40
1 Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra Carlos Augusto Pires Brandão a , Lossian Barbosa Bacelar Miranda b a Universidade Federal do Piauí b Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí Resumo. A partir das estórias transmitidas ao longo de muitas gerações e de estudos nos arquivos públicos, fazemos uma descrição biográfica de Luís Carlos da Serra Negra, senhor feudal e governante da Capitania do Piauí. Analisamos o processo de demonização que lhe foi imposto após seu enigmático desaparecimento em 1811 e a sua posterior mitificação, resultante da reação popular, através da oralidade. Palavras-chave: Capitania do Piauí, Luís Carlos da Serra Negra, Mitificação, Demonização. 1. Introdução De todos os governantes do Piauí, Luís Carlos da Serra Negra é o mais enigmático e, muito pouco se tem escrito sobre ele. No entanto, o mesmo faz parte da história da mídia brasileira, pois é citado numa das primeiras edições da Gazeta do Rio de Janeiro, quando o Príncipe Regente o nomeou membro da Ordem de Cristo. É citado em discursos de parlamentares do Império Brasileiro como exemplo de pecuarista bem sucedido. No antigo Correio Brasiliense aparece como arrecadador de dinheiro na guerra contra Napoleão Bonaparte. Pereira da Costa se limita a dizer que ele fez parte da junta provisória do governo do Piauí em 1811, auxiliou César Burlamaque em sua gestão e que foi um dos supostos mandantes do assassinato de Antônio Pereira Nunes. 1 1 Foi tesoureiro geral das fazendas dos defuntos e ausentes de Oeiras do Piauí de 1792 a 1794 e adjutor no governo de Dom João de Amorim Pereira. Em 13/10/1803 o governador do Piauí Pedro Joze Cezar de Menezes envia a Dom Diogo de Souza, governador e capitão general do Maranhão, comunicado informando sobre o assassinato de Antonio Pereira Nunes, ocorrido às 22h30min do dia 13/09/1803 dentro da casa do vigário de Oeiras Frei Cosme Damião da Costa Medeiros por dois tiros de bacamarte de uma janela externa. Dizia que as suspeitas da mandância recaíram sobre Antônio do Rego Castelo Branco, João Nepomuceno Castelo Branco, Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, Antonio Pereira da Silva e o ouvidor José Pedro Fialho de Mendonça, todos inimigos notórios do defunto. Dizia também que

Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

  • Upload
    dothuan

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

1

Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra

Carlos Augusto Pires Brandãoa, Lossian Barbosa Bacelar Mirandab

aUniversidade Federal do Piauí bInstituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí

Resumo. A partir das estórias transmitidas ao longo de muitas gerações e de estudos nos arquivos públicos, fazemos uma descrição biográfica de Luís Carlos da Serra Negra, senhor feudal e governante da Capitania do Piauí. Analisamos o processo de demonização que lhe foi imposto após seu enigmático desaparecimento em 1811 e a sua posterior mitificação, resultante da reação popular, através da oralidade. Palavras-chave: Capitania do Piauí, Luís Carlos da Serra Negra, Mitificação, Demonização.

1. Introdução De todos os governantes do Piauí, Luís Carlos da Serra Negra é o mais enigmático

e, muito pouco se tem escrito sobre ele. No entanto, o mesmo faz parte da história da mídia brasileira, pois é citado numa das primeiras edições da Gazeta do Rio de Janeiro, quando o Príncipe Regente o nomeou membro da Ordem de Cristo. É citado em discursos de parlamentares do Império Brasileiro como exemplo de pecuarista bem sucedido. No antigo Correio Brasiliense aparece como arrecadador de dinheiro na guerra contra Napoleão Bonaparte. Pereira da Costa se limita a dizer que ele fez parte da junta provisória do governo do Piauí em 1811, auxiliou César Burlamaque em sua gestão e que foi um dos supostos mandantes do assassinato de Antônio Pereira Nunes.1

1 Foi tesoureiro geral das fazendas dos defuntos e ausentes de Oeiras do Piauí de 1792 a 1794 e adjutor no

governo de Dom João de Amorim Pereira. Em 13/10/1803 o governador do Piauí Pedro Joze Cezar de Menezes envia a Dom Diogo de Souza, governador e capitão general do Maranhão, comunicado informando sobre o assassinato de Antonio Pereira Nunes, ocorrido às 22h30min do dia 13/09/1803 dentro da casa do vigário de Oeiras Frei Cosme Damião da Costa Medeiros por dois tiros de bacamarte de uma janela externa. Dizia que as suspeitas da mandância recaíram sobre Antônio do Rego Castelo Branco, João Nepomuceno Castelo Branco, Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, Antonio Pereira da Silva e o ouvidor José Pedro Fialho de Mendonça, todos inimigos notórios do defunto. Dizia também que

Page 2: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

2

Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua Carneiro Souto Maior, posteriormente casada com D. José Tomaz de Menezes. Sobre seus descendentes os livros se limitam a citar apenas os

o juiz ordinário Manoel de Souza Martins, tal como o ouvidor, era do lado dos suspeitos, e por isso providenciou para que estes, que possuíam competência legal para instituir a devassa, não a fizessem, e sim, ele próprio. Também dizia não poder mandar prender os suspeitos porque Luís Carlos estava muito forte, com cento e tantos homens armados. Em 08/10/1803 o comandante de Valença Estevão Pinto Vilela envia ofício ao governador dizendo que com menos de sessenta homens escolhidos e bem armados não se pode empreender diligência à Serra Negra, pois em menos de vinte e quatro horas Luís Carlos coloca em prontidão mais de cem homens com armas de fogo e com os mais variados tipos de culpas. Em 15/01/1804 Dom Diogo de Souza responde ao ofício enviado pelo governador do Piauí em 13/10/1803 e afirma que não tem jurisdição para sanar os defeitos da ilegal devassa aberta pelo governador do Piauí e nem pode de modo extemporâneo mandar abrir nova devassa. E por esta razão, enviaria o caso para o Príncipe Regente através da Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos. O monarca então ordena a abertura de uma Devassa de Comissão, pelo Ouvidor do Maranhão Jozé Patrício Dinis sob as ordens do Capitão General do Maranhão Antonio de Saldanha, com o afastamento do governador Pedro José Cesar de Menezes e do ouvidor Fialho Mendonça do Piauí, objetivando facilitar as investigações. Entretanto esta devassa de comissão também foi mal feita, segundo relatório do Conselho Ultramarino que em reunião no dia 04/09/1807 foi contrário aos procedimentos adotados em todas as devassas feitas, inclusive por não terem pronunciado o coronel Luís Carlos. O conselheiro da fazenda relatou que o desastrado e abominável governo de D. João de Amorim “deixou conselho, amizades e exemplo a seu sucessor Pedro Joze Cezar para as continuas dezordens que se derão no seu tempo”. O parecer do Conselho, que considera Fialho Mendonça e o juiz devassante omissos e pede o pronunciamento de Luís Carlos por um dos Corregedores do Crime da Casa da Suplicação, foi confuso em relação à investigação criminal, pois, explicitamente, diz que o coronel deveria ter sido pronunciado porque, conforme uma testemunha, o cabo e os soldados que seguiram os rastos dos supostos matadores lhes teriam dito que os rastos terminavam na fazenda Buriti dos Nunes de Luís Carlos e que na Serra Negra os mesmos teriam sido corrompidos, o cabo por Luís Carlos que lhe teria dado seis mil réis pelo conserto de dois machados, e o soldado Jozé Gonçalves pela esposa de Luís Carlos que comprou um saguim do mesmo por seis mil e quatrocentos réis. Além disso, os dois teriam dito à testemunha que nesta ocasião do conserto dos machados, Luís Carlos teria desmentido informação para eles passada por um escravo de Luís Carlos, o qual teria dito que os animais que conduziam os matadores eram de seu amo. Luís Carlos teria falado ao cabo Manoel do Nascimento e ao soldado Jozé Gonçalves que ele “só tinha bestas cavallares, e que dois machos que ali estavam erão de seu cunhado, que havia poucos dias tinha chegado do Maranhão”. É também estranho o fato de ninguém manifestar preocupação em investigar o cunhado de Luís Carlos. Ao se referir ao exame de corpo de delito, o Conselho contesta a possibilidade de Antonio Pereira Nunes ter sido alvejado pela janela, deixando implícito que o mais verossímil é que tenha sido morto pelos próprios companheiros que estavam jogando com ele no momento, devido ao fato de o mesmo ter sido atingido na coxa e a janela ter peitoril. Diz o relatório do Conselho que o escravo, a testemunha o cabo e os soldados deveriam ter sido acareados [AHU - Piauí, docs. 1380 e 1574].

Page 3: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

3

dois filhos havidos no curto período em que viveu casado com Luzia Perpétua de 1802 a 1808. Um silêncio total envolve a descendência através dos muitos filhos naturais que teve entre os anos 1774 e 1803, bem como a dos bastardos posteriores a este período.

A história oral, repleta de religiosidade e misticismo, reserva para Luís Carlos um

espaço inversamente proporcional à importância histórica que a literatura escrita lhe dar. Muitas são as estórias, quase todas o colocando como o autêntico representante do diabo nas terras sertanejas. Até hoje as mães da região da antiga vila de Valença do Piauí, que foram criadas ouvindo as estórias sobre o Coronel, não põem em seus filhos o seu nome. Aquelas, não são estórias de diabinhos engraçados ou fábulas que no final pedem uma “moral”. Pelo contrário, as estórias acerca de Luís Carlos impõem um silêncio pavoroso. No entendimento popular ele foi um homem real, um personagem da história poderoso e extremamente mau, pactuado com o demônio e que era especializado em maltratar os negros. No entendimento de um círculo restrito de pessoas menos apegadas ao misticismo, Luís Carlos foi um senhor feudal cujo nome completo era Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, e cuja presença física no Piauí pode ser constatada através da vasta construção civil e utensílios domésticos que deixou, tais como capelas, currais e casarões de pedra, cruzeiros de madeira, estátuas, marcos divisórios de demarcação de terras, instrumentos de prender escravos, móveis, serrotes e arados.

Os autores deste artigo passaram suas infâncias ouvindo as estórias sobre este

personagem, porém dentro de perspectivas diferentes. Um como herdeiro de terras que haviam pertencido a Luís Carlos, e o outro como herdeiro do nome Abreu Bacelar. Um estava inicialmente interessado na história de sua família, Abreu Bacelar, e o outro, na história da casa da Fazenda Serra Negra, uma das mais antigas construções do Piauí, situada no atual município de Aroazes-PI e tombada pelo decreto estadual nº 12135 de 15/03/2006.

Atualmente o Ministério Público do Estado do Piauí, em decorrência do Inquérito

Civil Público nº 02/2009, vem promovendo ações no sentido de recuperar este patrimônio cultural, bem como a história dos seus antigos moradores. Em nosso entendimento, o mais difícil é recuperar a história dos descendentes naturais de Luís

Page 4: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

4

Carlos, pois os livros eclesiásticos de Valença dos anos compreendidos entre 1740 e 1809 não estão atualmente disponíveis.2

O decreto de tombamento acima citado fez parte de uma tentativa de recuperação

da história do negro no Piauí, estado brasileiro onde, desde seus primórdios, ocorreu uma grande miscigenação. Inclusive, quando João Pereira Caldas aqui chegou, não conseguiu formar os pelotões separados de homens negros, pois seus soldados não aceitavam esta separação.

Neste artigo, o qual usa tanto fontes orais quanto escritas, seguimos o

procedimento básico da oralidade, contando o que vimos nos documentos manuscritos de vários arquivos e o que nos foi dito pelos vaqueiros e seus familiares. A justificativa que temos para o grande detalhamento em alguns pontos e a abundância de notas de rodapé é a esperança de que este texto possa ser útil aos genealogistas.

2. A mitificação Em frente à capela de Nossa Senhora de Santana, situada dentro da casa da fazenda

Serra Negra, onde nasceu e viveu Luís Carlos, há uma cruz de madeira muito antiga ao pé da qual os viajantes que por lá passavam deixavam donativos para a capela na esperança de terem proteção e sorte em suas viagens. Até a década de 1940 havia fortemente esta crença. Esta capela foi oficialmente criada pelo bispo do Maranhão a partir de pedidos do Coronel Luís Carlos na virada do século XVIII para o século XIX e o registro da mesma pode ser encontrado no arquivo público estadual em São Luís. A

2 Há um enigma em relação à paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Aroazes criada em 1740.

Registros de casamento feitos em outras paróquias fazem referência a batismos lá realizados, mas os livros mais antigos desta freguesia não constam como atualmente existentes nos catálogos de fontes oficiais. Em alguns documentos posteriores a 1830 da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Aroazes, a qual foi substituída pela freguesia de Nossa Senhora do Ó e Conceição de Valença em 1836, a Igreja é tratada como Missão dos Aroazes, o que indica que antes ela era uma missão jesuítica. Nos livros de casamento até 8/11/1891 encontram-se registros na Capela de Nossa Senhora da Conceição da Missão. Como os jesuítas foram expulsos por João Pereira Caldas não mais retornando ao Piauí até o início do século XX, o mais provável é que os livros anteriores a João Pereira Caldas tenham sido levados pelos jesuítas para Lisboa, São Luís-Maranhão, Salvador-Bahia ou Belém-Pará.

Page 5: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

5

estátua de Santana, dizem os mais antigos, teria vindo de fora do Piauí e era enfeitada com peças de ouro. Falam que quando Luís Carlos se casou fez uma grande recepção para sua esposa e mandou fazer um tapete de moedas do cruzeiro até a entrada da casa (uns 40 metros). Mas ela não se impressionou, dizendo que seu pai era também muito rico. Diz o povo que esta jovem lá viveu durante pouco tempo e que quando voltou para a casa dos pais jogou todas as jóias que haviam sido doadas por seu marido em um sumidouro de areia movediça que fica nas proximidades do monte onde está erguida a casa. Quando os vaqueiros limpavam o sumidouro, dizem, achavam peças de ouro.

Contam que Luís Carlos teria mandado serrar uma escrava pelo fato de esta ter

auxiliado sua ama a simular uma tuberculose com o objetivo de voltar para a casa dos pais. Além disso, a referida escrava também teria engolido secretamente um bilhete da moça para enviar ao seu pai. Falam também que os corpos dos negros que morreram na construção da casa estão nas cavas das paredes e que o próprio nome da fazenda é conseqüência de terem nela serrado uma escrava.

Ao lado da casa havia um curral de pedras. Dizem que Luís Carlos mandou fazer

este curral devido ao fato de alguns bois terem fugido do curral de madeira anteriormente existente. Como castigo aos bois, teria mandado espancá-los até a morte. Na casa existe um quarto sem janelas com uma grande laje de pedra ao centro. Contam que neste quarto Luís Carlos criava uma onça que se alimentava dos corpos vivos de seus desafetos, enquanto a sua nutrição predileta era peixe fresco que traziam do rio Parnaíba para ele todos os dias. Certa vez, neste quarto, teriam jogado uma velha para a onça comer, mas a velha amanheceu num canto e a onça no outro.

No quintal da casa havia um poço entulhado onde diziam serem colocados os

escravos que adoeciam de tuberculose e outras doenças mortais contagiosas. Falam que quando Luís Carlos mandou construir a casa da Serra Negra o mestre de obras pediu água de Minas Gerais para poder amolar as ferramentas, no que foi prontamente atendido. Dizem também que na casa havia uma grande mesa de vidro e que certo dia, estando ele descalço na calçada de sua casa, passou um viajante e pediu para acender o seu cachimbo. Luís Carlos apontou em direção à fogueira e então o viajante pegou o tição e, enquanto acendia o cachimbo, fez cair propositadamente uma brasa no pé de Luís Carlos, o qual simplesmente jogou-a na fogueira com o próprio pé. O viajante afastou-se e os soldados de Luís Carlos perguntaram se era preciso “dar um jeito”

Page 6: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

6

naquele insolente. Luís Carlos disse que aquele era “dos dele”. Conta-se que logo em seguida este viajante insolente transformou-se em um cavalo do cão, o qual picou Luis Carlos advindo daí a sua morte. Era o diabo que teria vindo buscá-lo.

Contam que quando o corpo de Luís Carlos, em cortejo fúnebre, estava indo em

uma rede da Serra Negra para o sepultamento em Valença do Piauí, apareceram dois negros, ambos com chapéus vermelhos, e pediram para ajudar a transportar o corpo. Um negro disse para o outro: "... estás pronto, Tomaz? Sim Braz, respondeu o outro". Então passaram a caminhar e, aos poucos, numa caminhada tão rápida que ninguém do cortejo conseguiu acompanhar. Mais à frente, viram no chão apenas o lençol branco que enrolava o corpo, o qual nunca mais foi visto. O diabo o havia levado, diz a lenda.3 Outras versões de sua morte lhe são muito mais favoráveis, dizendo que ele foi alvejado por um franco atirador e outras, que o mesmo teria morrido em conseqüência da melancolia e do remorso, decorrentes das brigas que causaram o fim de seu casamento.

Um embrião de mito escatológico relativo à casa da Serra Negra tem sido criado

em torno da morte do menino Antônio Bacelar, lá ocorrida em 1943. Antônio, uma criança de 13 anos de idade, foi passar parte de suas férias escolares na Serra Negra com o pai que para lá foi a trabalho. Antônio estava brincando com outra criança que morava nas imediações da casa e quebrou o braço desta. Ficou muito triste e três dias depois adoeceu. Duas semanas depois estava morto. O pai o sepultou em Santa Cruz dos Milagres e, ainda hoje, fazem romaria diferenciada em sua sepultura.

3. A história escrita

Nenhuma estória oral faz referência a ascendentes ou descendentes de Luís Carlos,

salvo a moça que com ele casou. A ascendência de Luís Carlos remonta à Torre de Bacelar, aos fundadores do reino de Portugal, conforme se pode deduzir a partir de seus autos de justificação de nobreza e da carta de brasão de armas de seu pai, transcritos na

3 Um arrebatamento em vida, análogo ao supostamente ocorrido com Jesus Cristo. Só que praticado pelas

forças malignas, em um local na entrada de Valença chamado pedra do sacrifício. Dentro desta linha de pensamento, dizem também as estórias que quando o próprio Luís Carlos matava um desafeto, antes de atirar com arma de fogo, amarrava a vítima em forma de cruz nos paredões do quintal da casa.

Page 7: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

7

referência [13]. O coronel Luís Carlos era filho de seu homônimo pai, o Capitão-mor4 de Parnaíba e Valença do Piauí e D. Arcângela Úrsula de Castelo Branco.5 É

4 Em 1735 já possuía carta de sesmaria nas ilhas Canárias na foz do rio Parnaíba e em 31/07/1769 era

mestre de campo do Terço de Infantaria Auxiliar da Capitania do Piauí [Códice 274, estante 2, prateleira 4, APPI]. Em 30/06/1781 já havia falecido [Referência [6], 796, p. 61]. Em 31/08/1746 na casa de retiro da fazenda Serra Negra, distrito da vila da Moucha, ele e sua mulher Arcangella Urculla Castello Branco trocam com Manoel Carlos de Lima e sua mulher Thereza Coelha de Jezus a fazenda das Titaras em Campo Maior (comprada a Luiz Pinto Ferráz) pela fazenda São Nicolau de Baixo (adquirida por troca com o capitão Manoel Pinheiro de Carvalho, residente no Recôncavo da Bahia, distrito de Água Fria). As testemunhas foram o reverendo Jozé Lopes Pereira, Manoel Vieira Leitão e Bernardo de Carvalho de Almeida, moradores no distrito da igreja de Nossa Senhora da Conceição e o tabelião, Gonçalo Ignácio Alves Pereira [Museu Zé Didor, Campo Maior, Piauí]. Foi testamenteiro de seu rico irmão, o Capitão-mor da freguesia de Nossa Senhora do Livramento do Bispado de São Luís do Maranhão, José Pereira de Abreu Bacelar, rendeiro da Coroa que sofreu fortes perseguições no final da vida. Em 22/06/1755 o desembargador e provedor da Fazenda Real, Gaspar Gonçalves dos Reis, em ofício, pede ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real, punição exemplar ao rendeiro do contrato dos dízimos reais do Piauí, José de Abreu Bacelar [AHU-CU-016, Cx. 5, D. 347]. Em 10/03/1760 o desembargador Francisco Marcelino de Gouveia oficia sobre as injustiças praticadas pelos ouvidores contra José de Abreu Bacelar. Informa também que já efetuou o sequestro dos bens deste defunto. Coincidentemente, ocorreu um processo de inquisição na casa de José no Sítio das Cajazeiras (Freguesia de Nossa Senhora do Livramento) em 10/04/1758, dirigido pelo missionário da Companhia de Jesus, o Padre Manuel da Silva. Nos autos deste processo, transcrito por Luiz Mott em Transgressão na calada da noite: um sabá de feiticeiras e demônios no Piauí colonial, a jovem mestiça feiticeira Joana Pereira de Abreu diz ter tentado, sem sucesso, converter para as suas práticas a menina Maria Leonor, filha do legítimo casal de brancos José de Almeida Pereira e Ana Maria do Nascimento, esta última sobrinha de José e, seu marido José de Almeida, já falecido. A feiticeira índia do gentio gueguê Custódia de Abreu, de 18 anos de idade, batizada ainda pequena e escrava na casa de seu amo José de Abreu Bacelar, onde foi criada desde pequena, afirma que é “numerosa a família de meu Senhor, de mulheres, as mais delas escravas”. Em outro ponto a índia Custódia afirma que “a casa estava cheia de gente da família da casa, que consta de mais de trinta pessoas”. As práticas de feitiçaria descritas no texto de Mott são parecidas com o que hoje os parapsicólogos chamam de projeção da consciência. Não pudemos concluir que este José do sabá seja o mesmo que foi casado com a cristã nova carioca Brites da Costa, a qual foi presa pela inquisição em 11/10/1712, aos 24 anos de idade, condenada a cumprir abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo, penas e penitências espirituais e cujo segundo marido era cavaleiro da Ordem de Cristo. Nos textos de genealogia só consta um único cavaleiro da Ordem de Cristo com o nome José de Abreu Bacelar, um primo de José do sabá (ambos, bisnetos de Belchior de Abreu Bacelar e Maria Cea da Rocha) o qual se casou com Maria da Conceição Tavares, Senhora da Casa da Bréia. Também não consta que o mesmo tenha morado no Brasil e, muito menos ainda, que tenha sido casado mais de uma vez [http://www.geneall.net/site/home.php]. Nos autos do processo contra Brites da Costa não consta punição explícita para seu marido José, apesar de as ordenações filipinas estabelecerem a morte para os

Page 8: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

8

vulgarmente conhecido como Coronel Luís Carlos da Serra Negra, por ter nesta fazenda, vivido6 e possivelmente falecido, conforme indica parte de seu inventário que

{\it cristãos que tiverem ajuntamento carnal com alguma Moura ou qualquer outra infiel} [livro V, título XIV]. José do sabá é o mesmo que pediu carta de sesmaria junto às autoridades de Vila Rica em 20/04/1742. Na carta de brasão de armas de Luís Carlos, Capitão-mor de Parnaíba, tirada em 10/10/1738, não é citado que seu irmão José tenha sido cavaleiro da Ordem de Cristo:

“... Como filho legitimo do legitimo matrimonio de Bento Ferreira de Moraes e de Donna Leonór

de Abreu Bacelar, neto pela parte Paterna de Pedro Alves Cardozo, e de Dona Maria Leite Pereira, e pela Materna de Gonçalo Ribeiro Falcao’ e de Dona Clara de Abreu Bacelar, e que tanto elles como seus Pays, Avós, e mais antepassados forao’ pessoas muito nobres, e como taes se tratarao’ sempre a Ley da Nobreza como o estado acha devido, e assim seus irmaos’ Rozendo de Abreu Leite Pereira cavalheiro profeço na Ordem de Christo, Sargento Mor da Comarca de Guimaraens e Capitao’ de Infantaria, que foi com destinçao’ na guerra proxima passada, o qual tirou Brasao’ de Armas Antonio Ferreira de Abreu Bacelar abade da Parroquial Igreja de Sam Pedro de Britello Comissario do Santo Officio Joze de Abreu Bacelar, e Teodozio Joze Pereira de Moraes, e he fama pública, que os seus antepassados servirao’ Cargos, e ocupaçoens de grandes honras...”.

Se José escapou na primeira investida da inquisição, contra Brites da Costa, na segunda não teve

tanta sorte, ocorrendo o mesmo com os jesuítas, que foram expulsos dos domínios de Portugal em 03/09/1759.

5 Era natural da freguesia de Piracuruca-PI.

6 Em conformidade com as informações contidas nos autos do processo de seu casamento em 1802 com

Luzia Perpétua Carneiro de Souto Maior, conduzido pelo Governador do Bispado do Estado do Maranhão, fica certificado que o Coronel Luis Carlos era natural e batizado na Freguesia de Valença, Bispado do Maranhão. Seu casamento ocorreu por procuração, com celebração realizada em 25/07/1802 às 17h00min no Sítio Barbados, de propriedade do pai da noiva, o Coronel Aires Carneiro Homem de Souto Maior. Foram testemunhas: João Paulo Carneiro Homem de Souto Maior, D. Maria Joaquina Belford e D. Anna Joaquina Carneiro de Souto Maior, sob o comando do reverendo João Rodrigues Miranda. A noiva estava presente, e o noivo representado pelo Coronel Aires Carneiro Homem de Souto Maior. Em 09/08/1802 foi feito o termo de conclusão do mesmo. Este casamento teve ratificação em 15/11/1802. Foram testemunhas da ratificação deste casamento, além do juiz de fora da cidade do Maranhão Raimundo de Britto de Magalhães e Cunha, o coronel Aires Carneiro Homem de Souto Maior, Maria Joaquina Belford Carneiro, esposa deste, Caetana de Castel Branco e Anna Joaquina Carneiro de Souto Maior, irmã da noiva. Como casada, Luzia Perpétua passou a chamar-se Luzia Perpétua Carneiro de Souto Maior Bacellar. Foi procurador de Luiz Carlos, neste casamento, o pai da noiva, com procuração datada em 05/05/1802, selada com o selo das armas de Luis Carlos. As três denunciações para o casamento ocorreram dos dias 23, 27 e 30 de maio de 1802 na Fazenda Serra Negra em Valença. Em 05/07/1802 Luzia Perpétua solicita licença dos banhos relativos a este casamento e em 09/08/1802 o

Page 9: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

9

Padre João Jozé Barrozo, escrivão da Câmara Eclesiástica faz o reconhecimento da procuração de Luis Carlos e conclui os autos encaminhando-os para o Dr. João de Bastos de Oliveira, Mestre Escola e Governador do Bispado, que no mesmo dia 09/08/1802 encaminha os autos para o Reverendo João Rodrigues de Miranda realizar o casamento. Os autos foram inteiramente conclusos no dia 15/02/1803, por João Jozé Barrozo, escrivão da Câmara Eclesiástica e enviados ao acima referido Governador do Bispado. Estes documentos encontram-se no Arquivo Público do Estado do Maranhão, em processo eclesiástico em que Luzia Perpétua Carneiro de Souto Maior Bacellar solicita divórcio perpétuo de seu marido Luis Carlos. Neste processo também fica certificado que o Coronel Luis Carlos possuía pelo menos dois filhos naturais, a saber, Claro Luiz Pereira de Abreu Bacellar e Vasco Jozé Pereira de Abreu Bacellar, os quais foram legitimados por provisão do Príncipe Regente, com escritura de legitimação em 01/04/1801. “Cópias desta legitimação foram fornecidas para os parentes até o quarto grau, os quais se encontravam dispersos por vários lugares da Comarca de Oeiras”, diz Carlos Cézar Burlamaque no texto. Luzia Perpétua requer divórcio permanente alegando que Luís Carlos a tratava mal e devido a isto foi forçada a fugir para São Luís. Em 1810 Luís Carlos renegou a herança, como cabeça do casal, dos bens deixados pelo falecimento do Coronel Aires Carneiro Homem de Souto Maior. Luzia Perpétua, em requerimento para as autoridades religiosas, datado em 29/12/1810, brigando com unhas e dentes para que Claro Luís e Vasco Jozé não pudessem concorrer na herança do Coronel com os seus filhos comuns Archangela Ursula de Castello Branco e Luís Carlos Bacellar, conforme estabelecia a legitimação respaldada pela provisão real, afirma que Luís Carlos havia conseguido sub-repticiamente a provisão real que incluía Claro e Vasco na herança. Estes eram filhos do Coronel Luís Carlos com uma mulher solteira de nome Narciza Pereira. Como Vasco Jozé possuía 32 anos em 02/08/1816 [APPI. Judiciário Valença, caixa 429] e Claro Luís já era alferes em 1793, Narciza e Luís Carlos tiveram estes dois filhos muitos anos antes do casamento com Luzia Perpetua, o que nos induz a concluir que a briga conjugal teve um forte viés financeiro e também político, pois em 1810 deu-se o processo de independência do Piauí do Maranhão, comandado por Luís Carlos e Cézar Burlamaque. Segundo informações prestadas pelo Ouvidor da Capitania do Piauí, o próprio Padre João Jozé Leite Pereira de Castello Branco, sobrinho do Coronel Luis Carlos, ficou contra a legitimação de Claro Luís e Vasco Jozé. Luzia Perpetua era da freguesia da Matriz de São Luís do Maranhão, e morava na Praça da Sé, nesta cidade [Arquivo Público do Estado do Maranhão – APMA, 5070 Luzia Perpetua Carneiro / Coronel Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar 29/12/1810. Autuamento de Petição e Requerimento, Caixa 165]. Luzia Perpetua requereu sesmaria nas Aldeias Altas em 02/12/1794 [0495, Caixa 0018, maço 00116, APMA]. Em 22/11/1799 D. João VI manda degredar toda a família do Coronel Aires Carneiro Homem de Souto Maior (D. Rodrigo de Sousa Coutinho comunica em 30/05/1800). Por dita ordem de D. João a família deveria permanecer na fazenda Croatá, de lá não podendo se afastar mais de duas léguas, e deveria sair de São Luís do Maranhão até o dia 02/05/1800. O Coronel Aires Carneiro foi perdoado do degredo em 12/02/1802 [AHU\_ACL\_CU\_009, Cx.110, D8649 e AHU\_ACL\_CU\_009, Cx.120, D9202]. Em 11/01/1803 o Coronel Luís Carlos, da Serra Negra, envia carta pessoal ao Padre João José Leite Pereira de Abreu Bacelar (João José Leite Pereira de Castelo Branco era o nome dele, mas Luís Carlos escreveu Abreu Bacelar) e nela diz que no dia de Santa Anna casou com a Senhora Dona Luzia Perpétua Carneiro de Souto Maior Bacellar e em 29/10/1802 saiu da Serra Negra para Barbados (casa de morada do Coronel

Page 10: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

10

se encontra no cartório de Castelo do Piauí, antiga vila de Marvão do Piauí, onde foi contratador dos dízimos da Coroa Portuguesa antes mesmo de 1780, conforme indica a denúncia que fez de sua injusta prisão em São Luis do Maranhão em 1781 juntamente com seu tio o também capitão, Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco.

Em 25/02/1776 foi proposto pela Junta de Governo da Capitania do Piauí o seu

nome para ser alferes, e de seu irmão Antonio José Leite Pereira Castelo Branco, para Capitão. Em 10/03/1777 foi proposto o seu nome para alferes da 4ª Companhia de Cavalaria Auxiliar de Valença, e para tenente, seu irmão João Leite Pereira Castelo Branco [Registro de Cartas ao General do Estado 1776-1781, 45 e 60v/61]. Em 30/05/1777 é nomeado alferes da 4ª Companhia do Terço de Cavalaria Ordenança, da qual João Paulo Diniz era mestre de campo. Em 23/05/1778 Luís Carlos foi nomeado capitão da companhia do regimento de cavalaria auxiliar da qual era coronel o governador da Capitania do Piauí.

Em 09/06/1780 a Junta de Governo envia para o General do Maranhão um ofício

acerca do insucesso da captura de Antonio Fellis Vieira por parte dos capitães Francisco da Cunha Castelo Branco e seu sobrinho Luis Carlos. Este não argüiu o fato de ser nobre em sua defesa por ocasião de sua violenta prisão em São Luis do Maranhão a partir de novembro de 1780, juntamente com o seu acima citado tio, por mais de três

Aires Carneiro Homem de Souto Maior, pai de Luzia Perpétua no Maranhão) e lá chegou em 23/12/1802. Ele foi conduzir Luzia Perpétua até Barbados. O Coronel também diz nesta carta que em 27/08/1802 faleceu de idropêria seu irmão Pedro Luís Pereira de Abreu Bacelar, e em 29/08/1802 ele próprio, Luís Carlos, tinha adoecido [conforme AHU\_ACL\_CU\_009, Cx.134, D9875]. Ana Joaquina Carneiro de Souto Maior, irmã de Luzia Perpétua, nasceu em 09/11/1776 na cidade de São Luís do Maranhão [AHU\_ACL\_CU\_009, Cx.110, D8649]. D. Luzia Perpétua, no passaporte lavrado em 20/01/1812, diz ter ido a Lisboa em 1811 tratar de sua saúde e recebeu a notícia certa do falecimento no Piauí de seu marido o Coronel Luís Carlos de Abreu Bacelar. Pede ao monarca passaporte para viajar no navio “VICTÓRIA” para o Rio de Janeiro, e de lá, para o Maranhão, levando consigo as seguintes pessoas: 1ª) sua filha D. Arcângela Bacellar de Castello Branco; 2ª) uma criada donzela de nome Maria da Boa Viagem; 3ª) criada Maria Joaquina; 4ª) criado Izidoro, casado com a criada Maria Joaquina; 5ª) criado solteiro de nome João; 6º) uma menina de peito (todos portugueses) [conforme AHU\_ACL\_CU\_009, Cx.159, D11438]. Em 23/1/1840 Luzia Perpétua Carneiro de Souto Maior, viúva de Dom José Thomaz de Menezes e sua irmã D. Joaquina Carneiro Souto Maior, viúva de Dom Fernando Sales de Noronha assinam instrumento de declaração e obrigação na casa desta última em Lisboa na Rua de Sam Jozé número 204 [Caixa 471, Judiciário Valença, APPI].

Page 11: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

11

anos.7 Teve absolvição tardia em 08 de janeiro de 1783 pelo Conselho Ultramarino e D. Maria I (Referência [6], doc. 796). A petição inicial, de queixa contra o Governador e Capitão General do Maranhão D. Antônio de Salles Noronha (06/11/1779 a 13/02/1784) começa dizendo: “Da Capitania do Piauí aonde sou natural aonde vivo, com estabelecimento e comportamento que faço certo conforme atestação da Camara daquela cidade cabeça de comarca...”. A seguir, transcrevemos parte de sua defesa apresentada a D. Maria I.

“Com o documto. Nº 4 faço certo a V. Mage. que não tenho crime algum na Comarca da minha rezidencia e do mesmo modo com o documto. Nº 5 que o não tenho nesta capital do Maranhão, o que só, basta para manifestar a V. Mage. a violencia que se me fes, e nunca pode ser lícito o conservarse alí homem sem culpa, poiz nem ainda no cazo negado de a ter eu poderia sofrer a protelação da prizão em que me acho por maiz de sette mezes. Sem se me formar crime cabirseme livramento, porque assim como hé utelidade publica a punição do delicto, tão bem hé conveniente á Republica o não padecer a innocencia. E mostrando eu a V. Magestade, e como mostro com o documento Nº 1, o meu honesto comportamento, e que não tenho culpas, nem crime algum, como manifestão os documentos Nº 4 e 5 e finalmente o de Nº 2. B a opressão que se me faz, vou a suplicar a Vossa Magestade que se digne a darme providencia e mandar que se me ponhão a Liberdade para com ela poder reparar os danos que me tem cauzionado tão injusta e longa prizão, sem cauza justa. Maranhão, 3 de julho de 1781” [Referência [6], 796]. Pelo Real Decreto de 07/08/1796 Luís Carlos torna-se coronel do regimento de

cavalaria de milícias. Seus adversários o acusaram de ter corrompido o coronel Anacleto Henriques Franco para obter este nível da hierarquia militar, devido ao fato de Luís Carlos ter dado alvíssaras a um criado de Anacleto e a um oficial inferior que vieram de São Luís para a Serra Negra entregar a carta patente. O Príncipe Regente afirmou que a patente foi por mérito [AHU - Piauí, doc. 1277]. Em 18/09/1798 Luís Carlos prendeu alguém que surrou um de seus escravos na Serra Negra e o enviou para Oeiras, sem legalidade formal estabelecida, no que foi solto por Dom João Amorim Pereira [Capitania do Piauí 1798, Código 156, fl.161v].

7 Luís Carlos e seu tio, o qual registrou a genealogia dos Castelo Branco no Piauí pela primeira vez, foram

a São Luís do Maranhão a serviço e, no momento de retornarem, foram presos a mando de D. Antonio Sales de Noronha. Prenderam Luís Carlos junto com os seus escravos mantendo-os incomunicáveis e confiscaram o livro genealógico de seu pai. Dentre escravos e criados, morreram quatro e, um escravo enviado pela mãe de Luís Carlos, também foi preso, segundo o depoimento do tenente de dragões reformado Francisco da Costa Rebello [Referência [6], 796, p. 43].

Page 12: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

12

Um comunicado de Dom João de Amorim Pereira a Luís Carlos ordena a este que

providencie ações contra as tropas francesas que tentaram embarcar em Parnaíba. Em carta de 06/10/1798 este governador solicita a Luís Carlos que convoque até mesmo os vaqueiros para o serviço militar e reforce a disciplina dos militares [Capitania do Piauí, cod. 156, fls. 189v-190, 194, APPI]. Neste período a Oitava Companhia do Regimento de Luís Carlos estava sob o comando de seu filho, o Capitão Claro Luiz Pereira de Abreu Bacellar.

O coronel Luís Carlos foi um dos grandes defensores da independência piauiense

do Maranhão, tendo sido juntamente com Luiz Joze de Oliveira e Severino Coelho Rodrigues, membro da primeira Junta de Governo da Capitania do Piauí independente do Maranhão. Tomou posse em 13 de julho de 1811 na Câmara de Oeiras e faleceu no dia 31/08/1811. Em Livro de Registro de Patentes, Livro 1, p. 32, SPE COD. 001, estante 01, prateleira 01, APPI é citada a data 31/07/1811 para a sua morte.8

8 Informações relativas à data de sua morte podem ser vistas nos documentos abaixo.

“Officio Nº 6: Ilmº e Exmo Senr = Em 31 do mez passado faleceu em Sua Caza da Serra Negra o Coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar Adjunto deste governo Interino, e para lhe suceder passou o mesmo governo a chamar pelo Oficio junto por copia o Coronel Simplicio Dias da Silva, fundado na dispozição do providente Alvará de Sucessão Perpetua que regula e acautella quaesquer faltas, o que cumpre participar a V. Exª que ordenará o que for servido. Que Deus guarde a V. Exª. Quartel do Governo Interino de Oeiras do Piauhy, 13 de Setembro de 1811 = Ilustrissimo e Excelentissimo Senr. Governador e Capitão General Interino do Maranhão e Piauhy = Luiz Jozé de Oliveira = Severino Coelho Rodrigues. ... A copia que acompanhou o Officio supra acha-se registada no Lº da Parnahyba fl. 86 debaixo do Nº 5 [fl. 140]” [Cod. 397 - estante. 04 - prateleira 01. APPI].

“Dezembargador Ouvidor e Auditor da gente da guerra mandará dar baixa a Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, Coronel do 1º Regimento de Cavalaria de Milícias da guarnição desta Capitania por haver falecido no dia 31 do mez passado. Quartel do Governo Interino de Oeiras, 7 de setembro de 1811 = Oliveira = Rodrigues” [Códice 282, estante 2, prateleira 4 / APPI]. Até o dia 05/08/1811, na portaria nº 09, aparece o registro de Luís Carlos no livro das portarias do

governo, sendo esta, a última em que ele supostamente participou. Entretanto, o modo como estes registros foram feitos geram dúvidas quanto às assinaturas de Luís Carlos. Seria conveniente haver uma

Page 13: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

13

Em Capitania do Piauí 1814-1829, 09, p. 33, APPI há informações sobre o seu

inventário que dizem ter sido principiado em 18/12/1811, e que na folha 149 do mesmo haveria o auto de partilha, cujo início teria ocorrido em 17/10/1812.

A esposa do Coronel Luís Carlos, Luzia Perpetua Carneiro de Sotomaior, envia em

30/08/1813, da cidade da Bahia para Valença-PI, carta de alforria libertando o escravo “criollo de caza” João Pereira, filho da "criolla Rita" casada com Francisco Pereira. Este escravo, segundo ela diz na carta, havia lhe dado 150 mil réis pela sua libertação. Foram testemunhas da carta Joze Joaquim de Almeida Paiva e Manoel Joze Coimbra. O registro e a aprovação da referida carta foram feitos em Valença em 24/07/1817 [Caixa Valença Judiciário nº 450].

Na procuração geral pública do capitão Antonio de Olanda Bezerra e sua mulher

Dona Catharina Romana de Mendonça escrita e datada em Valença-PI em 05/04/1816, com a presença de ambos os outorgantes, consta como procurador na Vila de Pilão Arcado o capitão-mor Liberato Jozé Leite Pereira de Castello Branco9, o alferes Joze Praxedes Lima de Santana e o sargento-mor Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar.

perícia para constatar se todas as assinaturas são de Luís Carlos. Parecia haver um vácuo de poder no Piauí ou no Maranhão, pois os próprios membros da junta piauiense não citam o nome do capitão general interino do Maranhão. Não há registros de nenhuma sepultura ou atestado de óbito relativo a Luís Carlos. Poderia haver estas informações em seu testamento, o qual deveria estar no cartório da Ouvidoria Geral em Oeiras, visto que o inventário aí se encontrava até 24/07/1818. É surpreendente este testamento não estar nos autos de tutela e curatela relativos ao falecimento de D. José Thomaz de Menezes.

9 Acerca deste Capitão-Mor, afirma Monsenhor Chaves, citando L. 112 - of. 404 – pág. 151 – Cap. CAB:

“O Capitão-Mor Liberato José Leite Pereira Castelo Branco enviou de Pilão Arcado (PE), uma força de 300 homens, sob o comando do capitão José Manoel Lopes de Oliveira. Desta força só puderam ficar 160 homens; os outros 140, por estarem desarmados, receberam ordens para voltar... A Tropa de Pilão Arcado chegara ao Piauí sem nenhum ônus para o nosso erário; o Capitão-Mor Liberato Castelo Branco arcara com todas as despesas de seu suprimento e nada quis receber, dando-se por pago das importâncias gastas” [Monsenhor Chaves. Obra Completa. Teresina-PI: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2005]. Um certo Liberato Jozé foi padrinho de batismo de Jozé, filho legítimo de Torquato Luiz de Abreu

Bacellar e Claudina Maria do Nascimento.

Page 14: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

14

Como procuradores em Valença-PI constam o capitão Antonio Jozé Leite Pereira de Castelo Branco e o capitão Antonio Suares da Silva. Assinam o documento Antonio Olanda Bezerra, D. Catharina Romana de Mendonça, Veríssimo Jozé da Cunha Pereira e o Tenente Francisco (...) dos Santos. O tabelião foi Valentim Jozé dos Anjos, em substituição ao tabelião da época que estava impedido [caixa 450, Judiciário de Valença, APPI, fls. 15v e 17v].

Em 12/10/1800, na matriz de Nossa Senhora da Vitória de Oeiras do Piauí, o padre

reverendo José Antonio, "através de licença concedida pelo padre Cosme Damião da Costa (...)10 batizou o párvolo (...) filho natural de Joaquim José de Morais e Antonia dos Prazeres. Foi padrinho, por procuração apresentada pelo condecorado João José Leite Pereira de Castelo Branco, o Coronel Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, e não teve madrinha".11 No inventário de Marcelino José da Cunha Castelo Branco consta que o casal do

finado coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar ficou devendo ao inventariado um conto e quinhentos e cinqüenta mil réis, resto de maior quantia procedido da venda da fazenda Água Verde, que Marcelino havia vendido ao coronel.

Quando o coronel Luís Carlos faleceu, já havia em Parnaíba um segundo coronel

de milícias, que era Simplício Dias da Silva, o qual deveria assumir o cargo de membro militar da junta trina no lugar de Luís Carlos, mas não o fez devido a alegados problemas de saúde. O tenente coronel mais antigo, que era Manoel Antonio da Silva Henriques, não compareceu para assumir o cargo, o qual ficou com João Leite Pereira de Castelo Branco, que recebeu ofício apenas em 23/12/1812, ofício este que faz referência a um ofício anexo datado em 1/9/1812 [Códice 613, estante 5, prateleira 3 – APPI, fls.111v/112]. Neste vácuo12 de poder formal muitas pessoas assumiram o

10

O Catálogo de Verbetes dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Piauí, diz Cosme Damião da Costa Medeiros [Referência [6], p. 308]. 11

É um estranho registro de batismo visto que, explicitamente, dispensa madrinha. E o único que vimos onde Luís Carlos é padrinho. 12

Além da morte de Luís Carlos e as brigas com os antigos senhores do Maranhão, ocorreu também em 27/08/1812, na casa de João Leite na fazenda Tapera, o falecimento de Amaro Joaquim Rapozo de Albuquerque, governador recém-nomeado que estava indo para Oeiras assumir o governo do Piauí. Em

Page 15: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

15

comando, inclusive a filha de João do Rego Castelo Branco, cunhada e prima de Luís Carlos, Anna Pulcheria de Monserate Castelo Branco13. Em 10/11/1808 Carlos Cezar Burlamaque, do palácio de Oeiras, em ofício ao capitão-mor Jozé Alvares Feitosa, faz referências às moléstias do coronel Luís Carlos [Códice 399–APPI]. Em 9/8/1815, de Oeiras, é enviado para o Maranhão o escravo Simião de Dona Luíza Perpétua Carneiro de Souto Maior culpado na devassa Nº 10 [Códice 399, estante 4, prateleira 1 – APPI].

Entre os filhos naturais e bastardos do coronel Luís Carlos, descobrimos os

seguintes: coronel Claro Luís Pereira de Abreu Bacelar, assassinado em 20/05/1827; sargento-mor de Valença do Piauí Vasco José Pereira de Abreu Bacelar; Arcângela Úrsula Pereira de Abreu Bacelar; capitão Antônio Luiz Pereira de Abreu Bacelar; Silvestre Pereira de Abreu Bacelar, que combateu os republicanos da Confederação do Equador; Clementino Luiz Pereira Brazil, fundador da vila nova do Poti. Os filhos de legítimo casamento com Luzia Perpétua Carneiro Souto Maior Bacelar foram Luis Carlos Pereira de Abreu Bacelar Castelo Branco (chamado Luís Carlos Bacelar, com 12 anos de idade em 09/08/1819) e Arcângela Úrsula de Castelo Branco (chamada Arcângela Maria, com 14 anos de idade em 09/08/1819), o primeiro, fidalgo da casa real portuguesa. Entre os irmãos legítimos de Luís Carlos as genealogias dos Castelo Branco citam Antônio José Leite Pereira Castelo Branco, João Leite Pereira Castelo Branco,14 Pedro Luiz Pereira de Abreu Bacelar15 e Félix Luiz Leite Pereira Castelo

26/06/1813, João Leite oficia a D. João VI sobre os motivos pelos quais enviou Luiz José de Oliveira preso para o Rio de Janeiro em 04/05/1813. Em 19/10/1813 encaminha ao Conde de Galveas ofício no qual afirma que os correios do Piauí estão sendo interceptados pelos agentes de Luiz José de Oliveira na Bahia e que está mandando o capitão Claro Luiz Pereira de Abreu Bacelar, o qual além de muito honrado é muito ativo. Em 27/10/1813 D. João VI manda fazer devassa relativa à insubordinação do alferes comandante do destacamento de Oeiras Cristóvão Pereira de Abreu Bacelar, o qual é enviado preso para São Luís do Maranhão em 30/06/1814 por Baltasar de Sousa Botelho. Em 15/10/1814 D. João encaminha provisão para Baltasar formular parecer sobre o pedido de Luiz José Oliveira dos ordenados relativos ao inventário de Luís Carlos [Cod. 014, estante 1, prateleira 1 / APPI]. 13

Era natural da freguesia de São Bento das Balsas. 14

Pai do capitão-mor de Valença Antonio José Leite Pereira Castelo Branco, o qual teve os seguintes filhos: Estilina, com a escrava Theodózia; Camila com a escrava Faustina; Belchior com a mulata Donata; Brandino com a mulata Liberata; major Ângelo Custódio Leite Pereira, Liberato José Leite Pereira, Antônia e Emigdia com Isabel Maria de Souza; Justiniano Leite Pereira Castelo Branco e João com Francisca Paulina do Amaral.

Page 16: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

16

Branco. As muitas genealogias que têm sido feitas dos Castelo Branco não trazem os muitos descendentes de João Leite Pereira Castelo Branco, Pedro Luiz Pereira de Abreu Bacelar e Félix Luiz Leite Pereira Castelo Branco.

4. A demonização Quando Luís Carlos morreu em 1811 seu inventário apontou um monte de 96

contos e 605.420 réis, soma correspondente, segundo informações oficiais, a 1,128\% de todas as emissões brasileiras entre 1813 e 1820.16

15

Era proprietário da fazenda Jacaré na vila de Jerumenha e em virtude disto, possui altíssima probabilidade de ser pai de Pedro Luiz Pereira de Abreu Bacelar, Cristóvão Pereira de Abreu Bacelar Castelo Branco e Mariana Pereira de Castelo Branco, esta última mãe de Antonio Luís de Morais Castelo Branco e Maria Henriqueta de Castelo Branco. O segundo Pedro era pai de Carolina Pereira de Abreu Bacelar e casado com Anna Caetana de Souza em 25/04/1830. 16 Neste período a capitania do Piauí era muito mais importante para a manutenção da corte no Brasil do que em todos os períodos posteriores. A síntese orçamentária abaixo, feita 20 anos após a morte de Luís Carlos, quando suas fazendas já estavam praticamente aniquiladas, e a economia do Piauí em forte decadência, dá uma idéia da importância piauiense no período.

ANEXO IV – RECEITA E DESPEZA DAS RENDAS PÚBLICAS DO (...) NO PERÍODO FINANCEIRO DE 1830 A 1831 ARRECADADA POR ARRECADAR DESPESA RIO DE JANEIRO 9.970:895//631 9.970:895//631 ESPÍRITO SANTO 115:132//485 24:747//485 115:132//485 BAHIA 3.522:895//339 3.522:895//339 SERGIPE 77:239//218 77:239//218 ALAGOAS 262:659//214 262:659//214 PERNAMBUCO 2.024:051//232 2.024:051//232 PARAÍBA 262:248//978 262:248//978 RIO GRANDE DO

NORTE 43:652//960 43:652//960

CEARÁ 166:623//634 166:623//634 PIAUÍ 209:386//345 191:260//388 209:386//345 MARANHÃO 1.261:909//692 1.261:909//692 PARÁ 342:219//857 342:219//857 SÃO PAULO 383:478//280 474:830//782 SANTA CATARINA 326:581//833 326:581//833 SÃO PEDRO DO RIO

GRANDE DO SUL 868:278//642 868:278//642

MINAS GERAIS 774:945//262 2.603:765//728 774:945//262 GOIÁS 84:087//210 84:087//210

Page 17: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

17

Luzia Perpétua fugiu da Serra Negra com os dois filhos em 1808 e em 27/02/1811 deu à luz um terceiro, Maria José Borbon Menezes, filha do governador do Maranhão D. José Tomaz Eça e Menezes, o qual casaria com a viúva de Luís Carlos em 02/01/1815.17 Este nobre português, tal como Luís Carlos aqui no Piauí, foi em Portugal um dos grandes financiadores do governo de D. João VI nas guerras napoleônicas. Era filho de D. Rodrigo governador de Minas Gerais no período áureo da mineração e irmão de D. Eugênia de Menezes cuja gravidez causou um grande escândalo na corte portuguesa por haver suspeitas de que o filho fosse de D. João VI.

Numa provisão de 14/12/1811 D. João VI manda que as autoridades judiciárias do

Piauí liberem dinheiro para D. Luzia Perpétua do monte de seu falecido marido para alimentos dela e de seus filhos. Foram feitos leilões de bens móveis e de escravos e gados do monte de Luís Carlos em 21/01/1812, 28/01/1812 e 17/03/1812 pelo tesoureiro do juízo da fazenda dos defuntos e ausentes para pagamento da real fazenda num valor total de 6 contos e 354 mil réis. Por quase dois anos os bens deixados pelo defunto coronel foram apreendidos e seqüestrados a mando do desembargador ouvidor geral Luiz José de Oliveira devido ao fato de a meeira e os dois herdeiros se encontrarem em Portugal.

MATO GROSSO 133:942//206 133:942//206 Receita da caixa da

legação de Londres, e dos contratadores dos empréstimos brasileiros naquela praça em sua conta com o Brasil.

1.311:052//683 1.311:052//683

TOTAL 22.141:280//710 22.232:633//203 RECEITAS DESPESAS BRUTOS LAPIDADOS BRUTOS LAPIDADOS Quilate

s Grãos Quilate

s Grãos Quilate

s Grãos Quilate

s Grãos

211

4

31

174

4

32

211

4

31

174

4

32

Recebidos do Administrador da Fábrica de Lapidação. Existente no fim de junho de 1830

Remetidos para Londres para ahi serem vendidos e applicados seu produto ao pagamento dos nossos empréstimos

[Fonte: Caixa 50 do Executivo de Campo Maior, Arquivo Público do Estado do Piauí].

17 Em 1810 Luzia Perpétua tentou efetivar um divórcio perpétuo no Bispado do Maranhão, mas não

obteve sucesso. Não há defesa explícita de Luis Carlos neste processo, somente acusações dela.

Page 18: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

18

Em 21/08/1813, João da Silva Furtado, Ouvidor Geral pela Lei e Provedor Interino da Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos da Comarca do Piauí,18 despacha para João Nepomuceno Castelo Branco19 no sentido de fazer com que os bens do falecido sejam entregues a Alexandre Carreira de Mello,20

procurador de Luzia Perpétua, ficando os bens relativos aos dois órfãos sob a responsabilidade do juiz dos órfãos da vila de Valença do Piauí.

Em 15/09/1817 D. João VI decretou que os bens do finado Luís Carlos fossem

administrados pelo Ouvidor do Piauí e que anualmente fossem enviadas boiadas para a fazenda Jacurutú no sertão de Pernambuco, para serem entregues aos procuradores de Dom José Thomaz de Menezes. O ouvidor também deveria ser, segundo o decreto e a provisão a ele relacionada, juiz privativo de todas as causas em que estes bens estivessem envolvidos (movidos ou por mover), com exceção aos feitos da real coroa e fazenda (a provisão relacionada é de 17/09/1817). Dizia também a provisão que apenas 10% da receita líquida deveria ser usada para a administração das fazendas de Luís Carlos e pagamento do Ouvidor e seus auxiliares. A provisão faz acusações aos filhos naturais do coronel e aos membros da justiça do Piauí. A seguir, apresentamos um pequeno trecho da mesma.

“Que havendo-me reprezentado Dom Joze Thomáz de Menezés, por cabeça de sua Mulher Dona Luzia Perpetua Carneiro de Souto Maior, e como tutor dos seus entiados menores Dona Archangela, e Luiz, os gravíssimos prejuízos que lhes tem causado os officiais da Provedoria do Defuntos, e Auzentes da Capitania do Piauhy, combinados com os Filhos bastardos do primeiro Marido de sua Mulher o Coronel Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, os quaes com pretexto de se achar aquella auzente em Lisboa, quando este falesceu se meterão de posse de todos os bens, que delle ficarão naquella Capitania, sem embargo de haver ali Procuradores por ella legitimamente nomeados, e com reconhecida malicia dispuzeram arbitrariamente dos trastes de Ouro, prata, moveis, fazendo-se senhor

18 Interino, pois o titular Luiz José de Oliveira havia sido encaminhado preso para o Rio de Janeiro sob as

ordens do coronel João Leite, irmão de Luís Carlos. 19

Filho de Antônio do Rego Castelo Branco, que juntamente com Luís Carlos era bisneto de D. Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, patriarca desta família no Piauí. Neste período era tesoureiro geral das rendas dos ausentes da comarca de Oeiras do Piauí, de onde dirigiu os trabalhos relativos ao inventário do falecido coronel sob mandado do desembargador Luiz José de Oliveira. Sua mãe era da família Eça e Menezes. 20

Neste despacho o escrivão escreve o ano como sendo 1818 e logo em seguida retifica para 1813.

Page 19: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

19

delles por interpostas pessoas que [...]ladamente [...] [...], para lhes entregarem, e inventando atificiozos meios de tirarem a vultozos salários, já com a venda dos mesmos bens de[...]rais, que a porião em effeito se lhes não fosse a tempo obztada, já ad’metindo justificaçoens graciozas, para pagamento de dividas, sem a necessária audiência dele suplicante, de sua Mulher, e do Curador dos menores, alem de [...] o costeio, e manutenção das fazendas, cura, tratamento, educação, vestuário, e sustento da numeroza escravatura, de maneira que com semilhantes dilapidaçõens e com tão notável desleixo, e abandono, em breve tempo será de todo arruinado e aniquilado hum requicimo Patrimonio". Esta provisão foi executada a ferro e fogo pois houve muita resistência por parte

das autoridades constituídas. As fazendas de Luís Carlos eram, e ainda são, as mais produtivas do Piauí, e este confisco em suas receitas constituiu um duro golpe para a sua economia. Além disso, na provisão ainda havia o insulto de o rei afirmar que os próprios piauienses deveriam administrar as fazendas (com aplicação máxima de 10\% da receita líquida anual, e relatórios semestrais), devido ao fato de Dom Joze Thomaz não poder ir ao Piauí. Também haviam sido tomadas providências para restabelecer o antigo estado das fazendas e para isto confiscaram bens de vários familiares de Luís Carlos, inclusive do tesoureiro João Nepomuceno Castelo Branco.

João Leite Pereira Castelo Branco, quando assumiu o comando da junta provisória

em 23/12/1812 mandou prender o ouvidor Luiz Jose de Oliveira21 envolvido na anulação do testamento de Luís Carlos.22 Devido a isto, em 28/11/1814 este irmão de

21Membro da junta trina que governou o Piauí a partir de 13/07/1811 e que posteriormente tornou-se o 1º Barão de Monte Santo, ministro do STF e presidente do Senado. 22O Escrivão da Provedoria da fazenda dos Defuntos e Ausentes, Estevão Vicente Costa, declara o teor da Sentença que julgou nulo o Testamento do falecido Coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar.

... “Estevão Vicente Costa, escrivão da Provedoria da Fazenda dos Defuntos e Auzentes desta Comarca, etc. Certifico que revendo o testamento com que faleceu o Coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar nelle a folhas dezoito the verço se acha a sentença do theor forma e maneira seguinte = Hei por nullo e senenhum vigor o prezente testamento pelas imensidades de leis que atropela o Testador já testando contra razão natural, e direitos do matrimonio e de seos filhos legítimos, xamados a herança com iligitimos, e havidos de desvairadas mancebas sem nobreza alguma, gozando o mesmo Testador della, já despondo da terça ou de mais della contra o genoino expirito da geles digo

Page 20: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

20

Luís Carlos e o outro membro da junta trina, o vereador de Oeiras João Gomes Caminha, foram destituídos e remetidos presos para uma fortaleza em São Luís do Maranhão. É interessante observarmos que nesta pendenga as petições de Dom Joze Thomaz Eça e Menezes sempre vinham acompanhadas dos famosos disfarçados. Em 04/08/1815 o Governador Balthasar de Souza Botelho escreve para D. João VI afirmando que João Leite Pereira de Castelo Branco havia falecido23

há muitos meses e

expirito da legislação moderna de quase toda a Europa civilizada, e da nossa legislação pátria bem terminantemente declarada nas Providentíssimas Leis de vinte cinco de junho de mil setecentos e cecenta e seis, de nove de setembro de mil setecentos e secenta e nove, e na de vinte de maio de mil setecentos e noventa e seis. Pelo que ficando sem vigor este nullo testamento, fique o direito salvo aos legítimos herdeiros auzentes de requerer o que lhes convier, entretanto ao Thesoureiro cumpre por obrigação de seo offício continuar na arrecadação de todos os bens de quaisquer das expecias, e requerer sobre todas as nulidades extravios, pena de responsabilidade por qualquer leve omissão, e que pague a herança as custas. Oeiras, vinte e nove de Outubro de mil oitocentos e onze = Luiz Joze de Oliveira”. [Estevão Vicente Costa, em 24/07/1818, nos autos de tutela e curatela relativos ao falecimento de Dom Joze Thomaz Eça de Menezes].

23Esta informação prestada por Balthasar Botelho deve ser vista com reservas, pois ele parece que não estava bem informado, ou estava escondendo algo, pois não esclareceu as circunstâncias do falecimento, não citou a data e nem o lugar do mesmo. Este militar era pai do capitão-mor de Valença Antonio José Leite Pereira Castelo Branco, um dos principais idealizadores do movimento independentista no Piauí, tendo sido o responsável pelas operações encobertas. Seus espiões foram os únicos a observar as movimentações das tropas de Fidié. Antes da independência morou alguns anos na região de Pilão Arcado, onde Luís Carlos tinha mais influência que o próprio monarca, conforme atestam muitas comunicações intrigantes enviadas a D. João VI pelos adversários de Luís Carlos. A seguir, apresentamos uma delas, relacionada Jozé Severino Teixeira Brandão:

“Participase a S.A.R pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos a fuga do juiz ordinario Jozé Severino Teixeira Brandão que foi visto em caza de Dona Micaela do Espirito Santo no Rio de São Francisco e o nenhum cazo que o Comandante vezinho della Francisco Guerreiro fez do Precatorio expedido em nome do mesmo P.R.N.S para ser capturado e remetido aquelle juiz.

Senhor ... Mandei dous cabos em seu seguimento a capturalo, munidos de huma Portaria e Precatorio, em que em Nome Sempre Respeitavel de Vossa A. R pedia aos Generais, Governadores, Capitães Mores, Ouvidores, Juizes e mais Justiças dos Dominios de V. A. R, onde elle fosse achado para que oentregassem e remetessem. Foi com efeito encontrado em caza de huma D. Anna Micaela do

Page 21: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

21

que mandou João Nepomuceno capturar João Gomes Caminha, o qual não foi encontrado, e segundo informações prestadas por seus familiares do lugar “Frade” onde morava, segundo João Nepomuceno, havia fugido para o Rio de Janeiro [Cod. 015, estante 01, prateleira 01. APPI, fls. 13v a 15]. João Leite escreveu que seu irmão Luís Carlos era um homem justo e que gostava de agradar a todos.24

Espirito Santo, grande no Rio de São Francisco, Destricto de Pernambuco, e contraparente de Antonio do Rego Castelbranco, de Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar, e dos mais parentes da Serra Negra. E como os cabos se não atrevessem a pegalo ali forão prezentar a dita Portaria e Precatoria, em que eu pedia em Nome de V.A.R ao Comandante mais vizinho Francisco Guerreiro Capitão de Ordenanças e Comandante da Vila de Pilão Arcado. O qual não fazendo cazo da Portaria, comessou a intimidar os cabos dizendo lhes se admirava de terem alli chegado com vida, e que grande diligencia farião se com ellas chegassem as suas cazas. Assim os expedio. Assim respeitou a minha Portaria, e deprecado, onde he o Sempre Respeitavel Nome de V.A.R. Esta e a despozição de todos, ou quaze todos os executores de ordens sejão desta ou de outra Capitania quando se encontram com familias ou pessoas da Caza da Serra Negra. Posto que eu tenho posto nas mãos do General do Estado documentado este acontecimento, julgo conveniente pôlo tão bem na Prezença de V.A.R para o tomar na sua Real Consideração e inteligencia. Deos Guarde a V.A.R. Oeyras do Piauhy, 7 de Março de 1804 = Pedro Joze Cezar de Menezes” [Códice 012, estante 01, prateleira 01, APPI, fls. 100 e 100v]. O advogado Jose Severino Teixeira Brandão, juntamente com Anna Pulqueria de Monserrate

Castello Branco, o vigário Mathias de Lima Taveira, o capitão Antonio Madeira Brandão, Rafael Xavier de Campos, o padre João Joze Leite Pereira Castello Branco e o capitão Pedro Luís Pereira de Abreu Bacelar, era procurador de Luís Carlos em Oeiras, com procuração assinada em 28/07/1799 no quartel da Serra Negra. No alvará de 15 de janeiro de 1810 D. João cria a Comarca do Sertão de Pernambuco, e erige em vilas as povoações de Pilão Arcado e de Flores na Ribeira de Pajehú. Um homônimo sobrinho de Luís Carlos foi um importante Sargento-mor de Pilão Arcado e muitos descendentes de João Leite Pereira de Castelo Branco e Félix Luís Leite Pereira de Castelo Branco viveram no noroeste da Bahia. No início do século XX viveu em Pilão Arcado um importante líder político local de nome Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, descendente do Capitão-mor da Parnaíba.

24Fora esta, só encontramos duas informações escritas que fazem referência à personalidade de Luís Carlos. A de Luzia Perpétua nos autos do pedido de divórcio perpétuo, diz que ele a maltratava e era um marido infiel. Para uma mulher desquitada de família poderosa e esperando um filho do Governador do Maranhão, esta seria uma tática de defesa óbvia, a qual não funcionou. A outra nos vem de D. Diogo de Souza, em aconselhamento a Pedro Jozé Cezar de Menezes em 03/05/1803:

"... Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar = É altivo, recalcitrante às ordens dos superiores como consta de Offícios do Governador Dom João de Amorim Pereira, e do governador interino

Page 22: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

22

Visitando o Piauí em 31/01/1818, D. Luzia Perpétua tem audiência com o

governador do Piauí e diz que o capitão Claro Luís está ameaçando-a. O governador despacha exigindo que Claro compareça ao palácio no dia 18/02/1818. No dia 11/09/1818 o governador Balthasar de Souza Botelho e Vasconcelos e o ouvidor geral José Antônio Ferreira concedem a doação da carta de data e sesmaria da fazenda das Areias, de propriedade de Luís Carlos, porém possuída por Narcisa Pereira e seus filhos Claro Luís, Vasco José e Arcângela Úrsula Pereira de Abreu Bacelar há mais de cinqüenta anos [Cod. 460, estante 4, prateleira 3, APPI].25

Em conformidade com os autos de tutela relativos à morte de José Thomaz de

Menezes, no dia 30/06/1818, foi feita referência a uma devassa contra os "filhos bastardos" do coronel Luís Carlos por terem eles extraviado bens do casal de Luzia Perpétua em 1812. Em 27/07/1818, de Oeiras, o então Ouvidor José Antonio Ferreira envia para D. João VI uma representação na qual diz que Dona Luzia Perpétua quando viúva e moradora em Salvador-BA gastava demais. Vendia milhares de cabeças de gados para pagar dívidas muito além de suas necessidades. Trocava permanentemente de procurador e que ele, o Ouvidor, estava já pensando em tirar dela a procuração do atual marido Dom Joze Thomaz Eça de Menezes para com isto preservar os bens de seus filhos órfãos. As autoridades do Piauí também não entendiam porque em todo este tempo a Corte nunca aceitou como tutor dos órfãos os muitos parentes legítimos de Luís Carlos. Neste estado de ânimos, Dom Joze Thomaz Eça e Menezes é sepultado no Rio de Janeiro em 16/04/1819 e, em setembro do mesmo ano, Dona Luzia Perpétua consegue de D. João VI uma provisão concedendo-lhe a tutela dos quatro filhos.26

Francisco Diogo de Morais existentes nesta Secretaria, e tão bem da falta de execução de ordens dos Capitães Generais do Estado, que podera cumprir, e se lhe passarão para a prizão dos assassinadores do Juiz Ordinario da Villa Nova de El Rey com seos associados e mais facinorozos do Acaraú com quem conta tem correspondencia para se apoiarem às suas prepotencias" [Cod. 398, estante 04, prateleira 01 / APPI].

25 Esta fazenda está localizada no município de São Félix do Piauí e na mesma ainda se pode visitar o

cemitério da Narcisa. Na mesma se deram muitos fatos importantes da história do Piauí, principalmente relacionados à luta pela independência do Brasil no Piauí. 26 Dom José Thomaz ficou um ano e meio como governador do Maranhão e em seguida foi nomeado para ser governador dos Açores, mas ao embarcar recebeu chamado de D. João VI para comparecer ao Rio de Janeiro, onde havia denúncias contra ele. Então, o mesmo teve que pedir demissão e ficou se defendendo

Page 23: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

23

Com os movimentos de independência do Brasil os Castelo Branco, mormente os

filhos naturais e os sobrinhos de Luís Carlos, alguns refugiados na região de Pilão Arcado, viram este movimento como uma oportunidade de retomarem o que ainda restava da herança. Este fato, inclusive, explica a razão da própria existência de uma guerra verdadeiramente sangrenta objetivando tomar Caxias, com o quartel general na vila velha do Poti.27

O objetivo final era São Luís, mas houve negociações e, como quase sempre, as

tropas de ocupação não foram as dos guerreiros. No caso piauiense, as tropas de ocupação vieram primeiramente pelo mar e posteriormente por terra, através dos cearenses, com o objetivo de frear os piauienses. Há uma quantidade muito grande de documentos nas caixas do arquivo público estadual do Piauí comprovando que Claro Luiz Pereira de Abreu Bacelar, um dos membros da junta militar que comandou o cerco

destas denúncias até o seu falecimento. A própria Luzia Perpétua que fez este relato a D. João VI ao pedir para ela os soldos de Governador dos Açores do finado marido, o qual nunca trabalhou em tal cargo. D. Luzia também não diz que acusações eram estas, as quais foram graves o suficiente para tirarem da vida pública, aos 30 anos de idade, o homem a quem foi dedicado o canto genetlíaco de Tomaz Antonio Gonzaga. Sobre ele os livros que tratam da história do Maranhão dizem que governou de 17/10/1809 até 24/11/1810, quando foi demitido "por se lhe ter findo o tempo". Em 1810 destituiu e mandou prender o governador do Piauí César Burlamaque, o qual foi libertado por carta régia de 08/03/1811. Em 24/05/1811 assumiu o governo do Maranhão uma junta trina, a qual nomeou Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira para ser juiz das sindicâncias relativas ao governo de D. José Tomás de Menezes, com a incumbência de encaminhar diretamente para o Rei os autos da devassa. 27 Vila velha do Poti que seria oficialmente transformada em vila através de Clementino Luiz Pereira Brazil que na qualidade de secretário do parlamento de Oeiras veio especialmente dirigir os trabalhos relativos à edificação da nova vila. Montou a câmara dos vereadores, a força policial, fez a delimitação do território, enfim, toda a estrutura político-administrativa do que viria a ser Teresina. No despacho governamental nº 253 de 20/02/1832 eis o que o presidente da província do Piauí diz sobre Clementino:

“Clementino Luiz Pereira Brazil. Desde o anno de 1825, que conheço o Supplicante nesta cidade sempre com muito bom comportamento manço, temente as leis, respeitador das Autoridades e a seus superiores, activo, e cuidadozo no dezempenho de seus deveres nos Empregos que servio na Repartição da Junta da Fazenda desta Província, por isso que nunca tive queixa contra elle assim a respeito de sua conduta Publica como da particular” [Códice 462, estante 04, prateleira 03, APPI, fls. 135 e 135v].

Page 24: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

24

a Caxias a partir da vila velha do Poti, foi miseravelmente perseguido pelas tropas ocupantes cearenses que quiseram matá-lo. Inclusive Claro encaminhou ofícios ao juiz de Valença e este mesmo diz que o mesmo só não morreu porque conseguiu fugir. Em 1825, conforme o documento “ABREU BACELLAR (Claro Luiz Pereira d’__ ) Capitão – Documentos Honoríficos – Condecorado com o Hábito da Ordem de Cristo. 1 doc 1 fl – Paço, 13/07/1825 – caixa 787, doc 82” do Arquivo Nacional, Claro é reconhecido por D. Pedro I como o único oficial a participar de todas as fases da guerra no Piauí.28

Luzia Perpétua, a qual deve ter participado das negociações, soube se articular com

uma rapidez incrível, pois em 15/09/1823, no Rio de Janeiro, já estava pedindo a D. Pedro I para que o mesmo lhe fosse favorável e fizesse cumprir o decreto joanino perverso de 15/09/1817 e sua respectiva provisão. Dizia ela que “o decreto não vinha sendo cumprido ultimamente porque o Ouvidor do Piauí havia sido favorável a Portugal por ocasião da independência do Brasil”. Além disso, em 18/08/1825, em despacho no Palácio de Oeiras, consta o registro:

“Major Claro Luiz Pereira de Abreu Bacellar, tutor do órfão Luiz Carlos. O Commandante da Ribeira de Caratheus faça sair fora das fazendas Santo Antonio e Serrote os gados estranhos que nellas forem achados, sem a menor demora, e o mesmo praticará com os intruzos moradores” [Cod. 461, estante 04, prateleira 03. APPI, fls. 198 e 198v]. Claro Luiz foi comandante geral das tropas na luta contra os republicanos na

Confederação do Equador. Em 24/05/1836 o chefe de polícia da Província do Piauí encaminha para Oeiras, por não haver cadeia em Valença, quatro criminosos, um deles de nome Luis, assassino de Claro Luis Pereira de Abreu Bacelar, já sentenciado pelo Júri a galé perpétua [documento nº 9, caixa 549, Valença do Piauí]. Em fragmentos de

28 Em verdade, ordem do cruzeiro, instituída por D. Pedro I. Claro com ela foi sepultado. No inventário os avaliadores a ela se referiram como sendo um hábito da ordem de Cristo e a avaliaram em vinte a cinco mil réis. Em 24/02/1824 Claro pede a D. Pedro I a mercê da Ordem Imperial do Cruzeiro pelos seus trabalhos em prol da independência. Dizia já ter mais de 30 anos de serviço militar, tendo passado por todos os postos. No momento era Sargento-mor em Valença e que havia participado em todas as fases da luta pela independência. O pedido foi assinado por todos os membros da cúpula de governo do Piauí.

Page 25: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

25

seu Inventário,29 existentes na caixa 406 do Arquivo Público do Estado do Piauí, é mostrado que o Coronel Claro Luís faleceu em 20/05/1827, fez testamento antes de falecer, e sua esposa Dona Custódia Maria da Conceição faleceu em 11/03/1826. Nos autos de demarcação da Fazenda Serra Negra em 1880 (caixa 416, Judiciário de Valença, APPI) consta que Sabina Pereira Bacelar era possuidora do Boqueirão da Serra Negra, o qual foi desmembrado daquela e vendido pelo Visconde da Parnaíba, como procurador de Luzia Perpétua, a Zuzarte Cirqueira em 30/10/1828.

Enquanto o Visconde da Parnaíba governou, Luzia Perpétua, cuja irmã Dona Anna

Joaquina Carneiro Souto Maior morava na Rua de São José nº 204 em Lisboa, mandou no Piauí, tendo sido uma das grandes fornecedoras das tropas do Visconde na Balaiada. Em 1840 o Visconde já era tido como dono da Serra Negra e em 1847 Dona Luzia, uma das senhoras associadas da Associação Consoladora dos Aflitos em Lisboa.

Em lugar de uma conclusão Os administradores da colônia, ao se referirem aos conflitos advindos da gestão das

fazendas, diziam que o Piauí dava mais trabalho do que todas as outras capitanias juntas. E esta preocupação foi reforçada com o testamento de Luís Carlos, onde os

29

Nestes fragmentos não mais existe a folha de rosto contendo os nomes dos filhos legítimos e ilegítimos, aos quais se refere o próprio inventário. No arquivo público estadual da Bahia em Salvador, na carta precatória de classificação 32/1139/1, consta que Claro Luiz Pereira de Abreu Bacelar faleceu em Campo Maior e teve testamento aprovado em nome dos filhos Luiz, Belizário, Henriqueta, Claro e Delfino. Luiz e Belizário haviam sido enviados para estudar em Salvador aos cuidados de Francisco Xavier Leão. Quando surgiram as primeiras escolas públicas no Piauí o Coronel Inácio de Araújo Costa, tutor dos menores, envia em 11/05/1831 Joaquim José Teixeira para buscá-los, mas Xavier Leão, de quem Luís Carlos foi sócio e fiador na arrematação dos dízimos de Marvão no período 1788-1790, não os entregou. No testamento do Coronel Claro Luiz este também diz que “o filho de Francisca Cryolla herdará igualmente com os filhos legítimos por não haver entre ele e a cryolla Francisca impedimento algum”. Eis o registro de nascimento:

“Ao primeiro de janeiro de 1828 nesta Matriz de Santo Antonio de Campo Maior baptizei solenemente e pus os santos oleos o inocente Claro filho natural do falecido Tenente Coronel Claro Luiz Pereira de Abreu Bacelar e de Francisca da França, forão padrinhos o Capitão Antonio Lopes de Castello Branco e Silva e Dona Liduina Roza de São Joze; do que para constar fis este asento e o asignei = Fr Joaquim Jeronimo Castro Vigário Encomendado”.

Page 26: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

26

mulatos bastardos, como os desqualificou Dona Luzia Perpétua, iriam herdar em pé de igualdade com os nobres. Este testamento, pela magnitude da herança envolvida e pelo fato de ser Luís Carlos descendente dos fundadores do império português, era perigoso demais para o sistema escravocrata que se achava em plena vitalidade.

Agradecimentos

Agradecemos às famílias dos vaqueiros piauienses que construíram e preservaram

esta estória em forma oral e aos servidores do Arquivo Público do Estado do Piauí, que a conservarem em forma escrita.

Referências

[1] Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_ACL_CU_009, Cx.91, D.7559. [2] BARATA, C. E. A e BUENO, A. H. C. Dicionário das Famílias Brasileiras, 1999. [3] BRANDÃO, Carlos Augusto Pires. Missão dos Aroazes. Em Revista do

Vaqueiro, 2012. [4] CARVALHO, Padre Miguel de. Descrição do Sertão do Piauí (Comentários e

Notas de Pe. Cláudio Melo). Teresina: Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, 1993. [5] Catálogo do Arquivo Histórico do Itamaraty: documentação anterior a 1822. Brasília: FUNAG, 2000. [6] Catálogo de Verbetes dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do

Piauí (1684-1828) existentes no Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa Portugal/Coordenador da edição José Mendonça Teles, pesquisador Antonio César Caldas Pinheiro, Brasília: Ministério da Cultura; Goiânia: Sociedade Goiana de Cultura, Instituto de Pesquisas Históricas do Brasil-Central, 2002. Documentos 1072, 1228, 1345, 1226, 807, 796, 1072, 1228, 1345.

[7] Edgardo Pires. A mística do parentesco: uma genealogia inacabada: os Castello Branco e seus entrelaçamentos familiares: (Francisco da Cunha Castelo Branco e sua descendência) – Piauí: Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba; São Paulo: Linear B Gráfica e Editora, 2008.

[8] FREITAS, Padre Gilberto. Paróquia de Nossa Senhora do Ó e Conceição:

Page 27: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

27

história de um povo e sua fé. Valença-PI: Paróquia de Nossa Senhora do Ó e Conceição, 1997.

[9] FUNDO MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (CÓDIGO 4K) – TUTELAS E CURATELAS – CAIXA 100, PACOTE 2, DOCUMENTO 105 – LUZIA PERPÉTUA CARNEIRO SOUTO MAIOR. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, ARQUIVO NACIONAL.

[10] LIMA, Carlos de. História do Maranhão. Prefácio de José Sarney, São Luís: Instituto Geia, 2006. [11] Livro de Casamentos n.º 01 de Nossa Senhora da Vitória de Oeiras. [12] Livro de Registro de Patentes. Código 001. Teresina: APPI. [13] MIRANDA, Lossian Barbosa Bacelar. Os autos de justificação do coronel

Serra Negra e a carta de brasão de armas do capitão mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar. Pré-publicação, 2009.

[14] MOTT, Luiz. Transgressão na calada da noite: um sabá de feiticeiras e demônios no Piauí colonial http://www.red.unb.br/index.php/textos/article/viewFile/6055/5013

[15] PEREIRA DA COSTA, F. A. Cronologia Histórica do Estado do Piauí. Teresina: Editora Artenova S.A, 1974. [16] Registro de Cartas ao General do Estado 1776-1781. Teresina: APPI. [17] SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. [18] http://www.resgate.unb.br/.

Page 28: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

28

Anexo 1. Descendência de Luís Carlos 1. Mestre de Campo Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar [c1. Arcangela Úrsula

de Castelo Branco]. 1.1. Antônio Joze Leite Pereira Castelo Branco [c1. Ana Pulchéria de Monteserate

Castelo Branco]. 1.1.1. Padre João Jozé Leite Pereira Castelo Branco.

Page 29: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

29

1.1.2. Antônia Josefa Leite Preira de Castelo Branco. 1.2. João Leite Pereira Castelo Branco [c?. Cândida Theodora da Rocha]. 1.2.1. Capitão-Mor de Valença Antonio Joze Leite Pereira Castelo Branco [n1.

Escrava Theodózia; n2. Escrava faustina; n3. Mulata Donata; n4. Mulata Liberata; n6. Francisca Paulina do Amaral; n5. Isabel Maria de Souza].

1.2.1.1-n1. Estilina. 1.2.1.2-n2. Camila. 1.2.1.3-n3. Belchior José Leite Pereira. 1.2.1.4-n4. José Brandino Leite Pereira. 1.2.1.5-n5. Major Ângelo Custódio Leite Pereira [c1. Marcolina de Souza Martins]. 1.2.1.6-n5. Liberato Jose Leite Pereira [Raimunda da Silva Souza]. 1.2.1.6.1-c1. Delmiro Leite Pereira (ss) [c1. Senhorinha Maria de Jezus]. 1.2.1.7-n5. Antonia Josepha de Castelo Branco. 1.2.1.8-n5. Emídgia Theodora da Rocha. 1.2.1.9-n6. Justiniano Augusto Leite Pereira [Candida Augusta Nonata da Silva]. 1.2.1.10-n6. João. 1.2.1.5.1-c1. Major Antonio Joze Leite Pereira [c1. Amélia Leite de Assumpção

Martins]. 1.2.1.5.1.1-c1. Dr. Angelo Custódio Leite Pereira. 1.2.1.5.1.2-c1. Ana Amélia Leite Pereira. 1.2.1.5.1.3-c1. Antonino Martins Leite Pereira. 1.2.1.5.1.4-c1. José Martins Leite Pereira. 1.3. Coronel Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacellar [n1. Narcisa Pereira; c1. Luzia

Perpétua Carneiro de Souto Maior Bacelar]. 1.3.1-n1. Sargento-mor Claro Luiz Pereira de Abreu Bacellar [c1. Custodia Maria

da Conceição; n1. Francisca da França]. 1.3.1.1-c1. Belizario Pereira de Abreu Bacellar [c1. Florinda Silva Barboza]. 1.3.1.2-c1. Claro Pereira Bacellar [c1. Roza Linda de Castelo Branco]. 1.3.1.2.1-c1. Maria Roza Bacellar [c1. Pedro de Araújo Rocha]. 1.3.1.2.2-c1. Ermelina Clara Bacellar [c1. Lucio Lopes Teixeira]. 1.3.1.2.2.1-c1. José Mancio Lopes Teixeira. 1.3.1.2.2.2-c1. João Lopes Teixeira.

Page 30: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

30

1.3.1.2.2.3-c1. Maria da Purificação [Acilino Damaceno Soares30].

1.3.1.2.2.4-c1. Claro Lopes Teixeira. 1.3.1.2.2.5-c1. Antonio Lopes Teixeira. 1.3.1.2.2.6-c1. Jozepha Lopes Teixeira. 1.3.1.2.2.7-c1. Hermelina Clara Bacellar Lopes. 1.3.1.2.3-c1. Arciva. 1.3.1.2.4-c1. Beltrano. 1.3.1.3-c1. Henriqueta. 1.3.1.4-c1. Luiz Carlos Pereira Bacellar [c1. Joana Ferreira de Souza; c2. Roza

Linda de Castelo Branco Bacellar]. 1.3.1.4.1-c1. Nelson Pereira de Abreu Bacellar. 1.3.1.4.2-c1. Marcela Pereira da Silva [Pedro Joze da Costa Velozo]. 1.3.1.4.3-c1. Amélia Pereira Bacellar [Reinel da Silva Suares]. 1.3.1.4.4-??. Afonso Pereira Bacellar. 1.3.1.5-c1. Delfino. 1.3.1.6-n1. Claro. 1.3.2-n1. Capitão Vasco Joze Pereira de Abreu Bacellar. 1.3.3-n1. Arcangela Urçula Pereira de Abreu Bacellar [c1. Francisco Antonio

Branco;31 c2. Silvestre José de Vasconcelos32]. 1.3.4-c1. Archangela Úrsula de Castelo Branco (Archangela Maria, com 14 anos de

idade em 09/08/1819). 1.3.5-c1. Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar Castelo Branco. 1.3.6. Capitão Antonio Luiz Pereira de Abreu Bacellar. 1.3.6.1. Órfã. 1.3.7. Clementino Luiz Pereira Brazil [c?. Silvana de tal].

30

Ambos naturais e paroquianos de Valença. Casamento em 15/09/1906 em Santa Cruz, ele filho legítimo de Antonio Damaceno Soares e Rosalina Pereira Damaceno. 31

Era natural de Lisboa, filho legítimo de Antonio Branco Teixeira e Thereza Escolástica de Jezus, vivos em 02/05/1832. Faleceu em 26/02/1832 em Monte Alegre, terras da Fazenda das Areias na vila de Valença do Piauí e pediu sepultamento na "Matriz de Nossa Senhora da Conceição dos Aruazes". Tiveram um único filho de nome Francisco, o qual faleceu ao nascer. Um dos avaliadores do inventário foi Rosendo Pereyra de Abreo Bacellar, sobre o qual não temos nenhuma informação, salvo que em Portugal havia "Rozendos" da família Abreu Bacelar. 32

Não teve descendentes e quando faleceu deixou como seus herdeiros Guilhermina de Souza Martins, Marcolina de Souza Martins, Francisca de Souza Martins e Antonino de Souza Martins.

Page 31: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

31

1.3.7.1. Dormeville Antunes Brazil (*1834, solteiro em 1854). 1.3.7.2. José Ovídio Antunes Brazil. 1.3.7.3. Filho(a). 1.3.7.4. Filho(a). 1.3.8. Joaquina Roza Pereira de Abreu Bacellar. 1.4. Capitão Pedro Luiz Pereira de Abreu Bacellar [Faleceu em 27/08/1802]. 1.5. Félix Luiz Leite Pereira Castelo Branco.

Anexo 2. Autos de Justificação de Luís Carlos da Serra Negra e a Carta de Brasão de Armas do Capitão Mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar Os Autos de Justificação do Coronel Serra Negra e a Carta de

Brasão de Armas do Capitão Mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar

Lossian Barbosa Bacelar Miranda / [email protected]

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí

Page 32: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

32

Resumo: Comentamos acerca da Carta de Brasão de Armas do Capitão Mor de Parnaíba e vila de Valença do Piauí, Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar.

Palavras chave: Genealogia, Carta de brasão de armas, Colonização do Piauí. Introdução

Em 12/08/1776 o capitão Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, o moço, [veja

ANEXO 1] vulgarmente conhecido como Luís Carlos da Serra Negra, o primeiro governante da Capitania independente do Piauí (foi o membro executivo da junta trina estabelecida por D. João VI para governar o Piauí separado do Estado do Maranhão), envia requerimento para D. Maria I de Portugal pedindo a patente de coronel. Neste requerimento, anexa vários documentos. Entre eles, os seus próprios Autos de Justificação feitos em 1776, e dentro destes, a Carta de Brasão de Armas de seu pai, o Capitão Mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, a qual estava perdida, segundo os genealogistas Bueno e Barata (referimo-nos ao livro Dicionário das Famílias Brasileiras).

1. Autos de Justificação de Luís Carlos da Serra Negra A seguir, transcrevemos os principais trechos dos Autos de Justificação de Luís

Carlos da Serra Negra:

“Diz o capitam Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, desta comarca, que a bem seu perciza, por certidao’ao pé desta o theor de huns Autos de Justificaçao´que elle suplicante deu neste Juizo, sobre as qualidades de seus progenitores, servissos de seu falecido Pay o capitam Mór Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, e o mais que contem os artigos da sua Justificaçao’.

Para o Senhor Ouvidor geral seja servido mandar que o Escrivaam dé ao suplicante o theor dos Autos sobreditos de verbo ad verbum, em modos que fassa fé.

Assinatura: Feliz.

Page 33: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

33

Feliz Jozé de Miranda Escrivao’ da Ovedouria geral e coreiçao’ nezta cidade de oeiras e toda a sua comarca de São’ Joze do Piauhy por Provizao’ do Ilm.º governo della, etc. Certifico e dou fé que ao Autos de Justificaçao’ de que trata o Requerimento Retro em virtude do despacho supra achey os ditos Autos com o theor de verbo ad verbum da forma maneira seguinte = Anno de mil sete centos e setenta e seis Oeiraz do Piauhy Ouvedoria geral = Autos civeiz de Justificaçao’ em que hé justificante Luís Carlos Pereira de Abreu Barcelar – Escrivao’ Pereira e de Silva = Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Chrizto de mil sete centos e setenta e seiz annos aoz vinte e coatro dias do mês de Maio do dito anno nezta cidade de Oeiras do Piauhy em o meu escriptorio Autuey huma petisao’ do justificante Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar e com ella juntey huma sua inquiriçao’ de testemunhaz para o feito de lhe ser feita comcluza e julgada por Centença o que tudo hé o que adiante se segue de que para conztar fis este Autuamento Eu Joao’ de Couto Pereira Escrivao’ da ovedoria geral e correiçao’ que o Escrevy. Petiçao’ // Senhor Doutor ouvidor geral e Juis das Juztificasoniz = Diz Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar que para bem de seus Requerimentos lhe hé percizo juztificar Perante voçeminçe os Iténz seguintes Primeiro que o Justificante hé filho legitimo do Capitao’ Mor Luiz Carlos Pereira de Abreu bacelar e Donna Arcangela Vursula de Caztel Branco tao’ destinto pela parte Paterna como conzta dos seus Brazoniz Registados no Livro da Camera dezta cidade e pela parte Materna tao’ ilustre como decendente da Iluz trisima Caza dos Condes de

roPomb. , como tudo he publico nezta capitania; Segundo Item que o Pay do Juztificante seriu o Pozto de capitao’ mor da villa que hé hoje de Sam Joao’ da Parnaiba desde o anno de quarenta e tres como conzta da Patente do general do Estado; Terceiro Item que mudandose o Pay do justitificante para o destrito da vila de Valença, logo que ezta se criou em vila foy feito capitao’ mor dela por Patente do Ilm.º governo desta Capitania; Quarto Item que sendo promovido ao dito Pozto de Capitao’ Mor criou todos os poztos das suas ordenanças passandolhez repetidas mostraz longe de sua caza e a sua cuzta sem dezta deligencia perceber de sua Magestade merçe Alguma; Quinto Item que sendo recomendado ao pay do justificante a prizao’ e condussao’ de muitos prezos que se percizavao’ para o serviso da fortaleza do Macapá o Pay do Justificante não’ só prendéo e remeteu os de sua jurisdiçao’ como das demais vilas dezta capitania; Sexto Item que para a guerra dos gentioz Barbaros comcorreu o Pay do justificante com douze cavalos muito bons e grande soma de gados tudo de grassa e por beneficio do serviso de sua Mageztade; Setimo Item que o pay do justificante sempre executou prontamente az ordenz deste governo com fedelidade e enteireiza sem de todo ezte servisso ter tido recompenssa alguma = Pede a voçiminçe seja servido ademitir ao suplicante a justificasao’ ao deduzido

Page 34: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

34

e juztificado que baste mandar darlhe sua Çentença de juztificasao’ pelas vias que puder e recebera Merçe = Justifique Durao’ = ...” [Fonte: AHU_ACL_CU_009, Cx.91, D.7559]. OBSERVAÇÃO: em seguida, na cidade de Oeiras do Piauí no dia 23/05/1776, o

Ouvidor Geral Antônio José de Morais Durão e o escrivão de seu cargo, João de Couto Pereira, registram a inquirição das cinco testemunhas, as quais pouco acrescentam ao já afirmado pelo Capitão Luís Carlos, o moço. Eram elas:

1. Miguel do Rego Barboza: diz ter visto os brasões e que o capitão mor ocupou

tal cargo até o seu falecimento; 2. Antonio Joze de Queiroz: de 62 anos de idade, advogado em Oeiras, tenente de

cavalaria, diz que o Capitão Mor mudou-se para a sua fazenda da Serra Negra logo que foi criada a vila de Valença por João Pereira Caldas, e que antes era capitão mor de Parnaiba. Diz também que o mesmo foi capitão mor de Valença até seu falecimento;

3. Joze Esteves Falcão: tenente de cavalaria auxiliar solteiro, morador de Oeiras,

almoxarife da Real Fazenda, 62 anos de idade. Diz que o capitão mor se mudou de Parnaiba para a Serra negra logo que Valença se tornou vila;

4. Antonio do Rego Castelo Branco: casado, morador em Oeiras, 28 anos de idade, Ajudante do Regimento Auxiliar, diz que Dona Arcângela Úrsula de Castelo Branco é sua tia. Afirma que o capitão mor mudou-se de Parnaiba para a sua fazenda da Serra Negra na “Freguesia dos Aruázes” e que logo que tal freguesia se criou em vila de Valença foi o capitão Luís Carlos feito Capitão Mor dela por patente que lhe deu o governador da Capitania, o general do Pará João Pereira Caldas;

5. Antonio Carneiro da Cruz: morador em Oeiras, solteiro, alferes, tesoureiro da fazenda dos Defuntos e Ausentes, 41 anos de idade. Nada acrescentou ao já dito pelas demais testemunhas.

2. A Carta de Brasão de Armas do Capitão Mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar

Page 35: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

35

Como o grande terremoto de 1755 em Lisboa destruiu os prédios onde muitas cartas de brasões estavam arquivadas, poucas são as cartas anteriores a este período. Inclusive, muitas delas se perderam para sempre. Vejamos o que nos dizem os grandes especialistas brasileiros da área, no que diz respeito à família Abreu Bacelar:

“Abreu Bacelar: Antiga e importante família originária de Portugal estabelecida no Piauí, à qual remontamos a Baltazar de Abreu Bacelar, que tirou Carta de Brasão de Armas, no ano de 1586. Filho de Domingos Gonçalves Caminha e de Leonor Rodrigues Bacelar. Deixou numerosa descendência do seu cas. com Maria de Eça da Rocha. Entre os descendentes do casal, registram-se: I - o filho, José de Abreu Bacelar, membro do Conselho Geral do Santo Ofício de Lisboa; II - a filha, Clara de Abreu Bacelar, que deixou importante descendência do seu cas., a 17.08.1626, em S. Clemente de Bastos, com Gonçalo Falcão; III - a neta, Leonor de Abreu Bacelar, filha da anterior. Deixou importante descendência do seu cas. com Bento Ferreira de Moraes, Senhor da Quinta do Outeiro, na Freg.ª de São Pedro de Alvite, em Cabeceiras de Basto. Filho de Pedro Alvares Cardoso; IV - o bisneto, José de Abreu Bacelar, filho da anterior, que passou ao Brasil, onde foi proprietário e muito rico, deixando seus bens, ao seu irmão Luiz Carlos; V - capitão-mor Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, irmão do anterior, que tornou-se o patriarca desta família, no Piauí - detalhes adiante. Brasil: Importante família estabelecida no Piauí, para onde passou o capitão-mor Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar [c.1721, Portugal -], bisneto daquele patriarca, Baltazar de Abreu Bacelar, citado acima. Herdeiro dos bens de seu irmão José de Abreu Bacelar. capitão-mor de Ordenanças na Cidade do Maranhão, onde foi Senhor da casa de Serra Negra. Teve mercê da Carta de Brasão de Armas, da qual se desconhece o conteúdo, mas, que certamente, deverá citar as armas que se passou, em 1586, a seu bisavô. Deixou numerosa descendência do seu cas. com Arcangela da Cunha Mesquita de Castelo Branco, neta de Francisco da Cunha Castelo Branco, patriarca desta família Castelo Branco (v.s.), no Piauí. Foram pais, entre outros, do coronel Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar [c.1751 - ?], conhecido por Luiz Carlos da Serra Negra, coronel comandante da 5ª Companhia do 1º Regimento de Cavalaria Auxiliar de Oeiras, Piauí. Fez parte da Junta do Governo Interino do Piauí [1811-1814]. Cavaleiro da Ordem de Cristo. Deixou geração do seu cas. com Luzia Perpétua Carneiro Souto Maior, filha de Aires Carneiro Homem de Souto Maior, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Coronel de Milícias do Maranhão, e de Maria Joaquina Belford. Foram pais, estes últimos, de outro Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar Castelo Branco, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Moço Fidalgo com exercício no Paço. Deputado da Real Junta do Tabaco. Teve mercê da Carta de Brasão de Armas - detalhes abaixo. Heráldica- Século XVI: Baltazar de Abreu Bacelar, citado acima. Brasão

Page 36: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

36

de Armas datado de 1586: um escudo partido em pala; na primeira, as armas da família Abreu (v.s.); na segunda, as armas da família Bacelar (v.s.). Brasil Heráldico: Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar Castelo Branco - citado acima. Brasão de Armas datado de 24.05.1830. Registrado no Cartório da Nobreza, Livro VIII, fl. 251: um escudo esquartelado com as armas das famílias Abreu (1.º quartel), Bacelar (2.º quartel), Castelo-Branco (3.º quartel) e Souto Maior (4.º quartel)” [BARATA e BUENO. Dicionário das Famílias Brasileiras. Grifos nossos].

Informamos aos ilustres autores, e a todos os outros que engrandecem a genealogia

brasileira, que nossas exaustivas pesquisas nos permitiram, a partir das científicas informações prestadas na magistral síntese que eles fazem acerca da evolução histórica de nossa família, localizar a Carta de Brasão de Armas do Capitão Mor Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar.

Quando o Capitão Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, o moço, solicitou à rainha

D. Maria I de Portugal a patente de Coronel em 1796 ele anexou ao pedido o traslado da Carta de Brasão de Armas de Seu homônimo pai, tirada em Lisboa em 1738 e registrada no Arquivo da Câmara de Valença do Piauí. A seguir, transcrevemos o inteiro teor da mesma, salvos pequenos trechos que julgamos discriminatórios para as normas atuais.

“Diz Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, capitam da Cavalaria Auxiliar, que elle suplicante perciza que o Escrivao’ deste juizo lhe passe por certidao’ o teor da carta de blazoens de Armas do pay do suplicante, que se axa registado no livro deste juizo, e como o Escrivão o não pode fazer vim despaxal.

Joao’ de Souza Estrella, tabeliao’ do publico judicial e notas, Escrivam da Camera e Orfaons, e mais Officios anexos nesta Villa de Valença do Piauhy, e seu Termo por Provizam do Ilustrissimo Senhor governador da Capitania, etc. Certifico e porto fé, que revendo o livro primeiro de registos, que atualmente serve nelle a folhas sete te folhas onze axei o registo da carta de blazoens de Armas de que a petiçao’ retra faz mençao’ da qual o seu teor he o seguinte..........

Copia dos blazoens de Armas, que mandou lançar neste livro Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar o mosso; que mandou lançar pela pessoa de Antonio Caetano Borges como abaixo se declara, etc.

Page 37: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

37

Dom Joao’ por graça de Deos, Rey de Portugal, e Algarves da quem e dalem Mar em Africa Senhor de Guiné da Conquista Navegaçao’ do Comercio da Etiopia Arabia, Persia e India, etc. a quantos esta minha Carta virem fasso saber que Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar natural da Freguezia de Sam Pedro de Alvite Concelho de Cabeceira de Basto, Comarca de Guimaraens Arcebispado de Braga, me fez petiçao’, e como elle descendia, e vinha de geraçao’ e linhagem dos Leites, Pereiras, Abreus e Bacelares, e que suas Armas lhe pertenciao’ de direitos, e pedindome por merce que para memoria de seus antecessores senao’ perder, e elle usar e gozar da honra das Armas que pellos merecimentos de seus serviços ganharao’, lhe forao’ dadas assim dos privillegioshonras graças e merces, que por direito, e por bem delles lhes pertence lhe mandasse dar minha Carta das ditas Armas, que estavao’ registadas em os livros de Registos das ditas Armas dos Nobres Fidalgos de meus Reynos, que tem Portugal meu principal Reyno dei Armas a qual petiçao’vista por mim mandei sobre esta tirar Inquiriçao’ de testemunhas pello Doutor Manoel Guerreiro Camacho do meu Dezembargo, e meu Dezembargador, em esta minha Corte, e Caza de Suplicaçao’, Corregedor do Civel, em ela, e por Antonio Soares Guerreiro, escrivao’do dito Juizo, pellos quaes fiei certo, que elle prosede, e vem de geraçao’ e linhagem dos ditos Leites, Pereiras Abreus, Bacelares............... Como filho legitimo do legitimo matrimonio de Bento Ferreira de Moraes e de Donna Leonór de Abreu Bacelar, neto pela parte Paterna de Pedro Alves Cardozo, e de Dona Maria Leite Pereira, e pela Materna de Gonçalo Ribeiro Falcao’ e de Dona Clara de Abreu Bacelar, e que tanto elles como seus Pays, Avós, e mais antepassados forao’ pessoas muito nobres, e como taes se tratarao’ sempre a Ley da Nobreza como o estado acha devido, e assim seus irmaos’ Rozendo de Abreu Leite Pereira cavalheiro profeço na Ordem de Christo, Sargento Mor da Comarca de Guimaraens e Capitao’ de Infantaria, que foi com destinçao’ na guerra proxima passada, o qualtirou Brasao’ de Armas Antonio Ferreira de Abreu Bacelar abade da Parroquial Igreja de Sam Pedro de Britello Comissario do Santo Officio Joze de Abreu Bacelar, e Teodozio Joze Pereira de Moraes, e he fama pública, que os seus antepassados servirao’ Cargos, e ocupaçoens de grandes honras, como foi Joao’ Leite Pereira Tio directo do Pay delle Suplicante servindo de Capitao’ de Infantaria, e Secretario da Embaixada a Corte de Castela, e Domingos de Abreu bacelar Tio directo da May do mesmo Suplicante, abade que foi de Sam Clemente de basto Comissario do Santo Officio, e seu Irmao’ legitimo o Doutor Joze de Abreu Bacelar, Provedor, e Vigario Geral, que foi do Arcebispado de Braga, e depois inquizidor da meza grande do Santo Officio, havendo nas suas Ascendencias muitas pessoas Religiozas, Beneficiados, Seculares com grandes ocupaçoens assim nos honrozos Cargos da Respublica, como nos postos militares, e se prova, que quanto mais atrás mais ilustre

Page 38: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

38

família hé, pello que se conhece a (.............) e antiga Nobreza que, o ilustra, sem que os seus ascendentes servisem nunca (.......), e que de direito as suas Armas lhe pertencem, as quaes lhe mandei dar em esta minha Carta com o seu Brazao’, Elmo e Timbre, como aqui são’ devizadas, e assim como fiel, e verdadeiramente se axavao’ devizadas, e Registadas em os livros dos Registos do dito Portugal meu Rey de Armas.......... A saber........... Hum escudo esquartellado no primeiro quartel as Armas dos Leites, que vem a ser escudo, esquartelado no primeiro, e quarto quartel, tres flores de lis de Ouro em campo verdes, no Segundo, e terceiro em campo sanguinho hua cruz de prata vazia do Campo no segundo quartel as Armas dos Abreus, que sao’ em Campo sanguinho cinco coto de Azas de ouro poztas em (saus-tor???) com sangue nas cortaduras no terceiro quartel as armas dos Pereiras em Campo vermelho hua Cruz de prata floretada, e vazia do Campo, no quarto quartel as armas dos Bacelares em Campo de Ouro hum Bacelo Verde de duas vergontas retrocidas poztas em palla com quatro cachos de purpura, Elmo de prata aberto guarnecido de ouro, paquifes dos metaes, e cores das armas Timbre, e dos Leites hua Cruz de prata vazia do Campo entre duas flores de lis verdes, e por diferença hua brica de prata com hum trifolio preto. O qual escudo Armas, e Signaes possa trazer, e traga o dito Luiz carlos Pereira de Abreu Bacelar, assim como a trocerao’, e delas uzarao’, seus antecessores, em todos os lugares de honra, em que os ditos seus antecessores, e os Nobres, e antigos Fidalgos sempre as costumarao’ trazer, em tempo dos meus esclarecidos Reys meus antecessores, e com elas possa entrar em batalhas campos retos, escaramuças, e exercitar com ellas todos os outros actos leitos da guerra, e pax, e assim as possa trazer em seus (firmaes???) aneis sinetes, e devizas, e as pór em suas cazas, edificios, e deixalas sobre sua propria sepultura, e finalmente se servir honrar, gozar, e aproveitar delas, em todo, e por toda como a sua nobreza convem, com o que quero, (..?), que haja elle, e todos os seus descendentes todas as honras Privilegios, liberdades, graças (...?) exceçoens e franquezas, que hao’ e deve haver os Fidalgos nobres e de antiga linhagem, e como sempre de todo uzarao’, e gozarao seus antecessores............................... Pello que mando a todos os meus Corregedores, Dezembargadores, Juizes, Justisas, ides, e expecial aos meus Reys demais Arautos e passavantes, e a quaes quer outros Officiais, e pessoas a que esta minha Carta for mostrada e conhecimento delas pertencer, que em tudo lho cumprao’ e goardem, e fassao’ cumprir, e goardar como nela he contido sem duvida, sem embargo algum, que em ela lhe seja pozto, porque assim he minha mercê.................................. El Rey Nosso Senhor o mandou por Manoel Pereira da Silva, seu Rey darmas Portugal Fr. Manoel de Santo Antonio Religiozo da Ordem de Sam Paulo a fes em Lisboa Ocidental

Page 39: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

39

aos des dias do mez de Outubro do Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setecentos, e trinta e Oito, e vay sobscrita por Antonio Francisco e Souza Escrivao’ da Nobrezanestes Reynos e Senhorios de Portugal, e suas Conquistas e Eu Antonio Francisco e Souza a sobrescrevi // Rey darmas Portugal // Fica Registado este Brazão no livro Nono dos Registos dos Brazoens da Nobreza de Portugal, a folhas trinta e cinco // Lisboa Ocidental aos dez dias do mez de Outubro do anno de mil e setecentos, e trinta, e Oito // Antonio Francisco e Souza // E não’ se continha mais, nem menos couza alguma em oz ditos Brazoens do que o conteudo aqui escripto, e asignado, que eu Escrivao’ abaixo asignado, bem fielmente trasladey dos proprios, que tornei a entregar a aprte que mo deu, e de como os recebeu aqui comigo asignou, com os quaes Brazoens, e comigo mesmo este traslado comferi, concertei, escrevy e asigney nesta villa de Valença do Piauhy aos quatorze dias do mez de julho de mil e setecentos, setenta e sete annos, e Eu Antonio Joze de Torres Frazao’, escrivao’ que o escrevy // Antonio Joze de Torres Frazao’ // Antonio caetano Borges // E não’ se continha mais couza alguma em o dito Registo da Carta de Brazoens de Aramas do que o conteudo aqui escripto, e declarado, que Eu Escrivao’ ao diante nomiado bem fielmente fiz trasladar do proprio livro de Registo ao qual me reporto com o qual esta comferi, concertey fiz escrever, sobrescrevy e asigney nesta Villa de Valença do Piauhy aos nove dias do mez de Outubro do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setecentos e noventa e quatro annos, e Eu Joao’ de Souza Estrella Escrivao’ que o sobrescrevy.

ASSINAURAS: ...................... elM Antunez da Assumpçao’ Ouvidor geral pela ley com alçada no Crime e Civel e mais

cargoz anexos nesta cidade de Oeiras do Piauhy e toda a sua Comarca e nella juiz das justificacoens de india e mina, etc. Faço saber aos que a prezente Certidao’ de justificaçao’ virem que me conztou por fé do Escrivao’ do meu cargo que esta escreveu ser a letra do proprio Escrivao’ nella constado Joao’ de Souza Estrella o que hey por juztificado verdadeiro. Dado e passado nesta cidade de oeyras do Piauhy aoz 18 de 7br.º de 1795. Eu Feliz Joze de Miranda, Escrivao’ que o Escrevy [Fonte: AHU_ACL_CU_009, Cx.91, D.7559].

Referências BARATA, C. E. A e BUENO, A. H. C. Dicionário das Famílias Brasileiras, 1999. http://www.resgate.unb.br/

Page 40: Demonização e Mitificação de Luís Carlos da Serra Negra · 2 Nos livros de genealogia da família real portuguesa ele é citado apenas como falecido marido de Luzia Perpétua

40