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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO ESPECIAL - ALCA EVENTO: AUDIÊNCIA PÚBLICA N°: 2180/03 DATA: 03/12/2003 INÍCIO: 15h00min TÉRMINO: 17h26min DURAÇÃO: 02h26min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h26min PÁGINAS: 45 QUARTOS: 30 DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃO ADHEMAR BAHADIAN – Embaixador. Representante do Governo brasileiro nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas — ALCA. SUMÁRIO: Andamento das negociações para a implantação da Área de Livre Comércio das Américas — ALCA. OBSERVAÇÕES

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · 2005-10-17 · Como esta Comissão é atípica, ... Vou fazer uma breve recapitulação, ... Na ocasião também chamamos

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO ESPECIAL - ALCAEVENTO: AUDIÊNCIA PÚBLICA N°: 2180/03 DATA: 03/12/2003INÍCIO: 15h00min TÉRMINO: 17h26min DURAÇÃO: 02h26minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h26min PÁGINAS: 45 QUARTOS: 30

DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃO

ADHEMAR BAHADIAN – Embaixador. Representante do Governo brasileiro nas negociaçõesda Área de Livre Comércio das Américas — ALCA.

SUMÁRIO: Andamento das negociações para a implantação da Área de Livre Comércio dasAméricas — ALCA.

OBSERVAÇÕES

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - ALCANúmero: 2180/03 Data: 03/12/2003

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Declaro aberta a

reunião desta Comissão Especial que vai tratar da Área de Livre Comércio das

Américas — ALCA.

Indago aos Srs. Deputados se, tendo em vista a distribuição antecipada da

ata da 4ª reunião, há necessidade de sua leitura. (Pausa.)

Por solicitação do nobre Deputado Ivan Valente, dispensamos a leitura da ata.

Em discussão. (Pausa.)

Não havendo quem queira discuti-la, coloco-a em votação.

Aqueles que a aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)

Aprovada.

Ontem, expedimos os Ofícios nºs 21, 22 e 23, dos Srs. Deputados Zulaiê

Cobra, Waldemir Moka e Léo Alcântara, dirigidos aos Srs. Presidentes das

Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, de Agricultura e de

Economia, Indústria e Comércio, dando conhecimento da presença entre nós, hoje,

do Embaixador Adhemar Bahadian, representante do Governo brasileiro nas

negociações da ALCA.

Alguns Deputados, sobretudo os da Comissão de Agricultura, haviam

manifestado interesse em estar presentes nas nossas reuniões. Como nesta Casa

tudo acontece nas quartas-feiras — lamentavelmente, de forma simultânea —,

espero que S.Exas. possam aqui comparecer.

Registro a presença do Embaixador Adhemar Bahadian. É uma satisfação

recebê-lo. Nesse processo de negociação da ALCA, para que o Congresso dele

tome maior conhecimento, é fundamental ouvirmos as pessoas responsáveis por

importantes parcelas dessas tratativas.

O Embaixador Bahadian é, certamente, quadro do Ministério das Relações

Exteriores dos mais preparados. Devido à sua função de co-Presidente brasileiro,

está mais atualizado em relação às tratativas que cercam esse potencial acordo.

Assim sendo, Sr. Embaixador, é com extrema satisfação que o recebemos.

Vou explicar-lhe a rotina da Casa. Geralmente, concede-se ao palestrante o

tempo de 20 minutos. Como esta Comissão é atípica, V.Exa. terá o tempo que julgar

conveniente para sua exposição e não poderá ser aparteado. Em seguida, os

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Deputados regularmente inscritos farão perguntas e nós realizaremos o debate —

antevejo que será produtivo.

Dou conhecimento que estão à Mesa comigo a Deputada Maninha, do PT de

Brasília, nossa Relatora, e o 1º Vice-Presidente, Deputado Edson Ezequiel, do

PMDB do Rio de Janeiro.

Com nossas boas-vindas, concedo a palavra ao Embaixador Adhemar

Bahadian.

Esta mesa em que estamos sentados foi projetada por Niemeyer. É belíssima,

sem dúvida alguma, mas muito pouco funcional. Ela não foi projetada para o

exercício democrático da pluralidade de seus membros. Como sempre, o PT, rápido

e eficiente, coloca sentado à nossa direita o Embaixador — manobra insidiosa da

Relatora Maninha.

O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - Sr. Presidente, por engano, à

nossa esquerda.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - À nossa esquerda, é

claro.

Embaixador Bahadian, brincadeiras à parte, concedo-lhe a palavra, com muito

prazer.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Em primeiro lugar, agradeço ao Sr.

Presidente, Deputado José Thomaz Nonô, e à Relatora, Deputada Maninha, a

gentileza do convite para participar da discussão deste tema, que é, obviamente, do

nosso interesse, assim como de toda a sociedade brasileira.

Gostaria de fazer esta exposição da maneira mais flexível possível, a fim de

permitir a interação com os Srs. Deputados. Trata-se realmente de tema do

interesse cotidiano de todos.

Vou fazer uma breve recapitulação, apenas para situar o problema.

Como V.Exas. se recordam, o Congresso Nacional, juntamente com o

PARLATINO, teve a bela iniciativa de realizar em outubro do corrente ano, há menos

de 2 meses, seminário com a presença de representantes dos Parlamentos da

América Latina e do Brasil para tratar dos negócios da ALCA. Naquela ocasião

descrevemos para os Srs. Deputados nossa preocupação com a situação em que se

encontravam essas negociações. Dissemos aos Deputados que ainda existe brutal

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desequilíbrio nas negociações da ALCA. Isso porque, de um lado, tínhamos as

nossas sensibilidades nacionais não necessariamente atendidas ou excluídas,

enquanto que as sensibilidades de outros importantes países do hemisfério haviam

incluído em suas próprias postulações a retirada de temas de nosso interesse e que

lhes eram sensíveis.

Apenas para recapitular, esse seminário provocou, a meu juízo, reação

altamente positiva na imprensa e na sociedade brasileira, porque, pela primeira vez,

foi possível haver dentro da sociedade debate objetivo e concreto sobre os

interesses nacionais. Não nos concentramos mais em visões de natureza ideológica.

Fomos ao cerne do problema e passamos a ver as dificuldades e a complexidade da

negociação da ALCA. Assim, esse seminário foi, sem dúvida, muito importante por

ter apresentado o problema de forma bastante clara.

Na ocasião também chamamos atenção para o fato de que haveria uma

reunião ministerial em Miami e poderíamos tentar propor o reequilíbrio das

negociações da ALCA no tema que acabei de abordar, que tem a ver com o

equilíbrio da agenda. Isto é, se, de um lado, países importantes não incluiriam temas

como subsídios e defesa doméstica na área agrícola, haveríamos também de retirar

dessas negociações temas que para nós eram considerados sensíveis, como

compras governamentais, propriedade industrial etc.

O que ocorreu — apesar de ser de conhecimento público, não custa nada

rememorar — foi um entendimento político muito importante entre os 2

co-Presidentes. Na realidade, estou me referindo a 2 países: Estados Unidos e

Brasil. São eles que detêm a co-Presidência da ALCA.

Muito pessoalmente, no acordo entre o Ministro Celso Amorim, de um lado, e

o Secretário Zoellick, de outro, firmado numa reunião em Washington, quando

apenas os 2 se reuniram preliminarmente, começou se a desenhar a possibilidade

de se chegar a acordo satisfatório, que levasse em consideração as sensibilidades

dos 2 países citados.

Por iniciativa dos Estados Unidos da América, posteriormente a esse encontro

de Washington houve outro no Estado da Virgínia, há poucos quilômetros da própria

capital dos Estados Unidos, para o qual foram convidados cerca de 15 países, entre

os 33 países-membros da ALCA. A decisão pela escolha e a seleção desses países

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foi de exclusiva responsabilidade dos Estados Unidos. Nós não tivemos nenhuma

participação nela.

Nessa ocasião, depois de um dia e uma noite de intensas conversações, de

próprio punho, os Ministros Zoellick e Celso Amorim chegaram a um texto

considerado satisfatório para os 2 países e, de forma geral, para praticamente todos

os outros ali reunidos. Foi um importantíssimo avanço, porque se rompeu o bloqueio

em que nos encontrávamos.

O que diz esse texto e qual a solução, na prática, encontrada pelos Ministros?

Basicamente a aceitação de que a ALCA deveria levar em conta, nas suas

negociações, as diferentes sensibilidades dos diversos países desenvolvidos. Em

seus diferentes capítulos negociadores haveria o mínimo denominador comum a

todos os países. Além disso, os países que assim o desejassem, naquelas áreas

consideradas sensíveis, poderiam ir mais longe, por meio de acordos plurilaterais

entre eles.

Assim, criou-se um mecanismo de flexibilidade, que não obriga um país como

o Brasil a negociar compras governamentais, para citar um exemplo concreto, que

de outro lado aceite que, na área agrícola, os Estados Unidos e o Canadá não

negociem no âmbito da ALCA temas por eles considerados sensíveis e que têm de

ser negociados no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Esse acordo que era informal, pois havia sido firmado na Virgínia, foi levado à

reunião ministerial de Miami, que contava com a presença de todos os Ministros do

hemisfério. O Brasil estava representado por cerca de 4 Ministros de Estado, além

de vários Deputados, inclusive o Deputado José Thomaz Nonô e a Relatora desta

Comissão.

Finalmente, nessa reunião foi possível oficializar esse acordo básico, que

nem sequer foi tocado pelos outros países, mas foi respeitado como sendo de

grande sensibilidade política e aceito pelos demais países do hemisfério. Assim, foi

adotado.

Na prática, chegamos a uma solução construtiva, que desbloqueia os

impasses havidos na ALCA e nos leva à nova etapa de negociação, que

cronologicamente configura-se no mês de fevereiro de 2004, quando estaremos

reunindo a Comissão de Negociações Comerciais — CNC, que é o órgão

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imediatamente abaixo do nível ministerial e do qual o Embaixador Peter Allgeyer e

eu somos os principais coordenadores. Esse órgão terá, em fevereiro, a principal

tarefa de identificar os temas de cada um dos 9 setores da agenda da ALCA, os

quais serão efetivamente de responsabilidades comuns de todos os países.

Essa negociação a que estaremos nos engajando em fevereiro será de

extrema complexidade. Com ela corremos o risco de ver alguns países maximizarem

suas demandas em áreas onde têm menos sensibilidade e, obviamente, minimizar

suas ofertas nas áreas em que têm maior sensibilidade.

Então, em fevereiro, o equilíbrio político que se conseguiu em âmbito

ministerial deverá perpassar para o nível mais técnico — e seria natural que assim o

fosse. Se isso vai ou não ocorrer, não poderia garantir neste momento com toda a

tranqüilidade.

Trago-lhes um texto, que será colocado à disposição de todos os Deputados

da Comissão para que fique melhor estruturado o que estou aqui explicando.

Em resumo, saímos de importante impasse político em Miami. Há consciência

por parte de todos os países presentes de que, embora não tenha sido uma solução

ideal — há restrições de alguns países às soluções —, desbloqueamos o que era

efetivamente mais grave nessas negociações. Os 2 países — Estados Unidos e

Brasil — tiveram um trabalho positivo. Era nossa responsabilidade procurar fazer

com que as negociações não conduzissem a uma situação de impasse, uma vez

que havíamos aceitado o papel de co-Presidente. O lado brasileiro foi representado

pelo Embaixador Amorim; o americano, pelo Embaixador Robert Zoellick. Ambos

tiveram papel bastante acentuado.

Para finalizar, quero dizer que vencemos importante etapa no debate com a

sociedade brasileira. Afastamos do debate certas percepções que estavam pouco

decantadas, no sentido de que a ALCA era, por exemplo, para alguns setores,

apresentada como sendo a grande abertura de mercado para os países do

hemisfério — no caso específico, para o Brasil. Foi uma grande abertura do mercado

americano. Isso foi visto não apenas na reunião de Miami, mas também na de

Trinidad e Tobago, que a antecedeu. Ela foi considerada pela imprensa do Brasil e

de outros países como sendo um fracasso. Na realidade, não considero que tenha

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sido um fracasso, porque nos permitiu ver de maneira clara as limitações dos países

nas suas possibilidades negociadoras.

Constata-se, agora, que não apenas a ALCA é essa abertura total de

mercado, porque há várias restrições de países, como Estados Unidos, Canadá e

outros. Vimos também que não se tratava de ameaça absolutamente indefensável

aos projetos nacionais de defesa da própria política industrial brasileira. Por quê?

Porque a ALCA tem 2 momentos.

A ALCA é um clássico acordo de negociação de produtos comerciais, em que

há países que fazem oferta de produtos e outros que rebaixam tarifas. É, portanto,

uma negociação clássica. Ela, contudo, tem um outro lado muito importante: o de

discussão de regras. Podem-se fazer não apenas novas regras para o ingresso do

capital estrangeiro no País, para a propriedade industrial, como também para

compras governamentais que iriam muito além na sua perspectiva inicial, no seu

projeto do que o que o Brasil já aceitou, no âmbito multilateral da Organização

Mundial do Comércio.

Havia, efetivamente, um risco apontado por diversos negociadores, inclusive

pelo próprio Ministro Celso Amorim: o de haver negociação muito desequilibrada;

não teriam acesso ao mercado de agricultura e a outros, como imaginavam. Por

outro lado, poderiam negociar a fllexibilização de regras em áreas muito sensíveis,

inclusive as que já haviam sido rejeitadas pelo Congresso Nacional em acordos

bilaterais feitos no passado. Já sabíamos que eles não seriam aceitáveis pelo

próprio Congresso brasileiro. No momento essa perspectiva está afastada, na

medida em que se aborda a possibilidade da existência de núcleos muito bem

definidos de obrigações mínimas e de acordos plurilaterais mais amplos.

Não sei se estou sendo claro. Não estou lendo o texto — achei melhor falar

de improviso. Como disse, o texto será posto à disposição dos Srs. Deputados.

Sr. Presidente, era isso que gostaria de apresentar a título introdutório.

Estou à disposição dos Srs. Deputados para quaisquer perguntas e

esclarecimentos. Na medida das minhas possibilidades, tentarei esclarecer as

dúvidas dos senhores.

Muito obrigado.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência

agradece ao Embaixador a exposição e indaga a S.Exa. se podemos distribuir o

texto aos membros da Comissão.

O Embaixador faz questão de dizer que o texto servirá apenas de roteiro. Não

se trata de trabalho. Deve ser visto pelos Srs. Deputados como mais um instrumento

de facilitação da compreensão do tema.

O nosso Regimento permite ao Relator intervir. Ao Presidente cabe apenas

conduzir os trabalhos. Vou, contudo, sair do habitual e pedir ao Embaixador um

esclarecimento, atendendo ao objetivo da Comissão. O Executivo vê como o

Legislativo trata a matéria e nós nos informamos melhor.

Peço a V.Exa. que nos fale a respeito do princípio single undertaking — nada

estará acertado enquanto tudo não estiver acertado —, que não foi até agora

suficientemente entendido na Casa nem fora dela. É um princípio interessante na

formulação dessa matéria.

Sr. Embaixador, vimos na negociação — fomos testemunhas oculares, e

V.Exa. também, da intimidade formal, digamos assim, entre o Embaixador Robert

Zoellick e o nosso Embaixador Celso Amorim. Vimos, também, de forma muito

elegante, uma interminável sucessão de competentes e refinadas estocadas

desferidas ao longo de toda a reunião, que o documento que resultou da sua

palestra, a Declaração Ministerial, enfatiza muito. Isso, ao que nos consta, foi,

vamos dizer, fruto da intervenção brasileira no processo. Relações equilibradas,

negociações equilibradas e equilíbrio entre as partes dizem respeito, sem dúvida, a

uma tentativa de superação das assimetrias vigentes entre as 34 economias

envolvidas. Então, gostaria que V.Exa. falasse um pouquinho também dessa

preocupação pelo equilíbrio e como ele se traduz.

Ontem, ouvimos a palestra do Dr. Maurício Costin, que traduziu o ponto de

vista da FIESP, dos exportadores. Ele nos fez um relato, como homem vivido, com

60 anos de negociação de exportação — não é à toa que a Ministra Costin era tão

esperta. Ficou provado que a hereditariedade tem importante peso nisso. Pois bem.

O Dr. Maurício Costin mostrava-nos as diferentes possibilidades de cada uma das

partes envolvidas. E V.Exa., no decorrer da sua exposição, falou das limitações dos

países e das suas possibilidades negociadoras. Claro que não se pede aqui um

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exame dos 34 países, mas seria interessante para a Casa uma visão sua sobre

quais os agrupamentos dentro do universo dos 34 países da ALCA. Onde estão os

Estados Unidos, o Canadá, o Brasil, a Argentina, o CARICOM e aquelas economias

alinhadas automaticamente? Entendo que esses temas gerais são interessantes

para a compreensão de todos e servirão para desenvolver nosso trabalho.

Em seguida, ouviremos a Relatora e os Srs. Deputados.

Muito obrigado.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Sr. Presidente, os co-Presidentes da ALCA

não são apenas coordenadores, mas também instigadores e até negociadores em

alguns casos.

Vou tentar responder a primeira pergunta sobre o single undertaking. Não

poderia fazê-lo sem antes abordar, por cerca de 2 minutos, outro aspecto da ALCA

que, a meu ver, estamos limpando pouco a pouco.

A ALCA tem uma linguagem um pouco hermética para o cidadão comum.

Essa questão me preocupa muito. Tanto é verdade que uma das minhas primeiras

ações foi obter a aprovação de um glossário de termos técnicos que estão em

negociação na ALCA, que já foi traduzido para o português.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Trouxe o exemplar e

vou distribuir à Comissão.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - A meu ver, o glossário é interessante, porque

explica esses termos técnicos, mostrando que a ALCA tem questões muito

herméticas. Por exemplo, o sujeito diz assim — o pessoal fica ouvindo e não

entende: “Os Estados Unidos ou o Canadá topam o Módulo III de serviço, mas não

topam o Módulo IV”. Outro sujeito pergunta: “O que é isso? Módulo III e Módulo IV?”

Trata-se de uma terminologia muito técnica, que causa impacto na vida das

pessoas. O Módulo IV nada mais é do que o livre trânsito de pessoas e de

trabalhadores. Se falarem nisso, prestem atenção. Se falarem em Módulo IV,

apenas um técnico poderá entender.

A expressão single undertaking tenta abordar um pouco mais hermeticamente

o problema. Não é de origem exclusiva da ALCA, pois vem de negociações

anteriores da própria OMC e teve inicialmente um sentido protetor para todos os

países envolvidos na negociação. Por quê? O single undertaking é uma regra que

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estipula que a negociação não estará fechada, o pacote negociador não estará

fechado até que todos os temas que estão sendo negociados estejam efetivamente

negociados e fechados. Isso tem importância especial em algumas negociações

havidas no passado — por exemplo, nas rodadas uruguaias, onde havia também

uma expressão hermética da colheita antecipada. Por exemplo, a negociação de

determinados temas. Se esses temas estivessem fechados, nós os

implementaríamos, enquanto outros não eram implementados. Por coincidência, na

maioria deles, implementados mais cedo, a agricultura não estava envolvida.

Portanto, a idéia do single undertaking era baseada num pacote que deveria ser

fechado de maneira ampla. Quer dizer, a negociação apenas poderia ser fechada se

tudo estivesse negociado.

No que diz respeito ao que ocorreu hoje, em relação à parte de Miami, há

uma certa discussão, que considero acadêmica, sobre o problema do single

undertaking — se foi eliminado ou não. A meu juízo, ele não foi afetado, porque há

continuidade da mesma idéia. Contudo, é preciso definir os elementos ou módulos

negociadores. A negociação será fechada quando todos os temas forem

negociados. Essa é a idéia. Miami não afeta a idéia do single undertaking. Se o

single undertaking é uma proteção, ela continua. De qualquer maneira, entendo que

não foi afetado.

A segunda pergunta de V.Exa., na minha opinião, é muito difícil de ser

respondida. É bastante delicado para um diplomata respondê-la. Vou, porém, tentar

fazê-lo, passando por cima do fato de ser diplomata. Vou explicar um pouco essa

importante e interessante conjuntura da nossa realidade.

Por que os Estados Unidos e o Canadá alegam que não querem negociar

defesa comercial ou subsídios dentro da ALCA? Porque eles, de maneira até

respeitosa e honesta, entendem que não podem negociar com os países do

hemisfério determinadas reduções ou eliminação de picos tarifários que não sejam

extensíveis também aos países europeus. Do contrário poderia haver desequilíbrio

entre o que se concede a uma região do mundo e a outra. Voltarei a falar sobre isso

daqui a pouco.

A situação é parecida quando dissemos que não queremos negociar, por

exemplo, a propriedade industrial, exatamente pela mesma razão: para nós, a

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conjuntura dentro da OMC é muito melhor para esse tipo de negociação do que

dentro da ALCA. Por quê? Porque dentro da OMC há muitos países — aproveito

para usar uma expressão pedante nas negociações comerciais — like mine, que

pensam como nós.

Quando estamos junto da Índia, da China, de países que têm o mesmo

padrão de desenvolvimento industrial que o nosso, eles tendem a nos ajudar na

negociação. Na ALCA isso não é verdadeiro. Nela há países que já têm estrutura de

associação com os Estados Unidos muito diferente da que temos com eles. Por

exemplo, a NAFTA está dentro da ALCA. O México, os Estados Unidos e o Canadá

são países que intervêm na mesma linha nas negociações da ALCA. É quase uma

rotina o Canadá falar e o México pedir a palavra. Em quase todos os casos estão

trabalhando juntos.

Quando pegamos os centro-americanos, a situação é a mesma. Os

centro-americanos também têm a mesma visão e as mesmas expectativas, mas não

têm dificuldades iguais às nossas. Estamos numa situação assimétrica. Depois,

temos o Caribe. Qual é a preocupação básica do Caribe? É a defesa das suas

economias menores, e com toda razão. É perfeitamente legítimo. Se forem

reduzidos os níveis tarifários daquele país, vamos causar impacto no nível de

emprego de lá. Esse é um mecanismo perfeitamente aceitável e normal. Esse tipo

de proteção ao mercado interno foi feito na União Européia e até nos Estados

Unidos, onde foram criados os fundos compensatórios, cujo mecanismo é ir

ajustando a economia do país a essas diminuições, reduções tarifárias etc.

Na ALCA, isso não está sendo considerado basicamente, porque os Estados

Unidos e o Canadá não querem discutir o assunto.

Os Estados Unidos não querem discutir esse tema por uma razão muito

óbvia: o mais honesto é que vai pagar o máximo da conta. Portanto, quem vai pagar

mais do que os outros países são os Estados Unidos, pelo simples fato do corte da

economia americana diante dessa situação.

Essa constelação de países a que V.Exa. se refere existe. E ela nem sempre

nos é favorável, porque o nosso grupo, por exemplo, é mais o MERCOSUL.

Trabalhamos mais como MERCOSUL do que isoladamente como Brasil. Nossa

atuação como MERCOSUL é bastante boa, integrada. V.Exa. sabe que há países do

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MERCOSUL que já aceitaram determinados tipos de regras sobre investimento

estrangeiro que ainda não aceitamos.

Então, nem sempre será possível levar essa identidade até o limite. Esse é

um aspecto da negociação particularmente complexo, pois há grande quantidade de

países que não se interessam pelas preocupações do Brasil. É um fato da vida. Se

concedermos a alguns desses países — não vou nomeá-los — 4 ou 5 produtos de

acesso ou diminuirmos as suas quotas de acesso ao mercado americano, a ALCA

estará sendo uma maravilha.

Quando pegamos o caso brasileiro, sentimos de cara que o Brasil não é bem

visto como um país que possa ter redução dos seus produtos agrícolas mais

interessantes. Quando falamos em entrada de açúcar nos Estados Unidos,

deparamo-nos na mesma hora com lobistas contrários a ela. O mesmo ocorre com a

Flórida, em relação aos cítricos: posiciona-se contrariamente a essa possibilidade.

Quando chega a hora de negociar o produto agrícola brasileiro, até nesse

aspecto é muito diferente do que negociar a concessão que se vai fazer aos centros

americanos, por exemplo. Essa complexidade existe. Temos, inclusive, de vê-la no

contexto das negociações mais clássicas dos produtos que chamamos de 4 mais 1:

os 4 do MERCOSUL mais o país que fica conosco, que deve ser o Canadá ou os

Estados Unidos. Nessas negociações, os países que virão negociar conosco não

farão as concessões idênticas que farão aos outros, porque não podem. Aí há

diversas complicações: primeiro, os produtos podem ser diferentes; segundo, eles

podem ser colocados em diferentes etapas de desgravação — também é uma

prática possível; e terceiro, como é que ficará isso no fim da cláusula à nação mais

favorecida. Esse é outro aspecto que vamos ter de ver no fim do processo. Temos

de ver em que momento as concessões feitas pelos Estados Unidos, por exemplo, a

um país xis serão estendidas ao Brasil. Não é tão tranqüilo assim. Já nos têm dito

claramente que não devemos pensar que vai ser assim, porque não vai.

Então, a ALCA é complicada, porque a negociação foge a determinadas

regras que teríamos quase que ditas como sendo clássicas cláusulas pétreas de

negociações de bloco, como a cláusula à nação mais favorecida, que não é tão

tranqüila assim.

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O Ministro Celso Amorim tem dito muito claramente o seguinte: o que eu

negociar com os Estados Unidos posso tranqüilamente estender aos outros países.

O oposto não é verdadeiro. O que eu negociar com outros países não é

necessariamente sempre estendido aos Estados Unidos, o que é normal também.

Penso que isso responde um pouco à geometria dos países.

O equilíbrio é uma conseqüência disso. Quer dizer, como podemos equilibrar

no seu resultado final? Como é que o seu pacote fica aceitável para a sociedade?

Temos de ter muito claro que a ALCA até hoje tem sido discutida de forma muito

abstrata no Brasil. Não chegamos ainda àquela fase. Agora vamos chegar — creio

até que muito rapidamente — a uma fase em que realmente a indústria brasileira, o

agronegócio brasileiro vai ter de negociar produtos. E aí não sei se será tão fácil

assim ou se será tão interessante negociar nos moldes da ALCA.

Não quero atiçar problemas. Não estou aqui para isso. Vejam, porém, o que

houve sem a ALCA, mesmo com as reduções tarifárias e aberturas de mercados

que foram feitas. Outro dia li no jornal uma reportagem sobre a área da indústria

farmacêutica. Estamos importando muito mais insumos farmacológicos e produtos

terminados do que anteriormente, apenas com as reduções unilaterais que fizemos.

Todos sabem que uma das maiores insistências dos Estados Unidos e do

Canadá — aliás, mais basicamente dos Estados Unidos — é que, na área de

propriedade industrial, essa proteção se faça de forma mais ampla, o que vai ter

impacto na capacidade brasileira de produzir medicamentos genéricos. Para países

que não têm pretensão na ALCA, que não têm essa condição, isso não tem a menor

importância, mas para o Brasil tem, e muita. Então, é um aspecto que também

temos de ter presente.

Não sei se estou complicando as coisas. Não é essa a intenção. Quis apenas

descrever um pouco as dificuldades que tivemos e estamos tendo. Repito:

conseguimos melhorar em Miami.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Agradeço ao

Embaixador. A nossa Relatora...

O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - Peço a palavra para uma

questão de ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Tem V.Exa. a palavra.

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O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - Quero fazer um pedido a V.Exa.

e aos companheiros. Eu e o Deputado Ivan Valente temos um debate na televisão.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Os senhores são os 2

inscritos: primeiro e segundo.

O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - Devíamos estar lá às 14 horas e

conseguimos adiar para as 16 horas. Somos os 2 inscritos. Se a Deputada Maninha

não se importar, se a Comissão não se importar, poderíamos fazer os nossos

posicionamentos rapidamente, para sairmos antes das 16 horas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a aquiescência

da Relatora, V.Exa. tem a palavra.

O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - As coisas estão ficando claras

em relação às dificuldades que existem e que não são absolutamente questões

ideológicas, mas de negócios. Estamos discutindo interesses do País. É claro que

atrás dos interesses do País há toda uma estrutura social, que temos de levar em

conta. Enfim, estamos discutindo negócios.

A minha pergunta neste momento é uma só. Talvez seja exatamente um

preâmbulo do que vai começar a ser negociado agora, em função desse reequilíbrio

— pelo menos dessa tentativa de reequilíbrio. O que nós, no Brasil, temos a oferecer

nessa negociação? A questão agrícola não vai poder ser posta em discussão, e nós

até entendemos. Ela não é limitada à nossa região, envolve o Mercado Comum

Europeu. Mas o que podemos oferecer?

V.Exa. citou, por exemplo, a questão da propriedade intelectual. Eu presidi a

Comissão em 1992/1993, na Câmara. Infelizmente, o projeto aprovado na Câmara

foi mudado no Senado — na minha opinião, para bem pior. Mas o que podemos dar

a mais? Não vejo, por exemplo, na questão de propriedade intelectual, de

propriedade industrial, o que podemos oferecer? Não vejo nada. Demos além do

que poderia ser dado, na minha opinião. Vamos entrar em uma negociação e não

vejo, do nosso lado, o que podemos oferecer.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Vou conceder a

palavra ao Deputado Ivan Valente, uma vez que também vai participar de debate na

televisão. Os 2 formularão as perguntas e terão tempo de ouvir as respostas e de

melhorar, sem dúvida, o nível do debate.

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Com a palavra o Deputado Ivan Valente.

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Não vai dar tempo de ouvir tudo o que

eu gostaria do Embaixador, mas quero deixar algumas preocupações. Depois,

ouvirei as gravações. Vai ser bastante importante.

Concordo com o Embaixador quando diz que as negociações da ALCA são

bastante complexas. Há muita heterogeneidade, interesses díspares e países

extremamente diferentes, em relação ao desenvolvimento científico, tecnológico,

econômico. Potências e micropaíses da América Central estão sentados na mesma

mesa.

Então, a primeira pergunta que faço, Embaixador, é em relação a esse prazo

de 2005, com tudo o que foi feito, com os 7 mil destaques que apareceram na

reunião. Houve acordo, mas há 7 mil destaques no texto a serem resolvidos. Então,

eu ainda não consegui entender o porquê dessa marcha batida para 2005, já que os

próprios Estados Unidos também têm interesse. Na minha opinião, o que interessou

para os Estados Unidos nesse acordo foi dizer que a ALCA está andando, enquanto

eles ganham tempo. Ou seja, não poderia haver nova Cancún ou Trinidad e Tobago,

inclusive no campo do Sr. Jeff Bush, no ano da eleição presidencial, e também no

local dos plantadores de laranja e outros. Então, interessava esse acordo, essa

saída para eles.

Dadas as imensas assimetrias dos envolvimentos econômicos, não dá para

superar isso a curto prazo, mesmo numa situação negociada, em etapas e estágios.

É uma questão difícil, porque, para que houvesse isso, a ALCA não poderia ser um

negócio. Teria de ser algo pensado como integração continental. Integração

continental é mais do que negócio. Devemos pensar em como realizar o equilíbrio

entre os países da América de forma que todos possam ganhar, mas entrando para

além das relações comerciais: relações de trânsito e de trabalho entre os países

etc., que parece não estarem em jogo.

O MERCOSUL, se quiser avançar, precisará ter também uma legislação mais

uniforme, inclusive na questão trabalhista, na unificação, coisas que criem uma

equalização entre os países, como — genericamente falando — a União Européia

tentou fazer com os fundos de compensação. Pareceu-me, porém, que fizemos o

contrário: saímos da reunião de Miami, e na semana seguinte li que o congresso

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americano concedeu mais subsídios à agricultura, depois da Farm Bill, porque isso

para eles é uma questão muito cara.

Então, prevejo grandes dificuldades ou uma integração subordinada. Ontem,

perguntei ao representante da FIESP sobre essa questão. Diferentemente dos

países da América Central ou de países menores, que não têm muito a perder com

qualquer tipo de acordo, pois já perderam bastante como países pós-coloniais, o

Brasil, que tem desenvolvimento industrial, parque exportador, pode ganhar. Mas

tem a perder. Por isso, adota uma posição cautelosa.

A pergunta que fiz à Embaixadora Americana foi se haveria ALCA sem o

Brasil. Ela, porém, não respondeu. O representante da FIESP disse: “Não há”.

Também acho que não.

V.Exa. apresentou a idéia de se trabalhar em comum com o MERCOSUL,

pelo menos com a Venezuela como aliada. Isso representaria uma grande parcela

do comércio continental — o MERCOSUL mais a Venezuela, pelo menos. Então,

não haveria uma ALCA sem o Brasil. Isso dá ao País importante condição de altivez.

A respeito desse assunto, quero ouvi-lo depois, pois não é simples a

negociação. Há muita resistência para se mudar de postura, ceder, por exemplo, em

transferência tecnológica ou investimentos com implantação de projetos com valor

agregado criado no País etc. Não foi isso que aconteceu no NAFTA. Há a tentativa

de transferir o esquema do NAFTA para a ALCA. Isso nos deixa bastante reticentes,

porque podemos aumentar as exportações e ficarmos mais pobres ou

concentrarmos mais renda e não termos saída.

O Brasil tem papel-chave. Temos maior responsabilidade do que o próprio

País, em termos de América Latina, particularmente. Os Estados Unidos têm a

ganhar em um acordo em que entrem compras governamentais e mesmo

propriedade intelectual, como disse o Deputado Alberto Goldman. Sempre haverá

um país que tem biodiversidade como a nossa, por exemplo, e questões como

patentes e outras que estão em jogo. Quero ouvi-lo sobre isso.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Antes de passar a

palavra ao Embaixador Adhemar Bahadian, convido o Deputado Carlos Mota,

Presidente da Comissão de Agricultura, que nos honra com sua presença, para

tomar seu devido lugar à Mesa.

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Com a palavra o Embaixador Bahadian.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Srs. Deputados, o Congresso Nacional, em

última análise, é que vai decidir se o acordo vigorará ou não no Brasil. A

responsabilidade é dele. Isso me obriga a ser absolutamente franco em relação ao

que penso sobre essas duas importantíssimas questões levantadas.

Em primeiro lugar, consigo perceber o que os Estados Unidos podem ganhar

com a ALCA. É muito fácil entender. É claro como água. Se não fossem ganhar não

fariam esse brutal investimento e não colocariam os melhores negociadores da sua

equipe nessa negociação.

É óbvio que há uma estratégia que pode ser facilmente identificada nas

diretrizes que o próprio Congresso americano determinou para os negociadores

comerciais americanos. Há uma estratégia negociadora na ALCA. Ela tem como

objetivo facilitar cada vez mais o que poderíamos chamar de ciclo produtivo das

grandes empresas americanas para que tenham cada vez menos entraves tanto do

ponto de vista da circulação do bem como da circulação do capital e para que haja o

menor constrangimento possível e obrigações para esse capital, quando ele entrar

num determinado país.

Sem falar em ALCA, lembrando apenas o que já aconteceu na OMC, quando

aceitamos TRIPs e TRIMs, que são os acordos relacionados com propriedade

industrial e investimentos, respectivamente, vejo que já perdemos muita coisa em

termos de propriedade de política industrial.

Por exemplo, sou do tempo em que se fazia política industrial na CACEX. O

Banco do Brasil negociava entrada e saída de investimentos no País, colocando

licença de importação ou não dando licença de exportação para determinados

casos. Quando se instalava uma empresa no Brasil — e o processo de

desenvolvimento brasileiro, em grande parte, foi feito assim —, havia

comprometimento de componente nacional, criavam-se indústrias “satelitárias”,

como vimos. Os TRIMs acabaram com isso, pois proíbem que um país faça esse

tipo de política comercial.

Mas estamos falando de ALCA, não de TRIMs. O que é ALCA? ALCA é

TRIMs ao cubo. Quer dizer, na ALCA pretende-se fazer com que todas essas partes

que já foram concedidas em TRIMs sejam ampliadas. Esse é o claro objetivo dos

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Estados Unidos na negociação. É óbvio que para eles há um interesse muito

grande. Repito: em relação à dissimetria que existe na ALCA, para alguns países

isso não tem a menor relevância; para outros, sim.

Os americanos e os canadenses dizem o seguinte sobre o que entendem

como ALCA: “A ALCA deve ser mais ambiciosa. Devemos ter o maior nível de

ambição possível”. Inclusive, tenho grande dificuldade em aceitar essa linguagem.

Tenho até certa rejeição a ela, porque não gosto muito dessa expressão.

De qualquer maneira, o que falta na ALCA, Deputado, não é ambição, mas

grandeza. A ALCA surgiu de um projeto político chamado Cúpula das Américas. Foi

uma iniciativa que deveria ter tido conseqüências de natureza mais solidária do que

está tendo. Dos produtos que saíram da Cúpula das Américas, o único que está

andando — mal ou bem, está andando — e que tem o objetivo concreto de se

instalar é o da ALCA.

A ALCA não tem grandeza, porque não reconhece as assimetrias dos países

desenvolvidos. Ela não admite, por exemplo, a criação de fundos compensatórios, a

criação de mecanismos de bancos regionais para atender a situações como a do

Caribe e de outros países da América Central — ou até mesmo a nossa, se fosse o

caso. Essa grandeza não existe. Portanto, o que existe claramente na ALCA é essa

parte profundamente preocupante de se ir além do que já se foi em regras de

investimento, propriedade industrial, entre outras. V.Exa. tem razão, pois corremos

um risco muito grande.

A grande vantagem de estar havendo este debate é que a palavra “ideologia”

tem de cair fora. Estamos realmente discutindo dinheiro, desenvolvimento, decisões

de um projeto brasileiro para o futuro. É perfeitamente legítimo o Brasil dizer “não”,

“mais ou menos”. Não podemos ter uma posição de timidez diante de uma máquina

que, claramente, pode tentar nos pegar no regional, naquilo que rejeitamos de forma

muito consistente e clara no bilateral. Quer dizer, não aceitamos até hoje, Sr.

Presidente, fazer nenhum acordo de garantia de investimentos ou de proteção de

investimentos. Nos últimos 30 anos, os acordos que fizemos com diferentes países

foram submetidos ao Congresso e por ele rejeitados. Então, o que se pode ter agora

é um mecanismo vicário, pelo qual se vai fazer esse acordo na ALCA.

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O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN - Essa posição é defensiva. O que

podemos ganhar?

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - É uma boa pergunta, pois falta fazer esse

exercício. E não quero dizer-lhe que pode ser que não se ganhe nada, pois pode ser

que se ganhe. Depende. Esse exercício tem de ser feito. Pode ser que se consigam

reduzir algumas tarifas, aumentar um pouco as quotas. Mas ainda não vi esse

exercício, pois foi feito com base em expectativas que não são reais. Se fizermos o

exercício de o Brasil conseguir exportar mais 20% de cítrico para os Estados Unidos,

vai ser ótimo. Mas quem disse que isso está no jogo? Não está, esse é o problema.

Não quero ser taxativo, mas não tenho conhecimento de estudos que tenham sido

feitos de maneira clara por setores industriais brasileiros, que mostrem, por exemplo,

que nessa área aqui teremos... Pode ser até que existam, mas ainda não os vi.

O SR. DEPUTADO SEVERIANO ALVES - Pela ordem, Sr. Presidente.

Gostaria de uma resposta mais clara em relação à pergunta do Deputado

Alberto Goldman. O que teríamos a oferecer, já que na parte agrícola não teríamos

nenhuma chance? Então, quais os serviços ou produtos que o Brasil poderia ter

chance de disputar no mercado?

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Deputado Severiano,

vou inscrevê-lo para que, na devida oportunidade, V.Exa...

O SR. DEPUTADO SEVERIANO ALVES - Só interpelei porque a pergunta do

Deputado Alberto Goldman não foi respondida.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Certo. Mas temos uma

ordem aqui. Os próximos inscritos são os Deputados Tarcisio Zimmermann e

Francisco Dornelles. Tenho certeza de que o Embaixador Bahadian responderá a

pergunta. A Relatora pode falar a qualquer tempo.

Antes de conceder a palavra ao Deputado Tarcisio Zimmermann, indago à

nossa Relatora se deseja manifestar-se.

Tem a palavra a Sra. Relatora, Deputada Maninha.

A SRA. DEPUTADA MANINHA - Embaixador, sua exposição está sendo feita

de maneira extremamente clara e didática. Como disse V.Exa., a ALCA tem um

glossário que, para nós, simples mortais, é difícil de acompanhar. Talvez para

aqueles Deputados que já tenham experiência em negociações comerciais seja fácil,

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mas para nós os termos são, às vezes, herméticos, de difícil entendimento. Teremos

de nos acostumar com eles para começar a verbalizar também.

A exposição que V.Exa. acaba de fazer, repito, é extremamente didática, não

só do ponto de vista histórico de como a ALCA vem se desenvolvendo, como

também no sentido de nos permitir ver o panorama global de quais são os setores

organizados, que países estão compondo-os, como os compõem e quais os

interesses de cada um.

Vou fazer algumas considerações e perguntas. V.Exa. sempre afirma que não

há uma ALCA ideológica. Na verdade — V.Exa. e o Deputado Ivan Valente

externaram isso muito bem —, a discussão sobre a ALCA não é apenas comercial.

Vai chegar o momento em que haveremos de discutir muito mais do que a relação

comercial. Esse arcabouço todo diz respeito evidentemente à soberania do País.

Inevitavelmente, vamos estar discutindo o que interessa ou não ao Estado.

Ouvimos o depoimento da FIESP, que foi a expressão de uma corporação

empresarial. Muito claramente disse que a reunião em Miami não foi um avanço e

que poderia ter sido muito melhor. Disse também que a de Trinidad e Tobago havia

sido um retrocesso e que há interesses a serem negociados. Agora, V.Exa. nos diz,

de forma muito clara, que não tem a precisão exata de quais sejam esses interesses

de cada corporação. O que interessa ao Itamaraty é a razão do Estado, o objetivo do

Estado. É o que, no final, vai sobrar para o País, enquanto Estado, chegar a um

resultado positivo.

Hoje pela manhã debatemos a questão na Comissão de Relações Exteriores

com o Deputado Pannunzio e houve entendimento diferente. Parece que há

discrepância entre a posição que o Itamaraty adota e a dos demais Ministérios que,

conjuntamente, formulam as propostas para a negociação. Essa diferenciação é ou

não ideológica? No meu ponto de vista, não. A meu ver, estamos fazendo uma

negociação de Estado. O mais importante para o Estado é a negociação que o

Itamaraty está desenvolvendo.

Quanto a essa questão, uma vez colocados o MERCOSUL e a negociação da

ALCA, além do que V.Exa. enfatizou — que nossos principais parceiros são os do

MERCOSUL —, na negociação de Miami conseguimos visualizar que a Venezuela,

que ainda não é do MERCOSUL, tinha posição diferenciada. Insistiram em colocá-la

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no documento ministerial final, que o Deputado Nonô dizia ser o “enterro do

asterisco”, porque se discutiu se deviam colocar ou não o asterisco onde se

registrava a posição da Venezuela em relação à conceituação da ALCA. Afinal não

foi colocado devido ao processo de negociação que se firmou. Mas a Argentina fez

um discurso bastante avançado e agressivo. Até nos perguntarmos se a

verbalização daquele país não era a mesma do Brasil, que não podia falar porque

era co-Presidente, estava na Mesa, de certa forma, amarrado. O discurso do

CARICOM também exigia que se discutisse o Fundo de Compensação.

Dentro dessas assimetrias apresentadas e da discussão acerca do Fundo de

Compensação, poderemos prever um cenário negativo para o Brasil? Se não

conseguirmos avançar nessas situações, quais serão as nossas dificuldades?

Por último, gostaria de saber sobre a nossa participação como Parlamentares.

Temos acompanhado o processo de negociação, que muito interessa à Casa, pois

surgem debates. É importante a vinda dos negociadores para nos relatar sobre o

processo. Tivemos um seminário e ainda teremos muitos debates e a própria criação

da Comissão Especial da ALCA. Mas existe, na estrutura da ALCA, um conselho

consultivo, formado pela CEPAL, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento,

além da OEA.

Por que não haver representação parlamentar nesse conselho consultivo, já

que não somos negociadores, não somos Executivo, não pudemos, inclusive, falar

no processo de negociação? Não podemos estar presentes nesse conselho?

Gostaria que V.Exa. nos falasse um pouco como foi criado esse conselho, o que ele

representa e se podemos aspirar a fazer parte dele.

Quero, mais uma vez, elogiá-lo. V.Exa. está sendo muito didático e estamos

aprendendo bastante.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o

Embaixador Bahadian.

O SR. ADEMAR BAHADIAN - Deputada, em primeiro lugar, não há, que eu

saiba, posições do Itamaraty opostas às de outros Ministérios. A nossa posição,

como V.Exa. mesmo disse, é de Estado, pois foi submetida ao Presidente Lula em

reunião em que estiveram presentes numerosos Ministros. O que há, na realidade,

não é discrepância com a linha que se segue. Alguns Ministérios têm percepção

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mais setorial do que outros, o que é natural. Mas a linha política, estatal, de governo

foi estabelecida pelo Presidente Lula. E não vejo, honestamente, nenhuma

dissidência.

Tive o prazer de estar com todos os Ministros que estiveram em Miami e não

vi nenhuma resistência concreta. Na minha opinião, há 4, 5, 6 meses não haviam

sido expostas de maneira tão clara as dificuldades que estão em jogo. Agora é que a

situação está desabrochando, se é que posso usar essa expressão, embora o verbo

desabrochar seja usado para flor — por isso, traz um sentido bom. Não sei se devo

dizer que é um tumor que está saindo para fora — talvez seja o termo mais

adequado para expressar melhor o que pode acontecer.

O Governo, na posição de Estado, está perfeitamente identificado. Quanto à

posição da indústria, também quero ressaltar que deve haver setores que têm muito

interesse em negociar, mas até agora não houve negociação. Nós não nos

sentamos à mesa de negociação. O trabalho da indústria vai ser muito grande,

assim como o do agrobusiness.

Ainda não foi discutido o que vamos fazer com esses produtos. Como se vai

reduzir em 10 ou 5 anos? O que se vai oferecer? Essa negociação ainda não foi

feita. Ela deve ser feita urgentemente. Já foi proposta. O Governo americano aceitou

que nos sentemos o mais rapidamente possível e comecemos as negociações que

são chamadas, no nosso jargão, de 4 mais 1, em que se vão discutir produtos

agrícolas.

O que na realidade vai ser colocado na mesa de negociação pelos

americanos, na área agrícola? Não sei. A reunião de fevereiro é muito importante,

pois permitirá que tenhamos, pelo menos, idéia do mínimo aceitável para todos os

países. Vai ser complicado, mas é isso.

Quanto à pergunta muito pertinente que V.Exa. fez, Deputada, sobre o comitê

tripartite da ALCA com a OEA, com a CEPAL etc., eu, lamentavelmente, não

conheço nenhum mecanismo que permita algum membro de parlamento de

qualquer país participar dos debates ou do comitê tripartite. Mas, cada vez mais,

vejo a participação dos Parlamentares nas reuniões.

De acordo com a minha posição pessoal — e desde já me comprometo a

defendê-la como co-Presidente brasileiro —, devemos nos reunir muito com os

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Parlamentares que estão na reunião e também com os representantes dos

Ministérios. Esse contato na reunião, à medida que a coisa vai evoluindo, é muito

importante. É a ocasião em podemos ouvir também, de certa maneira, a posição dos

Parlamentares. Essa é a única fórmula que vejo no momento.

Há propostas feitas até de organizações parlamentares se reunirem

paralelamente à reunião. Tudo isso é possível, mas até agora não está claramente

definido. Eu até estimulo, pois considero muito importante, a presença do

PARLATINO nas reuniões, as discussões paralelas. Realmente, isso seria

importante. Mas no momento o mecanismo é o seguinte: a negociação é feita pelo

Executivo e depois é examinada pelo Legislativo. Essa é, mais ou menos, a regra

standard.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Quero registrar que

posição do Embaixador Bahadian não é apenas teórica. Isso foi exercido na reunião

de Miami, o que é extremamente louvável.

Quanto à sugestão da Deputada Maninha, afirmo que, do ponto de vista

americano, o Secretário Zoellick, pelo menos 4 vezes, ao longo do encontro, fez

questão — é uma inteligência tática e o motivo de os Deputados não participarem —

de ressalvar o Congresso americano como instância superior e posterior das

discussões do trabalho.

Todas as vezes em que os temas foram, digamos, espinhosos, a posição

americana foi claríssima. Vê-se que a brasileira é clara, mas não foi explicitada lá,

enquanto a americana o foi por várias vezes. Tudo o que acertarmos aqui vai

depender do acerto na Declaração Ministerial, quando se estabelece a data-base de

30 de setembro. Ela não é aleatória. É a data limite para proposta do Executivo ao

Legislativo americano. Por isso, há a inserção da data de 30 de setembro na

Declaração Ministerial.

Foi apenas um esclarecimento incidental.

Concedo a palavra ao Sr. Deputado Tarcisio Zimmermann.

O SR. DEPUTADO TARCISIO ZIMMERMANN - Sr. Presidente, o

esclarecimento de V.Exa. é muito importante, porque a idéia do irmão mais bravo

sempre é muito útil, especialmente nesse processo de negociação. É uma pena que

não tenhamos dentes maiores no Congresso Nacional. Mas, pelo visto, o

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Parlamento brasileiro tem sido, recorrentemente, espaço de salvaguarda de

importantes interesses no País.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Deputado Tarcisio

Zimmermann, têm dentes; às vezes não os usam.

O SR. DEPUTADO TARCISIO ZIMMERMANN - Poderiam ser maiores.

Cumprimento a diplomacia brasileira, o Embaixador. Aqueles arautos do

nosso isolamento, da nossa situação de constrangimento que viveríamos em Miami

felizmente foram categoricamente desmentidos. Os arautos também da nossa

divisão foram desmentidos pelos fatos, que são o senhor da razão. Nesse caso,

mais uma vez, confirma-se que a diplomacia brasileira opera num grau de

profissionalismo e de responsabilidade que nos orgulha e nos dá alento.

Desejo também falar da importância do depoimento do Embaixador. Um do

comentários mais originais de S.Exa. foi de que falta na ALCA grandeza e não

ambição. Talvez esse seja o grande desafio de uma nação como o Brasil, que pode

propor que a ALCA tenha grandeza.

Anteriormente, foi feita a seguinte pergunta: o que o Brasil tem a oferecer?

Anotei o que poderia ser a base de acordo mínimo do País. Poderia ser grandeza?

Poderia ser a proposta de que, efetivamente, tivéssemos contrapartidas, políticas

compensatórias? De que pudéssemos incorporar na ALCA a idéia de alavancar o

desenvolvimento com maior harmonia para nosso vasto continente? Isso teria

espaço para discussão ou se trata de tema de loucos, de irresponsáveis? Qual seria

a agenda comum do Brasil? Até quando haverá a co-presidência brasileira na

condução da ALCA?

Em relação ao que disse a Deputada Maninha, sobre a nossa dificuldade de

compreender um pouco os meandros das negociações internacionais, por que a

opção americana e brasileira de remeter determinados temas para a OMC? Na

verdade, a OMC também é multilateral, assim como me parece ser a ALCA. Qual a

vantagem de se buscar espaço na OMC e não na ALCA?

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Deputado Francisco Dornelles.

O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES - Embaixador Adhemar

Bahadian, os Deputados Alberto Goldman e Tarcísio Zimmermann questionaram

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alguns pontos, tais como a desgravação tarifária dos produtos agrícolas e a

eliminação de medidas protecionistas, que têm sido pontos fundamentais

pretendidos e metas do Governo brasileiro. Mas os Estados Unidos têm deixado

bem claro que é para esquecer isso. Eles não vão discutir na ALCA desgravação

tarifária nem eliminação de medidas protecionistas, que estão sendo jogadas para a

OMC.

O que o Brasil deseja mais na ALCA? Seria possível dizer exatamente o que

pretendemos? Até agora o que foi demonstrado para eles não é cabível. Estamos

apenas dizendo o que não queremos. O que o Brasil objetivamente deseja e pode

ganhar com a ALCA? Já está claro que desgravação tarifária e eliminação de

medidas protecionistas os Estados Unidos não discutem.

Desejo saber também se seria possível listar pelo menos alguns tópicos das

principais pretensões dos Estados Unidos no campo de investimento e de compra

governamental.

Eram essas as minhas argüições, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Agradeço ao Deputado

Francisco Dornelles.

Com a palavra o Ministro Adhemar Bahadian para responder aos 2

Deputados.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Agradeço a V.Exa. a deferência, mas não

sou Ministro.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Ministro de primeira

classe, em gênero, número e grau. Agora, vamos ouvir V.Exa, modestamente, na

sua condição de Ministro de primeira classe. Os membros do Itamaraty não querem

ver a sua renúncia. (Risos.)

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Sr. Presidente, as perguntas são

perfeitamente claras, mas difíceis de responder. O Deputado me perguntou se a

resposta para o Brasil não poderia ser a grandeza. A meu ver, como disse S.Exa.,

não é uma proposta de louco. Na Cúpula das Américas já havíamos debatido a idéia

da solidariedade, de um continente mais unido, mais integrado. Infelizmente,

Deputado, por razões que seriam de difícil explicação, o projeto solidário diminuiu

muito, praticamente se esgota. E, como disse no início, ficou a proposta de acordo

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comercial, porque há uma filosofia por trás, que pode ser rejeitada ou não. Havendo

liberalização comercial, estaremos estimulando o desenvolvimento.

Efetivamente, é importante que o Brasil apóie as iniciativas que levem a essas

compensações aos países menores. Estamos fazendo isso e faremos com mais

ênfase. S.Exa poderá constatar. Seja vocal na defesa de interesses de economias

menores.

Temos interesse em possuir um hemisfério desenvolvido, livre de pobreza, de

fome, de analfabetismo. Temos de trabalhar nessa linha que será, cada vez mais,

defendida por nós.

Em relação às perguntas feitas pelo nobre Deputado Francisco Dornelles, as

negociações sobre o que para nós pode ser útil só ficarão claras na medida em que

ocorrerem duas coisas — até agora não tenho clareza de como será o processo —,

a saber: que nível de redução tarifária de alguns produtos agrícolas os Estados

Unidos concederão ao Brasil e que impacto isso teria. Como disse, só poderemos

saber quando começarmos a negociar, o que já está programado para ser feito, mas

ainda não ocorreu.

A resposta à pergunta de S.Exa. ficará mais clara a partir de fevereiro,

quando saberemos exatamente o que o Canadá e os Estados Unidos estarão

dispostos a negociar na área agrícola. Isso vai nos dar um parâmetro claro sobre o

que poderemos ter. Essa pergunta fica um pouco condicionada a isso.

Eles estão dispostos a negociar na ALCA de maneira muito diferenciada.

Fazem ofertas de produtos, que não são necessariamente as mesmas para o

MERCOSUL, por exemplo, para o Caribe ou para a América Central. Isso tem a ver

com a redução da tarifa, com a redução ao possível aumento de quota, com a

possível — eventualmente, em alguns casos — manutenção de sistemas

preferenciais ou não. Não há a hipótese de eles discutirem a eliminação de

subsídios internos e externos. Claramente não querem isso na área agrícola.

Quanto aos investimentos, o ideal para os Estados Unidos, segundo palavras

do Embaixador Peter Allgeyer — não estou inventando nada disso — num seminário

no Congresso brasileiro seria terem na ALCA exatamente o que tinham conseguido

fazer com o Chile no acordo bilateral Chile—Estados Unidos. O nível de ambição é

esse.

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Fui criticado quando levei ao Senado o texto do acordo do Chile e assinalei o

que significava aquilo. Um dos Senadores disse-me que eu estaria fazendo uma

crítica indireta ao Chile. O Chile deixou de ser para mim um problema. Na medida

em que colocam essa questão como parâmetro, passo a discuti-la. Respeito muito

que um país possa ter um parâmetro diferente do meu, mas não preciso

necessariamente aceitá-lo.

O Chile, para V.Exa. ter uma idéia, aceita o que os americanos gostariam que

o Brasil tivesse. Por exemplo, se houver um conflito entre uma empresa de capital

estrangeiro, no caso de capital americano, e o Governo ou uma terceira empresa —

peguemos o caso do Governo —, o que eles desejam é que haja uma saída sempre

arbitral para o litígio e não a justiça que temos constituída.

Obviamente isso é inaceitável para o Brasil. Jamais podemos aceitar uma

regra que coloque como determinante em solução de litígio uma saída fora da

legislação brasileira, não apenas porque é anticonstitucional, mas também — é um

aspecto que devemos pensar com muito carinho, se formos aceitar um tipo de

decisão como esta — porque é discriminatório para pequenas empresas. Mais ainda

para empresas que não têm capital suficiente para enfrentar uma defesa desse tipo,

que envolve inclusive regras que não são do nosso Direito, que é muito mais

codificado, como todos sabemos, e muito menos jurisprudencial do que um Direito

anglo-saxão. Temos enorme dificuldade de aceitar uma coisa dessas, mas isso é

pedido, é desejado.

Sobre a propriedade industrial, que é um pouco vinculada à área de

investimentos, eles já têm posição oposta. Não querem que os países tenham um

sistema geral de proteção da propriedade industrial. Querem não apenas legislação

— a legislação existe —, mas tribunais específicos para a propriedade industrial.

Não temos isso no Brasil.

Essas exigências são aceitas por determinados países e para nós não são

aceitáveis, mas são exemplos concretos do que seria — sem falar no que seria a

definição de investimentos, que é altamente complexa — a proteção ou não ao

chamado hot money, a incapacidade total de controles para entrada e saída de

capitais. Enfim, tudo isso estaria dentro do pacote de investimentos. Tais propostas

vão para uma área muito sensível da própria política econômica de cada país.

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Não há hoje — temos repetido muito isso para as americanos; eles não

gostam, mas eu insisto —, em lugar algum, acordo regional ou multilateral de

investimentos. Nunca se conseguiu fazê-lo. Na OCDE alguns países tentaram fazer

acordo de proteção de investimentos, mas não conseguiram. Houve enormes

dificuldades e os acordos não vingaram. Na OMC não há acordo de proteção de

investimentos. Não creio que num futuro previsível se poderá ter essa negociação.

Os Estados Unidos propõem na ALCA que se faça esse tipo de coisa.

Primeiro, não há parâmetro internacional para aceitarmos isso; segundo, o

parâmetro é o acordo bilateral, que um país pode ou não aceitar, dependendo dos

seus interesses específicos. Para nós, claramente não interessa.

Vou dar um exemplo final para terminar.

Por que compras governamentais têm de entrar numa negociação de

comércio? Compras governamentais, como todos nós sabemos, envolvem o último

aspecto da decisão de cada país em ter uma política mais ou menos dirigida de

desenvolvimento industrial, porque pode ir desde uma plataforma petrolífera

comprada pela PETROBRAS até a merenda escolar.

Quando falei pela primeira vez em merenda escolar, todo mundo ficou

achando que eu estava exagerando, mas não estava. A verdade é que o acordo

feito com o Chile impõe que as licitações das compras governamentais no âmbito

federal, estadual e municipal devem ser abertas à licitação regional. O que significa

isso? Que, se fosse aplicado no caso brasileiro, a diretora da escola, que tem de

contratar todo ano a merenda escolar, pelas nossas regras, teria de abrir uma

licitação que eventualmente uma empresa que não fosse brasileira pudesse ganhar.

Isso vale nos Estados Unidos? Não. Naquele país não é recíproco, porque a

legislação não permite que, no âmbito municipal e estadual, exista interferência da

União. De maneira que fica desequilibrado. Está no acordo do Chile. O Chile é

soberano, acredita que fez o que é do interesse nacional. Não tenho nada a criticar.

Estou apenas repetindo que, para o parâmetro brasileiro, não creio que teria grande

aceitação.

O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES - Seria possível, por

intermédio do Itamaraty, termos acesso a esse acordo de investimentos que os

Estados Unidos fizeram.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - O acordo está

disponível na Internet. Vamos tirar cópias e distribuir aos membros da Comissão.

O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES - Quero também ter acesso

às compras, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Terei o maior prazer

em lhe fornecer isso.

A legislação americana é um pouco mais complicada quanto a isso, porque

há instâncias. A estruturação do país é muito diferente, o nível de autonomia do

condado e do Estado na legislação americana é muito distinto do nosso. Lá não se

permitiria a saudável concentração de poder em torno da União, como ocorre neste

Brasil contemporâneo. Isso, contudo, é outra conversa. A Presidência providenciará

as cópias e fará a distribuição.

Ouviremos o Deputado Edson Ezequiel e, em seguida, o Deputado Antonio

Carlos Pannunzio.

Com a palavra o Deputado Edson Ezequiel, nosso Vice-Presidente,

representante do PMDB do Rio de Janeiro.

O SR. DEPUTADO EDSON EZEQUIEL - Sr. Ministro Adhemar Bahadian,

mais uma vez — e não poderia ser diferente — quero parabenizá-lo pela palestra

muito didática e correta. V.Exa. é realmente um grande negociador. Não vou ficar

repetindo que participei da reunião da ALCA e venho estudando o assunto. Como

estamos reunidos nesta Comissão, terei de continuar com o assunto.

Ontem, por exemplo, fiz muitas perguntas ao Dr. Maurício Costin, Diretor do

Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da FIESP.

Na Psicologia, existe o fenômeno da empatia, segundo o qual, antes de

alguém fazer qualquer coisa deve sentar-se na minha cadeira e ver se eu faria o

mesmo. Então, um pouco disso ocorre nesse processo da ALCA, como V.Exa.

mesmo disse. É muito simples para o Brasil dizer que gostaria que a ALCA tivesse

tal ou qual modelo. Será, contudo, que isso é bom para a Costa Rica? É bom para o

Canadá, para o Chile, para o Caribe e vice-versa? O que é bom para o Canadá,

para o México etc. não é necessariamente bom para outros países.

Em Miami, o Chile fez o papel do ponta de lança do Canadá e do México,

enquanto — como ressaltou a nossa Relatora, Deputada Maninha —, a Argentina,

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talvez até pela posição diplomática de co-Presidente do Ministro Celso Amorim, foi

mais agressiva na questão.

Os pontos sensíveis são muito claros. Na agricultura, gostaríamos de ver

acabados os subsídios, as cotas, as tarifas, a questão da política antidumping e as

barreiras fitossanitárias, mas eles querem a política de propriedade intelectual.

Temos problema de biodiversidade; eles querem compras governamentais e regras

internacionais para investimento. Assim não dá.

Nesse quadro, quando pegamos a Declaração Ministerial de Miami — e isso

já foi exposto pelo ilustre Presidente, inclusive com a explanação adicional do

deadline do Congresso americano — o único ponto que sai é o plano de carta de

intenção. Nesse sentido, tenho a mesma visão de V.Exa. Creio que essa carta de

intenção é muito melhor do que a de antes. É preferível uma boa carta de intenção a

termos aquela situação que tivemos com Peter Allgeyer aqui, quando, ao final de

sua palestra — e V.Exa. deve recordar-se — disse que nós, Parlamentares,

deveríamos pensar o que desejamos para os nossos netos. É como se dissesse

que, se nós não fizéssemos acordo com os Estados Unidos, teríamos de prestar

contas aos nossos netos. Disse-lhe depois rapidamente que o que ele havia dito era

válido para duas situações.

Vou concluir com uma pergunta. A única coisa concreta — e o pessoal da

Mesa já conhece a minha pergunta — nas boas intenções da declaração ministerial

que sanou várias divergências é o item 13, segundo o qual as negociações sobre

acessos a mercados devem ser conduzidas num ritmo que leve à sua conclusão até

30 de setembro de 2004.

Li em vários periódicos que o México antes de assinar o NAFTA — aliás,

companheiros, não vamos aqui discutir o que significou o NAFTA para a população,

mas apenas o aspecto comercial. E, no aspecto comercial, numa interação com a

indústria, o México teria criado 12 grandes grupos só com doutores e PhDs para

fazer 160 monografias e verificar justamente onde perderia e onde ganharia com o

acordo.

Volto a dizer: não estou discutindo se o México melhorou ou não de qualidade

de vida. Do ponto de vista de balança comercial com os Estados Unidos, o México

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tinha, em 1994, 29 bilhões de dólares e, em 2002, bateu a casa de 73 bilhões.

Atualmente está em mais de 100.

A pergunta que faço é a seguinte: existe — e ouvi falar alguma coisa em

relação à UNICAMP — algum estudo, convênio ou interação com federações como

FIESP, FIRJAN, no sentido de tentar encontrar balizadores, senão para produtos

específicos, mas para áreas, como, por exemplo, autopeças, produtos cítricos etc.?

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Concedo a palavra ao

Deputado Antonio Carlos Pannunzio.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Sr. Presidente, Sra.

Relatora, Sr. Deputado Waldemir Moka, Sr. Ministro Adhemar Bahadian,

primeiramente, quero somar minhas impressões e meus sentimentos aos daqueles

que me antecederam, agradecendo ao Embaixador a disposição em vir interagir

conosco. Isso é muito importante.

Sr. Presidente, permita-me um parêntese. Nosso constituinte, não sei bem

com que intenção, mas a partir do instante em que manteve a tradição das

Constituições anteriores de delegar todos os poderes nas negociações para o

Executivo, na verdade enfraqueceu a condição de negociador dos nossos

negociadores.

V.Exa. mesmo, Sr. Embaixador, disse claramente que os negociadores

americanos, quando chegam a uma situação de aperto, apelam: “Não, aqui não. O

meu trade promotion authority vai até aqui, daqui para frente não posso ir.” Seria

muito bom se o negociador brasileiro tivesse essa condição. Esse, contudo, é um

assunto que deveríamos ter discutido entre nós. A realidade é que não temos essa

condição.

Durante sua explanação — e anotei rapidamente alguns pontos — V.Exa.

disse que as negociações seguem. Cada país continua negociando basicamente

com os Estados Unidos. Tenho a impressão de que essa é a grande preocupação

de todos. O grande mercado e o maior PIB do mundo concentram-se lá. Poderemos

ter vantagens se o mercado americano se abrir para nós. Se isso não acontecer,

dificilmente teremos alguma vantagem. Por outro lado, poderemos ter vantagens se

as aberturas que concedermos não colocarem em risco o setor industrial brasileiro,

não todas as modalidades, mas pelo menos as principais e também o agronegócio.

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Alguma coisa há de se perder, mas se espera ganhar mais do que se perderá com

essas trocas, o que é o objetivo da Área de Livre Comércio das Américas. Esse é

um ponto.

Disse V.Exa. que, nas negociações, eles estavam procedendo em diferentes

etapas e graus ao chamado destravamento de barreiras com cada um dos países. É

natural que seja assim. Cada país tem sua peculiaridade. Quando o negociador

cede — e isso vale para os dois lados — sabe até onde pode ceder ou o que vai

conquistar.

Sr. Embaixador, vamos supor que os americanos cedam um bocado e

tornem extremamente interessante, por exemplo, ao Paraguai fazer parte da ALCA.

Fazendo parte da ALCA, evidentemente o Paraguai vai exportar o que pode, mas vai

receber tudo o que os americanos puderem mandar para eles. Como bem sabemos,

o Paraguai invadiria o Brasil com produtos americanos — mesmo que o Brasil não

participe da ALCA — e isso criaria uma situação extremamente complicada para

nós. Usei como exemplo o Paraguai, mas isso pode eventualmente acontecer com

qualquer outro país da América do Sul. Como ficam as coisas?.

A segunda questão diz respeito a uma observação. É mais para tirar uma

dúvida que a Deputada Maninha e eu tivemos e em relação à qual travamos um

debate. Nas negociações de Trinidad e Tobago, nas quais V.Exa. foi o negociador

chefe, o Itamaraty foi para a mesa de negociações sem uma discussão prévia.

Houve reclamações do setor produtivo, particularmente da Federação das Indústrias

do Estado de São Paulo — FIESP, e até mesmo da parte de componentes do

Governo. O Ministro da Agricultura, em reunião na Comissão de Relações

Exteriores, disse que naquele episódio o Ministério não foi consultado.

Portanto, este é meu questionamento: como os negociadores — não discuto

quem deve conduzir as negociações, pois incontestavelmente é papel do Itamaraty

— vão estabelecer parâmetros delimitadores, se os Ministérios fins e o setor

produtivo não são ouvidos?

Não sei se é fofoca — V.Exa. evidentemente vai pôr os fatos no devido lugar

—, mas dizem que o MST e a CUT foram consultados. Nada contra ouvir a CUT ou

o MST, mas não consigo entender, se é que foi assim, que o setor produtivo como

um todo e os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da

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Agricultura, Pecuária e Abastecimento não sejam ouvidos. Esse é um ponto. É mais

uma pergunta que faço.

Disseram aqui que a ALCA é grandiosa. Não sei se esse grandioso também

poderia ter o sinônimo de generoso, em que os mais fortes cedem para que os mais

fracos, os menos desenvolvidos, pudessem diminuir as chamadas assimetrias. Isso

realmente seria o ideal. Muitas das equiparações — nós mesmos fazemos os

nossos debates aqui — advêm da realidade hoje vivida pelos países que formam a

União Européia, em que as assimetrias estão sendo, a cada dia que passa,

minimizadas e há tendência de ficar uma equalização muito positiva para os povos

de todos os países que integram a União Européia.

Mas a União Européia não nasceu nesse formato e nessa amplitude. Ela

nasceu, salvo engano, como Mercado Comum Europeu. É também um Acordo de

Livre Comércio, pura e simplesmente. Não havia mecanismos de compensação, de

investimentos. Pensou-se nessa questão da diminuição das barreiras até se chegar

a esse estado aparentemente ideal que já se vive hoje na Europa Ocidental. Tenho

a impressão de que não dá para termos a expectativa de que poderíamos começar

nas Américas. E as assimetrias nas Américas são infinitamente maiores do que

aquelas que haviam na Europa Ocidental. Não dá para pensar numa ALCA em que

de repente se dê, como dizem, livre trânsito, investimentos garantidos do Canadá,

dos Estados Unidos ou, eventualmente, do Brasil, do Paraguai, da Guatemala, da

Nicarágua, porque não é bem esse o contexto. Isso ainda não é possível.

Temos de pensar — e V.Exa. foi muito claro — que isso é um acordo que, se

acontecer, num primeiro momento, visa à compra, à venda e ao lucro, no final das

contas. Todas as partes querem ganhar um pouco.

Indago a V.Exa. se essa expectativa, que é muito comum no nosso meio, não

é exagerada com relação ao que possa ser a ALCA num primeiro estágio.

São essas as questões que formulo. Agradeço a V.Exa. a atenção.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o

Ministro Adhemar Bahadian.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vou começar recordando a frase do nosso colega americano sobre o que

vamos fazer com os nossos netos. Lembro-me de uma história meio antiga.

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Perdoem-me por contá-la de novo, mas costumo fazê-lo porque a ouvi quando foi

narrada pela primeira vez, há muitos anos, na ONU, quando havia uma grande

reunião de países em desenvolvimento discutindo a situação comercial. Discutiam

muito as vantagens — na época, a linguagem era outra — da joint venture, a palavra

da moda nos anos 60. Não havia ainda a globalização, mas a joint venture.

Durante aquela discussão, um delegado africano pediu a palavra e disse o

seguinte: “Quero contar para os senhores uma história. Uma vez, quando os animais

falavam, o porco se encontrou com a galinha. Eles começaram a discutir a

possibilidade de formar uma joint venture. A galinha argumentava com o porco:

‘Olha o mercado americano, essa beleza!’. Estamos falando na época pré-colesterol.

‘Esse pessoal, todo dia de manhã, come bacon com ovos. Fazemos uma joint

venture. Eu entro com os ovos, você entra com o bacon, e nós vamos conquistar

esse mercado.’ Aí o porco ficou meditando. ‘Pois, olha, galinha, sabe que eu acho

uma boa, mas há um detalhe: para eu dar o bacon, eu morro.’ A galinha foi muito

filosófica: ‘Mas olha aqui: em toda joint venture há sempre quem se dá mal. É uma

coisa normal’. A situação de hoje, mais ou menos adaptada, é assim. É isso o que

devemos ter presente.

Quanto às perguntas que me foram feitas aqui quanto a esses aspectos da

comparação com a União Européia, acredito que seria ótimo que assim fosse, mas,

desde logo, foi dito que não vai ser assim. O objetivo não é esse, não é fazer um

modelo de União Européia, porque lá realmente os países, inclusive os

economicamente mais importantes, acrescentam uma percentagem absolutamente

importante para os direitos compensatórios. E isso não está na pauta das

negociações na ALCA. De maneira que vejo poucas possibilidades de que se

evolua para isso.

O risco do MERCOSUL para o qual o senhor chama a atenção de fato existe.

Temos isso muito claro, porque, é óbvio, a única resposta que se pode dar é a de

que, numa situação dessa, não pode haver o melhor dos dois mundos. Se se quer

fazer parte do MERCOSUL e ter acesso ao mercado brasileiro com determinado

grau de preferencial, não se pode, ao mesmo tempo, sair desse esquema

preferencial e tentar obter a mesma coisa do outro lado, pelas razões que o senhor

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mesmo apontou. Seria uma invasão. Então, a unidade do MERCOSUL terá de ser

mantida mediante mecanismos de proteção, obviamente negociados entre nós.

Não acredito também que vamos obter, com muita facilidade, um elenco de

produtos e que possamos saber claramente em que vamos ter vantagem

negociadora. Como disse desde o início, até agora não vi uma proposta concreta na

mesa de negociação. Há listas de demandas. Vou dizer claramente que isso faz

parte do movimento negociador. As ofertas feitas pelos Estados Unidos e as feitas

pelo Brasil são pífias, mas é assim mesmo, começa dessa maneira. Temos agora de

fazer as revisões dessas ofertas.

O que não houve até agora foi exatamente isso, porque a ALCA ficou no

emaranhado da discussão sobre o nível de ambição, nível disso, nível daquilo, e

fizemos os 7 mil destaques, como o Deputado disse — nós chamamos de colchetes

ou de brackets. Não conseguimos evoluir em nada, porque não sabemos

exatamente como negociar e em que pontos vamos negociar.

De maneira que — e gostaria de ter a oportunidade de dizer isso ao

debatedor da FIESP — a situação de Miami é muito melhor agora do que antes. Por

quê? Porque há claramente opções sobre o que se vai poder negociar.

Passo a bola para a FIESP, para a indústria. Vamos nos sentar todos para

fazer o levantamento do que nos interessa. E vem, nesse caso, a questão de

Trinidad e Tobago que o senhor levantou.

Primeiro, quero dizer — e digo isso não porque eu queira me defender, mas

porque é um fato concreto — que não sou negociador brasileiro nem o fui em

Trinidad e Tobago. Sou Co-Presidente da ALCA e estou tecnicamente impedido de

negociar a posição brasileira, a chefia da delegação brasileira é de um colega meu,

o Embaixador Macedo Soares. Acompanhei muito de perto, porém, toda a

formulação da proposta brasileira e desejo prestar alguns esclarecimentos

importantes: primeiro, a reunião de Trinidad e Tobago se seguiu a outra ocorrida em

El Salvador. Antes de El Salvador, o Ministro Celso Amorim propôs ao Presidente da

República uma linha de ação do Governo brasileiro. Essa exposição de motivos foi

levada por S.Exa. ao Presidente, que o convocou para uma reunião com o Ministro

do Desenvolvimento, o Ministro da Agricultura e outros Ministros para discuti-la e

chegaram a um acordo sobre a posição brasileira. Constava dessa exposição de

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motivos, na época, a Proposta dos Três Trilhos, e todos os Ministros que estavam ali

a aprovaram.

Quando fomos a El Salvador, apresentamos a Proposta dos Três Trilhos de

maneira formal. Obviamente, houve rejeição, problemas etc., porque estávamos

começando a desviar aquele navio, o qual, como deduzi, estava indo em direção ao

iceberg. Quando chegamos a Trinidad e Tobago para prestar esclarecimentos,

criou-se certa confusão, porque não foi fácil de se compreender na hora o que

estava acontecendo. Em Trinidad e Tobago, o MERCOSUL propôs o projeto de

declaração ministerial — o objetivo daquela reunião — que depois foi adotada em

Miami. Cada país ou grupo de países apresentavam um projeto inicial. O nosso

traduzia a lógica dos Três Trilhos.

Se tivesse sido admitido que não houve negociação ou discussão específica

sobre esse projeto de declaração ministerial apresentado pelo MERCOSUL, e não

pelo Brasil, talvez não tivesse havido ali, naquele momento, profundo debate. Não

houve discrepância, quer dizer, o projeto apresentado pelo MERCOSUL não

discrepava da linha de orientação do Governo, aprovada pelos Ministros e pelo

Presidente.

Digo, com muita tranqüilidade, que foi uma reunião muito tensa, pois todos os

países estavam em difícil situação. Os representantes de Cancún criaram

complicações com os países envolvidos na ALCA, o que foi muito explorado pela

mídia. O Brasil ficou isolado, seus representantes não conseguiram se pronunciar.

Honestamente, provo que Trinidad e Tobago foi um sucesso para o País,

porque, pela primeira vez, claramente, o americano e o canadense tiveram de dizer,

na Mesa de negociação, que eles não iam negociar subsídios etc. Tanto que,

quando acabou a reunião, eu declarei — saiu na imprensa brasileira, e o Ministro

Zelik Trajber usou a mesma expressão — que os americanos disseram que na

ALCA tudo está sobre a mesa. Ou seja, tudo pode ser negociável. Eu disse depois,

em Trinidad e Tobago, que não era assim, que tudo não estava mais sobre a mesa,

porque ficou claro que determinados aspectos das discussões não estariam.

Trinidad e Tobago foi um sucesso nesse sentido, porque levou à

obrigatoriedade de, em Miami, as coisas serem mudadas. Vamos dizer claramente o

que vamos negociar. E foi o que levou a Miami. Quer dizer, a estratégia do Ministro

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Celso Amorim foi correta e lógica, ao dizer: “Olha, eu tenho minhas sensibilidades,

vocês têm as de vocês”. Vamos partir para a linha dos 3 trilhos. Não topamos,

partiremos para outra solução, que foi a que se chegou em Miami: dar a flexibilidade

possível.

Foi uma estratégia correta, inteligente e que deu certo, tanto que, em Trinidad

e Tobago, eu disse que a proposta do MERCOSUL era criativa, construtiva e

inteligente. Fui criticado e, inclusive, objeto de duros editoriais, que veicularam que

tínhamos ficado isolados em Trinidad e Tobago, que não tínhamos feito nenhum

movimento.

Miami foi o resultado dessa proposta. Não que Miami seja MERCOSUL, mas

o que está lá tem muito de MERCOSUL, da idéia brasileira, e é uma vitória

brasileira. Não se pode falar em vitórias diplomáticas, porque não há vitórias

diplomáticas, mas acredito honestamente que foi um importante passo e, como

disse no início, fruto de entendimento entre o Brasil e os Estados Unidos. Não estou

negando que houve cooperação dos Estados Unidos para se chegar a esse acordo.

Quanto a isso, não tenho a menor dúvida, mas se não tivéssemos feito dessa forma,

estaríamos negociando com a ALCA como antes, isto é, íamos para a reunião e o

Comitê de Agricultura perguntava: “Quando os Estados Unidos apresentarão suas

propostas sobre os Três Trilhos?” E eles respondiam: “Amanhã, depois de amanhã,

na reunião que vem.” Com isso, nada andava, porque não havia um jogo claro. O

jogo ficou claro. E se vai ser possível ou não, veremos isso claramente em fevereiro,

mas, nesse aspecto, melhorou muito.

Deputado, com toda a honestidade, não houve dissensão no Governo, o

Itamaraty não escondeu nada, a proposta feita em Trinidad e Tobago era a de

transposição dos Três Trilhos do MERCOSUL para um projeto de declaração

ministerial. Foi uma reunião ruim, difícil, complicada, mas a história recente mostra

que foi bem-sucedida para nós.

Espero que tenha prestado os devidos esclarecimentos.

O SR. DEPUTADO EDSON EZEQUIEL - Sr. Presidente, talvez no afã de

explicar todos os acontecimentos de Trinidad e Tobago, o Embaixador não

respondeu minha pergunta final. Desejo pura e simplesmente ouvir “sim”, “não” ou

— quem sabe? — “talvez” quanto à existência de acordos ou convênios, como

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ventilado, eventualmente até com a UNICAMP, para tentar dimensionar, senão de

forma precisa, pelo menos em termos de ordem de grandeza, nos campos setoriais

ou de produtos, a posição do Brasil em relação aos demais países.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - A Presidência se sente

profundamente satisfeita, porque todos os Deputados que passaram na Comissão

estão intervindo.

Como temos apenas três inscritos, faremos um bloco único, composto

evidentemente pelo Presidente da Comissão de Agricultura, o Deputado Waldemir

Moka, e os Deputados Lindberg Farias e Francisco Garcia. Em seguida, o

Embaixador responderá as indagações e, evidentemente, complementará a resposta

ao Deputado Edson Ezequiel.

Com a palavra o Presidente da Comissão de Agricultura, Deputado Waldemir

Moka.

O SR. DEPUTADO WALDEMIR MOKA - Presidente José Thomaz Nonô,

primeiro, peço desculpas por ter chegado atrasado, pois encontrava-me na

Comissão que analisa projeto sobre a Mata Atlântica. Mas, graças à nossa

Assessoria, ainda pude ler o pronunciamento do Embaixador..

Para mim é uma honra, na qualidade de Presidente da Comissão de

Agricultura, participar desta reunião. Por isso, agradeço ao Itamaraty a oportunidade.

Temos sido convidados, desde as reuniões preparatórias, a nos fazer

presentes em todas as tratativas, e a Comissão de Agricultura sempre se fez

representar pelos Deputados Dilceu Sperafico, Antonio Carlos Mendes Thame e

Zonta.

Evidentemente, como disse a Deputada Maninha, para aqueles que não

acompanham — e me esforço para tanto, por isso tenho participado de todas as

reuniões do PARLATINO, há quase 5 anos — os assuntos são realmente

complexos, e a negociação se dá de forma lenta e gradual.

Desejo saber do Embaixador se há estratégia do Brasil no sentido de unir o

MERCOSUL, e, a partir daí, termos força para negociar. Contamos, evidentemente,

com o Presidente Lula e o sentimento de S.Exa. de tornar forte as Américas. Os

representantes do Chile, por exemplo, optaram pelo comércio bilateral. Obviamente,

nem todos esses países têm a mesma condição dele. Fica muito fácil para os

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Estados Unidos abrirem negociação bilateral com o Chile, que é um país sem

produção grande em escala. Quer dizer, o Chile nunca ameaçará a produção dos

Estados Unidos, o que não é o caso do Brasil, porque se eles nos abrirem a porta,

por exemplo, para os produtos cítricos, o Brasil os inundaria.

Tenho a pretensão de dizer que temos potencial no setor agrícola e somos

competitivos. E chegamos a essa situação graças aos Governos anteriores que

abriram esse mercado. Do contrário, o País estaria hoje em péssima situação. O

mesmo não aconteceu com a nossa indústria, sobretudo a química, que não tem

como competir. Percebo, portanto, que a negociação é difícil.

Nosso setor calçadista, por exemplo, é eficiente e quer a negociação. Agora,

no setor da agricultura, a negociação bilateral Brasil/Estados Unidos é

extremamente difícil, porque seremos sempre mais competitivos e mais eficientes do

que eles, que detêm vantagem apenas em razão dos grandes subsídios que

insistem em manter.

Não penso que o Chile, pela sua realidade e suas condições, tenha feito um

negócio ruim, até porque aquele país tem o apoio da população nacional. Conversei

com vários Parlamentares, e todos são unânimes em afirmar que essa é a

negociação para eles. Será que não aconteceria o mesmo com os outros países?

Será que o Brasil não corre o risco se assim proceder? A verdade é que o

Embaixador já disse que, se eles quiserem negociar conosco, não devem agir desse

modo — foi o que entendi. Quer dizer, se eles nos quiserem como parceiros

preferenciais, não devem proceder assim porque esse jogo o Brasil não vai topar.

Essa é a preocupação.

Evidentemente, Parlamentares da Comissão de Agricultura divergem da

minha opinião, mas considero correta a negociação que faz hoje o Governo

brasileiro. Esse é o caminho que devemos trilhar. Temos de forçá-los a negociar,

não há por que fazer outra negociação enquanto eles não abrirem mão do setor em

que Brasil é mais competitivo: o agronegócio.

Finalizando, é importante cada vez o Congresso brasileiro participar dessas

reuniões. É correto também que os Estados Unidos usem o Congresso Nacional..

Quer dizer, em algum momento, o Congresso brasileiro deve jogar com o Itamaraty.

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Temos de ser implacáveis no Congresso, até para fortalecer a posição dos nossos

negociadores em vital e importante área para o País.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o

Deputado Lindberg Farias.

O SR. DEPUTADO LINDBERG FARIAS - Embaixador Bahadian, sinto-me

muito seguro de ver a Diplomacia brasileira nas negociações da ALCA. A exposição

de V.Exa. hoje tem de ser reproduzida, pois mostra que temos de continuar no

caminho de defesa dos interesses nacionais.

Lembro-me de que travamos vários debates nesta Casa quando do encontro

em Trinidad e Tobago, que aconteceu logo depois da reunião da Organização

Mundial do Comércio, em Cancún, quando os assuntos eram os mesmos: subsídios

agrícolas, regras antidumping e, por outro lado, compras governamentais,

investimentos, propriedade intelectual. Esse era o mesmo debate.

Impressionou-me, nesta Casa, ver Líderes da Oposição e setores da mídia se

apressarem em dizer que o Governo brasileiro tinha se direcionado para o

isolamento político nessas negociações. O que vimos logo depois, em Miami, foi o

contrário: prevaleceram nossos posicionamentos. Obviamente, sabemos que o jogo

não foi até o fim.

Impressionou-me também — e creio ser importante destacar — quão

draconiano era o projeto original da ALCA, o que foi enfatizado na intervenção do

Embaixador. Comentou V.Exa. o caso de contencioso entre uma empresa

norte-americana e o Governo chileno, em que, na verdade, se recorreu ao Tribunal

Arbitral. O que separa uma colônia de um país livre é sua autonomia política, o fato

de suas leis valerem. De que vale um Congresso Nacional se nos grandes conflitos

comerciais as nossas leis não valem? De que vale elegermos Deputados e

Senadores?

O espírito original da ALCA, sem dúvida alguma, é um atentado à soberania

nacional. Creio, porém, que o Governo brasileiro tem negociado com bastante

firmeza.

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Afinal de contas, o que pode ser essa ALCA “desidratada” ou “light”? Sobra

algo de fato? O Deputado Goldman perguntou: “Onde nós ganhamos?”. Não

conseguimos ver nada de concreto.

O Presidente Lula, na sexta-feira passada, no Encontro Nacional de Comércio

Exterior — e inclusive, há pouco, eu comentava com o Deputado Tarcisio

Zimmermann a sua semelhança física com o Presidente da República.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Desculpe-me interromper V.Exa. Quando

fazem esse comentário a meu respeito, costumo dizer: “Não façam essa injustiça

com o Presidente.” (Risos.)

O SR. DEPUTADO LINDBERG FARIAS - Inclusive, Embaixador, quando,

naquele período, tentavam mostrar divisores no nosso Governo, eu dizia: “Está lá a

própria representação, a reencarnação do Presidente Lula, o Embaixador Bahadian.”

E o Presidente Lula, no Encontro Nacional de Comércio Exterior, fez uma

declaração que já mostra o sentimento da Diplomacia brasileira, por mais que tenha

sido fundamental mostrarmos que a intransigência não foi nossa. Nesse caso,

impressionou-me. Lembro-me quando o Líder do PFL, José Carlos Aleluia, subiu à

tribuna para dizer que o Governo brasileiro estava bravateando naquele caso da

reunião de Trinidad e Tobago. Que defesa de livre comércio é essa, se eles não

abrem mão dos subsídios agrícolas, das regras antidumping?

Nessas negociações, o Governo e a Diplomacia brasileira conseguiram

mostrar que a intransigência parte deles. E teremos agora problema maior, porque

se aproximam as eleições norte-americanas. Tudo indica que não deve haverá

concessões mais relevantes

No Encontro Nacional de Comércio Exterior, o Presidente Lula disse: “Com os

Estados Unidos, estamos no teto. Não há muito mais o que conseguir. Temos de

nos virar para a China, Índia, África do Sul, Rússia”. Em Cancún surgiu interessante

movimento. A partir daquela resistência, houve imposições da União Européia e dos

Estados Unidos — estou me afastando também do tema. Com o movimento do G-22

ou G-X, que ninguém sabe quantos são, não será por aí que teremos de privilegiar

acordos comerciais mais sólidos?

Será que não está claro para todos que a ALCA mixou, que podem ser feitos

somente pequenos acordos? Não será esse o caminho para tentarmos construir

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acordos sólidos, que podem ajudar na manutenção e na ampliação do superávit

primário, como o de 22 bilhões que fizemos? Sabemos que nossa relação comercial

com a China, com a Índia e com a África pode aumentar muito e, agora, há a viagem

do Presidente ao Oriente Médio. Sabemos que o superávit é fundamental para

equilibrar a balança de pagamentos e para diminuir a vulnerabilidade externa do

País.

A partir da vitória do Presidente Lula e da altiva negociação do Governo

brasileiro, o eixo das nossas negociações comerciais começa a se deslocar.

Eram essas as minhas argüições.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o último

inscrito, o Deputado Francisco Garcia.

O SR. DEPUTADO FRANCISCO GARCIA - Sr. Presidente, Sr. Embaixador

Bahadian, minha preocupação está em verificar as discussões das famosas medidas

protecionistas.

Sou do Amazonas, de uma área incentivada, a Zona Franca de Manaus, e

zonas francas existem tanto no NAFTA quanto no MERCOSUL. A Zona Franca de

Manaus foi instituída, em primeiro lugar, por manutenção territorial. Talvez o País já

tenha vivido na época da borracha a famosa ocupação territorial da Bolívia, que foi

agrupada ao nosso País. Com essa preocupação, resolveu-se fazer um projeto

econômico viável, para manter o homem na região. Assim surgiu a Zona Franca.

Existem diversas zonas francas. As mais importantes, hoje, dentro da famosa

ALCA, serão a do México e a Zona Franca de Manaus. Pergunto a V.Exa., seguindo

a linha de proteção e tarifa, e, acima de tudo, de fundos compensatórios: a Zona

Franca não seria um fundo compensatório de manutenção territorial, de reserva

hídrica, em que se quer explorar sua biodiversidade? Ao mesmo tempo, a Zona

Franca mantém um pólo de desenvolvimento concentrado e dá àquela gente meios

de sobrevivência, por termos a maior indústria eletroeletrônica da América Latina ali

instalada.

Sr. Ministro, indústrias foram instaladas ali para substituir importações. Hoje,

as exportações superam 1 bilhão de dólares, o que nós, brasileiros, temos de

festejar. Mudamos a linha daquela Zona Franca. Mas me preocupa quando a ALCA

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discute modelos e medidas protecionistas e tarifas. Como chegar? O que será da

Zona Franca dentro da ALCA? Como ela poderá participar em termos de

desenvolvimento regional? Qual a preocupação do Brasil com a Amazônia e, acima

de tudo, com o meu Estado, o Amazonas? Lá, a atual distribuição de riquezas, a

manutenção do crescimento da participação de receitas federais cresceu de 12% em

toda a Amazônia Legal, para 58%, numa demonstração de que é por meio do

incentivo ao trabalho que se tem receita federal.

Como poderíamos manter a competição na ALCA, com o crescimento das

exportações verificado nos últimos 5 anos?

Sr. Presidente, essas as minhas preocupações relativas à minha cidade e ao

meu Estado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Com a palavra o

Embaixador Bahadian.

O SR. ADHEMAR BAHADIAN - Muito obrigado. Vou procurar ser o mais

objetivo possível.

Começarei respondendo pela ordem as perguntas a mim formuladas.

Volto à pergunta que infelizmente deixei sem resposta: relativamente à

interação do Governo com a sociedade, temos promovido contatos com a sociedade

civil de maneira freqüente, convidando NGOs, ONGs etc. Temos a SENALCA, que

quando se reúne no Itamaraty precisamos ir para o auditório, tal o número de

pessoas ali representadas para discutir de maneira muito franca e objetiva. Essa

interação existe. Porém, a pergunta do Deputado vai mais além e é perfeitamente

cabível. Há estudos esporádicos sendo feitos por organizações que começam a

trabalhar. Ficaria satisfeito se elas estivessem cada vez mais integradas nos

mecanismos governamentais de negociação, quer dizer, por meio das

confederações, das associações. Quanto mais estudos forem realizados, melhor,

inclusive setorialmente, como, por exemplo, sobre a exportação de calçados ou se,

com a ALCA, haverá impacto eventual na indústria química. Isso interessa muito a

todos nós. E esse caminho está sendo seguido ainda que de modo gradual.

O Deputado Lindberg fez várias considerações que, como S.Exa. mesmo

reconhece, estão um pouco fora do objeto da nossa conversa. Mas, não apenas em

atendimento a S.Exa., mas também a outros Deputados, por intermédio da Relatora

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e do Presidente, quero dizer que estarei sempre à disposição desta Comissão, a

qualquer momento e hora, para trocar idéias, enfim, para termos um

acompanhamento das negociações. Sinto-me muito tranqüilo com isso. Afinal, tenho

a vantagem de, pelo fato de ser co-Presidente, procurar falar o máximo possível com

todos os interlocutores.

Chamo a atenção para outro aspecto. Outro dia o Ministro Amorim, de

maneira até humorística, se quisermos ver por esse lado, disse que em comércio

não há monogamia. No comércio, a monogamia não é uma virtude. E temos

procurado exatamente multiplicar nossos acordos e contatos — quando digo “nós”,

refiro-me ao MERCOSUL —, buscando contatos com a União Européia e com a

comunidade andina.

Certamente, em sua viagem, o Presidente Lula irá atrás de outras aberturas

de mercado. De maneira que somos, sim, um globo trader. E vamos continuar

sendo. É uma ilusão imaginarmos que devemos nos circunscrever a apenas uma

área. Num País como o Brasil é um horizonte um pouco limitado. Os Estados Unidos

têm feito o mesmo, têm aberto um leque de negociações com todos os países

possíveis e imagináveis que apareçam dispostos a negociar. Só quero ver se

conseguirão chegar ao fim das negociações. Pelo menos estão começando a

negociar.

Em relação à Zona Franca, o Deputado tem razão quando diz que pode haver

impacto negativo, mas não estamos debatendo ainda esse tipo de problema. Ela,

porém, terá de entrar no debate, da mesma forma que os impactos da ALCA sobre

situações particulares, como economias menores, outras zonas francas etc.

Finalmente, faço um acordo com todos os senhores. O meu nome é

Bahadian. Cada um me chama de um jeito. Vamos chegar a um consenso single

undertaking: Bahadian, para ficarmos todos numa boa. (Risos.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Thomaz Nonô) - Para honrar a tradição

armênia, felicito a todos pelo que pudemos produzir nesta tarde. Em 2 horas e 20

minutos, para ser preciso, graças à sensibilidade e à cooperação efetiva dos Srs.

Parlamentares, conseguimos produzir reunião de enriquecimento recíproco.

O Embaixador Bahadian, sem dúvida alguma... (Risos.) Faço uma autocrítica:

errei no sotaque. Essa é uma deformação nordestina. Tenho dificuldades para dizer

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single undertaking, e o último armênio que conheci foi Charles Aznavour que cassou

Aznavourian para ficar apenas como Aznavour. Não vou chamar o Embaixador de

Baha, porque é uma intimidade que S.Exa. não me permite. (Risos.) Mas, se errei

na pronúncia, acertei no convidado. Tenho certeza absoluta de que esta Comissão

viveu dia extremamente positivo, sobretudo porque o nosso co-Presidente transmitiu

o que precisávamos. Primeiro, informação, dados substanciais.

A ALCA ainda é muito discutida e pouco conhecida. E, quando discutida, às

vezes, é muito mais pelo viés passional do que propriamente pelo viés que pode

produzir ganhos para a sociedade brasileira. Logo, tivemos informação e bem

transmitida. O Embaixador faz jus à reputação de dispor de excelente quadro o

nosso Ministério de Relações Exteriores, independentemente das orientações

governamentais e da alternância democrática salutar no processo.

O Brasil, desde o império, pode-se assim dizer, contou com o que havia de

melhor nos seus quadros. O Embaixador é bem uma figura que honra os quadros do

Itamaraty. Temos certeza, os Deputados e a sociedade brasileira, de que dispomos

do que há de melhor nessa negociação. Somente o processo, porém, dirá se vamos

ganhar ou perder.

Creio que uma das lições que estamos colhendo no começo dos nossos

debates é a de termos a absoluta clareza de que esse é um processo em evolução.

O NAFTA completará 10 anos de implementado e ainda tem produtos com barreiras

por mais de 5 anos — houve prazos de até 15 anos para adaptação às realidades

nacionais.

Por fim, dou meu testemunho de que S.Exa. foi o primeiro a se dispor a

conversar, ainda em Buenos Aires, porque essa reunião foi acertada em Miami, e a

data foi uma insistência do próprio Embaixador. Essa sua disposição de conversar,

aqui reiterada, apenas robustece a idéia clara. Pouco importa o que dizem os meios.

Eles não são a Bíblia, às vezes os meios de informação aqui e ali também são

contaminados pelo salutar vírus da paixão, do direcionamento do preconceito.

A afirmativa do nosso Embaixador é a de que está à disposição de todos, e

nós o traremos novamente. Essa é uma característica especial desta Comissão.

Esse é um processo e, como tal, teremos reuniões ainda, antes da reunião

ministerial que será no Brasil. Teremos reuniões em Puebla, no mês de fevereiro, na

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Cidade do Panamá e em Trinidad e Tobago, além de reuniões do CNC. Ou seja,

reuniões ainda em âmbito negocial, antes da reunião ministerial que vai secundar

Miami.

O Ministro Roberto Rodrigues afirmou na Comissão de Relações Exteriores

— disso me lembro bem, das outras coisas nem tanto — que agora, a rigor, a

expressão “o porco teve ambas as exposições, agora que a porca vai torcer o rabo”,

porque é agora que vão começar a se colocar especificamente as ofertas e, vamos

decodificar o que até agora está imerso no linguajar pomposo, propositalmente

pouco claro, das tratativas nessa fase.

Agradeço penhoradamente ao Embaixador Bahadian e aos membros da

Comissão que, sem dúvida alguma, conseguiram produzir tarde muito alvissareira,

não apenas para a ALCA, mas para a sociedade brasileira, que é, em última análise,

o objetivo de todas as nossas ações.

Convoco reunião para a próxima terça-feira, a fim de apreciarmos uma série

de requerimentos e debatermos sobre a reunião de Miami.

Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos da presente reunião da

Comissão Especial da ALCA.

Está encerrada a reunião.