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Janeiro/Fevereiro 2009 6 consultório Dentista para os pequenos A paixão por crianças está na base da criação da Clínica Pequenos Grandes Doutores, espaço com inúmeras especialidades, mas que faz da odontopediatria a sua actividade principal. Porque atender os mais pequenos não é a mesma coisa que lidar com adultos. RICARDO MARTINS Desde 3 de Setembro do ano passado que Lisboa tem uma clínica criada a pensar nas crianças, com a odontopediatria a assumir o papel principal no seu funcionamento. Situada na zona Sul do Parque das Nações, em Lisboa, a Clínica Pequenos Grandes Doutores vem preencher um vazio. Isto porque não são mui- tos os equipamentos criados de raiz a pensar nas crianças, nas suas vontades, nos seus medos, no seu tamanho, enfim nas suas necessidades. A clínica parece ser mesmo o espaço ideal para os mais pequenos, como o demonstram as cores vivas e desenhos de bonecos que preenchem as paredes, a sala de espera cheia de brinquedos, e até uma televisão no tecto, por cima da cadeira de dentista, para que os pequenos pacientes mesmo aí deitados tenham um foco de distracção. A ideia é a de que quem aqui entre não fique com a ideia de que vai ao médico. É que muitas vezes o médico é associado ao sentir-se mal, a levar injecções ou até a arrancar um dente. É também por isso que a própria farda das assistentes é descrita como sendo “desportiva”, e a “farda” branca é proibida, dando lugar a coloridas e alegres batas. PAIXãO POR CRIANçAS A paixão pelas crianças é algo que não é de agora na Dr.ª Rute Gomes, pro- prietária, directora e dentista de serviço na clínica. Como revelou à SAÚDE ORAL, «sempre trabalhei com crianças, em colónias de férias, em trabalhos de tempos livres, em voluntariado. Quando quis ser dentista decidi que tinha de continuar a trabalhar com elas». O curioso nome “Pequenos Grandes Doutores” pode suscitar algumas dúvidas em relação à estatura física dos profissionais que aí prestam assistência. No entanto, o mais adequado será pensar que esses são jovens médicos ao serviço dos mais pequenos. E se a juventude é algo visível, também a experiência já é bastante nas suas áreas de especialidade. Veja-se o exemplo de Rute Gomes, profissional que já correu uma parte do mundo em trabalho, fazendo aquilo que gosta de fazer. Começou pela Finlândia, para onde foi estudar e praticar conhe- cimentos depois de terminado o curso na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Aí, diz-nos, «aprendi muitíssimo. Porque na altura, e ainda hoje, os escandinavos são os melhores da Europa». Tanto assim foi que os seis meses inicialmente previstos se transformaram num ano. Depois, e por- que a frieza do clima aparentemente também se aplica ao relacionamento entre pessoas, necessidade houve de mudar de ares. Próximo destino: Reino Unido. Nas terras de Sua Majestade, Rute Gomes realizou diversos estágios, sempre ligados às crianças ou aos hospitais, de forma a conseguir reunir o máximo de conhecimentos. De certo que a chuva britânica não ajudou à permanência, e o apelo da mudança foi mais forte. Hora de mudar e de ajudar os outros: «fui para Moçambique fazer voluntariado. Acabei por ficar seis anos». Durante esse perío- do resolveu fazer um mestrado e iniciar o doutoramento em Barcelona. Quando decidiu que era hora de voltar a Portugal, e aqui se estabelecer, ini- ciou o projecto de construção da clínica. Com o espaço comprado ainda antes de regressar em definitivo, veio depois a árdua tarefa de pedir orçamentos e dar início às obras. Aqui encontrou o primeiro obstáculo: em vez do inicial mês e meio, a adequação do espaço demorou 10 meses! Ou seja, à espera de Rute Gomes estava uma velha tradição nacional, não fosse já a ter esquecido com a vivência no estrangeiro: o não cumprimento de prazos. E porquê um local como o da zona Sul do Parque das Nações? «Porque é uma zona nova, onde eu também resido. Além disso, gosto do ambiente de aldeia sem ser muito longe do centro de Lisboa. Depois, tem muitos casais jovens com crian- ças». De facto, concordamos que se uma clínica deste género estivesse inserida num antigo bairro lisboeta, com a sua envelhecida (e embrutecida) população, não faria sentido. Dr.ª Rute Gomes, proprietária, directora e dentista de serviço na Clínica Pequenos Grandes Doutores DAVID OITAVEM

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Dentista para os pequenosA paixão por crianças está na base da criação da Clínica Pequenos Grandes Doutores, espaço com inúmeras especialidades, mas que faz da odontopediatria a sua actividade principal. Porque atender os mais pequenos não é a mesma coisa que lidar com adultos.

RicaRdo MaRtins

Desde 3 de Setembro do ano passado que Lisboa tem uma clínica criada a pensar nas crianças, com a odontopediatria a assumir o papel principal no seu funcionamento. Situada na zona Sul do Parque das Nações, em Lisboa, a Clínica Pequenos Grandes Doutores vem preencher um vazio. Isto porque não são mui-tos os equipamentos criados de raiz a pensar nas crianças, nas suas vontades, nos seus medos, no seu tamanho, enfim nas suas necessidades.

A clínica parece ser mesmo o espaço ideal para os mais pequenos, como o demonstram as cores vivas e desenhos de bonecos que preenchem as paredes, a sala de espera cheia de brinquedos, e até uma televisão no tecto, por cima da cadeira de dentista, para que os pequenos pacientes mesmo aí deitados tenham um foco de distracção. A ideia é a de que quem aqui entre não fique com a ideia de que vai ao médico. É que muitas vezes o médico é associado ao sentir-se mal, a levar injecções ou até a arrancar um dente. É também por isso que a própria farda das assistentes é descrita como sendo “desportiva”, e a “farda” branca é proibida, dando lugar a coloridas e alegres batas.

Paixão Por criançasA paixão pelas crianças é algo que não é de agora na Dr.ª Rute Gomes, pro-

prietária, directora e dentista de serviço na clínica. Como revelou à SAÚDE ORAL, «sempre trabalhei com crianças, em colónias de férias, em trabalhos de tempos livres, em voluntariado. Quando quis ser dentista decidi que tinha de continuar a trabalhar com elas».

O curioso nome “Pequenos Grandes Doutores” pode suscitar algumas dúvidas em relação à estatura física dos profissionais que aí prestam assistência. No entanto, o mais adequado será pensar que esses são jovens médicos ao serviço dos mais pequenos. E se a juventude é algo visível, também a experiência já é bastante nas suas áreas de especialidade. Veja-se o exemplo de Rute Gomes, profissional que já correu uma parte do mundo em trabalho, fazendo aquilo que gosta de fazer. Começou pela Finlândia, para onde foi estudar e praticar conhe-cimentos depois de terminado o curso na Faculdade de Medicina Dentária da

Universidade de Lisboa. Aí, diz-nos, «aprendi muitíssimo. Porque na altura, e ainda hoje, os escandinavos são os melhores da Europa». Tanto assim foi que os seis meses inicialmente previstos se transformaram num ano. Depois, e por-que a frieza do clima aparentemente também se aplica ao relacionamento entre pessoas, necessidade houve de mudar de ares. Próximo destino: Reino Unido. Nas terras de Sua Majestade, Rute Gomes realizou diversos estágios, sempre ligados às crianças ou aos hospitais, de forma a conseguir reunir o máximo de conhecimentos. De certo que a chuva britânica não ajudou à permanência, e o apelo da mudança foi mais forte. Hora de mudar e de ajudar os outros: «fui para Moçambique fazer voluntariado. Acabei por ficar seis anos». Durante esse perío-do resolveu fazer um mestrado e iniciar o doutoramento em Barcelona.

Quando decidiu que era hora de voltar a Portugal, e aqui se estabelecer, ini-ciou o projecto de construção da clínica. Com o espaço comprado ainda antes de regressar em definitivo, veio depois a árdua tarefa de pedir orçamentos e dar início às obras. Aqui encontrou o primeiro obstáculo: em vez do inicial mês e meio, a adequação do espaço demorou 10 meses! Ou seja, à espera de Rute Gomes estava uma velha tradição nacional, não fosse já a ter esquecido com a vivência no estrangeiro: o não cumprimento de prazos.

E porquê um local como o da zona Sul do Parque das Nações? «Porque é uma zona nova, onde eu também resido. Além disso, gosto do ambiente de aldeia sem ser muito longe do centro de Lisboa. Depois, tem muitos casais jovens com crian-ças». De facto, concordamos que se uma clínica deste género estivesse inserida num antigo bairro lisboeta, com a sua envelhecida (e embrutecida) população, não faria sentido.

Dr.ª rute Gomes, proprietária, directora e dentista de serviço na clínica Pequenos Grandes Doutores

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trabalhar com amiGos facilita

Apesar da prática odontopediatra ser a principal actividade, com um gabinete próprio e dedicado, não é a única. Nas restantes duas salas alternam as consul-tas de várias especialidades. E para as levar a cabo, nada melhor que recorrer aos amigos: «nunca pensei fazer uma clínica só de medicina dentária, até porque acho que se tornava demasiado pobre. Achei que era engraçado trabalhar com colegas que tiraram o curso comigo». E a esses juntam-se também amigos de amigos. Assim, e uma vez que esses colegas seguiram especialidades diferen-tes, a clínica apresenta consultas tão diversas como acupunctura, dermatologia, ginecologia, obstetrícia, nutrição, ortóptica, pediatria e terapia da fala, entre ou-tras. E trabalhar com amigos parece ser o ideal, até porque «evitamos algumas consultas porque basta ligarmos uns para os outros. Em gestão do pessoal até agora tem facilitado».

Iniciar a actividade de uma clínica em plena crise não parece ser uma boa ideia mas, obviamente, não foi pensado que assim acontecesse. Ainda assim, e apesar do balanço negativo a nível financeiro, «estamos a ter procura, e quem entra marca mais consultas».

E uma clínica deste tipo, construída e adaptada propo-sitadamente a crianças é ex-clusiva dos mais pequenos, certo? Errado! Se as consul-tas de obstetrícia e ginecolo-gia são indicador dessa não exclusividade, também na medicina dentária não exis-tem esses limites: «também atendemos adultos. Nor-malmente os pais que vêm com os meninos. E se algum adulto quiser ser atendido não vamos dizer que não». Os materiais e todo o equipa-mento são também adequa-dos aos adultos. Isto porque o gabinete tem que estar preparado para todo o tipo de paciente, como por exemplo os deficientes adultos, que são atendidos por odonto-pediatras «porque somos os que temos mais paciência» e melhor conseguem lidar com esse tipo de paciente.

consultas com um só DenteA ocasião da primeira ida ao dentista é algo que deixa muitas dúvidas. Para

que não sobre espaço para interrogações, aqui vai a opinião de Rute Gomes: «devem começar a partir do nascimento do primeiro dente, mas ninguém faz isso». É por essa mesma razão que «no nosso curso de preparação para o parto as grávidas têm uma consulta de medicina dentária, onde revelamos os cuidados que elas devem ter com a sua dentição, e os cuidados a ter logo que nasça o bebé a nível de higiene oral». É que por muito estranho que possa parecer a um leigo, «há coisas que se podem fazer logo quando o bebé nasce. Como ter o cuidado de limpar as gengivas, por exemplo, depois de beber o biberão. No curso de preparação, já depois de terem o bebé, ensinamos como devem fazer

«sempre trabalhei com crianças, em colónias de férias, em trabalhos de tempos livres, em voluntariado. Quando quis ser dentista decidi que tinha de continuar a trabalhar com elas»,revela a Dr.ª

apesar da prática odontopediatra ser a principal actividade, com um gabinete próprio e dedicado, não é a única. nas restantes duas salas alternam as consultas de várias especialidades, como acupunctura, dermatologia, ginecologia ou obstetrícia, entre outras.

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a higiene oral, e depois do primeiro dente é começar a escovar. Se começar logo desde pequenino...». Parece verdade a ideia de que existe um provérbio popular que melhor explica toda e qualquer situação de vida, e aqui encaixa que nem uma luva o “de pequeno é que se torce o pepino”.

Uma escovagem correcta é meio caminho andado para manter uma saúde oral perfeita, e isso não passa por deixar as crianças a escovar sozinhas. Primeiro devem-no fazer imitando os pais, escovando um pouco que é mais de brincadeira que de limpeza a sério. Depois, entra o adulto para, efectivamente, escovar. É assim necessário existirem ocasiões para os dois momentos. Até porque «acontece virem aqui crianças cujos pais dizem que ela já escova os dentes sozinha, e depois está cheia de cáries. Ela até escova sozinha, mas não sabe o que está a fazer».

seGuraDoras? não!

A clínica tem actualmente uma bolsa de 100 pacientes, facto ao que não serão alheios os acordos estabelecidos com infantários da zona onde está esta-bebelecida. Esses acordos prevêem a aplicação de descontos, o que lhes permite apresentar preços competitivos para este tipo de serviço. Por outro lado, Rute Gomes confessa também que «toda a gente diz que o preço é baixo». A consulta normal custa 50 euros, «e isto porque decidimos que temos que começar por baixo, e não podemos praticar preços muitos altos».

Os acordos com seguradoras não são, para já, uma hipótese. Não está com-pletamente posta de parte, mas «se chegarmos ao fim do mês, pagarmos as contas e ainda tivermos algum lucro...». Rute Gomes afirma que «não quero

médicos insatisfeitos porque recebem 10 euros e têm que estar ali uma hora a receber menos do que muitos empregos não especializados». A abertura para acordos é assim unicamente para os que envolvam percentagens de desconto.

Pais obcecaDosOs pais portugueses, segundo a directora da clínica, «estão a tornar-se um

pouco obcecados e querem dar tudo de melhor aos filhos». E às vezes esque-cem-se de algo bastante importante : os gostos dos petizes. Quando se escolhe uma pasta para uma criança o primordial, além de incluir flúor se a criança tiver mais de dois anos, é que ela goste do sabor. Só assim se torna a escovagem dos dentes num ritual agradável.

Muitos pais aparecem nas consultas afirmando, como de facto consumado, que os filhos não querem lavar os dentes. Na opinião da responsável, «se não quer escovar, obriga-se». A escovagem de dentes, realizada, pelo menos, duas vezes ao dia, tem que ser encarada como algo essencial nas rotinas de higiene da criança. Fica a pergunta: «se a criança não quer tomar banho, fica uma se-mana sem o fazer?».

Nesta clínica são atendidas crianças de todas as idades, mas Rute Gomes confessa que «a mim só mandam os pequeninos e aqueles mal-comportados, ou aqueles que tiveram más experiências». Os mais fáceis de tratar são as crianças até aos 4 anos «porque dá para fantasiar. Os mais velhos, dos 7 aos 9 anos já não acham tanta piada». E para toda a experiência do pequeno paciente ser a ideal, o comportamento da médica tem que ser diferente e adaptado à idade.

Para que os pacientes não se fartem também das consultas, a especialista tenta fazer todos os tratamentos no máximo em cinco sessões, de forma a que não seja necessário ir muitas vezes à clínica. E não se pense que por estas idades as cáries não são de grande importância. Veja-se o caso de uma pequena paciente que, aos três anos, tem já 14 cáries... E de quem será a culpa? Rute Go-mes afirma que «há casos em fico mesmo revoltada. Sei que não fazem de pro-pósito, mas os pais por vezes são um pouco negligentes. É a doutora que tem de dizer que não deve comer doces, ou são os pais que devem educar a criança?».

E toda a acção na clínica decorre normalmente, não fossem, em muitos casos, os pais. Sim, porque por vezes «são os pais que se descontrolam, e depois as crianças vão atrás. Trabalho com a porta aberta e prefiro que os pais estejam sempre lá fora». Grande parte dos adultos tem receio – outra forma de escrever “medo” - dos médicos dentistas. E alguns já passaram mesmo por más experi-ências. Não adianta estar a passar esse medo às crianças, uma vez que o ideal é serem elas a construir as suas experiências, e que estas sejam cor-de-rosa, como nos sonhos de uma criança. A bata de Rute Gomes, num rosa forte, dá uma ajuda.

as primeiras idas ao dentista, na opinião de rute Gomes, «devem

começar a partir do nascimento do primeiro dente»

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