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Deise Rosalio Silva

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Dissertação de mestrado

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO

    DEISE ROSALIO SILVA

    Intelectuais, cultura e escola nica no pensamento poltico-pedaggico de Antonio Gramsci

    So Paulo 2010

  • DEISE ROSALIO SILVA

    Intelectuais, cultura e escola nica no pensamento poltico-pedaggico de Antonio Gramsci

    So Paulo 2010

    Dissertao apresentada Faculdade de Educao, da Universidade de So Paulo como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    rea de Concentrao: Filosofia da Educao

    Orientadora: Profa. Dra. Carlota Boto

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    37.01 Silva, Deise Rosalio S586i Intelectuais, cultura e escola nica no pensamento poltico-pedaggico de

    Antonio Gramsci / Deise Rosalio Silva; orientao Carlota Boto. So Paulo: s.n., 2010.

    267 p.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Educao. rea de Concentrao: Filosofia da Educao) - - Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.

    1.Gramsci, Antonio, 1891-1937 2.Educao - Filosofia 3.Educao Aspectos polticos 4. Cultura - Educao 5. Intelectuais I. Boto, Carlota, orient.

  • SILVA, Deise Rosalio

    Intelectuais, cultura e escola nica no pensamento poltico-pedaggico do Antonio Gramsci

    Dissertao apresentada a Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. __________________________________Instituio:_________________________

    Julgamento: _____________________________Assinatura: __________________________

    Prof. Dr. __________________________________Instituio:_________________________

    Julgamento: _____________________________Assinatura: __________________________

    Prof. Dr. __________________________________Instituio:_________________________

    Julgamento: _____________________________Assinatura: __________________________

  • Silvia Elena Montini Pacheco, pelo Educar o soberano...

    Aos amigos que partilharam comigo momentos entre reunies da Executiva (EEEPe-SP), do Centro Acadmico, COPEPes, EPEPes e ENEPes e todos que atuam no movimento

    estudantil e tambm acreditam que, de algum modo, podem fazer a diferena...

    Ao meu pai (in memorian) e todos que, apesar do peso dirio do analfabetismo, conseguiram construir seu lugar no mundo.

  • AGRADECIMENTOS

    minha v urea, por ser o meu maior tesouro e a maior responsvel por eu ser quem sou.

    minha tia Silvania, por ser a minha maior representao de famlia, meu maior exemplo e estar sempre presente.

    minha irm Alzira Valria, simplesmente por ser a parte que me falta... Minha mais sincera gratido tambm por ter aceitado to prontamente revisar o meu texto.

    minha irm caula Nathlia, pelo seu inerente carisma e por ser exatamente do jeito que eu gostaria de ser quando pequena...

    minha irm Denise, pela ajuda nos momentos difceis e pelo lugar incondicional que ocupa em minha vida independente de nossas diferenas.

    elas (urea, Nathlia e Denise) e tambm ao meu av Jos Rozalio, por terem compreendido o meu isolamento e os constantes pedidos de silncio em casa.

    Ao tio Rogrio e tia Clia, pela ajuda nos momentos que precisei.

    minha me, que apaga a distncia com o prazer dos momentos de encontro.

    Profa. Carlota Boto, primeiro de tudo, por ter me aceitado como sua orientanda. Sem ela eu sequer teria ingressado no mestrado naquele ano. E, depois, por tudo. Pela admirvel dedicao que demonstra em suas aulas. Da minha graduao na FEUSP, sem dvida, so as aulas mais vivazes em minha memria. Pela oportunidade de ter sido sua monitora no programa PAE e pelas aprendizagens adquiridas. Pela leitura atenta e generosa, pelas palavras de incentivo e motivao e pelos conselhos.

    Marla, por estar presente em todas as horas, para qualquer assunto, com ateno, ouvidos e corao incomparveis. Por traduzir na prtica, como ningum, a palavra amiga. Por sempre senti-la to prxima, mesmo quando estava em outro continente.

    Fernanda Moraes, pelo simples fato da convivncia de tantos anos, desde a infncia, com sua admirvel humildade, ter me feito uma pessoa melhor.

  • Ao Renato, pela posio de destaque que ocupa e sempre ocupar entre meus amigos. Seu espao fr ewig...

    Fernanda Arantes, por tantos momentos, por tantas ligaes na hora certa, por toda a ajuda, por ter vivido e sentido na pele comigo todas as situaes ao longo desses 3 anos de mestrado, todas as dificuldades e sempre ao mesmo tempo...

    Thalita, por ser essa figura absolutamente admirvel, iluminada, tornar meu dia mais feliz com sua presena e, com sua paixo e postura, legitimar minha crena no ser humano.

    Ao Hamilton, minha mais profunda gratido por aquele dia, por aquela conversa, por toda a ajuda na realizao do meu projeto inicial de ingresso no mestrado. E, junto com o Mrio, pelos momentos impagveis, maravilhosos, desfrutados com suas encantadas presenas.

    Aos queridos amigos que, em todos os momentos, mesmo fortuitos, ocasionais e alguns inclusive distantes fisicamente, tornaram essa trajetria e a minha vida mais alegre: Camilinha, Sylvie, Nilson (Plncton), Carol Ferrarezi, Douglas L., Clvis, Rose, Nathlia, Tatiana, Ana Paula, Rbia, Danilo, Mari, Luzmarina, Raquel C., Roberta, Fernando, Mari Serva, Esther, Elen, Paola, Cristina, Tatiani, Leo, Raquel M., Raquel S., Cibele, Csar, Otvio Henrique, Silvana, Celso, Isabelle, Wagner, Thas... Espero t-los sempre por perto...

    Ao Douglas Bote, pela fala certa no momento exato e por ter um lugar incondicional na minha vida. Guardo as melhores lembranas do tempo que tive a alegria de conviver contigo.

    Ao Luciano, tambm pela fala certa no exato momento e pela gratuita e sincera torcida por mim...

    Aos amigos da Fundao Bradesco pelo apoio...

    Ao Prof. Lincoln Secco, que no tem ideia do papel fundamental que desempenhou na realizao desse trabalho. Seu curso livre sobre Gramsci, mesmo curto pela interrupo da greve, em 2006, suscitou as indagaes e reflexes que culminaram na materializao do meu projeto de mestrado, alm de todas as contribuies trazidas por seus escritos, falas, aulas e pelas sugestes feitas na banca de qualificao desse trabalho. Agradeo tambm a oportunidade de ter sido sua monitora no programa PAE esse semestre.

  • Prof.a. Carmen Sylvia pelas aulas, pela paixo que aflora em todas as falas, por ter sido sempre to acessvel... Por toda a ajuda, pelo seu jeito admirvel de tratar de igual para igual todos os alunos e pelos apontamentos feitos na banca de qualificao desse trabalho.

    Profa. Lisete Arelaro, atual diretora da Faculdade de Educao da USP (que orgulho escrever isso!), simplesmente por sua existncia reforar a minha crena na educao e por colocar a cabo a ideia de que a luta por uma outra ordem um mpeto juvenil.

    Aos membros do grupo de pesquisa do Fund9, por trazerem nimo e esperana, pelo tempo de convivncia e pela causa partilhada.

    Aos professores da Faculdade de Educao, dos quais no posso deixar de destacar: Jaime Francisco Parreira Cordeiro, pela qualidade e rigor; Valdir Heitor Barzotto, pelas aulas brilhantes; Claudemir Belintane, por ser o responsvel por lindas lembranas e ensinamentos e Marcos Ferreira Santos, simplesmente por ver o mundo com inerentes lentes poticas e se dedicar em partilhar isso conosco...

    Aos funcionrios da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo e, em especial, ao Marcelo e ao Cludio da Secretaria da ps-graduao, pela ateno e ajuda.

    Patrcia, pela ajuda com o ingls...

    Ao Carlos Paiva, por ter organizado o Seminrios de estudos: os intelectuais e a educao Gramsci e educao, realizado na Unicamp de 19 a 23 de outubro de 2009. O que era para ser mais um evento acadmico constituiu-se em um encontro humano inesquecvel e indescritvel. Um dos melhores momentos de toda essa minha trajetria no mestrado.

    Ao Thiago (Porteiro), por ter trazido a edio crtica dos Quaderni del carcere para mim de Milo, minha mais sincera gratido.

    CAPES, pela concesso de 1 ano e meio de bolsa, fundamental para a finalizao desse trabalho.

    Ao Thi, por atribuir sentido, por ser a minha paz... por sua simples presena me acalmar e me trazer alento... por com ele eu me sentir em casa em qualquer situao... por fazer da crena no futuro e do otimismo um imperativo... Por ser a maior expresso do significado da palavra companheiro...

  • Odeio os indiferentes. Antonio Gramsci

    Instru-vos, porque precisamos da vossa inteligncia. Agitai-vos, porque precisamos de vosso entusiasmo. Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa fora.

    Antonio Gramsci

    intil chorar: Se choramos aceitamos. preciso no aceitar. Por todos os que tombam pela verdade Ou que julgam tombar. O importante neles j sentir a vontade De lutar por ela, Por isso intil chorar. Ao menos se as lgrimas Dessem po, J no haveria fome. Ao menos se o desespero vazio Das nossas vidas Desse campos de trigo. Mas o que importa no chorar: Se choramos aceitamos. preciso no aceitar. Mesmo quando j no se sinta calor bom pensar que h fogueiras E que a dor tambm ilumina. Que cada um de ns Lance a lenha que tiver, Mas que no chore Embora tenha frio: Se choramos aceitamos. preciso no aceitar.

    Antnio Dias Cardoso

    No sou esperanoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histrico.

    Paulo Freire

  • RESUMO

    SILVA, Deise Rosalio. Intelectuais, cultura e escola nica no pensamento poltico-pedaggico de Antonio Gramsci. 2010. 267f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.

    O presente trabalho tem por objetivo investigar o pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937) acerca da educao, com nfase em suas elaboraes tericas e conceitos polticos relacionados a sua perspectiva pedaggica. Tendo por propsito a identificao do discurso gramsciano sobre educao e sua atualidade terica, esta pesquisa analisar, principalmente, os escritos feitos no crcere (Quaderni del carcere), em que o terico teria se debruado sobre o temrio educacional e formativo. Procurando mapear a perspectiva pedaggica de Gramsci, esta pesquisa procurou efetuar tambm uma reviso bibliogrfica da literatura j produzida sobre o tema. Gramsci ansiava pela constituio de um plano de ao capaz de alterar a estrutura poltico-econmica da sociedade. Nesse sentido, a dimenso cultural e educativa ocupa uma posio destacada na sua reflexo sobre a transformao social. Em sua acepo, uma reforma intelectual e moral seria imprescindvel para a edificao da hegemonia popular, o que justifica a importncia que a educao assume em suas reflexes e em seu trabalho terico. Todos os conceitos e formulaes que Gramsci desenvolve ao longo de sua vida apresentam-se correlacionados com tal perspectiva de elaborao de estratgias de atuao em prol da modificao da ordem vigente. Por essa razo, foi necessrio examinar tambm conceitos e escritos de Gramsci acerca do debate poltico, especialmente sobre os temas seguintes: Estado, sociedade civil, sociedade poltica, bloco histrico, partido, estrutura, superestrutura, Ocidente, Oriente, guerra de posio, guerra de movimento, hegemonia, ideologia e filosofia. Acreditamos ser primordial compreender o encadeamento entre a esfera poltica e essa proposio de reforma intelectual e moral; sendo que para Gramsci - a transformao social passaria necessariamente pela questo cultural. Esta, por sua vez, teria uma inegvel dimenso educativa. A educao e a cultura so, na tica gramsciana, as peas fundamentais para a constituio de um novo homem: autnomo, consciente, crtico, capaz de criar novas relaes e as demais condies necessrias para a superao da estratificao social em prol da edificao de uma outra ordem econmica e poltica, no mais pautada pela desigualdade social. Para isso, o alcance da hegemonia seria o primeiro passo, s atingido quando a concepo de mundo compatvel com tal plano de transformao fosse majoritria na sociedade. Eis nos escritos gramscianos - o grande papel ocupado pela figura do intelectual - ator pblico disseminador de ideologias - e da educao no processo de luta poltica pela emancipao do homem. Esse processo requereria, contudo, uma ampla formao humanista, integral, crtica, criativa, capaz de agregar trabalho intelectual e trabalho manual, sendo que sua maior expresso estaria no ideal da escola nica.

    Palavras-chave: Gramsci; Intelectuais; Educao, Cultura, Escola nica; Hegemonia; Poltica; Filosofia.

  • ABSTRACT

    SILVA, Deise Rosalio. Intellectuals, culture and unique school in the political-pedagogic thought of Antonio Gramsci. 2010. 267f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.

    This study aims at investigating the thought of Antonio Gramsci (1891-1937) about education, with emphasis on his theoretical elaborations and political concepts related to his educational perspective. Having as a goal the identification of the Gramscian discourse on education and its theoretic relevance, this research will examine mainly the writings made in prison (Quaderni del carcere), in which the theorist developed educational and formative themes. Seeking to map the pedagogical perspective of Gramsci, this research has also aimed at carrying out a bibliographic review of the literature produced on the subject. Gramsci longed for the establishment of a plan of action capable of altering the political-economic structure of society. In this sense, the cultural and educational dimension has a prominent position in his discussions on social transformation. In his meaning, an "intellectual and moral reform" would be essential for the construction of popular hegemony, which explains the importance given to education in his thoughts and his theoretical work. All concepts and formulations developed by Gramsci throughout his life are correlated with such perspective of developing strategies of action focusing on modifying the existing order. For this reason, it was also necessary to examine Gramscis concepts and writings about the political debate, especially on the following topics: State, civil society, political society, historical bloc, party, structure, superstructure, West, East, war of position, motion war, hegemony, ideology and philosophy. We believe it is essential to understand the linkage between politics and this proposition of "intellectual and moral reform", remembering that - for Gramsci - the social transformation would necessarily involve the cultural issue. This, in turn, would have an undeniable educational dimension. Education and culture are, in Gramscis perspective, the key pieces to form a new man: autonomous, conscious, critical, able to create new relationships and other necessary conditions for overcoming the social stratification in favor of building another economic and political order, no longer dominated by social inequality. To do so, the scope of hegemony would be the first step, only achieved when the world conception compatible with such a transformation is predominant in society. It is stated in the writings of Gramsci the great role played by the intellectual figure - public actor in charge of disseminating ideologies - and education in the process of political struggle for the emancipation of man. This process would demand, however, a broad humanistic, integral, critical, creative education, capable of putting together intellectual and manual labor, having as its greatest expression the ideal of unique school.

    Keywords: Gramsci; Intellectuals; Education, Culture, Unique school; Hegemony; Politics; Philosophy.

  • RIASSUNTO

    SILVA, Deise Rosalio. Intelletuali, cultura e scuola unica nel pensiero politico-pedagogico di Antonio Gramsci. 2010. 267f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.

    Questo studio mira a indagare il pensiero di Antonio Gramsci (1891-1937) sulleducazione, con particolare attenzione alle sue elaborazioni teoriche e concetti politici legati al suo punto di vista didattico. Avendo per proposito lidentificazione del discorso gramsciano sulleducazione e la sua attualit teorica, questa ricerca esaminer principalmente gli scritti elaborati nel carcere (Quaderni del carcere), in cui il teorico avrebbe lavorato sul tema educazionale e formativo. Cercando di mappare la prospettiva pedagogica di Gramsci, questa ricerca ha anche cercato di fare una revisione della letteratura gi prodotta sul soggetto. Gramsci desiderava la creazione di un piano d'azione in grado di alterare la struttura politico-economica della societ. In questo senso, la dimensione culturale ed educativa occupa una posizione preminente nella sua riflessione sulla trasformazione sociale. Nella sua accezione, una "riforma intellettuale e morale" sarebbe essenziale per la costruzione di egemonia popolare, il che spiega l'importanza che leducazione assume nel suo pensiero e nel suo lavoro teorico. Tutti i concetti e le formulazioni che Gramsci sviluppa in tutta la sua vita si presentano correlati con tale prospettiva di elaborazione di strategie di attuazione a favore della modificazione dell'ordine esistente. Per questo motivo, stato anche necessario esaminare i concetti e gli scritti di Gramsci sul dibattito politico, specialmente sui seguenti argomenti: Stato, societ civile, societ politica, blocco storico, partito, struttura, sovrastrutture, Ovest, Est, guerra di posizione, guerra di movimento, egemonia, ideologia e filosofia. Riteniamo che sia primordiale comprendere lincatenamento tra lambito della politica e questa proposta di "riforma intellettuale e morale"; una volta che - per Gramsci - la trasformazione sociale passerebbe necessariamente per la questione culturale. Questa, a sua volta, avrebbe una innegabile dimensione educativa. Leducazione e la cultura, in prospettiva gramsciana, sono i pezzi chiave per formare un uomo nuovo: autonomo, consapevole, critico, capace di creare nuovi rapporti e le altre condizioni necessarie per superare la stratificazione sociale in favore della edificazione di un altro ordine economico e politico, non pi moderato dalla disuguaglianza sociale. Per questo, l'ambito di egemonia sarebbe il primo passo, ottenuto solo quando la concezione del mondo compatibile con tale piano di trasformazione fosse predominante nella societ. Ecco - negli scritti di Gramsci - la grande posizione svolta dalla figura delintellettuale - attore pubblico divulgatore delle ideologie - e dell'educazione nel processo di lotta politica per l'emancipazione dell'uomo. Questo processo richiederebbe, tuttavia, una formazione umanistica vasta, integrale, critica, creativa, capace di aggregare il lavoro intellettuale e il lavoro manuale e la loro massima espressione sarebbe lideale della scuola unica.

    Parole chiave: Gramsci; Intellettuali; Educazione; Cultura; Scuola unica; Politica; Egemonia; Filosofia.

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................ 23

    1 CONCEITOS POLTICOS E SUA CORRELAO COM O LUGAR DA EDUCAO EM GRAMSCI ..............................................................................

    35

    1.1 NOES E CONCEITOS CRUCIAIS NO PENSAMENTO GRAMSCIANO SOBRE EDUCAO....................................................................................................

    36 1.2 HEGEMONIA: ALICERCE DA CONQUISTA DO PODER POPULAR ....... 37 1.2.1 REMONTANDO A ORIGEM DO CONCEITO DE HEGEMONIA ......... 43 1.3 DITADURA X HEGEMONIA NA PERSPECTIVA GRAMSCIANA ............ 47 1.4 O TRANSFORMISMO E A EDUCAO........................................................ 49 1.5 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA: CORPO DE UM SISTEMA POLTICO E SOCIAL ..................................................................................................

    51 1.6 SOCIEDADE CIVIL: LCUS DO EXERCCIO HEGEMNICO................... 56 1.7 SOCIEDADE POLTICA: PEAS DA REGNCIA DO ESTADO................. 62 1.8 A CONCEPO DE ESTADO AMPLIADO GRAMSCIANA........................ 63 1.9 BLOCO HISTRICO COMO MUNDO............................................................ 66 1.10 O LUGAR DA IDEOLOGIA NA VISO DE GRAMSCI................................ 68 1.11 O LUGAR DA FILOSOFIA E A CONCEPO DE HOMEM GRAMSCIANA ...........................................................................................................

    70

    1.12 OCIDENTE E ORIENTE E A ESTRATGIA POLTICA DE MUDANA (GUERRA DE POSIO E GUERRA DE MOVIMENTO) ......................................

    78

    1.13 O PENSAMENTO GRAMSCIANO: CORRELAO INTERCONCEITOS E EVIDNCIA DA FUNO EDUCATIVA...............................................................

    85

    2 INTELECTUAIS... SOB O CALO DA POLTICA....................................

    87

    2.1 OLHAR GRAMSCIANO SOBRE O TERMO................................................... 87 2.1.1 UM TERMO E DIFERENTES CATEGORIAS... ........................................ 89 2.2 UM POUCO DA HISTRIA DA CONSTITUIO DOS INTELECTUAIS AO REDOR DO MUNDO.............................................................................................

    92 2.3 INTELECTUAL COSMOPOLITA E INTELECTUAL NACIONAL-

    POPULAR...................................................................................................................... 95

  • 2.3.1 RAZES PARA UM COSMOPOLITISMO ITALIANO............................ 98 2.3.2 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE A LNGUA E O HUMANISMO NO COSMOPOLITISMO INTELECTUAL ITALIANO.............

    104

    2.3.3 A QUESTO RELIGIOSA E O COSMOPOLITISMO ............................. 106 2.4 A FORMAO DO CARTER NACIONAL DOS INTELECTUAIS ITALIANOS E O TRANSFORMISMO........................................................................ 108

    2.5 A COMPLEXIDADE DA ATUAO DOS INTELECTUAIS....................... 109 2.6 A ESPECIFICIDADE DO INTELECTUAL GRAMSCIANO......................... 113 2.7 O PAPEL DOS INTELECTUAIS E A RELAO COM A FILOSOFIA....... 116 2.8 PARTIDO: INTELECTUAL COLETIVO......................................................... 118 2.9 A DIMENSO PEDAGGICA DOS INTELECTUAIS.................................. 123

    3 O EDUCATIVO PARA ALM DA ESCOLA: O LUGAR DA CULTURA EM GRAMSCI.........................................................................................

    127 3.1. AES FORMATIVAS AO LONGO DE SUA MILITNCIA E O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE CULTURA...........................................

    129

    3.1.1 (1916-1918): A REVOLUO SOCIALISTA EM CURSO E SUA CONSEQUENTE EFERVESCNCIA......................................................................

    130

    3.1.2 (1919-1922): FEITOS MARCANTES.............................................................. 136 3.2 O PESO DA CULTURA..................................................................................... 144 3.3 O PARTIDO POLTICO E A CULTURA.......................................................... 152 3.4 CENTRO DE CULTURA, TRABALHO EDITORIAL E PODER................... 156

    4 CONSIDERAES SOBRE UMA ORGANIZAO EDUCATIVA GRAMSCIANA............................................................................................................

    173

    4.1 UM POUCO DA HISTRIA DA ORGANIZAO ESCOLAR ITALIANA... .................................................................................................................

    173

    4.2 APONTAMENTOS SOBRE AS EXPERINCIAS ESCOLARES E A FORMAO DE ANTONIO GRAMSCI ....................................................................

    183

    4.3 ESCOLA PARA CONFINADOS AO PRTICA DURANTE O CRCERE .....................................................................................................................

    189 4.4 A QUESTO ESCOLAR.................................................................................... 191

  • 4.4.1 A ESCOLA NICA: A MATERIALIZAO MAIOR DE UMA PROPOSTA PEDAGGICA REVOLUCIONRIA...............................................

    197 4.5 O PRINCPIO EDUCATIVO GRAMSCIANO................................................... 209 4.5.1 O INDUSTRIALISMO COMO PRINCPIO................................................. 215 4.6 O LUGAR DA PEDAGOGIA GRAMSCIANA: ENTRE ESPONTANEIDADE E DOGMATISMO ....................................................................

    220

    4.7 PROPOSTA GRAMSCIANA DE ORGANIZAO DA ESCOLA ................ 230 4.7.1 REFLEXES SOBRE A UNIVERSIDADE .................................................. 238 4.8 ESPAOS EDUCATIVOS NO FORMAIS: UMA OUTRA ESCOLA ......... 241 4.9 O PAPEL DO PROFESSOR NO PROJETO EDUCATIVO GRAMSCIANO.. 242

    5 CONSIDERAES FINAIS ...........................................................................

    247

    REFERNCIAS ...........................................................................................................

    257

  • 23

    INTRODUO

    O italiano Antonio Gramsci (18911937) - poltico, estudioso, pensador marxista - construiu sua relevante obra poltica em meio a substanciais transformaes e inflexes definidoras do sculo XX, tais como: Primeira Guerra Mundial, Revoluo Socialista na Rssia, surgimento de partidos comunistas em diversos pases. Gramsci protagonizou a criao do Partido Comunista Italiano e viveu o fracasso das tentativas socialistas no Ocidente, alm da ascenso e represso fascista, que determinou sua priso por 20 anos nos crceres de Mussolini. Permaneceu por 11 anos nessa condio e faleceu aps 3 dias de liberdade condicional, devido ao seu estado de sade, debilitado h anos.

    Gramsci oriundo desse cenrio e reage diante dos acontecimentos que marcaram a Itlia no fim do sculo XIX, tendo sua produo surgida em resposta a todo contexto da poca.

    Por sua prpria condio de meridional, ou seja, nascido na Itlia insular, na ilha da Sardenha - que como prprio afirmava era uma colnia da Itlia dominadora e, por no ter abandonado suas origens, mesmo quando passou a viver em Turim, norte industrializado da Itlia, toda sua atuao poltica e produo decorre disso e do entendimento que ele tinha de que o caminho para mudanas estava na ao concreta. Esta, inevitavelmente, passava pelo campo da formao, da constituio de elementos capazes de permear o alavancar de uma nova ordem social.

    Seu interesse pela educao pode ser comprovado no apenas por suas cartas, artigos e cadernos, mas por suas atitudes mesmo dentro do crcere, como elucida a criao de uma escola para os presos, estruturada da alfabetizao at a faculdade.

    Por conta da sua busca por um plano de ao, a apropriao de Gramsci da teoria marxista no se configurava como uma doutrina, mas como um mtodo, orientador e absolutamente ligado s necessidades prprias, s lutas, complexidades e buscas do cotidiano dos homens daquele perodo histrico. Para ele, o marxismo no se encerrava nos escritos de seu idealizador. Era necessrio relacion-lo aos problemas e particularidades de sua poca, em uma prtica de fato humano-histrica.

    Gramsci critica tanto a tendncia reformista como a maximalista, que prega o grande dia da revoluo, mas no prope o que deve ser feito para tal. Para ele as duas tendncias tm uma viso do marxismo como fora positivista. Nesse sentido, contesta tambm a ideia de que o socialismo vir naturalmente com o trabalho da sociedade. Isso seria um equvoco e exatamente por isso que ele se volta aos idealistas na crena da possibilidade humana da

  • 24

    transformao da realidade e pretende fazer esse deslocamento do marxismo para o plano prtico. (COUTINHO, 2007; MANACORDA, 1990).

    Torna-se relevante resgatar alguns aspectos da biografia de Gramsci para melhor compreenso do contexto em que o autor estava inserido, aspecto fundamental para a posterior anlise de seu pensamento e produo terica.

    Antonio Gramsci nasceu em 18911, em Ales, Cagliari, ilha da Sardenha, na Itlia e faleceu em 1937, aps 11 anos de confinamento nos crceres fascistas.

    O quarto dos sete filhos de Francesco e Giuseppina Marcias, Gramsci viveu diversas dificuldades oriundas de sua origem e da situao financeira familiar. Nativos de uma ilha discriminada, tida como atrasada, servos do continente, principalmente da parte norte da Itlia, os moradores da Sardenha sempre compartilharam uma histria marginalizada, com todos os suplcios de uma vida sem garantias dos requisitos necessrios para o gozo da dignidade e segurana.

    Segundo Gerratana (2007), ainda menino, teve o pai preso por causa de uma irregularidade administrativa em seu trabalho e foi obrigado a trabalhar em um cartrio por 2 anos, deixando de frequentar a escola e passando a estudar apenas em casa. Depois, com a ajuda das irms e da me, voltou a frequentar as trs ltimas classes ginasiais.

    Em 1905, aos 14 anos, Antonio Gramsci tem seu primeiro contato com discusses de cunho socialista, atravs das leituras do jornal socialista Avanti!, enviado de Turim, por seu irmo Gennaro, que l vivia prestando servio militar. Foi nesse mesmo ano que Gramsci retomou seus estudos, interrompidos por 2 anos por grandes dificuldades financeiras familiares.

    Em 1908, comeou a frequentar o movimento socialista e participar ativamente dos ambientes jovens de discusso sobre os problemas sociais e econmicos da ilha da Sardenha. Manifestaram-se em Gramsci dois profundos sentimentos: o de revolta contra os ricos e um grande regionalismo. (FIORI, 2008; MAESTRI; CANDREVA, 2007).

    1 Utilizarei os dados biogrficos presentes na Cronologia da vida de Antonio Gramsci do volume 1 dos

    Quaderni del carcere, edio crtica organizada por Valentino Gerratana, publicada inicialmente em 1975. Usarei a 3 edio publicada em 2007 e, eventualmente, tambm as seguintes obras: COUTINHO, C. N. Introduo de Carlos Nelson Coutinho. In: GRAMSCI, A. Cadernos do crcere. Traduo e edio Carlos Nelson Coutinho, coedio Marco Aurlio Nogueira. 4 ed., vol.1. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006. FIORI, Giuseppe. Vita di Antonio Gramsci. 2 ed. Roma- Bari: Editori Laterza, 2008. MAESTRI, Mrio; CANDREVA, Luigi. Antonio Gramsci: vida e obra de um comunista revolucionrio. So Paulo: Expresso Popular, 2007.

  • 25

    Em 1910, Gramsci publicou seu primeiro artigo: A unio sarda - no Cotidiano de Cagliari. Tornou-se correspondente do jornal Aidomaggiore e no ano seguinte iniciou as primeiras leituras sobre Marx.

    De acordo com Gerratana (2007), em 1911, terminou o liceu e decidiu concorrer a uma bolsa de estudos para a universidade, a qual tambm foi pleiteada por Palmiro Togliatti, Augusto Rostagni e Lionello Vicentini. No incio dessa etapa de sua vida estudantil, passou por dificuldades financeiras, psicolgicas e fsicas. Nesse perodo, criou um lao de amizade com Palmiro Togliatti e, juntos, fizeram uma pesquisa sobre a estrutura social da Sardenha.

    Dois anos depois, dedicou-se intensamente aos estudos, porm, devido a sua sade debilitada no conseguiu realizar os exames para a concluso daquela etapa de estudo.

    No mesmo ano de 1913, aderiu ao Grupo de ao e propaganda antiprotecionista, promovidos na Sardenha por Attilio Deffenu e Nicol Fancello. Participou de uma luta eleitoral tambm em Sardenha, pelas primeiras eleies com direito de voto a todos e permaneceu comovido com as transformaes resultante da participao das massas na vida poltica, tendo escrito sobre isso ao amigo Tasca.

    Meses depois teve seu primeiro contato com o movimento socialista de Turim. Provavelmente, data dessa poca a sua inscrio para a seo socialista de Turim. (FIORI, 2008; GERRATANA, 2007).

    Gerratana (2007) afirma ainda que Gramsci, no ano seguinte - 1914 - leu com grande frequncia a revista independente La Voce, de Prezzolini e LUnit, de Salvemini; e planejou, com alguns amigos, a criao de uma revista de teor socialista.

    Gramsci aproximou-se dos grupos avanados dos operrios e estudantes socialistas, libertrios, que compuseram a frao da esquerda revolucionria em Turim e atuaram na manifestao operria de 9 de junho de 1914, durante a Semana Vermelha.

    Ainda em 1914, durante sua militncia no crculo socialista de Turim, Gramsci teve, aos 23 anos, seu primeiro artigo poltico publicado no jornal Il Grido del Popolo, no qual trouxe uma resposta a um escrito de Benito Mussolini.

    Na Itlia, ocorreu A semana vermelha de Ancona com greve geral nos grandes centros. Mussolini foi, na poca, excludo do Partido Socialista Italiano. Internacionalmente ocorreu o atentado de Saravejo e o incio da Primeira Guerra Mundial.

    Em 1915, Antonio Gramsci aprofundou seus estudos sobre Marx e acompanhou os acontecimentos em Turim, porm sem fazer parte deles. Nesse mesmo ano, aps muitas dificuldades de sade responsveis pela perda da sua bolsa de estudos e financeira, desde

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    anos anteriores, Gramsci, deprimido e derrotado, deixou a Universidade definitivamente sem ter conseguido concluir o ensino superior. (MAESTRI; CANDREVA, 2007).

    Em 1916, passou a publicar regularmente artigos no Il Grido del popolo e a escrever crnicas teatrais no Avanti!. No ano seguinte, escreveu integralmente o nico nmero de La citt futura, seu primeiro ensaio de crtica marxista.

    Segundo Grisoni e Maggiori (1973), nesse ano de 1917, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado dos aliados e aconteceu a Revoluo de Outubro com o poder aos sovietes. Na Itlia, a militncia passou a fazer mais uso da clandestinidade.

    Em 1918, Gramsci fez as primeiras tradues de textos revolucionrios e comeou a divulgar o pensamento de Lnin. Em outubro, com uma despedida sua, o jornal Il Grido del popolo passou a no ser mais publicado e Gramsci passou a participar da edio piemontesa do Avanti!.

    No ano seguinte, ele e seus amigos - Tasca, Umberto Terracini e Togliatti - decidiram fundar uma revista: intitulada LOrdine Nuovo. Os fascistas atacaram uma manifestao de greve e saquearam a sede do peridico Avanti!. Tambm aconteceram greves solidrias aos sovietes russos e hngaros, na Itlia. (GERRATANA, 2007).

    Em 1920, Antonio Gramsci se tornou lder do movimento dos Conselhos de Fbrica e, em agosto do mesmo ano, constituiu um grupo de educao comunista.

    Gramsci passou a ter discordncias dentro do prprio partido socialista. Ops-se a Serrati e Bordiga e Lnin, na ocasio do II Congresso da III Internacional, em Moscou; e se posicionou pelo grupo do LOrdine Nuovo contra Serrati e Bordiga.

    No ano seguinte, Gramsci entrou para o comit Central do Partido Comunista Italiano e escreveu vrios artigos denunciando o fascismo que comeava a ganhar espao.

    Em 1922, partiu para Moscou como delegado do 4 Congresso da Internacional Comunista, l seus problemas de sade se agravaram e durante o perodo de 6 meses de internao conheceu Julia Schucht, que mais tarde tornou-se sua esposa. Em Moscou, atravs do Congresso dos sovietes foi criada a URSS. Na Itlia a situao comeou a piorar e os principais dirigentes do Partido Comunista foram presos. Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo crculo de Veneza, adquirindo imunidade parlamentar. Nesse mesmo ano Lnin morreu. No ano seguinte, Gramsci enfrentou diretamente Mussolini em sua nica interveno na Cmara dos deputados.

    Em 1926, Gramsci escreveu as teses do 3 Congresso do Partido Comunista da Itlia, ocorrido, por razes de segurana, em Lyon na Frana. Nasceu o seu segundo filho e Julia

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    voltou para Rssia, devido situao cada vez mais difcil de permanncia na Itlia. Gramsci comeou a escrever sobre A questo meridional2.

    Nesse mesmo ano, no dia 5 de novembro, o Conselho de Ministros presidido por Mussolini deliberou a supresso de todos os partidos polticos e jornais antifascistas, instituindo o projeto de lei para a defesa do Estado, a pena de morte, o Tribunal Especial e a pena de confinamento.

    No dia 8 de novembro as 22h30 Gramsci foi preso, mesmo tendo imunidade parlamentar. Pouco tempo depois, operrios, intelectuais e lderes de classe, receberam o mesmo destino. (FIORI, 2008; GERRATANA, 2007; GRISONI; MAGGIORI, 1973; MAESTRI; CANDREVA, 2007).

    Essa data marcou para sempre o martrio vivido em meio aos diversos crceres que passou durante todo o perodo de recluso.

    Somente aps transcorridos dois anos e dois meses de sua priso, em 8 de fevereiro de 1929, no crcere de Turim, inicia a escrita dos Cadernos, aps ter conseguido autorizao para estudar e escrever, passando a receber cadernos escolares timbrados pelo presdio. Podia dispor na cela de no mximo trs cadernos de cada vez. (COUTINHO, 2006).

    Dos 33 Cadernos que produz, 29 so destinados a produo prpria seja de notas sobre diferentes assuntos e extenses, compondo assim os intitulados cadernos de miscelneas, seja nos cadernos especiais que abordavam um nico tema curado com maior afinco e, por vezes, retomando notas esparsas escritas nos cadernos de miscelneas. Essas notas reescritas nos cadernos especiais, s vezes divergiam muito das iniciais ou, em alguns casos, eram apenas transcritas nos cadernos especiais de destino de cada assunto. (GERRATANA, 2007).

    Entre 1926 e 1937, Gramsci permaneceu preso e nos ltimos quatro anos teve srios problemas de sade, que foram se agravando e o deixando em uma imensa debilidade fsica. A esse respeito, afirmam Maestri e Candreva (2007, p.272): Em 26 de agosto de 1935, um exame mdico constatou as condies fsicas desesperadoras de Gramsci: mal de Pott; tuberculose; hipertenso; crise de gota; crise cardaca. Gramsci passou por vrias clnicas e internaes nesse perodo. (FIORI, 2008; GERRATANA, 2007; MAESTRI; CANDREVA, 2007). Poucos dias aps ter recebido liberdade, no dia 27 de abril de 1937, aos 46 anos, as 4h10, veio a falecer em Roma. (FIORI, 2008).

    2 Todos os comentaristas de Gramsci consultados para a realizao desse trabalho destacam que a obra A

    questo meridional no foi finalizada por conta da priso de Gramsci, porm Giuseppe Vacca, presidente da Fundao Instituto Gramsci em Roma, na ocasio da palestra Os intelectuais e a educao no pensamento de Antonio Gramsci, ministrada em 20 de maro de 2009 na Faculdade de Educao da Unicamp- SP, afirmou que essa obra foi sim concluda por Gramsci e que a divulgao da sua incompletude deveu-se a interesses partidrios.

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    Alm da biografia de Gramsci, importante ressaltar alguns aspectos acerca da elaborao e posterior publicao da produo do autor.

    Uma das primeiras confuses que se estabelece quando se inicia um estudo sobre Gramsci pressupor que ele escreveu livros. Isso porque, em geral, as primeiras obras que nos cai nas mos sobre ele so obras editadas como livros e sobre assuntos especficos, como, por exemplo, Os intelectuais e a organizao da cultura. Dessa forma, em uma primeira pesquisa, frequente pensar que ele escreveu livros, com diferentes temas e, alm deles, os cadernos do crcere.

    Esse errneo entendimento inicial deve-se tambm ao fato de a primeira edio da obra produzida no crcere no ter sido feita na ntegra, e sim em vrios livros, segregados por temas, diferentemente do modo como Gramsci organizava seus textos quando escrevia na priso. Ele no os separava necessariamente por assunto.

    Aps sua morte, foi a cunhada Tatiana Schucht que teve o primeiro contato com os Cadernos e os numerou com numerais romanos para uma primeira organizao, enquanto verificou o que era necessrio fazer para garantir a publicao dessa herana de Gramsci. Os Cadernos, posteriormente, chegam s mos de Togliatti que organizou a primeira edio temtica. (GERRATANA, 2007; COUTINHO, 2006).

    A primeira publicao italiana foi coordenada por Palmiro Togliatti e data de 1948 a 1951, respectivamente, a primeira obra publicada O materialismo histrico e a filosofia de Benedetto Croce3, e, no ano seguinte, Os intelectuais e a organizao da cultura, Notas sobre Maquiavel, a poltica e o estado moderno e O Risorgimento. A obra Literatura e vida nacional foi publicada em 1950 e, em 1951, Passado e presente.

    Por julgar que seria mais conveniente e facilmente disseminado, Togliatti organizou o material produzido na priso a partir de temas, excluindo da edio algumas questes que julgava no serem adequadas ao partido bem como as tradues que Gramsci tambm realizou no perodo do crcere.

    Apesar das crticas dirigidas maneira como essa edio foi desenvolvida e do entendimento de que carecia uma edio mais fidedigna a maneira como ocorreu, no apenas em respeito herana de Gramsci, mas relevncia dela para estudos e pesquisas, no se

    3 No Brasil essa obra foi traduzida com o ttulo A concepo dialtica da histria, deciso tomada por nio

    Silveira, por receio a represso da ditadura militar, cf. COUTINHO, C.N. Introduo de Carlos Nelson Coutinho. In: GRAMSCI, A. Cadernos do crcere. Traduo e edio de Carlos Nelson Coutinho e coedio de Marco Aurlio Nogueira. 4 edio, vol.1. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006.

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    pode negar que se deve a essa edio a disseminao sobre Gramsci e sua obra, tanto na Itlia como em outros pases. (GERRATANA, 2007).

    Na verdade, no se deve simplesmente a publicao segregada por assuntos da produo realizada no crcere a crena primria de que Gramsci produziu livros, pois no prefcio da referida edio temtica existe um esclarecimento sobre a maneira como ela foi organizada. Entretanto, o mesmo no ocorre em todas as tradues, como o caso das primeiras tradues para o portugus, organizadas por nio Silveira4. Apesar dos prefcios terem sido traduzidos, no foram utilizados e, portanto, no aparece na publicao o esclarecimento de que aqueles escritos haviam sido retirados dos Cadernos do crcere e organizados em edies separadas por temas. (COUTINHO, 2006).

    Em 1975, organizado por Valentino Gerratana, ocorre o lanamento da edio crtica italiana dos Quaderni del carcere, pela editora Einaudi, ordenados cronologicamente, na medida do possvel, vista a dificuldade dada pelas condies de produo original daqueles Cadernos por Gramsci no crcere5.

    De todo material produzido na priso, ou seja, os 33 Cadernos, foram editados 29, pois os 4 destinados a exerccios de traduo no foram includos na edio crtica, por julgarem no trazer nenhuma contribuio terica (o que j foi contestado pelo fillogo Gianni Francioni, que pleiteia a organizao de uma nova edio dos Cadernos tambm com a edio dos de traduo, alm de um maior destaque no apontamento dos cadernos especiais e cadernos de miscelneas, visando facilitar a compreenso do processo de gnese dessa produo). (COUTINHO, 2006).

    Antonio Gramsci abordou muitos aspectos em seus estudos, tendo escrito sobre diversos assuntos, desenvolvendo uma leitura particular sobre eles e/ou criando novos conceitos. Vale ressaltar que como um militante poltico que Gramsci dedicar todos os seus esforos e feitos na vida, no como um terico.

    Ao longo de sua trajetria, escreveu sobre: Teoria do Estado Ampliado, Sociedade civil e sociedade poltica, Oriente x Ocidente, Partidos polticos e ideolgicos, Hegemonia, Transformismo, Bloco histrico capitalista burgus, O materialismo

    4 Sobre a histria das edies brasileiras, c.f. COUTINHO, C.N. Introduo de Carlos Nelson Coutinho. In:

    GRAMSCI, A. Cadernos do crcere. Traduo e edio de Carlos Nelson Coutinho e coedio de Marco Aurlio Nogueira. 4 edio, vol.1. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006.

    5 Sobre a publicao italiana da edio crtica dos cadernos, cf. Valentino Gerratana, Sulla preparazione di

    unedizione critica dei Quaderni del carcere. In: FERRI, F. Gramsci e la cultura contemporanea, Roma, Editori Riuniti, vol.2, 1969.

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    histrico e a filosofia de Benedetto Croce, Os intelectuais e a organizao da cultura, O Ressurgimento, Notas sobre Maquiavel, a poltica e o Estado Moderno, Literatura e vida nacional, Passado e presente, Socialismo e fascismo, A construo do partido comunista, Alguns temas sobre a questo meridional, Ensino profissionalizante, Universidade popular, dentre outras questes.

    Gramsci no escreveu sobre todos esses temas de maneira ordenada, dispondo sequencialmente todas as questes referentes a cada assunto. Pelo contrrio: s vezes, seus escritos retomavam elementos de uma problemtica em outro caderno. Muitas vezes Gramsci escrevia com frequncia pontos novos sobre algo que j tinha sido inicialmente exposto em outro lugar. Em virtude disso, sobre os textos produzidos no crcere, Valentino Gerratana distingue trs tipos, indicados no volume 4 (o aparato crtico) dos Quaderni.

    Os de tipo A so as primeiras notas que sero retomadas na constituio dos textos de tipo C e os textos de tipo B so os de escrita nica. A esse respeito, Gerratana esclarece:

    Na passagem dos textos A para os textos C, Gramsci no segue um critrio uniforme. Em alguns casos diversos textos A so retomados em um nico texto C, em outros casos, ao contrrio, um nico texto A subdividido em diversos textos C; outras vezes ainda h perfeita correspondncia entre as notas da primeira elaborao e aquelas de segunda elaborao. (GERRATANA, 2007, p. XXXVII).

    Toda produo carcerria gramsciana foi realizada com as limitaes que a prpria condio de sujeito privado de sua liberdade lhe trazia, desde aspectos mais tcnicos como possibilidade de um maior arsenal de consultas e utilizao de citaes bibliogrficas, como organizao e uso de termos e palavras sem qualquer restrio ao seu sentido latente. importante tambm frisar que Gramsci no produziu seus 33 Cadernos com a inteno de public-los. Alm disso, como enfatiza Valentino Gerratana, no prefcio do volume 1 da edio crtica dos Quaderni del carcere:

    [...] o material do qual Gramsci se serve na elaborao dos Quaderni no somente aquele trazido dos livros, revistas e jornais que consegue ler no crcere, mas aquele que retirado da sua memria nas leituras, nos estudos e nas experincias de todo o perodo precedente. Tudo aquilo que Gramsci foi, atravs dos modos da sua formao e do seu desenvolvimento, revive nos Quaderni, e , nesse reviver, justificado, aprofundado e desenvolvido. (GERRATANA, 2007, p. XXIII).

    Sobre a recepo das ideias de Gramsci no Brasil, como nos elucida o autor Lincoln Secco (2002), as primeiras referncias sobre Gramsci chegaram nos anos 20 e 30 de exilados trotskistas, italianos e antifascistas e no do Partido Comunista do Brasil, devido ao fato deste

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    estar enquadrado pelo movimento comunista internacional ligado Unio Sovitica, que impedia alianas amplas.

    Secco (2002) observa que o primeiro artigo no Brasil sobre Gramsci data de 1933, possivelmente de G. Rosini e trata da sua situao no crcere alm de ter reproduzido tambm o diagnstico mdico do Dr.Umberto Arcangeli sobre a sade de Gramsci, que passou a ser amplamente divulgado em toda a Europa.

    Em 1935, em uma palestra ministrada no interior de So Paulo, o catedrtico Alberto da Rocha Barros da Faculdade de Direito da USP teria feito referncia a Gramsci e, no mesmo ano, uma nota divulgou que ele estaria enfim livre dos crceres de Mussolini. Porm a nota no mencionava que, na realidade, ele tinha sido transferido para uma clnica devido ao seu estado precrio de sade, que j se arrastava h anos. Ocorreram muitas referncias a ele no apenas na Itlia, mas internacionalmente, o que j revelava certa apropriao da sua figura, embora no ainda de sua obra escrita no crcere.

    Em 1950, a revista Fundamentos trouxe um artigo chamado Antonio Gramsci, de Umberto Terracini, o qual tratava de exaltar o trabalho e a vida do autor, assim como o contexto social-poltico em que esteve inserido. Nessa obra Gramsci ainda aparecia como um membro do partido comunista italiano, mas j eram apresentados alguns elementos de seu pensamento que poderiam suscitar estudos e pesquisas pelos interessados por seus feitos.

    Ainda de acordo com Secco (2002), nos anos 60, o marxismo comeou a penetrar mais intensamente no mundo acadmico, inclusive no Brasil. Em 1961, Antonio Candido em um debate, na ocasio do II Congresso de Crtica e Histria Literria, citou Gramsci como exemplo quando discorria sobre leitura poltica de obra literria.

    Michel Lwy publicou em 1962 um artigo, que seria a primeira discusso poltica do pensamento de Antonio Gramsci, embora, outros autores j o tivessem citado, como Carlos Nelson Coutinho.

    Entretanto, essa obra enfatiza a teoria do partido poltico e a questo dos conselhos de Fbrica, no se atendo a outras formulaes as quais Gramsci se dedicou na priso.

    Antes de 1975, os poucos artigos e ensaios publicados sobre o Gramsci, alm de um nmero ainda menor de resenhas sobre seus livros editados e notas sadas em jornais e revistas, restringiam-se, em sua maioria, exaltao de sua figura e vida, no tratavam propriamente do seu pensamento e trabalho intelectual.

    Aps esse perodo ocorreu um expressivo aumento nas produes sobre Gramsci no Brasil, desde coletneas, artigos, livros, excertos e textos diversos e a explicao deve-se, de

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    maneira geral, aos fatores determinantes da realidade do nosso pas, que propiciaram o cenrio intelectual e poltico para a chegada e apropriao das ideias gramscianas.

    Desde ento, muitas publicaes acadmicas na rea de educao citaram Gramsci. Suas teorias trouxeram contribuies inestimveis para discusses e anlises de conjuntura nas reas educacionais, sociais e polticas, tanto que nesta ltima dcada, cerca de um tero das dissertaes ou teses da rea acadmica-educacional cita o nome de Antonio Gramsci (NOSELLA, 2004, p.31).

    Entretanto, o estudo sistematizado e aprofundado do pensamento e das produes de Antonio Gramsci ainda apresenta muitas lacunas, o que inevitavelmente compromete a compreenso de modo mais abrangente e consistente das ideias e formulaes desse autor. Esse trabalho, portanto, justifica-se, no por ter a pretenso de encerrar essas lacunas, mas por almejar ser uma contribuio nesse sentido.

    A presente dissertao de mestrado tem por objetivo identificar o discurso gramsciano sobre educao e sua atualidade terica. Para tanto, analisar a obra do autor, procurando estabelecer sua interlocuo com a bibliografia posteriormente produzida acerca dos estudos de Gramsci.

    A realizao desse trabalho foi direcionada pelas seguintes indagaes:

    Quais so os principais conceitos gramscianos utilizados pelo autor para mobilizar sua reflexo pedaggica? E quais seus significados?

    Quais questes tericas acerca das prticas educacionais so trazidas pela obra de Gramsci?

    Qual o ideal de formao de homem e educador expresso nas obras de Gramsci? Apesar de no ser propriamente um terico da educao, Antonio Gramsci, em suas

    produes - principalmente as realizadas durante o crcere - contribuiu de modo original e relevante para os estudos de educao. Seu foco de preocupao sempre foi poltico, justamente por criticar a ordem estabelecida, em particular, a situao histrica da Itlia no perodo em que viveu. Ele ansiava por instrumentos capazes de alterar a estrutura da sociedade e o tema da educao ocupa um lugar destacado em sua reflexo sobre a transformao social.

    A partir das questes elencadas acima, se configura como mtodo de viabilizao dessa pesquisa a leitura analtica da bibliografia selecionada. o prprio Gramsci que, ao escrever sobre a questo de mtodo no Quaderno 16, nos fornece os apontamentos e os cuidados necessrios para a realizao desse trabalho:

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    [...] ocorre fazer preliminarmente um trabalho filolgico minucioso e conduzido com o mximo de escrpulo e exatido, de honestidade cientfica, de lealdade intelectual, pela ausncia de cada preconceito e apriorismo [...]. necessrio, primeiro de tudo, reconstruir o processo de desenvolvimento intelectual do pensador dado para identificar os elementos que se tornam estveis e permanentes [...]. (GRAMSCI, 2007, p.1840-1841).

    preciso atentar, ao tratamento que ser dado a obra, evitando interpretaes precipitadas sem o devido respaldo das circunstncias histricas do contexto da poca do autor.

    Dada essas premissas, o trabalho deve seguir essa linha: 1)a reconstruo da biografia no apenas pelo fato de que resguarda a atividade prtica, mas especialmente pela atividade intelectual; 2) o registro de todas as obras, tambm as mais irrelevantes, em ordem cronolgica, dividida segundo motivos intrnsecos: de formao intelectual, da maturidade, de posse e aplicao do novo modo de pensar e de conceber a vida e o mundo. A pesquisa do leit-motiv, do ritmo do pensamento em desenvolvimento, deve ser mais importante do que as singulares afirmaes casuais e dos aforismos separados. (GRAMSCI, 2007, p. 1841-1842).

    Evidentemente, esse trabalho no abranger todos os escritos de Gramsci. Optamos por focar a ateno na obra carcerria. Utilizarei a edio crtica dos Quaderni del carcere, organizados por Valentino Gerratana, alguns artigos do perodo anterior a priso fascista, alm de cartas escritas a familiares e amigos, editadas na obra Lettere del carcere. A respeito desse material, Gramsci faz ainda o seguinte alerta:

    Tambm o estudo do epistolrio deve ser feito com certas cautelas: uma afirmao incisiva feita em uma carta no seria talvez repetida em um livro. A vivacidade estilstica das cartas, se com frequncia artisticamente mais eficaz de estilo mais moderado e ponderado do que um livro, s vezes, leva a deficincias de argumentao; nas cartas, como nos discursos, como nas conversas se verificam mais erros lgicos; a maior rapidez do pensamento frequentemente um prejuzo de sua solidez. (GRAMSCI, 2007, p. 1843).

    Alm da sua prpria obra, utilizarei algumas de comentaristas, sem, contudo, prioriz-las, afinal como expressa o prprio Gramsci: S em segunda linha, no estudo de um pensamento originrio e inovador, advm a contribuio de outras pessoas a sua documentao. (2007, p.1843).

    De acordo com os apontamentos metodolgicos expostos, o presente trabalho apresenta-se disposto em 4 captulos.

    No primeiro captulo tratarei das principais formulaes e conceitos polticos desenvolvidos por Gramsci, estabelecendo relaes com a sua perspectiva educativa.

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    No segundo captulo abordarei especificamente a formulao gramsciana sobre intelectual, abrangendo as diferentes categorias que ele incute ao termo, alguns aspectos da histria da constituio dos intelectuais e a especificidade desse conceito na acepo de Gramsci. Alm disso, tratarei da relao do papel dos intelectuais com a filosofia e a dimenso pedaggica expressa na atuao dos mesmos.

    No terceiro captulo exporei as aes formativas - ao longo do perodo da militncia de Gramsci - que contriburam para o desenvolvimento do seu conceito de cultura. Discorrerei sobre o mrito da cultura no processo de formao do sujeito, esmiuando a sua relao com o poder, com o conceito de partido e, consequentemente, com a proposta de reforma intelectual e moral gramsciana para a construo da hegemonia.

    Por fim, o quarto captulo versar sobre a educao e sobre a proposta de organizao escolar de Gramsci, elucidando o princpio educativo e seu ideal de formao, em consonncia com a concepo de homem e de mundo gramsciana. Assim sendo, tratarei tambm de alguns aspectos da histria da organizao escolar italiana, objetivando circundar, mediante contextualizao, as razes da crtica de Gramsci escola de sua poca. Tecerei consideraes a respeito da proposta de escola nica do autor, em comparao com o projeto da Revoluo Francesa. Abordarei tambm a polmica que circunda o conceito de politecnia entre os estudiosos de Gramsci, alm de dissertar sobre as experincias escolares, a formao e aes prticas empreendidas pelo autor no campo educativo, que foram de grande valor no desenvolvimento de sua perspectiva pedaggica.

    Dessa maneira, esperamos trazer esclarecimentos e reflexes significativas para a

    compreenso da perspectiva pedaggica gramsciana que - cunhada como um projeto revolucionrio de mudana social para os problemas da poca de seu formulador - ainda mostra a sua atualidade, constituindo uma contribuio ao desafio de se pensar um projeto educativo capaz de solucionar os problemas dos homens e atender as necessidades do mundo contemporneo.

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    1 CONCEITOS POLTICOS E SUA CORRELAO COM O LUGAR DA EDUCAO EM GRAMSCI

    Abordar o que significa educao para Gramsci e seu significado na construo de seu projeto de sociedade no uma tarefa simples, que possa ser reduzida explanao daquilo que, nos textos gramscianos, toca diretamente nessa questo. necessria uma imbricao de formulaes e conceitos mobilizados no conjunto de sua obra.

    Os escritos carcerrios de Gramsci apresentam um carter fragmentrio em disposio e organizao grfica. Todavia, se isso ocorre com a forma, o mesmo no se d com o contedo. notvel uma real coerncia entre as formulaes e conceitos explorados por Gramsci em sua obra, embora ele no tenha usufrudo de tempo hbil para faz-la com a devida concluso que talvez dispensasse.

    Faz-se necessrio examinar, cuidadosamente, no apenas os trechos explcitos sobre intelectuais, educao e cultura, de sua obra, como tambm os conceitos e elucidaes que formula sobre Estado, sociedade civil, sociedade poltica, estrutura, superestrutura, bloco histrico, partido, hegemonia, filosofia e ideologia; enfim, o encadeamento que o plano poltico estabelece com o seu plano de ao, para a construo de uma outra sociedade e, consequentemente, seu ideal de formao.

    No podemos relegar o contexto em que Gramsci estava envolvido com todas as transformaes e problemticas poltico-sociais que ocorriam no mundo e que marcavam definitivamente no s uma poca, mas o que estava por vir. Pelo contrrio, possvel constatar que toda elaborao intelectual e esforos prticos da vida de Gramsci foram frutos do redemoinho que a cena poltica vivia naquele momento. E ele no foi um mero espectador, foi um sujeito ativo e participante de seu tempo, que no deixou de debruar-se sobre os problemas sociais e polticos, nem mesmo no tempo do crcere, no qual esteve por 11 anos de confinamento a nfimas condies fsicas e estruturais.

    com a inteno de deixar sua marca, que Gramsci inicia seu trabalho intelectual no crcere, diferente da circunstncia, que ele mesmo apontava, dos artigos elaborados em vida, pretendia que seus escritos atravessassem poca e acarretassem algo aos homens. E se no atingiu todos os propsitos que tinha na produo, certamente, por falta de condies e tempo, alcanou, de algum modo, essa perenidade.

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    difcil circundar o campo ao qual a contribuio de Gramsci se destina. No se pode dizer que foi s poltico, embora tenha sido principalmente, pois seus feitos tocam e contribuem em outros campos, dentre eles, com grande destaque, o educativo.

    E no sem razo, pois o trato com a educao est intimamente ligado com o peso que a poltica apresentava e ainda figura na vida em sociedade, estava relacionado ao seu anseio maior de explicar e, mais do que isso, suscitar caminhos para a construo popular de outro plano poltico e social, no mais pautado na diviso de classes.

    Portanto, tendo em vista a impossibilidade de desagregao da educao das pontuaes polticas, para tratar da questo educativa em Gramsci, apresentarei os pontos circundantes principais que influem nesse processo, explicitando a relao existente com a educao.

    1.1 NOES E CONCEITOS CRUCIAIS NO PENSAMENTO GRAMSCIANO SOBRE EDUCAO

    A grande problemtica norteadora de toda a obra carcerria de Antonio Gramsci desenvolve-se, no plano imediato, em torno das seguintes questes: a incapacidade do sistema russo de elaborao de uma hegemonia; histria da Itlia moderna, a falncia do movimento operrio, o crescimento fascista. no anseio de responder essas perguntas que ele empenhar todos os seus esforos tanto fsicos quanto intelectuais, objetivando no apenas elencar os erros, mas suscitar alternativas, estratgias e aes necessrias para uma real mudana de poder. (PORTELLI, 2002; GRUPPI, 2000).

    Em seus escritos, algumas formulaes assumem posio de destaque para a compreenso de seu pensamento e produo. Essas noes e conceitos merecem maior ateno, no apenas na leitura de sua obra, como tambm na explanao e estudo de seus feitos. No que se refere questo educativa, destacamos os seguintes elementos: princpio educativo, concepo de homem, organizao da escola, partido, Estado, coero, consenso, conformismo, intelectuais, escola unitria, hegemonia, cultura,

    estrutura, superestrutura, sociedade civil, ideologia, sociedade poltica, bloco histrico, transformismo, ditadura, dominao, filosofia e ideologia.

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    Essas noes e conceitos sero trabalhados no presente captulo e nos captulos seguintes - de maneira a possibilitar uma maior elucidao sobre a dimenso educativa em Gramsci.

    Para isso, torna-se necessrio, referenciar a relao que Gramsci estabelece com a poltica, como ele concebe as variveis influentes, qual a sua viso de sociedade e como isso est engendrado com a educao.

    1.2 HEGEMONIA: ALICERCE DA CONQUISTA DO PODER POPULAR

    Uma contribuio crucial da obra gramsciana, no apenas para a compreenso dos preceitos educacionais, sobretudo como um dos pontos centrais da sua produo, para muitos o dado maior de seu legado, o conceito de hegemonia.

    Gramsci comeou a trabalhar sob essa noo muito antes de sua chegada ao crcere, no perodo em que escrevia artigos para peridicos, j trazia a tona indcios da reflexo que fazia e continuou a sistematizar durante o confinamento. (SCHLESENER, 2002; PORTELLI, 2002; MANACORDA, 1990).

    Segundo Ferreira:

    O fim da atividade humana, assim, manter ou impor uma unidade do pensamento e da vida uma concepo de mundo. A ao que se dirige a este fim, denomino-a ao hegemnica, e por hegemonia entendo a supremacia de uma concepo de mundo sobre a outra, ou, traduzindo na linguagem da apreciao do comportamento cotidiano, a supremacia de uma conduta sobre outra. (FERREIRA, 1986, p.9-10).

    Para Gramsci hegemonia muito mais do que a dominao de uma classe social sobre a outra, o resultado articulatrio entre fora e consenso. a dirigncia de uma classe, pautada na primazia do consenso e no na coero, pela difuso de valores que a maioria aceita como consensuais, a traduo dessa aliana orgnica, por isso formada a priori chegada ao poder.

    De acordo com Macciocchi:

    Esse sistema ideolgico envolve o cidado por todos os lados, integra-o desde a infncia no universo escolar e mais tarde no da igreja, do exrcito, da justia, da cultura, das diverses, e inclusive do sindicato, e assim at a morte, sem a menor trgua; essa priso de mil janelas simboliza o reino de uma hegemonia, cuja fora

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    reside menos na coero que no fato de que suas grades so tanto mais eficazes, quando menos visveis se tornam (MACCIOCCHI, 1976, p.151).

    O grupo detentor da hegemonia tem como majoritria a sua ideologia na sociedade. Assim sendo, no detm apenas o poder; mas tambm os aparatos ideolgicos que influem em todos os aspectos da vida dos indivduos. O poder a consequncia dessa supremacia ideolgica.

    De acordo com Emlio Lucio-Villegas:

    De forma muito resumida, podemos dizer que a hegemonia uma forma de guia intelectual, poltica, cultural e moral de uma sociedade num determinado momento histrico. A distino que Gramsci estabelece entre direo de classe e domnio de classe substantiva e permite explicar como a hegemonia no um fenmeno homogneo. Vai-se construindo antes da conquista do poder; e, sobretudo, o aspecto que mais nos interessa, que pode ser hegemnico nuns espaos e no noutros. (LUCIO-VILLEGAS, 2007, p.47).

    No Quaderno 136 Gramsci afirma:

    O exerccio normal da hegemonia no terreno tornado clssico do regime parlamentar caracterizado pela combinao da fora e do consenso que se equilibram diferentemente, sem que a fora sobrepuje muito o consenso, antes procurando-se conseguir que a fora aparea apoiada no consenso da maioria, expresso nos assim chamados rgos da opinio pblica jornais e associaes -, os quais, por isso, em certas situaes, se multiplicam artificialmente. (GRAMSCI, 2007, p.1638. 7)

    Nesse trecho, evidencia-se claramente o conceito gramsciano de hegemonia, como uma combinao de fora mais a construo e obteno do consenso. J aqui, salienta-se que essa relao no paritria, embora denote que a fora no sobreleva o consenso. Em outras passagens, a preeminncia do consenso sobre a fora torna-se mais explcita, como verificamos nos seguintes trechos do Quaderno 1 e Quaderno 19 respectivamente:

    O critrio histrico-poltico sobre o qual necessrio fundar as prprias pesquisas este: que uma classe dominante em dois modos, isto , dirigente e dominante. dirigente das classes aliadas e dominante das classes adversrias.

    6 Essa citao de texto tipo C, a primeira verso encontra-se presente no Quaderno 1 com pequenas variaes:

    O exerccio normal da hegemonia no terreno tornado clssico do regime parlamentar, caracterizado pela combinao da fora e do consenso que se equilibram, sem que a fora sobrepuje muito o consenso, antes aparea apoiada pelo consenso da maioria expresso nos assim chamados rgos da opinio pblica (os quais, por isso, em certas situaes, multiplicam-se artificialmente. (2007, p. 59).

    7 Utilizarei como referncia a obra original Quaderni del carcere, 4 volumes, da Edio crtica do Instituto

    Gramsci, de Valentino Gerratana, editado pela Einaudi, publicada primeiramente em 1975. Nesse trabalho usarei a 3 edio, de 2007. Todas as tradues de textos originalmente escritos em italiano so minhas.

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    Por isso uma classe j antes de ir ao poder pode ser dirigente (e deve s-lo): quando est no poder torna-se dominante, mas continua a ser ainda dirigente. [...] A direo poltica torna-se um aspecto do domnio, enquanto a absoro das elites das classes inimigas leva decapitao delas e sua impotncia. Pode e deve haver uma hegemonia poltica ainda antes da ida ao Governo, e no necessrio contar somente com o poder e a fora material, que ele d para exercitar a direo ou hegemonia poltica. (GRAMSCI, 2007, p.41).

    No Quaderno 19, Gramsci reescreve esse ponto com algumas modificaes que valem a ressalva:

    O critrio metodolgico sobre o qual ocorre fundar o prprio exame este: que a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como domnio e como direo intelectual e moral. Um grupo social dominante dos grupos adversrios que tende a liquidar ou a submeter tambm com a fora armada e dirigente dos grupos afins e aliados. Um grupo social pode e com maior razo deve ser dirigente j antes de conquistar o poder governativo ( esta uma das condies principais para a prpria conquista do poder); depois, quando exercita o poder e ainda que o tenha fortemente em mos, torna-se dominante, mas deve continuar a ser ainda dirigente. [...] Neste sentido, a direo poltica torna-se um aspecto da funo de domnio, enquanto que a absoro das elites dos grupos inimigos leva sua decapitao e ao seu aniquilamento por um perodo amide muito longo. [...] Da poltica dos moderados aparece claro, que pode e deve haver, uma atividade hegemnica ainda antes da ida ao poder, e que no necessrio contar somente com a fora material, que o poder d para exercitar uma direo eficaz [...] (GRAMSCI, 2007, p.2010-2011).

    No apenas a preeminncia, mas a preexistncia do consenso ressaltada nessas passagens. Na acepo gramsciana construir a hegemonia seria o principal pr-requisito para

    o alcance e permanncia no poder. No era preciso estar no poder para iniciar um trabalho de disseminao de uma ideologia, uma concepo de mundo, pelo contrrio, o processo deveria ser inverso.

    Gramsci finaliza essa ltima passagem referindo-se ao Risorgimento italiano, que ocorreu devido a fora hegemnica dos moderados, sem Terror, tendo sido uma revoluo sem revoluo (GRAMSCI, 2007, p.2011) - uma revoluo, portanto, passiva. Para compreender melhor essa relao transcrevo o seguinte trecho presente no Quaderno 1 e reescrito no Quaderno 19:

    Os moderados eram intelectuais j naturalmente condensados j naturalmente pela organicidade de suas relaes com os grupos sociais dos quais eram a expresso (para toda uma srie deles, realiza-se a identidade entre representado e representante, isto , os moderados eram uma vanguarda real, orgnica das classes altas, porque eles prprios pertenciam economicamente s classes altas: eram intelectuais e organizadores polticos e ao mesmo tempo chefe de negcios, grandes agricultores ou administradores de fazendas, empreendedores comerciais e industriais etc). Dada esta condensao ou concentrao orgnica, os moderados exerciam poderosa atrao, de modo espontneo, sobre toda a massa de intelectuais de qualquer grau existentes na pennsula em estado difuso, molecular, pela necessidade, ainda

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    que fosse elementarmente, satisfeita da instruo e da administrao. (GRAMSCI, 2007, p.2012).

    Dessa passagem conclui-se que o prestgio dos moderados no decorria exclusivamente, do reconhecimento da intelectualidade que eles dispunham, mas tambm da posio poltica e econmica que apresentavam. Ou seja, a valorao que recebiam e a atrao que exerciam sobre os demais eram resultados do prestgio que estes trs fatores associados causavam- intelectualidade, posio poltica e econmica.

    Segundo Ferreira (1986, p.28): a noo da posio poltica abrange a um tempo os fatores estruturais (a propriedade e a riqueza) e os institucionais (a autoridade e o prestgio). Por isso, destaca que:

    [...] o af incessante e perptuo dos indivduos e grupos sociais passar sempre de uma posio poltica baixa para uma alta, forma social objetiva de expressar a autonomia das condutas individuais e dos valores coletivos que as lastreiam. (FERREIRA, 1986, p.30).

    Toda sociedade formada por diferentes grupos que apresentam uma vontade comum enquanto grupo e particular em relao a sociedade. Por isso, circulam na esfera social diferentes maneiras de ver o mundo. Os grupos tm as suas representaes coletivas, que traduzem valores e modelos. Essas distintas ideologias e concepes que lutam por espao, buscam a disseminao ou imposio - em outros grupos.

    Nesse sentido, a moo propulsora da construo hegemnica, de modo geral, parte tambm desse impulso a independncia, a autonomia. Nas palavras de Gramsci:

    A compreenso crtica de si prprio advm assim atravs de uma luta de hegemonias polticas, de direes contrastantes, primeiro no campo da tica, depois da poltica, para chegar a uma elaborao superior da prpria concepo do real. (GRAMSCI, 2007, p. 10428).

    Como destaca Lucio-Villegas:

    Alm disso, o conceito de hegemonia, permite-nos explicar hoje as formas de domnio social porque o seu conhecimento constitui-se como um elemento que permite analisar a realidade e compreender quais so os valores dominantes em cada momento e em cada esfera. No entanto, o que chama a ateno que estes valores se instauram mediante o consenso externo que no somente uma forma de violncia simblica. Para Gramsci, este consenso supe a capacidade de transformar os interesses corporativos

    8 Esse trecho corresponde a um texto tipo A, tendo sido reescrito (texto tipo C) no Quaderno 11. (GRAMSCI,

    2007, p.1385).

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    em interesses solidrios que permitam a criao de um bloco histrico que, em cada momento, exerce a sua hegemonia na sociedade. (LUCIO-VILLEGAS, 2007, p.47).

    Essas passagens acima denotam a complexidade involuta na questo da hegemonia, como decorrente de um processo difcil, profundo e exclusivamente humano. Alm disso, alertam para o fato de que pressupor a hegemonia como mera supremacia de uma ordem ou vertente no mbito poltico e governamental, mais do que reduzi-la: deturp-la conceitualmente. Em maior proporo que um encaminhamento poltico, a hegemonia

    pressupe a supremacia de um modo de ser, agir e pensar diante dos outros. Por isso, como bem salienta Gramsci, o conceito de hegemonia marca absolutamente um progresso filosfico e, justamente por no se constituir em meramente poltico-prtico circunscreve o plano estratgico revolucionrio de construo de outro plano social, poltico e econmico em todos os seus graus.

    Gramsci enfatiza que:

    A questo da hegemonia pressupe indubitavelmente, que seja levado em conta os interesses e as tendncias dos grupos sobre os quais ela ser exercida, que se forme um certo equilbrio de compromisso, isto , que o grupo dirigente faa os sacrifcios de ordem econmico-corporativo, mas tambm incontestvel que tais sacrifcios e tais compromissos no possam resguardar o essencial, pois que se a hegemonia tico-poltica, no pode no ser tambm econmica, no pode no ter o seu fundamento na funo decisiva que o grupo dirigente exercita no ncleo decisivo da atividade econmica. (GRAMSCI, 2007, p.1591).

    A hegemonia refere-se tambm esfera econmica porque, se indica uma supremacia de ideias, valores, condutas sobre outras, no poderia deixar de contemplar essa esfera que compe a sociedade, tem papel importante no modo como as relaes so construdas e em como o sistema funciona. No entanto, fundamental esclarecer que isso em absoluto designa o imprio do fator econmico. Gramsci, na passagem seguinte, traz uma considerao significativa a esse respeito:

    A crtica da cincia econmica parte do conceito da historicidade do mercado determinado e do seu automatismo, enquanto os economistas pem esses elementos como eternos, naturais; analisa as relaes de foras que determinam o mercado, avaliam as suas modificaes coligando ao aparecimento dos fatores novos e do seu fortalecer-se e apresenta a prescrio e a mutabilidade da cincia criticada[...]. (GRAMSCI, 2007, p.1018).

    Gramsci acredita que no possvel colocar o fator econmico num patamar de ente supremo e auto-determinador ou naturaliz-lo, porque ele tambm um elemento histrico, portanto, fruto da ao e das relaes humanas.

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    A hegemonia de um grupo sobre outro pautada pela supremacia ideolgica de um sobre o outro e no pelo sobrepujar nico do fator econmico.

    Para Gruppi, na acepo gramsciana:

    A hegemonia capacidade de direo, de conquistar alianas, capacidade de fornecer uma base social ao Estado proletrio. Nesse sentido, pode-se dizer que a hegemonia do proletariado realiza-se na sociedade civil, enquanto a ditadura do proletariado a forma estatal assumida pela hegemonia (GRUPPI, 2000, p.5).

    A hegemonia para Gramsci sem lugar a dvidas, o momento do consenso (COUTINHO, 2007, p.249). Isso nos faz pensar na dificuldade de obteno dessa condio, pois se atingir o poder por meio da coero j no tarefa simples, o que dizer da obteno e manuteno do poder pela supremacia real de uma classe, alicerada no consenso?

    Como destaca Moraes:

    [...] uma classe tanto mais forte, isto , hegemnica (dominante e dirigente) quanto mais seus valores e viso de mundo forem impostos atravs do consenso (sem o uso da coero, da violncia fsica) e aceitos como legtimos pelas classes dominadas. Em outras palavras, quando a ideologia das classes privilegiadas inculcada nas classes dominadas for assimilada por estas classes na ignorncia da violncia desta inculcao [...] (MORAES, 1978, p.84-85).

    Por isso, como Gramsci apresentava, a hegemonia seria fruto de um trabalho de longo prazo, um trabalho de base, ancorado na ao formadora, no restrita aos espaos escolares, mas difundida por meio de todas as esferas sociais, mediada pela ao dos intelectuais.

    Para Gramsci, a hegemonia no um sistema de ideias. , na verdade, o resultado de aes prticas e, por isso, construda lentamente, na disputa poltica. Toda hegemonia sempre uma relao de educao. (GRAMSCI, 2007).

    Nessa perspectiva, o processo de construo da hegemonia se d no presente para assim chegar a mudana de poder, no se pode esperar pela deteno do aparato do governo para se construir a hegemonia, pelo contrrio, o processo justamente inverso, a hegemonia o caminho para a revoluo.

    Segundo Gruppi, o conceito de hegemonia:

    [...] apresentado por Gramsci em toda sua amplitude, isto , como algo que opera no apenas sobre a estrutura econmica e sobre a organizao poltica da sociedade, mas tambm sobre o modo de pensar, sobre as orientaes ideolgicas e inclusive sobre o modo de conhecer. (GRUPPI, 2000, p. 3).

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    A classe oprimida para tornar-se hegemnica precisaria ganhar terreno dentro da sociedade, no sentido de difuso de ideias e valores, de propagao ideolgica, apenas quando se torna classe majoritria se torna possvel assumir o poder, quer dizer, a dirigncia de classe precede a dominao.

    Como salienta Gramsci:

    A realizao de um aparato hegemnico, enquanto cria um novo terreno ideolgico, determina uma reforma das conscincias e dos mtodos de conscincia, um fato de conscincia, um fato filosfico. (GRAMSCI, 2007, p.1250).

    Construir, portanto, uma nova ordem social requer muito mais do que uma nova forma de fazer poltica. Implica nas construes de um novo homem, de uma nova filosofia, de novos modos de se relacionar com os demais homens e seres da natureza e com o produto do trabalho humano. Edificar a hegemonia da classe trabalhadora requer o nascimento de uma nova concepo de mundo, crtica, consciente e coerente. Percepo essa capaz de destituir o sentido do ponto de vista anterior vigente e de fecundar uma nova sociedade.

    1.2.1 REMONTANDO A ORIGEM DO CONCEITO DE HEGEMONIA

    Embora seja uma das suas mais conhecidas marcas, Gramsci aponta Lnin como o verdadeiro pai do conceito de hegemonia.

    Gramsci escreve em seu Quaderno 8 (2007) que Lnin trouxe uma contribuio de extrema valia para o marxismo com o seu conceito de hegemonia. O percurso percorrido por Lnin teve peso decisivo na conceituao gramsciana. Na verdade, o processo histrico sofrido e a maneira como o marxismo leu essas questes nortearam a trilha de Gramsci. (GRUPPI, 2000; PORTELLI, 2002; BUCI-GLUCKSMANN, 1980).

    Porm, cabe uma distino conceitual clara entre as duas proposies. Embora Gramsci tenha partido, em certa medida, da posio de Lnin sobre hegemonia, provocou deslocamento e, a meu ver, trouxe avano na leitura leninista.

    Luciano Gruppi (2000) considera que a hegemonia o ponto de maior correspondncia entre Gramsci e Lnin, e desenvolve em sua anlise uma apresentao do vnculo existente entre o histrico marxista e leninista.

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    Buci-Glucksmann apresenta que nos textos escritos no peridico LOrdine Nuovo, em 1924, encontramos em Gramsci:

    os mesmos componentes conceituais que em Lnin. A hegemonia : * Uma direo de classe, que implica em que a classe operria se coloca e se constitui enquanto fora poltica autnoma e independente: da a necessidade de um partido de vanguarda. ** Uma direo de classe que se exerce no contexto de uma poltica de alianas. Esta ltima no podia basear-se em simples interesses conjunturais, e sim em interesses comuns a longo prazo. Isso significa que necessrio individualizar as foras motrizes da revoluo, sua base de massa popular. [...] *** Essa hegemonia se ganha na luta. [...] Luta poltica, mas tambm ideolgica [...] (BUCI-GLUCSMANN, 1980, p. 232 e 233).

    Mas as formulaes de Lenin e Gramsci no podem ser simplesmente equiparadas, at porque ambos estavam inseridos em situaes diferentes, em sociedades distintas (uma oriental a outra ocidental), enfim, em circunstncias histricas e polticas particulares. Portanto:

    esses trs aspectos no deixaro de assumir um carter novo, a partir do momento em que a hegemonia no mais situada em relao a uma revoluo democrtico-burguesa conseqente (digamos 1905 e fevereiro de 19179), mas com relao dialtica democracia/revoluo proletria e ditadura do proletariado. (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p.233).

    Hugues Portelli (2002) aponta que a aproximao do conceito de hegemonia para Gramsci e Lnin apresenta nuances e divergncias que demarcam suas especificidades.

    Os pontos consonantes seriam: a importncia que Gramsci reconhece tambm ao carter econmico e no s poltico, concebendo o Estado como juno da sociedade poltica e sociedade civil, desenvolvendo, dessa forma, a anlise leninista do termo; a retomada de Gramsci a noo de partido de Lenin, que legitima o peso da questo intelectual no sistema hegemnico; a importncia que Gramsci tambm reconhece ao papel dos grupos aliados como apoio a classe fundamental na construo hegemnica e o papel da classe operria to mais crescente quanto for a sua base aliada.

    O conceito gramsciano de hegemonia est, pois, bastante prximo do de Lenin. Entretanto, ambos divergem em um ponto capital: a preeminncia da direo cultural e ideolgica. Lenin, em seus escritos sobre a hegemonia, insiste sobre seu aspecto puramente poltico; o problema essencial para ele a derrubada, pela violncia, do aparelho do Estado; a sociedade poltica o objetivo e, para atingi-lo, uma prvia hegemonia poltica necessria; hegemonia poltica, porque a sociedade poltica mais importante, em suas preocupaes estratgicas, do que a civil; assim,

    9 Datas que marcaram o processo da Revoluo Russa.

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    desta ele s retm o aspecto poltico. E com maior razo na medida em que, como vimos, a sociedade civil muito dbil na Rssia (PORTELLI, 2002, p.78).

    A divergncia entre a acepo leninista de hegemonia e a gramsciana est, portanto, no peso dado por um sociedade poltica e por outro sociedade civil, a esfera puramente poltica e a esfera ideolgica.

    A sociedade russa em que Lenin vivia apresentava uma diferena crucial em relao a sociedade na qual Gramsci estava inserido - o que justifica o elemento que distingue a concepo de hegemonia para cada um deles o peso da sociedade poltica.

    Na sociedade bero de Lenin, o aparato do governo regia mais pelo domnio que pelo consenso, isto , a sociedade poltica era mais forte que a sociedade civil. Por isso Lenin atribua maior peso a sociedade poltica, pois naquele caso, a derrubada do aparelho do Estado era uma estratgia vlida para a ascenso do proletariado, rumo a construo de uma nova ordem. O uso da fora, mesmo que temporrio, era artigo de primeira necessidade.

    O contexto histrico e poltico em que Lenin estava inserido demarcaram, de alguma maneira, a sua conceituao com relao ao sistema hegemnico. Assim como tambm o fez com a acepo gramsciana.

    Para Gramsci, que est no Ocidente, inserido em uma sociedade civil muito mais forte, necessria outra estratgia poltica, no anseio de evitar novas derrotas das foras populares. As imbricaes histricas, mais do que circunstanciais, encaminharam a conceituao de Gramsci sobre hegemonia para outro vis, inclusive na tentativa de explicar a razo das derrotas das lutas proletrias no ocidente. (COUTINHO, 2007; PORTELLI, 2002; GRUPPI, 2000).

    Por esse motivo, a sociedade civil era mais importante nas preocupaes estratgicas para Gramsci do que para Lenin. Como afirma Portelli:

    Gramsci, ao contrrio, situa o terreno essencial da luta contra a classe dirigente na sociedade civil: o grupo que controla hegemnico e a conquista da sociedade poltica coroa essa hegemonia, estendendo-a ao conjunto do Estado (sociedade civil mais sociedade poltica). A hegemonia gramsciana a primazia da sociedade civil sobre a sociedade poltica. (PORTELLI, 2002, p.78).

    Justamente por essa viso que Gramsci no concebia a hegemonia como uma ditadura do proletariado. Seu estudo legitima a importncia do alcance da dirigncia ideolgica e cultural como primeira base para a direo poltica.

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    A conscincia de ser parte da fora hegemnica (isto a conscincia poltica) a primeira fase de uma futura e progressiva autoconscincia, isto de unificao da prtica e da teoria. Tambm a unio de teoria e prtica no um dado de fato mecnico, mas um devir histrico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentido de distino, de destaque, de independncia. Eis porque de outra parte observei que o desenvolvimento do conceito-fato de hegemonia representou um grande progresso filosfico alm de poltico-prtico. (GRAMSCI, 2007, p.104210).

    Com a difuso de sua ideologia em outras classes sociais, portanto, com o alargamento da base social, quando essa ideologia tiver alcanado o senso comum, quando os interesses forem partilhados, a chegada ao poder estar mais eminente. E no apenas a posse, mas a manuteno do poder. Por isso, no artigo Per uma preparazione ideologica di massa, publicado no La sezione di agitprop del PC na edio de abril-maio de 1925 e no Lo stato operaio na edio de maro-abril de 1931, Gramsci (2008, p.213) enfatiza: A preparao ideolgica de massa assim uma necessidade da luta revolucionria, uma das condies indispensveis da vitria. A real dirigncia proletria passa pela construo da hegemonia proletria.

    Em uma carta, escrita em 2 de maio de 1932, destinada a sua cunhada Tnia, Gramsci expe o que compreende ser a importncia do conceito de hegemonia: tornou-se antes possvel afirmar que o trao essencial da mais moderna filosofia da prxis consiste justamente no conceito histrico-poltico de hegemonia. (GRAMSCI, 1987b, p.110 -111).

    A hegemonia est sob a base constituda pela educao, j que pela elevao cultural dos trabalhadores que se estabelecer o alicerce necessrio a conscincia de classe e a construo da liderana proletria sob as demais, e no por meio coercitivo, mas por consenso, por apreenso dos valores de um grupo como coletivos.

    Como Gramsci pensava a questo da formao dos sujeitos? No era pelo papel exclusivo escolar, embora no renegasse sua importncia - pelo contrrio, pautava uma escola unitria, de alcance para alm das amarras das classes sociais, que trataremos com maior afinco no captulo 4 - mas por um grande trabalho de ampliao cultural que se desenvolveria

    10 Essa passagem corresponde a um texto do tipo A, tendo sido reescrita (texto tipo C) no Quaderno 11 com

    algumas modificaes significativas: A conscincia de ser parte de uma determinada fora hegemnica (isto , a conscincia poltica) a primeira fase para uma ulterior e progressiva autoconscincia na qual teoria e prtica finalmente se unificam. Da mesma forma, a unidade de teoria e prtica no , em conseqncia, um dado de fato mecnico, mas um devir histrico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentido de distino, de separao, de independncia apenas instintivo, e progride at a posse real e completa de uma concepo do mundo coerente e unitria. Eis porque de ressaltar como o desenvolvimento poltico do conceito de hegemonia representa um grande progresso filosfico, alm de poltico-prtico, e supe uma unidade intelectual e uma tica conforme a uma concepo do real, a qual superou o senso comum e se tornou crtica, ainda que seja dentro de limites ainda estreitos. (GRAMSCI, 2007, p.1385).

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    em diferentes espaos, sob ao dos intelectuais, vistos como sujeitos capazes de exercer uma ao organizadora na sociedade.

    Segundo Moraes:

    O trabalho de difuso de uma nova concepo do mundo, que elimina a contradio entre teoria e prtica, desenvolve-se em duas direes: por um lado, da vanguarda (o partido), para as classes dos quais ela expresso; por outro, da classe hegemnica para as outras classes que lhe esto vinculadas (em outras palavras, do proletariado, enquanto classe, para as classes aliadas). E, nos dois casos, os intelectuais desempenham um papel determinante. No que se refere a essa tarefa de uma reforma intelectual e moral, no se trata de esperar que as condies econmicas estejam maduras, pois ao contrrio, o prprio amadurecimento da nova viso do mundo precipita o momento da mudana infraestrutural e, sob certos aspectos, prepara as suas condies. (MORAES, 1978, p.78).

    Como afirma Gramsci (2007, p.1331), toda relao de hegemonia necessariamente, uma relao pedaggica; e nesse sentido que ela deve ser entendida e construda. Dentro de um plano de ao para uma nova concepo de mundo, em primeiro lugar, e para a construo de um novo mundo, em segundo.

    A hegemonia seria o objetivo maior a ser alcanado com a educao e o artifcio necessrio para a obteno de uma nova construo poltica e social. Apenas com a obteno da hegemonia a classe trabalhadora se tornaria dirigente e a consolidao de uma nova ordem estaria pautada.

    1.3 DITADURA X HEGEMONIA NA PERSPECTIVA GRAMSCIANA

    Gramsci concebe uma diferenciao crucial entre hegemonia e ditadura. A hegemonia rege a sociedade pelo consenso e a ditadura rege pela coero, pela violncia. (PORTELLI, 2002).

    A esse respeito nos diz Coutinho:

    [...] parece-me clara a dist