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Depressão, tratamento antidepressivo e disfunção sexual Sergio Emerici Longato Médico da Unidade Básica de Saúde do Parque Imperial - Barueri - São Paulo. Ana Paula dos Santos de Oliveira Médica plantonista da SAMEB - Prefeitura Municipal de Barueri - SP RBM Set 11 V 68 Especial Neuropsiquiatria Numeração de páginas na revista impressa: 13 à 15 Introdução Depressão é um transtorno psiquico que afeta pessoas de todas as idades. Caracteriza-se pela perda de prazer nas atividades diárias (anedonia), apatia, alterações cognitivas (diminuição da capacidade de raciocinar adequadamente, de se concentrar ou/e de tomar decisões), psicomotoras (lentidão, fadiga e sensação de fraqueza), alterações do sono (mais frequentemente insônia, podendo ocorrer também hipersônia), alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento do apetite), redução do interesse sexual, retraimento social, ideação suicida e prejuízo funcional significativo. Estima-se que cerca de 15% a 20% da população mundial, em algum momento da vida, sofreu de depressão. A depressão é mais comum em pessoas com idade entre 24 e 44 anos. Estima-se que o risco de desenvolver depressão, ao longo da vida, seja de 10% para os homens e de 20% para as mulheres. As causas da depressão são inúmeras e controversas. Acredita-se que a genética, alimentação, estresse, estilo de vida, separação, rejeição, drogas, problemas na escola e outros fatores estão relacionados com o surgimento ou agravamento da doença. Diagnóstico Embora a depressão cause sintomas somáticos, como alteração do sono e do apetite, não existe nenhum teste ou exame de laboratório que detecte alterações específicas (marcadores biológicos) e que possa ser usado como método diagnóstico. Exames laboratoriais são solicitados em geral para o diagnóstico diferencial, isto é, para se excluírem doenças que cursam com depressão. O método para diagnosticar depressão é a entrevista diagnóstica do paciente com o médico. Devido a frequência com que o médico se depara no dia-a-dia, com quadros depressivos em diversas patologias, deve intervir sempre que possível, seja com terapia ou tratamento farmacológico – uso de antidepressivos. Os antidepressivos têm sido usados amplamente na prática médica diária, por sua eficácia e baixa incidência de efeitos adversos. Depressão e disfunção sexual

Depressão, Tratamento Antidepressivo e Disfunção Sexual

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Depressão, Tratamento Antidepressivo e Disfunção Sexual

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Page 1: Depressão, Tratamento Antidepressivo e Disfunção Sexual

Depressão, tratamento antidepressivo e disfunçãosexual

Sergio Emerici Longato

Médico da Unidade Básica de Saúde do Parque Imperial - Barueri - São Paulo.

Ana Paula dos Santos de Oliveira

Médica plantonista da SAMEB - Prefeitura Municipal de Barueri - SP

RBM Set 11 V 68 Especial Neuropsiquiatria

Numeração de páginas na revista impressa: 13 à 15

Introdução

Depressão é um transtorno psiquico que afeta pessoas de todas as idades.Caracteriza-se pela perda de prazer nas atividades diárias (anedonia), apatia,alterações cognitivas (diminuição da capacidade de raciocinar adequadamente, de seconcentrar ou/e de tomar decisões), psicomotoras (lentidão, fadiga e sensação defraqueza), alterações do sono (mais frequentemente insônia, podendo ocorrertambém hipersônia), alterações do apetite (mais comumente perda do apetite,podendo ocorrer também aumento do apetite), redução do interesse sexual,retraimento social, ideação suicida e prejuízo funcional significativo.

Estima-se que cerca de 15% a 20% da população mundial, em algum momento davida, sofreu de depressão. A depressão é mais comum em pessoas com idade entre24 e 44 anos. Estima-se que o risco de desenvolver depressão, ao longo da vida,seja de 10% para os homens e de 20% para as mulheres.

As causas da depressão são inúmeras e controversas. Acredita-se que a genética,alimentação, estresse, estilo de vida, separação, rejeição, drogas, problemas naescola e outros fatores estão relacionados com o surgimento ou agravamento dadoença.

Diagnóstico

Embora a depressão cause sintomas somáticos, como alteração do sono e doapetite, não existe nenhum teste ou exame de laboratório que detecte alteraçõesespecíficas (marcadores biológicos) e que possa ser usado como métododiagnóstico. Exames laboratoriais são solicitados em geral para o diagnósticodiferencial, isto é, para se excluírem doenças que cursam com depressão.

O método para diagnosticar depressão é a entrevista diagnóstica do paciente com omédico. Devido a frequência com que o médico se depara no dia-a-dia, com quadrosdepressivos em diversas patologias, deve intervir sempre que possível, seja comterapia ou tratamento farmacológico – uso de antidepressivos.

Os antidepressivos têm sido usados amplamente na prática médica diária, por suaeficácia e baixa incidência de efeitos adversos.

Depressão e disfunção sexual

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A disfunção sexual é comum em pacientes com depressão. Diferentes fatorestambém interferem negativamente na atividade sexual humana, como transtornospsiquiátricos (incluindo tabagismo), doenças médicas gerais (particularmentediabetes, dislipidemias, hipertensão, doenças cardiovasculares) e neurológicas,medicações, conflitos interpessoais, crenças culturais e combinações dessesdiferentes fatores (1-4).

O uso de antidepressivos pode induzir (como, por exemplo, alguns ISRSs) oumelhorar a disfunção sexual como efeito colateral (como, por exemplo, abupropiona).

Dificuldades diagnósticas na disfunção sexual

Apesar do aumento do conhecimento sobre o assunto e do menor pudor em lidar como tema por parte de pacientes e médicos, as definições sobre disfunções sexuais namulher ainda são muito baseadas nas conceituações de Masters, Johnson e Kaplan5.A clássica sequência da experiência sexual feminina, descrita por esses autorescomo desejo, excitação (lubrificação), platô, orgasmo e resolução, não é suficientepara suportar as múltiplas variações normais (6).

Mecanismos na disfunçãoSegundo a Classificação Internacional de Doenças, a disfunção sexual envolvealteração em uma ou mais fases que caracterizam a resposta sexual.

1. O desejo (libido), acompanhado da motivação para a atividade sexual. Isto élargamente impulsionado pela atividade dopaminérgica aumentada na região donucleus accumbens e no hipotálamo, enquanto a serotonina tem um efeito negativode modulação.

2. Excitação acompanhada por mudanças fisiológicas que promovem a lubrificaçãovaginal e ereção. Os efeitos são provavelmente mediados pelo hipotálamo, atravésdo sistema nervoso parassimpático e é regulada principalmente pela acetilcolina e oóxido nítrico (NO). Aqui, também, a serotonina tem um efeito negativo demodulação.

3. Orgasmo (ejaculação nos homens) efetuado por aumento de atividade nas áreasnoradrenérgicas simpáticas, enquanto a atividade aumentada nas regiõesserotoninérgicos parecem reduzi-las.

Agentes serotoninérgicos, tais como ISRS e preparações de SNRIs (inibidores nãoseletivos de recaptação de serotonina), portanto, têm efeito negativo sobre aredução da libido e a excitação e o orgasmo/ejaculação.

A disfunção sexual induzida por agentes serotoninérgicos pode, assim, ocorrer emvárias fases do ciclo de resposta sexual, em um mesmo paciente. No entanto,parece ser mais comum uma variação no tempo de resposta do orgasmo do que adiminuição da libido.

Antidepressivos e disfunção sexualDentre os psicofármacos de uso mais difundido, os antidepressivos são as drogasmais relacionadas com disfunção sexual (DS). Os antidepressivos têm sidoreportados como causadores de DS em 30% a 70% das pacientes, sendo a reduçãoda libido e a anorgasmia ou dificuldade de atingir o orgasmo as queixas maisfrequentes (7).

Outros efeitos adversos têm sido reportados mais raramente, como priapismo doclitóris (nefazodona e fluvoxamina), aumento na libido (fluvoxamina, bupropiona etrazodona) e orgasmos espontâneos (clomipramina e fluoxetina).

Vários estudos utilizando diferentes metodologias, principalmente com pacientesdepressivos e ansiosos, têm apontado para o fato de que as drogas que apresentam

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mecanismo de ação serotoninérgica possuem maior potencial para causar disfunçõessexuais.

Os antidepressivos tricíclicos (ADT), os inibidores de monoaminoxidase (IMAO) e,principalmente, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) têm sidoos mais implicados em interferências no desejo sexual e no orgasmo ou naanorgasmia.

A bupropiona tem sido menos responsabilizada por interferências no ciclo sexual.

DOF: Dificuldades de orgasmo feminino. DOM: Dificuldades de orgasmo masculino.

A venlafaxina, a mirtazapina e a milnaciprano, drogas de ação dual (serotoninérgica enoradrenérgica), ocupam aparentemente uma posição importante no tratamento dadepressão sem interferir esfera sexual8-10.

Estratégias para o manuseio de disfunções sexuais associadas ao uso defármacos antidepressivos

As evidências de eficácia das diferentes estratégias de tratamento das disfunçõessexuais ligadas ao uso de antidepressivos são ainda muito limitadas. A revisãosistemática11 apenas conseguiu evidenciar o efeito favorável da sildenafila emhomens com disfunção erétil durante o uso de psicofármacos.

Os diferentes tratamentos analisados em mulheres estão listados no Quadro 1. Amaior parte dos trabalhos não evidenciou benefícios na associação dessas drogasaos antidepressivos, com exceção do uso da bupropiona.

Desde os estudos12-13 o uso da bupropiona em adição ao tratamento antidepressivocom ISRS tem sido descrito como tratamento efetivo e seguro, não estandorelacionado a disfunção sexual.

Em artigo de revisão, Kristensen (2002), discutiu as possibilidades de tratamento dasdisfunções sexuais induzidas por antidepressivos, tais como modificações nos hábitossexuais (como maior tempo prévio nas carícias preliminares), redução das dosagensdos antidepressivos quando possível, troca por outras medicações (com o risco deperda do efeito terapêutico) e uso de “antídotos”, como bupropiona e ioimbina (13).

Conclusão

Apesar da existência de poucos estudos controlados sobre o tema, os efeitoscolaterais na esfera sexual devem merecer maior atenção, na medida em que

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constituem um dos principais fatores de abandono do tratamento e,consequentemente, de recaída.

Bibliografia

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