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ABRIL 2007 Nº6 – ANO 4 PARA ACABAR COM O DESPERDÍCIO NOS GASTOS PÚBLICOS É FUNDAMENTAL A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE EXCLUSIVO: DELFIM NETTO E IVES GANDRA MARTINS DEBATEM O BRASIL INFORMAL FALTA DE ÉTICA NA ECONOMIA TRAVA O CRESCIMENTO DO PAÍS CARGA BUROCRÁTICA CRESCE E EMPRESAS GASTAM CADA VEZ MAIS PARA PAGAR IMPOSTOS Depende de todos nós

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ABRIL 2007 Nº6 – ANO 4

PARA ACABAR COM O DESPERDÍCIONOS GASTOS PÚBLICOS É FUNDAMENTALA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

EXCLUSIVO: DELFIMNETTO E IVES GANDRAMARTINS DEBATEMO BRASIL INFORMAL

FALTA DE ÉTICA NAECONOMIA TRAVA OCRESCIMENTO DO PAÍS

CARGA BUROCRÁTICACRESCE E EMPRESASGASTAM CADA VEZ MAISPARA PAGAR IMPOSTOS

Depende de todos nós

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ÍndiceÍndice

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04 Editorial

06 Luta de todosO crescimento econômico do país depende do esforço de toda a sociedade, incluindo o seu

12 Por um novo paísO deputado Delfim Netto (PMDB-SP) e o tributarista Ives Gandra Martins debatem soluções para a informalidade

20 O preço da burocraciaPropostas para aliviar os prejuízos da “carga burocrática”, o tempo gasto para pagar impostos

22 Em debateRicardo Melo vai buscar em Benjamin Franklin a origem das discussões sobre carga tributária

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32 ArtigoLeonardo Gadotti Filho analisa sua atuação no Conselho do ETCO

33 ArtigoVictório De Marchi revê as conquistas do ETCO

34 Lançamento editorialLivro do professor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva discute a ética econômica

36 SetoresUm balanço do ano e as perspectivas da luta contra a ilegalidade

42 ArtigoO consultor Marcos Mendes discute o aumento nos custos da Previdência

24 EntrevistaO economista Fabio Giambiagi abre espaço para o debate técnico sobre as mudanças nas regras da aposentadoria

28 OpiniãoPontos em comum entre a França do século 18 e o Brasil atual, na visão do jornalista e consultor Francisco Viana

30 PerfilUm alerta à sociedade do economista André Franco Montoro Filho, presidente executivo do ETCO

31 PerfilEx-ministro Marcílio M. Moreira,novo presidente do Conselho Consultivo do ETCO, e a luta pela ética no Brasil

Editorial

04 |

Presidente Executivo André Franco Montoro Filho

Diretoria Executiva Patricia Blanco

Conselho de AdministraçãoPresidente: Victório De Marchi

ConselheirosCesar SimiConstantino MendonçaHoche PulcherioLeocádio AntunesLeonardo GadottiLuca MantegazzaNelson MussoliniPaulo MacedoVasco Luce

Conselho ConsultivoPresidente: Dr. Marcílio Marques MoreiraDr. Aristides JunqueiraProf. Carlos Ivan Simonsen LealProf. Eduardo Giannetti da FonsecaDr. Everardo MacielDr. Hamilton Dias de SouzaSr. João Roberto Marinho

Associados ETCOAché, Ambev, Coca-Coca, Cristália, Eurofarma,Elma Chips, Farmasa, Interfarma, Kaiser/Femsa,Mantecorp, Medley, Pepsi-Cola, Philip Morris,Sindicom, Souza Cruz.

A falta de ética nos gastos públicos

É grande e estimulante o desafio de assumir a presidência do InstitutoBrasileiro de Ética Concorrencial – ETCO. É enorme a importância denossa missão nos dias atuais. Os problemas, sociais e econômicos, geradospela elevada informalidade e pela alta sonegação são difusos e, desse modo,não totalmente percebidos pela população. Mas eles existem, são graves eseus efeitos permeiam negativamente toda a atividade econômica pública ouprivada. O ambiente de negócios se deteriora pela concorrência predatóriados sonegadores, e assim os investimentos se retraem e as possibilidades decrescimento sadio e sustentado se reduzem. Ao mesmo tempo, o setor públi-co é afetado pela escassez de recursos e reage aumentando impostos e con-tribuições, o que diminui ainda mais as perspectivas de crescimento.

Como romper esse círculo vicioso?Há um consenso mundial de que a causa primária da informalidade e da

sonegação é a elevada carga tributária. Entretanto, reduções permanentes nacarga tributária só são viáveis com a diminuição dos gastos públicos. Em razãodessa relação, o ETCO encomendou ao especialista em finanças públicasRaul Velloso um estudo que indicasse as causas do forte crescimento dos gas-tos públicos no Brasil e apresentasse sugestões para conter sua expansão. Estaanálise é apresentada na matéria de capa da edição. (O texto completo doestudo está disponível no site www.etco.org.br.) O artigo de Francisco Viana,por sua vez, mostra que a prática de gastar muito e arrecadar pouco é umfenômeno recorrente na história do Brasil que remonta ao período colonial.

A mesma temática sobre as causas da informalidade está presente no de-bate entre o deputado Delfim Netto e o tributarista Ives Gandra Martins.Além da alta carga tributária e da legislação trabalhista, a alta carga buro-crática é apresentada como estimulador da informalidade. Ricardo Melodiscute a burocracia tributária defendendo uma simplificação das diversaslegislações sobre o assunto existentes no país. Os aspectos éticos da genera-lizada informalidade é tema central do livro de Marcos Fernandes Gonçalvesda Silva, professor da FGV, cuja resenha é apresentada nesta edição.

A legislação previdenciária brasileira, que tem gerado crescentes déficits,é objeto da entrevista com Fábio Giambiagi. Para o economista, a reformaprevidenciária é um evento inevitável que, quanto mais cedo ocorrer,menores serão seus custos para a sociedade. Marcos Mendes retoma essadiscussão argumentando que o controle dos gastos públicos e previdenciá-rios pode ter efeitos positivos sobre a distribuição de renda.

O controle dos gastos públicos deve ser considerado peça central para aretomada de nosso crescimento econômico. Como esperamos ter mostradonesta edição, essa tarefa é ampla e diversificada. É tarefa para todos nós.

André Franco Montoro FilhoPRESIDENTE EXECUTIVO

REVISTA ETCOEDITORA Andrea AssefSUBEDITOR Jorge Felix

CONSELHO EDITORIAL

André Franco Montoro Filho, Cesar Simi,Constantino Mendonça, Hoche Pulcherio,Leocádio Antunes, Leonardo Gadotti, Luca Mantegazza, Nelson Mussolini, Paulo Macedo, Vasco Luce e Victório De Marchi

PROJETO EDITORIAL

Andrea Assef (Letras & Lucros),

PROJETO GRÁFICO Letras & LucrosDIREÇÃO DE ARTE Betto Vaz

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

TEXTO Francisco Viana, Marcos Mendes e Ricardo MeloFOTO Biô Barreira ILUSTRAÇÃO Pepe Casals e Luisa BarreiraPRODUÇÃO Patrícia CortesREVISÃO Márcia Melo

CAPA: Pepe Casals

A revista ETCO é uma publicação da Letras & Lucros sob licença do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO

REDAÇÃO

Av. Faria Lima, 2631 conj. 604 - São Paulo - SPCEP 01452-000 - Fone: (11) 3813-8464

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O ESTUDO MOSTRAEFETIVA REDUÇÃO DOSGASTOS PÚBLICOS SE...1 O limite de idade

para aposentadoria,independentemente da condição do beneficiário, fosse fixado em 60 anos.

2 O componente deproporcionalidade do fatorprevidenciário fosse reduzido de 0,31 para 0,25.

3 Houvesse uma segregação entre benefícios previdenciários e benefícios assistenciais e, em relação a estes, o reajusteficasse limitado à reposição da inflação.

4 O limite de idade para percepçãode benefícios assistenciais fossefixado em 70 anos.

5 A concessão de benefíciosassistenciais, exceto para situações excepcionais, fosse limitada no tempo.

6 O crescimento real das despesascom pessoal, a qualquer título, fosse limitado a zero.

7 Fosse instituído um programaplurianual visando à eliminação dodéficit nominal do setor público.

8 As vinculações orçamentáriasfossem substituídas por programas sociais vinculados a metas.

9 Fossem ampliadas as concessões e permissões de serviços públicos,com marcos regulatórios bem definidos.

10 Fosse instituído um programanacional de eficiência e desburocratização daadministração pública.

Capa

abril de 200706 |

Aágua é o bem mais precioso dos nossostempos de aquecimento global. Deixaruma torneira pingando é quase um cri-me ecológico. Se for impossível resol-ver o problema de imediato, deve-se,

pelo menos, providenciar uma vasilha e colocá-laembaixo. O que ocorre com as contas públicas émais ou menos isso. O governo federal sempre dei-xou a torneira pingar, ou seja, além de muito gasto,há um desperdício imenso. Quando todos acredita-ram, diante dos discursos de exaltação da responsa-bilidade fiscal, que, no mínimo, o problema seriacontrolado, descobriu-se que o balde estava furado.Quem vê de longe pode até acreditar que a água se-rá aproveitada, mas ela continua indo para o ralo.

O resultado é previsível. Alguém paga pela águasem receber benefícios em contrapartida. Hojeem dia, com a conscientização ecológica, um vizi-nho chamaria a atenção do outro se visse o des-perdício. Cobraria dele uma solução ou até o aju-daria no conserto da torneira. No caso do governo,a carga tributária bateu em quase 40% do Produ-to Interno Bruto (PIB). Isso significa que a socie-dade está pagando a conta. É preciso “avisar” ogoverno e, se possível, contribuir para uma solu-ção. Foi essa a intenção do Instituto ETCO aoencomendar o estudo “Ajuste do gasto da Uniãoe retomada do crescimento econômico”.

Todo mundo pode ajudarO desafio do crescimento econômico do Brasil depende de uma carga tributária menor, que depende de redução da despesa do governo, que precisaevitar desperdícios, gastar melhor e oferecer serviços de qualidade– e isso depende muito de vocêPor Jorge Felix

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Capa

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O trabalho é assinado pelo economista RaulVelloso, um dos maiores especialistas brasilei-ros em gastos públicos. O grande diferencialdesse estudo é que, mais do que confirmar odiagnóstico da desarrumação das contas do go-verno ou fazer críticas, oferece soluções objeti-vas. Algumas podem ser de difícil aplicação, noentanto, tecnicamente indispensáveis para a re-tomada do crescimento econômico. Mas Vellosoalerta: “A sociedade tem de começar a cobrar dogoverno, pois sem ela não será possível realizarmudanças fundamentais”.

A primeira constatação de Velloso é consensoentre os economistas: o modelo adotado desde1995 de aumentar impostos para pagar crescen-tes gastos públicos está definitivamente esgotado.Se continuarmos nesse ritmo, o atual superávitprimário do governo central (Tesouro Nacional,Previdência e Banco Central) em 2014 pode setransformar em um déficit de 0,6% do PIB. Nessaperspectiva, o risco de repetirmos o crescimen-to médio anual de apenas 2% do PIB, comoocorre desde os anos 80, é grande.

Frente a essa ameaça, Velloso criou um cená-rio alternativo em que uma série de medidas decontrole do gasto seria adotada. Nesse caso, osuperávit primário do governo central, partindode 2,9% do PIB em 2005, seria crescente em to-do o período, chegando a 3,2% do PIB em 2014.Isso permitiria, segundo o economista, reduzir adívida pública de forma mais intensa, assim co-mo a carga tributária, e retomar investimentosem infra-estrutura. “Seria um círculo virtuosode crescimento econômico com ajuste fiscal eredução do peso do Estado sobre a economia”,afirma Velloso.

O economista relacionou nove medidas básicaspara a redução dos gastos públicos (veja quadro napágina anterior). Algumas mais dolorosas e quasetodas impopulares, como deixar o salário mínimosem reajuste real. Velloso elencou algumas medi-das fundamentais que exigem uma reforma previ-denciária e aposta ainda em medidas para instituirmecanismos constitucionais que limitem o teto dedespesas – o que resultaria em frear as contrata-ções de pessoal (civil e militar), por exemplo.

Segundo o estudo, sem a adoção de medidascomo essas, o país continuará convivendo como fantasma da crise fiscal. Pior: com crescimen-to muito lento, impossível de atender às deman-das provocadas pelo aumento demográfico e,conseqüentemente, gerando desemprego. “Pre-cisamos fazer essa mudança de rumo da políticafiscal, substituir a busca do superávit por meio dereceita pelo método de corte de despesa. Assimse faria ajuste fiscal com a economia crescendoem ritmo mais intenso, o que certamente é maisfácil e menos doloroso”, afirma Velloso.

A maioria dos economistas acredita que o go-verno continuará a buscar o superávit com ele-vação da receita. Este ano a carga tributária, po-de, sim, aumentar ainda mais. Não da formaclássica, com elevação de tarifas ou criação denovos impostos ou tributos. Mas com a chama-da “inteligência na arrecadação”.

O ex-ministro Maílson da Nóbrega, emboraressalte que há um cansaço evidente na socie-dade em relação a medidas que signifiquem au-mento de impostos, concorda que a nova formade ampliação da receita pode, no fim, resultarem mais carga tributária. “Na esteira da criaçãoda nota fiscal eletrônica, podem elevar a receita

PROJEÇÃO DO RESULTADO PRIMÁRIOConsiderando os cenários com e sem ajuste no gasto corrente (em % do PIB)

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Com ajuste (PIB = 4% a.a.) Sem ajuste (PIB = 2,2% a.a.)3,53,02,52,01,51,00,5

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sem ter havido aumento de alíquotas de tributos”,afirma. O professor da PUC-RJ Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central, vê espaço para au-mento de arrecadação por meio de um esforçoda Receita Federal. “A conseqüência será umcrescimento medíocre do PIB”, afirma.

“Sem cortar gastos e enfrentar esses proble-mas, sobretudo na Previdência, com questõescomo o aumento dos pedidos de auxílio-doença,por exemplo, o governo certamente vai optar porbuscar mais receita”, concorda também o eco-nomista Eduardo Giannetti da Fonseca. Para o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, aimplementação de medidas de contenção de gas-tos implica um ingente esforço de convencimen-to político. “As resistências às mudanças serãofortes, pelo fraco grau de vinculação entre gastoe beneficiário. Serão ainda maiores se não hou-ver um imenso trabalho de esclarecimento pú-blico”, analisa o consultor tributário.

Em 2006, a arrecadação de impostos federaissubiu 4,5%, quase o dobro do que é esperadopara o crescimento do PIB. O ex-ministro Del-fim Netto, porém, lembra que o espaço para essafúria arrecadatória está claramente esgotado.Ele cita como a melhor demonstração dessa re-sistência a Medida Provisória 232, que cobrariamais impostos das empresas prestadoras de ser-viços e profissionais liberais e foi rejeitada peloCongresso Nacional. “A sociedade não aceitamais”, afirma Delfim.

E é aí que está o grande fator da mudança. Éo vizinho dizer que aquela água desperdiçada,por incrível que pareça, causa um prejuízo eco-lógico a todos. “É preciso mais do que apenascriticar o ente imaginário governo ou reivindi-car mais verbas a todo problema que surge. Épreciso participar no processo de melhoria daqualidade dos gastos públicos como um clienteque exige eficiência e qualidade diretamentedos prestadores de serviços. É preciso estimularessa grande mudança cultural”, defende o novopresidente do ETCO, o economista André Fran-co Montoro Filho, ex-secretário de Planejamen-to do Estado de São Paulo.

Ele reitera a importância da participação dasociedade na cobrança por mudanças na gestãodas contas públicas e por uma aplicação maiseficiente dos recursos originados dos tributospagos pelo contribuinte. “O problema é a inefi-ciência do setor público, daria para fazer maiscom menos gente, com menos recursos e, natu-

ralmente, com menos impostos e mais desen-volvimento”, afirma. Montoro lembra que asmelhores escolas públicas estão nos bairros declasse média, onde a população tem maior par-ticipação na cobrança da qualidade. Na perife-ria, onde os pais têm em média menor grau deinstrução, as escolas são piores.

É fundamental a população assumir esse papelde fiscalizar porque é impossível o presidente, ogovernador, o ministro ou o secretário consegui-rem acompanhar a prestação de serviços na pon-ta, ou seja, nos postos de saúde, repartições ou es-colas. O contribuinte é quem está diante do fun-cionário público no dia-a-dia. É ele quem pode co-brar pela eficiência e boa prestação de serviço pú-blico. Montoro faz um paralelo com o Código deDefesa do Consumidor, que contribui para a me-lhora dos serviços privados e dos produtos. “Oconsumidor vai e reclama, pois é ele quem paga, afiscalização é descentralizada”, analisa.

De acordo com Montoro, existem amarras nosetor público que prejudicam a gestão, como ofato de haver poucos instrumentos para incenti-var a produtividade do funcionalismo e dos or-ganismos públicos, algo habitual no setor priva-do. Para o presidente do ETCO, toda a socieda-de civil deveria participar dessa fiscalização daaplicação dos recursos do governo. “Imagine sesindicatos ou a Igreja Católica, com a capilari-dade que têm em todo o país, pudessem verifi-car a eficiência do trabalho nas escolas, nos hos-pitais, nas repartições públicas? E depois exigirqualidade dos serviços. Isso promoveria umaverdadeira revolução na administração pública.”Infelizmente, por enquanto, o país ouve apenaso som da água pingando.

SUPERÁVIT PRIMÁRIO(% do PIB)

2003 4,25%

2004 4,59%

2005 4,83%

20061 4,32%

1 Pela primeira vez o governo precisou abater osgastos com o Projeto Piloto de Investimentos(PPI), dispositivo contábil permitido pela Lei de Di-retrizes Orçamentárias (LDO). Se não descontasseesse percentual, de 0,14% do PIB, o superávit fi-caria abaixo da meta.

FONTE: BANCO CENTRAL

Capa

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Quais as causas dainformalidade e a melhor formade combatê-la? Esse foi o temado debate promovido pelarevista ETCO entre o ex-deputadoDelfim Netto (PMDB-SP) e otributarista Ives Gandra Martins.A alta carga tributária éapontada pelos dois comoa grande culpada. O primeiropropõe a reforma trabalhistacomo passo inicial paraa solução do problema e osegundo critica a chamada cargaburocrática. Ambos defendema criação do Imposto sobre ValorAgregado (IVA) nacional e maioreficiência do Estado para reduziros gastos públicosPor Andrea Assef e Jorge Felix

Um fim para o Brasil informal

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BARREI

RA Ives Gandra eDelfimna sede

do ETCO: os dois concordamque a reforma tributária emdiscussão noCongresso podepiorar a situação egerarmaislitígios e informalidade

Debate

03 DEBATE:03 DEBATE 12.09.07 10:22 Page 12

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Quem tem de pagar é o Imposto de Renda das pes-soas jurídicas, que é o mais correto, e desonerar otrabalho para torná-lo mais apetitoso para a empre-sa. De outro lado, criar algumas condições para aempresa voltar para a formalidade. Se você conse-guir que metade desse pessoal que está na informa-lidade, em dois ou três anos, venha para a formalida-de, resolve o problema da Previdência Social. Esse éo maior desequilíbrio do Brasil. Se você olhar para aeducação, por exemplo. O Brasil não gasta menosdo que os outros países. O Brasil não tem é eficiên-cia. No teste do Pisa para países que gastam como oBrasil, 4,5%do PIB, com educação, o nosso resulta-do é indecente. A média dá 500 e a nossa avaliaçãochega nos 270, mais ou menos. Ou seja, não preci-sa aumentar o gasto, mas a eficiência. Precisa que odiretor da escola tenha melhor eficiência, o profes-sor tenha uma formação melhor, dê um pouquinho

é muito alta, os tributos são muito mal constituí-dos. Na verdade, nós escapamos de uma dificul-dade inventando a contribuição. O governo fede-ral, durante a Constituinte, foi depenado, reencon-trou-se o caminho por meio de contribuições quesão tributos péssimos, defeituosos. Mas, para mim,a maior informalidade é a do mercado de trabalho.Uma empresa no Brasil hoje varia entre zero e100% do cumprimento de suas obrigações fiscais.Na verdade, pensando bem, 100% não acreditoque tenha ninguém. Vamos ficar em 95%. Tem umgrande número delas no nível zero mesmo. Issoacontece em todos os setores. Se estabelece um ti-po de competição desleal de um lado e prejudicialde outro. Por quê? Porque, quanto mais informal,menos produtiva. Hoje metade dos brasileiros estána informalidade. Esses vivem de uma forma oude outra na expectativa de que aos 65 anos vão re-quisitar a aposentadoria e a coisa vai ficar por issomesmo. Essa informalidade existe por causa dacarga tributária. Eu pago o salário de 1 e gasto 2.Precisamos começar pela reforma trabalhista, quedeveria ser a primeira a ser feita para o Brasil vol-tar a crescer. É preciso reformar o mercado de tra-balho, reduzir a carga sobre o salário. Como?

“O governo, durante a Constituinte, foi depenado, reencontrou-se o caminho por meio de contribuições que são tributos péssimos, defeituosos”

Debate

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Ives – A informalidade em grande parte é decorren-te da elevadíssima carga tributária no Brasil. Se nósanalisarmos a carga tributária, vamos ver que ofi-cialmente é de 37,5%, mas está em 40%. Isso por-que nos dados oficiais não aparecem as penalida-des, que são elevadíssimas, e todos os autos de in-fração. Se lermos o Código Tributário Nacional noartigo 113, vamos ver que o conceito de obrigaçãotributária é constituído de tributo mais penalidade.Então, o governo deveria considerar multas tam-bém, porque elevaria a 40%. Mas o dado que meparece mais importante é que, com a alta carga tri-butária, há uma chamada economia de sobrevivên-cia formada por aqueles que não podem pagar –porque, se tivessem de pagar todos os tributos, nãosobreviveriam – e entram na informalidade. É umaeconomia, portanto, de sonegação. Se analisarmosos dados oficiais, me baseio no próprio governo,

que é uma informalidade em torno de 40% do PIB,estaríamos com uma carga legal, já que o PIB é ra-zoavelmente bem aferido, superior a 50% – ou seja,a carga que se arrecada nas três esferas da Federa-ção e mais aquilo que está no papel e não se arreca-da em função da informalidade.

Delfim – Eu acho que não há nenhuma dúvidaem relação a esse tipo de diagnóstico. Se você con-siderar o nível de renda no Brasil, per capita, algoparecido com US$ 3 mil, US$ 4 mil, a carga tri-butária normal seria de 25% do PIB. Se considerarhoje uns 3% do déficit nominal, temos uma cargaem torno de 40%. É a carga dos que pagam. O queprova que você não pode cobrar de quem não po-de pagar. O governo se apropria de uma monta-nha de recursos. As pessoas têm uma idéia muitoequivocada sobre o Brasil em relação à poupança,de que o país poupa pouco. É só olhar o seguinte:tem 40% do PIB na mão do governo, que não pou-pa nada, 60% do PIB na mão do setor privado. OBrasil poupa 20%, logo o setor privado poupa 33%.É uma cavalar poupança com uma eficiência mui-to pequena devido às dificuldades do mecanismode tributação. Não é apenas a carga tributária que

“Há uma economia de sobrevivênciaformada por aqueles que não podem

pagar, porque se tivessem de pagar todos os tributos não sobreviveriam”

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há 10, 12 anos, enquanto eu continuo trabalhandoaos 71 anos? Essa situação leva a sociedade à infor-malidade. Em resumo, ficamos com um sistema tri-butário ruim, uma previdência deficitária e umaeducação sem qualidade. Não há como crescer as-sim. A informalidade é a conseqüência natural doexcesso de regulamentação na área trabalhista, daqual os tribunais não abrem mão. A flexibilização,essa negociação que você defendeu e com a qual euconcordo, seria o grande caminho.

Delfim – Nós temos 27 legislações. A primeira coi-sa é que tem de fazer um IVA nacional e tem de irpara o destino, e não na origem. O que aconteceué que o federalismo não foi inventado pelo RuiBarbosa, mas pelas capitanias hereditárias. Todasas encrencas nacionais são problemas tributários.Todas as brigas da Regência eram isso. Eu melembro das tentativas de centralização. Muitostentaram fazer um país único, não conseguiram,veio a República, veio Getúlio Vargas, viemos nós,ficamos 20 anos, não conseguimos também. Aprimeira medida tão logo terminado ou reduzido opoder autoritário foi a emenda Passos Porto, quedistribuiu tudo de volta.

Ives – Exatamente, emenda 23.

Delfim – Nós somos um país federal e temos de terum regime tributário de um país federal. Precisa-mos de um IVA federal, com cobrança no destinomesmo. É uma questão de lógica. O velho Costa e

Silva (de quem foi ministro da Fazenda) me diziaisso: todo mundo paga imposto na vã esperança deque nós vamos devolver alguma coisa (risos). O ca-so do Brasil é escandaloso. O Brasil não é a Belín-dia: São Paulo é a Bélgica e Pernambuco é a Índia.Não. O Brasil é a Ingana. Os impostos são iguaisaos da Inglaterra e os serviços são como os de Ga-na (risos). E tem outro problema em relação à Pre-vidência. Temos de distinguir o setor privado do se-tor público. No setor público as coisas são muitopiores e mais graves. Sobre a Justiça do Trabalho,tenho sérias dúvidas de sua utilidade. Agora houveuma pequena redução do seu papel. Mas a Justiçado Trabalho tinha assumido o papel do próprioCongresso, no exagero de sua interpretação. Estoucom grande esperança hoje de que estamos no ca-minho dessa flexibilização depois do que aconte-ceu no caso da Volkswagen. A minha caricaturadesse caso foi a seguinte: primeiro o José Feijóo(presidente da Central Única dos Trabalhadores,CUT) pensou que, como o companheiro estava láem cima, podia endurecer na negociação (contra ademissão de 3.600 empregados, em agosto). Depoisteve o apoio do ministro do Trabalho (Luiz Mari-nho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos

“O velho Costa e Silva dizia: todo mundo pagaimposto na vã esperança de que nós vamosdevolver algo. O Brasil é a Ingana. Os impostossão da Inglaterra e os serviços de Gana”

Debate

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mais de aula. Na saúde também não há nenhumadiferença entre o Brasil e países similares. Estamosgastando algo como 7%do PIB com saúde. É o nor-mal. Mas, de novo, a eficiência é indecente. Aqui ocaso é muito mais grave. Se você pegar o número demortos em primeiro ano de vida, é escandaloso. On-de existe um problema real de gasto é nas aposenta-dorias e pensões. A regra é mais ou menos a seguin-te: para cada 1% de pessoas com mais de 65 anos,você gasta 1% do PIB com Previdência. É assim naAlemanha, com 12%, nos Estados Unidos, com14%, enfim, uma regra bastante razoável. No Brasil,temos 7% da população com mais de 65 anos e gas-tamos 14%. Estamos cuidando mais dos velhinhosdo que das crianças. Como de costume, o Brasilsempre cuidou mais do passado do que do futuro. Éóbvio que isso não pode ser resolvido cortando di-reitos. Mas, voltando rapidamente à reforma domercado de trabalho, também não se pode imagi-nar que vamos cortar direitos. Esses direitos foramconquistados nos últimos 250 anos, em uma bata-lha feroz. O que é preciso? Desonerar e estabelecerregras de negociação desses direitos. Ninguém vaitomar o mês de férias, mas permitir que se negociemessas férias com a empresa de forma que calibre os

efeitos sazonais, nem o 13º salário, mas permitir quea empresa possa pagá-lo em quatro vezes. Acho ra-zoável. Essa reforma é a de menor resistência.

Ives – Tudo isso tem minha concordância absoluta.Quanto à distribuição dos tributos, quero dar umexemplo. Na União Européia são 25 países, o Im-posto de Valor Agregado é o mesmo regime jurídicoem relações internacionais. Ou seja, o IVA regula acirculação de bens e serviços de todos esses países.No Brasil, temos o IPI, o ICMS, o ISS, a Cofins, oPIS, a Cide e a CPMF, que, indiretamente, está in-cidindo sobre a circulação de mercadorias e servi-ços. Pelo lado dos encargos trabalhistas, segundo oprofessor José Pastore, chega a 122%. Cada um quecontrata formalmente um empregado está pagandooutro de encargos sociais, o que não existe em ne-nhum outro país. Também segundo o professor Pas-tore, a Argentina é o que chega mais perto, com66%. Sobre a Previdência, a verdade é que se deve-ria criar um regime novo. O fator previdenciário foium avanço, mas insuficiente. Sobre educação, citoum país que me impressiona muito e fez seu inves-timento em relação ao PIB muito superior ao Brasildesde a década de 1960. É a Coréia do Sul. Outrodia, em palestra com o ministro da Educação, Fer-nando Haddad, ele disse que o investimento real emeducação é de 4% do PIB. Falam muitas vezes nos18%, mas o que existe de desvio para suportes deeducação, não atingindo a qualidade, é enorme.Portanto, não há sustentação assim para o cresci-mento. Quantos alunos meus já estão aposentados

“Quantos alunos meus já estão aposentados há 10, 12 anos, enquanto eu

continuo trabalhando aos 71 anos? Essasituação leva a sociedade à informalidade”

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manter oposição dramática, suspeito. Podem fa-zer contra a pessoa física, contra as patifarias queaconteceram. Ninguém pode defender a corrup-ção. Tem de apurar com o Ministério Público e aJustiça. Mas há um programa nacional a ser exe-cutado. Não vejo nenhum desses partidos comobjeção porque era o programa deles.

Ives – Agora o presidente ou passa para a históriaou vira apenas uma referência bibliográfica.

Delfim – Eu acho que ele vai escolher a primeira.Porque a intuição do Lula é uma coisa espantosa.A inteligência dele é surpreendente. Estou con-vencido de que se o Lula tivesse feito universida-de estaria perdido, estaria condicionado a umaporção de lógicas duvidosas, de forma que temuma vantagem. O Lula tem outra vantagem: nun-

Delfim – Ele sabe que salário de 20 e despesa de19 é uma possibilidade de felicidade. Mas saláriode 19 e despesa de 20 é desgraça segura.

Ives – Mas para isso ele vai ter de começar a com-bater essa flexibilização da Lei de Responsabilida-de Fiscal.

Delfim – Mas na minha opinião isso não passa.Esse foi o instrumento que educou estados e muni-cípios. Ainda existem hoje três ou quatro municípiosque estão fora, São Paulo, Porto Alegre, mas hoje90% dos municípios estão dentro desse controle. OMinistério Público está aprendendo a controlar.

Ives – Eu concordo. Só para concluir, podemosafirmar que, enquanto os governos não começa-rem a lancetar a alta carga burocrática, dificilmen-te se poderá melhorar a carga tributária, e ela é aculpada pela informalidade. O desafio é diminuiro tamanho do Estado e fazê-lo eficiente.

Delfim – A informalidade é uma tragédia porqueestá na base da corrupção. Não há informalidadesem a conivência da administração pública.

ca conheceu um tal de Karl Marx e nunca subiunuma escada escura de uma célula do Partido Co-munista. O Lula é um católico fervoroso. Eu jádisse isso para você. Você disse que tem suas dú-vidas, mas ele é um animal perigosíssimo.

Ives – Estou convencido que na vinda do papa aoBrasil vai haver umas surpresas muito interessan-tes para todos os católicos.

Delfim – É provável. O Lula é o único políticoque, quando fala em pobre, sente. É o sentimen-to mais forte do cristianismo, que é a caridade.Então, não vejo nenhuma razão para ele fazerconcessão. Dizer, de repente, não vou mais obede-cer o equilíbrio fiscal…

Ives – Arrebenta o país.

“A informalidade é uma tragédia porque está na base da corrupção. Não há informalidade sem a conivência da administração pública”

Debate

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do ABC), raciocinou do mesmo modo. Quandochegou lá em cima, o companheiro disse: “Você sa-be que a Volkswagen não é uma instituição de cari-dade, nem uma ONG sustentada pelo Tesouro, deforma que vocês não estão brigando por 3.600 em-pregos na Volkswagen, vocês estão brigando por 15mil empregos contra 3.600. Se vocês não negocia-rem, simplesmente ela vai embora. Vão lá e nego-ciem”. E foi o que aconteceu. Por que esse fato as-sumiu um caráter quase escandaloso? Porque vocêtem um nível de emprego muito baixo.

Ives – Nós analisamos o IVA com todos os paísesemergentes e desenvolvidos. Os países que o adota-ram – com exceção dos Estados Unidos, que temum sistema completamente diferente – têm cen-tralizado, mesmo as federações, como Argentinaou Alemanha, por exemplo. O Brasil foi o único quecriou regionalizado um tributo de vocação nacio-nal. Por isso temos problema até hoje. Essa reformaque está no Congresso Nacional não vai solucionarnada. Essa reforma só vai complicar mais.

Delfim – Vocês, advogados, vão agradecer. Vão ga-nhar mais do que estão ganhando (risos).

Delfim – O que vai acontecer? Hoje é tudo móvel.A teoria do comércio internacional era apoiadaem fatores fixos e as mercadorias é que circula-vam. Hoje são os fatores que circulam. É o que ex-plica o sucesso da China. Nós não estamos enten-dendo nada. Aliás, a América Latina inteira.

Ives – É o caso da Índia. Isso a que o ThomasFriedman(autor do livroO Mundo É Plano) faz men-ção, a terceira onda da globalização. Dirige-se umaempresa nos Estados Unidos a partir da Índia porquelá o valor da mão-de-obra é cinco vezes menor.

Delfim – Não há razão nenhuma para não acredi-tar que não se possa formar no Congresso umamassa crítica de pessoas capazes de apoiar essesprojetos fundamentais. Quando ouço falar que oPSDB vai exercer uma fiscalização, o PFL vai

Ives – Claro. Agora, o Brasil precisa resolver é acarga burocrática. Com a reforma que está noCongresso, os advogados vão ter muito trabalho.É a primeira vez que o sistema tributário brasilei-ro vai colocar o regulamento dentro da Consti-tuição. Não é uma lei. É um regulamento. Va-mos ter para o ICMS mais artigos do que paratodo o sistema tributário. Vamos regular tudo,até a alíquota. É irracional.

Delfim – Não é isso. É porque você só leva amadorpara Brasília. Este é que é o problema. Eles ficamdiscutindo entre si.

Ives – É uma carga tributária privada que deveriaser calculada dentro da carga tributária oficial,porque muito dessa carga deveria ser um trabalhofeito pela administração pública.

“Em resumo, ficamos com um sistema tributário ruim, uma previdência

deficitária e uma educação sem qualidade. Não há como crescer assim”

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co, do controle de administração para vo-cê simplesmente satisfazer as condiçõesfinanceiras e tributárias. Esse custo, semdúvida, teria de ser acrescentado à cargatributária. Não aparece porque é regis-trado como despesa da empresa. Mas écarga tributária”, afirma Delfim.

COMPETITIVIDADEA carga burocrática é um entrave ao

desenvolvimento tão poderoso quantoa tributária. A carga tributária média,da União Européia, tem caído todos osanos. A Suécia está com 52% de cargatributária. A média é de 38%. A Ale-manha tem mais, outros menos. “Oque preocupa? Eles estão preocupadoscom o avanço, desde 2004, dos dezpaíses da União Européia. Porque amédia de encargos trabalhistas, previ-

denciários, tributários desses dez paí-ses é menor do que os 15 países repre-sentados”, explica Gandra Martins.“Sendo menor, na medida em que elesvão adquirindo infra-estrutura sufi-ciente para dar suporte, as empresassaem porque eles têm o mesmo regimede livre trânsito de mercadorias e servi-ços. Nós estamos ficando de fora dissotudo porque a carga burocrática éimensamente maior do que a dos ou-tros países emergentes”, conclui.

Os especialistas acreditam que essa si-tuação dificilmente mudaria sem umapressão sobre os burocratas do governo.Cada uma dessas exigências tributárias– e também administrativas – tem umnúmero de funcionários na máquina pú-blica. Segundo Gandra Martins, muitasvezes é preferível eliminar funções. “O

sujeito vai para casa e não é substituído,simplifica-se. É o que o Alvin Tofler cha-ma de os integradores do poder, que sãomuito mais fortes que os políticos”, criti-ca. Delfim Netto lembra que, de cadaoito medidas aprovadas no Congresso,sete são feitas por medidas provisórias.“Quem faz as medidas provisórias? É oburocrata que está escondido lá embai-xo, que tem na sua gaveta algumas idéiasantigas que não obtiveram sucesso.Quando a medida provisória passa porele, ele inclui aquela idéia e, como nin-guém lê, aquilo acaba saindo. Na verda-de, o Estado é dirigido por esses buro-cratas que estão lá há muitos anos e queassustam os ministros. Dizem: ‘Não assi-na isso que você vai preso’. O que é ne-cessário é descobrir qual o tamanho doEstado que você precisa”, sugere.

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Economia

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Especialistas defendem ainclusão do tempo gastopara pagar imposto noBrasil, que pode chegar a2.600 horas de trabalhopor ano, no cálculo dacarga tributária

Carga burocrática

Pelos números oficiais, a car-ga tributária no Brasil é de37,37% do Produto InternoBruto (PIB). No entanto,devido a um sistema tributá-

rio caótico, com 55 decisões diárias comalterações nos procedimentos de arre-cadação, as empresas são obrigadas amanter um staff de empregados e ad-quirir softwares cada vez mais sofistica-dos e caros para cumprir as exigênciasda legislação tributária. O advogado IvesGandra Martins denominou essa tribu-tação invisível de “carga burocrática” edefende a inclusão desse gasto no cál-culo da carga tributária oficial. “Quan-do o governo diz: ‘Eu quero o controledos seus tributos através dos livros e vo-cê tem de fazer para mim’, é como se aempresa estivesse trabalhando para ogoverno a custo zero”, afirma.

Um estudo da PricewaterhouseCoo-pers para o Banco Mundial fez um diag-nóstico da carga burocrática. A pesquisa,com 140 países, concluiu que o Brasil éonde se leva mais tempo para uma em-presa cumprir suas obrigações tributá-rias. São 2.600 horas por ano, contra amédia de 332 horas, sendo que a Suíçadedica apenas 68 horas. A metodologiada pesquisa é simples: quanto tempouma empresa com determinado núme-ro de funcionários gasta para pagar seusimpostos de acordo com a legislação vi-gente e a burocracia de cada país. Segun-do a PricewaterhouseCoopers, a cargaburocrática está desvinculada do tama-nho da carga tributária.

“Alguns países podem ter uma cargatributária até maior que a do Brasil e de-

dicar menos tempo para suas obriga-ções”, afirma Carlos Iacia, sócio do TaxBrasil, divisão tributária da Price. Embo-ra, no caso brasileiro, tenha sido verifica-do um peso razoável da carga tributáriana burocrática. Com 27 legislações deICMS, as exigências são infindáveis.“Ninguém pode dizer que conhece essalegislação, se disser, ou é gênio, ou émentiroso”, afirma Gandra Martins. “Te-mos mais obrigações acessórias do queoutros países”, destaca Iacia, que apontaesse quadro como entrave para o investi-dor externo e o empreendedor brasileiro.

Nos últimos 24 meses, a carga buro-crática passou a pesar mais ainda no de-sempenho das empresas. O maior moti-vo é a onda de IPOs (abertura de capital).Para terem maior valorização das ações,as empresas devem cumprir as exigên-cias de governança corporativa do NovoMercado da Bovespa. Uma das princi-pais é o compliance, ou seja, o paga-mento rigoroso dos impostos. Ou seja,quanto mais interessada em pagar im-postos estiver a empresa, maior é suacarga burocrática. Segundo a Price, aquantidade de relatórios de informaçõesexigidas pelo fisco brasileiro levou as em-presas a um nível de tecnologia da infor-mação altíssimo, diga-se de passagem,sem nenhum impacto na melhora daprodutividade da atividade-fim.

O ex-deputado Delfim Netto(PMD-SP)calcula que só as maiores empresas bra-sileiras pagam de 2% a 3% do PIB decarga burocrática. “Quando fizemos amudança do PIS-Cofins, na época pedi atrês ou quatro empresas grandes que medessem o custo do departamento jurídi-

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OETCO surgiu da necessidade das empresasde encontrar caminhos para conter a infor-malidade no Brasil. Essa necessidade setornou imperiosa, no final da década de 80.Por volta de 1991, um grupo de empresas

(Ipiranga, Souza Cruz, Ambev e Coca-Cola) apresentouàs autoridades governamentais um estudo sobre as esti-mativas setoriais da informalidade, constatando que33% dos cigarros vendidos no Brasil eram contrabandea-dos. A sonegação nos refrigerantes passava de 30%. Nú-meros semelhantes foram indicados pelos setores decervejas e combustíveis. Esse estudo demonstrou tam-bém a rápida progressão da participação da informalida-de. Nos cigarros, por exemplo, em uma década o contra-bando passou de 7% para 33%. Esse quadro começou apreocupar não apenas os empresários e o governo, mastoda a sociedade. As empresas deixaram, então, de atuarisoladamente e passaram a agir como uma instituiçãoorganizada, usando consultorias e pesquisas mais apro-fundadas. O objetivo era um só: alertar as autoridadespara o problema, sob pena de em alguns anos o merca-do informal se sobrepor ao formal. Assim foi fundado oETCO, com a missão de atuar na defesa de um merca-do concorrencial justo.

Tivemos vários avanços desde a criação do ETCO, em2001. Os medidores de vazão nas linhas de produção, porexemplo, têm demonstrado sua eficácia no controle daarrecadação de cervejas e refrigerantes. Sabemos que ogoverno não pode controlar a arrecadação via emissão dedocumentos fiscais. Imagine que só o setor de cervejas erefrigerantes emite cerca de 85 milhões de notas fiscaispor ano no Brasil. Seria necessário um exército de pes-soas para controlar essa quantidade de documentos fis-cais. Daí a importância de usar a tecnologia de informa-ção e o serviço de inteligência como instrumento de con-trole da arrecadação. Os medidores, por ora implantadosno âmbito federal, são o melhor exemplo. Prova disso éque a arrecadação no setor de cervejas cresceu 15% em2005, enquanto o mercado desse segmento cresceu 6%.Nosso trabalho, que exige persistência, é fazer com queesses medidores sejam igualmente utilizados por todos osgovernos estaduais, em convênio com a Receita Federal,

para que sua eficácia atinja também os tributos perten-centes às esferas estaduais. Outro ponto importante (emfase adiantada de estudo) é a construção de um Índice daEconomia Informal, que está sendo desenvolvido pelaFundação Getulio Vargas e que já funciona em países co-mo Alemanha e França.

Outra promessa para 2007 é a reforma tributária, quedeve movimentar o país em torno desse debate. Notíciasda grande imprensa dão conta que o Congresso está dis-posto a analisar a redução das alíquotas para o ICMS.Para se ter uma idéia, atualmente há 47 alíquotas deICMS no país – modelo que torna muito difícil o contro-le da arrecadação e se transforma em ponte para a sone-gação. Nessa reforma, o governo federal pretende reduzira um máximo de cinco alíquotas, meta que se implemen-tada se constituirá em um grande avanço para o setor pro-dutivo. Há que se disciplinar, também, a alíquota doICMS nas transferências estaduais, ponto vulnerável nocontrole da arrecadação.

O importante a ressaltar é que a atuação do ETCO estábem assimilada pela iniciativa privada, assim como pelosórgãos governamentais. Hoje, todas as esferas da econo-mia, de empresários a governo, estão conscientes de quea alta carga tributária é um dos principais incentivadoresda informalidade. Com a carga tributária atual, o empre-sário que está na informalidade corre riscos porque, nasua visão, o risco vale a pena. Porém, nós temos cons-ciência de que não se pode simplesmente reduzir osimpostos. É preciso cortar despesas, reduzir o déficit fis-cal nominal, fazer, enfim, o ajuste fiscal, e isso nas trêsesferas governamentais, para que essa queda nos tributosocorra naturalmente e seja perene. Infelizmente, nãopodemos dizer que o empresário formal já encontra umambiente justo no país. O governo ainda não tem meca-nismos suficientes para coibir a informalidade. Por isso,o trabalho do ETCO tem de ser permanente no sentidode subsidiar as autoridades com estudos técnicos e pro-postas para que o combate à informalidade ocorra de for-ma efetiva e constante. Essa é a nossa missão.

* Victório De Marchi é co-presidente da Ambev e presidente do Conselho de Administração do ETCO

Um trabalho permanenteArtigo

Victório De Marchi*

“O governo ainda não dispõe de mecanismos para o combate eficaz da informalidade. Por isso, o trabalho do ETCO, na defesa

de um mercado concorrencial justo, tem de ser permanente”

Artigo

Leonardo Gadotti Filho*

No caminho do resgate dos valores éticos, quanto mais vitórias alcançadas, mais batalhas surgirão

Construindo uma base sólida

Pouco mais de dois anos atrás, quando suce-di a Milton Cabral à frente do Conselho deAdministração do Instituto ETCO, eu diziaque a entidade chegava a 2005 com um res-peitável conjunto de realizações. Felizmen-

te, graças a um trabalho de equipe irreparável, possodizer o mesmo neste momento em que passo o bastãopara as mãos competentes de Victório De Marchi, queconduzirá nosso Conselho no próximo biênio.

A razão de ser do Instituto ETCO é a criação de umambiente de mercado livre das práticas desleais e lesi-vas à competição sadia. Isso significa uma frente de ba-talha que vai da sonegação de impostos à adulteraçãode produtos. Nossa agenda é repleta de tópicos em quea função regulatória dos poderes públicos interage coma função socioeconômica das empresas.

Nesse sentido, foi uma grande vitória a chegada do se-tor de fármacos, que nos fortalece com dezenas de em-presas associadas, que respondem por 70% do mercado etrazem mais know-how e dinamismo às atividades do Ins-tituto. Pesquisa feita pela consultoria McKinsey, para oETCO, mostra que a informalidade nesse setor represen-ta perdas anuais para o Brasil de R$ 2 bilhões. Por isso,o ETCO vem trabalhando junto com o setor, dando su-porte a ações referentes ao Programa Nacional de Ras-treamento de Medicamentos, que vai ajudar substancial-mente a combater o desvio de carga e a sonegação.

Outras conquistas foram obtidas nos setores que jáfaziam parte do Instituto.

Os medidores de vazão, defendidos pelo ETCO paracoibir a venda de produtos sem a emissão de nota fis-cal e implantados pela Receita Federal, aumentaram aarrecadação do Imposto sobre Produto Industrializado(IPI) na indústria de cerveja e começam a mudar o ce-nário na indústria de refrigerantes.

O segmento de combustíveis comemorou lei esta-dual de São Paulo que permite a cassação da inscriçãoestadual de distribuidoras, transportadoras ou postosflagrados vendendo combustível fora das especifica-ções da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Houveainda uma evolução positiva no combate à sonegaçãono álcool, por meio de iniciativas como a redução do

ICMS do álcool hidratado no Estado de São Paulo,que diminuiu a informalidade, além da adoção do co-rante no álcool anidro.

E na indústria do fumo registrou-se queda acentuadana venda de produtos ilegais, por conta da ação repres-sora das autoridades, nas fronteiras e junto à cadeia deprodução e distribuição clandestina.

Nestes últimos dois anos, continuamos constantemen-te abastecendo governantes e legisladores com informa-ções e subsídios importantes para a melhoria do ambien-te regulatório e de negócios. Como exemplos destacam-se dois estudos. O primeiro, elaborado pela FGV, traz si-mulações de alinhamento de alíquotas de ICMS e seusimpactos nas arrecadações dos estados. O segundo, feitopela Análise Editorial e pela revista Consultor Jurídico, éum amplo raio X do sistema judiciário, cuja morosidadegera perdas anuais de cerca de R$ 20 bilhões (segundo aOAB e o Ipea), e como ele afeta o ambiente de negócios.Este último foi objeto de evento promovido pelo ETCO,que reuniu juristas, empresários, jornalistas e autorida-des em um debate inédito.

Por oportuno, ressalto a importância da nossa lutaem um cenário em que cada vez mais os valores éticosno ambiente de negócios são postos em xeque – e esta éuma luta sem fim, que não deve, porém, ser apenas doETCO. A ética só estará plenamente incorporada aoambiente de negócios quando fizer parte da vida daspessoas. Quem tem valores éticos os traz para o negó-cio. Quem não tem não tem. Cabe à sociedade civil, aopoder público, a entidades e empresas o resgate dessesvalores, que serão fundamentais na construção de umanação moderna e desenvolvida.

Nesta etapa em que retomo minhas funções comoconselheiro do Instituto, agradeço a toda a equipe doETCO, ao Conselho de Administração e ao ConselhoConsultivo pelo apoio que recebi, e renovo meu com-prometimento com os objetivos do ETCO, desejandoao Victório muitos êxitos à frente do nosso Conselhode Administração.

*Leonardo Gadotti Filho é vice-presidente do Sindicom – Sindicato Nacionaldas Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes.

05 ARTIGO PRESIDENTES vale 17/04/2007 15:08 Page 32

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ETCO – Ou seja, a economia teria de crescer o dobro do que cresce hoje.Giambiagi – Esta é a segunda qualificação a ser le-vada em conta. Há dúvidas se a economia será capazde crescer a essa velocidade sem fazer uma reforma,primeiro de cujos resultados em potencial é justa-mente criar espaço para um aumento de investi-mento público, que tem sido achatado nos últimos20 anos pelo crescimento contínuo da parcela dadespesa apropriada pela Previdência Social.

ETCO – Quais seriam os pontos principais da reforma?Giambiagi – Eu diria que são duas famílias de re-formas. Uma específica e outra um conjunto. Aprimeira é justamente a desvinculação para fazercom que todas as aposentadorias, inclusive o piso,

aumentem de acordo com o índice de preços, co-mo é na grande maioria dos países. De modo ge-ral, não há sistemas previdenciários que garantamaumento real aos aposentados. Ou seja, define-sea remuneração do aposentado em função de qualfoi a sua contribuição ao longo da vida e, a partirdaquele momento, ela passa a variar de acordocom o índice de preços. O Brasil é que criou essainovação, por assim dizer, em que todo ano temosum crescimento do valor de dois em cada trêsaposentados em termos reais na magnitude quese tem visto nos últimos anos. A segunda propos-ta é uma família de propostas, como eu disse, queestá associada a uma idéia de estender o períodode permanência no mercado de trabalho das pes-soas que se aposentam por tempo de contribuiçãoe exigir um maior período contributivo de quemse aposenta por idade.

ETCO – Qual seria a idade recomendada?Giambiagi – Nós temos de combinar o que é tecni-camente correto com o que é socialmente aceitávelou politicamente palatável. Eu entendo que pelo fa-to de se tratar de uma regra muito mais benevolentedo que a que vigora em outros países e pelo fato deser a regra que já vigora para o funcionalismo públi-co desde 2003, qual seja a de 55 anos para as mu-lheres e 60 anos para os homens, me parece intei-ramente defensável – desde que fique claro que elanão teria vigência imediata, sob pena de levar para arua um monte de gente que está na iminência de seaposentar. Tem de ser uma reforma que coloqueuma barreira para daqui em diante e evite criar umtumulto social, principalmente nos grupos que es-tão próximos a se aposentar e não têm por que serprejudicados por isso.

ETCO – Por que na campanha eleitoral estetema foi tão evitado? O eleitor ainda não tem consciência da necessidade e emergênciada reforma da Previdência Social?Giambiagi – É uma responsabilidade que deve sercompartilhada entre três grupos: os governos, por-que não têm exposto essa questão de modo claro;os técnicos, porque não têm sido capazes de de-monstrar a racionalidade desse tipo de proposta; e auma certa irresponsabilidade da mídia ao fazer umsensacionalismo, a meu ver, equivocado sobre o as-sunto. Outro dia estava passando na rua e vejo a se-guinte manchete na banca: “Iminente novo ataqueaos aposentados”. Isso é uma tentativa evidente deestabelecer um conflito entre vilões e bandidos,

“Se o tamanho da conta continuaaumentando, oajuste terá de serfeito sem anestesia.É preferível fazê-loagora, aos poucos,de forma suave”

Entrevista

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Quase sempre contaminado pela emoção ouideologia, como ocorreu na campanha presiden-cial, o debate sobre as mudanças nas regras daaposentadoria no Brasil há muito precisava deuma opinião eminentemente técnica. Precisava.O livro Reforma da Previdência – O EncontroMarcado (Ed. Campus/Elsevier, 248 páginas, R$59,00) preencheu esse vazio. Daqui para a frente,o debate terá de se dar em outro nível, pois a arma,agora, são os números.

Esse é o maior mérito do autor Fábio Giambia-gi, economista do Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea). Sempre haverá críticas às suassugestões – e outras são bem-vindas –, mas, ao ar-gumento que deu título ao livro, não, pois deixaras coisas como estão só aumentará a dor.

ETCO – Até quando o país pode adiar oencontro com a reforma da Previdência?Giambiagi – O encontro está marcado, só que nãotem data. Este é um dos dramas da questão. Vocêtem custos políticos que são claros e benefícios quesão difusos e tendem a ser de longo prazo. Essesbenefícios são associados a questões como evitar ocolapso das contas públicas daqui a 20 anos ouampliar a capacidade de crescimento. Mas não éalgo que você veja um resultado palpável e ime-diato. Isso muitas vezes faz com que os governostendam a empurrar o problema com a barriga atéa gestão do seguinte.

ETCO – Logo, o problema vai se agravando.Giambiagi – Este é o dado mais importante destarealidade: a despesa do INSS era 2,5% do Produto

Interno Bruto, do PIB, em 1988, e está a caminhode ser pouco mais de 8%do PIB este ano. É verdadeque, se a economia crescesse 5% ao ano de formasustentável, nós poderíamos dispensar a realizaçãode uma reforma. Mas há duas qualificações a fazer:mesmo nesta hipótese, se o piso previdenciário con-tinuar aumentando na velocidade com que o fez nosúltimos anos, não há crescimento econômico queevite um aumento da despesa do INSS em relaçãoao PIB, pelo fato de que dois em cada três aposen-tados ganham o piso previdenciário. Então há umcrescimento físico do número de pessoas entre 3,5e 4, que é o que apontam os demógrafos. Combina-do com um aumento real de mais de 5%para dois decada três aposentados, o denominador vai continuarcrescendo acima do PIB – e a pergunta que cabe é:qual é o limite disso?

Para o economista Fabio Giambiagi, o paístem um encontro marcado com a reforma daPrevidência e, quanto mais atrasar, mais altoserá o sacrifício da sociedade Por Jorge Felix

O temponão pára

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cedido para uma idade maior, justamente parapremiar a pessoa que contribui com a Previdência.Quando começou em 1993, no governo ItamarFranco, a idade era de 70 anos. O que defendo éestabelecer um cronograma de aumento de seismeses por ano a partir de 2010 para chegar a2020 com a mesma idade de elegibilidade que em1993, e nesses 27 anos a expectativa de vida teráaumentado bastante.

ETCO – Qual a sua receita para combater a informalidade?Giambiagi – A melhor forma de combater a infor-malidade é a economia crescer mais. Para essecrescimento maior é necessário um conjunto dereformas, entre as quais a previdenciária.

ETCO – Como o senhor vê a conseqüênciafutura da informalidade somada aos programas sociais do governo que estão se ampliando sem amparo numa reforma da Previdência?Giambiagi – Acho que os programas do governosão meritórios, mas de agora em diante temos decolocar um freio no processo de expansão deles.Ninguém vai tirar nada de ninguém. Ninguém emsã consciência proporia isso e não tem a menorviabilidade política. Mas são despesas que aumen-taram muito nos últimos anos – já vinham aumen-tando no governo anterior e esse processo foi refor-çado no governo Lula –, e há conseqüências e im-pactos positivos, sem dúvida. O gasto público, emtermos reais, tem crescido 9%, 10% ao ano nos úl-timos três anos. É insustentável. Qualquer pessoa,não precisa ser economista, percebe que, se a eco-nomia cresce 3% e o gasto público cresce 9%, 10%,estamos com um sério problema para o futuro.Então, é necessário conter o ritmo de crescimen-to desses gastos a partir do ano que vem, de formaa manter os compromissos fiscais.

ETCO – Há quem afirme que essa reforma não é necessária e que na verdade o déficit é um mero resultado contábil. O que o senhor pensa dessa afirmação?Giambiagi – Este é um dos mitos que envolvem aquestão da Previdência: que o país gasta cada vezmais com juros em detrimento do gasto social.Quando a gente faz a comparação com o passa-do, com os chamados juros reais do setor público– uma vez que na época daquela altíssima in-flação os juros nominais não queriam dizer abso-

lutamente nada –, e toma como referência a mé-dia de períodos de cinco anos, vê que nos últimoscinco anos gastamos praticamente a mesmacoisa como proporção do PIB que na segundametade dos anos 80; já a despesa com aposenta-dorias e pensões passou de 2,5% naquela épocapara 8% hoje. Esse é o primeiro mito.

ETCO – O segundo é a idéia de que não há déficit.Giambiagi – Exato. Qual é o argumento? Se o INSScomputasse uma série de outras receitas, então areceita aumentaria e o déficit desapareceria. Esseargumento, na minha opinião, beira o ridículo. Porquê? Porque significa confundir um problema realcom um problema meramente contábil. O que es-tou apontando é um problema real: a despesa erade 2,5% e hoje é de 8% do PIB. O que iria aconte-cer se valesse essa interpretação contábil dos críti-cos da reforma da Previdência? O superávit primá-rio do Tesouro Nacional seria um pouco menor e,em compensação, o déficit primário do INSSeventualmente desapareceria, só que na hora desomar INSS com Tesouro não iria mudar umavírgula. Estamos falando do mesmo resultado.Esse é um argumento que tergiversa o que estárealmente em discussão e passa ao largo do trata-mento profundo do que deveria interessar a todos,que é o crescimento contínuo da despesa previ-denciária ao longo dos últimos 20 anos.

ETCO – O que aconteceria se esse argumento prevalecesse?Giambiagi – Seria permitir que o déficit ficasseincontrolável devido a vários fatores. Vamos con-tinuar permitindo que as mulheres, por tempo decontribuição, se aposentem com 52 anos, embo-ra vivam mais do que os homens? Vamos permi-tir que pessoas de classe média, como eu, se apo-sentem com 57 anos, quando no Brasil tenho umaexpectativa de vida similar a que têm na Suíça,onde se aposentam com 65 anos? São essas asquestões que cabe discutir, não uma questão ape-nas contábil.

“A pessoa que ganha em torno de umsalário mínimo só vai se formalizar se for estúpida. Ela tem a garantia do Estadode receber aposentadoria aos 65 anos”

Entrevista

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quando se trata de lidar com uma realidade fiscalque está aí imposta e se agravando. Há uma dificul-dade grande em lidar com isso. Os espíritos da po-pulação se eriçam quando se ouve falar no assuntoporque existe a percepção equivocada de que se vaimexer com direitos, que haverá perda para os apo-sentados, quando, na verdade, se há uma categoriapreservada é a dos aposentados.

ETCO – Mas isso sempre gera dúvida. O que fazer para mudar essa percepção?Giambiagi – O que está em discussão é quais se-rão as regras para as aposentadorias no futuro, masquem está aposentado vai continuar a receber a suaaposentadoria da mesma forma que agora. Nin-guém vai perder um centavo em termos reais. Mas,como há uma predisposição negativa por falta deinformação da maioria da população, os políticos,principalmente perto da eleição, não querem ouvirfalar no assunto por medo de perder voto. Eu acre-dito que, sendo colocados os números à mesa comtodas as suas nuances, a população entenderá.Claro, ninguém vai sair às ruas para clamar poruma reforma da Previdência. Mas sempre me lem-bro do que um ministro da Previdência me disse,que é correto: o fato de algumas pessoas seremprejudicadas por esse tipo de proposta não sig-nifica que elas serão contrárias.

ETCO – Quem sairia prejudicado?Giambiagi – Eu acredito que há uma multiplicidadede pessoas de classe média, tipicamente as que seaposentam por tempo de contribuição, e na ausên-cia de uma mudança de regras poderiam se aposen-tar com 54, 55, 56 anos, que expostas e apresenta-das a esse tipo de raciocínio e de números aceitarãocom relativa tranqüilidade uma idade mínima.Ainda mais como a que eu aqui mencionei porque,me parece, não há nada de draconiano.

ETCO – A situação da Previdência hoje, sem reforma, comporta um projetoeconômico desenvolvimentista, como defende o governo federal?

Giambiagi – Não há nada mais desenvolvimentistahoje do que uma reforma da Previdência. Nada vaicriar mais espaço para o aumento do investimentopúblico do que pôr um fim a este processo decrescimento enlouquecido com as despesas nessaárea. Pode haver um programa desenvolvimentistasem a reforma? Sim. Por alguns anos. O problemaé que estaremos comprometendo o futuro e agra-vando as necessidades de ajuste lá na frente.

ETCO – Quanto mais tempo passa, mais dolorosa terá de ser a reforma?Giambiagi – Um dos princípios que tenho defen-dido é o da carência. Aprovar uma reforma hojepara que ela passe a ter vigência alguns anos de-pois justamente para não gerar esse desassossegoa que eu me referi naqueles que estão perto de seaposentar. Por quê? Porque ainda há um espaçopara isso. Mas, se o tamanho da conta continuaaumentando, podemos chegar a uma situação deque esse ajuste terá de ser sem anestesia, daquicinco ou dez anos. É preferível fazer um ajuste deforma suave.

ETCO – Qual o peso da informalidade na situação atual da Previdência? Giambiagi – Naturalmente a informalidade decorrede vários elementos, mas sobretudo de três: o baixocrescimento, que está associado ao alto padrão degasto público; em segundo lugar, às elevadas taxasde contribuições exigidas da Previdência, que, porsua vez, também estão estritamente ligadas às apo-sentadorias e pensões; e, em terceiro lugar, a umaaberração da legislação, o fato de que se estabeleceo mesmo valor da aposentadoria básica e a mesmaidade de elegibilidade de 65 anos, independente-mente de ter havido ou não contribuição préviadaquelas pessoas que ganham o básico. Diantedisso, a pessoa que ganha em torno de um saláriomínimo só vai se formalizar – se ela puder não fazê-lo – se for estúpida. Porque ela tem a garantia do Es-tado de que aos 65 anos vai receber exatamente omesmo valor que receberia se tivesse contribuídodurante 15 ou 20 anos. Então não faz sentido.

ETCO – Mas o senhor defende o fim deste benefício, da Lei Orgânica daAssistência Social?Giambiagi – De jeito nenhum. Eu acho que obenefício assistencial obviamente deve existir co-mo se espera da sociedade solidária, mas ele deveser inferior ao valor do piso previdenciário e con-

“Nada vai criar mais espaço para oinvestimento público do que pôr um

fim neste crescimento enlouquecido com as despesas na área da previdência”

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vida externa e os dois terços de ouro e um deprata que garantiam a moeda quando a Cortedesembarcou no Rio de Janeiro, em 1808. “Aextraordinária emissão de notas do Banco”,alertava uma comissão da Câmara dos Deputa-dos, em 1828, “que nem está em harmonia comos princípios da ciência, nem em proporçõescom as urgências do comércio, prende nas re-conhecidas necessidades do Tesouro.” Em ou-tras palavras, emitia-se excessivamente, as dí-vidas cresciam excessivamente e registrou-seum novo fenômeno: a falsificação de moedasde cobre. Isso foi no Primeiro Reinado.

No Segundo, não foi diferente. Talvez por issonão tenha havido um terceiro. Em 1889, a nas-cente República encontrou o Tesouro quebrado.Em parte, por causa da Guerra do Paraguai, quecustou muito mais do que o Brasil podia pagar notempo de dom Pedro II, em outra parte porque aindustrialização não decolava e os impostos amea-lhados da agricultura eram incipientes para cus-tear a modernização e, numa terceira, porque pre-dominava a certeza de que bastava emitir moeda– via o Tesouro ou os bancos – para que as contasfossem pagas num ato de pura mágica. Na Euro-pa, estava ganhando força o modelo de bem-estarsocial, aqui a exclusão vicejava por força da gran-de massa de escravos libertos que não havia comoser absorvida. Nasce o federalismo, o Estado ficamais forte, porém, por se entender que cabia a eleser o indutor da atividade criadora e centralizar aatividade financeira.

Novamente, cometia-se o duplo pecado de se-mear o agrarismo e fechar os olhos para a contí-nua expansão da máquina estatal. Os estados

não merecem grande atenção por parte do podercentral, os coronéis mandam e desmandam, asoligarquias se cristalizam. E o Estado gasta, gas-ta e gasta. E emite, emite, emite moeda. Trocou-se um Estado imperial perdulário por um Estadorepublicano igualmente perdulário. E assim temsido ao longo de toda a história, com ou sem in-flação sob controle, com ou sem desenvolvimen-to. Agora, a consultoria britânica Economist In-telligence Unit questiona a capacidade do Brasilde voltar a crescer. Motivo: a economia encon-tra-se “altamente vulnerável” ao alto nível da dí-vida pública, em torno de 50% do PIB.

A avaliação está num documento sobre asperspectivas da economia mundial de 2007 a2011. Não é por falta de advertências ou diag-nósticos. O problema é de absoluta surdez. Di-minuir os gastos soa para o Estado brasileiroalgo parecido como uma língua morta. Assimcomo voltar a crescer passa agora a soar comoum novo Messias ou um novo sebastianismo.Tudo agora é futuro. Esquece-se o passado. Ea memória se reduz a indicadores recentes depequenos recuos no endividamento do Estado,que já foi um pouco maior. Por isso, Maria An-tonieta, o filme, ganha atualidade. Não queaqui vá acontecer uma Revolução Francesa,mas os sinais de atavismo crônico soam comoum alerta quando há possibilidade de o país vira apagar-se lentamente. Como um fósforo frio.É hora, afinal, de mudar. E de arrecadar pri-meiro, depois gastar. Ou, antes de gastar, pro-ver as fontes de receita.

* Jornalista e consultor de empresas.

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Opinião

abril de 200728 |

Em certo sentido, o Brasil dos diasatuais lembra a França de Maria An-tonieta, o filme de Sofia Coppola.Assim, como no reino de Luís XVI,às vésperas da revolução de 1789,

aqui o Estado gasta excessivamente e teima emnão fazer reformas. Claro, não existe nada de se-melhante entre a Versalhes do século 18, comsuas festas suntuosas, exércitos de servos e maisde 500 camareiras para despir o rei e a rainha ànoite e voltar a vesti-los ao despertar. Isso semfalar das jóias caríssimas compradas no ataca-do, como se fossem croissants, e as despesassem fim de Antonieta com vestidos e penteados.Mas ambos os Estados guardam em comum ofato de tratar as contas públicas com frivolidade.E é aí que a história começa a tomar rumos dife-rentes. A França fez uma revolução que mudoua face do mundo. Luís XVI e Maria Antonieta ti-veram as divinas cabeças decepadas na guilhoti-na, a aristocracia foi apeada do poder burguêsemergente. O Estado continuou gastando ex-cessivamente, mas com a vantagem de ter insti-tuído o bem-estar como direito. Tanto essa mar-cha foi sólida e profundamente enraizada no co-tidiano que nem a maré neoliberal da era Thatcherfez com que a França refluísse na série de redesde seguros sociais patrocinados ou subsidiadospelo Estado.

Entre nós nunca houve nada semelhante. Sa-bemos que a gastança começou com a vinda dedom João VI, que aportou por aqui em 1808, fu-gindo que estava das tropas de Napoleão. Quan-do partiu para a colônia, que era a jóia rara dacoroa, o rei, precavido, raspou até o fundo os co-

fres do real erário, mas as reservas acabaram rá-pido. Havia os gastos necessários, como prédiospúblicos, infra-estrutura – melhor iluminação,saneamento, abastecimento de água, ruas e cal-çadas, mais transporte –, o Jardim Botânico, li-vrarias, o corpo burocrático. Existiam, contudo,muitos gastos supérfluos, montanhas deles, quenão passavam de tentativas de imitar o brilho davida parisiense e de ostentar riquezas que, porsua vez, não passavam de miragens.

Jorge Caldeira, em Mauá – Empresário do Im-pério, relata que os recém-chegados tinham pla-nos para tudo, mas na hora de fazer “faltavaquem pagasse as contas”. Muitos dos novos ha-bitantes, que vieram com o rei, “se portavam co-mo grandes senhores, mas viviam às custas desoldos do governo, nem sempre fartos. Queriamconforto, tinham influência na administração,mas não pagavam impostos”. Foi a época emque os traficantes de escravos conquistaram opoder. Donos do motor central da economia,emprestavam dinheiro à Corte, inclusive ao rei,e passaram a ser tratados com distinção. Maisdo que muito dinheiro, ganhavam respeito e opoder de influir nos rumos do país. O fato de oEstado gastar mais do que arrecadava virou umfilão de prósperos negócios.

O Brasil tornou-se independente com rela-ção a Portugal, virou Império e, depois, Repú-blica. A prática de gastar muito e arrecadar pou-co, que o período colonial ensinou, tornou-serecorrente. Em 1822, a circulação monetária,estava reduzida às notas do Banco do Brasil. Foia alternativa que restou com o esgotamento dasreservas de ouro que serviam de aval para a dí-

Francisco Viana*

O cinema permite revisitar a corte de Maria Antonieta e revela algo em comum entre a França do século 18 e o Brasil de hoje:ambos os Estados tratam os recursos públicos com frivolidade

Sem revolução à vista, paísrepete os erros do passado

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Perfil

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O papel da ética na economia O ex-ministro Marcílio M. Moreira assume a presidência do Conselho Consultivo do ETCO e defende a discussão dos princípios éticos no desenvolvimento do país Por Andrea Assef

Oex-ministro da Econo-mia (1991-1992) e ex-embaixador do Brasil nosEstados Unidos (1986-1991) Marcílio Marques

Moreira, 75 anos, pretende utilizar asua experiência multidisciplinar e todaa bagagem de cinco décadas de carrei-ra pública e privada na presidência doConselho Consultivo do ETCO. Mar-ques Moreira, que assumiu a nova fun-ção em dezembro passado, explica quea intenção da entidade este ano, com-partilhada pelo Conselho do ETCO epelo presidente executivo André FrancoMontoro Filho, é galgar um novo pata-mar de atuação não só mirando a éticada concorrência em seu sentido estrei-to, mas a ética da atividade econômica.Segundo ele, existe uma visão precon-ceituosa de que o mercado é um sermalvado que age debaixo dos panos e,por isso, a ética da concorrência é tãofundamental para o desenvolvimento

econômico. O ex-ministro ressalta aimportância do resgate da ética comofio condutor do convívio em sociedade.

De acordo com Marques Moreira, épreciso restabelecer esses conceitosque fazem parte da história econômi-ca do mundo. “A economia surge liga-da à ética já com Aristóteles (em Éticaa Nicômaco, Aristóteles defende a tesede que há alguma coisa que motiva to-das as nossas ações e esta coisa é a procu-ra do bem, que confere sentido às nossasatitudes) e sua importância foi ressal-tada por grandes nomes como AdamSmith (filósofo e economista escocês,autor da obra A Riqueza das Nações econsiderado o pai da economia clássi-ca)”, lembra ele. Marques Moreira ob-serva que os desvios éticos desde acompra e a não-observância deles noconvívio da sociedade minam a con-fiança do indivíduo. Há ainda a faltade confiança no Estado e o desrespei-to ao mercado.

“Um dos estudos que estamos prepa-rando é o Índice da Economia Subter-rânea, em parceria com a FundaçãoGetulio Vargas do Rio de Janeiro. Pelaprimeira vez, de forma científica, vamosmensurar o tamanho dessa economiainformal, identificar suas causas e de-finir ações para combatê-las”, afirma.Segundo Marques Moreira, é precisogerar a ética do comportamento da so-ciedade. O trabalho vai utilizar meto-dologias que já obtiveram sucesso emoutros países que fizeram esse tipo delevantamento. “O estudo vai levantar avelocidade e a quantidade em circula-ção de notas de grande valor, como foifeito na França, que passou a acompa-nhar a movimentação das notas de 500francos na época, antes da União Euro-péia, que criou o euro”, explica. Motivo:na economia subterrânea o pagamentoé feito sempre em dinheiro. Outro mé-todo utilizado pelos especialistas daFGV será a aferição do número de pro-dutos e a utilização de eletricidade nasua fabricação.

Parte dessa metodologia foi desenvol-vida na Europa pelo professor FriedrichSchneider, da universidade austríacade Linz. Ele estudou a relação entre aeconomia subterrânea, expressa emporcentagem do Produto Interno Bruto(PIB) oficial, carga tributária, burocra-cia excessiva e desvios éticos como acorrupção em 145 países, no períodode 1999 a 2003.

O ex-ministro Marques Moreiraacredita no resgate da ética como fio condutor do convívioem sociedadeFO

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Asimplificação do sistema tri-butário é uma das bandeirasdo novo presidente executi-vo do ETCO, o economistae professor André Franco

Montoro Filho, de 62 anos, que assumiuo cargo em janeiro de 2007. “A reformatributária não tem como objetivo reduzira carga tributária, e sim racionalizar o sis-tema de tributos”, diz Montoro Filho,que é doutor em Economia pela Univer-sidade de Yale (EUA) e professor titularde Economia da Universidade de SãoPaulo (USP). Além do conhecimentoadquirido em uma consistente vida aca-dêmica, Montoro Filho traz ao ETCO aexperiência de quem atuou em cargos es-tratégicos, como a presidência do BancoNacional de Desenvolvimento Econômi-co e Social (BNDES) e da Fundação Ins-tituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).Até 2002, ocupou a Secretaria de Eco-

Perfil

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Conscientizar é fundamentalO presidente executivo do ETCO, o economista André Franco Montoro Filho, queralertar a sociedade quanto aos prejuízos sociais da sonegação Por Andrea Assef

nomia e Planejamento do Estado de SãoPaulo (onde chegou no governo de Má-rio Covas e permaneceu no primeiromandato de Geraldo Alckmin).

Com uma experiente visão do setorpúblico, o economista defende um cho-que de gestão em toda a cadeia governa-mental como o caminho para a reduçãodos gastos públicos e, assim, uma di-minuição da carga tributária. Segundo opresidente executivo do ETCO, o com-bate à informalidade depende de uma re-dução do peso dos encargos trabalhistase de uma revisão da Consolidação dasLeis Trabalhistas (CLT). “Quase 60%dos trabalhadores brasileiros hoje nãotêm carteira assinada, ou seja, a maiorianão é assistida pela legislação em vigor.”

A conscientização da população em re-lação aos prejuízos causados pela sonega-ção em suas múltiplas formas também épauta prioritária de Montoro Filho. “Pre-

cisamos discutir esses temas com as uni-versidades, escolas e com toda a socie-dade civil, pois a concorrência deslealafeta a vida de cada um de nós”, diz ele.As outras duas áreas de trabalho desteano no ETCO serão as questões ligadasà melhoria na legislação fiscal e na pre-venção à sonegação, falsificação, adulte-ração e ao contrabando. Ao longo dosquatro anos de existência, o Institutoparticipou de ações importantes como ainstalação dos medidores de vazão nasempresas de bebidas, que resultou emexpressivo aumento na arrecadação deimpostos. Outra batalha do ETCO foi aNota Fiscal Eletrônica, usada por em-presas em São Paulo, Rio Grande doSul, Bahia, Santa Catarina, Goiás e Ma-ranhão. “Vamos continuar esse trabalhode cooperação com os governos, com aReceita Federal e com os órgãos envolvi-dos no combate à sonegação.”

Montoro Filho, na sede do ETCO, diz que vai continuar o trabalho de cooperação com osgovernos e a ReceitaFederal que o Institutotem feito nos últimosquatro anos na lutacontra a sonegaçãoFO

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nosso país não pode ser menosprezado em temposde reforma: a automatização dos controles fiscais,com a redução da intervenção humana pública eprivada, é pano de fundo mandatório em qualquerestrutura tributária que venha a ser desenhada da-qui para a frente. E, em termos de automação ele-trônica, a simplificação é a palavra de ordem.

A anunciada nova reforma tributária reestru-turará o imposto mais complexo e também umdos mais pesados de nossa economia: o ICMS.Para o setor formal, talvez ele incomode mais atémesmo em função da primeira característica doque pela segunda, pois é ela que provoca todosos desequilíbrios competitivos causados pelo seunão-pagamento por parte do setor informal. Porisso, a simplificação máxima do sistema, aliada àimplementação de controles eletrônicos, ex-pandirá, por si só, a base arrecadatória, evitandoassim que mais uma vez o setor formal pague so-zinho pelo aumento nominal da carga resultan-te de uma reforma tributária linear.

Trocando em miúdos, é preciso, sim, achar afórmula ideal para a alíquota única para os 27estados, porém de forma equilibrada e semsangrar ainda mais o setor formal com um au-mento da carga média já existente. O aumen-to da arrecadação virá, este sim, através dasimplificação das regras do imposto, que pro-porcione menos flexibilidade para operaçõesentre estados, reforce o instituto da reformatributária e torne cada vez mais fáceis as for-mas de apuração do imposto, fugindo de cri-térios que dependam de mirabolantes contas,cálculos de margens e considerações por par-te da fiscalização para que sejam verificadas.

Enfim: é preciso que tomemos cuidado comdiscursos e propostas que, sob o manto da desone-ração ou equilíbrio, preguem a manutenção ou oaumento da complexidade do sistema tributário.

Não podemos esquecer, no entanto, que a sim-plificação, como toda e qualquer ação, provoca-rá sempre reações contrárias, à medida que seconstitua em ameaça à sustentação da informa-lidade. Exatamente no momento em que os im-postos passem a inspirar uma certeza quase tãogrande quanto a morte. É a já conhecida luta dealguns na busca de um antídoto que nos livredessas certezas quase inevitáveis.

* Vice-presidente do Sindicato Nacional das Indústrias de Cerveja eda Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e BebidasNão-Alcoólicas.IL

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Em debate

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Toda ação provoca uma reação deigual intensidade e em sentido con-trário. Dessa forma, o inglês IsaacNewton tentou explicar ao mundoum fenômeno da física e, ao expli-

car, criou uma de suas três leis. Anos mais tar-de, o americano Benjamin Franklin, em umade suas famosas e ecléticas sentenças pragmá-ticas sobre aspectos da vida comum, mencio-nou só conhecer duas certezas na vida: os im-postos e a morte.

Essas duas “leis” construídas e comprovadasatravés da história da humanidade curiosamen-te vêm sendo contestadas na história recente datributação de nosso país. Primeiro porque, nessecampo, nem toda ação gera uma reação, masapenas as ações que provocam efeitos positivosgeram reações de igual intensidade e na direçãocontrária, e segundo porque a prática de espor-tes radicais como a sonegação fez muita genteduvidar da certeza da morte.

A sonegação é um câncer antigo na históriado nosso desenvolvimento econômico. Tão an-tigo que nem sequer se discute hoje a origemdo problema: se é a alta carga tributária que aprovoca ou o oposto. Ou seja, tornou-se umcírculo vicioso e maléfico.

E é exatamente aí que mora todo o perigo.Em tempos de reforma tributária, é comumpresenciarmos calorosos debates acerca da altaou injusta carga tributária de um ou outro setorda economia travestindo os mais íntimos dese-jos de flexibilização de um sistema tributário embusca do desenvolvimento da informalidade.

Nessa discussão de reforma tributária que seaproxima, não seria exagerado afirmar que adiscussão da justiça do tamanho da carga tri-butária deveria ser colocada em segundo pla-no. Isso porque a alta carga impositiva é umarealidade para quase toda a base da nossa eco-nomia. Ela já esta aí, instalada. E, em funçãodela ou não, a sonegação coexiste. Cada vezque ela aumenta, sufoca ainda mais o setor for-mal de nossa economia, provocando queda deprodutividade, desenvolvimento e, conseqüen-temente, da arrecadação pública. Quando issoacontece, a solução mais prática – e, muitas ve-zes, a única – é o aumento da carga tributária,com o objetivo do custeio dos tão badaladosgastos públicos.

Quando falamos de fugir da discussão do ta-manho da carga, portanto, não estamos afir-mando que o seu incremento é algo sustentávelou até mesmo suportável. Muito pelo contrário,pois essa é uma conta paga apenas pelo suor esangue do setor formal. Estamos, sim, falandoda necessidade de cuidar, em primeiro plano,para que as mudanças pretendidas para a estru-tura tributária não flexibilizem a tolerância compráticas evasivas de receita.

Felizmente, desde Newton e Franklin, o mundomudou e a tecnologia avançou. E o Brasil – quemdiria – tornou-se referência global em controles go-vernamentais eletrônicos. O governo brasileiro co-meçou a ensinar ao mundo como fazer votação ele-trônica e declaração de Imposto de Renda viainternet de forma automática e absolutamentesegura. Todo esse conhecimento instalado no

Ação e reação: dosimpostos à morte

Ricardo Melo*

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uais são as conseqüênciasda informalidade na econo-mia? Quais são os proble-mas que surgem com a pre-sença de um setor informal

que sonega imposto e passa a ser objetode extorsões de fiscais e de pagamentode proteção para bandidos? Quais sãoas conseqüências da compra de produ-tos ilegais, vendidos a preços baixos porser contrabandeados ou procedentes deroubos? O que pode acontecer, quantoà confiança entre os agentes e às rela-ções comerciais, numa economia emque a informalidade é grande?

Todas essas questões já tiveram res-postas numéricas em várias pesquisas.No entanto, esses problemas brasilei-ros nunca haviam sido objeto de umareflexão acadêmica específica sob oponto de vista ético-econômico. O pro-fessor Marcos Fernandes Gonçalves daSilva, doutor pela Universidade de SãoPaulo e com pós-doutorado pela Uni-versity of London, resolveu emprestarsua sólida formação acadêmica ao es-tudo da ética econômica aplicada e ou-sou mensurar a herança de uma econo-mia sem ética para as gerações futuras.

O resultado está no livro Ética e Eco-nomia – Impactos na Política, no Direitoe nas Organizações” (Ed. Campus, 208páginas, R$ 55,00), uma contribuiçãofundamental para o estudo das políticaspúblicas, sociais ou macroeconômicas eindispensável para profissionais do setorprivado e público ou das universidades.Como destaca o professor Yoshiaki Na-kano, diretor da Escola de Economia daFundação Getulio Vargas, trata-se de umtrabalho que abre o debate intelectualnecessário para que o país supere seusproblemas mais prementes, particular-mente neste momento de crise moral.

Enquanto a grande maioria dos eco-nomistas debruçados sobre os entravesao crescimento econômico brasileiroacusa os juros altos, a carga tributáriaou a carência de infra-estrutura pelo pí-fio aumento médio de pouco mais de2,5% do PIB ao ano, Marcos Fernandesinclui nesta lista outro estorvo ao de-

Qsenvolvimento, há muito tempo despre-zado pelos levantamentos econômicos:a ética. Quando busca um sentido parao estudo da ética em economia, o pro-fessor soma a questão moral à lógicaclássica de atribuir ao consumo toda aorigem da geração de riqueza.

“Uma mudança institucional (porexemplo, regras mais eficientes de con-trole da corrupção são criadas num país,regras que implicam menores custos as-sociados à corrupção) pode promover,suponhamos, um aumento da produti-vidade na economia”, afirma. O texto deMarcos Fernandes impõe ao capitalis-mo moderno, seja no âmbito público, se-ja no privado, o desafio de conquistar osucesso se – e somente se – seus agentesestiverem despidos de qualquer inten-ção individualista e imbuídos de um es-pírito altruísta, em que a concorrêncialeal é condição sine qua non para umambiente de negócio saudável.

As escolhas, inerentes à condução davida de cada cidadão, da gestão da em-presa ou da administração estatal, de-fende Marcos Fernandes, quando fei-tas à luz dos valores morais, estimulamtodo o processo produtivo. A questãomoral, observa o autor, tem seus tentá-culos em problemas macros e pontuais,impondo a todo instante seus dilemashamletianos. Um país com parcos re-cursos para a educação pode privilegiaro ensino infantil em detrimento do en-sino adulto apenas com a justificativade que o primeiro dará maior retornosocial e econômico?

O autor recorre a todo instante aquestionamentos e exemplos como es-se, facilitando imensamente a leitura.Para mostrar como a ética econômica

pressupõe, entre outras coisas, que aracionalidade do ser humano está con-dicionada a um conjunto de regras au-to-impostas, ou seja, aos valores do pró-prio indivíduo, o professor cita uma su-posta compra de tapetes. Há dois per-sas idênticos. Um custa metade do pre-ço do outro, pois é feito com trabalhoinfantil, de crianças de 11 anos longeda escola. Segundo Marcos Fernandes,o consumidor consciente, com regrasauto-impostas, isto é, ética, vê a dife-rença entre os tapetes. É dessa formaque a ética pode influenciar os núme-ros e gráficos da economia. “O preçocontinua sendo o incentivo econômicobásico – e podemos dizer até mesmoque alguns valores mudaram devido aoincentivo dado pelos preços –, mas elenão é o único”, destaca o professor.

Além de analisar a pessoa física e a ju-rídica em suas posturas éticas dentro doprocesso econômico, o livro busca posi-cionar a ética econômica, sobretudo,nas políticas públicas e decisões de go-verno. Em nenhum dos casos o autorperde seu foco principal, qual seja, co-mo garantir um sistema econômico ca-paz de proporcionar o bem-estar de for-ma igual e satisfatória a toda a socieda-de. Marcos Fernandes passa pelos con-ceitos filosóficos, pelos programas so-ciais, por Adam Smith, Macunaíma, Ro-bison Crusoé e pela defesa do pensa-mento de Amartya Sen. Seu destino édescobrir como a ética, as instituições eos valores devem ser levados em consi-deração na análise de fenômenos econô-micos como o desenvolvimento e a for-mação de poupança. “O objetivo é abrira discussão e sensibilizar o leitor para aimportância do tema”, afirma.

“Uma mudança institucional pode

promover um aumento da produtividade

na economia”Marcos Fernandes G. da Silva, professor da FGV

Livro

abril de 200734 |

Além da carga tributária,dos juros altos e do gargalo na infra-estrutura,economista aponta a ética como um entrave ao crescimento do paísPor Jorge Felix

O risco de um‘apagão’ ético

Fernandes: preço não é o único valor que deve ser considerado na economia

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Acompanhe a trajetória dos setores que integram a luta contra a informalidade

Conquistas de 2006

Para os setores da indústria que, junto como ETCO, combatem a ilegalidade e a con-corrência desleal no mercado brasileiro,2006 foi um ano de boas notícias. Entre astantas conquistas, o setor de combustíveis

comemora o avanço na guerra contra a sonegação fis-cal na comercialização de álcool. Apesar de ainda nãosanada, houve uma evolução positiva no combate àsonegação do álcool nos últimos anos, por meio de ini-ciativas como a adoção do corante no álcool anidro pe-la Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis (ANP), evitando a prática do álcool mo-lhado, que consiste na adição de água ao álcool anidro;e o controle do diferimento do ICMS do álcool anidropela Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo(Sefaz-SP), inibindo não só o álcool molhado como oexcesso de anidro na gasolina. Também os produtoresde cerveja vêm acompanhando uma queda gradual daevasão fiscal. Para esse segmento, o segundo ano defuncionamento dos medidores de vazão nas linhas deprodução e a simplificação do sistema tributário foramdeterminantes em 2006.

Outro setor que ganhou com a instalação de medi-dores de vazão foi o de refrigerantes. As fábricas brasi-leiras da bebida passaram a contar, a partir de setem-bro, com o Sistema de Medidores de Vazão (SMV),que monitora a produção na planta e mede o escoa-mento de líquidos. Para o setor de fármacos, 2006foi um ano de consolidação da Câmara Setorial,instituída em 2005 e atualmente com 32 laborató-rios. Já os produtores de fumo intensificaram a lu-ta contra o contrabando, a falsificação de produtose a evasão fiscal. Uma batalha que exige perseve-rança. Estima-se que a sonegação de impostos, ape-nas no setor de fumo, represente um prejuízo anualde R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos.

Setores

abril de 2007 abril de 200736 | | 37

COMBUSTÍVEISCom um faturamento de R$ 153 bilhões em 2006,

osetor de combustíveis foi responsável por uma arreca-dação de tributos federais e estaduais da ordem de R$50 bilhões. No entanto, esse volume poderia ter sidomais significativo para a economia nacional, não fos-sem os elevados índices de sonegação e adulteração fa-cilitados, entre outros, por distorções tributárias, fisca-lização deficiente e penalidades brandas e não efetivas.

Atualmente, o comércio ilegal no setor de combustí-veis soma prejuízos de R$ 2,6 bilhões/ano. Somente nocaso do álcool hidratado, por exemplo, 25% do volumeé comercializado de forma clandestina, gerando umpotencial de sonegação em torno de R$1 bilhão.

Apesar de ainda não sanada a sonegação, houve umaevolução positiva em seu combate em relação ao álcoolnos últimos anos, por meio de iniciativas como a adoçãodo corante no álcool anidro pela Agência Nacional dePetróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), evitan-do a prática do álcool molhado, que consiste na adiçãode água ao álcool anidro; e o controle do diferimento doICMS do álcool anidro pela Secretaria de Fazenda doEstado de São Paulo (Sefaz-SP), inibindo não só o ál-cool molhado como o excesso de anidro na gasolina.

Além disso, foram fundamentais, entre outras, me-didas como a revogação do Regime Especial deICMS da gasolina A no estado do Rio de Janeiro, quepermitia que a responsabilidade pelo recolhimentodo imposto fosse transferida da refinaria para as dis-tribuidoras, facilitando a sonegação; e a aplicação daLei de Cassação da Inscrição Estadual de adultera-dores de combustíveis em São Paulo.

Contudo, ainda há muito o que fazer para inibir aconcorrência desleal, que compromete o desenvolvi-mento econômico e social do país. Para isso, o Sindi-cato Nacional das Empresas Distribuidoras de Com-bustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) acredita quesão essenciais a cooperação e a troca de informaçõesentre as entidades do setor e os órgãos públicos res-ponsáveis pela fiscalização e combate às fraudes e de-fende o fortalecimento da ANP, para que esta possaexercer seu papel de agente fiscalizador e regulador.

Assim, de forma a garantir o saneamento do merca-do de combustíveis e um equilíbrio competitivo e ético,algumas das prioridades do Sindicom para 2007 são:

• Concentrar toda a tributação do álcool hidratadono produtor;

• Instituir a obrigatoriedade de medidores de va-zão nas usinas, interligados às Receitas;

• Passar a produção de álcool (destilação) para ocontrole da ANP;

•Acelerar a implantação da Nota Fiscal Eletrônica.ILU

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FÁRMACOS A informalidade sempre foi um grave problema

dentro do setor farmacêutico. Em 2005, quandoum grupo de representantes do setor se encontroupara discutir a questão, percebeu que, individual-mente, cada um já havia esgotado todas as possi-bilidades de combater as práticas ilegais dentro dacadeia. A única solução seria promover a união eganhar forças para encontrar meios de coibir asformas de ilegalidade e propor ações que, implan-tadas, dificultariam quaisquer tipos de informali-dade, impondo ética concorrencial entre os fabri-cantes, distribuidores e varejistas.

Assim nasceu a Câmara Setorial de Fármacos,constituída oficialmente em 2005 como um dosbraços do ETCO. A meta era ampliar a área deatuação do órgão e promover a interação de todosos envolvidos no elo da cadeia – indústria, distri-buidores, redes de varejo e órgãos governamentais.O sucesso dessa medida foi constatado em poucotempo. A Câmara hoje representa 32 laboratóriosda indústria farmacêutica, que dividem o compro-misso e a responsabilidade de investir no combateà ilegalidade no setor e à concorrência desleal e pro-mover a ética concorrencial. A força do segmento égrande. Tanto que emprega 21 mil trabalhadoresde forma direta e 100 mil indiretos, isso apenas na

indústria de pesquisa,com volume de vendas de 1,4 bilhão deunidades ao ano.

De maneira conjunta, as ações promo-vidas pela Câmara têm sido para que os atosilícitos dentro dessa cadeia sejam coibidos, re-duzindo prejuízos. As discussões buscam encon-trar medidas que validem essas expectativas. Umadas idéias é implantar um sistema de fiscalizaçãoeletrônica que permita acompanhar todos os passospercorridos pelo que a indústria farmacêuticaproduz, passando pelos distribuidores até che-gar ao varejo, visando inibir a informalidade, asonegação fiscal, o roubo de cargas e a falsifica-ção de medicamentos.

Mas para atingir o que é chamado pelo setor de“modelo perfeito” é preciso ir além e avançar naquestão tributária, buscando barrar as práticas deconcorrência desleal e lutar pela redução e equa-lização de alíquotas. A proposta é criar um sistemade tributação que possibilite um controle maiorna arrecadação – uma vez que 23% dos impostossão sonegados. Essas medidas têm como alvo osatos ilícitos. Entre eles, a venda de medicamentosfeitas por meio de pedidos ilegais, que hoje che-gam a trazer prejuízos de R$ 5 bilhões ao país.

Setores

abril de 200738 |

CERVEJAO mercado brasileiro de bebidas teve em 2006

uma importante contribuição na busca do paíspor um sistema tributário mais justo. Foi o segun-do ano de funcionamento dos medidores de vazãonas linhas de produção de cerveja. Marcou tam-bém a estréia desses equipamentos nas linhas derefrigerantes em todo o país. A medida, que com-plementa um sistema mais eficaz de tributação dosetor, vem cooperando para uma drástica reduçãoda evasão fiscal.

A iniciativa da Receita Federal foi apoiada des-de o início pelo ETCO. O Instituto entende quetoda a sociedade é beneficiada pela modernizaçãodo controle e da fiscalização, que formam um dospilares de um sistema adequado de tributação.

O setor de cervejas já teve uma evasão fiscal de15%, mas vem diminuindo esse percentual a cadaano. A mudança começou com a simplificação daestrutura tributária e, complementarmente, coma automatização dos controles. Desde 1989, o Im-posto sobre Produtos Industrializados (IPI) dei-xou de incidir sobre o preço de produção (cobran-ça ad valorem) e passou a ter um valor fixo porunidade produzida (ad rem). Hoje, todos os tribu-tos federais incidentes sobre a produção e comer-cialização de cervejas seguem esse padrão.

A simplificação do sistema de tributação no se-tor de bebidas, aliada à obrigatoriedade de insta-lação dos medidores, levou a um aumento de15% na arrecadação de IPI em 2005. O númeroé bastante significativo se observarmos que o se-tor como um todo cresceu 6,5% naquele ano.Quando a Receita Federal divulgar os dados dearrecadação de 2006, certamente esse incremen-to será reafirmado. A maior novidade deverá ficarcom o setor de refrigerantes, onde se estima quea evasão fiscal seja maior.

O medidor verifica a quantidade de líquido fa-bricada em cada linha de produção e envia os da-dos automaticamente à Receita Federal. Com es-sa informação, a Receita sabe exatamente quantocada empresa produz e cobra os impostos de ma-neira exata. O processo dispensa intervenção hu-mana, o que elimina os riscos de fraude.

O aperfeiçoamento do sistema tributário e ocombate à concorrência desleal trazem benefíciosa todos. A elevada carga tributária à qual o contri-buinte brasileiro está obrigado é um dos sintomasda elevada sonegação fiscal, que somente benefi-cia o sonegador. O ETCO não é contra a concor-rência, mas defende uma concorrência justa.

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REFRIGERANTEEm 2004 os setores de refrigerantes e de cervejas fir-

maram convênios com a Secretaria da Receita Federal(SRF) para financiar estudos pelo Cempra-SP visandoespecificar os equipamentos, bem como as regras parainstalá-los, homologá-los e verificar sua conformidade.No mesmo ano, foram publicadas as normas relativasà instalação, verificação de conformidade e homolo-gação dos Sistemas de Medidores de Vazão (SMVs)para cervejas. E em 2005 foram incluídos os engarra-fadores de águas na obrigatoriedade de instalação deSMVs. Desde setembro de 2006, as indústrias de refri-gerantes iniciaram a instalação do SMV, mesmo pro-cesso pelo qual já havia passado o setor de cervejas,com resultados excelentes. No setor de refrigerantes,a instalação dos SMVs em toda a indústria estará con-cluída até 31 de dezembro de 2007.

O investimento médio para a instalação de cada sis-tema é estimado entre R$ 90 mil e R$ 100 mil, maisdespesas de instalação e homologação, podendo alcan-çar R$ 115 mil. A Associação Brasileira da Indústria deRefrigerantes submeteu pedido de incentivo fiscal àSRF em abril de 2006. Em reunião do Confaz, pre-sente à SRF, foi decidido que os estados incentivariama instalação dos SMVs via ICMS, sujeito, entretanto,à concessão de incentivo fiscal pela SRF através doPIS/Cofins. O ETCO contratou a FGV-Rio para de-senvolver um Sistema Lógico que cruzará as informa-ções e será oferecido à SRF e depois aos fiscos estaduais.

A operação do SMV representa um avanço do setorna luta contra a concorrência desleal. O sistema mo-nitora a produção de bebida na planta onde é instaladoe mede a vazão de líquidos que alimentam cada enche-dora, assim como sua temperatura e condutividade.Após isso, os registros ficam armazenados e disponíveispara a Receita Federal, que recebe os dados por meiode comunicação remota através do Sistema de Trans-ferência de Informações Armazenadas.

O registro de vazão, condutividade e temperaturaocorre em intervalos de dois minutos e os dados são en-viados à Receita uma vez ao dia. Para os fiscos significaarrecadação mais simples e eficaz. Após a instalaçãodos SMV no setor de cervejas, em 2005 houve aumen-to de 15% na arrecadação do IPI, muito embora o mer-cado tenha crescido apenas 5,8%. Vale ressaltar que aintrodução do PIS/Cofins por litro em 2004 gerou umcontrole efetivo e um aumento significativo de arreca-dação. Quem ganha com isso são as empresas que con-correm com lealdade em qualidade, preços, serviços eeficiência e a sociedade, pois a expansão do mercadoformal é garantia de melhores empregos e parceriascom o Estado em ações sociais.

Setores

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FUMOO mercado ilegal no setor de cigarros pode ser

divido em três segmentos: produtos contraban-deados, produtos falsificados e produtos comer-cializados sem pagamento dos tributos devidos,representando mais de 29% do mercado brasi-leiro, quase 38 bilhões de cigarros, e cerca deR$ 1,7 bilhão em impostos não arrecadados pelosdiversos níveis de governo. O mercado de pro-dutos contrabandeados (incluídos os falsifica-dos) vem sendo combatido com intensidade pelasautoridades, o que resultou em 2006 numa re-dução de 9% quando comparado com 2005. Im-portante destacar que durante o ano passado aSecretaria da Receita Federal destruiu 2,2 bi-

lhões de cigarros ilegais, número 20% superiorao registrado em 2005. A manutenção desses re-sultados só será possível com o contínuo traba-lho das autoridades.

A evasão fiscal, entretanto, vem aumentando.Estima-se que atualmente cerca de 53% do mer-cado ilegal seja representado por produtos comer-cializados sem o devido pagamento de tributos.

Durante 2006, além dos estudos e semináriosorganizados pelo ETCO, houve maior integraçãoentre os estados e o Instituto no combate aoproblema, assim como sua participação, comoparte interessada, em ações judiciais que pode-riam gerar um desequilíbrio concorrencial.

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tram que o Brasil ocupa uma desconfortável posi-ção comparativa com outros países no índice deprogressividade tributária que compilaram (“Pro-gressividade Fiscal no Brasil”, Boletim de Desen-volvimento Fiscal – IPEA, set. 2006).

A outra forma de financiar o gasto – a amplia-ção da dívida pública – também beneficia osmais ricos. São eles que têm dinheiro sobrandono fim do mês para financiar o governo, com-prando títulos públicos. Como a dívida é cres-cente, os juros que o governo tem de pagar sãoaltos. Além disso, como a capacidade produtivado país cresce pouco (devido ao baixo investi-mento público e privado), qualquer aumento dademanda por bens e serviços ameaça transfor-mar-se em inflação, pois a economia não temcapacidade disponível para ampliar a oferta. Emconseqüência, o Banco Central mantém a taxade juros em nível elevado. O resultado é um gas-to anual com juros da ordem de 8% do PIB. Ape-nas para comparar, o Bolsa-Família, carro-chefeda propaganda do “Estado para os pobres”, con-some somente 0,4% do PIB.

Os mais ricos também conseguem se apropriarde uma parcela maior do gasto público não-financeiro. Com maior poder de organização ede lobby junto ao governo, os sindicatos de traba-lhadores de classe média, as corporações, asentidades de classe, as elites das regiões atrasa-das conseguem enviesar as políticas públicas aseu favor. Os pobres, sem organização e sem voz,contam apenas com o seu voto, que lhes garan-te um benefício precário em véspera de eleição.

É por isso que toda política de benefícios aotrabalhador (FGTS, seguro-desemprego etc.)

dirige-se aos trabalhadores do setor formal, dei-xando os pobres do mercado informal à mar-gem. Também é por isso que algumas catego-rias de servidores públicos, com acesso aos cen-tros decisórios, conseguem salários elevados.Ademais, criam-se fundos para o desenvolvi-mento das regiões atrasadas que muitas vezesalimentam, com recursos públicos, a riquezadas elites locais. Em nome da “educação públi-ca e gratuita para todos”, montou-se um siste-ma iníquo de financiamento integral para uni-versitários de alta renda, que poderiam pagarpor seus estudos, em prejuízo da massa depobres, que sofre em escolas públicas primá-rias e secundárias de baixa qualidade. A cone-xão entre políticos e financiadores de campa-nha gera um círculo vicioso de enriquecimentoe favorecimentos em contratos públicos.

Não é de estranhar que o Brasil, após 500 anosde um Estado grande e intervencionista, apresen-te um dos maiores índices de concentração derenda do mundo. É preciso controlar a expansãodo gasto público através do corte de privilégiose do desenho de “políticas sociais” voltadas paraos mais pobres, que não sejam meras cortinas defumaça para esconder benefícios às classes mé-dia e alta. Também é preciso reverter políticasfinanceiramente insustentáveis a longo prazo (co-mo é o caso da Previdência). Essa é a verdadeiraagenda a favor dos pobres, que fará o país cres-cer com menos desigualdade.

* Marcos Mendes é consultor legislativo do Senado.Pesquisador asso-ciado ao Instituto Fernand Braudel.Organizador do livro Gasto PúblicoEficiente: 91 Propostas para o Brasil,Topbooks/Instituto F.Braudel.

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No rescaldo da campanha eleito-ral, fixou-se no imaginário popu-lar a idéia de que propor o con-trole do gasto público é umamedida “da direita”, que estaria

sequiosa por cortar benefícios sociais e explo-rar, cada vez mais, os pobres e desvalidos. Ocrescimento do gasto, por outro lado, seria umaforma de distribuir mais bondades governa-mentais à população carente. É preciso des-mistificar essa idéia.

O rápido crescimento da despesa pública nosúltimos anos caracterizou-se pela expansão dogasto corrente (aposentadorias, pessoal, juros,transferências para estados e municípios etc.),que saltou de 20% para 27% do PIB entre 1995 e2005, e estagnação do investimento público, queoscilou em torno de 0,6% do PIB nesse período.Para financiar a escalada do gasto crescente,aumentaram-se os impostos (a carga tributária daUnião cresceu de 20% para 26% do PIB) e a dívi-da pública (de 38% para 50% do PIB).

Esse modelo de política fiscal é altamente pre-judicial aos mais pobres, porque emperra o cres-cimento econômico e a geração de emprego. Di-versos estudos já mostraram que o aumento dogasto corrente não gera crescimento econômico,que a expansão da carga tributária deprime ocrescimento e que os investimentos públicos eminfra-estrutura são fundamentais para ampliar ocrescimento. Pedro Ferreira e Thomas Mallia-gros (“Impactos produtivos da infra-estrutura noBrasil – 1950/95. Pesquisa e Planejamento Eco-nômico”, v. 28, nº 2, ago. 1998), por exemplo,estimaram que um aumento de 1% na infra-

estrutura pública gera um incremento no níveldo PIB entre 0,55% e 0,61% no longo prazo.

Assim, nosso modelo de política fiscal, quecorta investimento e aumenta impostos e gastoscorrentes, parece ter sido desenhado sob medidapara impedir o país de crescer. De fato, temos umataxa média de crescimento de pouco mais de 2%ao ano desde 1990.

O que os pobres perdem com isso? São elesque formam a grande massa de desempregadose subempregados. Dados da Fundação Seademostram que a taxa de desemprego na RegiãoMetropolitana de São Paulo foi de 16,9% em2005 e essa alta taxa está concentrada nos jovens(26,4% para os de 18 a 24 anos), nos negros(20,8%) e nas pessoas de baixa escolaridade(23,9% para os que têm ensino fundamentalcompleto e médio incompleto). A intersecçãodesses três grupos forma o típico perfil do jovempobre da periferia metropolitana. Assim, a ex-pansão dos gastos da Previdência, que garante oaumento real da aposentadoria do vovô de umafamília de baixa renda, pode estar deprimindo ocrescimento econômico e, com isso, subtraindoo emprego de seu neto.

Vejamos, agora, o sistema tributário. Comometade da carga tributária é composta de impostossobre consumo, os pobres tendem a pagar maisimpostos, pois tudo o que ganham é consumidono mês, ao contrário dos mais ricos, que, ao pouparparcela da renda, preservam-na da tributação so-bre consumo. Assim, a expansão da carga tributá-ria nos últimos anos é mais uma forma pela qual ocrescimento do governo prejudica os mais pobres.Rodrigo Pereira e Cândido Jr., por exemplo, mos-

Marcos Mendes

A expansão dos gastos da Previdência, que garante o aumento realda aposentadoria do vovô de uma família de baixa renda, impede o crescimento econômico e, com isso, tira o emprego de seu neto

Controlar gasto do governoé contra os pobres?

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Rua Viradouro, 63 - Cj. 61 - Itaim Bibi - São Paulo, SP - CEP 04538-110www.etco.org.br

O Instituto Brasileiro de Ética Concor-

rencial – ETCO – é uma organização sem

fins lucrativos que congrega entidades

empresariais e não-governamentais com

o objetivo de delimitar parâmetros éticos

para a concorrência e estimular ações efi-

cazes contra a evasão fiscal, a falsificação

de produtos e o contrabando. Fruto da

iniciativa de empresas brasileiras dos se-

tores de combustíveis, cigarros, cervejas

e refrigerantes, suas atividades transcen-

dem o caso de empresas e setores espe-

cíficos para englobar o conjunto da eco-

nomia, contribuindo para o desenvolvi-

mento sustentado e a criação de postos

de trabalho.

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