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7/31/2019 desenlaados
1/25
Dispersos 2
Desenlaados
cegonha roubo o ninho
e ao moinho o mastro.
Vou-te roubar
e fars de lastro.
Vamos navegar.
Esta seara um mar.
Parecem sereias
as cigarras a cantar.
Um deserto de areias
ergue-se no ar,
vivemos paredes meias,
cada um no seu lugar.
Quando as mars forem cheias,
vou a pra te roubar.
Uma vela de moinho,
do moinho o mastro,
cegonha roubo o ninho,
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2/25
vamos na esteira do astro.
Vamos navegar.
Do meu navio a quilha
na seara o meu arado.
A rasgar.
Ai Amor tanta milha!
que tive que fazer parado
at te poder roubar.
Ao moinho roubo a vela,
tambm navego no ar
se tiver uma caravela.
A cavalo, vou sem sela.
Vamos navegar.
*Dedicado a Madalena vila.
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3/25
Tanto di, que tanto passa.
segredo bem guardado,
vem no sangue desta raa,
de galochas e oleado.
Segredo de marinheiro.
Entre o vento e a barcaa,
namoros damor primeiro.
Tanto di, que tanto passa.
Neste ofcio de pedreiro,
qua gua do mar amassa,trago o sal ao meu celeiro.
Segredo de marinheiro,
sabe que estado de graa
o desejo verdadeiro.
7/31/2019 desenlaados
4/25
Miguel Relvas:
- Maria Jos Oliveira?
- Sim, Senhor Ministro.
- Ah J sabe quem eu sou Sabe do que se trata, espero
- No Disseram-me s que o Senhor Ministro queria falar comigo Tenho a agenda
sobrecarregada At Setembro penso ser impossvel
- Impossvel, o qu????
- Jantar? No era isso?
- Maria Jos!!!... Aquela notcia no sai! Estamos entendidos?
- Oh Ah Oh E se sair?
- Bem, Maria Jos No est a compreender Eu conheo a sua agenda de fio a pavio!
E pode ter a certeza de que nenhum ministro janta consigo at Setembro
- Isso uma ameaa?
- Ora ameaa Isto um comunicado da bancada parlamentar!
- Ah Oh Bem, talvez arranje aqui um buraquinho na agenda
- Maria Jos Acha que eu tenho tempo agora?
- Odeio-te!
*16 de Maio de 2012.
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5/25
A Madalena.
O retrato da Madalena.
A Madalena apareceu hoje na televiso. Levou uma bastonada da polcia no Rossio, onderesistia meio acampada, na vspera das eleies legislativas.
A Madalena no gosta de aparecer na televiso. Vive entre o pnico e a raiva. No gostade se tornar visvel para fora, porque o seu palco restrito e tem que estarcuidadosamente ornamentado e assinalado pelas insgnias da sua tribo.
Mas, acima de tudo, a Madalena um retrato. Como se estivesse a ser permanentementeretratada, a Madalena nunca surpreendida, tem o momento previamente cartografado
por forma a que tudo na sua presena se conjugue.
Bem, eu devo confessar que andei e ando alucinado com a Madalena. Sei que no desejo, ertico, ou similar. Ou, talvez para me resguardar de mim prprio, diria que algode encantamento, idntico ao que sente o pintor por um pssaro raro, ou por uma flor quedesponta na barafunda de um canteiro.
Por tudo isto, ou talvez tudo isto tenha determinado que a minha relao com a Madalenativesse evoludo por retrato. E s quem conhea a Madalena poder compreender o efeitoavassalador, ou mesmo demolidor de um retrato, ou de um contnuo elenco deles.
O facto que quando pude conhecer a Madalena, num breve mas intenso encontro no
jardim do Prncipe Real, no estava preparado, nem por sombras, para que a Madalenasuperasse presencialmente todos os retratos. Fiquei, para utilizar uma expresso que j seembutiu no lxico da lngua portuguesa, para o arejar, knock out.
Aconteceu ento que, sem que de tal me apercebesse, a Madalena era o retrato que meficava bem. Nos deambulantes itinerrios da minha inspirao parablica e alegrica, aMadalena surgia-me como rplica de outra Madalena que, aos ps da cruz, povoou ocalvrio de ss insinuaes de um xtase transcendente de erotismo. Tambm por isso meficava bem que a Madalena representasse para mim o inalcanvel.
Se vier a ser trado pelo destino, que um raio me fulmine.Ai!!! No, foi o vento que empurrou uma porta.
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6/25
Regressando pois ao que aqui interessa, a Madalena apareceu hoje na televiso exibindopara as cmaras a marca de uma bastonada da polcia na cintura. O nome, bempronunciado com esquivo sotaque aoreano, numa voz rspida mas a abarrotar de terno epungente apelo, soou como a queda do martelo numa forja:Eu sou a Madalena vila. Aonome da Madalena acresce o sortilgio do nome da cidadezinha castelhana que serviratambm de determinante toponmico a Teresa.
Qualquer movimento social s se torna operativo, em ordem a prosseguir uma conclusosatisfatria, se for assinalado com imagens ou episdios referentes. Esperava por isso quea Madalena estivesse presente, polarizando a ateno, em cada momento da guerra socialque se antevia.
Nunca previra que a Madalena fosse to instvel como qualquer ideal.
Estou a escrever este romance, ou novela, para em sntese compreender o que se passou
entre Setembro de 2010 e o presente. Por ter compreendido que a chave da minhacompreenso a Madalena. Em simultneo, tento compreender at raiz o subtil encantoda arte do retrato, para avaliar a minha vulnerabilidade e como sou susceptvel ao seuarrebate. Correndo o risco de me transformar num manipulador do seu poder.
Enquanto escrevo, sei que a Madalena me vai fustigar com sucessivos e alternadosdesaparecimentos e reaparecimentos. Como aquele que, no Inverno entre 2010 e 2011,administrou o crescendo da minha alucinao, quando zarpou sem aviso para o Brasil eme obrigou a percorrer Lisboa, de ls a ls, em sua demanda. At me comunicar,transvazando ternura, que desembarcaria no aeroporto de Lisboa no dia seguinte.
No sei porqu, este breve hiato de ausncia ressurgiu-me subitamente na memria. E tiveque me superar, soprando nvoas, para reentrar nos detalhes, pois evito record-lo. Mas crucial e indispensvel ao entendimento.
E regressando de novo Madalena, porque me perdera j em mim, a descrever o meuprocesso, estou agora sentado sua frente, no jardim do Prncipe Real, no quiosque daesquina, uma tarde instvel e parda de fim de Janeiro. Um raio de luz.
A Madalena, ela prpria, tal qual se insinua nos retbulos flamengos, em todo o seu subtil
esplendor. Uns profundos olhos verdes de abismo numa silhueta franzina, onde tudo sedepositou em harmonia e em que pontuam o nervoso picado da locomoo e a nsia queas mos gritam. O cabelo sabiamente revolto emoldura um rosto perfeito, mas sobra paraenquadrar o resto. Enfim basta, no v incorrer no entusiasmo e violar o protocolo daconteno da linguagem.
At porque a Madalena indescritvel pela palavra, nem o retrato a pode alcanar.
Com um olhar contido mas subtilmente provocador, ferozmente fixo nas minhas pupilas,a Madalena avalia o impacto que o territrio de ningum entre o retrato e a presena real
vai desencadear. Tento, sem desviar o olhar, no oferecer vista a emoo. Arte cnicaque tambm cultivo e em que me sinto seguro.
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A conversa no trivial nem profunda. Abordamos os tpicos esperados, escorreitamente,sem evitar os que a cortesia de uma seduo discreta impem. Conclui-a com uma arruaasubtil:
- Eu tambm sousnob. Visto-me assim, mas sousnob
Era bvio, desde a canadiana preta cujo capuz insinua um monge, touca branca derenda, em algodo, de onde os cabelos se evadem em desordem.
Despeo-me com a certeza de que a Madalena me acompanhar na preparao do 12 deMaro.
O prximo passo deixar que a Madalena desempenhe o seu papel, na conciliao degrupos dissonantes.
A convergncia de intenes parece inabalvel.
Sei que o meu aspecto militarizado e a idade determinam algumas barreiras.
De tudo o que, durante este breve perodo, disse Madalena, o que me parece que mais aentusiasmou, provocando-lhe talvez um certo mal-bem-estar, foi quando lhe disse:
- A revoluo no decorre necessariamente nas ou das manifestaes, eclode em cadainstante breve das nossas vidas, se estivermos atentos e os soubermos integrar narevoluo, at num beijo. Uma manifestao uma sequncia de retratos. Um beijotambm pode ser um retrato.
bem possvel que o entusiasmo tivesse sido bem mais ou s meu. No sei. S sei queno.
Foi a partir de ento que comemos a falar sobre o amor. Para distinguir amor de Amor.A distino nunca ficou concluda.
Observar e registar em retrato a Madalena transfigurada durante uma manifestao passouento a ser um vcio.
A Madalena era o retrato perfeito.
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A Madalena do retrato.
Era de esperar que a Madalena se cansasse do retrato. Viver a vida inteira cativa na prisode um retrato viver numa cela de penitenciria.
Talvez seja essa a razo porque a Madalena desapareceu de novo. E a razo porque eu merecolhi tambm num silncio relativo, mas cauteloso.
Talvez que a Madalena do retrato no volte a ocorrer. No sei se tal alarmante sepacificante. Sei que todas as noites beijo o retrato da Madalena, porque se me revelacomo a materializao possvel da revoluo.
Sem dvida, o retrato da Madalena revolucionou-me a mim. Penso poder j dispensar oretrato da Madalena. O problema ser dispensar a Madalena.
Existia uma Madalena para l do retrato. E foi essa que me surpreendeu. O retrato portou-se bem, a Madalena porta-se mal.
nesta coliso, da Madalena com o seu retrato, que busco inspirao para reavaliar osfundamentos de uma doutrina da prtica revolucionria. Na compreenso do queaconteceu entre Outubro de 2010 e o presente.
A verdade que o mundo pareceu a dada altura ruir. E se no ruiu a chave doentendimento reside no retrato. E na substncia do que nunca ser retratvel.
Por isso regresso Madalena, quela que nunca ficou cativa em retrato algum.
A revoluo, na minha vida, foi sempre como a Madalena. Um retrato permanente naparede do meu quarto e uma revoluo arisca, que ora se evade ora regressa. Sempre queregressa, obriga-me a confrontar-me com o retrato. Talvez a revoluo seja o espelho daminha instabilidade. Porque na realidade continuamos os dois no mesmo lugar, a posiorelativa que se altera.
A Madalena fora do retrato uma doce criatura, sensvel, parece que carrega, ou carregamesmo a dor e a mgoa de tudo e todos os que a envolvem. Foi com essa Madalena queme habituei a comer uma sopa no Agito, ou a partilhar um quarto de queijo aoreano. aMadalena preocupada com a precariedade de todos os seus amigos, que me leva a casa doSrgio e outros lugares onde procuramos uma linguagem comum. Ou que me telefonacom os nervos em franja, porque quer andar para a frente, mas a debilidade de um corpofranzino comea a tolh-la.
Esta Madalena faz retratos, dispara a cmara em todos os sentidos, surpreendendo sempreuma ocorrncia acidental e de sentido esquivo. Mas no se deixa retratar. Esta Madalena
o retrato da derrota intercalar da revoluo. Um intermezzo.
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Intermezzo.
- Ah!... Eu achei lindssimo, quando tu foste ao muro do meufacebooke escreveste com
raiva:AMO-TE! Foi o mximo- Ora Madalena Eu no escrevi isso. Disse-te em mensagem. Ia l escrever isso
publicamente. Comiam-me vivo.
- Deixa-te de coisas. Eu adorei. E ficou l.
- Bem nem te pergunto porque adoraste Em frente.
Fim de intermezzo.
Era esta Madalena que me acompanhava nas viagens a Cascais, de comboio, parareunirmos com o Miguel, o Goulart, a Alexandra, a Manuela, outros, para prepararmosuma presena demarcada no 12 de Maro. A Madalena com o crivo rigoroso da suaobservao sobre o prximo. Cptica, de olhar perscrutador, ora silenciosa, ora a explodirem palavras obscenas.
Esta Madalena que, pelo sim pelo no, porque a sua presena era forte, surpreendentequando confrontada com o retrato, iria em breve ser acusada de ser uma infiltrao do BE,surgia sempre mais vigiada por compromissos ticos do que qualquer outro.
Entretanto ia minguando. Na primeira semana de Maro parecia j ter alcanado afronteira da ponderabilidade.
o momento de esclarecer que eu tinha, em Maro de 2011, entre os sessenta e ossessenta e um anos, a Madalena trinta e dois. Seja, a Madalena nasceu quando eu tinha ja idade que tem agora. Este abismo, dir o leitor, no tem qualquer relevncia. Noduvido de que para o leitor no tenha, quem vai agora fazer sessenta e trs sou eu.
O leitor no est a compreender que eu tinha, para l de todas as outras matrias que me
entupiam o trnsito na mente, que usar de toda a prudncia para no deixar sequer deixareclodir a suspeita de que teria outro interesse na Madalena que no fosse uma genunaamizade e camaradagem. Tinha que assegurar que a prpria Madalena estava segura emrelao ao assunto.
No me era difcil. No posso dizer que era ou sou insensvel beleza fsica e ao mundointerior tempestuoso da Madalena. Mas sempre convivi muito serenamente com estasmatrias. Com o avano no itinerrio da vida, j tenho por adquirido que as coisas mais
belas so inalcanveis. Deleito-me na sua contemplao, certo de que me transmitemuma inspirao incomensurvel para enfrentar o quotidiano das tarefas que o imperativo
da minha conscincia me impe.
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A Madalena era para mim o plo em torno do qual construa o retrato da revoluo. AMadalena era a imagem da revoluo que eu idealizava.
Pela Madalena eu morreria e estava habilitado a todas as loucuras.
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11/25
Aquele homem algemado e encostado ao muro
apenas ouviu um grito antes do estampido.
Um grito exaltado seco, breve e duro,
entre o f bemol e o sol sustenido.
Amo-te, gritou o algoz j em sentido,
antes de encostar a carabina ao peito.
Depois, uma vez que o dever estava cumprido,
cantou o seu amor como o amor perfeito.
No, Amor, amar-te assim no me d jeito,
como se abatera um animal j ferido
e o depusera como uma bno no meu leito.
Porque o amor nunca deve ser pedido.Se o pedires j sabes, Amor, que o rejeito,
se o calares t-lo-s por merecido.
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12/25
Dizes-me que o amor um vulco
que escorre em lavas de metal fundido.
O epicentro de um furaco,
algo de sem razo mas com sentido.
Recolho em ti um pssaro ferido,
ferido fui tambm no corao.
E enquanto a borrasca um seno
h um amor no amor escondido.
O Amor uma equao
com resultado sempre diferido,
algo como que uma danao
que nem o tempo jamais far cumprido.Toda a matria em ebulio
vapor que podes dar por perdido.
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13/25
Dormi ao relento e visitou-me o Sol com o orvalho matinal.
E era um velo hmido ainda das guas uterinas,
amnitico.
Ficou-me na pele o teu sinal,
uma paleta de cores vespertinas,
um festim ptico.
Nmada que sou e peregrino.
Foras o regao breve de meu retorno,
o telheiro, o abrigo
uterino.
E fora eu ento o adorno
da tua solido.
Mais do que o teu amigo,
o fiel guardiode teu escrino.
O teu segredo
e o nosso degredo.
Lapidar-te-ia como a uma esmeralda,
na forma de um templo para consagrar Demter.
Coroar-te-ia a fronte com a grinalda
das flores que colho pelo ter.
E sempre que regressasse ptria,
o teu regao seria a minha mtria.
7/31/2019 desenlaados
14/25
Onde haja um calor que abrasa,
h uma chuva morna que regenera
tudo o que o fogo arrasa.
Escrava minha no sejas.
Cativo teu serei eu.
Estarei sempre onde me vejas,
no alcance de um gesto teu.
7/31/2019 desenlaados
15/25
Dizem-te agora: Vive um dia de cada vez, o amanh aps o hoje e o hoje aps o ontem.Contempla as rvores e encanta-te com a sua serenidade, estticas na corrente e no fluxodos dias.
Mas disseram-te, consecutivamente: Aventura-te, sonha, s um ser iluminado no caos
amorfo da natureza, tens uma alma e um esprito, anseia, estabelece por limites o almdo horizonte.
E os que te disseram uma foram os que te dizem a outra.
E olhas agora para ti e despojaram-te de todas as ferramentas do ser. Que te resta senomergulhar no fluxo dos dias, viver um aps outro dia, o hoje igual ao ontem e o
prognstico do amanh?
Quando necessitaram o teu fogo, alimentaram-te a alma e serviram-te o Seu Corpo como
se fora o impulso do teu destino.Agora, quando todo o fogo entrou em regime de rescaldo, sugerem-te que te sujeitescomo o tio a extinguires-te no fluxo dos dias. Porque as rvores tambm se extinguiro,quando o oxignio te faltar.
Despoja-te da alma, porque a alma selectiva. Procura os corpos olmpicos, de ouro.
E no h alma que sobre para todos.
Mergulha ento no fluxo dos dias, no caos amorfo da vida mineral.
Porque a vida agora aritmtica. E a lngua equivalente matemtica.
7/31/2019 desenlaados
16/25
Corpos so corpos, so sal e gua,
carvo e gelo, um sopro de oxignio.
Quando se revelam em sorriso ou mgoa,
foi porque neles soprou bom ou mau gnio.
O ao ao, o barro barro,
um vai forja, o outro vem mo.
So corpos as mos com que te agarro,
ao a marca que fica nelas ento..
Corpos so corpos, so vento que corre
as mos e as mos que a mo agarra,
quando um corpo ao outro se percorre.
Mas marcas de ao nunca se apagam,quando um corpo ao outro recorre,
nas ausncias longas que as horas tragam.
----------------------------
Quando te enlao, sinto que podes levitar.
s uma projeco no espao,
um feixe de linhas a traar planos e volumes.
Sem massa.
s ter inodoro.
O excelso inalcanvel.
Por isso me fluis na ribeira dos sentidos.
7/31/2019 desenlaados
17/25
Eu sou tambm as palavras com que me revelo,
que me brotam no ar que expiro,
no sou s as mos com que modelo
a caverna onde me retiro.
Geme o arado quando a terra lavra
e a roda da nora quando a gua traz.
Quando me brota da garganta uma palavra,
quem fala por mim Satans.
Se te afago pedes-me um sussurro,
se sussurro pedes-me um afago.
Porque no zurrar se sou um burro,
para aliviar a carga que trago?
Rasga pois tudo o que escrevi.
No fique de mim nem rasto nem pegada.
Eu calo tudo o que ouvi,ficas-me na palavra calada.
Pediste-me a carne e disse toma.
Pediste-me o sangue e disse bebe.
7/31/2019 desenlaados
18/25
E no tenho j mais que se coma,
o cadver meu ento recebe.
Pediste-me amor e dei-te um beijo,
pediste-me um beijo e dei-te amor.
Nunca fui mais que um realejo,
no sinto sede, fome nem dor.
No sou mais que um realejo,
a que ds corda por capricho
ou quando sentes falta de um beijo.
Um pssaro, um gato ou qualquer bicho
vido a servir o teu desejo.
Um traste que cabe em qualquer nicho.
O lugar da vida lugar de morte,
7/31/2019 desenlaados
19/25
um canteiro encostado junto ao muro
que cerca o talho que te coube em sorte
Quando te despejaram no escuro.
Vieste inebriado de futuro,
no h j lugar que te conforte.
rompe a onda o caixo do nascituro,
vai velado pela estrela do Norte.
A terra macia e o mar duro
e a onda do vento o contraforte.
Breve a vida e longa a morte
e tu s o caixo do nascituro.
Num canteiro encostado junto ao muro,jaz o passado encostado ao futuro.
Vi subitamente a minha imagem reflectida numa parede,
branca de cal.
7/31/2019 desenlaados
20/25
No centro e perdido no bestirio.
E era uma mulher com corpo de pssaro.
Trinados, chilreios, soavam como o dedilhar de uma harpa.
E s eu permanecia em silncio e atento,
surpreendido com a metamorfose.
Um mocho escarnecia de mim.
Afinal, todavia ali cativo,
s eu ali faltava.
Evadira-me e abandonara a minha me.
E a memria s um rio pedregoso,
que corre de juzante para montante.
7/31/2019 desenlaados
21/25
Mas que lngua falas tu, afinal,
esse arranhar de pedras contra o rio,
esse ranger de portas no quintal,
esse vai vem do vento em desafio?
Que lngua me falas tu, bufo?
Que vem to salobra como o sal,
to doce como o mel se vai ento,
um canto vil em tom celestial.
Que lngua me trazes do rossio?
Que no vem da garganta mas da mo,
a pedra errante no vento vadio.
Muito bem falas quando vens por mal.Vens da com conversas de bafio,
negro de carvo e branco de cal.
Dizes da palavra que no supre o gesto.
e assim pensas o teu silncio impune.
7/31/2019 desenlaados
22/25
Mas quando ao gesto falta tudo o resto
na palavra que o gesto te pune.
s j uma flor seca de papel,
um recado inerte flor dos lbios,
um beijo que te falta flor da pele
e que queres suprir com ditames sbios.
Cala-te ento, inspira o sol e vem,
rasga no meu peito o rosto sombrio.
Faz de contas que eu no sou ningum,
sou s o calor que te tira o frio.
E grita agora como quem se vem
palavras de amor como um desafio.
Vives encarcerado entre o princpio e o fim.
Foste um instante, um gemido, um sorriso e uma lgrima.
7/31/2019 desenlaados
23/25
A vida um segmento de recta com dois pontos de apoio,
um comboio expresso que entre Lisboa e Paris faz catenria.
Se te projectares para l da tua brevidade,
ficars com os ps de fora,
porque o teu caixo ser feito por medida.
Morrers na tua mortalha.
S clere.
No deixes para amanh o que tens que fazer hoje.
Procura o znite invertido da flecha que a gravidade te imps.
Amanh sers poeira na estrada.
Onde comear a urgncia de ser do teu filho
termina o teu caminho.No queiras que ele limpe o lixo que fizeste.
7/31/2019 desenlaados
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