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 154 Descentralização e participação social: o novo desenho das políticas sociais Solange Maria Teixeira Universidade Federal do Piauí (UFPI) Descentralização e participação social: o novo desenho das políticas sociais Resumo: Este texto aponta elementos para uma problematização da democracia direta, materializada em processos de descentralização e de participação da sociedade civil nos espaços de deliberações das políticas públicas, em um contexto de reformas das políticas sociais, iniciadas na década de 1990. Toma como objeto de análise a Política Nacional do Idoso e as experiências dos consel hos de direito da pessoa idosa. Conclui-se que, apesar dos espaços de participação serem con traditórios e os sentidos de participação dos diferentes sujeitos estarem em confronto, a correlação de forças, favorável às forças conservadoras, redireciona as políticas sociais, imprimindo-lhes nova racionalidade e nova legitimidade, que distribuem responsabilidades para a sociedade civil. Essas mudanças reforçam a cultura privacionista no enfrentamento das refrações da questão social e transmutam a participação popular em consentimento e legitimação da ordem. Palavras-chave: democracia direta, participação social, descentralização, Política Nacional do Idoso. Decentralization and Social Participation: the New Design of Social Policies Abstract : This text indicates essential elements needed for an analysis of direct democracy, materialized in processes of decentralization and civil society participation in spaces for deliberating public policies, in a context of reform of these policies in the 1990’s. It analyzes the national Policy for the Elderly and the experiences of elderly rights councils. It concludes that despite the fact that spaces for participation are contradictory and the orientations of participation of the various subjects are in conflict, the correlation of forces favorable to conservative forces, redirect social policies, giving them a new rationality and new legitimacy that distribute responsibili ties to civil society. These changes reinforce a culture of privation in light of the clashes of the refractions of the social issue and transmute popular participation into consent and legitimization of the given order. Key words: direct democracy, social participation, decentralization, National Policy for the Elderly. Recebido em 03.04.2007. Aprovado em 15.06.2007.  Rev . Katál. Florianópolis v . 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007  PESQU ISA TEÓR ICA

Descentralização e Participação Social

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    Descentralizao e participao social: o novodesenho das polticas sociais

    Solange Maria TeixeiraUniversidade Federal do Piau (UFPI)

    Descentralizao e participao social: o novo desenho das polticas sociaisResumo: Este texto aponta elementos para uma problematizao da democracia direta, materializada em processos de descentralizao ede participao da sociedade civil nos espaos de deliberaes das polticas pblicas, em um contexto de reformas das polticas sociais,iniciadas na dcada de 1990. Toma como objeto de anlise a Poltica Nacional do Idoso e as experincias dos conselhos de direito da pessoaidosa. Conclui-se que, apesar dos espaos de participao serem contraditrios e os sentidos de participao dos diferentes sujeitos estaremem confronto, a correlao de foras, favorvel s foras conservadoras, redireciona as polticas sociais, imprimindo-lhes nova racionalidadee nova legitimidade, que distribuem responsabilidades para a sociedade civil. Essas mudanas reforam a cultura privacionista no enfrentamentodas refraes da questo social e transmutam a participao popular em consentimento e legitimao da ordem.Palavras-chave: democracia direta, participao social, descentralizao, Poltica Nacional do Idoso.

    Decentralization and Social Participation: the New Design of Social PoliciesAbstract: This text indicates essential elements needed for an analysis of direct democracy, materialized in processes of decentralizationand civil society participation in spaces for deliberating public policies, in a context of reform of these policies in the 1990s. It analyzesthe national Policy for the Elderly and the experiences of elderly rights councils. It concludes that despite the fact that spaces forparticipation are contradictory and the orientations of participation of the various subjects are in conflict, the correlation of forcesfavorable to conservative forces, redirect social policies, giving them a new rationality and new legitimacy that distribute responsibilitiesto civil society. These changes reinforce a culture of privation in light of the clashes of the refractions of the social issue and transmutepopular participation into consent and legitimization of the given order.Key words: direct democracy, social participation, decentralization, National Policy for the Elderly.

    Recebido em 03.04.2007. Aprovado em 15.06.2007.

    Rev. Katl. Florianpolis v. 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007

    PESQUISA TERICA

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    Introduo

    A Constituio Federal de 1988 (BRASIL, 1999)instaura elementos democrticos na gesto das pol-ticas pblicas, que sugerem um novo desenho daspolticas sociais no Brasil, fundamentados nos princ-pios da descentralizao, municipalizao e partici-pao da sociedade civil em todo o processo. Esta-belece que as polticas sociais sejam desenvolvidasde modo democrtico, em que a sociedade, via r-gos representativos, participe dos espaos de deli-beraes das diretrizes das polticas, do planejamen-to, da execuo, do controle e da superviso dos pla-nos, programas e projetos.

    Como destaca Paulo Netto (1999, p. 77), a Cons-tituio de 1988 imps, ainda que tardiamente, o pactode classes, garantindo direitos e proteo social p-blica aos trabalhadores, que, mesmo sem ferir a or-dem burguesa [...], ela assentou os fundamentos apartir dos quais a dinmica capitalista poderia serdirecionada de modo a reduzir, a nveis tolerveis, oque os prprios segmentos das classes dominantesento denominavam dvida social. O desenho daspolticas sociais apontava, ento, em direo modi-ficao do modelo de proteo social brasileiro, taiscomo: as tendncias universalizao, aoredistributivismo, inovao na estrutura administra-tiva como a descentralizao poltica, a participa-o social e a responsabilizao pblica, via fundospblicos, pela proteo social.

    A trajetria dos anos 1990, todavia, no seguiu oiderio da Constituio, instaurando uma conjunturade reformas, antes mesmo da implementao dosprincpios constitucionais uma reestruturao con-servadora que inviabilizou suas tendncias progres-sistas. Como destaca Vianna (2002), apesar de man-ter o conceito de seguridade social, medidas so to-madas que inviabilizam a clareza de suas proposi-es e sua efetivao prtica. Num contexto em queo endurecimento das presses dos credores exter-nos, a disputa por recursos escassos, a desmobilizaoda sociedade e uma srie de outros fatores enfra-queceram a coalizao de apoio quele iderio, mo-dificaes foram feitas separando as reas e polti-cas da seguridade, alm de modificaes na admi-nistrao, no financiamento, e inmeras reformas naprevidncia social.

    Essas reformas so condizentes com as medidasde ajuste estrutural, impostas pelos mecanismos fi-nanceiros internacionais que desencadearam mudan-as mediante polticas liberalizantes, privatizantes ede mercado, condio de insero do pas na novaordem mundial globalizada, atingindo as polticas p-blicas de corte social, atravs das noes de reduode dficits pblicos e de reforma do Estado.

    So reformas representativas de uma nova for-ma de enfrentamento da questo social pelo capital e

    Estado, que tm reforado a cultura privacionista notrato de suas refraes, expressa na assuno dasresponsabilidades para a sociedade civil ou na co-responsabilidade (no apenas do setor mercantil, mastambm do no-mercantil), de modo a diminuir a de-manda social do Estado. uma forma de transmutarproblemas sociais em assunto privado, de responsa-bilidade da famlia, comunidade, organizaes no-governamentais, redirecionando a participao popu-lar sugerida pela Constituio ao processo deimplementao das polticas, inclusive com trabalhovoluntrio, recursos e infra-estrutura da sociedadecivil, ou seja, em cooperativismo, em solidariedadeentre sujeitos antagnicos.

    Essas novas formas de trato da questo socialfazem parte das estratgias de reduo do Estadocomo gestor e administrador da proteo social aostrabalhadores, do desmonte dos direitos sociais con-quistados, sob a retrica de ampliao da participa-o da sociedade civil, da solidariedade indiferenciada,do cooperativismo de todos perante as crises e aagudizao da questo social, bases da recomposi-o da hegemonia das classes dominantes nas novasrelaes de produo e reproduo social.

    A referida hegemonia da classe dominante ou arecomposio de suas bases nasce na produo, naempresa capitalista, como condio ideolgica neces-sria reestruturao dos processos produtivos dasrelaes de trabalho, mediante mecanismos de cap-tura da subjetividade materializada nas estratgias departicipao e cooperativismos do trabalhador. Nombito da reproduo social (dimenso poltico-ideo-lgica da reestruturao), atinge o modo de fazer po-ltica e se consubstancia nas estratgias de partici-pao solidria da sociedade civil, que temreatualizado estratgias histricas de respostas smazelas sociais, como a filantropia, o trabalho volun-trio, o cooperativismo, dentre outras. Essa partici-pao solidria das organizaes da sociedade civil,que se auto-intitulam pblicas, porm no-estatais,parte da esfera pblica, resultante das novassimbioses entre pblico e privado, da penetraodo privado no espao pblico, e do referidocooperativismo entre sujeitos antagnicos frente squestes sociais.

    Assim, institui-se um novo modo de fazer polticasocial pelo qual se imputa a lgica do pblico no-estatal na cultura e nas prticas organizacionais, e es-vazia-se o carter pblico, e como tal, universal, naprestao de servios sociais e execuo de polticassociais (GUERRA, 2005, p. 8); redireciona a noode participao social dos movimentos democrticosda dcada de 1980, por descentralizao poltica, porparticipao nos processos decisrios da poltica, pormecanismos de controle social, transformando-os emespaos de consentimento, de legitimao de decisesdos governos, de responsabilizao pela proteo.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007

    O objetivo deste artigo demonstrar como essemodelo de fazer poltica social, que se diz democrti-co, de gesto participativa, consolida uma direo queno rompe com os princpios postos pela Constitui-o, mas a redireciona. Consolidando, legalizando elegitimando o mix pblico/privado e a noo de parti-cipao como diviso de responsabilidades pela pro-teo social, assumida, inclusive, pelos movimentossociais, gerando um senso comum, um consenso emtorno desse modelo. Destacaremos como objeto deanlise a poltica social de proteo ao idoso, maspoderia ser a de assistncia criana e ao adoles-cente, ou outra qualquer que tenha sido criada a par-tir da dcada de 1990.

    1 Institucionalizao de uma nova cultura defazer poltica social

    No contexto da anlise das transformaes dossistemas de proteo social, sob os efeitos de restri-es econmico-financeiras ps-anos 1970, a socie-dade civil aparece com renovado papel no que serefere s questes sociais.

    Os determinantes desses processos imediatos soas transformaes no sistema produtivo. Essas norevelam apenas uma modificao tcnica etecnolgica dos processos de trabalho, mas tambmuma ofensiva classista que visa antes atingir a classetrabalhadora, tanto em seus mecanismos de organi-zao, quanto em suas conquistas histricas de pro-teo pblica, deslegitimando o espao pblico (es-tatal), e instaurando um no-vo tratamento dos problemassociais no campo moral, soli-drio e voluntrio da ajuda dasociedade civil.

    Nessa perspectiva, aofensiva do capital, como res-posta crise na dcada de1970, expressa-se pelo pro-cesso de reestruturao pro-dutiva impulsionado pela ter-ceira revoluo industrial, queincorpora avanos tecnol-gicos, reduzindo cada vezmais o trabalho vivo e ampli-ando, sem precedentes, o de-semprego, cujas dimensesestruturais engendram for-mas de precariedades nassuas condies. Expressa-se,tambm, por uma ofensiva poltico-ideolgica, de re-composio das bases de hegemonia do capitalconsubstanciada na busca da captura da subjetivida-de do trabalhador, mediante a cooperao no pro-cesso produtivo e fora dele, difundindo uma cultura

    solidarista entre classes antagnicas; deslegitimandoa solidariedade social1 administrada pelo Estado que deu origem as polticas pblicas de corte social;reatualizando prticas filantrpicas e o trabalho vo-luntrio; e viabilizando a mercantilizao de serviossociais para o pblico que pode pagar por eles.

    Essa cultura solidarista, como destaca Abreu etal (2002), dissimula as conseqncias das sadasneoliberais do capital a essa nova crise cclica, dadoque aprofundam as desigualdades sociais e acirramos antagonismos entre classes sociais condio egrande ameaa desse padro de acumulao. Nesseprocesso, a solidariedade entre sujeitos antagnicos,isto , entre capital e trabalho, reafirma-se como umaestratgia ideolgica de controle social face ao agra-vamento e ao enfrentamento da questo social, baseda constituio dos processos poltico-pedaggicosna organizao da cultura dominante como culturaque se prende ao consenso.

    O capital tem, historicamente, mobilizado meca-nismos de contratendncia para enfrentar as crisescclicas de sua reproduo, imprimindo redefiniesnas suas prticas e na interveno do Estado, estatambm determinada pelas lutas de classes. Toda-via, o fracasso completo da experincia do chamadosocialismo real nos pases do Leste Europeu e a pul-verizao das lutas das classes subalternas em tornode direitos por categoriais especficas produto dademocracia burguesa deram origem a uma corre-lao de foras, em que as foras conservadoras ga-nharam terreno na orientao econmica, poltica esocial, apesar das resistncias da classe trabalhado-

    ra atingida pela reduo doproletariado, pela formao dosubproletariado, pelos desem-pregados e pelo surgimento deum neocorporativismo nosseus movimentos de classe.

    nesse cenrio que asforas conservadoras tentamredirecionar as mudanas naregulao estatal luz dasidias neoliberais e ganhamrepercusses internacionais,fortalecidas pelas tendnciasda reestruturao do capitale pela ausncia de contra-ponto ou ofensivas unificadascontrrias. O Estado inter-vencionista (na reproduodo capital e trabalho) passa aser o alvo das crticas. E res-

    ponsabilizado pelas crises econmicas, peloendividamento, pelos dficits fiscais, pela reduo dastaxas de lucro, inflao e demais mazelas da socieda-de atual, enquanto a proteo social pblica acusadade promover paternalismo e desestmulo ao trabalho.

    O capital tem, historicamente,mobilizado mecanismos de

    contratendncia para enfrentaras crises cclicas de sua repro-duo, imprimindo redefiniesnas suas prticas e na interven-

    o do Estado, esta tambmdeterminada pelas lutas

    de classes.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007

    Como destaca Oliveira (1998), os ataques dosneoliberais aos gastos sociais so uma maneira de des-truir a relao do fundo pblico com a estrutura desalrio, correo das desigualdades e dos bolses depobreza. Ainda, para o autor, os neoliberais no pro-pem o desmantelamento total das funes do fundopblico como antivalor, como suporte acumulaocapitalista, mas visa o repasse da reproduo socialdos trabalhadores esfera privada, sob a mscara dodiscurso da solidariedade direta, da cooperao, daampliao da participao cidad, legitimando osnovos modelos de interveno do Estado e repassan-do para a sociedade civil completamente destitudade sua acepo materialista e classista a responsa-bilidade pelo trato das refraes da questo social.

    Essa perspectiva de diviso de responsabilidadesno trato da questo social, medida que reduz a de-manda do Estado e restabelece os laos de solidarie-dade direta, tm seduzido conservadores e progres-sistas, e est relacionada ao mix pblico/privado, coma participao da sociedade civil (incluindo o merca-do) na proviso de bens e servios, restringindo oEstado ao papel de normatizador, fiscalizador e, emalguns casos, financiador. Trata-se de uma novamodalidade de proteo social, agora sob a rubricade pluralismo de bem-estar, ou bem-estar misto, comoalternativa, que mantm os sistemas pblicos de in-terveno social, mas sob novas bases, mais restriti-vas focalizadas e seletivas.

    Um dos momentos decisivos na institucionalizaode uma nova cultura de fazer poltica social ocorreudurante a reforma administrativa do Estado brasilei-ro, elaborada e aprovada pelo governo de FernandoHenrique Cardoso, com o objetivo de adotar umaadministrao gerencial contrria burocrtica. En-tre as medidas para efetiv-la, destacam-se aquelasem que o interesse pblico no pode ser confundidocom o interesse do prprio Estado, como ocorre coma administrao burocrtica e centralizadora tomadacomo uma ampliao da esfera pblica que se ex-pande para a sociedade civil, cujas aes so de in-teresse pblico. Isso tem significado, na verdade, avolta dos servios sociais para a dimenso privada,lucrativa ou no-mercantil, um ataque aos direitossociais, garantidos pelos fundos pblicos e executa-dos pela burocracia estatal, e um reforo refilantropizao da questo social.

    Essas mudanas legais e institucionais pblicasvo redesenhar a poltica social, dando-lhe duascaractersticas principais: a) a descentralizao ea racionalizao dos servios pblicos, que buscareduzir os gastos pblicos federais edesresponsabilizar o governo pela execuo daspolticas sociais repassando-as para as coletivida-des locais; b) a publicizao, que pretende signi-ficar transformao dos servios no-exclusivosde Estado em propriedade pblica no-estatal e

    sua declarao como organizao social(BRESSER PEREIRA, 1998, p. 246).

    As aes na qual se insere a sociedade civil, me-diante suas organizaes, nas tarefas de serviospblicos, concebidas pelos reformistas como a via demodernizao do desempenho das aes pblicas, nointuito de diminuir as demandas do Estado, tm signi-ficado um retrocesso. Constituem o retorno para asformas de enfrentamento da questo social, atravsde aes benemerentes, filantrpicas, ou das formasmais modernas de empresa cidad, organizaes no-governamentais, dentre outras. A nova face da pro-teo social privada no-mercantil assume dimensesideolgicas de espao pblico, de organizaes pro-gressistas, de representantes do interesse geral emascara a restrio da ao do Estado na reprodu-o do conjunto da classe trabalhadora.

    2 Poltica social de proteo ao idoso: entreo pblico e o privado

    As leis infraconstitucionais nas diversas reas depolticas sociais consolidam esse novo modelo depoltica social que se move entre o pblico e o priva-do, que legitima a participao da sociedade civil comoexecutora da poltica. A ttulo de exemplo, a PolticaNacional do Idoso (PNI) passou no apenas a regularas diversas iniciativas privadas e pblicas de aes deproteo ao idoso, criando princpios e diretrizes parauniformiz-las, mas tambm a legalizar formalmente eincentivar essas instituies privadas como executo-ras da poltica. Instituiu um novo e, ao mesmo tempo,um velho mtier de fazer poltica social no Brasil,marcados por continusmos histricos nas formas deproteo social, que as lutas por democratizao e aConstituio Federal de 1988 no foram capazes deromper e de mudar, sob a retrica da presena da so-ciedade civil nas decises, gesto, execuo e fiscali-zao das polticas, expressas nos princpios dedescentralizao e participao social (BRASIL, 2000).

    A PNI firma a descentralizao no somente nosaspectos tcnico, fiscal ou administrativo, incluindo oque Nogueira (1997) denomina de sua dimensopoltica, associada noo de participao da soci-edade tanto nas aes e espaos de controle social,mas tambm nos aspectos de execuo da poltica,como instncia de proteo social, com ou sem osrecursos do Estado, reafirmando a definio de par-ticipao, como de parceria e de colaboracionismo.

    A descentralizao que se tenta hoje implementar,como aquela materializada na PNI e no Estatuto doIdoso, busca transferir encargos e, ao mesmo tempo,co-responsabilizar a sociedade civil na gesto de po-lticas sociais, redefinindo as estratgias de controlesocial, em colaboracionismo, em novas formas delegitimao das aes e iniciativas do Estado.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007

    A descentralizao como diviso de responsabili-dades sociais no trato da problemtica social do en-velhecimento com a sociedade civil constante naletra da lei que institui a PNI e os instrumentos paraimplement-la. Nessa perspectiva, o primeiro princ-pio que orienta a lei define: I - a famlia, a sociedadee o Estado tm o dever de assegurar ao idoso todosos direitos de cidadania, garantindo sua participaona comunidade, defendendo sua dignidade, bem-es-tar e o direito vida; o segundo tambm expressaessa responsabilidade social, logo da sociedade paracom os idosos: II - o processo de envelhecimentodiz respeito sociedade em geral, devendo ser objetode conhecimento e informao para todos (BRA-SIL, 2000, p. 6-7).

    Assim, torna-se visvel a participao da socieda-de civil como espao de efetivao de servios e pro-teo social ao idoso, em es-pecial, a modalidade no-mer-cantil, como a famlia, que seancora no processo queBermdez (2001 apudMIOTO; LIMA, 2005, p. 6),denomina de neofami-liarismo, que definido pelaautora como sendo uma ten-dncia ideolgica atual detransformar a unidade famili-ar em soluo para a racio-nalidade do modelo global,reprivatizando atividades tor-nadas pblicas no passado, etrazendo a unidade domstica privada por definio devolta a sociedade em geral.

    O papel dos apoios infor-mais reconhecido e incenti-vado cada vez mais no mbi-to das polticas pblicas. En-tretanto, a valorizao das redes de solidariedade fa-miliares e comunitrias pura retrica, medida quetem significado deixar a famlia sua prpria sorte,obrigando-a a buscar os servios no mercado ou pe-recer na pobreza, se incapaz de pagar pelos servi-os. Como destacam Mioto e Lima (2005), pareceestar cada vez mais distante a possibilidade da fam-lia contar com fonte de recursos para responder sdificuldades sociais, que atinge grande parte da po-pulao empobrecida. Situao agravada pelo desem-prego e pela precarizao do trabalho.

    Todavia, a pseudovalorizao dessas redes fazparte do discurso neoliberal, do retorno ao mbitoprivado da satisfao de necessidades reprodutivasda fora de trabalho, de modo a reduzir a demandado Estado, os custos tributrios. E para gerar espa-os at ento no-mercantilizados de reproduodo capital: como na sade, educao, previdncia, fi-

    cando a ao do Estado restrita a polticas compen-satrias da pobreza.

    As diretrizes da PNI priorizam o atendimento doidoso na prpria famlia. Se esse procedimento, porum lado, representa mecanismos de desinternao,desasilamento dos idosos, por outro, responsabiliza asfamlias e as organizaes sociais no-governamen-tais. O Estado, ficando com sua atuao limitada acasos extremos de pobreza e abandono, deixa de fa-zer investimentos de porte na poltica asilar ou em for-mas alternativas de assistncia. As diretrizes confir-mam: III - priorizao do atendimento ao idoso atra-vs de suas prprias famlias, em detrimento do aten-dimento asilar, exceo dos idosos que no possuemcondies que garantam sua prpria sobrevivncia,ou ainda, VIII - a priorizao do atendimento do ido-so em rgos pblicos e privados prestadores de ser-

    vios, somente quandodesabrigados e sem famlia(BRASIL, 2000, p.7-8). Almde o Estado ter restringido suaatuao, a execuo da pol-tica asilar para os desabriga-dos e abandonados no ade-quada. Posto que nem nessescasos a atuao do Estado exclusiva. As instituies asi-lares, por no serem priori-trias, padecem para capta-o de fundos, passando a sermantidas pelo municpio ou porONGs, precisando apelarpara doaes privadas e re-correr ao trabalho de volun-trios.

    Vale ressaltar que os mo-vimentos sociais lutaram pelodesenclausuramento dos ido-sos, contra o confinamento

    social, por representarem perda da cidadania, segre-gao, afastamento dos laos familiares, e por for-mas alternativas de atendimento aos idosos. Toda-via, a reduo dos gastos sociais e o retorno da re-produo social para o mbito privado tm repassa-do as responsabilidades pblicas s famlias, socie-dade civil, cujas propostas de convvio alternativo aosidosos so pioneiras no Brasil.

    Em relao s aes governamentais, dentre elasas referentes s reas de promoo e assistnciasocial, destaca-se o atendimento s necessidadesbsicas do indivduo, mediante a participao dasfamlias, da sociedade, de entidades governamentaise no-governamentais. O princpio bsico definidordas aes sempre a diviso de responsabilidades,das parcerias, do retorno famlia como espao deproteo social, e no como sujeito da proteo, quefaz parte das estratgias de retomada das redes de

    Em relao s aes governa-mentais, dentre elas as referen-

    tes s reas de promoo eassistncia social, destaca-se oatendimento s necessidades

    bsicas do indivduo, mediantea participao das famlias, da

    sociedade, de entidadesgovernamentais e no-governa-

    mentais.

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    Rev. Katl. Florianpolis v. 10 n. 2 p. 154-163 jul./dez. 2007

    solidariedade primrias, centralizadas na famlia, in-clusive, nos tratamentos de sade, com a figura docuidador e com as aes do chamado terceiro setor. no espao da assistncia social que mais clara-mente se apresentam as propostas de parcerias comas organizaes no-governamentais, parte do mtierou modus operandi da assistncia social no Brasil,aprofundada na era neoliberal.

    nessas aes da assistncia social, mas noexclusivamente nesta rea, que se materializa a dire-triz de viabilizao de formas alternativas de parti-cipao, ocupao e convvio do idoso, que proporci-onem sua integrao s demais geraes (BRA-SIL, 2000, p.7). Diz respeito a estimular essas aes,o que significa no execut-las prioritariamente, masem parceria com a sociedade civil, atravs de alter-nativas de atendimento, programas, centros de con-vivncia, casas-lares, oficinas, atendimento domicili-ar e outros, complementando, assim, a poltica deassistncia monetria.

    A ttulo de exemplo, as propostas de Centros deConvivncia para Idosos no apenas afirmam a redede parceria com instituies pblicas e privadas, de-finidas pelas normas operacionais do Ministrio doDesenvolvimento Social e Combate Fome, mastambm determinam que sua gesto busque a auto-sustentao:

    [...] visando auto-sustentao dos Centros deConvivncia. [...] o projeto dever ser iniciado comuma co-participao entre governo e sociedade. [...]A manuteno das atividades se dar com recur-sos dos Fundos Nacional, Estadual e Municipal e,quando possvel, outras fontes aprovadas pelosrespectivos conselhos de Assistncia e/ou de Sa-de (NORMAS OPERACIONAIS, 2007, p. 34).

    Demonstram, portanto, uma reduo do papel dogoverno federal nesses servios de cuidadosinstitucionais com idosos, no apenas na parte admi-nistrativa, tambm na de pessoal qualificado. Destaforma, as instituies passam a contar com os escas-sos recursos institucionais dos municpios, cujacontrapartida, aliada ao baixo poder organizativo e es-trutural da sociedade civil, pode inviabilizar a efetivaode uma rede qualificada de proteo social ao idoso.

    Embora o setor privado (no-mercantil) recebarecursos das trs instncias administrativas de go-verno, as parcerias definem-se tambm pelo co-fi-nanciamento, com outras fontes de doaes civis etrabalho voluntrio. Essas fontes, apesar de seremavaliadas por muitos analistas como geradoras demecanismos mais eficientes, porque reduzem cus-tos, tm, na verdade, precarizado os servios, colo-cando-os em situao de instabilidade e de incapaci-dade de atender demandas, sendo, sim, eficientesmecanismos de reduo de metas, grupo-alvos, alm

    de conterem aes marcadas pelo localismo e pelatrivialidade do atendimento.

    Todavia, a descentralizao na sua dimensoparticipativa portanto, poltica no se direciona ape-nas para a participao da sociedade civil na execu-o das polticas. Os poderes pblicos, porm, tm queconviver com as conquistas dos movimentos pela de-mocratizao do Estado e da sociedade que exigem aparticipao das diversas organizaes civis nos es-paos de deliberaes das diretrizes polticas. Partici-pao nas decises, no planejamento, no controle e nasuperviso de planos, programas e projetos que mate-rializam a poltica, constituindo a dimenso moderna,as mudanas (numa dialtica de continuidades e mu-danas) nas formas de enfrentar a questo social.

    As diretrizes da PNI reafirmam a participao dasociedade civil, bem como a dos prprios idosos, atra-vs de suas organizaes representativas, na formu-lao, implementao e avaliao da poltica a elesdirigida. Em tese, um avano que gera espaos departicipao e de controle social da gesto pblicadas polticas, criando mecanismos para que as de-mandas cheguem aos formuladores dessas polticas,o que, por si s, no garantia de atendimento dasnecessidades, considerando-se a demanda reprimi-da, os parcos recursos federais e a inviabilidade demuitos municpios de co-financiar os programas.

    Ainda assim, a institucionalizao dos denomina-dos conselhos de direitos ou conselhos gestores rgos colegiados, constitudos nas instncias fede-ral, estadual e municipal, por representao paritriada sociedade civil e sociedade poltica, com funesdeliberativas sobre a poltica social , no mbito decada poltica especfica, ocorre, mas com o avanodo neoliberalismo, em um contexto de reestruturaoprodutiva e poltico-ideolgica do capital, esses soredirecionados, transformam-se em colaboradores,parceiros. Nessa condio, contraditoriamente cons-tituem um espao de recomposio das bases dehegemonia e de controle sobre o trabalho, que visaobter a adeso e o consentimento do trabalhador nova ordem, construindo uma nova cultura de con-senso, fundada na solidariedade indiferenciada entreas classes, no cooperativismo, ou solidarismo, noenfrentamento das crises, redefinindo o sentido daparticipao social.

    Como destaca Abreu (1999, p. 64), as medidaspersuasivas do capital, para atingir o fim em que oaparato estatal constitui uma das principais media-es, so fundados na retrica de que a nova rela-o capital/trabalho, consubstancia-se na superaodos antagonismos entre classes, e no estabelecimen-to da colaborao entre elas, na qual a parceria e assolues negociadas constituem a base dessa novarelao. nessa perspectiva que se reatualiza a in-terveno do setor privado na questo social, e queocorrem os redirecionamentos das prticas de de-

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    mocracia direta, no sentido de tornar os sujeitos, queocupam esses espaos parceiros, colaboradores elegitimadores das decises governamentais.

    Os conselhos so, entretanto, espaos contradi-trios. Vinculam-se s iniciativas da classe trabalha-dora, referentes democratizao e universalizaodas polticas pblicas. Constituem-se em espaos deexpresso poltica, na luta pela garantia de meios prpria reproduo social, mas tambm aos objeti-vos neoliberais de descentralizao e partilha do po-der. Objetivos esses integrados s estratgias dedesregulamentao do papel do Estado na economiae na sociedade, podendo, nesse caso, desenvolve-rem-se como mecanismos privilegiados de manifes-tao dos interesses dominantes, e do exerccio docontrole social pelo capital (ABREU, 1999).

    Essa dimenso contraditria, como destaca Silva(2004), significa que o carter democratizador oucolaboracionista no est a priori, mas sim depende dacorrelao de foras que se estabelecem na sociedadecivil e na sociedade poltica e entre as classes sociais.

    Os limites impostos a essas instncias pelo PoderExecutivo, o seu real poder e autonomia em relao esfera governamental, e a efetivao das atribui-es legais, de deciso e de controle social, do adimenso clara do sentido e da direo da noo departicipao social que o poder visa instituir.

    Em relao PNI, Lei 8.842 (BRASIL, 2000),esses limites comeam com a legislao, conside-rando-se que o Poder Executivo vetou os artigos (do11. ao 18) que criavam e definiam papis e atribui-es do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso.Assim, a constituio dessa instncia efetivou-seapenas em 2003, realizando-se no primeiro semestredaquele ano a primeira reunio do Conselho Nacio-nal. Em abril de 2004, j existiam 19 Conselhos Esta-duais de Direitos do Idoso, sendo que muitos surgi-ram antes da instncia nacional. Em escala munici-pal vm crescendo o nmero de conselhos, emboraainda pouco representativos, se relacionados quan-tidade de municpios brasileiros.

    No Estatuto do Idoso, Lei 10.741(BRASIL, 2007),o artigo 53 d nova redao ao artigo 7 da PNI, assi-nalando que compete aos conselhos, de que trata oartigo 6 dessa lei, a superviso, o acompanhamento,a fiscalizao e a avaliao da Poltica Nacional doIdoso, no mbito das respectivas instncias poltico-administrativas.

    Como destaca Faleiros (2006), faltou estabelecer,nessa lei, o carter deliberativo desses conselhos, naformulao de diretrizes e normas, de modo que elaspossam ter fora de obrigatoriedade, apesar de que,mesmo com essa funo formalizada em lei, as vri-as instncias do poder pblico inviabilizam ou des-respeitam as deliberaes tomadas por esses rgos.O carter deliberativo do Conselho Nacional foi cor-rigido pelo Decreto n. 5.109 (BRASIL, 2006), que

    dispe sobre a composio, estruturao, competn-cias e funcionamento do Conselho Nacional de Di-reitos do Idoso.

    Todavia, o limite no poder de deciso desses con-selhos no se restringe definio na lei, mas a umasrie de mecanismos prticos que inviabilizam que es-tas instncias decidam sobre quais necessidades soci-ais atender e financiar. Como exemplo, a falta de umoramento nico para a execuo da PNI constituium dos obstculos efetivao dessa atribuio. Almdisso, o oramento destinado a cobrir determinadosprogramas tem seus recursos depositados nos fundosNacional de Sade e de Assistncia Social, em reasespecficas. As demais reas de proteo social aoidoso so desenvolvidas com recursos de cada minis-trio que envolve essas aes, nem sempre as tendocomo prioridade nos gastos sociais.

    Mesmo considerando os limites impostos pelocarter incipiente desses conselhos, que se refletemnos processos de discusso coletiva nos fruns2 dedebates com a sociedade civil e poltica, foi possveldelinear suas aes, como a proposta de criao deuma Rede Nacional de Proteo Social e de Direitosda Pessoa Idosa (RENADI), e a realizao da Con-ferncia Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa comos objetivos especficos de: estimular a criao dosconselhos municipais e fortalecer os j existentes;constituir espaos de apresentao e articulao deproposies para a construo da rede de proteosocial e de defesa dos direitos do idoso, esclarecen-do o seu carter, os princpios, a estrutura e a estra-tgia de sua implementao; identificar os desafiospara esta implementao; e deliberar sobre as es-tratgias de seguimento e de monitoramento das de-liberaes desse frum, dentre outros.

    A rede de proteo social definida como umaorganizao da atuao pblica (do Estado e da so-ciedade) atravs da implementao de um conjuntoarticulado, orgnico e descentralizado de instrumen-tos, mecanismos, rgos e aes para realizar todosos direitos fundamentais da pessoa idosa do pas(CONFERNCIA..., 2006, p.15). Tal definio ex-prime bem a noo do pblico no-estatal, articuladaao Estado na garantia dos direitos, e sua funo deresponsabilidade direta na proteo social, expres-so do cooperativismo frente questo social.

    A defesa dessa nova institucionalidade pblica(estatal e no-estatal) e a promoo de uma novasubjetividade expressa numa nova cultura de direitosda pessoa idosa, conforme o mesmo documento,expressa o carter da RENADI, e destaca-se comoo trao comum entre os discursos progressistas econservadores, formando um consenso em torno domodo de fazer poltica social, e de transmut-la parao mbito da ajuda solidria.

    Embora se concorde que os setores populares,representantes dos interesses das classes dominadas,

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    devam ocupar os espaos institucionalizados comoestratgia para criar regras pactuadas e universais que possam romper com o que Oliveira (1990) deno-mina de modelo de regulao truncada, do caso a caso,que favorece apenas os interesses particulares, com ouso dos fundos pblicos destinando-se, preferencial-mente, para a acumulao do capital, em detrimentodos interesses e necessidades da reproduo da forade trabalho tambm se reconhece os limites e osdesequilbrios dessas estratgias.

    Nessa perspectiva, os conselhos apresentam pos-sibilidades e limites, principalmente no contexto dereformas neoliberais. Suas deliberaes buscam cri-ar tanto instrumentos e estratgias de implementaoda legislao existente, como a construo de planosde direitos do idoso em cada esfera administrativaquanto novos rgos pblicos, nos mbitos do Exe-cutivo, Legislativo e Judicirio, de modo a viabilizaruma rede de proteo.

    Essas deliberaes, contudo, esbarram na vonta-de do poder pblico em especial do Executivo dedemocratizar, ou no, as decises; de respeitar, ouno, as deliberaes. Em geral, no h interesse, porparte do poder governamental, em implantar essesrgos deliberativos e em proporcionar meios para oseu funcionamento. A no ser quando eles so ne-cessrios para receber recursos federais para os pro-gramas municipais e estaduais, ou quando so usa-dos como instrumentos de ampliao e legitimaode aes polticas de governo.

    Os principais obstculos, principalmente os rela-cionados ao Conselho Nacional do Idoso, e oscongneres nas outras esferas governamentais, es-to relacionados deciso e distribuio dos recur-sos. Isto sem contar com os impedimentos relacio-nados ao controle e monitoramento das deliberaestomadas. As prticas desse conselho so recentes eainda no h uma avaliao das decises tomadas,nem da poltica nacional. Suas atividade restringem-se ao plano das proposies, considerando ainexistncia de fruns de discusses, que s recente-mente foram implementados.

    Em sntese, os problemas verificados, que limi-tam as aes dos conselhos de direitos do idoso, sosemelhantes aos de outros conselhos, com o agra-vante da inexistncia de mecanismos consolidadosde discusso, dada sua precocidade na realidadebrasileira. Dentre esses problemas se destacam: olimitado poder de deciso quanto aos recursos ora-mentrios constitucionalmente assegurados; o des-conhecimento do volume e dos critrios de distribui-o dos recursos para o prprio setor e para os de-mais da rea social; a preservao do aparato buro-crtico-cartorial na legislao e no funcionamentoinstitucional; a efetividade das decises dos conse-lhos sendo subordinada hierarquia burocrtica dosrgos pblicos aos quais esto vinculados; e a

    permeabilidade a ingerncias poltico-particularistas,exercidas atravs de tcnicos e burocratas do Esta-do (RAICHELES, 1998; SOARES, 2002; COR-REIA, 2000).

    Concluso

    A democracia direta expressa nas diretrizes dadescentralizao e participao social, que apontampara um novo desenho de polticas pblicas, princi-palmente na sua gesto social, tem enfrentado restri-es e redirecionamentos postos pelas reformas daspolticas sociais, iniciadas na dcada de 1990, quedesnudam os limites do alcance da luta pela demo-cracia, dentro dos aparelhos do Estado capitalista.Sobre isso, Toledo (1994, p. 39 e 196) adverte queSeria ilusrio supor que as classes e fraes ve-nham a ocupar posies semelhantes ou de equilbriono seu interior [...] Considerando que o processo desocializao da poltica enfrenta dificuldades de ga-rantir que as classes dominantes aceitem dividir oseu poder, mesmo quando revertem em estratgiasde dominao e controle social.

    Os limites dessas experincias de co-gesto soexpresses dos limites das teses que propem acontrolabilidade do capital pelas mediaes polticas,da existncia de espaos pblicos autnomos e pa-ralelos ao livre desenvolvimento da lgica do capital,como se fosse possvel autonomizar as experinciasinstitucionais das leis gerais da auto-reproduo docapital.

    Considerando-se conforme Mszros (2002, p.368), que o objetivo de tomada de deciso, e a cor-respondente autoridade no-escrita (ou no for-malizada) do capital enquanto um modo de controlereal precede a autoridade estritamente delegada [...]dos prprios capitalistas, o que se dir da autorida-de estritamente delegada (formalmente) dos setorespopulares e da capacidade de controle dessas ins-tncias, perante esse controle estrutural do capital,inerente estruturao da ordem social. O que nosignifica o fim das lutas pela ocupao desses espa-os, que so contraditrios e expresso de diferentesnoes de participao e interesses, mas a clarezados seus limites na ordem capitalista.

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    Notas

    1 Conforme Abreu et al (2002, p.2) a solidariedade social ,pois, o contraponto da solidariedade de classe e afirma-seconcretamente como uma modalidade de ideologizao emascaramento da distribuio desigual e da supostasuperao dos antagonismos de classe.Contraditoriamente, tambm expressou o reconhecimentopblico e estrutural dos problemas sociais que afetavam aclasse trabalhadora, e cuja reproduo social passou a sergarantida pelos fundos pblicos. A solidariedade local evoluntria um retrocesso no curso de reconhecimento daquesto social e de enfrentamento pblico, embora visassemao controle da classe trabalhadora e a quebrar a solidariedadede classe. Esta nova estratgia trata de reatualizar a

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    solidariedade entre classes antagnicas e responsabilizar ossujeitos e indivduos pelo seu prprio bem-estar e problemassociais, mas mantendo e ampliando a reproduo do capitalcom os fundos pblicos.

    2 Esses fruns de debates culminaram com as primeirasConferncias Estaduais dos Direitos da Pessoa Idosa,realizadas em 2006, como preparao para a ConfernciaNacional dos Direitos da Pessoa Idosa, realizada em Braslia,em maio de 2006, que teve como objetivo geral definirestratgias para a implantao da Rede Naconal de ProteoSocial e de Direitos da Pessoa Idosa (RENADI).

    Solange Maria TeixeiraMestre em Servio Social pela Pontifcia Universi-dade Catlica de So Paulo (PUCSP)Doutora em Polticas Pblicas pela UniversidadeFederal do Maranho (UFMA)Professora adjunta da Universidade Federal doPiau (UFPI)UFPI - Centro de Cincias Humanas e Letras,Departamento de Servio Social.Campus da Ininga, S/NIningaTeresina - PiauCEP: 64048-110

    Descentralizao e participao social: o novo desenho das polticas sociais

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