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SETOR FARMACÊUTICO PRECISA DE REMÉDIO FORTE CONTRA OS MALES DA INFORMALIDADE EDIÇÃO ESPECIAL CÂMARA SETORIAL DE MEDICAMENTOS CERCA DE 23% DE TODOS OS IMPOSTOS DEVIDOS SÃO SONEGADOS TARJA PRETA A INFORMALIDADE PROVOCA SÉRIOS DANOS À SAÚDE PÚBLICA A TROCA ILEGAL DE REMÉDIOS AFETA MAIS A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA 40% DA MÃO-DE-OBRA É INFORMAL E R$ 850 MILHÕES EM ENCARGOS NÃO SÃO RECOLHIDOS FEVEREIRO 2006 – ESPECIAL – ANO 3

TARJA PRETA - etco.org.br · da reportagem desta edição especial da Revista do Instituto ETCO, que traz também uma notícia das mais positivas. Por partilhar da mesma perplexi-

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SETOR FARMACÊUTICO PRECISA DE REMÉDIO FORTE CONTRA OS MALES DA INFORMALIDADE

EDIÇÃO ESPECIALCÂMARA SETORIAL DE MEDICAMENTOS

CERCA DE 23% DETODOS OS IMPOSTOS DEVIDOS SÃOSONEGADOS

TARJA PRETAA INFORMALIDADEPROVOCA SÉRIOSDANOS À SAÚDEPÚBLICA

A TROCA ILEGAL DEREMÉDIOS AFETAMAIS A POPULAÇÃODE BAIXA RENDA

40% DA MÃO-DE-OBRAÉ INFORMAL E R$ 850MILHÕES EM ENCARGOSNÃO SÃO RECOLHIDOS

FEVEREIRO 2006 – ESPECIAL – ANO 3

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2 | | ESPECIAL

Perplexidadee indignação

“O funcionamento bem-sucedido de uma economia de troca depende daconfiança mútua e do uso de normas – explícitas e implícitas. Quando es-ses modos de comportamento são abundantes, é fácil deixar de notar seupapel. Mas, quando eles têm de ser cultivados, essa lacuna pode ser umabarreira enorme para o sucesso econômico.”

A constatação de Amartya Sen, no livro Desenvolvimento como Liberda-de, adapta-se à perfeição ao Brasil dos dias atuais. O autor, que no ano 2000mereceu o Prêmio Nobel de Economia, ao referir-se ao tema da ética nouniverso empresarial, lembra que o alicerce institucional e o respeito às re-gras estão diretamente associados ao maior ou menor grau de êxito das eco-nomias. No Brasil dos dias atuais, muitas das barreiras ao crescimento dopaís encontram-se associadas às práticas ilegais de concorrência.

Prova disso é o panorama da indústria farmacêutica. Estudo agora divul-gado pela consultoria internacional McKinsey, em parceria com o nosso Ins-tituto, revela a dimensão da informalidade, com a objetividade irrefutáveldos fatos:

• 23% de todos os impostos devidos são sonegados, o que representa per-da de R$ 2,3 bilhões ao ano para os cofres públicos;

• 40% da mão-de-obra do setor é de trabalho informal, o que significa onão recolhimento de algo como R$ 850 milhões, também em números es-timados, aos cofres públicos;

• As vendas de medicamentos feitas através de pedidos ilegais somam cer-ca de R$ 5 bilhões.

Enfim, a falta de controle inibe o investimento por parte das empresasque recolhem impostos e, o que é pior, expõe a saúde da população a riscosque poderiam ser evitados. Esse quadro de irregularidades é tema centralda reportagem desta edição especial da Revista do Instituto ETCO, que traztambém uma notícia das mais positivas. Por partilhar da mesma perplexi-dade e indignação em relação aos graves impasses decorrentes da concor-rência ilegal, o setor farmacêutico passa, a partir de agora, a somar forçascom o nosso Instituto na busca de contribuir para tornar a ética no país umvalor permanente e de natureza coletiva.

Emerson KapazPRESIDENTE-EXECUTIVO

REVISTA ETCO

EDITORA Andrea AssefSUBEDITOR Jorge Félix

CONSELHO EDITORIAL Emerson Kapaz, LeonardoGadotti Filho, Hoche José Pulcherio, CesarCimi, Victorio De Marchi, Mario Viana, Francisco Viana

PROJETO EDITORIALAndrea Assef (Letras & Lucros), Patricia Blanco (Blanco Relações Públicas)PROJETO GRÁFICO Letras & LucrosDIREÇÃO DE ARTE Beto NejmeEDITOR DE ARTE Betto VazDIAGRAMAÇÃO Helena CortezPRODUÇÃO Patrícia CortesREVISÃO Márcia Melo

A revista ETCO é uma publicação da Letras & Lucros sob licença do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO

REDAÇÃO

Av. Faria Lima, 2631, conj. 604, São Paulo, SP, tel.: (11) 3813-8464

Presidente-executivoEmerson Kapaz

Diretora-executivaDaniela Reis

Conselho de AdministraçãoPresidenteLeonardo Gadotti Filho, diretor de Suprimentos e Distribuição da EssoBrasileira de Petróleo Ltda.

ConselheirosCesar Simi, diretor de Planejamento Estratégico da Souza CruzHoche José Pulcherio, diretor-executivo da Associação dos Fabricantes Brasileiros de Coca-ColaJosé Tadeu Alves, diretor-presidente da Merck, Sharp & DomeVictorio De Marchi, co-presidente do Conselho de Administração da Ambev

Conselho ConsultivoAristides Junqueira, advogado eex-procurador-geral da RepúblicaEduardo Gianetti da Fonseca, economista/IbmecEverardo Maciel, consultor tributaristaHamilton Dias de Souza, advogadoespecialista em Direito TributárioJoão Roberto Marinho, vice-presidentedas Organizações Globo

Empresas associadas ao ETCOAbbott, Aché, Actelion, Agip do Brasil S.A., Altana Pharma, Ambev, AstraZeneca, Bayer,Boehringer Ingelheim, Bristol-Myers Squibb,Castrol Brasil Ltda., Cia. Brasileira de PetróleoIpiranga, Coca-Cola, Cristália, Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga S.A., Eli Lilly, Esso Brasileira de Petróleo Ltda., Eurofarma,Farmalab Chiesi, Farmasa, Fl Brasil S.A., Galderma, Genzyme, GlaxoSmithkline, Janssen-Cilag, Kaiser, Lundbeck Brasil, Medley,Merck Sharp & Dohme, Novartis, Novo Nordisk,Organon, Pepsi-Cola, Petrobras Distribuidora S.A.,Petróleo Sabbá S.A., Pfizer, Philip Morris, Repsol YPF Distribuidora S.A., Roche, Sankyo, Sanofi-Aventis, Schering do Brasil, Schering-Plough, Serono, Shell Brasil Ltda., Souza Cruz, Stiefel, Texaco Brasil Ltda., Wyeth-Whitehall, Zambon

Empresas colaboradorasABRAMAT (Associação Brasileira da Indústria deMaterial de Construção), ANIP (AssociaçãoNacional da Indústria de Pneus), Nestlé, Unilever.

Editorial

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fevereiro de 2006 ESPECIAL | | 3

Índice

20

12 Efeito colateralA concorrência desleal causa graves problemas na saúde pública

16 PropostasEspecialistas sugerem as melhores receitas contra o mercado ilegal

20 EntrevistaGonzalo Vecina diz que é preciso reestruturar o setor farmacêutico no país

24 InformalidadeEstudo mostra o tamanho da economia informal na indústria farmacêutica

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02 Editorial

04 OpiniãoO comentário de políticos, especialistas e empresários sobre a informalidade no setor farmacêutico

06 PanoramaEstudo da McKinsey marca a entrada do segmento de fármacos no ETCO

08 ArrecadaçãoAutoridades apontam o ICMS como o grande vilão das distorções tributárias

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fevereiro de 2006

Opinião

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“A informalidade é um sérioentrave ao desenvolvimentodas empresas, da economiae do país. Sonegar impostosé prejudicar toda a popula-ção. Essa prática desleal decomércio tem efeito maisgrave quando se trata do se-tor farmacêutico. Remédio écoisa séria. A falta de éticanesse setor põe em risco avida das pessoas.”Geraldo Alckmin | Governador de SãoPaulo

“Há uma complementação ao saláriodo balconista, que é baixo. Ele ganhapor meio da ‘empurroterapia’ 10% so-bre as vendas desde que dirija a com-pra para medicamentos similares.”José Saraiva Felipe | Ministro da Saúde

“Em 2001 a arrecadação subiu para R$490 milhões, quando estávamos deso-nerando 45% do faturamento bruto dosetor.”Ricardo Pinheiro | Secretário Adjunto da Receita Federal

“Querem a surpresa? A arrecadação nosetor não caiu.”Everardo Maciel | Ex-secretário da Receita Federal, so-bre a redução dos impostos nos medicamentos na épocaem que era secretário de Fazenda do DF

“A carga inclui todos os impostos, muni-cipais, estaduais e federais. Mas o pesomaior é o ICMS.”Frederico Oliveira | Um dos autores do estudo entran-do no debate para responder à executiva da Roche

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“É uma das maiores chagas dentro daeconomia brasileira, uma guerrilha tra-vada contra as empresas sérias, éticas,que pagam os altos tributos e não con-seguem competir com essa ilegalidadeda concorrência desleal, fruto da sone-gação, contrabando, pirataria, falsifica-ção e tudo o que pode estar envolvidopor trás disso.”“Não há produtividade, tecnologia, mão-de-obra e qualificação que vençam isso.”Emerson Kapaz | Presidente do Instituto ETCO

Cláudio Roberto Ely | Diretor Geralda Drogasil

“A Lei 5991 de 1973 trazuma definição clara: drogariaé o estabelecimento que ven-de medicamentos em suasembalagens originais. En-quanto não mudar a lei, tem

de ser assim.”“Tecnicamente ogoverno tem capaci-

dade de juntar os la-boratórios e, atravésde protocolos médi-cos, definir as emba-lagens. Ele sabe quedeterminado medi-

camento tem reco-mendação de ser tomadoduas vezes ao dia em cincodias, então a embalagem temde ser de dez comprimidos.”“Estamos falando de um am-biente de falsificação em quese copiam embalagens, quetem cartonagens, cores, letrase padrões específicos. Imaginauma pílula que é branquinha.”“Em São Paulo, há cerca dedois meses um deputadopropôs uma lei estadual obri-gando todas as farmácias avender medicamentos fracio-nados. É uma discussão polí-tica, não é técnica.”

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fevereiro de 2006

Panorama

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Estudo e seminário marcam o início dos trabalhos

da câmara setorial de fármacos no ETCO

Asonegação, a pirataria e a informa-lidade estão comprometendo a saú-de do setor farmacêutico. Mas nãosó isso. Todo o país sente os efeitosdanosos desse vírus que percorre o

corpo da nação. Por isso, especialistas atestam:é imperativa a redução da informalidade comoferramenta de melhoria do sistema de saúde noBrasil. Uma redução na informalidade neste se-tor pode ter alto impacto para o país, como vo-cê poderá constatar nas próximas páginas.

O melhor remédio para o setor farmacêuti-co é o compromisso com a ética e um compro-metimento de todo o país. No entanto, não exis-te uma solução única para a problemática daárea, sendo necessário um conjunto de açõespor parte do governo em todas as esferas, agen-tes do segmento e toda a sociedade civil.

Por isso, líderes do setor estiveram reunidosem dezembro último, no hotel Hyatt, em SãoPaulo, com autoridades da Receita Federal, daAnvisa, do Congresso Nacional e representan-tes da indústria farmacêutica no seminário OsImpactos da Informalidade no Setor Farmacêu-tico e Seus Reflexos na Saúde, realizado em SãoPaulo e promovido pelo Instituto Brasileiro deÉtica Concorrencial – ETCO. Durante o even-to foi apresentado o estudo “Informalidade noSetor Farmacêutico: Barreira ao crescimento daEconomia Brasileira e Risco à Saúde Pública”,elaborado pela consultoria McKinsey & Com-pany e pelo escritório Pinheiro Neto Advogados.

O seminário e a apresentação do estudo sãoa síntese de um ano de projeto liderado peloETCO visando incentivar o crescimento daeconomia formal do ramo farmacêutico e com-bater a informalidade e irregularidades presen-tes no setor. Para tanto, foram utilizados da-dos de fontes de informações oficiais, estima-tivas com base nesses dados e entrevistas comespecialistas e participantes da área.

O estudo é resultado da percepção porparte dos agentes do segmento farmacêuti-co da existência de diversas práticas infor-mais e/ou irregulares. Diante dessa consta-tação, era imprescindível dimensionar taispráticas e mostrar seus impactos para só en-tão ter condições de prescrever os melho-res medicamentos para combater esse mal

A ética concorrencial

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que prejudica sensivelmente a saúde domercado farmacêutico.

Por isso, o setor juntou esforços aos traba-lhos que já vêm sendo feitos pelo ETCO paramapear o quanto o país perde por conta da fal-ta de ética concorrencial, não só em arrecada-ção, mas em saúde, educação, saneamento,meio ambiente etc.

A instalação da câmara setorial de fárma-cos foi uma das grandes conquistas listadaspelo ETCO em seu balanço de 2005. “É umsetor de grande significado devido à impor-tância dos remédios na saúde pública e on-de o combate à concorrência desleal é im-prescindível”, segundo Emerson Kapaz, pre-sidente do ETCO.

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é o melhor remédio

O ETCO reuniuempresários,

economistas epolíticos para

discutir a informalidade

no setor de fármacos

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Arrecadação

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Aevasão de divisas dos cofres públicosé um dos principais males causadospela informalidade. O estudo elabora-do pela McKinsey e pelo escritório Pi-

nheiro Neto Advogados deixa claro que a gran-de distorção está no ICMS no varejo. “É umaárea que claramente pode focar os esforços”,disse Hélcio Tokeshi, secretário de Acompa-nhamento Econômico. “Se diminuírem em gran-de medida as distorções provocadas pelo ICMS,isso muda os incentivos ao longo de toda a ca-deia e diminui o problema.”

Tokeshi fez parte da mesa que discutiu o pai-nel “Os impactos da informalidade na arreca-dação”. Ao seu lado na mesa estavam RicardoPinheiro, secretário-adjunto da Receita Fede-ral, e o deputado federal Luis Carlos Hauly.“Esse não é um debate fácil e não terá uma so-lução mágica”, disse Tokeshi.

Segundo ele, as distorções regulatórias nãoocorrem por falta de legislação. “Não é que agente não tenha lei. O problema é que a gen-te não segue”, disse. “Então existe claramen-te a necessidade de um esforço maior de fis-calização e punição.” Tokeshi achou muito boaa sugestão dos consultores da McKinsey decriar, a exemplo do que já ocorre em outrospaíses, uma instituição do setor privado quecertifique as boas práticas de manufaturas dosetor farmacêutico.

A pulverização dos pontos-de-venda é umdos maiores entraves à fiscalização. “Fiscali-zar varejo é perder tempo ou fazer de contaque está trabalhando”, disse o secretário Pi-nheiro. Segundo ele, a Receita Federal teve debuscar mecanismos para conseguir suprir es-sa incapacidade de fiscalizar um varejo tão pul-verizado como o do setor farmacêutico.

No caso do PIS Cofins a solução encontra-da pela Receita Federal foi fazer a tributaçãoconcentrada na importação e na produção. “Re-

Simplificar é

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preciso Autoridades apontam o

ICMS como o grande vilão

das distorções tributárias

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Arrecadação

10 | | ESPECIAL

duz infinitamente o universo a ser fiscalizado,desonera a cadeia para a frente e a gente nãose preocupa muito com isso”, disse Pinheiro.

A legislação que implementou a tributaçãoconcentrada começou a vigorar em abril de2001 e funcionou. Segundo ele, a arrecadaçãode Cofins em valores atualizados pelo IPCA,em 2000, era de R$ 350 milhões no segmen-to de medicamento humano. Naquela época,o governo, ele diz, tinha a pretensão de fisca-lizar 100% da cadeia produtiva. “Em 2001 aarrecadação subiu para R$ 490 milhões, quan-do estávamos desonerando 45% do faturamen-to bruto do setor”, disse Pinheiro.

Já em 2004 a arrecadação saltou para R$ 680milhões. “Isso mostra que é um mecanismosimples, que dá um resultado que parece atéque é mágico”, disse Pinheiro. Segundo ele, is-so ocorre porque, concentrando a tributação,o controle é mais efetivo e a margem de sone-gação cai bastante.

Da parte da Receita Federal, Pinheiro dizque não tem muito problema com o setor far-macêutico e nem culpa a carga tributária ele-vada. “Pois, neste setor, a carga tributária daparte dos tributos administrados pela ReceitaFederal é muito baixa”, diz.

Ele conta que em 1999 a Receita Federal co-meçou a fiscalizar o setor e identificou proble-mas graves na área de distribuição de medica-mentos. “Algumas empresas tinham operaçõesque eram mais caso de polícia do que de fis-calização tributária.”

O sonho de adotar modelo tributário seme-lhante ao europeu e ao americano no Brasilnão é simples. “Temos de lembrar que no sis-tema tributário adaptativo precisamos adaptara cultura do povo e também a distribuição derenda”, disse.

Pinheiro, contudo, atacou a complexidadedo sistema. O PIS e o Confins, por exemplo,eram simples, mas houve tanta reclamaçãoque o arcabouço foi se modificando e se tor-nando extremamente complicado. “Fomosconstruindo um dos maiores monstros legis-lativos tributários do país”, disse Pinheiro.“Há tantas exceções que é disparado o tribu-to mais complexo que existe na nossa histó-

ria. O PIS Cofins não é só complexo – ele étotalmente irracional.”

Para Pinheiro, contudo, é possível ter evo-luções no sistema tributário independentemen-te da reforma tributária. Ele citou como exem-plo uma tendência natural de integração daadministração tributária. “Tem de ser impostapela sociedade. O próprio empresariado temde impor isso, forçar uma vontade política, in-clusive para combater a informalidade”, disse.

O sistema tributário brasileiro desde a Cons-tituição de 88 se agravou. Isso porque os esta-dos e municípios conseguiram uma fatia maiorda União. Para se ter uma idéia, o Imposto deRenda e o IPI saltaram de 32% para 47% e57%, respectivamente. “Então a União, quan-do sentiu o impacto de perda de receita, bus-cou recuperá-la potencializando as contribui-ções previdenciárias, que não são partilhadascom estados e municípios”, disse o deputadoHauly. Está aí a origem da complexidade dosistema. “Cada vez mais se distanciando do sis-tema tributário mundial.”

Há duas referências mundiais em termos desistema tributário: nos EUA e na União Euro-péia. O sistema na União Européia tem o im-

Pinheiro: “Algumas empresas tinham operações que eram mais caso de polícia do que de fiscalização tributária”

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posto de valor agregado (IVA), que é centrali-zado e de destino, e não de origem, como é noBrasil. Tem ainda o IR, a contribuição previ-denciária e impostos sobre a propriedade. NosEUA, a diferença do modelo europeu é quenão há o IVA, mas há o imposto de venda.

No Brasil a tributação se concentra no con-sumo. “Quanto mais tributo no consumo, maisregressivo o sistema tributário”, disse Hauly.Com isso, os percentuais de arrecadação nes-sa base foram elevados a 58%. “Exatamente aícomeçam as distorções. Primeiro, os incenti-vos fiscais, que são extremamente danosos naformação de preços. Depois, você tem a elisãoe a sonegação.”

“Hoje no Brasil, para sobreviver a essa estru-tura injusta do sistema tributário brasileiro,você precisa ser monopolista, ou estar carteli-zado, ou ser sonegador, ou ter incentivos fis-cais. Se não reagir a toda essa estrutura, aca-ba perdendo sua empresa”, acrescentou.

Se colocada na ponta do lápis toda a carga tri-butária brasileira, chega-se a 52,5% do PIB. Masa arrecadação efetiva é de 37%. Uma diferençaentre a carga legal e a efetivamente arrecadada.Nessa diferença estão, segundo Hauly, os incen-tivos fiscais, a elisão e a sonegação. “Não pode-ria ter uma margem tão grande”, disse. Como acarga no consumo é alta, ela acaba tirando o po-der de compra das camadas populares. No cál-culo do deputado, o país poderia ter um cresci-mento médio de 8% no mínimo, no ano, caso ti-vesse um sistema tributário mais justo.

“O ideal é enxugar o sistema e acabar como ICMS canalha em que cada estado tem umalegislação”, disse. Hauly chama atenção paraas alíquotas praticadas entre países do Merco-sul, que chega a zero, enquanto entre estadosbrasileiros elas chegam a 12%. “Estamos rei-vindicando a associação de livre comércio en-tre os estados brasileiros”, disse. “Hoje, sim-plificar é o que precisamos.”

Luis Carlos Hauly: “Quanto mais tributo no consumo, mais regressivo o sistema tributário”

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Informalidadefaz mal à saúde

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A concorrência desleal dificulta

a circulação de produtos mais

baratos, como genéricos,

e causa graves problemas sociais

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Ainformalidade do setor farmacêuti-co amplia cada vez mais o fosso en-tre a população mais carente do paíse o acesso ao medicamento. As prá-

ticas de concorrência desleal em vários níveis(comércio, distribuição e indústria) dificul-tam a circulação de produtos mais baratos,como genéricos, e causam graves problemas

sociais. Durante o painel sobre “Asconseqüências da informalidade nasaúde pública”, a proliferação de far-

mácias, a contratação ilegal de em-pregados, a banalização do uso de re-

médios, a venda sem prescrição médi-ca, a ausência de farmacêuticos nosestabelecimentos comerciais foram al-guns dos danos identificados pelos par-ticipantes do debate.

O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, con-denou a prática do que denominou “empur-roterapia”, ou seja, a oferta por parte de bal-conistas de farmácias de produtos similaresmais caros para o consumidor. “Há uma va-riação em torno de 27% no preço dos re-médios, em relação aos medicamentos dereferência, no entanto, pelo caráter infor-mal das relações de trabalho nos locais dedistribuição, há uma complementação aosalário do balconista, que é baixo. Ele ga-nha por meio da ‘empurroterapia’ 10% so-bre as vendas desde que dirija a comprapara medicamentos similares. O estabe-lecimento comercial vende um produtomais caro que o genérico e adquirido porum valor mais baixo que o de referência,que complementa o salário do empre-gado”, afirmou o ministro.

Segundo Saraiva Felipe, a causa ge-ral para a existência de uma informa-lidade no setor – que, nos seus cál-culos, provoca uma evasão de im-postos de R$ 3 bilhões a R$ 5bilhões de reais por ano – é o pe-so da carga tributária. “No setor,a carga é de 23% a 25%, e isso éum fator estimulador da infor-malidade”, afirmou. O minis-tro destacou que o Brasil foi

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fevereiro de 2006

Efeito colateral

14 | | ESPECIAL

o oitavo mercado farmacêutico do mundo. Ogoverno, reconheceu Saraiva Felipe, tem dificul-dade de fiscalizar o setor devido ao elevado nú-mero de estabelecimentos comerciais, cerca de70 mil. De acordo com dados citados por ele,30% das farmácias driblam a lei federal que obri-ga a permanência de um farmacêutico profissio-nal em tempo integral e cerca de 30% mantêmrelações ilegais de trabalho com os balconistas.

A formação acadêmica do farmacêutico, se-gundo ele, é fundamental para melhorar as prá-ticas no comércio e empurrar o setor para umcomportamento mais ético. “Nós, médicos, pas-samos a ser formados muito mais pelos profis-sionais propagandistas dos laboratórios do quepela universidade, porque muitas disciplinas fo-ram eliminadas ao longo do tempo e de refor-mas universitárias”, lembrou. Saraiva Felipe con-denou também a banalização do uso de medi-camentos por meio da propaganda. No entanto,alertou para a necessidade de a Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelecerregras e fiscalizar sem “burocratizar” ou “carto-rizar” o setor. “Temos de estabelecer sempre umdiálogo, ouvir o setor”, defendeu.

Os impactos dessas práticas, sobretudo a da“empurroterapia”, na saúde pública são de fá-cil diagnóstico. O ministro citou o grande nú-mero de intoxicações por medicamentos malutilizados e o desenvolvimento de resistênciaàs bactérias por uso excessivo de antibióticos,um problema que atinge cada vez mais pessoas,principalmente nas classes mais baixas da po-pulação. Além disso, lembrou que, este ano, oMinistério dispõe de R$ 4 bilhões para a assis-tência farmacêutica pública, mas esse valor de-veria ser muito maior. O deputado Rafael Guer-ra, presidente da Frente Parlamentar da Saú-de, defendeu um aumento de R$ 3,5 bilhõespara esse item do orçamento.

Guerra condenou a idéia das farmácias po-pulares como forma de impedir essas práticase ampliar o acesso da população pobre aos me-dicamentos. “O gasto com farmácia popular éum total desperdício”, afirmou o deputado. “Dápara ser filmado, passar na televisão, fazer mar-keting, mas é um programa que não atende a0,5% da população”, completou. Segundo ele,o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôso programa da farmácia popular “por desco-nhecimento do setor”. O deputado concordoucom o ministro que o orçamento da Saúde de-ve ser ampliado no item de despesas com as-sistência farmacêutica. Já Saraiva Felipe pon-derou que, embora tivesse dúvidas sobre o pro-grama, reconhece que as farmácias popularesagradam à população de baixa renda e anun-ciou que o Ministério estuda um projeto deparceria com as farmácias privadas para subs-tituir o alto custo de abrir novas unidades. Poresse modelo, as farmácias de grandes redes te-riam um espaço (um balcão) para esse tipo devenda subsidiada.

O terceiro participante do painel, o ex-pre-sidente da Anvisa Gonzalo Vecina (leia entre-vista à página 20) destacou que todos os pro-blemas apontados na pesquisa da McKinsey jáeram conhecidos do setor, só estavam mais or-ganizados e reunidos. “Ao ver esses dados, noscausa um sentimento de perplexidade, e nãode indignação. Ficamos perplexos. E isso é pe-rigoso porque o sentimento de perplexidade le-va à inação e a indignação leva à ação, pelomenos quando estamos diante de uma pessoade coragem”, afirmou. Vecina pediu maior di-vulgação do que está acontecendo por causada informalidade no setor farmacêutico. “A so-ciedade não sabe que está morrendo porquetoma o medicamento errado ou de forma er-rada, é preciso informar isso”, disse. B

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“O gasto com farmácia popular é um total desperdício. Dá para ser filmado, passar na televisão, fazer marketing, mas é um programa que não atende a 0,5% da população”Rafael Guerra | Deputado e presidente da Frente Parlamentar da Saúde

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ESPECIAL | | 15fevereiro de 2006

Saraiva Felipe:“No setor, a cargaé de 23% a 25%,e isso é um fator estimulador da informalidade”

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ESPECIAL | | 17fevereiro de 2006

Aalta carga tributária e a desorganiza-ção do sistema fiscal no país foramapontadas como as principais causasda informalidade e da concorrência

desleal no setor farmacêutico. O pior é que areforma tributária, embora defendida pelos pa-lestrantes do seminário como fundamental pa-ra enfrentar esse problema, será incapaz de re-solvê-lo se for aprovada pelo Congresso Na-cional com o texto que está sendo discutidopelos parlamentares. “A não-ação tem um cus-to. O país demorou a enfrentar o problema tri-butário; e isso vale para este e para o governoanterior. Estamos todos, a sociedade, pagan-do por isso”, afirmou o então secretário de Fa-zenda do Estado de São Paulo, Eduardo Guar-dia. Ele fez um alerta: “Ou se olha o lado dadespesa pública ou não há possibilidade de re-duzir a carga tributária.”

Guardia dividiu a mesa do terceiro painel doevento promovido pelo Instituto ETCO, paradebater “Propostas e Soluções”, com o diretor-geral da Anvisa, Dirceu Raposo de Mello, ecom o ex-secretário da Receita Federal Everar-do Maciel, também conselheiro do ETCO.Guardia e Maciel defenderam urgência para opaís aprovar uma reforma tributária, mas cri-ticaram o Projeto de Emenda Constitucionalem tramitação em Brasília. “É qualquer coisamenos uma reforma. Não vamos resolver na-da colocando na Constituição as alíquotas deICMS, prazo de ressarcimento das desonera-

ções de exportação ou outros pontos como es-ses. É melhor discutirmos mais”, afirmou Guar-dia. Maciel atacou a tendência do legisladorbrasileiro de incluir na Constituição temas quedeveriam ser regulados por leis ordinárias oucomplementares. “Precisamos fazer uma li-poaspiração na Constituição, que é obesa”,comparou, citando frase do presidente do STF,Nelson Jobim.

Segundo Maciel, o Brasil confunde eficiên-cia com hierarquia e acha que colocando tu-do na Constituição a lei será cumprida. “Mui-tas vezes, sei bem disso, uma instrução nor-mativa de um secretário de Fazenda tem maisefeito do que um artigo da Constituição”, tes-temunhou. Como exemplo de matéria consti-tucionalizada indevidamente, Maciel citou assubstituições tributárias. Essa questão, segun-do ele, deveria ser objeto, no máximo, para leicomplementar, mas o Congresso decidiu in-cluir na Constituição e transformou o assun-to em disputa jurídica crônica. “Tudo vai pa-rar no STF, e pára”, afirmou.

Outro ponto atacado por Maciel e Guardiaforam os incentivos fiscais que provocam aguerra fiscal entre os estados. “Esses incenti-vos são concedidos ilegalmente desde 1970”,afirmou Maciel. Para os palestrantes, enquan-to a guerra fiscal for alimentada é impossívelpensar em um ambiente tributário ideal e efi-ciente. Guardia citou várias ações do governodo estado de São Paulo na luta contra a guer-

A melhor receitaTrabalhador formal custa 103,46% de impostos sobre o salário

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Propostas

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ra fiscal e prometeu que o empenho do Palá-cio dos Bandeirantes será diminuir o quantopuder a capacidade de disputa entre os esta-dos. “Estamos combatendo a guerra fiscal, nãodá para ter um sistema de substituições tribu-tárias com incentivos fiscais, vamos usar o queestiver a nosso alcance, como a glosa de cré-dito, por exemplo, que é um instrumento legí-timo da economia. No setor farmacêutico con-seguimos eliminar os incentivos com os ataca-distas”, afirmou. Guardia adiantou que o temavoltará a ser discutido no Conselho dos Secre-tários de Fazenda (Confaz). “Por enquanto,não dá para falar em redução de imposto comesse grau de informalidade no setor.”

ANVISA MUDA TÁTICAO diretor-presidente da Agência Nacio-

nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), DirceuRaposo de Mello, anunciou durante o se-minário “Incentivando o Crescimento daEconomia Formal no Brasil: um estudo dosetor farmacêutico”, promovido pelo ET-CO, que o objetivo a curto prazo é promo-ver no país uma ação de fiscalização pre-ventiva. “Saber, como ocorreu num caso fa-moso há oito anos, que não tinha um hor-mônio para tratar de câncer de próstatadepois de o paciente morrer não adianta.Nosso projeto é que a Anvisa passe a serproativa, ir em busca, se possível, antes deo fato se consumar”, prometeu o presiden-te da Anvisa.

Raposo de Mello solicitou a participaçãode todos os agentes do setor para poderalcançar essa meta. Segundo ele, esse es-forço não pode ser só da agência regula-dora, tem de ser de toda a sociedade.“Não temos forma diferente para fiscali-zar. A fiscalização dos estabelecimentos étotalmente impossível”, afirmou. Ele lem-brou que só na região de alguns municí-pios próximos da região metropolitana deSão Paulo foram fechados, recentemente,1.200 estabelecimentos clandestinos. Noestado, são estimados de 12 mil a 17 milfarmácias.

“Se tiver conhecimento de algum estabe-lecimento informal, e há o formal que tra-balha na informalidade e aquele ilegal, queestá totalmente no crime, tem de denunciarimediatamente”, pediu. Segundo ele, a An-visa tem tomado uma série de medidas paracoibir falsificações e práticas de concorrên-cia desleal. Entre as ações, estão a capacita-ção de inspetores para verificar o cumpri-mento das Boas Práticas, o fortalecimentoda legislação sanitária e a participação noPlano Nacional de Prevenção e Combate àFalsificação e Fraude de Medicamentos.

“A Anvisa investe em um modelo de tra-balho proativo, o que inclui o desenvolvi-mento de programas de impacto nacional”,afirmou. Um desses programas é o Farmá-cias Notificadoras, que treina farmacêuticospara notificar problemas com medicamen-tos e incentivar o uso consciente desses pro-dutos. “O objetivo é estimular a farmácia aassumir sua função de estabelecimento desaúde”, destacou. Em 2005, quatro estados –São Paulo, Santa Catarina, Pará e Goiás –aderiram ao programa.

Nessa mesma linha de atuação, a Anvisafirmou parceria, em novembro, com a Fede-ração Nacional dos Médicos e a FederaçãoNacional dos Farmacêuticos. O primeiro re-sultado dessa união foi a realização de umseminário sobre propaganda e uso racionalde medicamentos, em Salvador, reunindo

Guardia: “O país demorou a enfrentar o problema tributário, e todos pagamos por isso”

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ESPECIAL | | 19fevereiro de 2006

Para Maciel, no setor farmacêutico, umdos maiores problemas é a falta de uma re-forma trabalhista. O ex-secretário lembrouque há inúmeros estudos mostrando que ocusto do empregado formal no paíes é de103,46% de encargos sobre o salário. “Nãoé possível manter esse antagonismo entreimposto e salário. Ninguém trata disso por-que se convencionou dizer que são os direi-tos do trabalhador, e aí criamos o trabalha-dor de primeira classe e o de segunda clas-se, em que são incluídos 60% da populaçãoeconomicamente ativa do país, ou seja, nainformalidade”, lembrou.

Sobre a redução de impostos para o setor

farmacêutico, Maciel citou uma experiênciaque viveu como secretário de Fazenda doDistrito Federal. No esforço de ampliar acampanha de combate à aids, o governo es-tadual tentou reduzir os impostos sobre opreservativo masculino, e Maciel queria tam-bém a mesma redução sobre os medicamen-tos para diarréia, grande causa de mortali-dade infantil. Como foi impossível chegar aum consenso no Confaz, o governo do DFdeterminou a diminuição de impostos sobretodos os medicamentos na ordem de 7%,desde que o preço final ao consumidor caís-se em 14%. Foram colados cartazes nas far-mácias com a informação.

prescritores (médicos) e dispensadores (far-macêuticos) de toda a Região Nordeste. Atémaio de 2006 o seminário será realizado emtodas as regiões do país.

Para aperfeiçoar os mecanismos que ga-rantem a autenticidade dos medicamentoscomercializados no Brasil, a Anvisa tambémassinou um acordo de cooperação técnicacom a Casa da Moeda do Brasil, no início dedezembro. O acordo prevê a criação de umselo-padrão de segurança para inibir falsifi-cações de medicamentos e o desenvolvimen-

to de mecanismos para garantir o rastrea-mento dos produtos farmacêuticos. Se-gundo Dirceu Raposo, é fundamental in-vestir em ações integradas entre os entesque compõem o Sistema Nacional de Vigi-lância Sanitária para coibir irregularidadesno setor farmacêutico. “A Anvisa e as vigi-lâncias sanitárias estaduais e municipaistêm a responsabilidade de promover oacesso da população a produtos de quali-dade, seguros e eficazes, entre eles, os me-dicamentos”.

Raposo de Mello:“A Anvisa investeem um modelode trabalho proativo, o queinclui programasde impacto nacional”B

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Entrevista

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Ex-secretário de Saúde do municípiode São Paulo e ex-diretor-presiden-te da Agência Nacional de Vigilân-cia Sanitária (Anvisa), Gonzalo Ve-cina, de 53 anos, é um dos mais pre-

parados profissionais para discutir a questão dasaúde no país. Em sua opinião, além da ques-tão tributária, a informalidade no setor farma-cêutico tem relação direta com a falta de umapolítica clara e eficiente de assistência e am-pliação do acesso aos remédios. Nesta entre-vista exclusiva à revista ETCO, ele critica o co-mércio varejista, a indústria, o poder público etodos aqueles que culpam terceiros pelo pro-blema das práticas ilegais na venda de remé-dios, que, conseqüentemente, prejudicam a par-cela mais carente da população. “Toda a socie-dade é responsável”, afirma. Vecina cobra maiorfiscalização em todas as etapas da cadeia pro-dutiva de medicamentos e diz que há necessi-dade de uma verdadeira revolução no setor. “Épreciso promover uma reestruturação total nomercado farmacêutico do país”, defende.

ETCO: Como explicar a informalidade nosetor farmacêutico?Vecina: O grau de informalidade no setor far-macêutico é muito mais fruto de práticas comer-ciais. Quando você pega outros setores da eco-nomia, quando você fala em informalidade, es-tá falando em falsificação, coisas muito maisdeliberadamente constituídas. No setor farma-cêutico, não. O que eu vejo é que, dada a estru-tura tributária, assim como o número de farmá-cias, de distribuidoras e de práticas que são bas-tante antigas no nosso mercado, você caminha

para ter essa feição de informalidade que não éfácil de ser visualizada, tanto é que precisou deum estudo para isso. É um setor que tem altacarga tributária, um conjunto de produtos comcomponentes de alto valor agregado, então, pas-sou a valer a pena criar instrumentos para bur-lar essa carga tributária. Hoje nós temos, segu-ramente, 10 mil farmácias ilegais no país.

ETCO: E há uma informalidade do estabe-lecimento legalmente constituído.Vecina: É o que eu chamo de informalidadeformal. É a história da nota que passeia. Den-tro da briga fiscal entre os estados, aqueles quetêm diferença no seu ICMS vão incentivar queo medicamento passe pelo estado e deixe láuma certa quantia, irrisória, mas importantepara aquele estado, enquanto você no estadode origem do produto não está recolhendo oimposto. Como o ICMS é o imposto mais im-portante dentro da estrutura da cadeia do me-dicamento, tem-se essa informalidade formal.Esse espectro de coisas tem grande vínculo commazelas da organização da sociedade brasilei-ra. Por exemplo, não dispensarmos atenção àsaúde como deveríamos. Sem sombra de dúvi-da esse é o maior responsável pela automedi-cação exagerada, com mais da metade das ven-das sem receita médica.

ETCO: Ao longo do tempo, tem sido feitaalguma coisa para combater a informali-dade no setor?Vecina: A lei 5991/1983, que é a lei que re-gulamenta o comércio farmacêutico no Bra-sil, significou um avanço ao exigir a presença

Toda a sociedadeé responsávelGonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa, critica a falta de uma política

de assistência farmacêutica e diz que isso mudaria todo o quadro no setor

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do farmacêutico na farmácia. No entanto, elatinha um dispositivo que permitia que o téc-nico de farmácia ocupasse esse espaço duran-te determinado tempo. Os conselhos de far-mácia não aceitaram isso, e nós ficamos comuma lei que não era realidade porque o núme-ro de farmacêuticos até bem recentemente eraabsolutamente insuficiente para a tarefa.

ETCO: Virou mais uma lei que não pegou.Vecina: A lei que não pega é a lei que está des-contextualizada. Em geral, isso ocorre por igno-

rância de alguns aspectos – no caso, o que foi ig-norado aí foi o número de profissionais. No iní-cio de 1998, tínhamos 50 mil farmácias e 55 milprofissionais registrados no Conselho Federal deFarmácia. Como boa parte dos farmacêuticostrabalha na indústria, em laboratórios tambéme ainda em hospitais, você tem uma quantidadede 55 mil farmacêuticos para isso tudo, e não hácomo cumprir a lei. Nos últimos dez anos, o nú-mero de faculdades da área, como em muitas ou-tras, aumentou explosivamente. Não tenho o nú-mero exato, mas estamos em torno de 140 facul-

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Entrevista

fevereiro de 200622 | | ESPECIAL

dades de farmácia no país, o que significa que jáestamos ou estaremos formando algo em tornode 14 mil profissionais/ano. Com certeza, hojeestamos muito próximos de não ter esse proble-ma. E aí a questão passa a ser de fiscalização ede reestruturação do comércio varejista.

ETCO: Isso significa diminuir o número defarmácias.Vecina: Sim. Essa é uma das demonstrações des-se estudo da McKinsey. É impossível as farmá-cias de rede, com uma estrutura de gastos quese espera que uma farmácia formal tenha, man-tenha essa operação só com a receita. O núme-ro de unidades vendidas dividido pelo número defarmácias não permite que se tenha essa quan-tidade de estabelecimentos. A fiscalização temde agir, e aí muitas farmácias fecharão mesmo.Não há como sustentar o seu custo fixo, entreeles o salário do farmacêutico. Para que isso acon-teça, as providências que devem ser tomadas nãosão só do Estado. São também de setores impor-tantes da sociedade. Há que envolver os conse-lhos de farmácia, o Ministério Público, a impren-sa e, claro, a própria indústria. Quem vende omedicamento para uma distribuidora, que ven-de para outra distribuidora, que, por sua vez, ven-de para a farmácia informal? Essa pergunta nãopode deixar de ser respondida. Se as indústriassão capazes, e elas fazem isso, de escolher os seusdistribuidores, elas têm de exigir deles que esco-lham também para quem vão vender. Não exis-te nenhuma justificativa para um distribuidor re-picar a venda para um distribuidor informal. Euentendo que seja preciso ter venda de distribui-dor para distribuidor, por causa da capilaridadeque os pequenos têm. Mas podem escolher pa-ra quem repassam. É preciso promover uma rees-truturação total do mercado farmacêutico do país.

ETCO: Quais seriam as outras mudançasnecessárias?Vecina: Diversos aspectos têm de ser revistos.O aspecto regulatório: a Anvisa precisa fiscali-zar as indústrias de forma mais conseqüente. Is-so quer dizer usar as regras que foram aprova-das por meio de instrumentos públicos de ma-neira permanente. Toda indústria tem de serfiscalizada todo ano. Ou se tem de encontraruma alternativa. A segunda questão é a fiscali-zação do varejo. Isso é uma tarefa das vigilân-cias estaduais e municipais. A questão dos im-postos tem de ter uma solução. É uma hipocri-sia os governos falarem como falam de guerra

“Hoje nós temos,

seguramente, 10 mil farmácias

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fiscal. É uma hipocrisia. Por baixo da guerra oque existe é uma indefinição fiscal e tributáriapela qual passa o país. Ninguém sabe quem ar-recada o que para fazer o quê. A Constituiçãode 88 transferiu muitas obrigações para estadose municípios e não mexeu de maneira adequa-da na estrutura do financiamento do Estado bra-sileiro, nas suas três esferas de governo. Temosde enfrentar o desafio da reforma fiscal e tribu-tária. Não adianta falar que vamos mexer no pon-to chamado guerra fiscal do ICMS em medica-mento. Duvido que a gente consiga fazer isso.Parte do ceticismo da Receita Federal eu enten-do porque eles sabem que é impossível mexerem um único ponto tão isolado como é o do me-dicamento. É preciso uma solução mais global.Uma alternativa à reforma que está em discus-são no Congresso, pelo que sinto, não há.

ETCO: Tudo isso não teria de estar numprojeto de assistência farmacêutica maisamplo?Vecina: Essa é a terceira questão e a mais im-portante. Temos de ter uma política de assis-tência farmacêutica que saia do espaço restri-to da assistência à alta complexidade e às doen-ças estratégicas. Dizer que aids, tuberculose,hanseníase são doenças estratégicas, fantásti-co. Mas dizer que hipertensão, que afeta algoem torno de 20% da população, e diabetes, queafeta algo em torno de 15%, não são estraté-gicas é demais. Imaginar também que a popu-lação brasileira, com a atual estrutura de dis-tribuição de renda, em que 60% da populaçãoainda tem uma renda familiar abaixo de 4 sa-lários mínimos, terá condição de fazer frenteao tratamento de hipertensão é uma bobagem.Vamos continuar alimentando as doenças car-diovasculares como a primeira causa de mor-te. Precisamos caminhar para ter uma políti-ca de assistência farmacêutica.

ETCO: Qual é o papel do Estado nesse ra-ciocínio?Vecina: Acho que o papel do Estado está bem cla-ro. A Constituição de 88 é adequada para situaresse papel, que é construir o bem-estar social. Is-so significa garantir emprego, previdência, saúde,educação, segurança, habitação e infra-estruturapara o crescimento acontecer. Nós temos é demelhorar esses instrumentos. Na área farmacêu-tica, os instrumentos que o Estado tem são malusados. Nos países europeus e no Canadá – nosEstados Unidos é completamente diferente –, on-

de há política de assistência farmacêutica, há umcontrole direto imenso sobre toda a cadeia. Porquê? Porque o Estado é o comprador de 80% a90% do que é fabricado. Ficam de fora apenas osmedicamentos voltados para uso sem prescrição.Se não é comprado, há algum tipo de participa-ção do Estado na formação do acesso ao medi-camento. Isso é que muda.

ETCO: O Ministério diz que gasta R$ 4bilhões de seu orçamento com essa ação.Vecina: Quando olhamos para o orçamento doMinistério da Saúde, em torno de R$ 40 bi-lhões, só para arredondar, então isso é cerca de10%. Se você considerar que o gasto públicoper capita em assistência à saúde deve estar emtorno de uns R$ 350/ano, ou seja, uns R$ 70bilhões – metade do Ministério da Saúde e aoutra dos estados e municípios. Fora o gastoprivado, convênios e o pessoal. O gasto públi-co é a metade do gasto total da saúde. Nessesoutros países, em média, o gasto de assistênciafarmacêutica varia em torno de 15% do gastopúblico. Se aplicarmos esse parâmetro aqui, es-tamos falando em 15% de R$ 70 bilhões, ou se-ja, R$ 10,5 bilhões – em torno da metade daprodução farmacêutica brasileira. Então deve-ríamos gastar isso. Se você somar mais R$ 1 bi-lhão de estados e municípios, gastamos R$ 5bilhões. É a metade do que deveríamos gastarse utilizássemos esse parâmetro dos países eu-ropeus. Isso mudaria todo o quadro.

ETCO: As farmácias populares entram nes-se processo?Vecina: Claro. Se as farmácias populares de-rem certo, tudo o mais dará errado. Acabariao comércio varejista de farmácia. Se der certo,é uma bomba atômica. O Ministério da Saú-de, acho bom, embora desconheça detalhes,está pensando em credenciar estabelecimen-tos para fazer a dispensação de determinadosprodutos de alguns programas estratégicos eremunerar essas farmácias privadas. É o queacontece nos países desenvolvidos. As farmá-cias fazem a dispensação e são ressarcidas pos-teriormente pelo Estado. A estrutura é priva-da, não se cria uma farmobrás. Acho que esseé o bom caminho. Quando você credencia asfarmácias que vão vender remédios do projetode dispensação, se for 1 para 10 mil, tenha cer-teza que nenhuma das outras vão subsistir aisso, ao fato de não terem para quem vender,se a assistência for universal.

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ESPECIAL | | 25fevereiro de 2006

Radiografiamostra mancha no setor farmacêuticoPela primeira vez há um mapa da informalidade do mercado

farmacêutico brasileiro. Preste muita atenção aos números,

porque eles apontam para um cenário perigoso num dos mais

importantes segmentos da economia nacional

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Informalidade

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Os números são impressionantese foram cuidadosamente levan-tados pelos pesquisadores e ana-listas da consultoria McKinsey& Company e do escritório Pi-

nheiro Neto Advogados. O trabalho é um diag-nóstico detalhado dos males que afligem o se-tor e servirá como uma bússola para definirprioridades no trabalho da câmara setorial defármacos do Instituto Brasileiro de Ética Con-correncial – ETCO em 2006. O estudo seráa base de um programa para atacar a infor-malidade porque consegue mostrar todas asfaces desse mal que ataca a economia brasi-leira e atinge um de seus maiores índices nosetor farmacêutico.

Há outros dados relevantes na conclusãodo estudo. Segundo o relatório, 27% das ven-das de medicamentos nas classes terapêuti-cas pesquisadas (Amoxicilina, DiclofenacoPotássico, Loratadina e Maleato de Enalapril)são feitas por meio de troca ilegal de receitas.Ou seja, o balconista, sem nenhuma cerimô-nia, descarta a recomendação médica e indi-ca ele mesmo o que melhor pode ser admi-nistrado no lugar daquele medicamento ini-cialmente indicado pelo médico. Uma práticaque, embora o bom senso mostre que não po-de trazer resultados para o paciente, tem serevelado bastante lucrativa nos meandros dainformalidade. Traduzida em termos finan-ceiros, equivale a um montante que pode che-gar a R$ 5 bilhões.

O estudo revela que 21% dos medicamen-tos são trocados ilegalmente de forma es-pontânea. Se estimulada, a troca aumentapara 40%. Caso toda a troca de receita fos-se feita dentro da lei, ou seja, para genéri-cos oficiais que têm qualidade assegurada,os pacientes teriam um custo menor de tra-tamento, liberando recursos valiosos princi-palmente para as classes mais baixas. Con-tudo, o que se vê é bem diferente e ocorrena verdade um aumento de custo significa-tivo para o paciente.

Na troca ilegal incentivada, como quemorienta é o balconista, sem nenhuma forma-ção técnica, muitas vezes os medicamentosoferecidos nem sequer são da mesma classe

terapêutica ou têm as mesmas característicasdo original. Em práticas informais de merca-do, o laboratório incentiva o balconista viaprêmios ou até mesmo comissão direta. “Atroca ilegal, freqüentemente associada à bo-nificação, permite duplicar a margem da dro-garia”, dizem os pesquisadores da McKinsey.

Nelson Russo Ferreira, um dos apresentado-res do estudo durante o evento, explicou quemuitas vezes a argumentação do balconista pa-ra induzir a troca do medicamento é o preçomais baixo. “Ele diz ‘leva este aqui que é maisbarato’. No entanto, a posologia e a dosagemsão diferentes, o que acaba aumentando o cus-to da medicação”, diz Ferreira. Essa diferençao paciente não percebe e o balconista escon-de. “É triste porque esse tipo de argumenta-ção de troca acaba afetando as camadas maisbaixas da população”, diz Ferreira.

Os técnicos responsáveis pelo estudo iden-tificaram ainda diversas formas de desrespei-to à regulamentação do setor, o que acaba porgerar grande risco à saúde pública. O empre-go informal é mais proeminente em droga-rias, o que agrava o atendimento no balcão.O estudo aponta também para um déficit de,pelo menos, 200% de farmacêuticos capaci-tados para o trabalho em drogarias. Ou seja,um flagrante descaso à regulamentação bra-sileira para o setor farmacêutico.

O alto grau de informalidade traz danos re-levantes para o desenvolvimento da área ecompromete o bem-estar de toda a socieda-de. Veja-se, por exemplo, que o cliente nemsequer é bem informado na grande maioriadas drogarias, uma vez que para cumprir a re-gulamentação de ter sempre um farmacêuti-co de plantão, dado o número de drogariasno país, seriam necessários ao menos três ve-zes mais profissionais do que os que atual-mente estão na ativa no país.

Além disso, a ausência de boas práticas defabricação compromete a qualidade do produ-to que chega às mãos do brasileiro. Não seriaexagero dizer que alguns milhões de reais emdesenvolvimento, produtividade e crescimen-to econômico escorrem diariamente pelos ra-los da informalidade. Some-se a esse cenárioa perda de capacidade física de pacientes in-

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ESPECIAL | | 27fevereiro de 2006

...centrais de alto impacto

direto sobre a informalidade e/ou que facilitem

a efetividade das demais.

...de contenção, ou de

impacto intermediário,

que restringem o crescimento

da informalidade.

...periféricas, com atuação

específica sobre alguns

dos múltiplos facilitadores

da informalidade.

AS AÇÕES PARA ENFRENTAR A PROBLEMÁTICA DO SETOR DEVEM SER...

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Informalidade

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duzidos a medicações erradas. Ou seja, gastammais dinheiro na compra de medicamento elevam mais tempo para se recuperar da enfer-midade, uma vez que são induzidos a consumirremédios que fazem bem à receita de labora-tórios e drogarias, mas não necessariamente àsua saúde. Uma combinação que afeta direta-mente a produtividade do país, pois deixa tra-balhadores mais horas em recuperação.

“Os volumes são grandes na informalidadee acontecem de diversas formas”, disse Fre-derico Oliveira, outro dos autores do estudoque fizeram sua apresentação durante o semi-nário. A informalidade no setor farmacêuticopode ser classificada em quatro tipos: práti-cas de mercado, regulatória, tributária e tra-balhista. São, basicamente, esses quatro ca-minhos tortuosos por onde transitam as van-tagens econômicas que acabam por destruira concorrência saudável, que promove o cres-cimento do setor e a melhora dos serviços eprodutos entregues ao consumidor.

A distorção tributária provoca perda de ca-pacidade de investimento do governo. A sone-gação ocorre ao longo de toda a cadeia de pro-

dução, nos laboratórios, nos distribuidores eno varejo.

No varejo, onde o nível de precisão do es-tudo é maior, a sonegação média chega a 50%,o que representa quase R$ 1,5 bilhão. No la-boratório, a estimativa é de que a sonegaçãomédia fique entre R$ 300 milhões e R$ 700milhões, o que significa algo em torno de 8%a 21%. Nos distribuidores a sonegação médiaé a menor dos três, da ordem de R$ 300 mi-lhões a R$ 400 milhões. Mas ainda assim asonegação média nos distribuidores é relevan-te, pois equivale a um percentual entre 15%e 50% da arrecadação.

Há diversas formas de evasão fiscal. Elas po-dem ocorrer desde a adulteração e eliminaçãode notas fiscais usando empresas fantasmasaté a simulação de destino da mercadoria.Neste último caso, a carga é enviada por umcaminho, mas as notas fiscais são emitidas co-mo se houvesse tráfego interestadual para seaproveitar da alíquota diferenciada de repas-se entre os estados.

A estrutura tributária brasileira acaba, por-tanto, sendo afetada pela evasão. O resultado é

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ALÍQUOTA DE PRIMEIRO MUNDOCarga tributária sobre o PIB (em %)

MéxicoArgentina

TaiwanColômbia

ChinaÍndia

BrasilCanadáAlemanhaReino Unido

EUARússia

IrlandaAustrália

MEDICAMENTOS SÃO MAIS TRIBUTADOS QUE DIAMANTES

(ICMS-SP, em %)

Medicamentos

Calçados

Cavalo puro-sangue

Internet e TV a cabo

Diamantes e esmeraldas

Barcos nacionais

0 5 15 20

0 5 10 15 20 25 30 35 40

que as alíquotas passam a ser maiores sobre osetor formal da economia para poder ter equi-líbrio financeiro. “O Brasil taxa a sociedade comum nível de impostos de país desenvolvido, mascom uma estrutura que desestimula a empresaformal porque onera desproporcionalmente asempresas”, dizem os autores do estudo.

No Brasil, em termos de impostos, os pa-drões chegam a ser até maiores do que em al-guns países de Primeiro Mundo. Chega a ul-trapassar a de países como Estados Unidos, Ir-landa e Austrália.

No caso do setor farmacêutico brasileiro, cer-ca de 23% do preço pago pelo consumidor pe-lo medicamento são impostos. Uma tributaçãoque chega a ultrapassar a de produtos de me-nor necessidade (veja gráfico). Em muitos paí-ses esse é um setor que, por sua importânciasocial, é até mesmo livre de encargos.

Além disso, de uma forma geral esse arca-bouço da informalidade leva a uma exposiçãoda população a riscos de saúde, com uso demedicamentos de qualidade inferiores ou ina-dequados ou ainda o uso de quantidades e do-sagens inadequadas. “Um terço de casos de in-toxicação no Brasil é por uso indevido de me-dicamentos”, disse Dirceu Raposo, diretor daAnvisa. A troca ilegal de remédios no atendi-mento à população provoca ainda uma dimi-nuição do acesso ao medicamento devido aomaior preço cobrado.

O estudo constatou que a atual estrutura dosetor acaba gerando um círculo vicioso. Issoporque viabiliza muitos estabelecimentos abai-xo da escala mínima de formalização, ao mes-mo tempo que inibe o crescimento em funçãoda necessidade de formalização. A fragmenta-ção decorrente e a concorrência predatória di-ficultam a fiscalização, aumentando o incen-tivo à informalidade.

“Parte do problema está na maneira como aindústria está organizada hoje”, disse Olivei-ra. “A fragmentação da indústria reforça e es-timula a operação informal de uma série departicipantes”, acrescentou.

Exemplos internacionais mostram que o Bra-sil tem um dos maiores índices de drogarias/far-mácias por habitante do mundo. Há no Brasilcerca de 450 laboratórios e 52.800 farmácias

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Informalidade

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ram por problemas semelhantes e deram solu-ções. “É claro que nem todas podem ser apli-cadas ao Brasil, mas o importante é observarque elas estão voltadas fundamentalmente paratrês pilares: concentração de poder de com-pra, fardo do controle repassado a agentes eampla disponibilidade e monitoramento de in-formações”, explicou Ferreira.

Em outros países, a estrutura do setor e açõesespecíficas criaram poderosas barreiras à infor-malidade. A ampla disponibilidade e monitora-mento de informações é um dos pontos fortes.Na Itália, por exemplo, há uma base de dadosde nomes e embalagens. Os italianos, dada adificuldade de fiscalização, criaram ainda uminstituto independente para a certificação deboas práticas de manufatura. O instituto é to-talmente custeado pela própria indústria.

No Reino Unido, há um forte controle de pres-crições e acompanhamento de padrões de pres-crição. E na Alemanha há controle de prescri-ções e orçamento dos próprios médicos. “O quenós percebemos é que são várias medidas. Nãose trata de uma única medida”, disse Ferreira.

Na Argentina há um controle fiscal rígidopor meio de ações específicas. O varejo, in-cluindo o farmacêutico, tem duas opções: ado-tar a nota fiscal padrão, emitida e controladapela Receita Federal, ou utilizar impressorafiscal padrão, conectada on-line com a

e drogarias, com uma grande concentração dovolume, o que levou os pesquisadores a esti-mar que muitas das empresas não têm escalapara ser formais. Segundo o estudo, 20 labo-ratórios concentram metade do mercado.Quanto aos pontos-de-venda, o estudo mostraque 6% deles representam aproximadamente20% do mercado.

Assim, com base em todos os custos neces-sários para a operação de uma drogaria, mes-mo considerando diferentes custos por região,os pesquisadores dizem que 75% das droga-rias declararam ter receitas inferiores à esca-la mínima necessária para sobreviver. Ou se-ja, ficam evidentes então dois caminhos: ouuma margem elevada por redução de custosvia informalidade ou uma declaração de ren-da abaixo da realidade com fins de sonegaçãofiscal – ou ainda ambos.

“A estrutura do setor farmacêutico no Bra-sil possui uma relação de causa e efeito coma informalidade”, dizem os autores do estudo.É a informalidade, portanto, que viabiliza aoperação de muitos estabelecimentos abaixoda escala mínima de formalidade e a alta frag-mentação do mercado dificulta a fiscalização.

“Fomos olhar outros países para ver o queacontecia por lá e ver se alguém teve algumaidéia interessante”, disse Ferreira. Os pesqui-sadores constataram que vários países passa-

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Receita. Na Tailândia, foi proposta a criaçãode um instituto independente de fiscalizaçãodo setor farmacêutico, financiado pelos pró-prios laboratórios.

Feitos os levantamentos das práticas em di-versos países, os autores do estudo concluem:“A atuação ampla, através de vários níveis deações, é imprescindível para o sucesso do pro-grama de combate à informalidade”.

O estudo elaborado pela McKinsey & Com-pany e pelo escritório Pinheiro Neto Advoga-dos foi amplamente debatido por autoridadese representantes do setor no seminário promo-vido pelo ETCO. O objetivo foi mostrar o ta-manho e as principais manifestações de infor-malidade no setor. Dessa forma foi possível dis-cutir um programa de combate à informalidadee apresentar propostas de mobilização e dire-trizes básicas para um conjunto de ações quetêm condições de levar o setor farmacêutico aconspirar para uma economia mais saudável.A cura pode estar a caminho, uma vez que odiagnóstico está pronto e aponta para a melhormedicação a ser administrada.

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sey

...ampliar em 50% o gasto com internações do Ministério da Saúde;

ou triplicaro investimento em

saneamento básico;

ou ampliar em 42% a

distribuição de medicamentos;

duplicar a verba à atenção

básica à saúde pelo SUS;

ou triplicar a verba

anual destinada à imunização, aos

hospitais próprios do governo

federal, ao combate a carências

nutricionais e à Anvisa;

OS TRIBUTOS SONEGADOS SERVIRIAM PARA...

ou triplicar o programa Saúde da Família

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Rua Viradouro, 63 - Cj. 61 - Itaim Bibi - São Paulo, SP - CEP 04538-110www.etco.org.br

O Instituto Brasileiro de Ética Concor-

rencial – ETCO – é uma organização sem

fins lucrativos que congrega entidades

empresariais e não-governamentais com

o objetivo de delimitar parâmetros éticos

para a concorrência e estimular ações efi-

cazes contra a evasão fiscal, a falsificação

de produtos e o contrabando. Fruto da

iniciativa de empresas brasileiras dos se-

tores de combustíveis, cigarros, cervejas

e refrigerantes, suas atividades transcen-

dem o caso de empresas e setores espe-

cíficos para englobar o conjunto da eco-

nomia, contribuindo para o desenvolvi-

mento sustentado e a criação de postos

de trabalho.

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