresas.

Na Argentina, a indústria de gás natural foi totalmente privatizada a partir da Lei

24.076/1992, que também: introduziu a competição em todos os segmentos da indústria

regulados desde então pela ENARGAS; estabeleceu limites à participação cruzada das

empresas na indústria e introduziu o livre-acesso à rede de transporte de gás natural. A

precificação do transporte de gás na Argentina é feita pelo método price cap, no qual a

ENARGAS estabelece um preço máximo para as tarifas que, até 2002, eram reajustadas por

indicadores internacionais e continham um fator de produtividade. Com a crise argentina,

entretanto, as tarifas foram desvalorizadas pelo impedimento de qualquer vínculo de reajuste

por indicadores internacionais, tornando essa forma de tarifação insatisfatória para os agentes

da indústria e contribuindo para a crise de 2004.

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Na Colômbia, cada um dos segmentos da cadeia é regulado de forma independente,

com limitações diferentes para a integração vertical e horizontal. Para os segmentos de

transporte e distribuição, que são considerados monopólios naturais, a questão do livre acesso

foi fundamental na regulamentação do setor. O fator distância foi escolhido como

metodologia de tarifação devido a sua sinalização locacional e a possibilidade de refletir todos

os custos médios de cada componente do sistema. O cálculo é feito pela tarifação ponto a

ponto, devendo-se somar todos os carregamentos correspondentes a cada trecho

compreendido entre o ponto de entrada e o ponto de saída.

A análise da experiência internacional é muito importante para entender-se quais as

possibilidades de tarifação, dada a existência de objetivos distintos em cada mercado. No

próximo Capítulo, serão apresentadas possíveis alternativas para a tarifação de transporte de

gás natural no Brasil, com base nos objetivos que serão propostos no próximo capítulo.

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CAPÍTULO V - TARIFAÇÃO DO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL

NO BRASIL

Este Capítulo tem como objetivo avaliar alguns dos desafios da indústria de gás

natural no Brasil e propor critérios para a definição de uma política de tarifação. Para tanto,

parte-se do que foi apresentado nos capítulos anteriores sobre as vantagens e desvantagens das

formas de regulação tarifária praticadas em diversos países e das características específicas da

indústria de gás natural brasileira.

Para a análise do momento atual da indústria de gás natural brasileira e para a questão

da política de transporte do gás natural foram utilizados estudos de IEPUC (2004), Almeida

(2003c), ANP (2004), Cecchi (2003) e Bosco (2003). Os critérios a serem contemplados na

definição da tarifação de transporte de gás natural no Brasil foram definidos a partir da análise

dessa indústria apresentada no Capítulo 3 e analisados com base nos estudos de Almeida

(2003b), ANP (2003b), Almeida e Trebat (2004) e Almeida e Freitas (2003). As metodologias

de transporte de gás natural foram classificadas como positivas ou negativas para cada um

desses critérios, e também com base na experiência internacional. A partir dos estudos

realizados acerca dos custos e benefícios envolvidos em cada metodologia de tarifação de

transporte de gás natural, busca-se encontrar respostas para essa questão.

5.1 - Momento Atual da Indústria de Gás no Brasil e Desafios

Durante a década de 90, a previsão era de que, até 2010, a participação do gás natural

na matriz energética brasileira seria de 12%. Entretanto, o ritmo de crescimento da demanda

do gás tem se apresentado pouco significativo devido, principalmente: aos altos preços do gás

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natural em comparação a outros combustíveis, à baixa competitividade das termelétricas em

relação às hidrelétricas; à malha de transporte e distribuição de gás natural ainda pouco

desenvolvida; ao baixo desenvolvimento tecnológico para a utilização de gás natural nas

indústrias, à inadequação do atual marco regulatório diante das características da indústria de

gás natural; e ao conflito na lógica empresarial da Petrobras, que é responsável pelos

derivados de petróleo e pelo gás natural, energéticos potencialmente concorrentes (IEPUC,

2004).

Por outro lado, a oferta de gás natural, conforme apresentado no Capítulo 3, tem

apresentado um ritmo de crescimento acelerado, o que corrobora com a necessidade de uma

política de desenvolvimento da demanda pelo produto e de eliminação dos gargalos ainda

existentes na indústria. É necessário resolver questões relativas ao desenvolvimento de

mercados, à formação do preço do gás, ao aproveitamento das reservas, à adequação do marco

regulatório e à expansão da infra-estrutura. Tais necessidades estão incluídas nos objetivos da

Portaria MME 432/2003, que constituiu um grupo de trabalho para propor alternativas de

solução desses problemas. Esta Portaria estabeleceu, em 17 de novembro de 2003, um prazo

de 120 dias para a apresentação de soluções, mas nada foi feito.

As condições de oferta do gás natural fazem do energético a principal alternativa de

diversificação da matriz energética brasileira. Por outro lado, o ambiente de incerteza e a

ausência de investimento privado dificultam o desenvolvimento da indústria. Os dois

principais aspectos envolvidos na questão são a não realização dos investimentos previstos no

Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) e as incertezas sobre o marco legal da

indústria.

Os investimentos previstos para o Programa Prioritário de Termoeletricidade, como

visto no Capítulo 3, não se concretizaram. Isso fez com que o conseqüente crescimento da

demanda de gás natural estimulado por estes mercados-âncora ficasse muito abaixo do

esperado. Da mesma forma, os investimentos em infra-estrutura de transporte ficaram aquém

das expectativas, dificultando ainda mais o desenvolvimento da demanda.

Em relação à regulação do setor, o ambiente é também de incerteza. Ainda não ficou

estabelecido de fato se a competição será introduzida em todos os setores, incluindo a

separação da atividade de transporte, ou se a Petrobras continuará a ser predominante no

mercado. Além disso, o fraco arcabouço regulatório do setor não permite ao órgão regulador a

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utilização de instrumentos fortes para a perfeita regulação do segmento de transporte, o que

aumenta a percepção de risco e desestimula a entrada de novos agentes. Nesse contexto, surge

a necessidade de uma legislação específica para o gás natural.

5.1.1 - Marco Regulatório

Em relação à legislação específica para o gás natural, os principais desafios dizem

respeito à entrada de novos agentes na indústria; à atração de investimentos privados; à

introdução de maior competição no suprimento; e à proteção dos interesses dos consumidores.

A legislação atual é contraditória e não existem aparatos legais suficientes para o

cumprimento de seus objetivos. Os contratos de prestação de serviços de transporte existentes

impedem o acesso indiscriminado de terceiros às redes e as tarifas de transporte de gás não

refletem os custos associados ao serviço, aumentando a incerteza e afastando investidores

privados.

O novo modelo de organização para a indústria de gás natural brasileira requer a

definição de questões relevantes, como qual o modelo de desenvolvimento a ser seguido; se

ele será baseado na competição, estimulando-se a entrada de novos agentes, ou na

predominância de apenas um único agente; qual o papel dos agentes privados nesse novo

modelo; qual estrutura de mercado será adotada; como serão atraídos os investimentos

privados; e se haverá ou não a separação da atividade de transporte. Nesse novo modelo, a

questão da regulação de acesso, a forma de tarifação a ser aplicada no segmento de transporte

e os aspectos ambientais e tributários são também fundamentais (IEPUC, 2004).

Como visto no Capítulo 3, embora ainda não se tenha desenvolvido um marco

regulatório específico para o gás natural, a elaboração de portarias relativas ao livre acesso,

aos critérios tarifários e à cessão de capacidade de transporte, realizadas pela ANP,

complementam a regulamentação do setor. Entretanto, a definição de um modelo específico

com uma visão estratégica para o gás natural é essencial para o desenvolvimento do mercado.

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O marco regulatório deve respeitar as características de indústria de rede do gás

natural e a existência tanto de segmentos que são monopólios naturais como de outros

potencialmente concorrenciais. Além disso, a legislação do gás natural deverá incluir questões

relativas à determinação da forma de separação (jurídica, contábil ou societária) das

atividades da cadeia; às limitações à participação cruzada; à determinação do regime de

outorga para a construção e operação dos gasodutos; à definição da fronteira entre as

competências regulatórias federal e estadual; à determinação de limites à queima de gás; ao

estabelecimento de prioridade no atendimento à demanda de gás natural em casos de

contingenciamento; à classificação dos dutos sujeitos ao livre acesso; à liberação gradual de

grandes consumidores; à anuência prévia da ANP das tarifas de acesso às redes; e à

adequação dos contratos de suprimento e transporte de gás natural previamente firmados

(ANP, 2004).

5.1.2 - Infra-estrutura de Transporte

A rede de transporte de gás natural brasileira é relativamente incipiente. No entanto, o

desenvolvimento da rede é de fundamental importância para ampliação do mercado de gás

natural. O desenvolvimento da infra-estrutura de transporte envolve duas questões essenciais:

o acesso de terceiros às redes e a atração de novos investimentos para a expansão da rede.

O livre acesso foi estabelecido na Lei 9.478/97 e, conforme visto no Capítulo 3, ficou

definido que, na ausência de acordo entre as partes envolvidas, a ANP seria responsável pela

fixação do valor e pela forma de remuneração do acesso, além de assegurar a utilização da

plena capacidade dos dutos. O acesso de terceiros às redes é um instrumento de regulação

capaz de introduzir a competição em segmentos de monopólio natural, no entanto, no caso

brasileiro, a legislação não prevê os meios para o estabelecimento do livre acesso e, assim, a

ANP, por meio de portarias, complementa a legislação.

Quando existe uma única empresa verticalmente integrada atuando na indústria em um

ambiente de concorrência à montante ou à jusante da cadeia, existem incentivos para que a

empresa com o monopólio na atividade de transporte discrimine o acesso de terceiros às

redes. No caso brasileiro, a presença de novas empresas atuando no upstream faz com que a

Petrobras aja de forma discriminatória e, portanto, cabe ao regulador garantir o livre acesso

(IEPUC, 2004).

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Embora a Lei do Petróleo abordasse a abertura do mercado de gás natural, ela não

conseguiu introduzir a competição no segmento de transporte de gás natural. As empresas de

transporte de gás natural atuam em outros segmentos da cadeia e alguns contratos existentes

possuem cláusulas que impedem o acesso não discriminatório de terceiros. Para a competição

ocorrer efetivamente no segmento seria necessário que o transportador fosse, de fato,

independente e que o livre acesso permitisse a competição no upstream da indústria de gás e,

ao mesmo tempo, estimulasse novos investimentos na rede (IEPUC, 2004).

Atualmente, a Portaria ANP nº 254/2001 é a única em vigor que trata da questão do

acesso de terceiros. Como visto no Capítulo 3, tal Portaria trata da possibilidade de

intervenção da ANP em resoluções de conflitos de acesso de terceiros a gasodutos. É

importante ressaltar que a introdução da competição e o estabelecimento do livre acesso são

importantes para o aumento dos investimentos no segmento.

Outra dificuldade relativa à expansão da rede de gasodutos é a outorga de licenças

ambientais para a construção dos gasodutos. Há demora na obtenção dos documentos e na

coleta das informações necessárias para os estudos dos impactos ambientais. Essa ineficiência

pode inibir investimentos no setor.

Os únicos novos investimentos em discussão no Brasil são os investimentos do Projeto

Malhas planejado pela Petrobras para expandir sua infra-estrutura de transporte, com o

objetivo de cumprir os compromissos contratuais assumidos para o atendimento de térmicas

do Programa Prioritário de Termeletricidade, conforme visto no Capítulo 3. Atualmente, as

tarifas do Projeto Malhas estão sendo calculadas pela própria Petrobras, que discute

superficialmente com a ANP alguns temas, como a taxa de retorno.

5.1.3 - Precificação do Gás Natural

O processo de formação dos preços do gás natural é também muito importante. A

presença de distorções nos preços pode dificultar o processo de desenvolvimento do mercado

brasileiro. Além disso, os preços devem ser competitivos em relação aos concorrentes. Nesse

sentido, alguns aspectos são de grande relevância, como o alto custo do transporte, em

especial no Gasbol; o impacto das flutuações do dólar e dos preços do petróleo sobre o gás; e

a ausência de restrições ambientais para energéticos mais poluentes que o gás. A política de

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precificação do gás natural deve ser consistente com regras de formação de preço e de reajuste

que assegurem menor volatilidade e que reflitam suas vantagens ambientais em preços mais

competitivos. A implementação de uma política de preços com essas características é muito

importante para a atração de novos investidores e para o aumento da pressão competitiva

(IEPUC, 2004).

Em relação à precificação do transporte de gás natural, o momento é também de

incertezas. Existem formas distintas de determinação de tarifas de transporte de gás natural

para o gás destinado ao PPT, que é fixo para todas as regiões do país, e para o gás importado

ou nacional, cujos preços são acordados entre as partes. Portanto, não existe nenhum critério

específico para a tarifação de transporte de gás natural no Brasil estabelecido pelo regulador.

5.1.4 - Perspectivas de aumento da participação do gás na matriz energética

O planejamento de inserção do gás na matriz energética visava inicialmente a geração

termelétrica, complementar à hidrelétrica, como forma de alavancar o mercado de gás natural,

conforme visto no Capítulo 3. No caso brasileiro, a geração térmica à gás é menos

competitiva que a hidroeletricidade e, portanto, os projetos de geração térmicas são, em sua

maioria, complementares à geração hídrica, como reserva de energia. O desenvolvimento

dessas termelétricas seria um grande impulso para o gás e as UTEs representariam a maior

parte do gás natural comercializado no país. Entretanto, as incertezas do setor elétrico

inviabilizaram a construção de grande parte dos projetos e, passada a crise de racionamento, a

redução da demanda por eletricidade e o aumento do nível dos reservatórios das hidrelétricas

fizeram com que os novos projetos de geração termelétrica, com custos de operação mais

elevados do que as hidrelétricas, fossem esquecidos e, atualmente, não se prevê a construção

de UTEs exceto as já projetadas pelo PPT (CECCHI, 2003).

A maioria dos projetos do PPT não se realizou e algumas usinas já instaladas não estão

despachando devido à baixa competitividade do gás e as mudanças nos rumos da política

energéticas nos últimos anos. A maior ou menor participação do gás no sistema elétrico

brasileiro depende do nível de segurança de oferta de energia que se deseja dar ao sistema

como um todo. É importante definir se a geração termelétrica, em um parque gerador

predominantemente hídrico, continuará a ser o mercado âncora para o desenvolvimento da

participação do gás na matriz energética brasileira. Caso seja esta a opção, é necessário

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melhorar a viabilidade econômica dos projetos termelétricos e resolver os problemas da

indústria de gás brasileira (IEPUC, 2004). É preciso considerar também que o país investiu

mais de US$ 3 bilhões na construção de UTEs e US$ 2 bilhões no aumento da infra-estrutura

de transporte de gás natural para implementar esses projetos. Portanto, deve haver incentivo48

para a utilização dessa capacidade antes de se pensar em novos projetos para o setor elétrico

(BOSCO, 2003).

O ambiente de incertezas e indefinições que existe atualmente inibe os investimentos

privados na cadeia de gás e, conseqüentemente, o aumento expressivo de sua participação na

matriz energética brasileira. A Petrobras é a única empresa com planos de investimento na

atividade de transporte e, conforme visto anteriormente, o governo já aprovou leis que

permitem a utilização de recursos públicos para investimentos no segmento. O investimento

privado, por sua vez, dependerá da resolução dessas questões.

5.2 - Considerações acerca da Política de Transporte de Gás Natural no Brasil

Como visto anteriormente, a indústria de gás natural brasileira possui infra-estrutura

ainda incipiente, a Petrobras é a empresa dominante, o ambiente regulatório é inadequado e as

incertezas são muitas. Diante dessa situação, discute-se a possibilidade de criação de uma

legislação específica para o gás natural, incluindo pontos não contemplados na Lei do

Petróleo. Porém, é necessário que, antes da formulação de uma legislação, haja uma política

clara para o transporte de gás natural. No caso brasileiro, uma política de transporte de gás

natural deve considerar questões relativas ao estímulo a novos investimentos, à diminuição de

barreiras à entrada e ao aumento da flexibilidade no transporte.

48 Para a maior inserção das UTEs no sistema elétrico brasileiro, deve-se solucionar a questão do balanceamento do consumo de gás pelas termelétricas, que é interruptível, com os mercados convencionais. O contrato de compra de gás importado possui cláusulas take-or-pay e, portanto, deve-se pagar pelo gás ainda que não seja utilizado. A produção de gás destinada às termelétricas deve ser, portanto, direcionada para outros mercados quando não estiver sendo utilizada. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de um mercado secundário de gás, que, embora não seja suficiente para todo o mercado, soluciona parte do problema (Bosco, 2003).

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Em relação ao transporte de gás natural, são muitos os problemas enfrentados no

Brasil além da forma de tarifação. Como visto anteriormente, o principal problema está

relacionado aos investimentos, que são muito inferiores aos necessários para o

desenvolvimento da rede. As empresas privadas não estão investindo no segmento devido ao

baixo crescimento da demanda e às incertezas quanto ao modelo de organização da indústria.

Para os novos investidores decidirem pela construção de um novo gasoduto é preciso

que haja garantia de mercado, ou seja, é necessário que exista um contrato de longo prazo

para a venda de gás ou que a empresa seja integrada verticalmente. Para diminuir os riscos do

investidor, alguns mecanismos podem ser utilizados, como financiamentos mais favoráveis; a

existência de um mercado secundário de gás, que permite um mercado secundário de

capacidade; um maior grau de abertura no consumo do gás, que atualmente tem participação

da Petrobras em quase todos os mercados; e o estabelecimento de concessão para o transporte

de gás natural, que será visto a seguir.

5.2.1 - Regime de Concessões

Para a realização de investimento privado no setor, uma possibilidade é a da ANP, à

semelhança do que ocorre na transmissão elétrica, licitar projetos de gasodutos com base no

critério de menor tarifa. Nesse caso, a ANP deveria promover leilões e outorgar a atividade de

transporte para quem oferecer o serviço pelo menor preço. Entretanto, existe uma grande

diferença entre o setor elétrico e o de gás natural no Brasil: enquanto o segmento de

transmissão do setor elétrico é uma concessão, o transporte de gás natural é uma autorização.

Pelo regime de concessão, o governo fixa as tarifas e, assim, o retorno financeiro é garantido,

reduzindo o risco do investidor. Já no caso da autorização do transporte de gás natural, não há

garantias de receita para o projeto, ainda que o governo fixe as tarifas.

Esse problema é grave, pois no transporte de gás natural brasileiro não há escala para

diluir os custos dos novos investimentos pelos consumidores finais dado o estágio incipiente

da rede. Assim, as empresas carregadoras teriam que assegurar as receitas. Os carregadores

podem ser os produtores, distribuidores, consumidores finais ou comercializadores

independentes. Os comercializadores independentes não devem surgir ainda no País, pois a

rede ainda é pouco desenvolvida e a não existência de consumidores livres dificulta a

contratação direta de capacidade de transporte. As distribuidoras, por sua vez, não tem

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capacidade financeira para bancar projetos de grande porte. Assim, os únicos carregadores

possíveis no Brasil são as empresas produtoras que estiverem interessadas em monetizar

reservas (DIAS, 2004b).

5.2.2 - Classificação dos Dutos

Outro ponto importante para a questão do transporte de gás natural no Brasil é a

classificação entre gasodutos de transferência e de transporte. Não basta haver simplesmente

uma regra de tarifação de transporte de gás natural se muitos dos gasodutos que são

efetivamente de transporte são considerados gasodutos de transferência. Outro ponto

importante relacionado à classificação dos dutos é a questão do acesso aos dutos offshore,

essenciais para que os novos agentes de exploração e produção possam escoar a produção de

novos campos. Deve-se definir uma nova classificação de forma a abranger dutos em áreas de

produção e estudar a possibilidade de escoamento da produção pelos dutos da Petrobras.

Como visto no Capítulo 3, dutos de transferência são aqueles que transportam o gás de

uma empresa para outra unidade da própria empresa e, portanto, há exclusividade de

transporte. Sobre esses dutos não incide qualquer tarifa de transporte. Isso é possível no

Brasil, pois a Petrobras é detentora de toda a produção nacional e da maior parte da rede de

transporte por gasodutos. Dessa forma, muitos gasodutos que na verdade deveriam ser

considerados como de transporte são considerados como de transferência, pois levam o gás da

Petrobras para outras unidades da empresa.

O principal motivo da Petrobras classificar certos dutos como de transferência é se

proteger da concorrência, pois a exclusividade de utilização dos dutos é uma forte barreira à

entrada de novos concorrentes. Por outro lado, a Petrobras não pode cobrar, nesses casos, a

parcela do preço do gás referente ao transporte do gás. É preciso, portanto, que se estabeleçam

critérios para definir quando um gasoduto deve ser considerado como de transporte e quando

deve ser considerado simplesmente de transferência. Caso alguns desses gasodutos passem a

ser considerados como de transporte e, portanto, sujeitos ao livre acesso, o critério de

remuneração deve ser justo tanto para a Petrobras, que arcou com os custos de construção dos

gasodutos, como para os terceiros interessados no acesso.

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5.2.3 - Livre Acesso

Um terceiro problema que deve estar contemplado na política para o transporte de gás

natural no Brasil é o livre acesso. Quando não há concessão e o transportador, que é o

responsável pelos investimentos na construção do gasoduto, é independente, não há tantos

problemas em liberar o acesso para terceiros uma vez que é melhor que se utilize a plena

capacidade do duto para diluir os custos fixos da construção dos gasodutos. Já no caso do

regime de concessão, essa necessidade não ocorre, pois os custos fixos são totalmente

repassados para as tarifas, independente de existir ou não capacidade ociosa.

Do ponto de vista da Petrobras, portanto, haveria ganhos se fosse liberado o acesso de

terceiros. Entretanto, este acesso possibilita a viabilidade do upstream, ou seja, as empresas

que possam vir a produzir gás natural no Brasil podem tirar o mercado da própria Petrobras ao

utilizar a rede existente. O livre acesso, portanto, não é um problema para o transporte de gás,

mas para a concorrência no upstream. Enquanto a Petrobras for a única empresa produtora do

país, o livre acesso não será problema, porém, se existir competição, a situação é diferente.

Portanto, a questão do livre acesso tem duas dimensões: o custo de transação, e o potencial de

concorrência na produção.

O problema do custo de transação existe no sentido de que, quanto maior for o risco de

investimento em transporte, maior será o custo do livre acesso. Ou seja, o livre acesso eleva

os riscos da construção dos gasodutos, pois a empresa responsável pela construção do

gasoduto ficará obrigada a disponibilizar o acesso a terceiros que não tiveram o mesmo risco.

Já em relação ao potencial de concorrência na produção, cabe ressaltar que houve um

aumento significativo com a licitação e concessão de blocos de exploração e produção.

Atualmente existem cerca de 40 novas empresas atuando na exploração de petróleo e gás no

Brasil e a Petrobras é detentora de apenas 40% dos blocos. Isso significa uma grande

possibilidade de novos agentes produtores no Brasil, sem contar com a concorrência das

empresas produtoras de gás da Argentina e da Bolívia.

Já a questão do novo investidor em relação ao livre acesso é diferente. Observou-se

que só é interessante construir novos gasodutos se houver um contrato de venda de gás. Caso

não se consiga vender esse gás e existir a obrigação de permitir o acesso de um terceiro

interessado em utilizar a rede, é possível que esse terceiro se aproprie do mercado da empresa

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controladora do transporte sem arcar com os riscos e custos irrecuperáveis da construção do

gasoduto.

O modelo de livre acesso a ser utilizado no Brasil deve, portanto, levar em

consideração os elevados riscos assumidos pelos diferentes agentes da indústria. Como visto

no Capítulo 3, em um primeiro momento, propôs-se um modelo de livre acesso mais aberto,

com compra de capacidade pelos produtores apenas nos casos de segurança em relação ao

mercado e com grande incentivo para os investimentos em exploração e produção de gás

natural. Posteriormente, passou-se a defender um modelo de livre acesso mais restrito, com

um período de carência para novos gasodutos e novos mercados que minimizasse a percepção

de risco dos agentes. Esse modelo mais restrito incentiva o investimento anterior ao

crescimento do mercado e privilegia a Petrobras, que por ser o agente dominante, pode

assumir riscos maiores que os demais agentes. Propôs-se, ainda, um critério de alocação de

capacidade de transporte pelo menor preço do gás ofertado, de tal forma que houvesse

estímulo para os supridores adotarem preços mais competitivos (CECCHI, 2003).

O acesso de terceiros à infra-estrutura existente pode ser regulado ou negociado. O

livre acesso negociado dá maior liberdade para as partes envolvidas. Por outro lado, é mais

difícil garantir que o tratamento dado aos terceiros será não discriminatório. Além disso, o

livre acesso negociado em um ambiente de dominância de uma empresa faz com que o sistema

de transporte seja utilizado prioritariamente para o uso da companhia, e também de forma

estratégica. O acesso regulado, por sua vez, é mais vantajoso quando há um agente dominante.

Outra característica positiva do acesso regulado é a diminuição de disputas entre os agentes.

Como o órgão regulador define a operação do sistema padronizando contratos ou publicando

regulamentações específicas, há a necessidade de resolução de possíveis conflitos entre os

agentes, diminuindo a disputa entre eles. É importante ressaltar, entretanto, que no regime

regulado existe uma maior necessidade de informações em relação à operação do segmento e à

estrutura de custos. O quadro abaixo sintetiza as principais vantagens e desvantagens do livre

acesso regulado e do livre acesso negociado.

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Quadro 2 - Livre Acesso Negociado vs. Regulado

LIVRE ACESSO DESVANTAGENS VANTAGENS

NEGOCIADO

- pode prejudicar a expansão do sistema;

- se há um agente integrado pode haver prioridade no uso do sistema;

- a definição das características de percurso, capacidade e necessidade de atendimento de determinados mercados fica a critério dos agentes;

- menores requisitos informacionais, mas são necessárias informações pois o órgão regulador intervém no caso de conflitos;

- maior liberdade para as partes envolvidas;

REGULADO

- requisitos informacionais maiores das especificidades das operações e estruturas de custo do segmento;

- é mais vantajoso em regimes com a presença de um agente dominante;

- reduz-se a disputa entre os agentes;

Fonte: Elaboração própria com base em ANP (2003b)

Existem alguns fatores importantes que motivam a adoção de um regime de livre

acesso regulado. Dentre eles, pode-se citar a minimização dos incentivos a práticas

anticompetitivas do agente dominante; a canalização de recursos públicos para o segmento de

transporte de gás natural; e a maior capacidade desse regime de livre acesso em atender aos

objetivos da política energética brasileira (ANP, 2003b).

No caso brasileiro, o livre acesso é negociado e a regulação tarifária é indireta. Esse

modelo se mostrou um obstáculo para o desenvolvimento de contratos de acesso de terceiros

às redes existentes. A razão principal é o fato da Petrobras já ter contratado quase toda a

capacidade de transporte dos gasodutos domésticos. Além disso, a Petrobras usou seu controle

sobre as companhias de transporte e distribuição para defender seus contratos. Depois disso,

apenas poucas empresas tentaram obter contratos de acesso devido ao difícil ambiente de

negociação.

Em 2001, a ANP estabeleceu o Concurso Aberto para a venda de nova capacidade

criada após a expansão dos gasodutos existentes. Essa nova regulação introduziu mudanças na

implementação do livre acesso e, para conseguirem acesso para o serviço de transporte

interruptível, os agentes devem negociar diretamente com os transportadores. Por outro lado,

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as companhias deveriam oferecer, por meio do Concurso Aberto, toda a capacidade

disponível de forma transparente e não-discriminatória. A realocação de capacidade

representou uma novidade importante no ambiente regulatório e todos os contratos das

transportadoras poderiam ser realocados para terceiros temporariamente ou permanentemente.

Em relação às tarifas a serem cobradas, ficou determinado a necessidade de se refletirem os

custos associados ao serviço de transporte, incluindo o fator distância na metodologia

adotada.

A alteração para o livre acesso regulado é desejável para o caso brasileiro devido à

presença dominante da Petrobras. Outro aspecto importante é o fato dos recursos serem

originários de verbas públicas, o que faz com que o livre acesso negociado, no qual os agentes

definem quais as características gerais da infra-estrutura de gás natural, não seja muito

recomendável.

5.2.4 - Operação do Sistema

Ainda não foram estabelecidos no Brasil os termos e condições referentes à operação

do sistema. Conforme observado no Capítulo 3, a atividade de transporte no Brasil é feita

mediante autorização da ANP. Nesse sistema de autorização, não existem normas para o

despacho do gás nem regras que garantam a interconexão e integração ótima da rede. Desta

forma, a Petrobras, que é o agente dominante da indústria, influencia a operação da rede de

forma a garantir os melhores resultados. Atualmente, existem apenas disposições relativas ao

tema nos contratos de transporte e em alguns contratos entre a Petrobras e as companhias

distribuidoras que apresentam cláusulas relativas ao despacho do gás49. Ademais, a definição

de modelos padronizados de contrato de transporte também não é de responsabilidade do

órgão regulador (ANP, 2003b).

Além disso, no caso brasileiro, os termos e condições de oferta de transporte de gás

natural são estabelecidos nos contratos de transporte acordados livremente em negociações

bilaterais e a ANP apenas atua em caso de conflitos nas negociações, conforme visto no

Capítulo 3. Em mercados mais desenvolvidos, por sua vez, ou o regulador é responsável pela

49 Para o despacho do gás, foi criado o Comitê Operacional do Gás (COG), que é coordenado pela Petrobras e é responsável pelo gerenciamento e coordenação da programação diária de fornecimento e de recebimento do gás e do gerenciamento do remanejamento da Quantidade Diária Contratual (QDC) visando a otimização do sistema (ANP, 2003b).

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determinação de regras e condições de oferta ou há negociação englobando toda a indústria.

Em ambos os casos, as regras estabelecidas valem para todos os agentes envolvidos na rede.

Esse aspecto é muito importante para a competição na indústria de gás natural e para que se

evite condições discriminatórias na oferta dos serviços.

O modelo brasileiro pode levar a situações de acesso discriminatório às redes ou de

competição desigual. As questões técnicas e operacionais, por sua vez, podem estar sujeitas a

estratégias comerciais das empresas ao invés de visar à eficiência do sistema (ANP, 2003b). É

necessário, portanto, que existam normas relativas à operação do sistema como um todo, de

tal forma que não haja discriminação entre os agentes atuantes. A formulação de regras não-

discriminatórias para a operação do sistema é muito importante para reduzir o risco de

conflitos no uso de serviços de gasodutos. Uma política de transporte de gás natural deveria

dar à ANP o poder de elaborar regras não discriminatórias a respeito da operação do sistema50.

5.2.5 - Financiamento

A questão do financiamento é também de grande importância no contexto de uma

política para o transporte de gás natural. Em relação ao desenvolvimento da infra-estrutura de

transporte de gás natural, as alternativas de financiamento possíveis são as Parcerias Público-

Privadas (PPP), ainda em discussão, e a Lei no. 10.438 de 2002. A Lei 10.438 instituiu a

Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para o desenvolvimento energético dos Estados

brasileiros e para aumentar a competitividade da energia eólica, das pequenas centrais

hidrelétricas, da biomassa, das térmicas a gás natural e do carvão mineral de origem nacional.

Essa legislação prevê a utilização de recursos para a indústria de gás natural, tanto para o

pagamento ao produtor de energia termelétrica a gás natural quanto para o financiamento das

instalações de transporte de gás natural. Essa mesma lei prevê, ainda, subsídios à construção

de gasodutos nos Estados em que não havia fornecimento de gás até o final de 2002. Nesse

caso, o aporte monetário não seria proveniente da CDE, mas de uma transferência de parcela

dos recursos obtidos com as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição de

energia elétrica. Os Estados previstos para serem beneficiados com esses recursos são Pará,

Tocantins, Rondônia, Goiás, Distrito Federal, Maranhão e Piauí.

50 No âmbito da operação do sistema, os procedimentos relativos à Alocação do Serviço de Transporte; Desequilíbrios e Bandas de Tolerância; e Penalidade sobre Variações e Desequilíbrios são passíveis de regulamentação por parte da ANP (ANP, 2003b).

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O financiamento com recursos públicos pode ser interessante para a interiorização do

gás natural, mas é importante que se avalie quais os projetos prioritários para que não haja

ineficiências. Além disso, é necessário possuir informações sobre o montante e a forma de

implementação destes recursos, visto que os cortes orçamentários são comuns, dado o

contexto macroeconômico brasileiro.

5.2.6 - Questão Tarifária

Por fim, outro problema relacionado ao transporte do gás natural no Brasil é a

definição tarifária, ponto central dessa dissertação. Do ponto de vista alocativo, mais

importante do que a definição de qual metodologia tarifária será utilizada é a questão da

coerência da tarifa. A sustentabilidade econômica de cada gasoduto pode ficar ameaçada se

para cada novo gasoduto existir uma nova tarifa. É importante para a alocação de recursos,

portanto, que haja essa coerência. Como exemplo, pode-se citar o caso do gasoduto Bolívia-

Brasil, cuja tarifação é postal. Se a Bacia de Santos for aproveitada com um novo gasoduto

até São Paulo que utilize como critério a tarifação por distância, a renda ficará com a empresa

produtora do gás e não com os consumidores, pois o preço será estabelecido pelo critério

netback, ou seja, a empresa parte do preço que está sendo cobrado dos consumidores51 e

diminui desse valor o preço do transporte de gás para formar o preço boca-de-poço. É muito

importante que se adotem procedimentos que garantam a transparência da tarifa e um

tratamento uniforme a todos os usuários, em especial em países com um agente dominante,

como é o caso brasileiro.

Além disso, a definição tarifária deve levar em consideração que a tarifação não é

neutra, ou seja, a forma de tarifação pode implicar em subsídio entre determinadas regiões, o

que pode não ser eficiente do ponto de vista econômico. É preciso considerar até que ponto o

subsídio entre as regiões pode ou não desenvolver a indústria. Ao mesmo tempo que o

subsídio cruzado aumenta o consumo em regiões mais distantes dos centros de produção, em

regiões promissoras próximas desses centros pode ocorrer o inverso. Por exemplo, uma tarifa

postal aumenta o consumo no Sul do País, mas faz com que o crescimento do consumo no

interior de São Paulo seja menor do que seria se a tarifação respeitasse as vantagens

comparativas entre as regiões.

51 O preço final do gás é estabelecido pelas agências estaduais e as distribuidoras fazem um mix de preços.

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5.3 - Critérios a serem utilizados para a definição da política de tarifação de

transporte de gás natural no Brasil

Como visto nos capítulos anteriores, a forma como é feita a tarifação do transporte de

gás natural nos diversos países está relacionada aos objetivos do regulador em relação à

indústria. Cada uma das formas de tarifação se adapta a objetivos distintos e, portanto, antes

de apresentar soluções para a tarifação do transporte do gás natural no Brasil, é necessário

definir critérios sobre os quais serão definidas as tarifas do segmento.

Com base na análise feita no Capítulo 3 e na seção anterior sobre a indústria de gás

natural no Brasil e seus desafios, foram estabelecidos quatro critérios relevantes na definição

da política de tarifação de transporte de gás natural: o estímulo ao desenvolvimento de novos

mercados de gás natural no Brasil; a adaptação às características da rede; o incentivo à

eficiência econômica; e o incentivo à integração energética.

5.3.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados de Gás Natural no Brasil

A maior inserção do gás na matriz energética é importante para o país por questões

ambientais, de eficiência energética e para diminuição da dependência de derivados do

petróleo. O desenvolvimento da IGN brasileira está fortemente relacionado ao

desenvolvimento do mercado que, no caso brasileiro, deve envolver a questão da

interiorização do gás e da ampliação da rede de gasodutos. O desenvolvimento de novos

mercados para o gás natural depende fortemente do preço, uma vez que a ampliação do

consumo de gás deve se dar pelo deslocamento da demanda por outros energéticos.

Os preços do gás natural, tanto o da commodity como o do transporte, são decisivos

para o desenvolvimento de novos mercados. Em relação à commodity, cabe ressaltar que a

diferença entre os preços do gás de origem nacional e o importado pode tornar-se um entrave

ao desenvolvimento de novos mercados no Brasil. Se o custo da commodity for alto, ainda que

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as tarifas relativas ao transporte sejam definidas de forma a não onerar demais alguns

consumidores, o preço final do gás refletirá esse alto custo. Assim, é importante ressaltar que

uma política de tarifação do transporte de gás natural com o objetivo de desenvolvimento de

novos mercados deve estar acompanhada de preços razoáveis e não distorcidos da commodity.

Além do preço da commodity, a tarifa do transporte de gás natural é também

importante para o desenvolvimento dos mercados de gás natural uma vez que o preço do

transporte tem um peso relevante na formação do preço final do energético. Dependendo do

tipo de tarifação, algumas regiões do País podem ter que pagar um valor muito alto pelo

transporte, inviabilizando a troca de combustíveis, ainda que o preço da commodity seja

razoável. Na formação do preço final do energético, o transporte tem um peso relevante e,

assim, uma política de tarifação de transporte de gás natural deve levar em consideração se o

preço que chegará ao consumidor final viabiliza a expansão e o desenvolvimento da indústria.

No que se refere ao preço do gás natural na indústria e nas térmicas, o

desenvolvimento do mercado depende da competitividade do gás em relação aos demais

energéticos, em especial ao óleo combustível. Já para o desenvolvimento do mercado de

GNV, o aumento do consumo de gás é proporcional à economia proporcionada em relação à

gasolina, ao álcool e ao óleo diesel. Como a tarifa de transporte de gás natural é parcela

relevante do preço final do combustível, a forma como será feita a precificação do transporte

irá influenciar sobremaneira o desenvolvimento dos mercados de gás natural e,

conseqüentemente, da indústria como um todo.

O investimento em termelétricas é muito importante para o desenvolvimento da

indústria de gás natural. Como visto no Capítulo 3, a presença de uma térmica em locais com

baixo consumo é decisiva, dado o alto volume consumido. No ano de 2004, por exemplo, a

entrada em operação da térmica de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul aumentou em

272,1% o volume de gás natural consumido na Região Centro-Oeste (EKSTERMAN, 2004).

O GNV, por outro lado, como está com o preço em um patamar competitivo frente a

outros combustíveis, principalmente a gasolina, está ganhando cada vez mais espaço. A

questão do preço nesse caso é essencial para o desenvolvimento de novos mercados, uma vez

que as conversões dos veículos estão relacionadas à economia com a utilização do GNV. O

mercado de GNV é bastante promissor no País e, caso o GNV torne-se bastante competitivo

frente ao diesel, a frota de veículos pesados será um excelente mercado para o combustível,

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abrangendo tanto os ônibus urbanos nos grandes centros como o transporte interurbano de

carga e passageiros, de acordo com o que foi focalizado no Capítulo 3.

Em relação ao consumo industrial, a questão do preço do gás natural também é

fundamental. Em algumas regiões do país, o mercado é dominado por energéticos com preços

muito baixos, como o coque e a lenha. Nesse caso, para o gás se tornar competitivo, deveria

haver políticas ambientais que tributassem os energéticos mais poluentes. Entretanto, políticas

de precificação de transporte de gás natural visando ao desenvolvimento de novos mercados

não são suficientes sem que haja redução do custo do gás na origem e sem uma política de

restrição ao uso de combustíveis poluentes, como é o caso do óleo combustível.

Outro aspecto relacionado à questão do desenvolvimento de novos mercados é a

interiorização do gás natural. No caso brasileiro, algumas regiões estão muito distantes dos

centros de produção. É importante ressaltar, no entanto, que a maior parte das reservas de gás

do Brasil está localizada na Região Sudeste, que também é a mais desenvolvida do País. A

interiorização do gás natural depende basicamente de novos investimentos nas redes de

transporte e de distribuição do gás natural e dos preços a serem cobrados nesses novos

mercados. Como visto no Capítulo 3, as termelétricas e as grandes indústrias, por

demandarem uma grande quantidade de gás, viabilizam a construção de novos trechos de

gasodutos e, portanto, são de grande importância na questão da interiorização do consumo de

gás natural.

No caso do GNV, por exemplo, uma vez que a maioria das grandes cidades do país já

tem acesso ao gás natural, a sua expansão ocorrerá cada vez mais em cidades de médio porte.

Nessas cidades, entretanto, a viabilização do consumo mínimo para possibilitar a construção

de um ou mais postos de GNV requer a conversão de transporte coletivo, pois os veículos de

pequeno porte têm um consumo diário menor do que nos grandes centros. A conversão de

ônibus viabilizaria uma demanda mínima, que muitas vezes pode justificar a construção de

gasodutos até estas cidades de menor porte. Para viabilizar esses projetos, no entanto, é

necessário garantir uma política de preços estável e, inclusive, tornar o preço do GNV

competitivo em relação ao óleo diesel (ALMEIDA e FREITAS, 2003).

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Embora o preço do gás natural seja de grande importância para garantir a

interiorização de seu consumo, os investimentos em infra-estrutura de transporte e

distribuição são também essenciais. Existem no país mercados promissores para o gás natural,

como é o caso do noroeste de São Paulo, do oeste de Santa Catarina e do norte do Paraná, que

dependem não apenas de preços competitivos para o gás natural, mas também de investimento

em infra-estrutura de distribuição (ABEGÁS, 2004).

5.3.2 - Adaptação às Características da Rede

A política de tarifação do transporte de gás natural também deve levar em

consideração as características da rede. No caso brasileiro, a infra-estrutura de transporte de

gás natural é incipiente e os cerca de 7.800 km de gasodutos de transporte representam pouco

em relação à grande extensão territorial do País. Tal escassez da malha de gasodutos impede o

pleno desenvolvimento do mercado.

Conforme visto no Capítulo 3, as principais reservas de gás natural do Brasil estão

localizadas na Região Sudeste, nas Bacias de Campos e de Santos; na Região Norte, nas

Bacias de Solimões e do Amazonas; e no Nordeste, nas Bacias de Potiguar e do Recôncavo.

Além disso, o Brasil importa gás natural da Bolívia, pelo gasoduto Bolívia-Brasil e da

Argentina, pelo gasoduto que chega à cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Os

maiores centros de consumo de gás natural estão localizados na Região Sudeste, nas cidades

do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória; no Nordeste, nas cidades de Salvador,

Recife, Natal e Fortaleza; e no Sul, nas cidades de Curitiba e Porto Alegre. Com base nos

projetos existentes, a rede do Nordeste se conectará com o Sudeste pelo Gasene e a Argentina

com Porto Alegre, pelo gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre. No mapa abaixo, estão

representados os centros de produção de gás natural, os principais centros de consumo e a

rede de gasodutos existente.

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Figura 14 - Diagrama Esquemático da Rede de Gasodutos Brasileira

Fonte: Elaboração Própria

Analisando a rede brasileira é possível determinar suas principais características. A

rede de gasodutos brasileira não é unidirecional, ou seja, não há apenas um ponto de entrada.

Existe um ponto de entrada na Região Nordeste, um na Região Sudeste, um na Região

Centro-Oeste, proveniente da Bolívia, e um na Região Sul, proveniente da Argentina. Além

disso, existem reservas na Região Norte, que abastecem algumas cidades da região.

Outra característica importante da rede brasileira é o fato do maior mercado

consumidor de gás natural estar localizado na Região Sudeste, onde também estão localizadas

as maiores reservas nacionais. Da mesma forma, as cidades da Região Nordeste também estão

próximas das reservas. Entretanto, As cidades da Região Sul do País estão bastante afastadas

desses centros de produção e recebem, atualmente, gás natural proveniente da Bolívia. Nesse

caso, uma tarifação baseada exclusivamente no fator distância faria com que o preço do gás

Reservas

Mercados

Pontos de Entrada

Gasodutos

Gasodutos Projetados

Bolívia

Argentina

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170

nessa Região fosse muito alto, prejudicando o desenvolvimento da indústria. Por outro lado,

se a tarifação for postal, poderá haver um subsídio cruzado que favorece os consumidores

dessa Região em detrimento dos consumidores localizados próximos às reservas de gás

natural.

Além das características físicas da rede, é importante levar em consideração, aspectos

relativos ao grande diferencial de preços do gás natural entre as diversas regiões do Brasil.

Esse diferencial de preços está, em grande medida, associado ao custo mais baixo das tarifas

de transporte da Transpetro em comparação às tarifas cobradas no Gasbol. No primeiro

semestre de 2003, o gás boliviano custava cerca de US$ 3,37 / MMBtu, sendo que o preço da

commodity era de cerca de US$ 1,7 / MMBtu. Esse valor é aproximadamente 20% maior do

que o preço do gás de origem nacional, que tem uma tarifa de transporte de US$ 0,35, em

média, com a commodity custando US$ 2,58 (ALMEIDA, 2003c). A grande diferença na

tarifa de transporte de gás natural é explicada pelo fato de que os gasodutos da Transpetro já

estão amortizados e o Gasbol não. Assim, os custos do transporte da Transpetro para uma

mesma distância são muito mais baixos do que os do Gasbol.

Gráfico 5 - Diferencial de Preços do Gás Importado e de Origem Nacional

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados obtidos em Almeida (2003c)

1 ,70

2 ,58

1 ,670 ,35

0 ,00

0 ,50

1 ,00

1 ,50

2 ,00

2 ,50

3 ,00

3 ,50

4 ,00

G ás B oliv iano G ás N ac ional

US

$ / M

MB

tu

C o m mo d ity T ra nsp o rte

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171

Os distribuidores de gás argumentam que o preço do gás deveria ser de US$ 2,50 para

ser competitivo e para estimular a conversão dos equipamentos dos consumidores industriais.

Discute-se também a possibilidade de redução do preço da commodity boliviana ou ainda a

redução da tarifa de transporte (ALMEIDA, 2003c).

O estado de São Paulo, por exemplo, que representa 31,8% do consumo total de gás

natural do Brasil, depende prioritariamente do gás boliviano. Mesmo esse gás chegando aos

city-gates com um preço cerca de 40% maior que o gás de origem nacional, ele representa

quase 60% do gás comercializado no Estado. Esse diferencial de preços dá pouco incentivo

para a utilização do gás natural nas indústrias paulistas e, conseqüentemente, para o

desenvolvimento do mercado. Por outro lado, em estados como o Rio de Janeiro, o gás natural

é bastante competitivo em relação ao óleo combustível e, portanto, o desenvolvimento do

mercado industrial é mais fácil (ALMEIDA, 2003c).

O problema do diferencial de preços é ainda mais grave no Sul do País, que depende

exclusivamente do gás importado. Em Curitiba, por exemplo, os consumidores chegam a

pagar 7% a mais pelo gás natural do que pagariam pelo óleo combustível. Já no caso do GNV,

as cidades do Sul chegam a pagar 20% a mais pelo combustível do que no Rio de Janeiro e

em São Paulo. Enquanto o gás natural chega aos postos da Região Sudeste por cerca de R$

0,68, no Sul esse valor é da ordem de R$ 0,93 (ANP, 2004).

Levando em conta a disparidade das tarifas cobradas nos diferentes gasodutos, a

questão do critério a ser utilizado torna-se ainda mais relevante. Se, no caso da Região Sul, a

tarifação for exclusivamente baseada no fator distância, de modo a refletir os custos

associados ao serviço de transporte, o desenvolvimento da indústria nessa Região ficará

comprometido caso seja considerado apenas o suprimento da Bolívia.

5.3.3 - Incentivos à Eficiência Econômica

Outro objetivo da política de precificação de transporte de gás natural deve ser a

garantia da eficiência econômica. Para que isso ocorra, as tarifas devem refletir o custo do

transporte de gás natural. Quando isso não acontece, algumas distorções podem ocorrer, como

ineficiências no mercado e na expansão da rede. A política de tarifação de transporte de gás

natural, portanto, deve garantir a eficiência alocativa e a eficiência no mercado.

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172

Em relação à eficiência alocativa na expansão da rede, é preciso garantir que todos os

custos associados ao serviço de transporte sejam considerados na definição tarifária. Se isso

não acontece, algumas ineficiências podem ocorrer, como gasodutos de maior custo tornarem-

se mais competitivos que outros de menor custo e, ainda, projetos inviáveis economicamente

serem viabilizados por subsídios cruzados. No caso de uma tarifação postal, por exemplo,

como todos os custos são divididos igualmente entre os consumidores, poderá haver

expansões na rede que não seriam possíveis se a tarifação fosse baseada no fator distância. Da

mesma forma, com tarifas que não refletem os custos dos gasodutos, a competitividade fica

independente do preço, o que também gera ineficiências.

Como exemplo, pode-se citar a construção de um gasoduto que levasse o gás até

Brasília. No caso da tarifação postal, um gasoduto saindo de São Paulo proporcionaria tarifas

baixas em Brasília porque os consumidores paulistas estariam subsidiando os brasilienses.

Esse gasoduto seria muito menos eficiente do que um gasoduto ligando Cuiabá a Brasília,

mas, nesse caso, como o gás chegaria mais caro para os brasilienses, o projeto acabaria por

não sendo implementado.

Já em relação à eficiência de mercado, é necessário que a tarifação não resulte em

distorções no mercado de gás. As distorções no mercado de gás natural podem ocorrer quando

há subsídios cruzados entre as regiões. Nesse caso, o gás mais barato pode ser deslocado pelo

gás mais caro, ou seja, no caso de haver subsídio cruzado, a tarifa de transporte pode tornar o

gás, que seria mais barato, menos competitivo.

O estímulo à eficiência econômica é muito importante para indústria de gás natural

brasileira uma vez que a tarifação do transporte de gás natural tem influência sobre as

decisões de investimento das empresas. Nesse sentido, a existência de sinalização locacional é

importante para estimular novos investimentos. A tarifa deve ser baseada em parâmetros de

custos e de demanda, incluindo os custos de investimento, de operação e manutenção e de

capital, como visto no Capítulo 1.

5.3.4 - Estímulo a Integração Energética no Cone Sul

Após o avanço no comércio entre os países do Cone Sul ocorrido na década de 90, se

tornou claro que a falta de infra-estrutura é um sério obstáculo à integração. A questão

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173

energética, assim como as telecomunicações e o transporte, é essencial para estimular à

integração dos países. Dentre as indústrias de energia, o gás natural tem o maior potencial de

integração regional, dada a abundância das reservas. A geração térmica, por apresentar um

custo de construção menor do que as hidrelétricas é uma das chaves para expandir a oferta de

energia na região. Com a convergência das indústrias de gás e eletricidade, é possível

aumentar a sinergia regional.

O contexto econômico, tecnológico e institucional das indústrias de energia mudou

radicalmente nos últimos 20 anos. O novo cenário é caracterizado pela diminuição das formas

tradicionais de financiamento, como os fundos públicos e o crédito de instituições

multilaterais; e a emergência de “global players”, que são capazes de investir em escala

suficiente para integrar suas atividades regionalmente (ALMEIDA, 2003c).

Em relação à integração das indústrias de gás natural no Cone Sul, é importante

ressaltar que, embora existam pontos que facilitam a integração, existem também alguns

obstáculos a serem transpostos. São três os principais fatores que beneficiam a ampliação do

comércio no Cone Sul: a complementaridade entre oferta e demanda de gás natural entre os

países; a existência de redes de transporte ligando os mercados; e a presença de grandes

multinacionais com tecnologia e capacidade para investir. Os obstáculos, por sua vez, também

são significativos: a instabilidade macroeconômica, as assimetrias regulatórias e a baixa

coordenação inter-regional dificultam a processo de integração (ALMEIDA e TREBAT,

2004).

Em relação à complementaridade entre oferta e demanda de gás pode-se destacar a

existência de grandes reservas de gás na Argentina e, principalmente, na Bolívia. Por outro

lado, o Brasil, o Chile e o Uruguai são mercados que demandam gás importado e, embora haja

grandes reservas no Brasil, a maior parte delas levará tempo para ser desenvolvida. Já em

relação à infra-estrutura conectando os países, o mapa abaixo mostra que a rede existente é

suficiente para a integração. Cabe ressaltar, entretanto, que o projeto que liga a Argentina ao

Brasil (gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre) dependerá do crescimento da demanda no Brasil.

A construção do gasoduto Cruz del Sur, ligando a Argentina ao Uruguai, é também

importante para promover o comércio energético no Cone Sul. Por fim, em relação às

multinacionais pode-se citar, entre outros, a presença da British Gas, da BP, da Repsol YPF,

da Total-Fina-Elf e da Shell, além da Petrobras, que é um ator chave nesse desenvolvimento

(ALMEIDA e TREBAT, 2004).

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Figura 15 – Integração Energética no Cone Sul

Fonte: Cefired.org.ar

Embora as reservas existentes sejam capazes de suprir a demanda projetada para a

Região e já exista uma infra-estrutura conectando alguns dos países, a indústria deverá

investir pesadamente expandindo a infra-estrutura de transporte e distribuição nos países com

a indústria ainda incipiente, como é o caso do Brasil, da Bolívia, do Uruguai e do Paraguai.

Do ponto de vista regulatório, alguns obstáculos também devem ser removidos para estimular

o investimento privado (ALMEIDA, 2003c).

Embora existam aspectos que beneficiam a integração energética no Cone Sul, é

importante destacar a existência de riscos associados à indústria de gás natural como um todo,

como a grande interdependência entre os agentes, a presença de sunk costs e a grande

competição interenergética, além de riscos específicos para o caso do Cone Sul, como a

volatilidade da taxa de câmbio, as diferenças na política energética e as assimetrias

regulatórias.

A instabilidade macroeconômica dos países afeta a capacidade de financiamento das

empresas e a volatilidade da taxa de câmbio afeta a dinâmica de mercado, que passa a

depender basicamente de contratos de longo prazo com cláusulas do tipo take or pay ou ship

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175

or pay, dada a dependência entre compradores e vendedores e a necessidade de promover a

estabilidade e sustentabilidade dos projetos. A questão da política energética de longo prazo,

por sua vez, é importante para a estabilidade da atividade regulatória e para a diminuição de

custos de transação. Por fim, a heterogeneidade do ambiente regulatório e no ritmo de

implementação das reformas entre os países para causar problemas na integração energética.

Deve haver regras comuns para a questão do acesso, para o grau de convergência entre as

indústrias de gás e eletricidade e, em especial, para a tarifação do transporte de gás natural,

que representa uma grande parte do preço final do energético.

O papel da definição tarifária é muito importante no contexto da integração energética.

Como visto anteriormente, o preço do gás boliviano, embora seja mais barato do que o

produzido no Brasil, chega ao consumidor final por um preço mais alto do que o gás de

origem nacional, devido ao alto custo do transporte no Gasbol. Assim, existem incentivos

para o aproveitamento das reservas brasileiras52 a preços mais baixos para estimular o

consumo no Sul e Sudeste, que são as regiões onde se concentra a maior parte das indústrias

do País.

O gás de origem argentina, por sua vez, custa cerca de US$ 1,20/MMBtu e, portanto, é

ainda mais barato do que o gás boliviano. Dada a proximidade com a região Sul do Brasil, os

custos de transporte também seriam menores no caso de uma integração. Assim, no caso da

conexão da rede com a Argentina, o preço do energético ficaria mais barato para os

consumidores do Sul, estimulando o desenvolvimento da indústria na região. É importante

ressaltar, entretanto, que a Argentina diminuiu muito a relação reserva/produção de gás nos

últimos anos e em 2004 passou por uma crise na infra-estrutura da indústria de GN, tendo

inclusive diminuído as exportações para o Chile e para o Uruguai e aumentando as

importações da Bolívia (FREITAS e CASTRO, 2004).

A integração energética entre os países do Mercosul e com a Bolívia é muito

importante para o desenvolvimento da indústria de gás natural. Portanto, uma política de

tarifação de transporte de gás natural deve estimular essa integração, respeitando as vantagens

comparativas de cada país e proporcionando o investimento necessário para a expansão da

infra-estrutura.

52 É importante ressaltar que a descoberta de gás na Bacia de Santos não diminui a necessidade de importação no curto prazo, mas no longo prazo, a Petrobras pode deixar de ser catalisadora do comércio energético entre os países (ALMEIDA e TREBAT, 2004).

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5.4 - Análise comparativa das possíveis formas de tarifação

Nos Capítulos anteriores foram apresentados os critérios de tarifação do transporte de

gás natural existentes e as políticas de tarifação de gás natural vigentes no Brasil e em outros

países. Como visto no Capítulo 2, a tarifação postal pode ser aplicada em casos de monopólio

e em mercados maduros. Nesse tipo de tarifação, um mesmo preço é aplicado para cada

unidade de consumo, independentemente da origem e do destino do gás natural e, por isso, é

mais fácil aplicar o princípio da uniformidade tarifária em todo território. No Capítulo 4,

utilizou-se a Espanha como exemplo de país com tarifação postal. As grandes vantagens desse

tipo de tarifação são a facilidade de aplicação e a transparência.

A principal desvantagem da tarifação postal, por outro lado, é a possibilidade de

ocorrerem subsídios cruzados entre os consumidores localizados longe e perto dos centros de

produção de gás natural. Dada a localização das reservas de gás natural no Brasil e as

dimensões continentais do País, o subsídio cruzado entre os diversos consumidores fatalmente

existirá se esse tipo de tarifação for aplicado no País. A tarifação postal também apresenta

como grande desvantagem a ausência de sinalização locacional para os investidores, além de

não refletir os custos associados ao transporte do gás, que variam entre os diversos pontos de

entrega do gás.

Comparando-se a rede de gasodutos espanhola com a brasileira, pode-se perceber que

o estágio de desenvolvimento da infra-estrutura de transporte de gás natural na Espanha é

muito superior ao brasileiro e a rede é muito mais ramificada. Além disso, a Espanha é um

país de dimensões muito menores do que o Brasil e, por isso, a utilização de uma tarifação

postal não distorce tanto a sinalização locacional e não causa tantos problemas de subsídio

cruzado. No Brasil, uma tarifação exclusivamente postal não refletiria a variável custo, que

está fortemente relacionada à distância. Isso faria com que as vantagens comparativas das

regiões produtoras não fossem respeitadas e a sinalização locacional ficasse comprometida.

A tarifação determinada pelo fator distância, por sua vez, é indicada quando existe

uma grande distância entre os pontos de entrada e saída de gás, fazendo com que essa variável

seja relevante no custo do transporte. Esse tipo de tarifação evita subsídios cruzados entre os

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177

consumidores próximos e distantes do centro de consumo. Além disso, a tarifação por

distância é prática comum em mercados em desenvolvimento e em concorrência. Entretanto,

embora exista uma distância significativa entre alguns dos pontos de entrada e saída de gás,

esse critério de tarifação pode apresentar algumas desvantagens para o caso brasileiro.

A Colômbia é um exemplo de sucesso com a tarifação por distância. A utilização

dessa metodologia teve como objetivo facilitar a penetração do gás natural, fazer uma

sinalização eficiente dos custos do sistema de transporte, manter a estabilidade regulatória,

incentivar inovações na remuneração de transporte de gás e proporcionar flexibilidade e

repartição de riscos entre os agentes. Para cada empresa transportadora colombiana foram

feitas resoluções diferentes e algumas variáveis podem ser definidas livremente ou por mútuo

acordo entre as partes, o que flexibiliza o mecanismo. Entretanto, comparando a rede dos dois

países, pode-se perceber que a Colômbia é um país de dimensões pequenas,

comparativamente ao Brasil. Além disso, a flexibilidade da negociação prevista na regulação

colombiana é fator importante para o sucesso da regulação.

No caso da Argentina, apresentado no Capítulo 4, verifica-se a utilização do critério de

tarifação por distância associado ao mecanismo price cap, ou seja, é estipulado um preço

máximo para a venda de gás que contempla uma parcela para a reposição dos custos, outra

para a taxa de retorno do investidor e ainda um fator de produtividade. Entretanto, a utilização

conjunta de dois mecanismos que em princípio deveriam estimular novos investimentos na

rede não atingiu seus objetivos, ainda que a competição tenha, de fato, sido introduzida em

todas as etapas da cadeia de gás. Após a crise que atingiu o país, a situação tarifária Argentina

tornou-se ainda pior com o congelamento das tarifas de transporte abaixo de seus custos.

Mesmo com esses problemas, comparando a rede do Brasil com a da Argentina, pode-se

perceber que o mercado gás natural argentino é bastante superior ao brasileiro e as redes são

muito mais desenvolvidas. Em mercados mais competitivos é importante que haja uma tarifa

que reflita os custos, como é o caso da tarifação por distância. Além disso, as reservas na

Argentina não estão localizadas tão distantes dos centros de produção como no caso

brasileiro.

Por fim, a tarifação entry-exit, conforme visto no Capítulo 2, é definida com base na

combinação dos “preços de entrada” (introdução do gás no sistema) e dos “preços de saída”

(retirada do gás no sistema). Esse critério contém um elemento de distância e, portanto, sinais

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locacionais na entrada do gás enquanto, na saída, a tarifa é postal53. No guia “Orientações

sobre Boas Práticas de Acesso de Terceiros” estabelecido pelo Fórum Europeu de

Reguladores do Gás, esse método foi recomendado por apresentar resultados eficientes para a

indústria de gás natural. Esse tipo de tarifação é apropriado quando os custos marginais de

longo prazo são o conceito de custo dominante.

A tarifação entrada/saída é utilizada na Irlanda, onde o nível das tarifas de entrada é

determinado pelo custo da infra-estrutura necessária para colocar o gás na rede em cada ponto

de entrada e o nível da tarifa de saída é determinado pelo custo médio do transporte de gás

natural por gasodutos. Esse tipo de tarifação, portanto, possui uma parte postal e outra por

distância, o que é interessante para alguns tipos de rede. Ao mesmo tempo em que há sinais

locacionais, o fator distância não tem um peso excessivo para algumas regiões do país. As

dimensões do Brasil e da Irlanda são muito diferentes, mas a rede Irlandesa também não é

muito desenvolvida, assim como a brasileira.

Com base na análise sobre as formas de tarifação e na definição dos critérios

estabelecidos para a formulação de uma política de tarifação de transporte de gás natural, é

possível determinar as principais vantagens e desvantagens da tarifação por distância, postal e

entry-exit.

5.4.1 - Desenvolvimento de Novos Mercados

A forma como é feita a tarifação pode afetar o desenvolvimento de novos mercados

para o gás natural no Brasil. No caso da tarifação postal, o subsídio cruzado entre os

consumidores pode representar um aspecto positivo, uma vez que muitos novos mercados

encontram-se em regiões que ficariam prejudicadas com a introdução do fator distância na

tarifa. Ainda que a existência de subsídios cruzados não respeitasse as vantagens

comparativas das regiões produtoras, o desenvolvimento de novos mercados está intimamente

relacionado ao preço do combustível e, portanto, se os preços fossem muito altos, algumas

regiões do país não teriam estímulo para utilizar esse combustível.

53 É importante ressaltar, conforme visto no Capítulo 2, que uma tarifação do tipo entrada/saída pode apresentar resultados diferentes de acordo com o tipo de capacidade utilizado. Os contratos ponto-a-ponto, por exemplo, são muito menos flexíveis do que os contratos postais, no qual o carregador tem o direito de entrar com o gás em qualquer ponto de entrada e retirá-lo em qualquer ponto de saída. A escolha entre o tipo de capacidade a ser utilizada, portanto, depende da intensidade do tráfego do sistema.

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Cabe ressaltar, entretanto, que a utilização da tarifação postal pode prejudicar o

desenvolvimento de novos mercados próximos às regiões produtoras. Nesse caso, é necessário

comparar se os benefícios de se aplicar a tarifação postal são maiores para as regiões distantes

dos centros de produção do que o prejuízo para as regiões mais próximas. No caso brasileiro,

praticamente todo o litoral já está conectado e os mercados mais promissores para o gás

natural são Brasília, o Oeste do Paraná, o Rio Grande do Sul e o interior de Minas Gerais.

Todas essas regiões estão relativamente distantes dos centros de produção e, portanto, a

tarifação postal traria muitos benefícios para o desenvolvimento da indústria de gás natural

brasileira.

A tarifação baseada exclusivamente no fator distância, por outro lado, pode prejudicar

regiões muito distantes dos centros de produção. Se o gás atingir essas regiões com um preço

muito superior aos energéticos concorrentes, não se viabilizará. Além disso, a tarifação por

distância pode fazer com que haja muita diferença de preços entre os diversos consumidores,

o que também prejudica a expansão do mercado.

A tarifação entrada/saída, por sua vez, é intermediária entre a tarifação postal e a

tarifação por distância, podendo ser determinada utilizando parcialmente esses dois critérios.

Assim, a tarifa nas regiões mais distantes dos centros de produção baseada na tarifação entry-

exit é menor do que a tarifação por distância e maior do que a postal e, portanto, o preço em

algumas regiões pode não ser tão competitivo para deslocar a demanda de outros

combustíveis, o que é essencial no caso brasileiro.

Quadro 3 - Desenvolvimento de Novos Mercados

Postal Distância Entrada / Saída

- Proporciona o desenvolvimento de novos mercados, em especial em locais distantes dos centros de produção;

- Limita o desenvolvimento de mercados em áreas distantes dos centros de produção;

- Preços que variam muito entre os consumidores podem prejudicar o desenvolvimento da indústria

- Intermediária entre a tarifação postal e a por distância. Não prejudica tanto o desenvolvimento de novos mercados.

Fonte: Elaboração Própria

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5.4.2 - Adaptação às Características da Rede

Conforme observado, a rede brasileira possui duas características físicas importantes:

existem vários pontos de injeção de gás natural e os maiores mercados consumidores estão

próximos aos centros produtores. O fato de existir mais que um ponto de injeção faz com que

a rede não seja unidirecional e, portanto, a tarifação por distância não é a única opção para a

adequação à morfologia da rede.

Por outro lado, o fato dos maiores mercados consumidores estarem próximos a centros

de produção significa que, no caso da utilização da tarifação postal, o subsídio cruzado entre

as regiões não será tão forte. Ou seja, no caso das regiões mais próximas aos centros de

produção terem que subsidiar as regiões mais longínquas, o valor pago a mais pelos

consumidores seria bastante diluído. A porcentagem do PIB brasileiro nos mercados

potenciais que estão distantes dos centros de produção é muito menor do que as regiões que já

tem acesso ao gás natural e, portanto, o volume de gás a ser consumido nessas regiões seria

pouco representativo em relação aos mercados já estabelecidos.

Por outro lado, se a tarifa a ser cobrada pelo transporte de gás natural incluísse uma

variável que representasse a totalidade dos custos envolvidos na atividade de transporte, as

regiões afastadas dos centros de produção poderiam ter tarifas proibitivas, inibindo o

crescimento da indústria. A tarifação por distância é indicada para redes unidirecionais.

Nessas redes, a adoção do fator distância torna-se simples e transparente.

A tarifação entrada/saída, por sua vez, é mais utilizada em redes mais ramificadas que

a brasileira. Quando há muitos pontos de entrada e saída, em um critério de tarifação entry-

exit que utilize o tipo de capacidade postal é mais fácil vender a capacidade ociosa,

estimulando a comercialização secundária da capacidade de transporte. Com esse tipo de

tarifação é possível, ainda, estabelecer tarifas mais baixas para trechos da rede que estejam

operando abaixo da capacidade eficiente, estimulando sua utilização. Com contratos de

capacidade mais flexíveis, a competição é estimulada e a capacidade ociosa da rede é

reduzida, embora a capacidade disponível para a venda possa não ser maximizada.

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Quadro 4 - Adaptação às Características da Rede

Postal Distância Entrada / Saída

- Não seria tão prejudicial no caso brasileiro, pois a rede não é unidirecional e não causaria tantos subsídios cruzados;

- Facilidade de aplicação;

- No caso de malhas unidirecionais, é simples e transparente;

- Interessante para malhas muito ramificadas, com muitos pontos de entrada e saída;

- Eficiente para redes com capacidade ociosa.

Fonte: Elaboração Própria

5.4.3 - Estímulo à Eficiência Econômica

A tarifa mais adequada para estimular a eficiência econômica é a tarifação por

distância, pois ela é a que melhor reflete os custos associados ao serviço de transporte. Quanto

menor o nível de subsídio cruzado entre gasodutos e ao longo de um mesmo gasoduto, menor

a chance de ineficiência. A tarifação por distância, como visto no Capítulo 2, proporciona

uma sinalização locacional eficiente para os agentes, o que é muito importante. Em relação a

novos investimentos na rede, é importante que as tarifas representem seus custos e garantam

retorno sobre os seus investimentos.

Se a tarifação for exclusivamente postal, por sua vez, a vantagem comparativa dos

centros produtores não será respeitada, o que de certa forma, pode prejudicar a eficiência da

indústria. O risco de ineficiência pode gerar distorções e inibir o investimento privado em

expansão da infra-estrutura. Este problema, entretanto, pode ser minorado se o transporte

passar a ser precedido por planejamento. Se há um planejamento anterior aos investimentos

no qual se estabeleça quais os gasodutos que deverão ser construídos e, posteriormente haja

licitações públicas nas quais as empresas vencedoras recebam a concessão dos trechos

estabelecidos, então a tarifação postal não causaria tantas distorções alocativas.

Já a tarifação do tipo entrada/saída, por refletir mais os custos do transporte do que a

tarifação postal é mais indicada para estimular a eficiência econômica e evitar distorções. A

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tarifação do tipo entrada/saída oferece ainda uma boa sinalização econômica no que diz

respeito à realização de novos investimentos por agentes privados, além de estimular a

competição entre os agentes.

Quadro 5 - Estímulo à Eficiência Econômica

Postal Distância Entrada / Saída

- Não reflete os custos; - Sem sinalização

econômica nem locacional;

- Reflete bem os custos;

- Promove eficiência econômica;

- Com sinalização econômica sobre investimentos;

Fonte: Elaboração Própria

5.4.4 - Estímulo à Integração Energética no Cone Sul

Em relação à Integração Energética, a tarifação postal não é muito indicada para a

integração, pois a possibilidade de haver subsídios cruzados e a não existência de sinalização

locacional pode afetar a decisão de investimento de forma a desestimular a integração entre os

países. Embora a tarifação postal tenha fórmulas de cálculo mais previsíveis e seja mais

transparente, diminuindo o risco, esse tipo de tarifação não respeita as vantagens

comparativas dos países e, portanto, inibe a integração.

Se a distância não for considerada na tarifa de transporte de gás natural, a importação

das reservas localizadas perto dos mercados finais pode ser deslocada pelo gás doméstico

distante deste mercado. No caso brasileiro, alguns gasodutos operam com a tarifação postal,

como é o caso do Gasbol. Assim, os países do Sul podem acabar optando por comprar o gás

da Bolívia, localizado a cerca de três mil quilômetros ao invés de importarem da Argentina,

que está localizada a apenas 650 quilômetros (ALMEIDA e TREBAT, 2004).

Por outro lado, a tarifação baseada no fator distância, por incentivar a eficiência

econômica, pode estimular a integração energética, em especial com a Argentina54. No caso

54 É importante ressaltar, entretanto, que atualmente a Argentina passa por uma crise de oferta de gás natural, tendo inclusive interrompido o fornecimento para o Uruguai e para o Chile.

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da tarifação por distância, com a construção do gasoduto Uruguaiana - Porto Alegre, as

cidades do Sul pagariam menos pelo transporte de gás natural do que atualmente pagam pelo

gás proveniente da Bolívia, o que estimularia o desenvolvimento da região.

Já a tarifação do tipo entry-exit ocupa uma posição intermediária entre a tarifação

postal e a por distância. Por um lado, este tipo de tarifação não causa tantas distorções sobre

os investimentos quanto a tarifação postal, mas, por outro, não respeita tanto as vantagens

comparativas dos países quanto a tarifação por distância.

Quadro 6 - Estímulo à Integração Energética no Mercosul

Postal Distância Entrada / Saída

- Transparência na fórmula de cálculo;

- Previsibilidade; - Não reflete os custos; - Sem sinalização

econômica nem locacional;

- Reflete bem os custos;

- Promove eficiência econômica;

- Estimula a integração com a Argentina e beneficia o Sul do país;

- Intermediária entre a tarifação postal e a por distância.

Fonte: Elaboração Própria

5.4.5 - Análise Comparativa

Dentre as três formas de definição tarifária analisadas: por distância, postal e entry-

exit, é preciso definir a que mais se adapta ao caso brasileiro. Para essa definição, cada uma

dessas formas foi analisada em relação aos critérios estabelecidos na seção 5.1. O quadro

comparativo a seguir mostra um resumo de como cada uma das formas de tarifação se adapta

aos critérios estabelecidos.

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Quadro 7 - Quadro Comparativo das Formas de Tarifação

Distância Entrada-Saída Postal

Desenvolvimento de Novos Mercados

– –

+ +

Adaptação às Características da Rede

+

Incentivo à Eficiência Econômica

++

+

– –

Estímulo à Integração Energética

+

Legenda: O símbolo ++ significa que a forma de tarifação é muito positiva em relação ao critério, + positiva, � neutra, - negativa e - - muito negativa.

Fonte: Elaboração Própria

Como observado anteriormente, considerando o critério de desenvolvimento de novos

mercados, a tarifação postal é a mais indicada, uma vez que o subsídio cruzado entre os

consumidores torna o preço do gás mais competitivo em todas as regiões do país e, assim, o

gás é capaz de se tornar suficientemente competitivo para deslocar a demanda de outros

energéticos.

Em relação às características da rede, verificou-se que os maiores centros de consumo

estão próximos aos maiores centros de produção. Além disso, a rede brasileira não é

unidirecional e, portanto, a tarifação postal e o conseqüente subsídio cruzado entre as regiões

não seriam tão prejudiciais. Por outro lado, as regiões mais distantes dos centros de produção

teriam preços proibitivos se o critério utilizado fosse baseado apenas no fator distância, sendo

mais interessante, neste caso, a tarifação postal.

Em relação ao incentivo à eficiência econômica, o critério mais recomendado é a

tarifação por distância, pois é o que melhor reflete os custos associados ao serviço de

transporte de gás natural. A tarifação por distância evita os subsídios cruzados e dá

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sinalização econômica, o que evita distorções. A tarifação entry-exit, nesse caso, por

apresentar também sinalização locacional, estimula também a eficiência econômica, embora

em escala menor do que a tarifação por distância. Por outro lado, a tarifação postal pode

causar distorções tanto alocativas como no mercado de gás, devido à falta de sinalização

locacional. Entretanto, o subsídio cruzado, no caso brasileiro, não seria tão forte. A maioria

das empresas privadas interessadas em atuar no segmento se mostra a favor da utilização do

critério de tarifação por distância, sendo a tarifação postal vista como um impedimento para a

entrada no mercado.

Por fim, em relação à integração energética no Mercosul, é importante considerar que

a utilização da tarifação por distância seria positiva, uma vez que respeitaria as vantagens

comparativas das regiões produtoras, além de proporcionar sinalização econômica eficiente

para os investidores. Já a tarifação postal se mostrou pouco adequada para a integração

energética dada a necessidade de se evitar distorções para estimular a integração, embora seja

transparente e de fácil aplicação.

5.5 - Propostas para a política de tarifação no Brasil

Conforme visto anteriormente, uma política para o transporte de gás natural deve levar

em consideração aspectos como a falta de investimentos no volume necessário para o

desenvolvimento da infra-estrutura da rede; os problemas relacionados ao livre acesso; à

operação do sistema de transporte; a classificação dos dutos; e forma de financiamento dos

investimentos. Dentro do contexto de uma política para o transporte de gás natural, entretanto,

a definição tarifária assume grande relevância para o desenvolvimento da indústria e o

incentivo a investimentos no setor.

Uma das principais questões para o desenvolvimento da indústria de gás natural no

Brasil é a modicidade tarifária. Para o desenvolvimento da indústria do gás e sua ampliação

na matriz energética brasileira é necessário que haja um deslocamento da demanda de outros

combustíveis, como, por exemplo, o óleo combustível na indústria e a gasolina e o óleo diesel

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no setor automotivo. Para a redução do preço do gás, existem muitos fatores envolvidos além

da tarifação do transporte. O preço da commodity é também muito importante e, portanto,

deve haver um trabalho conjunto para que o preço do gás seja efetivamente competitivo.

No que tange à tarifação do transporte do gás natural, é essencial que haja uma política

única de definição tarifária que valha para todos os gasodutos brasileiros. Atualmente estão

em vigência no País contratos que possuem tarifação postal e contratos que foram

estabelecidos pela ANP na resolução de conflitos, todos com inclusão do fator distância.

Portanto, antes de ser estabelecida a melhor forma de tarifação para o transporte de gás

natural, é necessário que todas as tarifas sejam estabelecidas sob um mesmo critério e não por

contratos estabelecidos entre as partes envolvidas. Deve-se definir uma política de preços

homogênea pois a diferenciação de preços de acordo com a origem do gás é prejudicial ao

desenvolvimento do mercado e a coexistência de diferentes formas de tarifação pode trazer

conflitos e problemas para a indústria no longo prazo.

Em relação à metodologia a ser aplicada no Brasil, analisaram-se três formas distintas:

a tarifação postal, a tarifação por distância e a tarifação entry-exit. Entretanto, conforme visto

anteriormente, cada uma das diferentes formas de tarifação possui algumas limitações.

A tarifação entrada/saída possui algumas vantagens como a sinalização econômica

para novos investimentos e a eficiência quando existe capacidade ociosa na rede. No entanto,

no caso brasileiro, a rede ainda é muito incipiente, os pontos de entrada e saída não são muitos

e a rede não é muito ramificada, de tal forma que a tarifação do tipo entrada/saída não traria

tantos benefícios para o desenvolvimento da rede. No caso de se optar por este tipo de

tarifação, a questão do livre acesso deve estar bem definida, para que o uso da capacidade

ociosa do sistema seja bem definido e para aproveitar o potencial de introdução da

competição que é proporcionado por esse tipo de tarifa. Entretanto, com o desenvolvimento

da rede e a resolução das questões regulatórias, a tarifação entry-exit poderá ser uma

alternativa vantajosa para o Brasil.

Dentre as três formas de tarifação, a do tipo postal apresentou maiores benefícios em

relação ao desenvolvimento de novos mercados e à adaptação às características da rede,

embora tenha problemas de sinalização locacional. Portanto, considerando que há uma grande

necessidade de desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira, a tarifação postal seria

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interessante para o Brasil. Entretanto, com a estrutura atual da indústria aberta à concorrência,

não é possível estabelecer uma tarifação postal. Isso ocorre porque, no caso de haver mais de

uma empresa, não pode haver distorções e, portanto, a tarifação deve refletir todos os custos

associados ao serviço de transporte. A ausência de sinalização locacional é incompatível com

a atual estrutura da indústria brasileira.

Para o caso da tarifação postal ser adotado no Brasil, portanto, haveria a necessidade

de se mudar a organização industrial. Se houver margem para mudanças na estrutura da

indústria, um ponto central será a coordenação da rede. Para a utilização da tarifa postal

deveria haver uma única empresa monopolista, de capital misto, que atuasse no transporte de

gás natural a partir da rede da Petrobras e que fosse independente dos interesses do upstream.

Outra opção de mudança seria a existência de um pool de gasodutos gerenciado por

um agente capaz de coordenar a rede, sem discriminação, como ocorre, por exemplo, dentro

dos hubs americanos. Deveria haver um planejador que gerenciasse o sistema e fizesse o

planejamento dos gasodutos, semelhante ao que ocorre com o Operador Nacional do Sistema

(ONS) no caso do sistema elétrico ou como ocorre, por exemplo, na Espanha. Nesse caso, o

desenvolvimento da indústria ficaria garantido.

No caso de se utilizar uma combinação de formas tarifárias, haverias problemas

semelhantes ao uso da tarifação postal pura, porém minimizados. Então, mas provável que a

adoção de uma tarifação postal seria a adoção de uma tarifa híbrida, para que a tarifação tenha

algum sinal locacional, sem utilizar a tarifação exclusivamente baseada no fator distância.

Dessa maneira, as regiões mais distantes dos centros de produção não precisariam pagar

muito mais pelo gás recebido e, por outro lado, a sinalização locacional evitaria decisões

irracionais de investimento. Essa sinalização locacional poderia ser algum percentual da tarifa

determinado pelo condicionante de custo do transporte, como a distância percorrida pelo gás

ou o volume de gás transportado. De qualquer forma, para qualquer tarifação híbrida com

base postal deveria haver reestruturação da indústria.

Por outro lado, se houver resistência à mudança, dada a estrutura atual da indústria, a

solução possível é uma tarifação que reflita a maior parte dos custos associados ao transporte,

como é o caso da tarifação por distância. A estrutura atual é de livre iniciativa, sob a forma de

autorização, para investimento nos dutos e, portanto, necessita de uma tarifação com

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sinalização econômica. Para que se diminua a possibilidade de discrepância alocativa, se

estimule a entrada de novos agentes e se incentive a competição é necessário que as tarifas

reflitam o custo. É importante ressaltar, entretanto, que a tarifação por distância pode não

refletir corretamente os custos relacionados ao transporte de gás natural. Existem outros

condicionantes que afetam os custos de transporte, como o volume transportado, a quantidade

de operadores, a pressão e o fator de carga.

Para garantir o desenvolvimento da rede no caso da adoção de tarifas baseadas no fator

distância, é necessário que o governo intervenha. Uma vez que a tarifação por distância

privilegia as regiões mais próximas dos centros de produção, o desenvolvimento de potenciais

mercados distantes deverá contar com subsídios do governo para ser viabilizado. Nesse

sentido, é importante ressaltar que, no Brasil, a menor demanda está mais longe dos centros

de produção, o que é ruim para a economia de escala. Em algumas regiões do País não será

economicamente eficiente a utilização do gás e, portanto, o planejamento também será

importante para definir a expansão da rede.

A regulação das tarifas de transporte de gás natural é um passo fundamental para o

desenvolvimento do setor, principalmente devido à importância do preço final do gás para o

aumento da demanda. No entanto, existe um trade off entre o desenvolvimento dos mercados

e a sinalização econômica e, portanto, é preciso fazer escolhas. Independente da forma de

tarifa haverá subsídio: cruzado no caso da postal ou direto, no caso da distância. Com

qualquer uma das duas formas de tarifação – por distância ou postal – a questão do

planejamento será muito importante para o transporte de gás natural no Brasil e, portanto,

deve haver transparência e bom senso nas decisões de planejamento.

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CONCLUSÃO

A indústria de gás natural no Brasil encontra-se em um momento de indefinição. O

crescimento da demanda de gás natural estimulado pelas termelétricas ficou aquém do

esperado e há muitas críticas em relação à forma como a legislação do gás natural foi feita no

País. A Lei do Petróleo trata o gás natural como um derivado do petróleo, não considerando

suas especificidades.

Em relação ao transporte de gás natural, são muitos os problemas enfrentados no

Brasil além da forma de tarifação. O principal está relacionado aos investimentos, que são

muito inferiores aos necessários para o desenvolvimento da rede. As empresas privadas não

estão investindo no segmento devido ao baixo crescimento da demanda e às incertezas quanto

ao modelo de organização da indústria. A ANP possui algumas propostas para a resolução da

questão, como a possibilidade de licitações de projetos de capacidade com o critério de menor

tarifa e a concessão de trechos de gasodutos.

A classificação entre gasodutos de transferência e de transporte é também outra

questão importante para o transporte de gás natural no Brasil uma vez que a regra de tarifação

de transporte dutoviário de gás natural só faz sentido se incorporar todos os gasodutos que são

efetivamente de transporte. Já o livre acesso é também importante dentro de uma política de

transporte de gás natural uma vez que, com a participação de novos agentes no upstream, a

empresa dominante tenderá a discriminar o acesso de terceiros para dominar o mercado. Já

para o caso de novos investidores, a existência de livre acesso pode aumentar os riscos

envolvidos nos projetos.

A definição tarifária, dentro do contexto de uma política para o transporte de gás

natural, adquire grande relevância uma vez que a forma como é calculada a tarifa do

transporte de gás natural tem implicações diretas sobre a decisão de investimento e o

desenvolvimento dos mercados. Uma questão importante em relação à definição tarifária é a

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necessidade de haver coerência. Se para cada novo gasoduto o critério de tarifação for

diferente, podem ocorrer problemas alocativos, pois a diferença na tarifa de transporte pode

não ser refletida em preços mais baixos para o gás, mas fazer com que o preço da commodity

seja alterado, de forma a aumentar a renda do produtor e não beneficiar o consumidor.

Como apresentado ao longo deste trabalho, a análise do critério de tarifação mais

adequado para cada país está relacionada com os interesses do órgão regulador e com as

características da rede. Analisando os critérios para a definição da metodologia de tarifação

para o caso brasileiro, conclui-se que uma tarifação exclusivamente postal, em um país com

as dimensões do Brasil, pode gerar alguns problemas de sinalização para os investidores e de

subsídio cruzado entre os consumidores próximos e os consumidores distantes do centro de

consumo. Por outro lado, uma sinalização exclusivamente baseada no fator distância pode

fazer o gás natural ter preços proibitivos em regiões mais distantes dos centros produtores, o

que prejudicará substancialmente os objetivos de desenvolver novos mercados para o gás

natural no País.

Com base na análise desenvolvida, concluiu-se que, no caso da adoção da tarifação

postal, deverá haver mudanças na estrutura da indústria, seja com a separação da atividade de

transporte e instituição de monopólio regulado ou com a introdução de um planejador que

gerencie o sistema. Diante da possibilidade da combinação de formas tarifárias distintas, é

também possível que exista uma tarifação híbrida, na qual o transporte ficasse apenas em

parte relacionado à distância. Entretanto, os problemas da tarifação híbrida são os mesmos

que os da tarifação postal, só que em menor escala. Já no caso da opção pela tarifação por

distância, haveria necessidade de subsidiar o desenvolvimento da indústria em algumas

regiões do País.

Portanto, independentemente da escolha, a questão do planejamento vai ser central e o

Estado será importante em qualquer uma das metodologias. A melhor tarifação para essa fase

de desenvolvimento da indústria seria a tarifação postal. Entretanto, as mudanças necessárias

para a sua utilização são muito difíceis e, provavelmente, se adotará a tarifação por distância,

que deverá envolver subsídios diretos para a garantia de desenvolvimento de alguns

mercados. Com a evolução da indústria, por sua vez, os critérios tarifários podem ser

modificados, acompanhando novas realidades e desafios.

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A partir dos estudos realizados e das conclusões obtidas é recomendável a análise de

outros fatores relativos à política de transporte de gás natural. Além disso, seria interessante

que se fizessem simulações no sentido de quantificar os resultados de cada uma das formas de

tarifação.

A indústria de gás natural brasileira encontra-se em um momento decisivo. Muitas

questões devem ser resolvidas para que a indústria se desenvolva e o gás aumente sua

participação na matriz energética brasileira. Muitos problemas relacionados ao transporte do

gás natural ainda não foram suficientemente debatidos e as soluções definitivas ainda não

foram tomadas. Dentre essas questões, a definição de um critério único de tarifação de

transporte de gás natural a ser aplicado no Brasil apresenta-se como de fundamental

importância. Embora existam diversas opções, cada uma delas requer ações adicionais no

sentido de contrabalançar os possíveis efeitos indesejados sobre a indústria. A definição da

metodologia tarifária a ser aplicada no transporte dutoviário é apenas um passo no desafio do

desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil.

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GLOSSÁRIO

Bacia: depressão na superfície da terra na qual são depositados sedimentos, normalmente

caracterizados por acumulação por longo período de tempo; uma extensão de faixa de terra

sob a qual camadas de pedra são inclinadas, geralmente dos lados para o centro.

By-Pass (desvio): arranjo de tubulação com válvula de controle que conduz gás, ar ou outro

fluído, contornando, ao invés de atravessar, todo um trecho da uma tubulação.

City-Gate: estação de medição que pode dispor de regulagem de pressão, na qual uma rede de

distribuição recebe gás de uma companhia transportadora ou de um sistema de transporte.

Refere-se ao ponto de entrega ou transferência, no qual o gás passa de uma linha principal de

transporte para um sistema de distribuição local, sem troca de propriedade necessariamente.

Concessão: refere-se a uma região concedida ao operador pelo governo, titular do serviço,

durante um período determinado e sob certas condições estabelecidas pelo titular, que

permitem ao operador conduzir as atividades de exploração e/ou desenvolvimento. O contrato

de concessão garante ao operador direitos especificados por lei.

Estação de Compressão: equipamento que movimenta o gás através de dutos de transporte

ou de armazenagem, criando diferenciais de pressão. A maioria dessas estações usa parte do

gás escoado pelo duto como combustível para os compressores. Geralmente não inclui os

dutos de expansão ou estações de bombeamento pertencentes aos sistemas de distribuição

local.

Fator de carga (loadfactor): razão entre a carga média e a carga de ponta durante um

período.

Gás contratado: volume de gás que a companhia concorda em fornecer e, de forma geral, o

volume que o consumidor concorda em receber ou pagar.

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Gás manufaturado: gases derivados de fontes primárias de energia, por processos

envolvendo reação química; por exemplo, o gás produzido de carvão vegetal ou

hidrocarbonetos líquidos, como a nafta.

Gasoduto de Transporte: tubulação cuja finalidade é transportar o gás de uma fonte para um

ou mais centros de distribuição, ou destinado à interligação de fontes de suprimento. Difere

das demais tubulações por trabalhar em pressões mais altas, por ser mais extenso e por

apresentar grandes distâncias entre suas derivações.

GTA (Gas Transportation Agreement): Contrato de capacidade de transporte de um

gasoduto.

Hub: localidade geográfica na qual um grande número de compradores e vendedores

negociam o gás e o entregam fisicamente nesse ponto.

Malha: layout de um sistema de distribuição do gás em uma cidade.

Netback: valor do gás vendido ao cliente no ponto de consumo, descontados os custos de

transporte e o custo de produção.

Operador: companhia, organização ou pessoa, com autoridade legal para perfurar poços e

extrair hidrocarbonetos. A atividade pode ser terceirizada.

Rede: complexo de dutos interligados de transporte, distribuição ou instalação de GNL, de

propriedade ou explorada por uma empresa de gás natural, incluída as instalações de

fornecimento de serviços auxiliares, e as de empresas afins, necessárias para permitir acesso

aos sistemas de transporte e distribuição.

Rede de distribuição: tubulação de distribuição, estação de controle de pressão, válvulas,

equipamentos operados por uma companhia de gás, para levar gás desde os pontos de

suprimento ou de fabricação até os medidores dos consumidores.

Rede interconectada: um certo número de redes ligadas entre si, para fins de trocas regionais

ou internacionais de grandes quantidades de gás ou energia.

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Reservas Possíveis: reservas de petróleo e gás natural cuja análise dos dados geológicos e de

engenharia indica uma maior incerteza na sua recuperação quando comparada com a

estimativa de reservas prováveis.

Reservas Provadas: reservas de petróleo e gás natural que, com base na análise de dados

geológicos e de engenharia, se estima recuperar comercialmente de reservatórios descobertos

e avaliados, com elevado grau de certeza, e cuja estimativa considere as condições

econômicas vigentes, os métodos operacionais, usualmente viáveis e os regulamentos

instituídos pela legislação petrolífera e tributária brasileiras.

Reservas Prováveis: reservas de petróleo e gás natural cuja análise dos dados geológicos e de

engenharia indica uma maior incerteza na sua recuperação quando comparada com a

estimativa de reservas provadas.

Reservas Totais: soma das reservas provadas, prováveis e possíveis.

Serviço Firme: a melhor qualidade do serviço de transporte ou venda de gás aos clientes,

conforme uma programação de entrega que antecipa interrupções não planejadas. É

normalmente associado às companhias de distribuição, que atendem clientes residenciais e

outros usuários finais de alta prioridade, mas pode também se aplicar aos gasodutos à

montante e outros clientes.

Serviço Interruptível: serviço de gás sujeito à interrupção a critério do transportador.

Também conhecido como “serviço de melhor esforço”. As tarifas para serviços interruptíveis

são inferiores àquelas praticadas para serviço firme.

Ship-or-pay: cláusula incluída nos contratos de transporte de gás natural segundo a qual o

consumidor final ou a concessionária, para quem está sendo feito o transporte, são obrigados a

pagar pelo transporte do gás mesmo no caso do gás não ser transportado.

Take-or-pay: cláusula contratual na qual o comprador assume a obrigação de pagar por uma

certa quantidade de gás contratada, independente de retirá-la.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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