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DEMOCRACIA, CIVISMO E CINISMO. Um estudo empírico sobre normas e racionalidade Fábio Wanderley Reis e Mônica Mata Machado de Castro RBCS Vol. 16 n o 45 fevereiro/2001 O objetivo principal deste texto consiste na apresentação de um conjunto de dados resultantes de projeto executado no Brasil alguns anos atrás. Trata-se de dados manipulados de maneira singela, mas que se mostram relevantes para discussões de grande alcance teórico-metodológico no campo da Ciência Política da atualidade. Começaremos com breve mapeamento do espaço de problemas, em diálogo com algumas posições mais extremadas e características relativamente às questões envolvidas. I O enfrentamento de perspectivas epistemo- lógicas no campo das ciências sociais reflete-se nas discussões sobre a democracia e as condições de consolidação democrática. No plano geral, o prin- cipal enfrentamento é provavelmente o que hoje opõe a abordagem da “escolha racional”, propensa a destacar os interesses e o cálculo supostamente racional orientado por eles, e uma abordagem “convencional” de tipo sociológico ou sociopsico- lógico, inclinada a salientar a importância dos valores e normas no comportamento das pessoas. No plano dos estudos sobre a democracia e sua consolidação, a abordagem “convencional” se traduz sobretudo no recurso à noção de “cultura política”, concebendo-se o problema da implanta- ção da democracia como sendo, em ampla medida, o da criação e difusão de uma cultura política que lhe seja afim — em particular a “cultura cívica” de que falavam Almond e Verba (1963). 1 Por sua vez, além dos estudos econômicos clássicos do funcio- namento do sistema democrático, um exemplo notável da aplicação do instrumental da escolha racional aos problemas da transição à democracia e da estabilidade democrática se tem com os trabalhos de Adam Przeworski. 2 Por contraste com as ênfases unilaterais a serem encontradas nesse confronto de aborda- gens, uma psicologia capaz de explicar de modo adequado as complicações da ação será necessa- riamente complexa. Um esquema explicativo satis- fatório referiria as ações a atitudes (ou disposições mais ou menos permanentes a agir desta ou daque- la forma), as quais, além do componente de aspi- rações, desejos ou interesses (em acepção ampla desta última palavra, relativa ao aspecto motiva- cional, como tal, da ação) que está, naturalmente, sempre presente, se veriam sempre também condi- cionadas tanto por um componente prescritivo (as normas e os valores morais de qualquer natureza)

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DEMOCRACIA,CIVISMO E CINISMO.Um estudo empírico sobrenormas e racionalidade

Fábio Wanderley Reis eMônica Mata Machado de Castro

RBCS Vol. 16 no 45 fevereiro/2001

O objetivo principal deste texto consiste naapresentação de um conjunto de dados resultantesde projeto executado no Brasil alguns anos atrás.Trata-se de dados manipulados de maneira singela,mas que se mostram relevantes para discussões degrande alcance teórico-metodológico no campo daCiência Política da atualidade. Começaremos combreve mapeamento do espaço de problemas, emdiálogo com algumas posições mais extremadas ecaracterísticas relativamente às questões envolvidas.

I

O enfrentamento de perspectivas epistemo-lógicas no campo das ciências sociais reflete-se nasdiscussões sobre a democracia e as condições deconsolidação democrática. No plano geral, o prin-cipal enfrentamento é provavelmente o que hojeopõe a abordagem da “escolha racional”, propensaa destacar os interesses e o cálculo supostamenteracional orientado por eles, e uma abordagem“convencional” de tipo sociológico ou sociopsico-lógico, inclinada a salientar a importância dosvalores e normas no comportamento das pessoas.

No plano dos estudos sobre a democracia esua consolidação, a abordagem “convencional” se

traduz sobretudo no recurso à noção de “culturapolítica”, concebendo-se o problema da implanta-ção da democracia como sendo, em ampla medida,o da criação e difusão de uma cultura política quelhe seja afim — em particular a “cultura cívica” deque falavam Almond e Verba (1963). 1

Por sua vez,além dos estudos econômicos clássicos do funcio-namento do sistema democrático, um exemplonotável da aplicação do instrumental da escolharacional aos problemas da transição à democraciae da estabilidade democrática se tem com ostrabalhos de Adam Przeworski. 2

Por contraste com as ênfases unilaterais aserem encontradas nesse confronto de aborda-gens, uma psicologia capaz de explicar de modoadequado as complicações da ação será necessa-riamente complexa. Um esquema explicativo satis-fatório referiria as ações a atitudes (ou disposiçõesmais ou menos permanentes a agir desta ou daque-la forma), as quais, além do componente de aspi-rações, desejos ou interesses (em acepção ampladesta última palavra, relativa ao aspecto motiva-cional, como tal, da ação) que está, naturalmente,sempre presente, se veriam sempre também condi-cionadas tanto por um componente prescritivo (asnormas e os valores morais de qualquer natureza)

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quanto por um componente cognitivo (as percep-ções, crenças e expectativas).

O papel dos fatores de natureza cognitivacoloca um problema de especial importância. Areferência à racionalidade que se tem com a pers-pectiva da escolha racional pareceria remeter ne-cessariamente a tais fatores. Mas, apesar das contri-buições de certa literatura adjacente a ela, 3 em suaforma mais ortodoxa essa perspectiva tem sido, naverdade, avessa ao exame detido dos intrincadosproblemas relativos aos fatores cognitivos. Na psi-cologia simples que caracteriza a perspectiva daescolha racional, supõe-se que a referência aos“interesses” — tomados como objeto “frio” decálculo e tipicamente como sendo de natureza“material”, presumidamente em contraste com oque se teria no caso de normas e valores — seriasuficiente para assegurar “assepsia” e racionalida-de.4 Há, porém, algumas dificuldades.

Em primeiro lugar, a idéia de interesse envol-ve importantes ambigüidades. Se é possível contra-por os interesses às “paixões”, como faz Hirschman(1979), e salientar sua frieza calculista em contrastecom o calor destas, a noção de interesse costumaser usada também para indicar engajamento eparcialidade “quentes”, em contraste com a idéiada ação “desinteressada”. Além disso, uma concep-ção adequadamente sofisticada de racionalidadenão permitiria jamais assimilá-la ao cálculo míope;ao contrário, a idéia de racionalidade, bem conce-bida, na verdade requer a capacidade de reflexivi-dade, com a conseqüência de que o agente semostrará tanto mais racional quanto mais sejacapaz de incluir na deliberação sobre a eficiênciade suas ações as considerações relativas aos valo-res e normas e ao próprio ideal de vida que lheimporta realizar. Apesar de que tipicamente aabordagem da escolha racional suponha preferên-cias “dadas” ou interesses definidos pelos estímu-los que emergem do contexto mais ou menosimediato da ação, e portanto de maneira fatalmen-te míope, na ação reflexiva e propriamente racio-nal a miopia e a busca de objetivos ou interesses“dados” e a resposta a estímulos emergentes oucircunstanciais se verão substituídas pela capacida-de de perseguir autonomamente objetivos remotosque se acham necessariamente condicionados

pelo sentido da identidade pessoal. Ora, a identi-dade é não apenas plasmada socialmente emampla medida, com conseqüências paradoxaispara a escolha racional como abordagem suposta-mente peculiar;5

mais que isso, na medida em quese constitui em fundamento imprescindível daadesão a um ideal de vida estabelecido de maneiraautônoma, a identidade tem conexões importantescom a própria idéia de moralidade, ligando-se coma possibilidade de superação tanto do conformis-mo no compartilhamento de desejos ou aspiraçõesquanto de formas convencionais de moralidade.Tais indagações nos levariam a nada menos queuma sociopsicologia do desenvolvimento intelec-tual e moral. Surge aqui, assim, a propósito daquestão das conexões entre o cognitivo e o racio-nal, também o problema das conexões entre ocognitivo e o moral, o que reorientaria a discussãopara o campo normativo a que se refere a aborda-gem “sociológica” da cultura política.

De qualquer modo, a literatura “convencio-nal” das ciências sociais se tem ocupado, há muitotempo, da dimensão cognitiva do comportamentoem áreas afins à questão geral da democracia, taiscomo o problema da participação política e eleito-ral. Um antecedente clássico a merecer destaquetem-se na concepção marxista da “consciência declasse”, com respeito à qual se supõe que certostraços de natureza intelectual-ideológica, condicio-nados por fatores “estruturais”, irão por sua vezcondicionar a possibilidade da ocorrência de atitu-des e comportamentos de um tipo ou de outro(passividade ou ação revolucionária de classe etc.).Já na sociologia eleitoral de orientação empírica, ostrabalhos pioneiros de Philip Converse e colabora-dores sobre ideological constraint salientavam hátempos o papel exercido pela capacidade de estru-turação ideológica e pela sofisticação intelectualgeral no condicionamento do comportamento doseleitores. Há alguns anos, uma rigorosa revisão econsolidação das verificações de diversos trabalhosreferidos à conexão entre conhecimento e opiniãono campo dos estudos eleitorais norte-americanosfoi empreendida por W. Russell Neuman em Theparadox of mass politics. A noção de “sofisticaçãopolítica” assume aí lugar central, e continua amerecer atenção especial em estudos recentes. 6

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No Brasil, pouco destaque tem sido dado avariáveis cognitivas nos estudos voltados quer parao processo eleitoral, quer para o comportamentopolítico em geral e sua articulação com o tema dademocracia.7 Não obstante, certo conjunto deverificações e análises brasileiras indicam sua im-portância, que pode ser mesmo maior em paísescomo o Brasil do que em outros, dadas as conse-qüências das disparidades sociais para o acessodiferencial à educação. Há alguns anos, MônicaMata Machado de Castro (1994) dedicou-se exten-samente ao estudo do comportamento eleitoralbrasileiro com atenção especial para o fator cogni-tivo, valendo-se especificamente, com destaque,da idéia de “sofisticação política” nos termos exa-tos em que será retomada abaixo. Em outros denossos trabalhos anteriores, além disso, procura-seapreender a lógica geral em operação no processopolítico-eleitoral por referência ao papel de articu-lação e intermediação exercido por fatores denatureza intelectual relativamente às variáveis sali-entadas por dois modelos encontrados na literaturapara dar conta do problema da participação políti-ca: o modelo da “centralidade” e o da “consciênciade classe”.8 No primeiro se realçam sobretudo aposição socioeconômica dos indivíduos e sua in-serção em ambientes urbanos ou rurais, enquantono segundo se destacam atitudes que redundam namaior ou menor propensão a agir em defesa dosinteresses e que decorreriam das diferentes posi-ções socioeconômicas. A articulação proposta en-tre os dois modelos, a qual se ajusta aos padrõesevidenciados pelos dados relevantes, baseia-se naidéia de que são os próprios fatores estruturais da“centralidade” que condicionam o fato de virem ounão a operar as atitudes ou disposições destacadaspelo modelo da “consciência de classe” — masesse condicionamento passa através do acessomais ou menos favorável que os fatores estruturaispermitem a recursos de natureza intelectual e doconseqüente grau de sofisticação e acuidade reve-lado pelos indivíduos na avaliação da situaçãogeral com que se defrontam e na definição de seusinteresses relativamente a ela. 9

Subsiste, natural-mente, a questão de como essa definição deinteresses se relaciona com as normas que eventu-almente se mostrem relevantes para os indivíduos.

O projeto a que correspondem os dados aserem examinados teve como preocupação salien-te a de procurar suprir as lacunas existentes quantoà dimensão cognitiva no plano do trabalho empí-rico. A maneira específica em que essa preocupa-ção se traduziu concretamente nas operações leva-das a cabo será descrita adiante.

II

Parte crucial dos problemas analíticos queaqui nos importam com respeito à democracia esua consolidação gira em torno da idéia crucial deinstitucionalização. Na literatura convencionalsobre o tema, a resposta à questão da consolidaçãodemocrática é procurada em termos de institucio-nalização, entendida de maneira que remete anormas e à sua vigência efetiva. Nessa perspectiva,consolidar a democracia significa implantar nor-mas democráticas que sejam efetivamente interio-rizadas pelos agentes políticos (criando-se assim a“cultura política” apropriada), e o processo corres-pondente pode ser descrito como o processo deinstitucionalização democrática.

A abordagem alternativa, inspirada na “esco-lha racional”, tem um exemplo destacado emPrzeworski (1995). A indagação planteada é a dese a resposta à questão de como a democraciadura (ou de como obter a consolidação democrá-tica) pode ser dada meramente em termos de umequilíbrio a resultar automaticamente da livrebusca do interesse próprio por parte dos agentes.Naturalmente, também a noção de institucionali-zação implica “equilíbrio” em certo sentido; masPrzeworski está em princípio interessado numsentido técnico e “realista” da expressão. Nessesentido, a idéia de equilíbrio é contrastada tantocom a condição que resulta da operação denormas quanto com a intencionalidade envolvidanas barganhas explícitas, destacando-se nela opapel de mecanismos típicos do mercado e carac-terizados pelo ajustamento mútuo de naturezaespontânea, automática e “auto-impositiva” ( self-enforcing) em que “cada um faz o que é melhorpara si dado o que os outros fazem”. Podem taismecanismos, por si mesmos, engendrar a demo-cracia estável?

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A análise de Przeworski o inclina a dar res-posta positiva à pergunta: com apoio em RandallCalvert, “instituição” se transforma em mero nomeque se aplica “a certas partes de certos tipos deequilíbrio”, no sentido auto-impositivo da expres-são (Przeworski, 1995, p. 12). Mas a análise não lhepermite escapar de importantes dificuldades. Emprimeiro lugar, Przeworski acaba resvalando paraum sentido diferente — e normativo — de equilí-brio, que é introduzido ao lado do sentido indica-do e se mostra com clareza na admissão de que“certos equilíbrios podem ser sustentados porcompromissos normativos mesmo quando não sesustentem pelo interesse próprio” ( idem, p. 20).Em segundo lugar, Przeworski não tem comodeixar de explorar ele mesmo a idéia de instituci-onalização em termos que envolvem a correspon-dência entre normas e equilíbrio auto-impositivo eque remetem à questão da efetividade das normas:assim, o problema da democracia seria o de “fazerconstituição que seja auto-impositiva” ( idem, p.17), isto é, cujas normas correspondam à situaçãoque se obtém espontaneamente na dinâmica dosmecanismos auto-impositivos.

É clara a disjuntiva que se abre, apesar de queo próprio autor não indique percebê-la com clarezano texto em exame. Em primeiro lugar, Przeworskipode manter-se fiel à definição de equilíbrio emque este se produz estritamente no jogo de nakedself-interests. Neste caso, ele permanecerá no terre-no de sua indagação inicial e sua perspectivamanterá a peculiaridade perante a literatura con-vencional; mas a correspondência que eventual-mente ocorra entre normas e equilíbrio surgiráentão como fortuita, sem indicar autêntica efetivida-de das normas, pois o equilíbrio e a capacidade quea democracia revele de durar não se deverão a elas.Alternativamente, Przeworski pode incorporar demaneira conseqüente o sentido de “equilíbrio” emque se inclui o papel das normas, caso em queestaremos em terreno afim à perspectiva conven-cional sobre institucionalização e em que o proble-ma de como implantar normas efetivas se colocaráde maneira plena. Ora, o que as hesitações dePrzeworski revelam, naturalmente, é a necessidadede reconhecer que o equilíbrio auto-impositivo porsi só não basta, pois podem ocorrer equilíbrios

“bons” ou “ruins”, que correspondam ou não asituações normativamente desejáveis. Em suas con-clusões, o próprio Przeworski (1995, p. 20) ressaltaexplicitamente que “uma democracia cujas práticasreais [isto é, resultantes dos mecanismos que produ-zem “equilíbrios”] divergem da lei pode ser inteira-mente detestável” — o que significa que, indepen-dentemente da capacidade de durar que tal demo-cracia apresente, o problema da apropriada institu-cionalização (entendida em termos do ajustamentoda realidade a um desiderato normativo) continua acolocar-se. Na verdade, bem ponderadas as coisas,o desafio por excelência da institucionalizaçãodemocrática consiste justamente na necessidade deromper um equilíbrio indesejável ou negativo esubstituí-lo por um “bom” equilíbrio (institucional edemocrático). Isso transparece com especial clarezanas análises de Huntington (1968), onde a condiçãocorrespondente às sociedades “cívicas” ou instituci-onalizadas é contraposta à condição “pretoriana”,que se distinguiria justamente por representar umcírculo vicioso — um equilíbrio perverso e estávelque se auto-reforça e do qual não cabe esperar quevenha a dar lugar naturalmente e por si mesmo àdinâmica de “círculo virtuoso” do processo deinstitucionalização democrática.

III

Um passo adiante na colocação do problemageral que nos importa pode ser dado se examina-mos brevemente a idéia de normas e suas relaçõescom a operação de fatores cognitivos. A ênfase dePrzeworski no equilíbrio auto-impositivo pode servista como assentada na contraposição entre ocausal (os automatismos, as determinações “mecâ-nicas” ou “sistêmicas”, a causalidade supra-intenci-onal de Jon Elster, dos quais a ocorrência deequilíbrio no jogo dos interesses seria manifesta-ção10 ) e o intencional, que se pode apontar tantonas barganhas quanto na operação das normas.Mas há duas maneiras de entender as normas, emque o elemento cognitivo ou intelectual faz adiferença decisiva, reproduzindo no plano delas aprópria distinção entre o causal e o intencional.

Em primeiro lugar, as normas podem servistas como o resultado de deliberação consciente

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e portanto como envolvendo a capacidade dereflexividade por parte dos agentes. Essa maneirade concebê-las corresponde, naturalmente, ao sen-tido em que a idéia de normas se acha contida nanoção de “autonomia”, em que se supõe que asnormas seguidas pelo agente são de sua própriaescolha e responsabilidade. As discussões do pro-cesso de desenvolvimento moral que se encontramem autores como Lawrence Kohlberg e JürgenHabermas, inspiradas nos trabalhos de Jean Piaget,destacam como ponto mais alto a fase da moralida-de “pós-convencional”, na qual se dariam precisa-mente a reflexividade e a autonomia do sujeito, porcontraste com a inserção acrítica na moralidadeconvencional do grupo que se teria na fase inter-mediária e com os elementos egocêntricos e hedo-nistas da moralidade “pré-convencional”. 11

Mas as normas podem também ser concebi-das de maneira afim justamente à idéia da morali-dade convencional, caso em que corresponderiama regras assimiladas e interiorizadas de maneirairrefletida e sem questionamentos por parte dosagentes. Neste sentido, ao invés de serem objetoou elemento de um processo de deliberação inten-cional, as normas surgem antes como fatores aoperar causalmente no condicionamento dasações das pessoas, como tem sido apontado pelosadeptos da abordagem da escolha racional, pro-pensos a destacar o papel da intencionalidade e daracionalidade no comportamento, em vez de talcausação normativa. Vistas nessa perspectiva cau-sal, as normas podem também descrever-se, con-forme sugestões de Piaget (1973), como fenômenomarcado por um aspecto estocástico, caracterizan-do-se elas próprias, em ampla medida, como resul-tante cega a emergir, no plano agregado, do jogodas múltiplas interações entre os agentes sociais.

Ora, essa distinção entre maneiras de conce-ber as normas, ou talvez entre tipos de normas, temdesdobramentos importantes para a questão dainstitucionalização. O ponto crucial é que o segun-do tipo de normas — as normas irrefletidas, ouinteriorizadas de forma rotineira e banal — é que érelevante para se pretender falar de um sentido de“equilíbrio” em que o fator normativo tenha atua-ção importante. Pois é na medida em que asnormas operam de maneira irrefletida e automática

que se tem a institucionalização, se entendemosesta última como envolvendo a criação de uma“tradição” ou “cultura”, ou de uma disposiçãosociopsicológica compartilhada estavelmente pe-los membros da coletividade, que são levados aagir naturalmente e sem esforço dentro dos moldesprescritos pela tradição. A ocorrência de umatradição de civismo, ou de uma “cultura cívica”,com o apego difundido aos mecanismos e valoresdemocráticos, corresponderia à democracia conso-lidada — na qual se daria um “equilíbrio” que seriatambém normativo, com parâmetros normativoseficazes para o jogo auto-impositivo dos interesses.Nessa condição, cada indivíduo, mesmo movidopelo interesse próprio, ao procurar “fazer o que émelhor para si dado o que os outros fazem”, nostermos da definição de equilíbrio formulada porPrzeworski, teria latentemente em conta a opera-ção surda mas efetiva (ou efetiva, em boa medida,porque surda) das normas no sentido de mitigar osefeitos do interesse no condicionamento das açõesde todos. O problema envolvido na consolidação einstitucionalização da democracia consistiria justa-mente, nessa óptica, em implantar com eficácia osparâmetros normativos do jogo auto-impositivodos interesses — implantação esta que seria bem-sucedida precisamente na medida em que lograssetornar “automática” a própria operação dos parâ-metros normativos. A observação genérica aí con-tida pode talvez expressar-se em termos das in-tuições fundamentais de Émile Durkheim, vendo-se nos mecanismos durkheimianos que atuam nascristalizações (institucionais...) em que o jogo domercado se “equilibra” e ganha “objetividade” eexterioridade em relação aos indivíduos isoladosnada mais que um caso específico da operação detais mecanismos no plano geral da sociedade e dasinstituições como tal. Assim, em contraste com aperspectiva de Randall Calvert adotada por Prze-worski, em que as instituições surgem como umcaso de equilíbrio auto-impositivo, seria talvezpossível propor que os equilíbrios próprios domercado representariam antes um caso do que sepode designar como instituições sociais em pers-pectiva durkheimiana.

Como é bem claro, tudo isso coloca umproblema especial para qualquer ação que se

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oriente deliberadamente para a implantação dademocracia — digamos, a ação do legislador ouestadista empenhado em viabilizar e consolidaruma constituição democrática. Pois trata-se, comessa ação, do paradoxo de criar artificial e delibe-radamente uma condição (uma tradição) em queartificialismo e deliberação venham a ser dispensá-veis, já que se tornará, por definição, espontâneo enatural aquilo que a tradição venha a prescrever.As coisas não fazem senão complicar-se quandonos damos conta de dois outros fatos: primeiro, deque a construção de uma nova tradição se farácontra a resistência de uma tradição anterior, queinduz formas de comportamento distintas daquelasque se procura implantar; segundo, de que essesdifíceis aspectos psicossociais do problema estarãoinevitavelmente ligados com aspectos estruturais ede relações de poder, donde decorre que o empe-nho de erigir uma nova tradição seja próprio decertos interesses e forças sociais, aos quais seoporão outros, apegados à tradição antiga que seprocura superar e à estrutura de poder que com elase articula.

IV

Os dados discutidos a seguir correspondem aum survey cujo trabalho de campo se executou aofinal de 1991 e ao longo de 1992. 12 O tema centralera a idéia de um “pacto social”, situando asconexões entre questões de índole trabalhista e deíndole política como o foco principal de interesse.Na definição das amostras a serem entrevistadas,procurou-se combinar a preocupação de incluircategorias diversificadas de trabalhadores com ade prover uma espécie de lastro populacionalgeral. A combinação desses critérios com conside-rações práticas de diversos tipos resultou em quetivéssemos, ao cabo, 2.150 entrevistas distribuídasem seis conjuntos amostrais assim constituídos: (1)900 entrevistas com amostra da população de BeloHorizonte, estabelecida por quotas baseadas nasvariáveis sexo, idade, escolaridade e renda famili-ar; (2) 5 conjuntos de 250 entrevistas com amostrasespeciais de trabalhadores de diversos setoresocupacionais dos estados de Minas Gerais e SãoPaulo (250 com trabalhadores da Mannesmann,

empresa siderúrgica de Contagem, Minas Gerais;250 com trabalhadores da Metal Leve, empresametalúrgica da capital paulista; 250 com emprega-dos da refinaria da Petrobrás em Paulínia, SãoPaulo; 250 divididas em partes iguais entre traba-lhadores do Grupo ABC, de atividades industriais eagrícolas, e da Granja Planalto, de atividades agrí-colas, empresas sediadas ambas em Uberlândia,Minas Gerais; e 250 com empregados e ex-empre-gados da Mineração Morro Velho, em Nova Lima,Minas Gerais). Um mesmo questionário, contendo127 perguntas, foi aplicado a todos os diferentesconjuntos. Nas análises a serem feitas adiante,dado o empenho de exploração da articulação decertas dimensões analíticas gerais dos problemasque nos ocupam, não se tomarão separadamenteas diferentes subamostras.

Quanto aos conteúdos investigados, doisgrandes conjuntos de variáveis atitudinais ou deopinião foram explorados. Em primeiro lugar, asvariáveis que chamamos “trabalhistas”, envolven-do atitudes que, embora freqüentemente de alcan-ce também político, referem-se sobretudo às rela-ções de trabalho, destacando-se, em especial, ocontraste entre uma disposição mais ou menos“cordata” e propensa à negociação com os setorespatronais e uma disposição reivindicante e inclina-da ao conflito, em combinação com a maior oumenor propensão à solidariedade trabalhista ou ao“egoísmo” estreito. Em segundo lugar, variáveiscorrespondentes a atitudes ou opiniões propria-mente “políticas” (ou de “cultura política”). Exem-plos importantes deste segundo conjunto se têmcom o apoio à democracia em geral ou a diversosaspectos ou mecanismos institucionais da demo-cracia, bem como o grau de conservadorismo ouinconformismo das opiniões políticas expressas.

Além dessas variáveis atitudinais ou de opi-nião e, naturalmente, de perguntas destinadas aestabelecer o background social geral e a experi-ência ocupacional e trabalhista dos entrevistados,nosso questionário reservou espaço importante àdimensão cognitiva, coerentemente com as preo-cupações antes apontadas. Os indicadores e medi-das utilizados a respeito davam ênfase a assuntospolíticos e trabalhistas, procurando combinar ointeresse por política e o empenho de manter-se

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politicamente informado (que de certa forma aindacorrespondem a atitudes, embora de relevânciaespecial para as diferenças propriamente intelectu-ais ou cognitivas que os indivíduos venham arevelar quanto à política) com a avaliação direta dograu de informação sobre questões políticas etrabalhistas e da capacidade de lidar de maneiraconceitualmente sofisticada com tais questões. Acomplexa bateria de perguntas relativas a estadimensão geral constante do questionário foi pos-teriormente sintetizada num índice, que decidimoschamar de “sofisticação política”. 13 A Tabela 1permite apreciar a intensa correlação positiva exis-tente entre as posições no índice de sofisticaçãopolítica e o grau de escolaridade dos entrevistados.

V

O exame dos dados a ser apresentado aseguir, orientado pela questão geral da articulaçãoentre cognição e normas com referência ao temada democracia, concentra-se em explorar as rela-ções entre opiniões políticas e sofisticação, de umlado, e, de outro, a articulação de ambas com umpar de variáveis de significado especial para aquelaquestão. Estas últimas emergem do contexto daspreocupações “trabalhistas” do projeto e dizemrespeito ao contraste — relevante do ponto devista da acomodação envolvida na idéia de um“pacto social” e, em geral, das atitudes que seadotarão perante a política econômico-social dogoverno — entre disposições altruístas, solidárias

ou “cívicas”, por uma parte, e, por outra, disposi-ções egoístas ou, no limite, “cínicas”, empenhadasna promoção do interesse próprio.

Comecemos o exame dos dados pelas atitu-des ou opiniões políticas. Note-se, em primeirolugar, na Tabela 2, o claro aumento da adesão geralà democracia que ocorre com o aumento dasofisticação. A forte correlação entre as duas di-mensões se dá tanto no caso de indicadores referi-dos à idéia geral de democracia em contraposiçãoa “ditadura” e aos requisitos político-institucionaisda primeira (índices de “disposição democrática-1”e de “disposição democrática-2”), 14 quanto nocaso de indicadores que se referem especificamen-te à garantia dos direitos civis como parte do idealdemocrático (índice de posição quanto aos direitoscivis).15 A Tabela 2 permite, contudo, outra obser-vação de interesse: ela mostra que a acolhida dadaàs supostas dimensões da idéia geral de democra-cia que os diversos índices expressam difere mar-cadamente. Assim, enquanto os itens diretamentepolíticos que compõem os dois índices de “dispo-sição democrática” resultam em distribuições comníveis totais de concentração nas categorias alta-mente favoráveis à democracia que alcançam afaixa dos 31 e 42 por cento (com nada menos de 64e 70 por cento de respostas altamente democráti-cas no extremo mais alto de sofisticação), a catego-ria dos altamente favoráveis à defesa dos direitoscivis das pessoas não vai além de uma porcenta-gem total de 18 por cento, e mesmo entre osentrevistados do extremo superior de sofisticação

Tabela 1Sofisticação Política por Escolaridade (%)*

Escolaridade

Sofisticação Até Primário Primário Ginasial Colegial Universitário Totalpolítica Incompleto Completo

Muito Baixa 56,1 32,7 25,4 6,6 1,1 26,9Baixa 21,0 23,0 22,6 10,8 1,1 18,1Média 16,2 24,4 26,2 24,9 4,8 21,7Alta 5,4 16,3 18,9 27,6 25,7 18,1Muito Alta 1,3 3,6 6,9 30,2 67,4 15,2Total 18,5 22,1 31,1 19,0 9,3 100,0(N) (371) (443) (625) (381) (187) (2.007)

* Nesta tabela e nas seguintes não foram considerados 145 casos que não puderam ser classificados no índice de sofisticaçãopolítica.

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não temos senão 39 por cento intensamente ape-gados aos direitos civis. 16 Isso sugere com forçaque, em contraste com o que talvez seja a suposi-ção dominante a respeito, os diferentes aspectosenvolvidos estão longe de surgir necessariamente,na consciência popular, como dimensões de umamesma atitude ou disposição básica, o que contémimplicações importantes se pretendermos vir acontar com análises apropriadamente refinadasquanto ao tema geral da “cultura política”.

Essa sugestão se reforça quando nos volta-mos para a Tabela 3, onde se encontram os dadosrelativos a um aspecto especial, que merece obser-vação em separado. Trata-se das respostas a umitem em que se pedia a concordância ou discor-dância das pessoas entrevistadas com a seguinteafirmação: “Em vez de partidos políticos, o de quea gente precisa é um grande movimento de unida-de nacional dirigido por um homem honesto edecidido”. Com suas conotações autoritárias emesmo fascistizantes, o item conta com a concor-

dância total de 73,7 por cento dos entrevistados,concordância esta que alcança 69 por cento mes-mo na categoria “alta” de sofisticação e só não émajoritária na categoria “muito alta” (onde, porém,ainda representa 42,6 por cento das opções). Osdesconcertantes matizes envolvidos na consciên-cia popular a respeito dos diversos aspectos asso-ciados ao tema geral da democracia se revelammais nitidamente se essa observação é contrastada,em particular, com o que se pode ver nos dadosrelativos ao índice de “disposição democrática-2”(Tabela 2). Assim como a pergunta alusiva a “umhomem honesto e decidido”, as perguntas quecompõem o índice foram incluídas em nosso ques-tionário com a intenção de se obter um testepreliminar de certas sugestões de GuillermoO’Donnell (1994) sobre a vigência de disposiçõesque permitiriam falar de uma “democracia delega-tiva” em países como o Brasil. Ora, os dadosrelativos ao índice de “disposição democrática-2”são claramente contrários à hipótese geral de

Tabela 2

Índices Diversos por Sofisticação Política (%)*

Sofisticação política

Índices Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta Total

Disposição democrática - 1

Baixa 14,3 8,6 8,7 10,7 2,7 9,0

Média baixa 28,2 28,9 29,6 18,8 9,7 23,2

Média alta 43,2 41,8 37,5 35,4 23,4 36,2

Alta 14,3 20,7 24,2 35,1 64,2 31,5

(N) (301) (280) (389) (345) (299) (1.614)

Disposição democrática - 2

Baixa 16,7 18,3 16,0 11,3 5,0 13,4

Média baixa 22,8 21,9 19,6 18,5 5,6 17,7

Média alta 33,8 33,5 27,9 20,6 19,3 26,7

Alta 26,7 26,3 36,5 49,6 70,1 42,2

(N) (281) (278) (362) (335) (301) (1.557)

Posição sobre direitos civis

Baixa 32,4 31,5 35,0 23,3 13,6 28,2

Média baixa 37,1 34,8 28,8 25,1 20,4 30,0

Média alta 21,0 20,8 21,5 30,5 27,2 23,8

Alta 9,5 9,5 14,7 21,0 38,8 18,0

(N) (472) (336) (423) (347) (294) (1.872)

* Não foram considerados os casos não classificados porque deram respostas “não sei” ou não responderam às perguntasincluídas nos diversos índices.

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O’Donnell: além do que mostram os dados sintéti-cos da Tabela 2 (onde se vê que 68,9 por cento dasrespostas se situam nas duas categorias mais altasdo índice, o que envolve a recusa da postura“delegativa”), a observação em separado das res-postas às diversas perguntas que o compõemrevela que as respostas “antidelegativas” (que dis-cordam de que o presidente deva ser deixado empaz pelos demais poderes e pelos partidos paragovernar como achar melhor) ficam, no total, en-tre 63 e 68 por cento, sendo muito altas (entre 54e 60 por cento) mesmo entre os entrevistados demenor sofisticação. Contudo, essa disposição anti-delegativa aparentemente difundida não impede oapoio igualmente difundido — que indica antes apropensão delegativa sugerida por O’Donnell — àidéia de uma liderança pessoal forte e capaz deafirmar-se fora da órbita partidária e institucional,bastando que a idéia seja formulada em termos quecontêm a alusão a traços ou ocorrências quetendem a ser percebidos de maneira positiva (ho-nestidade, união nacional...).

Não obstante o interesse de tais matizes,destaquemos o essencial quanto ao que aqui nosimporta, ou seja, o papel cumprido pela variávelsofisticação política em si mesma. Nos dados obser-vados até este ponto, seja qual for o ânimo domi-nante entre os entrevistados a respeito de um itemde opinião ou outro, o incremento de sofisticaçãoproduz sempre o aumento de uma disposição quecabe ver como democrática, quer se trate de maiorpropensão a avaliar de maneira favorável as institui-ções da democracia, de maior apego à idéia dosdireitos civis ou de menor propensão a se deixarseduzir por soluções personalistas e autoritárias.

À luz de nossa discussão anterior, especial-mente quanto à articulação entre o fator cognitivoou intelectual e diferentes maneiras de se concebera adesão a normas, surge a questão de comointerpretar essa observação. Indicará ela necessaria-mente a adesão reflexiva e lúcida aos princípiosdemocráticos por parte dos intelectualmente maissofisticados? Há uma hipótese alternativa, que des-tacaria o caráter convencional da adesão aos valo-res democráticos, na atualidade, mesmo em paísesque não contam com tradição democrática maisefetiva, como o Brasil. Nesta perspectiva — em que,naturalmente, o fato de se tornar convencional essaadesão pode ser visto como algo em princípio fa-vorável à difusão e eventualmente à real institucio-nalização da democracia em diferentes países —, aexposição mais informada e sofisticada ao mundopolítico poderia representar a inserção mais intensana atmosfera convencional, redundando na adesão“espontânea” e em alguma medida irrefletida aosvalores democráticos convencionais e na disposi-ção à sua pronta verbalização.

Essa perspectiva se corrobora de maneiraindireta (ou por contraste) por meio do que sepode observar quanto a alguns itens de naturezaalgo diferente. Trata-se de itens que aludem àherança aristocrática e elitista da sociedade brasi-leira e a seu caráter fortemente estratificado e dual.Eles têm ainda em comum o fato de que, apesar deenvolverem valores claramente afins aos de umaperspectiva democrática, correspondem a temasque figuram menos explicitamente no ideário de-mocrático que tem circulação convencional entrenós, sendo rara a tematização das relações proble-máticas entre nossas tradições elitistas e a operação

Tabela 3

Opiniões sobre Movimento de Unidade Nacional por Sofisticação Política (%)*

Sofisticação política

Opinião sobre movimento Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta Total

de unidade nacional

Concorda 89,4 84,6 78,8 69,0 42,6 73,7

Mais ou menos 2,2 4,0 6,8 7,8 8,3 5,8

Discorda 8,4 11,4 14,5 23,3 49,2 20,5

(N) (357) (324) (400) (348) (303) (1.732)

* Não foram considerados os casos de “não sei” e os que não responderam à pergunta.

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Tabela 5

Progressismo Social e Radicalismo Político por Sofisticação Política (%)*

Sofisticação política

Índices Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta Total

Progressismo social

Baixo 24,5 16,3 14,8 7,7 2,7 14,4

Médio baixo 38,0 36,4 27,0 23,0 13,8 28,7

Médio alto 30,0 36,2 43,1 39,5 35,9 36,7

Alto 7,6 11,1 15,1 29,8 47,7 20,3

(N) (450) (343) (418) (352) (298) (1.901)

Radicalismo político

Baixo 41,3 28,9 25,9 21,7 3,4 25,8

Médio baixo 30,0 29,2 35,8 31,3 30,1 31,4

Médio alto 17,8 21,1 22,3 26,2 26,2 22,4

Alto 10,9 20,8 16,0 20,8 40,2 20,4

(N) (450) (346) (413) (355) (296) (1.860)

* Não foram considerados os casos de respostas “não sei” e os que não responderam às perguntas utilizadas para a construçãodos índices.

Tabela 4

Opiniões sobre Questões Diversas por Sofisticação Política (%)*

Sofisticação política

Índices de opinião Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta Total

Voto do analfabeto

Contra 26,5 24,4 36,7 42,1 46,8 34,4

A favor 73,5 75,6 63,3 57,9 53,2 65,6

(N) (495) (357) (431) (356) (299) (1.938)

Prisão especial

Certo 15,2 13,0 11,9 22,7 17,9 15,9

Mais ou menos 1,6 2,0 3,0 4,5 7,9 3,5

Errado 83,2 85,1 85,0 72,8 74,2 80,6(N) (506) (355) (428) (357) (302) (1.948)

Elevador de serviço

É ordem 40,8 46,8 44,3 51,5 54,8 46,9

Depende 3,2 4,7 4,7 7,0 3,7 4,6

É discriminação 56,1 48,5 50,9 41,5 41,5 48,5

(N) (471) (344) (422) (357) (299) (1.893)

* Não foram considerados os casos de “não sei” e os que não responderam às perguntas de opinião.

da democracia.17 Assim, é revelador observar,como mostra a Tabela 4, que as relações dessesitens com sofisticação política tendem a ser ooposto do encontrado nos casos anteriores: quantomais sofisticadas as pessoas, mais suas opiniões seinclinam na direção que cabe ver como antidemo-

crática quanto aos itens em questão (concretamen-te, em termos dos nossos indicadores, mais contrá-rias ao voto do analfabeto, menos propensas aconsiderar o elevador de serviço como discrimina-ção e a condenar o tratamento especial aos crimi-nosos de educação superior). Naturalmente, parte

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da explicação se encontra na alta correlação entrea sofisticação e as variáveis que entram na própriacomposição de nossa estrutura social fortementeestratificada e desigual, como a Tabela 1 ilustracom o caso da escolaridade, que se acha elamesma correlacionada, sem dúvida, com outrosfatores de posição socioeconômica: nossos sofisti-cados, sendo mais educados, tendem a ser tambémgente social e economicamente favorecida. A cons-tatação da inversão do sentido das relações comsofisticação no caso desses itens se mostra maissignificativa quando nos damos conta de que arelação positiva com sofisticação ocorre não so-mente no caso da adesão aos direitos civis e aosaspectos político-institucionais da democracia,mas também no de outros itens que agrupamos emdois índices, “progressismo social” e “radicalismopolítico” (Tabela 5). 18 Note-se que, se os valoresexpressos no conteúdo social do primeiro dessesíndices podem ser vistos como afins ao ideáriodemocrático convencional, enquanto o segundose relaciona de maneira equívoca com esse ideário,nenhum dos dois faz qualquer alusão direta aosproblemas envolvidos em nossa tradição aristocrá-tica e elitista.

Seja como for, a interpretação em termos deconvencionalismo se ajusta, como veremos emseguida, às constatações de maior interesse propi-ciadas pela análise dos dados. Antes de nos voltar-mos para elas, contudo, cabe salientar que oconvencionalismo apontado não tem por que selimitar aos aspectos diretamente político-institucio-nais da democracia. Ele certamente prevalece tam-bém, de maneira importante para o que virá aseguir, quanto a valores de maior alcance, emborapoliticamente relevantes, como o altruísmo, a soli-

dariedade ou o civismo, e se opõe à manifestaçãodesinibida de posturas egoístas ou cínicas que seorientem, sem mais, pelo interesse próprio. Vale apena observar, assim, os dados constantes daTabela 6, que se referem a uma pergunta de nossoquestionário na qual se procurou traduzir emtermos de atitudes com respeito a greves a tensãoentre objetivos comuns que exigiriam solidarieda-de e o cálculo relativo ao interesse próprio que seacha no cerne da análise clássica de Mancur Olson(1968) sobre o “dilema da ação coletiva”. 19 Obser-ve-se que a rejeição ao egoísmo calculista expressona pergunta não apenas é amplamente majoritáriaem todos os níveis de sofisticação, como tambémapresenta clara correlação positiva com esta últi-ma, com a discordância excedendo os 90 por centona categoria dos mais altamente sofisticados.

VI

Tomemos agora os dados relativos ao par devariáveis de significado especial anteriormentemencionado. Trata-se de duas perguntas ligadasentre si do questionário utilizado: na primeira seprocurava avaliar o caráter mais ou menos “cívico”e altruísta (ou, ao contrário, egoísta e talvez cínico)da atitude ou disposição geral que os entrevistadosse mostravam propensos a manifestar diante dosproblemas do país; já a segunda, que se aplicavasomente aos que respondiam de maneira “cívica” àpergunta anterior, envolvia a introdução de umacláusula “realista” e restritiva na definição da situ-ação hipoteticamente defrontada pelos entrevista-dos ao escolherem uma linha de conduta, procu-rando apreender o possível impacto dessa altera-ção (e, portanto, da mudança nos termos em que

Tabela 6

Opinião sobre Comportamento “Carona” por Sofisticação Política (%)*

“Carona” é Sofisticação política

mais inteligente Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta Total

Concorda 46,6 41,6 36,6 25,8 9,2 31,7

Discorda 53,4 58,4 63,4 74,2 90,8 68,3

(N) (268) (226) (325) (283) (273) (1.375)

* Não foram considerados os casos de “não sei” e os que não responderam à pergunta.

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supostamente se daria a apreensão cognitiva dasituação) sobre a atitude em questão. 20

As constatações permitidas pela observaçãodas respostas são grandemente reveladoras. Tome-mos a Tabela 7, que mostra, em diferentes catego-rias em que se combinam graus de escolaridade ede sofisticação, tanto as porcentagens de preferên-cia (“cívica”) por “pequenos ganhos” em resposta àprimeira pergunta quanto as proporções do deslo-camento para a preferência (“cínica”) por “maioresganhos” em resposta à segunda pergunta. Paracomeçar, observa-se o claro predomínio da dispo-sição altruísta ou cívica nas respostas à primeira dasduas perguntas. Embora haja celas em que aredução do número de casos prejudica o cálculode porcentagens (especialmente nas combinações

de escolaridade baixa com sofisticação muito alta ede escolaridade alta com sofisticação baixa, dada acorrelação existente entre as duas variáveis), éclara a tendência geral dos entrevistados a optarmajoritariamente, e freqüentemente em grandesmaiorias, pela alternativa em que se declara adisposição de aceitar pequenos ganhos para “aju-dar o esforço do governo”. Além disso, os númerosmostram, de maneira aparentemente consistentecom o que se observou acima a respeito da adesãoà democracia, perceptível tendência geral ao au-mento de “civismo” com o aumento de sofistica-ção: nos diferentes níveis de escolaridade, emboraocorram ocasionais perturbações, à medida que sesobe nos níveis de sofisticação tende-se a termaiores freqüências da opção altruísta por peque-

Tabela 7

Preferência por Pequenos Ganhos e Deslocamento para Maiores Ganhos

por Sofisticação Política e Grau de Escolaridade (%)*

Escolaridade

Sofisticação Preferência Até Primário Primário Ginasial Colegial Universitário

Política Incompleto Completo

Muito Baixa Pequenos ganhos 49,5 55,2 55,3 48,0 _

(N) (103) (80) (88) (12) (2)

Deslocamento p/ 20,4 15,0 21,6 16,7 _maior ganho

Baixa Pequenos ganhos 69,2 56,9 57,4 78,0 _

(N) (54) (58) (81) (32) (1)

Deslocamento p/ 20,4 25,9 28,4 40,6 _maior ganho

Média Pequenos ganhos 70,0 65,7 70,7 74,7 _

(N) (42) (71) (116) (71) (4)

Deslocamento p/ 26,2 25,4 29,3 33,8 _maior ganho

Alta Pequenos ganhos 70,0 70,8 72,9 64,8 70,8

(N) (14) (51) (86) (68) (34)

Deslocamento p/ 35,7 29,4 29,4 29,4 35,3maior ganho

Muito Alta Pequenos ganhos _ 81,3 81,4 76,5 73,0

(N) (2) (13) (35) (88) (92)

Deslocamento p/ _ 15,4 25,7 36,4 43,5maior ganho

* O complemento da primeira porcentagem é constituído pelos que responderam “maiores ganhos” e “não sei” ou nãoresponderam à primeira pergunta; o complemento da segunda porcentagem é constituído pelos que responderam “pequenosganhos” e “não sei” ou não responderam à segunda pergunta.

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nos ganhos. O efeito geral da interação entresofisticação e escolaridade é também bastanteclaro: como se observa ao longo da diagonalprincipal da tabela (números em itálico e sublinha-dos), com o aumento simultâneo de escolaridade esofisticação passamos de um nível geral de respos-tas “cívicas” de cerca de 49 por cento para outro de73 por cento, apesar da perturbação da tendênciageral ao crescimento contínuo que se observa napassagem da categoria de escolaridade “ginasial” esofisticação “média” para a de escolaridade “cole-gial” e sofisticação “alta”.

Quando examinamos, contudo, na mesmaTabela 7, as porcentagens relativas ao deslocamen-to de “civismo” para “cinismo” nas respostas àsegunda pergunta, observamos algo surpreenden-te. Pareceria provavelmente razoável esperar, à luzdos dados comentados no parágrafo anterior, queos setores sofisticados e educados das populaçõesestudadas, em geral mais propensos ao civismo, semostrassem também menos propensos ao desloca-mento em questão, reiterando a preferência altruís-ta por pequenos ganhos. O que os dados revelam,porém, é justamente o oposto: maiores sofisticaçãoe escolaridade tendem antes a produzir, de modogeral, diante da redefinição da situação introduzidapela segunda pergunta, maior inclinação à reavali-ação da posição altruísta inicial e à adesão àposição egoísta ou cínica. Isso se pode ver demaneira sintética, como nos números anteriores,pela observação da diagonal principal da tabela(atente-se agora para os números em negrito):passa-se de uma porcentagem de mudança deposição de 20,4 por cento na cela correspondenteàs categorias inferiores de escolaridade e sofistica-ção para outro de 43,5 por cento no caso dosextremos superiores dessas variáveis. Por certo,também aqui temos aspectos específicos dos da-dos que representam perturbações da tendênciageral observada; mas, nas observações relativas auma pergunta como à outra, o que se possaapontar de perturbação quanto à manifestação dospadrões destacados perde importância diante dofato de que, sendo tais padrões bastante claros nosnúmeros, o segundo deles redunda nitidamente,do ponto de vista dos conteúdos substantivosenvolvidos, na inversão do primeiro, o que garan-

tiria o interesse mesmo de observações que indi-cassem tendências mais tênues no plano dos nú-meros. Portanto, se a sofisticação parece favorecer,em condições normais, o predomínio de atitudes ecomportamentos orientados por normas de solida-riedade e civismo, ela levará, na ocorrência decircunstâncias que evidenciem o caráter inócuo ouineficaz dessa orientação (ou em que agir solidari-amente surja como equivalendo a “bancar o otá-rio”), a que se esteja mais pronto a substituir ocivismo pela disposição à defesa desembaraçadaou cínica do interesse próprio.

Essa configuração de certa complexidadeparece ajustar-se à interpretação acima sugeridaquanto à conexão entre sofisticação e convencio-nalismo. O crescimento das manifestações de sen-tido cívico ou solidário que teríamos nas respostasà primeira das duas perguntas em correspondênciacom o aumento da sofisticação política expressariao fato de que esta última seria um fator de exposi-ção mais adequada aos traços convencionais dacultura democrática e cívica. A redefinição restriti-va da situação contida na segunda pergunta tende-ria a induzir uma postura mais reflexiva por partedos entrevistados, para a qual os fatores de ordemintelectual expressos no índice de sofisticaçãopolítica seriam instrumentais — donde a mudançade sentido das correlações encontradas. 21

Naturalmente, essa linha de interpretaçãositua um problema intrigante no acoplamento querealiza entre reflexividade supostamente mais in-tensa e intensificação também do egoísmo oucinismo. Assim, do ponto de vista de uma teoria dodesenvolvimento moral, como avaliar o fato de osdados apontarem uma espécie de “regressão” aoegocentrismo em condições em que os entrevista-dos são convidados a refletir melhor e a ponderarcircunstâncias que se mostram adversas se aprecia-das do ângulo da moralidade convencional? Umamoralidade “pós-convencional” e autônoma serásempre ou necessariamente solidária ou altruísta? 22

Mas há também a possibilidade de ver as constata-ções indicadas em termos que salientam a contra-posição entre egoísmo ou altruísmo (e portantomoralidade), de um lado, e, de outro, mera racio-nalidade: assim como Olson sustenta, na obracitada, que a ocorrência do dilema da ação coletiva

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não depende de que os indivíduos sejam egoístas,mas somente de que sejam racionais (vale dizer,atentos a considerações de eficácia em suas ações),assim também nossos dados apenas mostrariamindivíduos que, quaisquer que sejam seus padrõesmorais, reorientam suas ações para a busca denovos objetivos, estabelecidos em termos de inte-resse próprio, em circunstâncias em que a condutamoralmente orientada é, por definição, provavel-mente ineficaz. Os sofisticados se distinguiriamapenas por terem melhores condições de avaliar aeficácia ou racionalidade da ação.

Seja como for, há ainda um aspecto especiala destacar das constatações permitidas pelos da-dos. Apesar de representar, em sua feição maisgeral, um claro desdobramento das observaçõesanteriores, esse aspecto realça certo componenteparadoxal da verificação básica aqui feita. Tome-mos a Tabela 8, em que as respostas às perguntasarticuladas sobre “civismo” e deslocamento para“cinismo” se distribuem simultaneamente por so-fisticação e por diversos índices de opinião sobreassuntos políticos e sociais já mencionados acima(os dois índices de “disposição democrática”, o deposição a respeito dos direitos civis, o de “progres-sismo social” e o de “radicalismo político”), alémdo item específico sobre a unidade nacional emtorno de um líder “honesto e decidido”. Algumasobservações podem ser assinaladas.

Por um lado, a opção “cívica” inicial por“pequenos ganhos” mostra relações desencontra-das com os diferentes índices. Na verdade, as dife-renças percentuais são em geral reduzidas. De todaforma, mesmo se tomamos os índices que parecemapresentar maior afinidade entre si, como os dois de“disposição democrática”, embora o efeito de sofis-ticação seja perceptível na tendência geral à intensi-ficação da opção cívica em cada categoria (baixa,alta etc.) dos índices à medida que a sofisticação seintensifica, a opção cívica tende a crescer com oaumento de “disposição democrática-1”, enquantotende a decrescer com o aumento de “disposiçãodemocrática-2”. Analogamente, o efeito do aumen-to dos valores dos índices sobre a opção cívica é nosentido de diminuí-la no caso dos direitos civis,enquanto tende levemente a aumentá-la no caso de“progressismo social” e apresenta variações dife-

renciadas nas diversas categorias de sofisticaçãonos casos de “radicalismo político” e do item sobreunidade nacional. Como quer que seja, talvez o queeste aspecto dos dados mostre de mais reveladorseja o fato de que as atitudes expressas em dois dostrês índices mais claramente relacionados com oideário democrático convencional (o de “disposi-ção democrática-2” e o de adesão aos direitos civis)redundam, em alguma medida, ao se intensifica-rem, em reduzir até mesmo a propensão inicial ao“civismo” que se revela na primeira de nossas duasperguntas articuladas, apesar do nível geral bastan-te alto dessa propensão.

Mas algo mais nítido emerge quando consi-deramos a outra observação que a Tabela 8 permi-te, isto é, a das porcentagens relativas ao desloca-mento de “civismo” para “cinismo” diante da rede-finição da situação introduzida pela segunda per-gunta. Também aqui as diferenças percentuais sãoàs vezes reduzidas. O que os dados mostram,porém, é um perceptível padrão em que as propor-ções de reopção “cínica” são tanto maiores quantomaiores são as inclinações democráticas dos entre-vistados, quanto mais firmemente aderem à idéiados direitos civis, quanto mais socialmente pro-gressistas se mostram (mais tolerantes com oshomossexuais e com a idéia do aborto, maisfavoráveis à emancipação das mulheres) — e atéquanto maior o seu radicalismo político, que,apesar de relações equívocas que talvez apresentecom certa concepção do ideal democrático, tende-mos normalmente a associar com envolvimentopolítico e dedicação a causas públicas. Assim,seriam justamente os mais “cívicos”, em sentidoamplo da expressão, que se revelam mais prontosa rever a opção cívica em favor da defesa egoístado interesse próprio quando se altera em termosrealistas a definição da situação.

Naturalmente, parte importante dessa cons-tatação se deve à correlação que antes encontra-mos entre sofisticação e os itens de opinião consi-derados. Se, como observamos antes, os maissofisticados são tanto os mais democráticos ecívicos quanto os mais propensos ao deslocamen-to realista para o “cinismo” em determinadascircunstâncias, é natural que, nas mesmas circuns-tâncias, os mais democráticos e cívicos revelem a

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DEMOCRACIA, CIVISMO E CINISMO 39

Tabela 8Preferência por Pequenos Aumentos e Deslocamento para Maiores Ganhos

por Índices Diversos e por Sofisticação Política (%)*

Sofisticação política

Preferência Baixa Média AltaDisposição democrática -1

Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Altabaixa alta baixa alta baixa alta

Pequenos 61,2 56,6 60,7 66,3 64,8 66,3 75,2 72,2 68,0 56,5 73,2 75,7aumentos(N) (41) (94) (150) (67) (35) (108) (170) (104) (17) (26) (82) (199)Deslocamento p/ 26,8 20,2 28,7 26,9 31,4 27,8 31,2 30,8 23,5 38,5 35,4 36,2maior ganho

Disposição democrática - 2Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta

baixa alta baixa alta baixa altaPequenos 65,3 64,8 59,0 58,1 77,5 73,0 68,4 70,9 80,6 68,6 72,8 72,0aumentos(N) (64) (81) (111) (86) (62) (84) (93) (158) (25) (24) (67) (206)Deslocamento p/ 20,3 24,7 25,2 33,7 21,0 21,4 32,3 41,1 32,0 12,5 41,8 36,4maior ganho

Posição sobre direitos civisBaixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta

baixa alta baixa alta baixa altaPequenos 61,8 57,5 58,6 54,5 74,1 70,8 66,7 72,3 80,9 71,4 71,8 71,6aumentos(N) (160) (168) (99) (48) (149) (121) (102) (73) (55) (70) (89) (106)Deslocamento p/ 21,3 22,6 18,2 31,3 28,9 28,9 29,4 34,2 30,9 31,4 36,0 38,7maior ganho

Opinião sobre movimento de unidade nacionalConcorda Mais ou Discorda Concorda Mais ou Discorda Concorda Mais ou Discorda

menos menos menosPequenos 63,4 47,6 49,3 71,8 53,3 79,0 73,4 79,4 71,6aumentos(N) (376) (10) (33) (324) (24) (83) (171) (27) (131)Deslocamento p/ 23,1 20,0 36,4 30,2 20,8 33,7 34,5 48,1 35,1maior ganho

Progressismo socialBaixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta Baixa Média Média Alta

baixa alta baixa alta baixa altaPequenos 55,1 53,1 64,2 65,3 71,3 65,4 74,3 68,4 70,6 72,6 72,0 74,1aumentos(N) (97) (165) (174) (49) (57) (106) (197) (80) (12) (53) (116) (143)Deslocamento p/ 13,4 24,8 23,6 32,7 19,3 31,1 29,4 37,5 33,3 32,1 32,8 39,9maior ganho

Radicalismo políticoBaixo Médio Médio Alto Baixo Médio Médio Alto Baixo Médio Médio Alto

baixo alto baixo alto baixo altoPequenos 62,2 61,0 54,9 47,9 67,5 70,4 77,9 61,8 70,6 79,3 70,7 68,5aumentos(N) (178) (144) (84) (58) (108) (150) (109) (68) (24) (107) (87) (102)Deslocamento p/ 19,7 29,2 20,2 25,9 23,1 34,0 29,4 32,4 20,8 25,2 40,2 48,0maior ganho

* Ver Tabela 7.

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mesma propensão. Contudo, a Tabela 8, na qualse acham controlados os níveis de sofisticação,desvenda, ainda que residualmente, um aparenteefeito autônomo das variáveis de opinião, além demostrar os diferentes impactos que maior oumenor sofisticação pode ter no sentido de intensi-ficar ou atenuar esse efeito em diferentes casos.Ora, esse efeito é nitidamente paradoxal, poisredunda em sugerir que quanto mais se adere auma norma, menos efetiva ela é em situações emque é posta à prova. Acreditamos que a interpre-tação possível se formularia também em termos desofisticação, apontando nas observações de agoraa operação da mesma lógica assinalada anterior-mente. Dado que na Tabela 8 já se controla asofisticação política tal como se expressa na medi-da por nós utilizada, a interpretação envolveriareconhecer as limitações dessa medida (como dequalquer outra que se elaborasse, talvez), vendoainda como provável expressão de fatores ligadosa sofisticação intelectual geral (e portanto comoinduzindo a atitude mais propensa ao cálculo emcertas circunstâncias restritivas) o simples fato deas pessoas chegarem a assimilar os valores demo-cráticos e cívicos, mesmo se se revelar deficienteo seu nível de informação sobre questões políti-cas, por exemplo, ou outros aspectos considera-dos em nosso índice. À luz do observado no con-junto dos dados sobre os efeitos gerais de sofisti-cação, a interpretação parece impor-se especial-mente quando se atenta para os casos em que, naTabela 8, o impacto mais forte da adesão a valoresde cunho democrático e cívico sobre o desloca-mento realista rumo ao “cinismo” se dá em nossacategoria de baixa sofisticação, como ocorre nosdados relativos a “disposição democrática-2”, di-reitos civis, “progressismo social” e “unidade na-cional”.

VII

Em conclusão, o significado dos padrões demaior nitidez e consistência que os dados revelamparece bastante claro. O que vemos são mecanis-mos de natureza cognitiva (expressos na definiçãode que se dispõe da situação em que hipotetica-mente se vai agir e nos diversos níveis de sofistica-

ção intelectual com respeito a assuntos políticos)cuja atuação se dá ora no sentido de reforçar e orano de suspender a operação de normas altruístas,solidárias ou cívicas às quais as pessoas declaramaderir efetivamente. São também claras as implica-ções dessas constatações do ponto de vista dasdisputas teórico-epistemológicas que têm agitadoas ciências sociais e nas quais tendem a se enfren-tar os partidários de uma perspectiva dita “econô-mica”, que chama a atenção para a racionalidade eo cálculo, e outra dita “sociológica”, ciosa do papeldos valores, da cultura e das normas. Em vez dacontraposição cortante entre os dois aspectos, osdados indicam que um elemento crucial para ocálculo — o elemento cognitivo, a informação emsentido amplo — se articula de maneira complexacom as normas. As recomendações que daí decor-rem apontam para a impropriedade da posiçãoinclinada a ver uma tensão insuperável nas rela-ções entre o racional e o valorativo ou normativo,ou entre a “economia” da ação, que diz respeito aseus aspectos de instrumentalidade e eficácia, e a“energética” da ação, na qual se trata de seusaspectos motivacionais e da variedade de fatores(valores, normas, impulsos, afetos) relevantes paraa motivação.23 Tais recomendações se tornam tal-vez banais a um olhar um pouco mais atento erefinado, mas é notável que o fato de que esserefinamento esteja à mão não impeça que prospe-rem interminavelmente os equívocos envolvidosno enfrentamento corrente de orientações ouabordagens.

Quanto aos problemas mais específicos deanálise política referidos à democracia e à suainstitucionalização ou consolidação, parece certa-mente defensável a perspectiva que associa a“equilibração” democrática — em que o realismoao estilo de Przeworski pretende ver o processodecisivo de estabelecimento da democracia — nãoapenas com um elemento normativo, mas especi-ficamente com a implantação de normas que ope-rem de maneira irrefletida e espontânea, tornando-se convencionais e resultando numa “cultura polí-tica” apropriadamente cívica e democrática. Nãoobstante, nossa análise mostra a relevância que osaspectos de natureza cognitiva ou intelectual po-dem adquirir no processo, pois os dados indicam o

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papel peculiar de situações em que cognições(percepções, expectativas) tornam irrelevantes einoperantes mesmo as normas a que convencio-nalmente se adere.

A pergunta crucial a emergir é a de se taissituações ocorrerão de maneira mais ou menosfreqüente ou rara. Os mecanismos revelados pornossos dados apontam para a possibilidade deuma espécie de surdo solapamento “hobbesiano”que talvez se desse até em democracias estabeleci-das, onde as normas convencionais e arraigadascorrespondam supostamente às da “cultura cívica”.A dinâmica em que se produziria esse efeito seriaanáloga à observada na aceleração de processosinflacionários, em que mesmo o suposto apego detodos ao “bem público” correspondente a preçosestáveis (apego equivalente, em nosso caso, àadesão às normas convencionais de civismo) semostra irrelevante para as decisões de cada qualquanto a elevar ou não seus próprios preços (emnosso caso, eventualmente agir contra as normas,de maneira egoísta) diante da percepção das cir-cunstâncias dadas pelo comportamento dos de-mais. De outro lado, para o caso dos países em queprevalece a condição pretoriana, com o jogo “fisi-ológico” de vale-tudo que lhe é próprio, a lógicarevelada pelos dados na operação daqueles meca-nismos sugere também uma maneira nova deconsiderar tal condição, em que tão longamentenós brasileiros nos temos debatido nas oscilaçõesde nossa história republicana e que tem impedidoo enraizamento efetivo e cabal das instituiçõesdemocráticas. Nessa perspectiva nova, a superaçãodo pretorianismo não dependeria apenas (e talvezsequer principalmente) de que normas cívicassejam difundidas e assimiladas, mas antes de umdifícil jogo de coordenação em que as cognições eexpectativas venham a convergir de modo consis-tente em direção propícia. 24

Um aspecto especial dos dados permite algu-mas reflexões finais. Trata-se do fato de que asreavaliações “cínicas” destacadas em nossa análisesão minoritárias: mesmo nos casos de sofisticaçãoalta, em que ocorrem com mais freqüência, osdeslocamentos para a opção egoísta não alcançamnunca, em nossos dados, o nível dos 50 por cento,ocorrendo em proporções bem mais baixas nos

demais casos. Uma primeira ponderação a respeitoé de natureza teórico-metodológica, tendo a vercom as conseqüências que eventualmente se po-deria pretender extrair daí para a questão docaráter mais raro ou freqüente da operação dosmecanismos observados. O ponto a salientar éque, naturalmente, o fato de serem minorias a sedeslocar para o “cinismo” não impede que asarticulações evidenciadas entre as variáveis discu-tidas, ou os mecanismos correspondentes, atuemem diferentes sociedades e circunstâncias; alémdisso, os dados sugerem que circunstâncias de umtipo específico (crises) provavelmente resultarãoem que haja, no âmbito de determinada sociedade,a operação mais difundida dos mecanismos cogni-tivos na forma neles observada.

Mas cabem também algumas ponderações emque aspectos empíricos e doutrinários se achammais intimamente mesclados. As minorias de queaqui se trata correspondem, por definição, sobretu-do à elite mais sofisticada e politicamente envolvi-da. Ora, se a maior sofisticação que caracteriza aelite torna o civismo mais apto a degenerar emcinismo, então uma “cultura cívica” capaz de ter asconseqüências benéficas que lhe são atribuídascom respeito à democracia não deveria ser muitoexigente quanto à sofisticação e ao envolvimentodos cidadãos — ela teria antes na relativa apatiados cidadãos um correlato necessário. Vemo-nosexpostos, assim, aos paradoxos de uma espécie de“gullibility theory of democracy”, ou de visão naqual certa passividade e mesmo ingenuidade apare-cem como necessárias à estabilidade democrática,por contraste com o ideal republicano do cidadãoalerta e participante. Diante dessas deficiênciassupostamente desejáveis para a democracia, comocaberia avaliar, por exemplo, as conseqüências dodesenvolvimento material e intelectual, sobretudose se presume que o processo geral se dê em termosde desenvolvimento capitalista e de expansão dasrelações típicas do mercado, tendentes por si mes-mas a estimular o cálculo orientado pelo interessepróprio? De qualquer modo, eis a síntese de obser-vações sobre o funcionamento da democracia base-adas em dados de surveys canadenses, a qual dáexpressão adequada a certa intuição realista quemuitos compartilham: a democracia envolveria “mi-

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norias ‘intensas’ [sofisticadas e ‘cognitivamente com-petentes’] a estabelecer as fronteiras do debatepolítico, enquanto os que lutam por cargos manipu-lam maiorias apáticas dentro das fronteiras assimestabelecidas”; “o problema da estabilidade demo-crática consiste na agregação política de minoriassensíveis às questões políticas [ issue-sensitive mino-rities], e não em algum nível geral de apoio para acomunidade política ou o regime”. 25 Nessa óptica,em que o realismo parece impor-se mesmo no casode um país de capitalismo avançado e de democra-cia consolidada, também o jogo de coordenaçãocognitiva acima sugerido como necessário à supe-ração do nosso próprio pretorianismo estará talvez,para bem ou para mal, restrito a certa parcelareduzida da população.

Como quer que seja, o desafio com que nosdefrontamos pode talvez ser sintetizado por refe-rência à complexidade característica do próprioideal contemporâneo de cidadania. Se esse idealcontém, por uma parte, um elemento igualitário econsensualista que diz respeito ao compartilha-mento do status resultante da inserção numa co-munidade, elemento este ao qual correspondemas virtudes solidárias e cívicas e os deveres ouresponsabilidades do cidadão, ele contém tam-bém, irrecusavelmente, certo elemento de afirma-ção autônoma de cada membro individual dacoletividade — e aqui se trata de algo que élatentemente conflitual antes que solidário ou con-vergente. Na verdade, essa ambivalência é caracte-rística da própria política como tal: de um lado, aafirmação instrumental (para a qual o fator cogni-tivo e o cálculo são cruciais) dos interesses, queserão, no limite, interesses individuais; de outro, adefinição de focos de solidariedade e de identida-des coletivas em diferentes escalas, de cujo conví-vio resulta também a definição de interesses cole-tivos e compartilhados. O grande desafio defronta-do no processo político moderno pode ser vistocomo correspondendo justamente à conciliaçãodas tensões que daí resultam, de modo a atender àdemanda contraditória de que a cidadania sejasimultaneamente um foco de convivência igualitá-ria e solidária dos agentes sociais e uma arena paraa afirmação lúcida e autônoma de objetivos ouinteresses de qualquer natureza. 26

NOTAS

1 Laitin (1995) é uma útil resenha de vários volumesrecentes que se ligam de alguma forma à tradição deestudos de cultura política iniciada por Almond e Verba,dos quais o de maior impacto é certamente Putnam(1993). No Brasil, estudos recentes têm retomado a idéiada cultura política. Merece destaque o livro de JoséÁlvaro Moisés (1995), onde se analisa extenso conjuntode dados de surveys. Pode-se citar também Lamounier eSouza (1991).

2 Dois exemplos são Przeworski (1991 e 1995).

3 Veja-se, por exemplo, Elster (1986). Cabe mencionartambém a busca dos limites da racionalidade feita emtrabalhos como Elster (1979 e 1989).

4 Tentativa recente (e não de todo bem-sucedida, dadasas confusões em que se envolve) de distinguir o modeloexplicativo da escolha racional de um outro modelotratado como “cognitivo” se tem em Boudon (1998).Veja-se também Reis (1997), republicado em Reis(2000a).

5 Pois, não obstante a importância atribuída à categoria daracionalidade, dar conseqüência a essa importância eatentar plenamente para as complicações envolvidasfatalmente levariam a perspectiva da escolha racional adiluir-se numa sociologia “convencional” para apreen-der de maneira adequada aquilo que molda socialmenteo próprio ator racional como tal — e a preservação daespecificidade da abordagem exigiria a adesão a umaconcepção antes tosca e míope de racionalidade. Omovimento correspondente à economia “pós-walrasia-na”, recoberto pela designação confusa de “novoinstitucionalismo” e incluindo a “ information econo-mics”, de Joseph Stiglitz (1994), a “ transaction costeconomics”, de Oliver Williamson (1985), e o “ contestedexchange”, de Samuel Bowles e Herbert Gintis (1993),pode ser visto como consistindo, no fundo, na tentativade responder a esse paradoxo, com o questionamentodos supostos da economia neoclássica no próprio cora-ção da disciplina que inspira a abordagem da escolharacional e com a diluição da fronteira entre a economiae as demais ciências sociais.

6 Vejam-se Converse (1964) e Neuman (1986). Um exem-plo mais recente de estudo dedicado aos efeitos eleito-rais da sofisticação política se tem com MacDonald,Rabinowitz e Listhaug (1995).

7 Cabe mencionar dois exemplos em perspectivas analíti-cas diferentes. O primeiro é o livro de Marcus Figueire-do (1991). Não obstante o lugar central ocupado pelaidéia do eleitor racional nas discussões nele feitas, nãohá qualquer atenção especial para o fator cognitivocomo tal e sua possível relevância para a racionalidade.O outro é o livro de J. A. Moisés (1995) mencionadoanteriormente. A perspectiva aqui é antes sociológica eculturalista, mas tampouco há maior ênfase nos aspec-tos cognitivos, apesar do reconhecimento da importân-cia da escolaridade (conectada com “sofisticação” emnota de rodapé em que se remete ao volume de Neuman

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acima citado) e da informação, da qual se apontambrevemente efeitos análogos aos que são tratados emtermos de “centralidade” em nossos trabalhos anterioresque se mencionam em seguida.

8 Os dois modelos foram classicamente confrontados emPizzorno (1966).

9 Vejam-se, por exemplo, Reis (1983) e Reis e Castro(1992), republicados em Reis (2000a).

10 Para a idéia de causalidade supra-intencional, tomadacomo a resultante, no nível agregado, das ações inten-cionais de numerosos agentes, veja-se Elster (1978).

11 Veja-se, por exemplo, Habermas (1979).

12 O projeto, que se denominou Pacto Social e Democraciano Brasil e teve o apoio financeiro da Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fape-mig), foi coordenado por Fábio Wanderley Reis econtou, em todas as suas fases, com a participação deMônica Mata Machado de Castro e de Edgar Pontes deMagalhães, Antônio Augusto Pereira Prates e MaloriPompermayer. O trabalho de campo esteve a cargo doInstituto Vox Populi, sob a supervisão da equipe doprojeto. Cumpre registrar nossos agradecimentos pelacolaboração mantida com equipe do Centro Brasileirode Análise e Planejamento (Cebrap), sob a liderança deGuillermo O’Donnell, especialmente no que se refere àpreparação de parte do questionário e aos contatos(com a ajuda, em particular, de Vinicius Caldeira Brante Adalberto Cardoso) para a realização das entrevistascom algumas das amostras de trabalhadores menciona-das em seguida.

13 O índice geral de sofisticação política combinava umadimensão dada por três perguntas sobre o envolvimentocom a política (interesse por política, exposição aonoticiário político nos meios de comunicação de massase o que às vezes se designa em termos de “sentimentode eficácia política”, ou seja, a concordância ou não coma idéia de que a política é complicada e não pode serentendida) com outra dimensão dada por três conjuntosde perguntas em que o que interessava e foi objeto decodificação eram dois aspectos: o grau de informação,em sentido estrito, de que dispunham os entrevistadossobre assuntos políticos e “trabalhistas”, por um lado, e,por outro, o que se poderia designar como sua capaci-dade de “conceitualização”, traduzindo-se na capacida-de de responder de maneira elaborada e refinada aperguntas abertas sobre assuntos político-econômicosdiversos. Os dois conjuntos estritamente informacionaisprocuravam avaliar a capacidade dos entrevistados deligar corretamente duas listas de nomes a cada uma dasdiferentes centrais sindicais (em um caso) e a cada umdos partidos políticos (em outro) existentes no Brasil. Oterceiro conjunto, em cuja codificação se levou emconta também o caráter mais adequadamente elaboradoou preciso das respostas, indagava do entrevistado “oque foi o Plano Cruzado”, “o que quer dizer ‘marajá’”, “oque significa FGTS”, “o que é o parlamentarismo”, “oque é que anda acontecendo nos países socialistas daEuropa”, “o que entende por pacto social” e qual foi oacontecimento ocorrido no Brasil em 1964 e qual o seu

significado. Os três conjuntos se mostraram altamentecorrelacionados entre si e com escolaridade. Informa-ções pormenorizadas sobre os diversos aspectos dotrabalho de elaboração do índice de sofisticação políticae das dimensões ou subíndices que o compõem encon-tram-se em Castro (1994, Anexo II).

14 O índice de “disposição democrática-1” incluía pergun-tas sobre a preferência pela democracia (por contrastecom “em alguns casos, uma ditadura ou um regimeautoritário” e com a idéia de que “para o povo, naverdade, dá tudo na mesma”), sobre as eleições como “amelhor maneira de se escolher o governo e as autorida-des do país”, sobre a necessidade da Câmara dosDeputados, “do ponto de vista da utilidade prática”, esobre a necessidade dos partidos políticos, “se quere-mos ter democracia”. O índice de “disposição democrá-tica-2” incluía três perguntas em que se pedia a concor-dância ou discordância com afirmações formuladas nosseguintes termos: “os problemas do país nunca vão seresolver se a gente não deixar o presidente governar dojeito que ele achar melhor para todos”; “os juízes e ostribunais não deveriam se meter nas decisões que opresidente toma”; e “uma vez eleito, o presidente devemandar sem o Congresso e os partidos políticos criaremobstáculos”.

15 O índice de posição sobre os direitos civis se refere auma bateria de perguntas em que se pedia a concordân-cia ou discordância com cada uma das seguintes afirma-ções: “gente que a polícia prende por praticar crimesdeve poder ser mostrada nos noticiários de televisão,pois bandido tem mesmo é que passar vergonha”; “é umabsurdo a polícia invadir barracos de favelas, semordem da Justiça, para procurar criminosos”; “a elimina-ção de bandidos pelos esquadrões da morte ou oslinchamentos de bandidos pelo povo são coisas que agente tem de aceitar quando a violência dos criminososaumenta”; “torturar gente presa, mesmo para combateros criminosos, é inaceitável”; “a polícia faz bem emexigir que pessoas suspeitas mostrem a carteira detrabalho para provar que são gente boa”.

16 Na verdade, a observação mais pormenorizada dosdados a respeito revela que é preciso ir aos níveissuperiores de escolaridade (nível universitário) e sofis-ticação para se encontrar, por exemplo, a opiniãofavorável aos esquadrões da morte e ao linchamento debandidos em minoria perante outras opiniões — emesmo aí a opinião favorável se situa na faixa dos 30 porcento.

17 Especificamente, as perguntas pertinentes do questio-nário utilizado referiam-se às atitudes ou opiniões dosentrevistados a respeito do voto do analfabeto (contraou a favor) e de dois temas menos diretamente políticos:o direito a prisão especial para as pessoas de cursosuperior (em que os entrevistados eram convidados aescolher entre as respostas “é uma boa medida, porqueas pessoas de curso superior que se vêem envolvidas emcrimes devem ter direito a tratamento especial” e “é umamedida errada, porque os criminosos de qualquer tipodevem ter o mesmo tratamento”) e a separação entre

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elevador social e elevador de serviço nos edifícios deapartamentos (com escolha entre as respostas “a sepa-ração entre elevador social e de serviço é apenas umaforma de manter a ordem e o bom funcionamento dosedifícios” e “a obrigação de usar o elevador de serviçoé também uma forma de discriminar e humilhar certascategorias de pessoas”).

18 O índice de “progressismo social” baseou-se em trêsperguntas referidas à concordância ou discordânciacom as seguintes afirmações: “o melhor trabalho para amulher é tomar conta da casa”; “os homossexuaisdevem ser aceitos como qualquer outra pessoa” e “todamulher que queira deveria ter a possibilidade de fazeraborto”. O índice de radicalismo político refere-se àaprovação ou desaprovação de formas de reivindicar ouprotestar que iam desde abaixo-assinados até ações desabotagem nas empresas, passando por manifestaçõespúblicas e passeatas, greves e ocupações de prédios efábricas, bem como à aprovação ou desaprovação(tomada com valores invertidos em relação aos dos itensanteriores) das reações eventualmente suscitadas: o usoda força pela polícia para dissolver manifestações, o usodo Exército contra greves, a demissão de grevistas ou odesconto dos dias de greve no pagamento dos grevistas.

19 A pergunta indagava sobre a concordância ou discor-dância do entrevistado diante do seguinte enunciado:“Alguns acham que, em matéria de greve, a coisa maisinteligente a fazer é não participar, pois se a greve forvitoriosa o trabalhador ganha de qualquer jeito, e se nãofor vitoriosa ele não coloca em risco o seu emprego”.

20 Era a seguinte a formulação exata das duas perguntas:

A. “Digamos que o governo estivesse fazendo tudo oque é preciso para tirar o país da crise em que ele estáe fosse necessário discutir a questão dos salários, lucrosou ganhos de cada um. Neste caso, o Sr.: 1. se conten-taria com pequenos aumentos de salário (ou outrosganhos pessoais) se isso fosse ajudar o esforço dogoverno; ou 2. preferiria maiores aumentos de salário(ou outros ganhos), mesmo atrapalhando os planos dogoverno.”

B. “(Se escolheu a alternativa 1 na anterior) Digamosque a maioria preferisse ganhos ou aumentos imediatose que, em conseqüência, o esforço do governo para tiraro país da crise, mesmo sério e bem-intencionado,tivesse poucas chances de dar certo. Neste caso, o Sr.: 1.continuaria se contentando com pequenos aumentos desalário (ou outros ganhos) para ajudar o esforço dogoverno; ou 2. preferiria maiores aumentos de salário(ou outros ganhos), mesmo ajudando a atrapalhar osplanos do governo.”

21 Vale notar que exatamente os mesmos padrões assina-lados na Tabela 7 podem ser encontrados também comrespeito às relações entre algumas das variáveis “traba-lhistas” de interesse central na pesquisa desenvolvida,referidas à idéia do “pacto social”. Não tínhamos, nestecaso, a mesma estrutura da dupla de perguntas articula-das em que a segunda redefine a situação. Mas os itensdo questionário relacionados com o pacto social, emseguida a um enunciado inicial em que se explicava

que, com ele, “haveria negociações entre o governo, ospatrões e os sindicatos de trabalhadores para combatera alta do custo de vida e fixar regras para os preços e ossalários”, incluíam perguntas passíveis de terem suasrelações exploradas de maneira análoga à da Tabela 7:em primeiro lugar, uma pergunta em que se pedia queo entrevistado se manifestasse sobre a possibilidade, emabstrato, de “um pacto desse tipo dar bons resultadospara todo mundo (o país, os patrões, os trabalhadores)”;em segundo lugar, duas perguntas em que se pedia aavaliação pelo entrevistado da confiabilidade do gover-no, por um lado, e dos empresários, por outro, em seucomportamento relativamente ao pacto (concordânciaou discordância quanto a que “a seriedade do governonesse assunto do pacto social merece confiança” e “agente pode acreditar que os empresários cumpririamum acordo de conter preços”). Tomando os que semanifestam favoravelmente à idéia geral do pacto sociale examinando, entre eles, as proporções dos que mos-tram não confiar no comportamento quer do governo,quer dos empresários, as observações das relações comescolaridade e sofisticação são as mesmas encontradasna Tabela 7: enquanto a disposição em princípio favo-rável ao pacto cresce claramente com o aumento nosvalores dessas duas variáveis, quando nos voltamospara o nível mais “concreto” da confiabilidade do go-verno e dos empresários são as respostas negativas quecrescem, de maneira igualmente clara, com o aumentode escolaridade e sofisticação. Na linha de interpretaçãosugerida, o convite para opinar em abstrato a respeito dadesejabilidade do pacto social tenderia a representaruma oportunidade para a expressão de valores conven-cionais, enquanto a avaliação da confiabilidade deagentes como o governo e os empresários dependeriaem maior medida das informações efetivas de que sedispõe e se mostraria assim propícia ao crescimento dadisposição crítica com maior sofisticação.

22 Talvez o esclarecimento do problema geral exija que seconcebam diferentes graus (e quem sabe diferentesformas) de reflexividade, de maneira que se poderiapretender ver como compatível com a perspectivarelativa ao desenvolvimento moral ligada aos nomes dePiaget, Kohlberg e Habermas que mencionamos acima.Seria então possível reconhecer que: (1) se começamosde níveis cognitivos efetivamente pobres ou precários,avanços cognitivos podem resultar em convencionalis-mo, com as pessoas transitando do egocentrismo irrefle-tido para a adoção convencional da perspectiva dogrupo; seria num ponto adiantado do processo aísuposto, com graus crescentes de reflexividade, queteríamos as pessoas alcançando formas de moralidadeautônoma, capazes de se oporem à moralidade conven-cional do grupo; (2) o tipo “realista” de reflexividadeque os dados indicam (intensificação da propensão aocálculo egocêntrico com sofisticação crescente) poderiaser visto quer (a) como eventual refluxo ou regressão nomovimento rumo a níveis cada vez mais altos dereflexividade que supostamente deveria ocorrer noprocesso de desenvolvimento moral, quer (b) comouma forma eventualmente diferente de reflexividade.

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Para os autores interessados no tema da moralidade, aquestão envolvida na escolha entre as alternativas a e bseria provavelmente a de até que ponto caberia falarlegitimamente de reflexividade numa situação (alterna-tiva b) que deveria ser vista como problemática oudeficiente do ponto de vista moral por estar associadacom o cálculo egocêntrico. Naturalmente, negar que setrate aí de reflexividade equivaleria a assimilar cogniçãoe moralidade de maneira que nos parece insustentávele que se opõe ao que se diz logo em seguida no texto.

23 Vejam-se, a respeito, Reis (2000b e 1997), este últimorepublicado em Reis (2000a).

24 Em comentário a versão anterior deste texto, AntônioOctávio Cintra levanta um problema que merece men-ção: a idéia de que os mecanismos revelados por nossosdados representariam fatores de crise seria contrariadapor observações como o apoio aparentemente genera-lizado que o dramático confisco da poupança realizadopelo presidente Collor em nome do combate à inflaçãoteria recebido. Sem entrar na questão empírica de emque grau esse apoio terá efetivamente acontecido, nãome parece que se tenha nele, ou em ocorrênciasanálogas, algo que se contraponha à sugestão feita. Elese ajustaria perfeitamente às condições consideradas naprimeira das duas perguntas a que se referem os dadosda Tabela 7 (um governo que faz o que é necessário epede sacrifícios de todos) e que são objeto de reaçõesde sentido cívico, como vimos; não há, na situação docomeço do governo Collor, nada que devesse levar àpercepção geral de que a medida estivesse fadada a nãodar resultado, em sintonia com a cláusula restritivaintroduzida na segunda pergunta. Além disso, as conse-qüências agregadas possivelmente perversas da intera-ção entre agentes múltiplos (às quais se refere explicita-mente aquela cláusula) são até a grande razão para quese conte com a ação coordenadora e saneadora doEstado — e cabe mesmo, naturalmente, pretender verno papel cumprido pelas lideranças políticas e governa-mentais o fator decisivo da eventual coordenação propí-cia de percepções e expectativas que a superação dopróprio pretorianismo exigiria. O que se pode acrescen-tar é que a percepção difundida das ações dessaslideranças como redundando em fracasso (ou talvezcomo insuficientemente orientadas, elas próprias, porconsiderações cívicas) provavelmente ajudará a comporo quadro em que a sensação de “bancar o otário” levaráao enfraquecimento que os dados sugerem das disposi-ções cívicas da população, assim cumulando os efeitosnegativos dos mecanismos envolvidos.

25 Laitin (1995, p. 171), resumindo as principais contribui-ções encontradas em Elkins (1993).

26 A elaboração desses temas pode ser encontrada em Reis(1974 e 1989), republicados em Reis (2000a).

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