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DESAFIOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO USO DA INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO EM MATO GROSSO DO SUL: ALGUMAS REFLEXÕES. Vivina Dias Sól Queiroz(UNIDERP/UFMS) 1 Sônia da Urt (UFMS) 2 INTRODUÇÃO A proposta de informatização das escolas públicas brasileiras iniciada no final dos anos de 1970, teve a sua primeira ação concreta, com a criação do Projeto EDUCOM (Educação e Computadores) em 1983, com a finalidade de realizar estudos e experiências de utilização da informática na educação, através de equipes multidisciplinares que pudessem formar recursos humanos para o ensino e a pesquisa, de forma a comprovar a validade dos computadores no processo de ensino-aprendizagem, especialmente no ensino de 2º grau (atual Ensino Médio). Em 1987, foram criados os Comitês de Assessoramento de Informática na Educação (Caie), um Programa de Ação Imediata em Informática na Educação, que resultou em ações de formação de recursos humanos como o projeto Formar para o oferecimento no mesmo ano do primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Informática orientada à Educação, realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Nesse curso foram formados em nível de especialização os primeiros multiplicadores desse novo campo do conhecimento, que deveriam, entre outras ações concretizar a proposta definida pelos Comitês, através da implementação do projeto CIEd que consistia em criar Centros de Informática na Educação junto às Secretarias Estaduais de Educação. Esses Centros foram sendo criados nas unidades federadas a partir de 1988. Segundo informações obtidas junto à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, à época da realização do curso, coube ao órgão central a decisão de selecionar dois técnicos que participariam do evento promovido pela UNICAMP, sem quaisquer critérios objetivos para tais indicações. 1 Aluna do Doutorado em Educação no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Professora da Universidade Para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal- UNIDERP. Membro do GEPPE(Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação) 2 Professora do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Coordenadora do GEPPE(Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação)

DESAFIOS HIST.RICOS E POL.TICOS DO USO DA20... · dois técnicos que participariam do evento promovido pela UNICAMP, sem quaisquer critérios objetivos para tais indicações

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DESAFIOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS DO USO DA INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO EM MATO GROSSO DO

SUL: ALGUMAS REFLEXÕES.

Vivina Dias Sól Queiroz(UNIDERP/UFMS)1 Sônia da Urt (UFMS)2

INTRODUÇÃO A proposta de informatização das escolas públicas brasileiras iniciada no final dos

anos de 1970, teve a sua primeira ação concreta, com a criação do Projeto EDUCOM (Educação e Computadores) em 1983, com a finalidade de realizar estudos e experiências de utilização da informática na educação, através de equipes multidisciplinares que pudessem formar recursos humanos para o ensino e a pesquisa, de forma a comprovar a validade dos computadores no processo de ensino-aprendizagem, especialmente no ensino de 2º grau (atual Ensino Médio).

Em 1987, foram criados os Comitês de Assessoramento de Informática na Educação

(Caie), um Programa de Ação Imediata em Informática na Educação, que resultou em ações

de formação de recursos humanos como o projeto Formar para o oferecimento no mesmo ano

do primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Informática orientada à Educação,

realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Nesse curso foram formados em nível de especialização os primeiros multiplicadores

desse novo campo do conhecimento, que deveriam, entre outras ações concretizar a proposta

definida pelos Comitês, através da implementação do projeto CIEd que consistia em criar

Centros de Informática na Educação junto às Secretarias Estaduais de Educação. Esses

Centros foram sendo criados nas unidades federadas a partir de 1988.

Segundo informações obtidas junto à Secretaria de Estado de Educação de Mato

Grosso do Sul, à época da realização do curso, coube ao órgão central a decisão de selecionar

dois técnicos que participariam do evento promovido pela UNICAMP, sem quaisquer

critérios objetivos para tais indicações.

1 Aluna do Doutorado em Educação no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Professora da Universidade Para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal-UNIDERP. Membro do GEPPE(Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação) 2 Professora do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Coordenadora do GEPPE(Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação)

2

Os participantes do Projeto FORMAR, na qualidade de alunos pós graduandos em

Informática Educativa:

[...]não deveriam apenas dominar esta nova ferramenta educacional, mas deveriam, antes de tudo, ser capazes de analisar criticamente a sua contribuição no processo de ensino aprendizagem, e, desta forma, repensar, se necessário, a sua própria metodologia de ensino. (OLIVEIRA, 1993, p. 47).

Foram abordados no curso, além dos princípios básicos da informática, o manuseio

dos softwares de utilização universal (processadores de textos, banco de dados, planilhas

eletrônicas), as linguagens de programação como Basic e Logo, esta última, de caráter

exclusivamente educacional, teorias do conhecimento que permeavam a educação,

enfatizando especialmente a epistemologia genética piagetiana como referencial teórico para

se trabalhar com a informática educativa.

O objetivo maior do Projeto FORMAR era fazer com que os seus participantes

iniciassem uma “discussão do uso de computadores na educação, para que desta forma, fosse

ampliada a rede de investigadores e, possivelmente, defensores desta tecnologia”

(OLIVEIRA, 1993, p. 47).

Apesar de o curso ter sido ministrado de forma intensiva, num processo de imersão

no mundo da tecnologia, num período de dois meses consecutivos, Oliveira (1993, p. 47 e 48)

afirma que “os objetivos aos quais estava direcionado, ou seja, levar os professores-alunos ao

desenvolvimento de uma consciência crítica das possibilidades desta tecnologia no processo

de ensino-aprendizagem” foram atingidos, constituindo-se no embrião do Projeto CIEd.

Objetivando a capacitação contínua e permanente de professores, técnicos e

pesquisadores em informática orientada a educação, o MEC em 13 de outubro de 1989

instituiu o PRONINFE (Programa Nacional de Informática Educativa) que foi integrado ao

PLANIN (Plano Nacional de Informática e Automação, do Ministério de Ciência e

Tecnologia) em 1990.

Após a criação do PRONINFE, o Projeto FORMAR foi editado novamente. Mais

uma vez coube à UNICAMP o oferecimento do curso, uma vez que a finalidade do Programa

era:

Desenvolver a Informática Educativa no Brasil, através de projetos e atividades, articulados e convergentes, apoiados em fundamentação pedagógica sólida e atualizada, de modo a assegurar a unidade política, técnica e científica imprescindível ao êxito dos esforços e investimentos envolvidos (PROGRAMA NACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA – PRONINFE. EM ABERTO. Brasília. v. 12, n. 57, p. 71 - 78, mar., 1993.)

3

Funcionando em parceria com os Centros de Informática Educacional (CIEds) o

PRONINFE pretendia disseminar a informática orientada à educação nos ensinos de 1º, 2º e

3º graus e na educação especial; estimular a criação de centros que pudessem realizar

pesquisas; desenvolver software educacional e capacitar contínua e permanentemente os

professores da rede pública de ensino.

Nesse ínterim, em 1992 a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) veiculou entre

os CIEds em nível nacional, o oferecimento de uma Especialização em Informática na

Educação que realizar-se ia em Maceió- AL, nos períodos das férias escolares, onde cada

participante arcaria com suas despesas de estada e deslocamento.

Em 1996, ocorreu a segunda ação concreta da Política Nacional de Informática na Educação com a substituição do PRONINFE pelo PROINFO, e dos CIEds pelos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTEs), com a função de serem os pólos multiplicadores da Informática na Educação, através da capacitação dos professores para a utilização dessa tecnologia no processo de ensino.

Em Mato Grosso do Sul, o CIEd-MS criado em 12 de maio de 1988, através de uma parceria entre os governos estadual e federal, foi extinto em 17 de dezembro de 1998, e em seu lugar foram criados quatro Núcleos de Tecnologia Educacional, a saber: NTE de Campo Grande, que o substituiu, NTE de Dourados, NTE de Três Lagoas e NTE de Corumbá, cujas funções entre outras seria a de capacitar os professores das escolas públicas para a utilização dos recursos tecnológicos, no sentido de propiciar a incorporação das novas formas de comunicação no processo didático pedagógico.

2. A CRIAÇÃO DO CENTRO DE INFORMÁTICA EDUCACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL

Para a implantação do Cied-MS, foi constituída em 1987 uma comissão composta de

5 (cinco) professores, sendo 2 (dois) participantes do projeto FORMAR, 1 (um) da UFCE

(Universidade Federal do Ceará) , 1 (um) da SE/SC (Secretaria de Estado de Educação de

Santa Catarina), 1(um) do MEC/DF (Ministério da Educação e Cultura), além de mais 4

(quatro) técnicos da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul.

A criação do Centro de Informática Educacional de Mato Grosso do Sul (CIEd-MS),

foi o primeiro embrião da informática orientada à educação na rede estadual de ensino e

significou um primeiro passo no sentido de se introduzir o computador no processo de ensino,

a exemplo do que já estava ocorrendo em alguns outros estados da federação, pois sua

política desde o início foi definida de forma relativamente independente.

4

Criou-se o CIEd por uma série de fatores de ordem política e econômica, e o próprio

Centro constituiu-se como um corpo autônomo dentro da rede pública estadual procurando se

auto-afirmar através dos trabalhos realizados com as escolas públicas de Campo Grande,

alguns atendimentos aos municípios do interior e principalmente participando do

desenvolvimento de atividades em outras unidades federadas.

A justificativa para se criar o CIEd/MS pautava-se nas recomendações do Projeto

FORMAR, ou seja, o Centro de Informática Educacional seria criado “visando oportunizar o

acesso dos alunos à informática, incentivando a pesquisa e a reflexão crítica sobre o uso do

computador na educação, melhoria tanto quantitativa como qualitativa do processo ensino-

aprendizagem”. (Documento SE/MS - Projeto de Implantação do CIEd/MS, 1987)

O Diário Oficial nº 4576 de 12 maio de 1988 publicou o decreto de criação do Centro

em conseqüência do convênio estabelecido entre a Secretaria Estadual de Educação (SE/MS)

e o Ministério de Educação e Cultura (MEC/DF), que passou a funcionar em junho do mesmo

ano, com os principais objetivos de:

1. oportunizar ao professor o repensar crítico de sua prática pedagógica;

2. realizar pesquisas que façam avançar a reflexão filosófica e científica sobre a

informática na educação;

3. desenvolver e aprofundar estudos em áreas específicas dos conteúdos

significativos;

4. analisar criticamente os softwares educativos existentes, na via de encontrar

metodologias alternativas para sua elaboração competente em forma de conteúdo. (Primeiro

regimento interno do CIEd/MS, 1987)

Para alcançar tais objetivos, o CIEd/MS formou uma equipe multidisciplinar de

professores e estabeleceu três vertentes de atuação: Atendimento Institucional, Pesquisa e

Desenvolvimento e Fomento e Disseminação, sendo cada linha da responsabilidade de uma

equipe, composta a partir do interesse demonstrado por seus integrantes em relação a uma das

atividades do Centro.

O Atendimento Institucional visava atender aos alunos das escolas públicas da

capital, desde a Educação pré-escolar até o Ensino de 2º grau (atual Educação Infantil e

Educação Básica); aos Portadores de Necessidades Especiais (Deficientes Auditivos,

Deficientes Visuais, Paralisados Cerebrais, Deficientes Físicos, Deficientes

Mentais)atualmente pessoas com deficiência; ao corpo docente e administrativo das escolas

públicas; às entidades como: APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais),

Sociedade Pestalozzi, CEADA (Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audio-

5

Comunicação) , CRAMPS (atual Unidade de Apoio à Inclusão - UNAI), UFMS

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Instituto dos Cegos Florival Vargas, etc., além

de pessoas da comunidade interessadas em desenvolver projetos ligados à área da informática.

A vertente Pesquisa e Desenvolvimento objetivava estabelecer um quadro teórico

que desse suporte às demais atividades do Centro. Para tanto, foram definidas cinco linhas de

pesquisa: “motivação, inteligência artificial, análise e produção de softwares, tendências

pedagógicas e inserção do computador na sociedade”. (Primeiro Regimento Interno do CIEd-

MS)

A vertente Fomento e Disseminação tinha a incumbência de ministrar cursos de

informática aos técnicos do órgão central, professores das redes públicas de ensino, proferir

palestras, realizar encontros e seminários que divulgassem os trabalhos realizados pelo CIEd

na vertente Atendimento Institucional e Pesquisa e Desenvolvimento, além de promover

cursos rápidos de férias3, objetivando oportunizar a um maior número de pessoas da

comunidade em geral, contato, ainda que rápido, com o computador.

Para atender essa diversidade de projetos, o CIEd/MS procurou desenvolver suas

atividades embasando-se no construtivismo piagetiano e na tendência cognitivista que

permeavam as discussões acerca da informática educativa4 em nível nacional e internacional.

Considerando ser a linha construtivista a que mais se aproxima da nossa concepção de educação, os educadores do CIEd propõe um ensino voltado para o desenvolvimento das estruturas cognitivas do educando, sendo este resultado da interação sujeito-objeto. A nossa atuação será respaldada pela epistemologia genética piagetiana que se constitui em um corpo teórico que leva a um repensar crítico de nossa prática pedagógica e redefine papéis na estrutura educacional, buscando compatibilizar o avanço tecnológico e seus desdobramentos sócios-culturais, com a necessidade do desenvolvimento da inteligência, um dos princípios básicos de qualquer projeto educacional. (Primeiro Regimento Interno do CIEd-MS)

Segundo Miranda(1994), as influências das idéias de Piaget acerca da inteligência

que permeiam as práticas educacionais respaldam o uso dos computadores no ensino por

privilegiar, principalmente, as operações lógico-matemáticas que são a base dos algoritmos

computacionais.

3 Esses cursos eram ministrados pelo CIEd/MS, no período das férias escolares e aberto à comunidade em geral. Éra um atendimento bastante procurado pelas pessoas interessadas em aprender o manejo do computador. Como o período era reduzido, o enfoque maior era dado aos princípios básicos de informática, como sistema operacional e introdução a informática. 4 As primeiras discussões sobre a utilização da informática na educação a denominaram de informática educativa.

6

Entretanto, se a proposta pedagógica do CIEd-MS à época de sua criação era pautada

no construtivismo piagetiano, constando inclusive do seu primeiro regimento interno (1988), e

propunha uma mudança “revolucionária” na educação sul-matogrossense, tal proposta não se

concretizou, tanto que foi excluída do seu regimento reformulado em 1993.

Das três Vertentes de Atendimento propostas pelo CIEd-MS, apenas o Atendimento

Institucional e o Fomento e a Disseminação continuaram vigorando até a sua extinção em 17

de dezembro de 1998, apesar da vertente Pesquisa constar do regimento.

Acreditamos que alguns fatores que apontaremos a seguir contribuíram para isso:

1- a grande rotatividade de docentes, resultando em treinamentos contínuos de novos

professores que na maioria das vezes, nunca haviam trabalhado com um computador

anteriormente;

2- a ausência de uma Política Estadual de Informática orientada à educação que

além de destinar recursos para a instalação laboratórios de informática nas escolas públicas

de Mato Grosso do Sul, se preocupasse também com a capacitação de docentes nessa área do

conhecimento;

3- a não concretização da proposta inicial que muitas vezes resultava em projetos

inacabados e num constante recomeçar das atividades do Centro.

Se por um lado o atendimento do CIEd não se enquadrou nos moldes da proposta

inicial, em decorrência de problemas de ordem interna, política e econômica que ocorreram

desde a sua criação, de outro foi a única escola pública de Mato Grosso do Sul a oferecer esse

atendimento, inclusive aos alunos oriundos da camada menos favorecida economicamente da

população, de acordo com a sua capacidade de pessoal e de maquinário por um período de

10 (dez) anos (1988-1998), quando foram criados no estado 4 (quatro) Núcleos de

Tecnologia Educacional.

3. OS NÚCLEOS DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL DE MATO GROSSO DO SUL- NTES.

Com o discurso de que a escola tem como desafio preparar cidadãos para interagir no

mundo com as situações inusitadas dessa sociedade competitiva, globalizada e desenvolvida

tecnologicamente, o governo federal, lançou oficialmente em 1996, o Programa Nacional de

Informática na Educação – PROINFO, resultado das diversas ações e experiências, emanadas

e realizadas ao longo da década de 1980, de levar o computador para o interior da Escola

Pública, com os objetivos de:

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1-Melhorar a qualidade do Processo de Ensino e Aprendizagem.

2- Possibilitar a criação de uma nova ecologia cognitiva nos ambientes escolares

mediante a incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas escolas.

3-Propiciar uma educação voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico.

4-Educar para uma cidadania global numa sociedade tecnologicamente desenvolvida.

De acordo com Moraes (1998), esses objetivos para serem alcançados pela escola

pública é fundamental que essa a escola utilize os computadores na educação tendo como

meta os seguintes aspectos:

1- Investir no desenvolvimento humano através da expansão da capacidade de

reflexão dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico.

2- Buscar o desenvolvimento sustentável com a criação de espaços de aprendizagem

formadores de uma consciência política de seus aprendizes.

3- Trabalhar a aprendizagem e a busca pelo conhecimento científico na perspectiva

de uma Ecologia Cognitiva5.

4- Reduzir as desigualdades sociais ao permitir que todos os alunos sem exceção

tenham acesso aos computadores.

Para atingir seus objetivos o PROINFO (Programa Nacional de Informática na

Educação) previu entre outras ações, a criação de Núcleos de Tecnologia Educacional, nas

unidades federadas, com a função de serem os pólos multiplicadores da Informática na

Educação, através da capacitação dos professores para a utilização dessa tecnologia no

processo de ensino.

Preocupado em implementar o PROINFO e formar multiplicadores do programa, o

governo brasileiro projetou para o biênio 1997/ 1998 o atendimento a 7,5 milhões de alunos e

a capacitação de 1.000 (mil) professores multiplicadores através de cursos lato sensu.

Acreditava-se que tendo a formação inicial, o multiplicador especialista em

Informática orientada a Educação, por sua vez, multiplicaria esse conhecimento mediante o

oferecimento de cursos de capacitação em informática a 25.000 (vinte e cinco mil)

professores das escolas para trabalharem com recursos da informática em sala de aula.

Para poderem ser criados nos diversos municípios brasileiros, esses Núcleos de

Tecnologia Educacional precisariam ter nos seus quadros de professores, multiplicadores

capacitados na perspectiva do programa. Portanto, era fundamental que o(a) professor(a)

5 Esse conceito apresentado por Pierre Lévy , significa que a relação do sujeito com o objeto do conhecimento exige muita capacidade de adaptação e equilíbrio dinâmico, nos processos de construção do saber, bem como, a interação que existe entre o cérebro e os instrumentos existentes na cultura.

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fosse efetivo(a) das redes pública estadual e/ou municipal, para poder almejar ser aluno(a) do

curso de especialização em informática, telemática ou novas tecnologias orientadas à

educação, que seria oferecido por uma universidade competente, à exemplo do que havia sido

feito na época do PRONINFE e dos Cieds, na década de 1980.

Somente a partir dessa formação, é que os professores multiplicadores estariam

habilitados a disseminarem e concretizarem a política do PROINFO nas escolas públicas

integrantes do programa.

Em Mato Grosso do Sul, o primeiro Curso de Especialização (lato sensu) em

Informática na Educação, foi oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul no

período de outubro de 1997 a agosto de 1998 em convênio com a SED/MS e MEC/SEED

para a formação e titulação dos multiplicadores que atuariam nos Núcleos de Tecnologia

Educacional– NTEs – que seriam instalados nas cidades de Campo Grande (em substituição

ao CIEd), Corumbá, Dourados e Três Lagoas.

O referido curso foi desenvolvido no período de outubro de 1997 a agosto de 1998, e

formou 24 multiplicadores para atuarem, nos 04(quatro) Núcleos de Tecnologia Educacional

de Mato Grosso do Sul.

Em 1999, 01 (um) ano após a conclusão do Curso de Especialização, havia em Mato

Grosso do Sul além dos 04 (quatro) NTE, 27(vinte e sete) escolas com laboratórios de

Informática, instalados pelo PROINFO. Esse número aumentou de 27 (vinte e sete) em 1999

para 43 (quarenta e três) em 2004.

De acordo com dados obtidos na Secretaria de Estado de Educação, em 2005, das

365 (trezentas e sessenta e cinco) escolas da rede estadual de ensino em Mato Grosso do Sul,

198 (cento e noventa e oito) possuíam laboratórios de informática, que foram instalados com

recursos oriundos do PROINFO e de outros programas, conforme quadro 1 a seguir:

Quadro 1 - Laboratórios de Informática em MS

Emenda Parlamentar 46 Secretaria Estadual de Educação 85 PROMED- Programa do Ensino Médio 13 PROINFO 43 Doação de Empresas 7 Associação de Pais e Mestres 2 Amigos da Escola 1 Convênio com Empresas 1 Recursos Próprios da Comunidade Escolar 1 Programa Escola Básica Ideal 2

9

Com os pressupostos filosóficos da política governamental concretizada nas ações do

PROINFO, os trabalhos realizados pelos Núcleos de Tecnologia Educacional de Mato Grosso

do Sul, ao estruturarem os cursos de informática para serem oferecidos aos professores da

rede pública de ensino, tinham como desafio à assunção por parte desses professores de uma

prática docente ancorada nas concepções pedagógicas de utilização dos computadores na

organização do trabalho didático em sala de aula.

Isto porque, muito mais que aprender modos de uso do computador na atividade

docente, o professor ao se apropriar de novos paradigmas, re-significa os modos de interpretar

as relações sociais à luz de seus condicionamentos e fundamentos, conforme afirma Grinspun

(1999, p.65):

A fundamentação básica da educação tecnológica resume-se no saber-fazer, saber-pensar e criar que não se esgota na transmissão de conhecimentos, mas inicia-se na busca da construção de conhecimentos que possibilite transformar e superar o conhecido e ensinado.

Difundir esta perspectiva de abordagem para um maior número de educadores é de

fundamental importância ao se pensar que as atuais tecnologias tanto podem contribuir para a

inclusão como podem ampliar as mazelas da exclusão social.

A despeito dos motivos políticos e econômicos que colocaram os computadores na

escola, eles estão chegando e é preciso garantir o acesso tantos dos professores quanto dos

alunos a esse produto tecnológico.

Além do mais, o computador pode fazer emergir competências e habilidades que

ficam camufladas numa educação que privilegia a transmissão pura e simples dos saberes

sistematizados nos conteúdos curriculares, propiciando ao aluno:

1-Interagir com softwares que lhes exijam o desenvolvimento de habilidades lógico-

matemáticas e lingüísticas, como é o caso das linguagens de programação, das planilhas

eletrônicas e dos editores de textos.

2-Criar e integrar o computador às diversas mídias como a televisão, o rádio, o vídeo,

as filmadoras, etc.

3- Comunicar e interagir com pessoas das várias partes do mundo para discussão de

temas que afetam a vida no planeta, através da INTERNET.

4- Simular e resolver problemas em outra dimensão, através de softwares específicos

para este fim, como por exemplo, as combinações químicas, o interior do corpo humano, a

relação força e velocidade, etc.,

5-Deter o controle da aprendizagem adequando o computador ao seu ritmo de

aprendizagem do aluno.

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6- Trabalhar em grupo através do desenvolvimento de projetos criativos e/ou

construtivos ou de resolução de problemas.

7- Demonstrar para o outro suas reais potencialidades, etc.

Nessa perspectiva, os cursos oferecidos pelos Núcleos de Tecnologia Educacional

deveriam assumir um papel decisivo na mediação e ampliação de referenciais teórico-práticos

que habilitasse os professores ao exercício de uma prática pedagógica atuante e crítica,

aproximando-os das discussões da inserção do computador na organização da escola, no

currículo e na sua atividade docente.

Em Mato Grosso do Sul essas capacitações iniciadas pelo Centro de Informática

Educacional de Mato Grosso do Sul –CIEd-MS, através da vertente Atendimento Institucional

e levadas adiante pelos NTEs, a participação dos professores nas capacitações, sempre esteve

condicionada a dois fatores: disponibilidade de tempo e interesse do professor em cursos

dessa natureza.

Diante desse quadro muitas indagações emergiam: O que ensinar? Como ensinar os

professores sobre os computadores no processo de ensino e aprendizagem? Os cursos

deveriam priorizar a parte técnica de funcionamento das máquinas, ou os conteúdos das

disciplinas escolares?

Sem respostas para tais questionamentos, a metodologia de projetos, defendida por

intelectuais da UFRGS como a profª Léa da Cruz Fagundes; da UNICAMP como o prof. José

Armando Valente e da PUC-SP como a profª Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida,

expoentes do Programa Nacional de Informática na Educação no que se refere à capacitação e

formação continuada de professores para a utilização dos computadores no processo de ensino

e aprendizagem, como uma metodologia eficaz para se trabalhar os conteúdos curriculares na

plataforma informática com os seus recursos aplicacionais, foi a metodologia adotada pelos

Núcleos de Tecnologia Educacional em Mato Grosso do Sul.

Assim, nos cursos, os professores aprendiam sobre o funcionamento do computador

e seus programas, considerando-se as referências de uso real (um editor de textos uma

planilha eletrônica, um software de apresentação, e a navegar na internet).

Para utilizar os programas por eles conhecidos, desenvolviam um conteúdo

disciplinar, através da metodologia de projetos, que posteriormente poderia ser aplicado no

processo pedagógico durante as aulas a serem realizadas com seus alunos na sala de

informática. Ao final da capacitação, cada professor apresentava seu projeto, registrando suas

inquietações, descobertas e conclusões sobre o assunto.

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Nesse processo, alguns docentes argumentavam de que gostariam de poder

aprofundar os conhecimentos sobre os softwares aplicativos; terem acesso à softwares que

contemplassem os conteúdos curriculares - os chamados softwares educacionais-; aprenderem

novas técnicas para ensinar utilizando o computador; entenderem todo o funcionamento do

computador; descobrirem as vantagens da utilização do computador no processo de ensino e

aprendizagem; saberem usar “bem” o computador para inovar a sua prática educativa.

Tais argumentos deixavam transparecer a crença de que uma formação mais técnica

sobre todo o funcionamento da máquina lhes proporcionaria o domínio em relação aos

processos de aprendizagem de seus alunos.

O fato de esses professores reduzirem as questões pedagógicas ao atendimento de

necessidades imediatas de uso, com o objetivo de se adequarem às novas exigências da

sociedade digital, de modo mais rápido, explicitado no desejo de “buscar a informação que

falta, para melhor usar” em grande parte deve-se à ausência da compreensão de que o

computador como produto do desenvolvimento das forças produtivas, encontra-se no patamar

da sociedade capitalista, e uma vez inserido no cotidiano escolar, está afetando o seu fazer

pedagógico e, conseqüentemente, alterando a sua constituição como sujeito professor.

4. A CHEGADA DOS COMPUTADORES NA ESCOLA E O SUJEITO PROFESSOR.

A década de 1980 lançou as bases da política de inserção dos computadores na

educação, uma tecnologia produzida fora da escola, mas que depois de criada foi pensada para

ser absorvida pelo cotidiano escolar, dando início na academia a discussões sobre o uso do

computador como ferramenta eficaz no processo de ensino e aprendizagem.

O argumento para a utilização do computador na educação encontrou respaldo

principalmente na epistemologia genética piagetiana, e seu maior expoente na Linguagem

Logo, criada e desenvolvida por Seymour Papert na década de 1960, no Instituto Tecnológico

de Massachussets e importada para o Brasil, na década de 1980, por intermédio de José

Armando Valente, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

Defensores e contrários à introdução dessa tecnologia na educação ecoaram seus

gritos nos mais diversos meios da comunidade científica. Os argumentos para a utilização ou

não dos computadores, variavam desde a desumanização pela máquina a aceleração das

funções cognitivas dos alunos.

12

Falcão (1989) enumerou 5 (cinco) mitos surgidos na década de 1980: O computador

redentor que por si só revolucionaria o processo de ensino, o computador esfinge que

provocaria o analfabeto informata, o computador golem que controlaria o mundo todo, o

computador caviar que não combinaria com a pobreza da escola pública e o computador

moda que, assim como uma febre, passaria.

Enguita (1991) pontuou sobre a existência dos otimistas e dos pessimistas em relação

ao computador. Para os otimistas, essa tecnologia seria libertadora, portanto, imprescindível;

para os pessimistas, o uso dessa tecnologia alienaria e destruiria qualquer atividade humana,

pois ao invés de promover, diluiria qualquer relação entre os homens, que se tornariam cada

vez mais escravos de uma máquina.

Entre os defensores do computador como ferramenta benéfica do processo de ensino

e aprendizagem, citamos José Armando Valente, pesquisador do Núcleo de Informática na

Educação –NIEd/UNICAMP, que em 1995, editou um livro intitulado “O Professor no

Ambiente LOGO: Formação e Atuação”, reunindo 15 (quinze) pesquisas que tratavam do

papel do facilitador (professor) no Ambiente Logo.

A tese comum a todos os estudos reunidos no livro é a de que nesse ambiente, o

paradigma educacional é o construcionismo, segundo o qual, o computador é uma ferramenta

auxiliar no processo de construção do conhecimento pelo aluno, e o professor é o mediador ou

o facilitador desse processo.

O conceito defendido por Valente, disseminado no Brasil e adotado pelos

pesquisadores do período, teve como base as idéias de Seymour Papert que caracteriza o

construcionismo como sendo a reconstrução do construtivismo piagetiano, valorizando mais

de perto a idéia da construção mental. “A atitude construcionista no ensino não é, em

absoluto, dispensável por ser minimalista – a meta é ensinar de forma a produzir a maior

aprendizagem a partir do mínimo de ensino” (PAPERT, 1994: 125).

A preocupação dos estudos e pesquisas dessa época era com a eficácia do

computador na educação destacando a objetividade do instrumento sem necessariamente

abordar o professor na sua essência. As discussões giraram em torno desse instrumento como

recurso didático–metodológico externo ao professor.

Se a década de 1980, mesmo com os mitos sobre o computador pontuados por

Falcão, produziu estudos e pesquisas que demonstraram o seu valor pedagógico, a década de

1990 os materializou através das políticas emanadas do Ministério de Educação e Cultura –

MEC, apesar desses mitos ainda permanecerem fossilizados nas mentes de alguns sujeitos.

13

É na contradição do discurso político de formação dos professores para utilizarem o

computador em suas práticas que podemos entender o apelo da atual sociedade que dita aos

profissionais à necessidade de estarem em constante processo de atualização, aprendendo

sempre, sendo criativos e flexíveis no ensinar, gerenciando equipes com satisfação,

flexibilidade, criatividade, maestria e responsabilidade. Aos professores é solicitada a

participação nos processos de formação inicial e formação contínua para utilizarem os

computadores nas suas atividades docentes nas escolas.

Acredita-se que com essa formação as dificuldades daqueles que precisam e não

sabem como utilizar os computadores em suas aulas, serão sanadas. Com assessoramento

constante, estarão se qualificando de forma a desencadear no processo de ensino, ações e

atitudes que possam transformar o trabalho docente além de ações pedagógicas inovadoras,

comprometidas com a transformação social.

Nesse enfoque a questão que envolve a incorporação e utilização dos computadores,

pensando no processo de ensino-aprendizagem, tem identificando o professor e o aluno como

sujeitos deste processo. O nível de aprendizagem dos alunos é visto como positivo, com

destaque para a motivação na realização das atividades propostas pelos professores em sala de

aula, uma vez que o computador facilita o entendimento dos conteúdos abordados,

conseqüentemente, os alunos se interessam mais e fixam melhor a informação recebida na

sala de aula.

Pelo fato do computador proporcionar outras situações de aprendizagem e ampliar os

horizontes de buscas pelo sujeito, a descoberta de métodos próprios pelos alunos, é um

caminho considerado como algo eventual, excepcional. Todavia, estando o professor inserido

nesse processo essa excepcionalidade, tende a tornar-se um meio para oportunizar ao

educando situações em que possam experimentar e descobrir novos caminhos.

Essas necessidades sociais, culturais, políticas, econômicas, determinadas pelo

avanço da tecnologia, tem desestabilizado o professor que precisa ensinar o aluno a “aprender

a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer”, segundo o Relatório

da Comissão Internacional para o Século XXI, elencadas por Jacques Delors em 1998.

Se o sujeito das ciências humanas, nascido no século XIX é o sujeito cognoscente,

construtor do seu conhecimento, no século XXI esse sujeito precisa, além do conhecimento

cognitivo, adquirir as habilidades e competências que o exercite ao desafio de lidar com o

inusitado e com a incerteza.

Para não se deixar conduzir pelo determinismo tecnológico e nem pelos mitos sobre

a tecnologia, é fundamental que o professor perceba as contradições existentes na sociedade, e

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faça da sua docência um ato político em busca de uma sociedade cujos valores humanos

tenham a ética como premissa.

Assumir uma postura profissional nessa direção exige do professor trilhar pelos

caminhos da “prática à teoria e da teoria à prática”, visto que “a educação é um fenômeno

dinâmico e permanente como a própria vida e o educador busca compreender justamente esse

fenômeno para compreender melhor o que faz”. (GADOTTI, 1995, p. 29).

Sendo o professor um sujeito histórico e social que se constitui e é constituído nas

relações estabelecidas ao longo de sua existência, pode-se afirmar que se a sociedade se

transforma, a subjetividade desse professor também é transformada.

É necessário conceber o homem como uma série de relações ativas (um processo) em que, se a individualidade tem máxima importância, não é, porém, o único elemento a ser considerado”. E mais: indivíduo + os outros homens + a natureza. O indivíduo relaciona-se com os outros homens na medida em que participa de organismos e se relaciona com a natureza ativamente por meio do trabalho e da técnica. São relações “não mecânicas”. São ativas e conscientes, “isto é, correspondem a um grau maior ou menor da compreensão que delas tem o indivíduo singular(RAGAZZINI, 2005, p. 69 e 70).

Por ser permanentemente constituído, construído, reconstruído, alterado e

modificado, o reflexo da realidade material externa com a qual o sujeito interage, constitui a

sua subjetividade a partir de situações de intersubjetividade.

González Rey (2003) aponta para a idéia de um sujeito e sua subjetividade numa

perspectiva dialética, complexa, histórica e cultural. Considera que as criações humanas são

produtoras de sentido e a subjetividade ao abrir uma “zona de sentido” caracteriza a psique

humana individual e os cenários sociais de atuação do sujeito. Um cenário onde noções

ambivalentes e contraditórias podem coexistir e os conceitos serem instrumentalizados de

acordo com a finalidade das ações a que se propõem.

Nesse contexto, a formação inicial e continuada precisa ser realizada considerando-se

que a constituição desse sujeito professor está em constante transformação frente às crenças

fossilizadas sobre o uso do computador e/ou de qualquer outra tecnologia na atividade

docente.

Modificar esse quadro envolve repensar a prática em sala de aula, promover as

mudanças que devem ocorrer no interior da forma desse sujeito interpretar o mundo, pois essa

interpretação é determinante da sua concepção de educação. É preciso destruir o modelo

reprodutivista e conformista de educação e deslocar o objetivo do ensino escolar para a

formação de sujeitos autônomos, críticos, analíticos e reflexivos.

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[...] a nova tecnologia não é um fator isolado. Ela está ligada a transformações nas vidas, empregos, esperanças e sonhos de grupos sociais de pessoas. Para outros, os sonhos serão destruídos. Escolhas sábias sobre o lugar apropriado da nova tecnologia em educação, então, não são decisões apenas educacionais. Elas são fundamentalmente escolhas sobre o tipo de sociedade que nós teremos, sobre a sensibilidade ética e social de nossas instituições para com a maioria de nossos futuros cidadãos.( APPLE, 1995, p 169)

Entende-se dessa forma, que desde a segunda metade do século XX, a racionalidade

tecnológica presente nos setores de produção, reservada as implicações ideológicas, já atinge

o ser humano do século XXI, facilitando e complexificando o seu cotidiano.

Embora não inocentemente, são novas formas de relação com os instrumentos da

tecnologia que surgem, das quais a escola não pode fugir. Portanto, essas relações com as

atuais tecnologias, devem ser compreendidas no contexto político, econômico e social, que

permeia a atual sociedade, para poderem integrar-se a uma prática escolar madura e

conseqüente voltada a favor do ser humano e não contra ele.

Para isso o professor em formação contínua em relação aos computadores e as

demais e atuais tecnologias, precisa almejar para o aluno uma nova forma de ser, de pensar e

de agir perante as contradições existentes nas relações de produção dessa sociedade.

Evidenciar o mundo real ao aluno pode ser uma forma de aproximá-lo dessas tecnologias,

rompendo com a linearidade do pensamento, desenhando para si como sujeito histórico em

constante metamorfose, outros espaços e cenários condizentes com a realidade deste século

XXI.

Em se tratando da atividade docente, faz-se necessário que o professor se aproprie

dos objetos tecnológicos para construir uma lógica mais complexa, mais dialógica, mais

profunda de comunicação e interlocução com seus alunos, de modo a estabelecer um “novo”

relacionamento com essas tecnologias de informação e comunicação, que satisfaça e atenda as

suas necessidades e a de seus alunos.

Uma necessidade atual e necessária é a assunção de que novas relações pedagógicas

estão emergindo como conseqüência da ampliação dos cenários escolares, permeados por

essas tecnologias que estão sendo inseridas nas escolas desde os anos 1980.

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5- AS SALAS DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE MATO GROSSO DO SUL: O CASO DE CAMPO GRANDE-MS.

As Salas de Tecnologia Educacional (STE) foram introduzidas nas escolas da rede

pública estadual de ensino do estado de Mato Grosso do Sul, no segundo mandato (2002-

2006) do governador eleito pelo Partido dos Trabalhadores, José Orcírio Miranda dos Santos,

a partir do Programa Estadual de Informática na Educação, sob a coordenação da Secretaria

Estadual de Educação, durante a gestão do Secretário Prof. Msc. Helio de Lima e da

Coordenadoria de Tecnologia Educacional, sob a responsabilidade da Profª Msc. Terezinha

Mesquita Granja.

Para tanto, o programa ofereceu cursos de capacitação em informática através dos

Núcleos de Tecnologia Educacional – NTE, localizados nas cidades de Campo Grande,

Corumbá, Dourados e Três Lagoas, para todos os professores que demonstrassem interesse

em exercer a docência nas STE e também aos professores que atuavam nas escolas de maneira

que esses pudessem ter conhecimentos para trabalharem com seus alunos nos espaços das

Salas de Tecnologia Educacional.

O objetivo do programa foi o de instrumentalizar as escolas com recursos

tecnológicos e humanos, no sentido de proporcionar a incorporação adequada de tecnologias

computacionais e de rede, como suporte do processo pedagógico e administrativo.

Para alcançar este objetivo geral, o programa traçou como metas a capacitação dos

professores, gestores e funcionários das escolas estaduais para que juntos pensassem um

currículo que estimulasse o uso das atuais tecnologias de informação e comunicação de forma

que esse ferramental passasse a fazer parte da cultura escolar e promovesse o acesso de todos

os cidadãos sul-mato-grossense.

Com o discurso da socialização das tecnologias e da inclusão social e digital, o

programa inicialmente, implantou as STE em todas as escolas da Rede Estadual de Ensino na

cidade de Campo Grande/MS durante o período de março a dezembro de 2003. Dando

continuidade em 2004, o programa estendeu-se para as demais escolas da rede estadual, nos

demais municípios do interior do Estado de Mato Grosso do Sul, atingindo em dezembro de

2006 77 (setenta e sete) municípios e 360 (trezentas e sessenta) escolas.

As primeiras escolas estaduais a receberem as Salas de Tecnologia Educacional,

foram as da capital, Campo Grande, no ano de2003.

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Para implementação concreta do programa, os professores dessas escolas foram

convidados a participarem de cursos sobre a utilização dos computadores como ferramenta

pedagógica, no Núcleo de Tecnologia Educacional de Campo Grande.

Os cursos com carga horária de 80 (oitenta) horas cada eram oferecidos nos períodos:

matutino, vespertino e noturno para que os professores que tivessem disponibilidade de tempo

e interesse em participar da implementação do Projeto de Informática Orientada à Educação

de Mato Grosso do Sul, pudessem realizar os cursos em um dos turnos.

Além de aprenderem o manuseio das máquinas, nesses cursos os professores

puderam trocar experiências com profissionais das diferentes áreas do conhecimento, níveis

de ensino e regiões da cidade, demonstrando que há uma multiplicidade de fatores que devem

ser considerados quando se pensa em uma política de inserção dos computadores no cotidiano

escolar.

As aproximações e/ou os distanciamentos dos professores com essa ferramenta em

suas práticas serão determinadas não só por uma política em nível de Estado, mas mediante a

sua compreensão acerca do quê ensinar; como ensinar, por quê ensinar, para quê ensinar e a

quem ensinar, de maneira que esse professor tenha uma atividade profissional, atuante e

crítica.

Para desenvolver essa abordagem algumas questões merecem maior reflexão: o que o

professor precisa saber sobre as tecnologias disponibilizadas no mundo atual? Como otimizar

a produção do saber nas situações de ensino/aprendizagem com a utilização das tecnologias

da informação e comunicação? Quais os princípios que norteiam a produção de conhecimento

mediada pela informatização dos recursos didáticos? O quê e como avaliar? Entre outras.

Para os professores, realizar um curso no Núcleo de Tecnologia Educacional

significava uma oportunidade para: “aprofundar os conhecimentos sobre os aplicativos...”;

“aprender novas técnicas para ensinar utilizando o computador...”; “entender o funcionamento

do computador...”; “descobrir as vantagens da utilização do computador no processo de

ensino e aprendizagem...”; “saber usar o computador para inovar a prática educativa...”. Suas

falas demonstravam o quanto, muitas vezes, o professor tenta buscar a informação que falta,

para melhor usar, em detrimento da reflexão sobre quais conceitos e valores são preconizados

ao se propor este ou aquele recurso tecnológico em um trabalho didático.

À medida que os cursos avançavam, outros elementos foram sendo revelados durante

a argumentação dos professores ao conceituarem a escola, as relações nela vivenciadas e os

papéis assumidos pelos diferentes atores que compartilham esse espaço.

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Dentre os principais argumentos enunciados destacavam-se os seguintes: “a escola é

responsável pela formação dos jovens para o exercício da cidadania e precisa se modernizar

através da disponibilização de novas tecnologias...”; “a escola precisa ter um laboratório de

informática, para melhor ensinar...”; “a avaliação mudou, hoje o professor não utiliza mais as

provas para avaliar seus alunos”. Os avanços dos alunos são registrados no computador no

decorrer do processo ensino/aprendizagem...”; “alfabetizar as crianças utilizando os recursos

do computador será bem fácil e divertido...”; “precisamos utilizar novos recursos para manter

o aluno na escola. O computador desperta maior interesse nos alunos...”.

Utilizando conceitos e argumentos difusos e genéricos, na tentativa de interagir com

as novas diretrizes de trabalho e as expectativas sociais, os professores fizeram afirmações

que poderiam ser reveladoras de que a inserção das tecnologias no cotidiano escolar ora

funciona como condicionante para a modernização das relações pedagógicas, ora como

instrumento facilitador das atividades escolares.

Certamente, as expectativas mencionadas inicialmente são comuns a outros grupos,

em diferentes localidades, o que demonstra o quanto ainda é preciso investir em políticas

públicas de formação inicial e formação contínua dos professores das escolas públicas, de

forma a criar nessas escolas, espaços de discussões coletivas sobre os fundamentos da

Educação, da Política e da Economia nesse atual momento histórico influenciado pelas atuais

tecnologias de comunicação e de informação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que seja contraditório, as escolas públicas estaduais de Mato Grosso do Sul

possuem suas Salas de Tecnologia Educacional, portanto, os professores não podem mais

fazer de conta que é possível continuar ensinando, utilizando apenas as “conhecidas”

tecnologias, como o caderno, o lápis, os livros didáticos, o quadro negro, etc., quando o

mundo à sua volta, com a expansão tecnológica está se desenvolvendo tão aceleradamente.

A escola não pode deixar passar a oportunidade dos alunos, principalmente daqueles

mais desfavorecidos economicamente de interagir e apropriar dessa tecnologia, que pode ser

útil no desenvolvimento de suas habilidades como ser humano, histórico e social.

Para isso, além de uma política de instalação de salas equipadas com as atuais

tecnologias da informação e da comunicação, é preciso se preocupar também com a essência

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da atividade docente do professor em sala de aula, para que sua prática não seja reduzida a um

fazer pragmático e fragmentado inerente as tarefas diárias no cotidiano escolar.

É de suma importância um olhar especial aos professores que querendo ou não,

foram inseridos nos ambientes pedagógicos e tecnológicos. Olhar para esse professor e

evidenciar suas características como sujeito que é permanentemente constituído nas relações

sociais, pode ser um diferencial para o oferecimento de uma política de educação que atenda

as exigências da atual sociedade.

Nesse sentido é crucial discutir com esse professor acerca da sua constituição pessoal

e profissional que está sentido o reflexo das transformações tecnológicas. O professor precisa

entender que o sentido do ensino e da aprendizagem mediado por tecnologias atuais, só será

significativo ao aluno, se essa aprendizagem for proporcionada através de um ensino que

almeje a formação de um sujeito crítico, questionador das diversas maneiras de ensinar e de

aprender, para então se deixar envolver pelas exigências desse novo contexto social em que

vive e trabalha.

É fundamental que o professor tenha a consciência de que dominar a linguagem dos

computadores não significa meramente o domínio técnico da máquina no sentido mais estreito

da palavra, mas situar-se como sujeito consciente das transformações que estão ocorrendo

nessa sociedade, através do desempenho de suas funções no processo de ensino e

aprendizagem com a inserção das tecnologias no seu fazer pedagógico. Sendo assim, os cursos dessa área do conhecimento oferecidos aos professores

precisam subsidiá-los teórica e cientificamente a respeito das matrizes sociais, econômicas,

políticas e ideológicas, as quais orientam as suas práticas docentes.

Refletir sobre essas matrizes vinculando-as a uma proposta de trabalho real, pode ser

o caminho para a formação permanente e contínua do professor em direção aos

questionamentos que sempre ocorrem em cursos dessa natureza que são: o quanto “buscar a

informação que falta, para melhor usar...” habilita o professor para assumir uma postura

profissional crítica voltada para a democratização do saber? Quais as concepções de mundo,

de sociedade e de escola defendidas pelos professores? Como essas concepções se

manifestam nas relações da rotina escolar? Como se constrói a identidade de um projeto

educativo voltado para interagir com a sociedade em constante transformação?

Uma política de educação que atenda as exigências da atual sociedade, não deve

prescindir da preocupação de evidenciar ao professor que na sua constituição pessoal e

profissional está o reflexo das transformações tecnológicas.

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REFERÊNCIAS

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Documento SE/MS - Projeto de Implantação do CIEd/MS, 1987.

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