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DEMOGRAFIA De janeiro a maio nasceram menos 1036 bebés do que no mesmo período do ano passado, interrompendo a recuperação de 2015 e 2016. Sem aumento da fecundidade, a perda de população vai agravar-se. El

DEMOGRAFIA janeiro maio interrompendo aumento perda El · a recuperação de 2015 e 2016. ... organização do tempo de trabalho para mães e pais, ... O modelo português de licença

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DEMOGRAFIA De janeiro a maio nasceram menos 1036 bebésdo que no mesmo período do ano passado, interrompendoa recuperação de 2015 e 2016. Sem aumento da fecundidade,a perda de população vai agravar-se. El

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Natalidade Perda de população, e sobretudo população em idade ativa, vai

agravar-se nos próximos anos, penalizando a economia, se Portugal não

conseguir aumentar a sua fecundidade que é a mais baixa da União Europeia

Não há volta a dar.A econo mia precisade mais bebés

SÔNIA M. LOURENÇO

ortugal "deverá en-frentar grandes

1 desenvolvimentosJ demográficos adver-

_^ sos", que "terão umimpacto significativono crescimento eco-nómico". As palavrassão do Fundo Mo-

netário Internacional, na análisea Portugal em 2016 (ao abrigo do

artigo IV) e destacam aquele que,para Paul Krugman, prémio Nobelda Economia, é um dos principaisproblemas da economia portuguesa:a demografia.

O diagnóstico é claro. A reduçãoda população e, em particular, dapopulação em idade de trabalhar —

resultado do envelhecimento e da

vaga de emigração de trabalhadoresjovens durante os anos da troika —

penaliza o crescimento da economiae torna muito mais difícil reduzir oelevado endividamento (o rácio da

dívida pública em relação ao PIB estános 131%). Ao mesmo tempo, colocaas finanças públicas sob pressão, como número de contribuintes a encolhere os gastos relacionados com o enve-lhecimento a subir de forma significa-tiva (despesa com pensões e saúde).

Os problemas já se sentem. Desde2009, Portugal perdeu quase 264mil pessoas (até 2016) e a populaçãoativa potencial (população ativa maisinativos entre os 15 e os 64 anos quetraduz, grosso modo, os inativos emidade para fazerem parte da forçade trabalho) encolheu em 354 miltrabalhadores entre 2011 e 2017. Evão agravar-se no futuro. O Institu-to Nacional de Estatística projetaque Portugal perderá 2,8 milhões de

pessoas até 2080. E a população emidade ativa diminuirá em 2,9 milhõesde pessoas, para apenas 3,8 milhões.Como resultado, o índice de susten-tabilidade potencial (rácio entre apopulação com idades entre os 15e os 64 anos e a população com 65

ou mais anos) deverá diminuir dosatuais 3,1 (estava em 4,2 no início do

século), para apenas 1,4 em 2080.

Imigração não chega,são precisos mais bebés

Para alterar estas perspetivas negras,Portugal precisa de mais imigrantes.Mas, não chega. O estudo "Migraçõese sustentabilidade demográfica", daFundação Francisco Manuel dosSantos, estima que a manutenção dapopulação residente no patamar de2014 a 2060 exigirá um saldo migra-tório global positivo de 2,2 milhõesde pessoas até 2060. Ou seja, umfluxo médio anual de mais 47 milentradas do que saídas. Mais ainda,para manter o volume da populaçãoem idade ativa, seria preciso um saldo

migratório positivo de 3,4 milhõesde pessoas. O que significa um valoranual médio de 75 mil indivíduos."Número que claramente excede os

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valores médios registados no períodorecente de superávite migratório"entre finais dos anos 90 do séculopassado e os primeiros anos destemilénio, lê-se no estudo. "As migra-ções, só por si, não vão resolver o

problema", alerta João Peixoto, umdos organizadores do documento e

professor do Instituto Superior deEconomia e Gestão. "É necessárioagir sobre outras variáveis, a come-

çar pelo aumento da fecundidade",defende.

Não há volta a dar, o país — e a eco-nomia — precisam de mais bebés. O

problema é que Portugal tem o nívelde fecundidade mais baixo de to-dos os 28 países da União Europeia,com um índice Sintético de Fecun-didade (número médio de criançasvivas nascidas por mulher em ida-de fértil (dos 15 anos aos 49 anosde idade) de apenas 1,31 filhos pormulher em 2015. E desde o iníciodos anos 80 que está abaixo dos 2,1,valor considerado o nível mínimo de

substituição de gerações nos paísesdesenvolvidos. Ao mesmo tempo, o

número de mulheres em idade fértilvai diminuindo, porque não há subs-

tituição de gerações.Como resultado, o número de na-

dos-vivos de mães residentes emPortugal caiu de mais de 200 milpor ano, na década de 60 do século

passado, para cerca de 100 mil naprimeira década deste milénio. E,com a chegada da troika — acom-panhada de austeridade, recessão,desemprego em máximos históricose uma nova vaga de emigração dejovens trabalhadores — o númeroanual de bebés caiu para novos mí-nimos, ficando nos 82,8 mil em 2013e 82,4 mil em 2014. A redução entre2010 e 2014 foi de 19 mil bebés. Ouseja, menos 18,8%.

Os últimos dois anos foram de re-cuperação, atingindo os 87,1 mil nas-cimentos em 2016 (o índice Sintéticode Fecundidade também recuperouligeiramente, para 1,36 filhos pormulher). Mas os especialistas ouvi-dos pelo Expresso consideram queé "conjuntural" e não sustentada.Até porque "a recuperação é expli-cada sobretudo pelo nascimento desegundos filhos, uma decisão quemuitas mulheres tinham adiado du-

rante os anos da crise", aponta Ma-ria Filomena Mendes, professora daUniversidade de Évora. Passada essa

vaga, "os primeiros números para2017 apontam já alguma redução dos

nascimentos em relação a 2016", des-taca. Os dados preliminares do INEpara os primeiros cinco meses des-te ano indicam uma perda de 1036nascimentos em relação ao mesmoperíodo de 2016.

Emprego évariável-chavepara promover a natalidade

Como aumentar de forma sustentadao número de bebés que nascem emPortugal? A resposta não é fácil. "Háimensos fatores a condicionar a deci-são de ter filhos e que variam de casal

para casal", nota Filomena Mendes.Ou seja, não há uma receita única.Mas, em Portugal, o ideal familiarcontinua a ser de pelo menos doisfilhos (segundo o Inquérito à Fecun-didade 2013, realizado pelo INE e

pela Fundação Francisco Manuel dos

Santos, em média, as pessoas deseja-riam ter 2,31 filhos). Mas, na prática,muitas mulheres acabam por ter ape-nas um filho. É o resultado do adia-mento da maternidade (idade médianascimento do primeiro filho está jáacima dos 30 anos), mas também, do

espaçamento para o segundo."Muitas famílias necessitam que o

primeiro filho ingresse na escola pú-blica para reunirem condições eco-nómicas para tentar ter o segundo",alerta Vanessa Cunha, investigadorado Instituto de Ciências Sociais e

do Observatório das Famílias e dasPolíticas de Família da Universidade

de Lisboa. Até porque as famíliasmais jovens são mais penalizadas porsituações de desemprego, precarie-dade laborai e baixos rendimentos.

Por isso, para Maria FilomenaMendes, há questões fundamentaisna promoção da natalidade, como o

emprego, a estabilidade laborai, osníveis de rendimento e as políticasde habitação. Variáveis "que fazema diferença nos países nórdicos", queestão nos lugares cimeiros na UE aonível da fecundidade.

Dedicar mais de 3,5% do PIBa apoiar as famílias com filhos

Ao mesmo tempo, os países europeuscom maiores níveis de fecundidadesão aqueles que concentram maiorfatia do PIB em três áreas de apoio às

famílias com filhos, destaca VanessaCunha: transferências sociais (como o

abono de família); licenças parentaisduradouras e bem pagas; e equipa-mentos sociais, como berçários, cre-ches e infantários, tendencialmentegratuitos.

Sinal disso, segundo a base de dadossobre família da OCDE, em paísescomo França, Suécia, Reino Unidoe Islândia — que têm os níveis maiselevados de fecundidade da UE — adespesa pública com benefícios paraas famílias com filhos (transferênciasfinanceiras, como abonos de família;gastos públicos em serviços como ber-çários e infantários; e apoios fiscais,como deduções) ultrapassa os 3,5%do PIB. Já em Portugal, fica abaixodos 1,5% do PIB.

Ana Fernandes, professora do Ins-tituto Superior de Ciências Sociais ePolíticas da Universidade de Lisboa,

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destaca ainda a importância das polí-ticas de maior flexibilidade ao nível da

organização do tempo de trabalho paramães e pais, através de esquemas comoa jornada contínua ou a redução dehoras de trabalho para compatibilizarcom a vida familiar. "Situações previs-tas na legislação, mas que tem sido di-fícil entrarem na vida das empresas".

Maria Filomena Mendes deixa umanota final: "Para terem impacto, é

fundamental que as políticas e os

apoios sejam estáveis ao longo do

tempo. Não podem ser apenas pon-tuais, porque ter filhos é uma decisão

para a vida, que exige confiança nofuturo".

[email protected]

OS EXEMPLOS EUROPEUS

FrançaÉo país da União Europeia com umíndice Sintético de Fecundidade (quetraduzo número médio de filhos pormulher em idadefértil) maiselevadodaUnião Europeia. Aliás, tem mesmoconseguido aproximar-se do patamarmínimo para assegurar a renovação de

gerações (2,1). Mas nem sempre foi

assim. Na primeira metade dos anos90, o ISFtinha caído para I,66 filhos pormulher. A recuperação desde então foi

o resultado das políticas de apoio às

famílias com filhos. É o terceiro país daOCDE que dedica uma maior fatia doPI Bà despesa pública em benefícios

para as famílias com filhos (mais de

3,5% do PIB, em 2013). A grande apostatem sido a rede de equipamentossociais de aposta à primeira infância

(berçários, infantários), de qualidade e

tendencialmente gratuitos. Mas as

comunidades imigrantes no país —com uma fecundidadetendencialmente superior — tambémcontribuíram para esta evolução.

IrlandaÉ umaexceção entre os países comfecundidade mais elevada na UniãoEuropeia. Aqui, as razões sãosobretudo de ordem religiosa e

cultural, numasociedade ainda

profu ndamente católica.

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SuéciaEstabilidade nas relações laborais,níveis elevados de rendimento e

políticas de habitação são fatores quefazem a diferença nos países nórdicosem termos da promoção da natalidade.A Suécia, com o terceiro maior nível defecundidade na União Europeia, é um

exemplo. Tal como a Islândia, quetambém está nas posições cimeiras daUE em termos do índice Sintético deFecundidade. É o quarto país da OCDE

que dedica uma maior fatia do PIB à

despesa pública em benefícios para as

famílias com filhos (mais de 3,5% do

PIB, em 2013). Ao mesmo tempo, as

políticas de natalidade têm andado a

par das políticas de igualdade de

género, promovendo o papel dos pais

enquanto cuidadores das crianças, comas licenças parentais a seremcrescentemente partilhadas. O modelo

português de licença parental é de

inspiração nórdica, chegando aos seis

meses (em vez de cinco), pagos a maisde 80% do salário (e sem descontos

para o I RS) se cada u m dos

progenitores gozar pelo menos ummês em exclusivo (é possível ter maisseis meses, mas recebendo apenas 25%do salário). Mas na Suécia a duração da

licença parental chega aos 13 meses,

pagos a 77,6% do salário, até u m teto demais de €47 mil por ano (é possívelestender a licença por mais três meses,

pagos a €20 por dia).

Reino UnidoÉ o país da OCDE que dedica umamaior fatia do PIB à despesa públicaem benefícios para as famílias comfilhos (cercade 4% do PIB, em 2013). A

licença de maternidade é de 52semanas (um ano). As primeiras seis

semanas pagas a 90% do salário médiosemanal da mulher (sem teto), seguidode u m valor semanal de cerca de €200ou 90% do salário bruto semanal (o

que for mais baixo) durante 33semanas. As últimas 13 semanas nãosão pagas. Recentemente, a licençapassou a poder ser partilhada. Ascomunidades imigrantes no país —com umafecundidadetendencialmente superior — tambémcontribuíram parao Reino Unido estarentre os países da UE com maiorfecundidade

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Imigração rimacom procriação

Filhos de mãe estrangeirarepresentam quase 9%dos nascimentos emPortugal ejá chegarama ultrapassar os 10%.Números "reais"podem ser ainda mais altos

Foram 7686 bebés em 2016, repre-sentando 8,8% dos nados-vivos emPortugal nesse ano. Os filhos de mães

estrangeiras residentes em Portugaltêm um peso significativo no total dosnascimentos e que chegou a ultrapas-sar os 10% entre 2009 e 2011. É um

fenómeno comum a muitos paísesda União Europeia. Muitas vezes, asmulheres de comunidades imigrantestendem a ter um nível de fecundidadesuperior às mulheres nascidas no paísde acolhimento. É essa a realidadeem França e no Reino Unido — é umdos fatores que ajuda a explicar quetenham dos maiores níveis de fecundi-dade da União Europeia — e Portugalnão é exceção, com destaque para acomunidade brasileira.

Os números "reais" em Portugalpodem até ser superiores. Nos últimos

anos, as estatísticas oficiais indicamalguma redução no número de nados--vivos de mães estrangeiras residentes

em Portugal — passando de 10. 786bebés em 2010 (10,6% do total), para

7686 bebés em 2016 (8,8%) do total.Tudo por causa do "número elevadode cidadãos estrangeiros que adquiri-ram nacionalidade portuguesa, desdea mudança da lei, em 2005", destacaJoão Peixoto, professor do InstitutoSuperior de Economia e Gestão.

Os números são claros: são maisde 20 mil pessoas por ano, todos os

anos desde 2008, mostram os dadosda Pordata. Só brasileiros têm sidomais de 4 mil por ano, ultrapassandoos 6 mil em 2015. Ora, a comunidadebrasileira é, precisamente, uma dasmais importantes em Portugal em

termos de natalidade. E o fenómenoestende-se aos Países Africanos deLíngua Oficial Portuguesa, como An-gola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e SãoTomé e Príncipe.

O regresso dos emigrantesportugueses

Quando se fala em imigrantes em Por-tugal, a associação imediata é comcidadãos estrangeiros que vêm para o

país. Mas não se esgota aqui. A defini-ção de imigrante abrange também os

cidadãos nacionais que, tendo resididono estrangeiro, regressam a Portugal."Há muito mais portugueses a volta-

rem do que habitualmente se pensa e

isso acontece há muitos anos", destacaJoão Peixoto.

Tradicionalmente, regressavampessoas mais velhas, que passaramgrande parte da sua vida ativa empaíses como França, Suíça ou Lu-xemburgo. A novidade, agora, é quecomeçam a regressar também traba-lhadores mais jovens, que partiramdurante os anos da crise, para novosdestinos da emigração lusa, como o

Reino Unido. Os números apontamnesse sentido. Sinal disso, o númerode imigrantes de nacionalidade por-tuguesa atingiu um mínimo de 7865pessoas em 2014, o que compara com

mais de 16 mil pessoas em 2010. Con-tudo, 2015 — último valor disponível— mostra já uma recuperação, com12.712 pessoas, segundo os dados daPordata.

Ora, o regresso destes portugueses é

uma boa notícia para a economia — arecuperação da população ativa agra-dece — e também para a demografia.Em muitos casos, significa a reuni-ficação de jovens casais, em que umtinha partido e o outro ficado, noutros,ambos tinham partido, e agora come-çam a voltar. Em ambas as situações,são famílias que podem agora ter con-dições para tomar a decisão de ter(mais) filhos. s. M. L.

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