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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA DIOGO CEARÁ 2011

Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAMÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOAOBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA DIOGOCEARÁ 2011MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOAOBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA DIOGOMonografia apresentada ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial

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Page 1: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA

OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE

AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA

DIOGO

CEARÁ 2011

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MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA

OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO SOBRE

AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA ESCOLA HILZA

DIOGO

Monografia apresentada ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do grau especialista em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Orientação: Equipe de Suporte Acadêmico – CAEd

CEARÁ 2011

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MÁRCIO KLEBER MORAIS PESSOA

OBJETIVOS DA ESCOLA E QUALIDADE EDUCACIONAL: ESTUDO

SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER QUE PERMEIAM O ENSINO NA

ESCOLA HILZA DIOGO

Monografia apresentada ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora:

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

Ceará, de de 2011.

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RESUMO

O presente trabalho busca desvendar o que os sujeitos escolares da

Escola de Ensino Fundamental e Médio Dona Hilza Diogo de Oliveira

(localizada em Fortaleza - Ceará) compreendem por objetivos da educação

escolar e como essa compreensão influencia em suas práticas no ambiente

escolar, nos serviços oferecidos e, consequentemente, na qualidade

educacional. Além disso, realizei discussão sobre os objetivos da educação

escolar estipulados pela legislação vigente, visto que os três objetivos (preparar

o educando para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho, além

de desenvolvê-lo plenamente) destacados por essa legislação não são

definidos, o que abre espaço para múltiplas definições e apropriações. Com

isso, propus intervenções na escola visando a definição de seus objetivos por

parte da comunidade escolar, o que pode contribuir para se alcançar a

qualidade educacional. Para tanto, busquei dialogar com autores que discutem

a temática, tais como: Bourdieu, Passeron e Paro. Os métodos utilizados na

pesquisa foram: análise documental, “Observação flutuante”, aplicação de

questionários, realização de entrevistas e revisão de literatura. Alguns

resultados até o momento são: a não-definição dos objetivos contidos na lei

tem como resultado a definição pessoal dos vários agentes escolares, o que

colabora para um quadro onde estes podem praticar ações divergentes, por

buscarem objetivos divergentes, dependendo de cada interpretação individual

da lei, não havendo um consenso nas práticas escolas. Além disso, muitos

sujeitos escolares vêem o ingresso no ensino superior como um dos principais

objetivos da educação, mas as vagas de graduação ofertadas pelas instituições

públicas de ensino superior no Ceará equivalem a aproximadamente 20% do

número de alunos matriculados na terceira série do ensino médio nas

instituições públicas de ensino, logo, aproximadamente 80% dos alunos

estariam fadados a não alcançar esse objetivo.

Palavras-chave: Educação escolar. Objetivos da educação. Serviços educacionais.

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SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................... 05

EEFM Hilza Diogo, 35 anos de tradição no ensino de crianças e jovens

.......................................................................................................................... 07

Interlocutores ................................................................................................. 08

1 - Discussão acerca das concepções fundamentais relacionadas ao tema

dos objetivos da educação escolar ............................................................. 09

1.1 – A educação escolar e seus objetivos ................................................. 10

1.1.1 – A legislação educacional e os objetivos da educação .................. 10

1.1.2 – Os sujeitos escolares e os objetivos da educação ........................ 18

2 - Objetivos, metas e ações ......................................................................... 26

2.1 – Objetivo .................................................................................................. 26

2.2 - Meta(s) e ação(ões) ............................................................................... 26

3. - Pessoas e recursos ................................................................................. 27

3.1 – Pessoas ................................................................................................. 27

3.2 – Recursos ................................................................................................ 27

4. Acompanhamento e avaliação.................................................................. 28

Considerações ............................................................................................... 29

Referências ..................................................................................................... 35

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Introdução

Sou sociólogo graduado nas modalidades Bacharelado e Licenciatura do

curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará no ano de 2009.

O tema educação foi meu objeto de estudo em alguns trabalhos durante a

graduação, inclusive sendo o tema de meu trabalho de conclusão de curso.

Devido a esse interesse, cursei especialização em Gestão e Avaliação da

Educação Pública, pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG e participei

de concurso público para provimento de cargo de professor pleno da rede

estadual do Ceará, sendo aprovado no segundo semestre de 2010, atuando

hoje como professor da educação básica.

Durante minha pesquisa na graduação, pude perceber que não há um

consenso entre os sujeitos escolares sobre os objetivos da educação escolar:

muitos consideravam a aprovação em exames vestibulares como um dos seus

principais objetivos, o que colocava as escolas privadas no topo da “lista” das

escolas com educação de qualidade. Além disso, a própria legislação

educacional não é clara em relação aos seus objetivos. Assim, me interessou

saber o que esses sujeitos compreendem como os objetivos da educação na

realidade da escola e como essa compreensão influencia nas atividades

pedagógicas desenvolvidas no ambiente escolar e na chamada qualidade dos

serviços educacionais. A oportunidade de realizar essa pesquisa veio com a

produção final para a obtenção de grau de especialista desse curso, o Plano de

Ação Educacional (PAE), em que, através das leituras e discussões

desenvolvidas durante o curso, pude acumular capital teórico e obter condições

objetivas para a realização desse trabalho.

Quando iniciei a elaboração do PAE – agosto de 2010 – não exercia

qualquer função em escolas da rede estadual, logo, me inseri em uma escola

na qual não atuava profissionalmente. Assim, me inseri na Escola de Ensino

Fundamental e Médio Dona Hilza Diogo de Oliveira (Escola Hilza Diogo1), para

buscar desvendar esse objeto de pesquisa. A Escola Hilza Diogo está

localizada no bairro Jardim Guanabara, na periferia da cidade de Fortaleza-

1 A escola pertence à rede estadual e conta com as 8ª e 9ª séries do Ensino Fundamental, além das 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.

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CE2, tendo sido fundada em 1975. Realizei a pesquisa levando em

consideração apenas os alunos da 3ª série do ensino médio, visto que estão

próximos de se formar na educação básica, o que pressupõe uma maior

preocupação com o seu futuro na sociedade por se tratar de um período de

decisões que possivelmente influenciarão todo o restante de suas vidas, assim,

o interesse em desvendar os objetivos da escola pode lhes levar a refletir sobre

o assunto, mesmo que subconscientemente. Além desses sujeitos, também

colhi informações de gestores e professores, responsáveis diretos pela

execução dos serviços pedagógico-educacionais.

Após essa explanação inicial, destaco os objetivos desse trabalho: (i)

compreender a percepção dos objetivos da educação escolar dos sujeitos

escolares da Escola Hilza Diogo; (ii) buscar desvendar até que ponto essa

visão pode influenciar nos serviços oferecidos pela escola; (iii) tentar

compreender se essa influência ocasionada pelos sujeitos escolares vai de

encontro ou não à legislação educacional vigente e ao que, teoricamente, é

cobrado pela moral social; (iv) realizar intervenção na escola pesquisada a fim

de que os seus objetivos educacionais sejam definidos pela comunidade

escolar e, assim, possa focar seus serviços e alcançar a qualidade

educacional.

Para desenvolver essa pesquisa necessitei lançar mão dos seguintes

métodos: (1) análise documental: analisei algumas leis, como a Constituição

Federal de 1988 e a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional), além de documentos de algumas instituições de ensino superior no

estado do Ceará; (2) aplicação de questionários aos alunos, professores e

gestores da escola: com isso terei acesso a dados objetivos que podem

contribuir para a análise desejada; (3) realização de entrevistas semi-

estruturadas: essas entrevistas contribuíram para a análise dos discursos dos

sujeitos escolares de forma mais aprofundada, visto que ao serem interpelados

de forma direta esses indivíduos nem sempre conseguiram se ater ao discurso

oficial, no caso dos professores, e acabam por expor dados que foram bastante

importantes para os objetivos da pesquisa; (4) Lançarei mão da “Observação

2 Essa não é a mesma escola onde realizei minha pesquisa de conclusão de curso de graduação, mas optei por não realizar nova pesquisa na mesma escola, assim, busquei uma escola também da rede estadual mais próxima espacialmente daquela, o que me leva a crer que o público atendido possa ter algumas semelhanças.

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Flutuante” (GOLDMAN, 1995), que visa realizar estudos em “sociedades

complexas” através de “observações diretas e contínuas”. Dessa forma,

não se faz necessário uma inserção espacial de longo intervalo de tempo no

ambiente de pesquisa. Observações periódicas da ação dos sujeitos, mesmo

que em espaços diversificados, podem ser bastante reveladoras ao

pesquisador; e (5) revisão de literatura, que determinou o diálogo de ideias

existente nesse trabalho ao me possibilitar contrastar a realidade com a teoria

e, assim, definir minha linha de argumentação para o objeto da pesquisa.

Dessa forma, este trabalho está dividido da seguinte forma: no tópico

1.1.1, buscarei compreender o que os sujeitos escolares entendem que sejam

os objetivos da escola e quais suas percepções sobre os objetivos destacados

pela legislação educacional, através da análise de questionários e entrevistas,

além das observações realizadas no ambiente e escolar e do diálogo com as

idéias de estudiosos do assunto, tais como: Bourdieu, Passeron e Paro.

No tópico 1.1.2 me debruçarei na tentativa de saber como as ações dos

sujeitos escolares baseadas em suas ideias em relação aos objetivos escolares

influenciam nas ações pedagógicas efetivadas pela e na escola. Assim,

pretendo compreender como as relações de poder em torno dos reais objetivos

da escola, os efetivados na prática, colaboram com o quadro atual da

educação na escola pública, e se vão de encontro aos objetivos destacados

pela legislação educacional.

Por fim, buscarei propor ações que envolvam esses indivíduos na busca

por definições para os reais objetivos da escola, o que pode, inclusive,

contribuir para a gestão escolar ter mais claro seus objetivos e possíveis ações

para alcançá-los com maior eficiência.

EEFM Hilza Diogo, 35 anos de tradição no ensino de crianças e

jovens

A Escola Hilza Diogo foi fundada em 1975, pelo Decreto nº 17070, de 28

de fevereiro de 1975, segundo consta em seu regimento interno. É uma das

poucas escolas de Ensino Médio da Regional 1 de Fortaleza3, sendo a única

3 A cidade é dividida administrativamente em seis grandes regiões pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF). Estas são chamadas de Regionais e contam com centros administrativos

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opção de quem morava em seu entorno, até 1998, quando a Escola de Ensino

Médio Liceu Vila Velha foi fundada, estando localizada a poucos quarteirões de

distância daquela.

Interlocutores

Os sujeitos escolares que se dispuseram a ser interlocutores neste

trabalho não serão identificados. Assim, receberão nomenclaturas relacionadas

ao segmento escolar ao qual pertencem e a ordem pela qual foram

entrevistados. Todas as entrevistas foram realizadas no ambiente escolar,

estando presentes apenas o interlocutor e o pesquisador. A seguir, algumas

características e informações importantes sobre esses indivíduos:

Aluna A: estuda na escola há aproximadamente 1,5 (um e meio) anos. Tem 17

anos.

Aluna B: estuda na escola há aproximadamente quatro anos. Tem 16 anos.

Aluna C: estuda na escola há aproximadamente quatro anos. Tem 18 anos.

Professora A: recém-ingressa na escola (iniciou seus trabalhos em outubro de

2010), nunca tendo tido experiência como docente anteriormente.

Professora B: ensina na escola há aproximadamente seis anos. Possuía

experiência como docente no setor privado anteriormente e ainda ensina em

estabelecimentos privados, atualmente.

próprios, que estão ligados à prefeitura. As regionais contam com secretários executivos e um corpo burocrático próprio, que trabalham a fim de desenvolver sua região, realizar os serviços burocráticos próprios da prefeitura e atender a população. “A Secretaria Executiva Regional (SER) I abrange 15 bairros [...] Nesta região, moram cerca de 360 mil habitantes. Localizada no extremo Oeste da cidade, foi nesta área que nasceu a nossa Capital”. Disponível em: http://www.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=49 Acesso em: 05 set. 2010.

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1 - Discussão acerca das concepções fundamentais relacionadas

ao tema dos objetivos da educação escolar

Este trabalho buscará discutir as concepções ligadas aos objetivos da

educação escolar, além das relações de poder que os circundam em nossa

sociedade. Para tanto, dialogarei com autores que tratam do assunto e

buscarei contrastar suas opiniões às observações e relatos dos sujeitos

escolares da Escola Hilza Diogo, além de minhas argumentações.

A educação escolar estabelecida pela legislação educacional vigente no

país pretende reproduzir as relações culturais e sociais de nossa sociedade,

assim como destacam Bourdieu e Passeron (19--). Isso é atestado pela forma

como a ação pedagógica é efetivada no ambiente escolar e pelos conteúdos

que são abordados nesse ambiente, onde o conhecimento científico é a base

principal. Assim, numa sociedade industrial burguesa os alunos têm a

oportunidade de aprender conhecimentos que os levem a se integrar ao modo

de produção existente e possam viver a partir das condições objetivas

oferecidas por essa sociedade, visto que a não-abordagem desses conteúdos

pela escola poderia provocar um “deslocamento” dos alunos, deixando-os à

margem das práticas sociais exercidas pela sociedade atualmente, assim como

destaca Durkheim:

Cada sociedade [...] possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados, segundo idéias passadistas ou futuristas, não importa; num caso, como noutro, não serão de seu tempo e, por conseqüência, não estarão em condições de vida normal. Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não nos podemos separar sem vivas resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes (DURKHEIM, 1965 : p. 36-7).

Compreendo que os autores destacados concordam com a ideia de que

a educação em geral visa reproduzir a sociedade existente, logo, a cultura dos

indivíduos pertencentes às gerações atuais, seus comportamentos e hábitos,

são repassados às novas gerações. Com isso, buscarei saber como e o que

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nossa sociedade cobra que a escola se comporte e ofereça aos alunos, as

novas gerações. Primeiramente, tentarei descobrir o que os sujeitos escolares

entendem dos objetivos da educação estipulados pela legislação.

1.1 – A educação escolar e seus objetivos

Neste tópico buscarei analisar o discurso em torno dos objetivos da

educação escolar presentes na legislação educacional. A educação escolar é

vista pelas sociedades ocidentais como geradora de frutos positivos para a

população em geral, visto que lhe é atribuída a formação dos indivíduos que

viverão em sociedade, que desenvolverão relações conflituosas, mas ao

mesmo tempo harmônicas entre si, garantindo, assim, a unidade social

necessária para os hábitos e costumes da sociedade possam ser reproduzidos

(e transformados, visto que são mutáveis também). Os sujeitos escolares

conhecem os objetivos contidos na legislação, sabem o que significam? Como

trabalham para alcançá-los no ambiente escolar?

1.1.1 – A legislação educacional e os objetivos da educação

A legislação vigente destaca que os fins da educação são três, a saber:

preparar o educando para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o

trabalho, além de desenvolvê-lo plenamente4. Pelo que pude compreender das

falas dos sujeitos escolares, esses objetivos não são conhecidos e

disseminados no próprio ambiente escolar, além de não possuírem significados

com sentido prático para os mesmos. Isso ocorre, penso, devido ao fato de os

conceitos de cidadania, trabalho e desenvolvimento não serem definidos nessa

legislação, o que abre espaço para diversas interpretações e, também, para

diversas apropriações, no sentido de que quem possui poder para defini-los, o

faz da forma que lhe interessa, caracterizando um conflito próprio da política

envolvendo um bem tão cobiçado como a educação das novas gerações.

Com isso, um partido político (e os demais grupos sociais que são

representados por esse partido, tais como: empresários, banqueiros,

4 Constituição Federal de 1988, Art. 205, e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Art. 2º.

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movimentos sociais, operários, etc.) que assume a cadeira de governador de

estado pode definir e redefinir esses conceitos, alterando os objetivos da

educação escolar da forma que melhor lhe interessa, por exemplo. Com isso,

cidadania, o primeiro dos objetivos analisados, pode variar do cumprimento

das normas sociais até a aquisição de uma ocupação por parte do aluno, por

exemplo. Vejamos o que alguns sujeitos escolares destacam:

[Cidadania] Para mim, é tudo que envolve o convívio social das pessoas: a boa educação, o respeito ao próximo, a questão da higiene, a questão de você cuidar do ambiente, cuidar das relações sociais, para mim é isso: é você ter as suas obrigações para com a sociedade e entender o que você tem e o que não tem que fazer. (Professora A). [Após definir cidadania] então a minha cidadania é isso (Professora B).

A análise dos relatos das professoras mostra que ambas deixam claro

que essas definições representam suas aspirações pessoais, são subjetivas.

Isso ocorre, creio, porque o conceito de cidadania não é definido na lei, logo, os

professores tentam repassar aos alunos o que entendem por cidadania, que,

em alguns casos, pode vir carregado de preconceitos e estereótipos, visto que

os indivíduos não estão isentos disso, assim como a sociedade, múltiplos

indivíduos, não está.

Um exemplo disso é a definição de cidadania da Professora A, aonde é

exposto um juízo de valor relacionado ao agir dos alunos: “a boa educação”. É

importante ressaltar que a escola pública possui uma diversidade sem

tamanho, jovens com comportamento e hábitos bastante diversos, além do fato

de que a maioria dos alunos da Escola Hilza Diogo pertencem a uma classe

social que, muito provavelmente, não condiz com a classe social à qual

pertence a professora, o que pode influenciar o agir, o pensar e o fazer desses

indivíduos, ou seja, sua cultura. Logo, comportamentos diferentes entre

pessoas de classes diferentes é algo comum, assim, a tal “boa educação”

almejada pela professora pode não condizer com a “boa educação” almejada

pelo aluno e sua família. O que a professora destaca como boa educação pode

representar a manutenção de certas relações de poder no ambiente escolar

que desconsideram todo o capital cultural do aluno e sua família. Logo, a

escola não cumpriria o princípio da contextualização, que defende exatamente

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a familiaridade do ensino em relação à realidade do aluno. Segundo Candau

(2003),

A escola é uma instituição construída historicamente no contexto da modernidade, considerada como mediação privilegiada para desenvolver uma função social fundamental: transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a humanidade. Essa afirmação suscita várias questões: Que entendemos por produções culturais significativas? Quem define os aspectos da cultura, das diferentes culturas que devem fazer parte dos conteúdos escolares? Como se têm dado as mudanças e transformações nessas seleções? Quais os aspectos que têm exercido maior influência nesses processos? Como se configuram em cada contexto concreto? (CANDAU, 2003 ; p. 160).

Pelo que pude compreender, a autora questiona quem decide o que é

válido para permear o currículo escolar, o Projeto Político-Pedagógico (PPP),

ou seja, quem decide o que vai integrar a “alma da escola”, que deve ser

entendido como todos os conteúdos e abordagens que os profissionais

deverão trabalhar no ambiente escolar.

Essa é uma discussão bastante complexa e nova na escola brasileira,

visto que somente após 1988, com a promulgação da Constituição, essa

instituição passou a se universalizar e a atender camadas sociais e públicos

diversos, outrora excluídos do ambiente escolar5. Ademais, o público atendido

pela escola se transformou radicalmente, mesclando várias classes sociais e

culturas, enquanto os métodos utilizados pela mesma se mantiveram assim

como eram quando aquele era homogêneo, logo, esse ambiente passou a ser

palco de conflitos e tensões entre os vários sujeitos escolares. Com isso,

vivemos nesse momento uma reforma na educação básica que perpassa pela

convivência pacífica e respeito entre os diferentes, além da consideração da

história dos vencidos na composição do currículo escolar, visto que a história

oficial geralmente aborda apenas o ponto de vista dos vencedores, como é o

caso, por exemplo, da relação entre colonizadores, colonizados e escravos,

durante o “início” da história do Brasil, a partir de 1500. É interessante perceber

que até o termo descobrimento, amiúde utilizado nos livros e documentos

oficiais, aponta a visão que nos é repassada na escola: os europeus

5 Artigos 205 e 208, I e II.

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descobriram essa terra e a deram vida, logo, o que aqui existia não se

caracterizava como tal.

Da mesma forma, a qualificação para o mundo trabalho não define

de que trabalho se trata, visto que as formatações de trabalho podem variar no

tempo e no espaço, um exemplo disso é o trabalho cooperado6, onde não há a

presença de patrões e empregados, o que caracteriza a exploração da mão-de-

obra, como no formato de trabalho dominante em nossa sociedade capitalista,

há, sim, associados, que dividem o fruto de seu trabalho. A forma de trabalho

dominante nessa sociedade estabelece que

Para ter acesso aos meios de produção e poder produzir sua própria existência material, o trabalhador tem de submeter-se às regras do capital, realizando um trabalho forçado, que não serve a ele, trabalhador, mas ao proprietário do capital (Paro, 1999 : p. 06).

Com isso, a qualificação para o mundo do trabalho pode geralmente se

confundir com a preparação para o chamado mercado de trabalho, o que

contribui para a reprodução dessa forma de trabalho em detrimento de outras

formas. Isso ocorre porque a lei não define se essa qualificação trata-se de

apropriação de uma profissão, ou de outra coisa, o que pode confundir os

sujeitos escolares. Além disso, segundo Abramovay e Castro (2003), há outro

tipo de confusão que pode acometer os sujeitos escolares:

com base na nova concepção de ensino defendida pela atual LDB, entende-se que não se pretende treinar os trabalhadores, mas preparar os alunos para sua integração ao mundo do trabalho com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção do nosso tempo (Abramovay e Castro, 2003 : p. 191).

A partir dessa interpretação da legislação, percebo que não há uma falta

de definição no ambiente escolar apenas do formato de trabalho ao qual os

alunos devem ser preparados, mas também do tipo de formação para o

trabalho ao qual os alunos serão submetidos, ou seja, se os alunos devem 6 Objeto das cooperativas de trabalho, uma forma de trabalho solidário, onde indivíduos se associam e realizam um trabalho conjunto em que todos são donos dos meios de produção e trabalhadores. “Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem”. Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp Acesso em: 25 nov. 2010.

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aprender um ofício, ou devem se apropriar de conhecimentos que os

possibilitem se adaptar a qualquer tipo de profissão sem maiores dificuldades:

[...] existe aquela visão da escola profissionalizante, que eu acho que não passa só por isso, eu acho que uma escola que não é profissionalizante também pode preparar o aluno para o mundo do trabalho. Voltando para a minha área: [...] eu acho que tem várias coisas que vão ajudar, que se aluno desenvolver aquelas habilidades, aqueles conhecimentos, vai ajudar ele no mundo do trabalho. [...] eu acho que tudo que é feito na escola, de certa forma, pode ser levado para a “vida fora” para ajudar na vida do trabalho (Professora A). Eu acho esse objetivo extremamente interessante porque ele torna funcional, “né”, o processo educativo porque muitos alunos não “sentem-se” atraídos porque acham que [a escola] não serve para nada, então a partir do momento que você direciona esse vetor [...] você ganha alguns aliados, uma vez que ele tem que ter, “né”, para chegar ao mercado de trabalho [...] a educação no Brasil já houve um momento onde ela foi extremamente tecnicista, ela era exclusivamente voltada para o mercado de trabalho. E aí, depois, ela abandona um pouco esse tecnicismo. (Professora B).

Ao analisar as falas das professoras percebo que há duas visões

distintas sobre mundo do trabalho, a Professora A destaca que ele não se

resume ao mercado de trabalho, à aquisição de um ofício, um emprego. Para

ela, todo conhecimento adquirido (as chamadas competências e habilidades)

pelo educando contribuirá para a sua vida pós-escola, onde, espera-se, será

um ser produtivo. Já a Professora B, a meu ver, entende esse objetivo como a

oferta de ensino técnico, profissionalizante, ou seja, a apropriação de um ofício

por parte do aluno, inclusive, faz referência à história educacional brasileira7, o

que me leva a crer que a professora concebe o significado de mercado de

trabalho à expressão mundo do trabalho. Mas essa não é uma visão exclusiva

dos professores, os seus alunos também têm uma visão similar a essa e,

inclusive, proporcionada também por esses profissionais:

durante o ano letivo, os professores da gente, alguns, não todos, fazem testes vocacionais para te dizer mais ou menos que carreira tu deve seguir [...] eu acho que a escola está preparando sim a gente para um futuro legal, já “tá” deixando tudo bem caminhado para você sentar ali, fazer sua prova [visando o ingresso no ensino superior], e decidir que futuro você quer seguir (Aluna C).

7 A Lei nº 5.692/71 estabelecia que o 2º grau, atual ensino médio, deveria ser vinculado ao ensino profissionalizante, logo, o aluno concluiria essa etapa dos estudos com uma habilitação profissional.

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A Aluna C enxerga o mundo do trabalho como a aquisição de uma

profissão. No caso, uma profissão que virá através do ensino superior. Com

isso, novamente, percebo que não há consenso entre os sujeitos escolares, o

que pode provocar um confronto de discursos dentro de um mesmo ambiente

escolar, contribuindo para que o objetivo de qualificar o aluno para o mundo do

trabalho não seja alcançado de forma satisfatória.

Essa “confusão” entre mundo do trabalho e o mercado de trabalho

dominante também ocorre com organizações que têm como função contribuir

para o desenvolvimento dos processos educacionais, como a Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)8, através de

uma publicação que levou em consideração a abordagem com sujeitos

escolares de escolas públicas e privadas em treze estados brasileiros: “a

preparação para o trabalho deve ser base para a formação tanto dos que já

estão inseridos no mercado de trabalho quanto daqueles que nele ainda irão se

inserir” (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003 : p. 155). Ou seja: essa organização

não legitima outras formas de trabalho para além do trabalho capitalista ao qual

alguns alunos já estão inseridos e ainda entende que uma das funções da

escola pública, financiada pelo dinheiro do povo, deve ser a preparação dos

jovens para ocupar esses postos de trabalho. Vale ressaltar que o Brasil é

signatário de vários tratados e convenções elaborados pela UNESCO9 e esse

documento, em específico, visa servir “de apoio para inferências sobre

significados da escola de ensino médio e formulação de recomendações e

subsídios para políticas” (p. 36). Assim, essa organização pode buscar expor

os significados da educação da forma que lhe interessa, que interessa aos

indivíduos, grupos ou governos que têm poder o suficiente para influenciar

suas decisões.

Em relação ao pleno desenvolvimento, este parece ser o objetivo mais

complicado de se definir, visto que há várias formas de desenvolvimento de um

8 A UNESCO é uma ramificação da Organização das Nações Unidas (ONU), que confere poder quase ilimitado a pouquíssimas nações do mundo, as mais poderosas economicamente, ficando as demais nações à mercê dos interesses daquelas. 9 A Emenda Constitucional 45 altera alguns dispositivos de artigos da Constituição Federal de 1988, dentre eles: Art. 5º, LXXVIII, § 3º “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. A Emenda Constitucional tem por objetivo mudar o texto da Constituição Federal, promulgada em 1988.

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indivíduo, como o biológico e o cognitivo, por exemplo. Ademais, mesmo que a

interpretação da legislação seja relacionada ao desenvolvimento cognitivo do

educando, como podemos medir esse desenvolvimento? Há um limite possível

para o cérebro humano? A ciência ainda não tem uma resposta para essa

questão, creio. O relato a seguir trata do assunto:

Particularmente eu acho [esse objetivo] utópico, até porque você não tem como aferir essa plenitude: o que é pleno para você, pode não ser pleno pra mim [...] como é que eu posso dizer que “tô” fazendo um trabalho de desenvolver plenamente uma pessoa? Como é que eu vou aferir isso, o que é um ser pleno? Eu não tenho essa competência. (Professora B).

A professora B entende que não é possível afirmar que o trabalho da

educação pode desenvolver o aluno plenamente, visto que é um conceito

bastante subjetivo, exatamente por não ser definido, além de não se saber a

que desenvolvimento está se referindo: se biológico, se cognitivo, se social,

etc. Já a Professora A entende que isso só seria possível se o professor

pudesse dar atenção exclusiva ao aluno:

[...] quando você trabalha com um grupo, você trabalha com diversidade, que eu entendo por desenvolver o aluno plenamente é aquele aluno atingir o máximo da sua capacidade, é você desenvolver as habilidades daqueles alunos para que eles possam atingir o máximo possível, eu acho que [a escola] não [contribui para alcançar esse objetivo] por causa da heterogeneidade, você pega turmas que têm alunos muito bons, mas que nem sempre você consegue “puxar” muito nesse aluno porque também tem aquele aluno que tem um nível muito baixo e você tem também que “puxar” aquele aluno, entendeu, então devido a essa heterogeneidade, que sempre vai existir, eu acho que alguns alunos acabam perdendo um pouco, por causa disso (Professora A).

Pelo relato, percebo que a Professora A tem um entendimento de que o

pleno desenvolvimento estipulado pela legislação deve ocorrer de forma

cognitiva, visto que alguns alunos são prejudicados por estarem no mesmo

grupo de alunos com nível menor, logo, para que a sua aula seja inteligível

para todos, necessita “puxar” desse aluno de nível menor, o que lhe impede de

ministrar aula com o que considera o nível ideal. Como se pode perceber, as

duas professoras, colegas de trabalho da mesma escola, não têm a opinião

similar quando tentam definir o conceito desenvolvimento (assim como os

demais conceitos): para uma é impossível afirmar que a escola desenvolve o

Page 18: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

17

aluno plenamente, enquanto para outra isso é possível, desde que haja as

condições de trabalho ideais. Apesar disso, 33,3% dos professores e 25% dos

gestores dessa escola acham que desenvolver o aluno plenamente é o

principal objetivo da educação escolar, é o que mostram os resultados dos

questionários aplicados a esses segmentos. Como a escola pode focar seus

serviços para atingir o patamar de qualidade satisfatório se os sujeitos que

oferecem esse serviço não têm conhecimento sobre o que deve ser focado e

nem consensuam sobre os mesmos?

Segundo Paro (2000), a qualidade educacional depende diretamente de

seus objetivos, visto que alcançar os objetivos de qualquer empresa significa

seu sucesso, assim, qualidade educacional

depende intimamente dos objetivos que se pretende buscar com a educação, quando estes não estão suficientemente explicitados e justificados pode acontecer de, em acréscimo à não correspondência entre medidas proclamadas e resultados obtidos, estar-se empenhando na realização dos fins errados ou não inteiramente de acordo com o que se pretende (PARO, 2000 : p. 24).

Logo, o autor entende que os objetivos da educação devem ser

claramente definidos, visto que a educação possui um papel social de extrema

importância em nossa sociedade, assim, é preocupante a “ausência de um

conceito inequívoco de qualidade”. É importante destacar que Paro se refere

particularmente ao ensino fundamental, mas seu texto pode facilmente dialogar

com a situação do ensino médio, devido às similaridades em relação ao tema.

Ademais, o autor não esclarece se está se reportando ao nível de ensino

fundamental, um dos três níveis de ensino que compõem a educação básica,

ou à educação básica em si, que, por ser básica, é fundamental.

Como tentei destacar, os objetivos da educação escolar não são

claramente definidos no Brasil, logo, é possível que esses objetivos mudem de

uma escola para outra, ou mesmo de um sujeito para outro de uma mesma

escola. Isso pode fazer com que os serviços oferecidos não obtenham o

patamar de qualidade desejado/necessário. Dessa forma, adiante discutirei o

que os sujeitos escolares entendem por objetivos da educação e como esse

entendimento influencia suas posturas e ações.

Page 19: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

18

1.1.2 – Os sujeitos escolares e os objetivos da educação

Neste tópico discutirei como os sujeitos escolares compreendem os

objetivos da educação escolar: para que serve, por que é necessário estudar?

Minha intenção é buscar saber o que esses sujeitos compreendem por

objetivos da educação escolar (não necessariamente o que a legislação

estabelece), o que lhes interessa, e como essa compreensão influencia na

efetivação dos serviços educacionais, visto que dialogarei com os indivíduos

que são responsáveis pela oferta direta dos serviços, professores e gestores,

e, também, com os que se beneficiam dessa oferta, os alunos. Com isso,

destacarei três aspectos que foram os mais destacados ou os que mais

chamaram minha atenção no trabalho de campo realizado.

Os objetivos da educação e as avaliações governamentais

Segundo Bourdieu e Passeron (19--), toda ação pedagógica é uma

violência simbólica, visto que pode ser considerada a imposição de costumes e

valores de uma geração em relação à outra. No caso da educação escolar, a

sociedade ocidental capitalista busca moldar as novas gerações para que

possam reproduzir as relações sócio-político-econômicas existentes,

caracterizadas, principalmente, pela exploração da chamada mão-de-obra livre.

Assim, a escola tem um papel simbólico de garantir que os indivíduos se

agreguem a esse sistema e passem a geri-lo e a serem geridos por ele. No

Brasil, o governo e os sistemas de ensino são signatários de vários acordos

internacionais envolvendo educação escolar, muitos moderados pela

UNESCO, ou outras organizações compostas, principalmente, por países

ocidentais considerados desenvolvidos economicamente.

Um desses acordos diz respeito ao índice de desenvolvimento da

educação nos vários países. No Brasil esse índice é medido pelo IDEB (Índice

de Desenvolvimento da Educação Básica)10, que leva em consideração apenas

10 “O IDEB é um índice similar a adotados por países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou seja, o Governo Federal tem interesses em que a educação nacional seja reconhecida no exterior, legitimando a forma de educação escolar aplicada por esses países, obviamente, deslegitimando outras formas. Essa ação tem sua contrapartida: os sistemas educacionais desses países são reconhecidos no

Page 20: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

19

o nível de proficiência dos alunos em Português e Matemática e o fluxo escolar.

É importante observar que o currículo do ensino médio brasileiro conta

geralmente com mais de dez disciplinas, mas apenas essas duas são

consideradas para medir o índice. Logo, percebo que há uma supervalorização

de ambas, em detrimento das demais, isso pode ser observado pela carga

horária destinada às disciplinas na Escola Hilza Diogo:

Quadro 01: Carga horária semanal no turno tarde das disciplinas na escola Hilza Diogo.

Carga horária semanal (hora-aula) Disciplinas

01 Sociologia, Filosofia, Línguas

Estrangeiras e Artes.

02 História, Geografia, Química, Física,

Biologia e Educação Física.

05 Matemática e Português.

Fonte: entrevista com Aluna C.

Essa valorização ocorre, creio, porque o Brasil estabeleceu metas de

aumento desse índice até o ano de 2022, cujo objetivo é atingir um índice igual

a 6 (seis), nota média dos países desenvolvidos11, logo, ao aumentar a carga

horária dessas disciplinas, os governos estão pensando em aumentar o índice

do país e poder apresentá-lo como um país com educação “desenvolvida”, ou

seja, que possui índices idênticos aos dos países mais desenvolvidos

economicamente. Com isso, os gestores escolares da Escola Hilza Diogo

buscam reforçar o ensino de ambas as disciplinas com o objetivo de que seus

alunos tenham bom desempenho nas avaliações em larga escala e, assim, a

escola possa ficar bem colocada no ranking do IDEB. Mas essa cobrança não

parte necessariamente do corpo escolar, e, sim, do sistema de ensino, visto

que a SEDUC-CE busca melhorar o desempenho da rede estadual e, assim,

conseguir resultados satisfatórios, o que contribui para a propaganda positiva

mundo ocidental como eficientes, logo, se ‘igualar’ a eles significa ter a escola brasileira reconhecida como eficiente” (PESSOA, 2009 : p. 27-8). 11 Atualmente, a nota média da educação no país no IDEB é de aproximadamente 4 (quatro). Disponível em: http://portalideb.inep.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=40&Itemid=58 Acesso em: 21 nov. 2010.

Page 21: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

20

do governo que desenvolveu as políticas de melhoramento12. Os relatos dos

sujeitos escolares sobre os padrões de qualidade cobrados pelo governo

confirmam isso:

A cobrança é legítima. Legítima em que sentido? Eu “tô” investindo e eu quero uma prestação de contas do meu investimento. Então eu não vejo nenhum mal de que haja essa cobrança (Professora B).

Como se pode perceber, a Professora B reconhece que há cobrança por

parte do governo estadual, logo, essa cobrança influencia os serviços

educacionais oferecidos pela escola, moldando objetivos da educação escolar

e interferindo no que se entende por qualidade educacional.

Os objetivos da educação e a cidadania

Para os sujeitos escolares da Escola Hilza Diogo, cidadania é uma

palavra muito comum, por estar sempre presente no discurso dos gestores e

professores. A cidadania é um dos objetivos da educação escolar presentes na

legislação, como destaquei anteriormente, mas, assim como o destacado, essa

palavra pode assumir significados diversos, logo, os métodos empregados pela

escola e por cada professor ou gestor podem divergir e, assim, talvez não

atingir o objetivo de contribuir para a obtenção da cidadania por parte do aluno,

independentemente do que signifique. Esse leque de definições não é algo

exclusivo da Escola Hilza Diogo, como se pode observar na pesquisa de

Abramovay e Castro (2003 : p. 200): “Vale ressaltar que essa finalidade, a

depender dos informantes, assume diferentes denominações: formação

integral, desenvolvimento do senso político, preparo para a vida, entre outras”.

Segundo Paro (2000), a educação escolar contribui tanto para a uma

dimensão individual do educando, ligada ao seu desenvolvimento cognitivo,

12 No Ceará existe uma avaliação em larga escala que também aborda apenas os conhecimentos de Português e Matemática, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE). Como forma de estimular alunos e funcionários, o governo oferece premiações e gratificações financeiras, respectivamente, caso atinjam notas e frequência estipuladas. Disponível em: http://portal.seduc.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2097&catid=2097&Itemid=76 Acesso em: 23 nov. 2010.

Page 22: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

21

subconsciente e subjetivo, quanto contribui também para uma dimensão social

que

liga-se à formação do cidadão tendo em vista sua contribuição para a sociedade, de modo que sua atuação concorra para a construção de uma ordem social mais adequada à realização do "viver bem" de todos, ou seja, para a realização da liberdade enquanto construção social (PARO, 2000 : p. 24).

Essa dimensão social, segundo o próprio autor, pode ser denominada de

educação para a democracia, visto que os processos democráticos contribuem

para o entendimento entre os indivíduos e os povos. Apesar disso, a gestão

democrática, ferramenta obrigatória na escola pública13, não é medida como

uma forma de contribuir para a qualidade educacional, por exemplo. Existem

várias avaliações no país que medem diferentes características das escolas e

dos sujeitos escolares (conforme destaquei no tópico anterior), mas não há

uma avaliação que meça a influência do ambiente democrático no objetivo

estipulado pela legislação educacional: preparar o educando para o exercício

da cidadania.

Em relação aos discursos dos sujeitos escolares, pude perceber que

gestores e professores adotam um discurso onde os objetivos da educação

escolar parecem estar diretamente ligados com o bem-estar coletivo, o que, em

regra, é proporcionado pela excelente formação de cidadãos, como pode ser

observado nos relatos a seguir:

[...] cidadania, para mim, é você perceber o que tem que ser feito, “né”, para se construir a harmonia da convivência social [...] o aluno respeitar horário, respeitar regras, respeitar o espaço do outro, respeitar aquilo que está sendo informado, de certa forma [...] [a escola] já está preparando para a cidadania (Professora B). [...] dentro da minha sala de aula, eu não aceito desrespeito. O aluno que desrespeitar outro, ele é punido. O aluno que jogar papel no chão, eu também chamo a atenção, então assim: várias questões de cidadania, se o professor tem a postura de não aceitar determinadas coisas dentro da sala de aula, você começa a trabalhar questões de cidadania (Professora A).

Pelo que pude compreender do relato acima, as professoras percebem

a educação escolar como uma produtora de cidadãos, ou seja, o objetivo da

13 Lei nº 9.394/96 (LDB), Art. 3º VIII.

Page 23: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

22

educação escolar é colaborar para “despertar” a cidadania dos alunos... Mas

qual cidadania? O que significa essa palavra? Para alguns sujeitos, por

exemplo, a cidadania parece só poder ser alcançada dentro da escola, ou seja,

se o aluno aprender as competências e habilidades estipuladas pela escola e

realizar todas as atividades propostas por ela:

[...] aqui no colégio nós “tamos” com um projeto, desenvolvido por um professor, em que os meninos têm aula de dança e têm reforço de matemática... A professora de dança volta pra casa, certo, porque é dado no contra-turno, o professor de matemática fica sem fazer nada porque os alunos não se mobilizam em vir, certo, para assistir aquilo que se está oferecendo... E aí eu pergunto: será que ele sabe o que é cidadania? Por quê? Por que a partir do momento em que ele nega a si próprio as oportunidades que caem nas mãos dele, “né”, ter uma outra percepção de mundo, se relacionar mais fraternamente [...] (professora B).

A professora B tem um entendimento, a meu ver, de que só a escola

contribui para a cidadania dos alunos, como se a sociedade em geral também

não contribuísse para isso. Esse argumento, inclusive, parece se contrapor ao

primeiro argumento dessa mesma professora sobre cidadania: “respeitar o

espaço do outro” (ver relato na página anterior). Assim, talvez o projeto

desenvolvido pela escola não seja agradável aos alunos, não lhes interesse,

logo, se considerarmos que uma das características de cidadania é respeitar o

espaço do outro, como destacou a Professora B, temos que considerar que o

aluno tem a liberdade de frequentar esses momentos, ou não.

Pelo relato dos alunos também é perceptível que os professores e

gestores sempre revisitam a cidadania em seus discursos no ambiente escolar,

conforme responde a Aluna A quando lhe é perguntado qual seria o principal

objetivo da escola, a saber: “uma coisa que os professores sempre falam, mas

que eu acho também, é tornar a gente um cidadão: fazer com que tudo que

eles passam aqui a gente aprenda e ‘toque a vida para frente’”. Pelo que

percebo, os sujeitos escolares em geral adotam o discurso da cidadania como

um dos principais objetivos da educação escolar, mesmo que não haja

consenso do que seja. Vejamos o que essa aluna relata quando lhe é

questionado o que os professores definem por cidadão, já que “sempre falam”:

“[os professores] só abrem a boca para dizer que é para formar um cidadão,

saber da matemática, da física, da química, porque tudo isso vai fazer parte da

Page 24: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

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vida da gente”. A partir desse relato, é possível compreender que os

professores dessa escola entendem que a cidadania é algo transversal às

disciplinas, suas competências e habilidades, ou seja, saber resolver uma

Equação de 2º grau, saber como descobrir o grau de refração em uma

superfície, ou mesmo ter conhecimento sobre a Tabela Periódica é condição

para o exercício da cidadania, pelo que pude perceber14.

Os objetivos da educação e o Ensino Superior

Para muitos dos sujeitos escolares um dos principais objetivos da

educação escolar é o ingresso dos alunos no ensino superior, que não deixa de

ser uma preparação para o mundo do trabalho, visto que possuir formação em

um curso superior significa, muitas vezes, ter acesso a conhecimentos que

contribuirão para a aquisição de um ofício, uma sociabilidade ímpar e, também,

empregos melhor remunerados. No Brasil, todas as Instituições Públicas de

Ensino Superior (IPES) realizam exames vestibulares para selecionar os

indivíduos que irão ocupar vagas dos cursos de graduação. Isso ocorre porque

o número de alunos que deseja ingressar nesse nível de ensino é maior do que

o número de vagas ofertadas, logo, essas instituições têm autonomia para

escolher o tipo de exame que irá selecionar seus alunos. Atualmente, muitas

dessas instituições estão utilizando o Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM) como instrumento de seleção, mas várias ainda utilizam os chamados

exames vestibulares, que geralmente possui um formato um pouco

diferenciado em relação à prova do ENEM, pois trabalham mais com a

memorização em detrimento da interdisciplinaridade e contextualização, mais

abordadas pelo exame nacional. Ademais, este exame pode ser utilizado pelas

instituições apenas como critério parcial de seleção, sendo conjugado com

outros instrumentos e fases de seleção15.

Muitos alunos que estão concluindo o ensino médio prestam exames

vestibulares com o intuito de ingressar no ensino superior, visto que possuir

formação nesse nível de ensino significa, além de possibilidade de ascensão

14 Equação do 2º grau, Refração e Tabela Periódica são temas das disciplinas Matemática, Física e Química, respectivamente. 15 Disponível em: http://www.enem.inep.gov.br/enem.php Acesso em: 22 nov. 2010.

Page 25: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

24

financeira, um sonho que mexe com o imaginário dos indivíduos em geral... Ser

graduado possui um status diferenciado na sociedade brasileira: até

recentemente, pessoas com certificado de ensino superior possuíam

tratamento diferenciado em relação à justiça16, por exemplo, além do fator

ligado à possibilidade de mobilidade social. Assim, o acesso ao ensino superior

é destacado pelos sujeitos escolares como um objetivo da escola:

Ele se torna um objetivo, ele é construído, certo, para ser um objetivo. Por quê? Por que a forma de se adentrar no mercado de trabalho mais clássica e de melhor representatividade é a certificação de que você tem um terceiro grau [ensino superior], então a própria sociedade criou essa regra, então ele é a partir dessa construção social, então não posso negar (professora B).

Como destaca a Professora B, é um “objetivo construído” pelos sujeitos

sociais, que o enxergam como algo importante, mas há algo, além disso, que

pode ser extraído dessa fala: a professora se refere ao ingresso no ensino

superior como se não fosse algo oficial, ainda algo à margem do discurso

oficial, mas que não pode ser negado. A professora tem razão ao afirmar isso,

pois não consta na legislação educacional e, por exemplo, para 73% dos

alunos da Escola Hilza Diogo, ingressar no ensino superior é o principal

objetivo da escola. Vale ressaltar que o preparo do aluno para o exercício da

cidadania, uma das opções para a pergunta (e que consta na legislação),

obteve 0% (zero porcento) de indicações17.

Paro (2000 : p. 25) chama essa obsessão pela aprovação em exames

vestibulares de “paradigma do credencialismo”

[...] pelo qual educadores e educandos preocupam-se mais com exames e aprovações do que com a apreensão do saber e com o gosto pelo conhecimento, alia-se a meta essencial de preparar para o mercado de trabalho ou para o vestibular universitário (PARO, 1999 apud PARO, 2000 : p. 25).

O que o autor busca destacar, creio, diz respeito ao fato de a reprodução

social, ocasionada pela transmissão de saberes e conhecimentos de uma

16 Código Penal Brasileiro, Art. 295, VII: “Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Vale ressaltar que esse texto foi modificado recentemente, retirando esse benefício. 17 Fonte: questionário aplicado aos alunos da escola Hilza Diogo.

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geração para outra, não ser, em alguns casos, priorizada pelos sujeitos

escolares, que dão maior ênfase a exames que muitas vezes não medem

conhecimento, mas simplesmente priorizam a memorização. No trabalho de

Abramovay e Castro (2003), a aprovação em exames vestibulares se mostrou

supervalorizado, principalmente, pelos alunos, chegando a se caracterizar

como um critério de qualidade:

Esse contexto [de ensino voltado para preparação para o vestibular] acaba impedindo tentativas de redirecionamento do ensino médio e fazendo com que a busca incessante pela aprovação do aluno nesse exame determine o sucesso do ensino. Uma escola que não prioriza essa diretriz torna-se, na opinião dos alunos, uma escola ruim. Assim, o índice de aprovação no vestibular acaba sendo um critério primordial na avaliação do ensino, um qualificador do que é uma boa escola e um ensino de qualidade (Abramovay e Castro, 2003 : p. 175).

Compreendo que o ingresso no ensino superior é um dos principais

objetivos de quem está no ensino médio, tanto formando, quanto sendo

formado. As estruturas de poder dessa sociedade, conforme destacou a

Professora B, contribuem para que isso ocorra.

Por fim, tentei expor nesse espaço as contradições entre o que a lei

estipula e o que é estipulado por quem constrói a educação escolar. É

interessante perceber que a lei é escrita para que seja respeitada, mas uma lei

que não condiz com os hábitos e costumes de uma sociedade corre o risco de

ser constantemente desrespeitada, que é o que ocorre nesse caso, na minha

percepção. Como fazer então para que a escola passe a ter regras rígidas, não

no sentido de privar os sujeitos escolares de suas liberdades, o que poderia

provocar um efeito contrário ao desejado em relação à construção do

conhecimento, mas, sim, no sentido de que esses sujeitos possam unir suas

ações e ideias para potencializar ainda mais o fruto da educação escolar? Isso

é o que tentarei propor no espaço seguinte deste trabalho.

Page 27: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

26

2 - Objetivos, metas e ações

Este trabalho se propõe a criar mecanismos de intervenção na Escola

Hilza Diogo, visto que os resultados alcançados mostram que a não

especificação dos objetivos da educação escolar pode contribuir para os

serviços educacionais não se focalizarem e atingirem objetivos que não

necessariamente atendem às aspirações da comunidade e sujeitos escolares.

Dessa forma, a seguir proporei objetivos, metas e ações que visam contribuir

para os sujeitos escolares definirem seus objetivos educacionais e, assim,

poderem “falar a mesma língua” em busca dos mesmos fins.

2.1 - Objetivos

Promover discussões e ações no ambiente escolar e para além dele

visando definir os objetivos da educação escolar destacados pela legislação

educacional, garantindo que os gestores e demais segmentos escolares, além

da sociedade em geral, possam direcionar seus esforços para se atingir a tão

almejada qualidade educacional.

2.2 - Metas e ações

META AÇÃO

Realizar a definição dos objetivos da educação nessa escola, esclarecendo a todos os segmentos o que se pretende alcançar com o processo educacional desenvolvido na mesma. Cada segmento escolar deverá alcançar o mínimo de 15% de participação para garantir a sua representatividade. Ao final dos primeiros 100 (cem) dias letivos (50% do ano letivo) os objetivos da escola devem ser definidos e acrescentados aos documentos oficiais da unidade escolar

1. Planejar palestras e/ou seminários com especialistas da área de educação escolar voltados para os segmentos escolares, visando conscientizá-los de forma crítica para que possam contribuir na definição dos objetivos da educação escolar.

2. Acrescentar as modificações propostas no Projeto Político-Pedagógico e demais documentos da escola, visando seu cumprimento no ambiente escolar.

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3 - Pessoas e recursos

Para realizar as intervenções propostas no tópico acima, a participação

de indivíduos ligados à escola e ao tema será imprescindível. Além disso,

recursos serão necessários para a execução das mesmas. Com isso, destaco

a seguir pessoas e recursos necessários.

3.1 - Pessoas

Cargo/função Responsabilidade(s)

Segmentos escolares e possíveis

representantes da sociedade civil que

atuem na escola através do Conselho

Escolar.

Planejamento, organização,

implementação, acompanhamento e

avaliação das ações propostas.

3.2 - Recursos

Elementos de despesa Definição de recursos Custo

Material de consumo Tonner (01 unidade), papel A4 (05

resmas), cd (100 unidades), pincel

atômico (20 unidades).

1.000,00

Serviços de terceiros Palestrante e facilitador. Serão

convidados especialistas na área

de educação escolar e direito

constitucional, principalmente os

que participam de fóruns e

comissões ligadas ao assunto.

2.000,00

Equipamentos e material

permanente

Notebook, datashow, auditório.

Serão utilizados os equipamentos

disponíveis na escola.

Sem custo

Page 29: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

28

4 - Acompanhamento e avaliação

O trabalho de acompanhamento dos objetivos, metas e ações é

necessário para tentar medir a sua eficiência, além de realizar possíveis

alterações que se façam necessárias, de acordo com a avaliação realizada.

Ação Acompanhamento/ Avaliação (indicadores)

1. Promover encontros a cada duas semanas com oficinas ministradas por especialistas da área de educação escolar para o público de alunos.

• Verificação do cumprimento do cronograma dos encontros;

• Ata dos encontros; • Elaboração de textos que definam os

objetivos da educação escolar, segundo a aspiração dos alunos e com a colaboração dos especialistas18.

2. Promover encontros a cada duas semanas com palestras e oficinas ministradas por especialistas da área de educação escolar e direito constitucional para o público da comunidade escolar em geral.

• Verificação do cumprimento do cronograma dos encontros;

• Ata dos encontros; • Elaboração de textos que definam os

objetivos da educação escolar, segundo a aspiração dos sujeitos envolvidos e com a colaboração dos especialistas.

Os encontros devem ocorrer a cada duas semanas e de forma

alternada, ou seja, numa semana encontro com alunos, em outro com a

comunidade escolar em geral, de maneira que as deliberações de um possam

ser discutidos no outro. Os encontros devem ser registrados em ata, com o

objetivo de se definir os textos dos objetivos da educação escolar daquela

unidade escolar.

18 A intenção dos encontros específicos para as crianças e jovens é poder criar um ambiente propício para a participação de público tão especial, visto que o ambiente de discussões de adultos pode criar um impedimento da participação daqueles.

Page 30: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

29

Considerações

Para tecer as considerações finais deste trabalho necessito esclarecer

que sou pesquisador e me esforcei ao máximo para realizar uma análise

objetiva do material colhido em campo e dos diálogos realizados, deixando

minhas paixões de lado... Felizmente, isso é impossível para todo e qualquer

ser humano. Dessa forma, afirmo para quem tenha dúvida: sou um ser

humano, e, além disso, um grande incentivador do sucesso da educação

escolar pública, assim, exponho que minha intenção ao realizar essa pesquisa

foi contribuir para que a escola pública possa realizar um trabalho eficiente e

que possa finalmente ter seu verdadeiro valor reconhecido pela sociedade

brasileira. Sou um militante da educação de qualidade... Educação pública de

qualidade, assim como o grande sociólogo Florestan Fernandes se declarava.

Ainda necessito trabalhar muito para contribuir pelo menos com uma pequena

parcela do que ele contribuiu, mas me alegra saber que estou tentando.

Agora, que esclareci o que devia, retorno às considerações do trabalho.

As dividirei em quatro partes, sendo três delas direcionadas aos três tópicos

em que discuti os objetivos da educação escolar pela ótica dos sujeitos

escolares, e a quarta será a conclusão.

Considerações acerca das avaliações governamentais

Em relação às avaliações governamentais, destaco que há uma

supervalorização das disciplinas Português e Matemática, em detrimento às

demais. É interessante perceber que isso ocorre porque há uma

supervalorização desses conhecimentos básicos pelos países que compõem a

comunidade internacional, visto que compõem as principais avaliações em

larga escala da educação escolar nesses países, logo, uma forma de o Brasil

conseguir ter sua educação bem avaliada é aumentando a carga horária

dessas disciplinas para que os alunos possam aumentar seus níveis de

proficiência. Destaco também que a norma culta da língua portuguesa é

apenas uma ramificação da língua, logo, o não-domínio dessa norma não

impede os indivíduos de se comunicar, assim, é cobrado dos alunos que se

adaptem a essa norma não-essencial, enquanto conhecimentos que podem

Page 31: Objetivos da escola e qualidade educacional: estudo sobre as relações de poder que permeiam o ensino

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contribuir com seu senso crítico, como os de sociologia e filosofia19, que podem

contribuir de forma determinante para que o aluno possa realizar, por exemplo,

uma crítica ao formato do trabalho capitalista dominante em nossa sociedade,

são subvalorizados.

A escola é responsável por formar o aluno em várias esferas da vida

humana, logo,

A educação se faz, assim, também, com a assimilação de valores, gostos e preferências, hábitos e posturas, o desenvolvimento de habilidades e aptidões e a adoção de crenças, convicções e expectativas. Esses elementos nem sempre são passíveis de medição pelos tipos de testes e provas disponíveis, aferidores de conhecimentos e informações (Paro, 2000 : p. 28).

A medição quase que exclusiva dos conhecimentos de português e

matemática pode revelar os interesses de quem avalia a educação, visto que

esses são os conhecimentos básicos para que um trabalhador possa assumir

com eficiência um posto de trabalho no mercado capitalista, por exemplo. Não

devemos esquecer que a educação escolar é motivo de disputa política entre

os vários grupos e classes sociais que compõem nossa sociedade.

Considerações acerca da cidadania

Em relação à cidadania, considero que deve ser um dos principais

objetivos da educação escolar, assim como os sujeitos escolares também

destacaram, mas é necessário que se saiba o que significa essa palavra, caso

contrário os sujeitos escolares podem atribuir significados diversos a esse

objetivo e, assim, gerar uma multiplicidade de ações descontínuas, que têm por

objetivo desenvolver a cidadania do educando, mas que podem não surtir o

efeito esperado exatamente por causa da falta de suporte de todos os

indivíduos necessários para desenvolver ação tão importante. Algo que se

deve evitar é não considerar a diversidade presente na escola ao definir

cidadania, visto que alguns sujeitos escolares parecem entender por cidadania

a forma como se comportam, ou seja, de forma etnocêntrica percebem seus

19 Na escola Hilza Diogo as disciplinas português e matemática possuem carga horária semanal de cinco horas-aula, enquanto as demais possuem uma ou duas, no máximo. Sociologia e Filosofia figuram no grupo que possui apenas uma.

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comportamentos e valores corretos e consideram comportamentos e valores

diferentes errados. Num ambiente como uma escola esse tipo de

comportamento tende a discriminar o aluno e sua origem, visto que,

provavelmente, professores e alunos não pertencem a uma mesma classe

social e não possuem capital cultural idêntico, inclusive, pelo fato de o

professor já ter passado por níveis mais avançados de educação escolar, o que

lhe confere certos signos, hábitos e comportamentos não apropriados pelos

alunos.

Considerações acerca do ingresso no ensino superior

Em relação ao ensino superior, é importante perceber que se o objetivo

da escola se limitar a isso a educação já inicia seu trabalho “derrotada”, visto

que o número de vagas nos cursos de graduação de instituições públicas não é

suficiente para todos os alunos que concluem o ensino médio poderem

ingressar no ensino superior, conforme se pode conferir no quadro a seguir:

Quadro 02: Vagas anuais ofertadas em cursos de graduação e técnicos das Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) no estado do Ceará.

UFC20 UECE21 URCA22 UVA

(Sobral)23

IFCE24 Total25

Vagas em

cursos de

graduação

e técnicos

7.596

3.955

2.215

1.830

1.765

17.361

Fonte: Mapa dos cursos de graduação da UFC (Atualizado em 31.03.2010), Edital nº 03/2010 – CEV (URCA), Edital 06/2010 – CEV (URCA), Manual do candidato Vestibular 2011.1 (UECE), Concorrência Vestibular 2010.2 (UECE), ProGrad (UVA), Cartaz Processo Seletivo IFCE 2011 – Cursos Superiores.

20 Universidade Federal do Ceará. 21 Universidade Estadual do Ceará. 22 Universidade Regional do Cariri. 23 A Universidade Estadual do Vale do Acaraú oferece cursos pagos em vários estados do Norte/Nordeste, além de em quase todos os municípios cearenses. Os números apresentados consideram apenas os cursos oferecidos na sede administrativa da Universidade, a cidade de Sobral - CE, onde os cursos são gratuitos. 24 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. 25 O total de vagas leva em consideração tanto cursos presenciais como a distância.

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O total de vagas não chega a dezoito mil, enquanto o número de alunos

matriculados na 3ª série do ensino médio, série final desse nível de ensino, na

rede estadual do Ceará é de 92.190 (noventa e dois mil cento e noventa)26.

Assim, caso o principal objetivo da educação escolar seja o ingresso no ensino

superior, o trabalho da escola será um fracasso para quase 80% de seus

alunos, que ficarão de fora da Universidade devido à seleção existente para

ingresso. Um fracasso que seria decretado ao se iniciar o trabalho, visto que o

número de vagas nas IPES aumenta muito pouco de um ano para outro, logo,

seria praticamente impossível inserir noventa e dois mil alunos no ensino

superior a cada ano.

Concordo que o ingresso no ensino superior é muito importante para o

desenvolvimento do país, assim como é para a realização pessoal dos

indivíduos e para o convívio social, conforme destaquei anteriormente. Apesar

disso, creio que a escola deve oferecer um ensino cuja preparação para os

exames vestibulares não seja um objetivo geral, visto que para muitos alunos

(a maioria, que não consegue aprovação nos exames) o ensino se tornará sem

sentido porque que os conhecimentos e métodos aplicados nos vestibulares

podem não ter objetivo prático na vida dos alunos que não seguirão o caminho

do ensino superior.

À guisa de conclusão, destaco que as Universidades devem se

preocupar mais com a formação dos professores e trabalharem no sentido de

reforçar as discussões sobre multiculturalismo para evitar que profissionais e

alunos sejam estranhos entre si e se violentem mutuamente ao acharem que

um deve mudar o outro, que o comportamento do outro é inferior ou estranho,

isso contribuirá para que a escola defina seus objetivos de acordo com as

aspirações de seu público, diverso e múltiplo.

Por fim, destaco que os docentes se encontram em uma situação

bastante incomoda porque a carga horária em sala de aula torna o trabalho

árduo e cansativo, visto que apenas 20% da carga horária semanal de trabalho

é reservada para atividades extra-classe, tais como: planejamento, estudos,

26 Dados de 2006, que consideram apenas a rede estadual pública de educação básica. É possível que esse número seja maior atualmente porque as matrículas no ensino médio vêm se universalizando cada dia mais no país. Além disso, as redes municipal e federal também podem ofertar esse nível de ensino. Fonte: MEC/INEP.

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pesquisas, etc. Logo, há uma grande dificuldade em reunir os profissionais de

uma escola para que possam discutir os objetivos da educação escolar. Com

isso, destaco que se faz necessário que a Lei nº 11.738/2008 (Lei do Piso

Salarial dos Professores) seja respeitada integralmente, o que aumentaria essa

carga horária extra-classe para 33% da carga total (Art. 2º, § 4º), além de

estabelecer o piso salarial para a categoria (Art. 2º e 5º). Além disso, entendo

que também é necessário aumentar o valor do piso salarial da categoria e

garantir que, devido a isso, os professores possam trabalhar com Dedicação

Exclusiva, evitando que busquem um segundo emprego para complementar a

renda familiar e, assim, dediquem menos tempo ainda à atividade de professor

na escola pública. Um complemento a isso seria aumentar a carga horária para

atividades extra-classe para 50% da carga total, com isso potencializando o

rendimento em sala de aula, visto que contribuiria com as discussões,

planejamentos e estudos do corpo escolar.

Talvez essas medidas possam contribuir para definirmos e,

consequentemente, buscarmos de forma orientada a tão almejada qualidade

educacional, visto que para isso há a

necessidade de empreender uma reflexão em profundidade do conceito de qualidade da educação escolar. A multiplicidade de pontos de vista, nem sempre explícitos, e a imprecisão e mesmo superficialidade de muitas produções sobre o tema têm concorrido para a falta de rigor nos discursos e nos propósitos sobre o real papel da escola que em nada contribui para uma visão realista do que se pretende e se deve defender como uma educação de acordo com os interesses do cidadão e da sociedade, servindo apenas àqueles interessados em protelar soluções ou em impor o ponto de vista dos donos do poder político e econômico (Paro, 2000 : p. 26-7).

A visão do autor converge com o que argumentei durante todo o trabalho

aqui exposto, a saber: a escola não consegue definir seus objetivos, logo,

quem tem mais poder para direcionar as ações e serviços educacionais o faz

da forma que lhe interessa. Tenho que ressaltar que a ideologia dominante

nessa sociedade contribui para manter relações de dominação e exploração

históricas, mantendo status e privilégios conquistados de forma socialmente

definida. Para esse autor,

Em síntese, o que parece essencial na defesa da escola pública de qualidade é que esta se refira à educação por inteiro, não apenas a

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aspectos parciais passíveis de serem medidos mediante provas e exames convencionais (Paro, 2000 : p. 35).

Pelo que pude compreender, o autor destaca a supervalorização dos

resultados, dos números, na educação escolar, geralmente medidos por

“provas e exames convencionais”, em detrimento de outros aspectos de

fundamental importância na educação e que se referem à “educação por

inteiro”, tais como, a meu ver: o exercício da cidadania, o pleno

desenvolvimento e a qualificação para o mundo do trabalho, exatamente os

três objetivos destacados na legislação educacional e que parecem ser

subvalorizados quando se trata da medição da contribuição da escola na vida

dos indivíduos.

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Referências

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de 20 de dezembro de 1996, 1996.

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2008.

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PARO, Vitor Henrique. Educação para a democracia: o elemento que

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escola. São Paulo: Xamã, 1999.

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PESSOA. Márcio Kleber Morais. A influência dos serviços educacionais

no desempenho escolar de alunos de escolas públicas e privadas do estado do

ceará: o caso da Fundação Bradesco e do Liceu Vila Velha. 2009.