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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS E MULTIDISCIPLINARES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL URÂNIA FLORES DA CRUZ FREITAS DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: DINHEIRO E DESIGUALDADES COMO BASES ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO BRASÍLIA 2018

DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: …...eles bons ou ruins e a todas as pessoas que passaram na minha vida, pois sempre se apresentaram como um processo rico de aprendizagens. Em

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Page 1: DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: …...eles bons ou ruins e a todas as pessoas que passaram na minha vida, pois sempre se apresentaram como um processo rico de aprendizagens. Em

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS E MULTIDISCIPLINARES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE E

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

URÂNIA FLORES DA CRUZ FREITAS

DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: DINHEIRO E DESIGUALDADES

COMO BASES ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO

BRASÍLIA

2018

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URÂNIA FLORES DA CRUZ FREITAS

DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: DINHEIRO E DESIGUALDADES

COMO BASES ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada como requisito para obtenção

de grau de Doutor(a) pelo Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e

Cooperação Internacional do Centro de

Estudos Avançados e Multidisciplinares da

Universidade de Brasília.

Área de Concentração: Desenvolvimento,

Sociedade e Cooperação Internacional.

Linha de Pesquisa: Políticas Públicas para o

Desenvolvimento

Orientador: Prof. Dra. Doriana Daroit

BRASÍLIA

2018

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CRUZ FREITAS, Urânia Flores da – 2018. Desenvolvimento à Moda Brasileira: dinheiro e desigualdades como bases estruturantes da educação Urânia Flores da Cruz Freitas; Orientadora: Doriana Daroit – 2018. 254f. Tese de Doutorado – Universidade de Brasília, Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, 2018. 1. Desenvolvimento 2. Educação. 3. Desigualdades. 4. Dinheiro 5- Estratégia I. Daroit, Doriana. II. Universidade de Brasília. III. Desenvolvimento à Moda Brasileira: dinheiro e desigualdades como bases estruturantes da educação

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URÂNIA FLORES DA CRUZ FREITAS

DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: DINHEIRO E DESIGUALDADES

COMO BASES ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada como requisito para obtenção

de grau de Doutor(a) pelo Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e

Cooperação Internacional do Centro de

Estudos Avançados e Multidisciplinares da

Universidade de Brasília.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________________________

Prof.ª Dra. Doriana Daroit, PPGDSCI/CEAM/UnB

Professora-Orientadora

________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Guilherme de Oliveira, PPGDSCI/CEAM/UnB

Professor-Examinador

________________________________________________________

Prof. Dra. Olgamir Francisco de Carvalho, FE/UnB

Professora -Examinadora

________________________________________________________

Prof.ª Dra. Rossana Valéria de Souza e Silva, GCUB

Professora-Examinadora

________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Fernando Macedo Bessa, PPGDSCI/CEAM/UnB

Professor- Examinador (Suplente)

Brasília, 01 de outubro de 2018

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Dedico à minha mãe e meu pai, João Artur, Pedro Artur, Matheus Cruz e meu amado Walcir Freitas.

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AGRADECIMENTOS

Eu nunca achei difícil a tarefa de agradecer, sou grata em todos os momentos sejam

eles bons ou ruins e a todas as pessoas que passaram na minha vida, pois sempre se

apresentaram como um processo rico de aprendizagens. Em algumas jornadas, os momentos e

as pessoas é que são diferentes, então agradecê-los faz parte do reconhecimento do valor de

suas presenças, principalmente, quando os ingredientes principais são o amor, o afeto e o

respeito.

Então, começo agradecendo a Maria e a minha Mãe Dona Urânia Flores por me

mostrar que Maria sempre esteve junto comigo por toda a minha vida. Esse agradecimento é

especial a Dona Urânia Flores e a minhas tias Jacy Flores e Maria Flores, por serem minhas

fontes de inspiração e mulheres guerreiras sempre presentes em minhas caminhadas.

Agradeço a Seu José Gonzaga, em memória, a quem dedico o trecho inicial do personagem

Riobaldo de Guimarães Rosa, e especialmente, ao seu amor silencioso e rebelde. Meu pai,

aprendi muito com você tanto com o seu modo de vida quanto com a sua morte. Agradeço

ainda e com muito carinho, aos meus valiosos irmãos que em tantas horas difíceis souberam

com sabedoria se fazer presentes e as vezes ausentes, Necy, Lindolfo, Jorge e Gonzaga, salve,

salve!

Desejo agradecer com todas as forças de meu coração aos meus filhos Pedro Artur e

Matheus Cruz, e ao meu amado Walcir Paulo que durante essa jornada participaram das

discussões, dos avanços, dos fracassos, das leituras, dos entusiasmos, das decepções e das

descobertas. Matheus, por seus conhecimentos de economia e história e suas análises

fundamentais, e com sua imensa ternura, foi fonte de sugestões e análises que me permitiram

confirmações em minhas buscas e me aquietava o coração, mesmo sem perceber. Pedro me

brindou com sua sensibilidade amorosa e constante, com algumas bibliografias sobre o Estado

e as Políticas Públicas, e também sem perceber me alimentou com suas reflexões e

conhecimento histórico que me ajudaram a mudar algumas vezes a interpretação. João Artur,

meu adorável neto que vibrou mais do que eu quando ouviu: a tese terminou. A Hannah H,

pelo companheirismo de todas as horas. Tivemos todos juntos algumas discussões teóricas,

que só uma boa cachaça e alguns goles de cerveja são capazes de reeditar.

Agradecimento a Daniela Linkevicius, amiga sempre presente e leitora crítica de meus

passos, de meus avanços, e além disso, com seu conhecimento histórico leveza e afeto se

encantava com as descobertas que fazia em meu trabalho e assim, me impulsionava nas horas

de cansaço, confusão e desânimo.

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Sim! Tive esses momentos fundamentais em uma pesquisa. A esses acrescento o meu

sempre atencioso, gentil, companheiro e amado Walcir Paulo que me fazia parar, descansar e

quando passava o tempo me mostrava que era hora de retornar. Então, após as leituras me

pedia com muita sensibilidade para falar e esclarecer alguns conceitos, reler as frases, pensar

por lados que não havia perseguido, me alimentando do necessário em uma jornada como

essa. Como também, muitas vezes todos eles pararam seus estudos e tarefas para ouvir longos

trechos e parágrafos sem fim. Essa paciência, sensibilidade, leveza, amorosidade e senso

crítico é um dom maravilhoso. Essa a vantagem de conviver com pessoas preocupadas com a

justiça social no mundo, com o respeito ao outro, com os avanços da ciência, da tecnologia e

da sociedade.

Agradeço a minha atenciosa afilhada e sobrinha Wendella Oliveira, como também ao

meu dedicado amigo Samir Breiner pela revisão em tempo recorde. Isso é a prova mais

verdadeira de que quem tem amigos não está sozinho. Agradeço ainda a Secretaria de Estado

e de Educação do Distrito Federal pela liberação das horas de trabalho para realização deste

estudo, em especial Jacy Braga, pois sempre foi um amigo presente nesses momentos

determinantes. As ternas e afetuosas amigas Adriane, Neide, Leandra que sempre confiaram e

alimentaram o meu sonho de fazer o doutorado, meu eterno reconhecimento e agradecimento.

A todos os amigos e amigas da turma de 2015 um grande abraço, em especial, Mary,

Rodrigo, Elisete, Mayara, Norberto, Antía, Luiz Borges, Claudete, Luciana, Fernanda,

Leandro, Derson e Anderson. Aos amigos das outras turmas, minha reverência a Lara Laranja,

Fernanda Litvin, Carlos Panoso, o Cadu, Cleide, Renata, Janaína Peres, Nanahira, Daniela

Setubal e Leandro Oliveira. Agradeço aos queridos e atenciosos servidores da secretaria do

programa, Leci Lúcia e Flávia Santos, especialmente ao terno André e sua equipe de

estagiários que sempre foram solícitos e acompanharam o trabalho desenvolvido com atenção

e cuidado, mesmo quando era eu quem errava e tínhamos que fazer tudo de novo. Aos meus

amigos da turma do francês, sempre presentes na jornada e dando força e coragem, Sandra,

Luana, Matheus, Thatyla, Tainá, Gabriela, Marília, Rosane, Edmar que me presentou com o

livro Diploma de Brancura. Ao professor Benjamin que sempre me dizia: beaucoup de

courage Urânia.

Faço um agradecimento afetuoso a todos os professores e professoras do doutorado

em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional na UnB com quem estudei,

Bessa, Doriana, Myreia, Breitner, Magda, Ana Nogales, Joaquim Neto, Leides, Leila Shalub.

Agradeço aos professores de outros programas, ao professor Carpintero da arquitetura,

Adriana Salles da educação e ao Brasilmar da sociologia, pessoas que aprendi a admirar e

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respeitar, profissional e pessoalmente, durante as disciplinas cursadas. Ao meu primeiro

orientador, professor Fernando Bessa, que muito contribuiu durante a elaboração do projeto

de pesquisa inicial, a você a minha eterna gratidão pela paciência no início desse processo e

pela amizade que sempre demonstrou e que existe até o presente.

Agradeço a banca de qualificação desta pesquisa, a professora Magda Lúcio pelas

possibilidades de caminhada. Agradeço, em especial, a Doriana Daroit com suas finas e

sensíveis percepções naquele momento crucial, e Fernando Bessa com suas questões valiosas,

como também ao avaliador externo Raul Sturari com suas visões e sugestões, pois foram

fundamentais para manter a linha e os conceitos escolhidos no estudo. As conceituadas

avaliadoras externas desta banca de tese, Rossana Valéria de Souza e Silva e Olgamir

Francisco de Carvalho, a Olgamir meu reconhecimento e agradecimento genuíno pela leitura

profunda, sensível e cautelosa que lhe é peculiar, como também pela amizade, aprendizado

acadêmico e teórico desde os tempos do metrado. Ao professor Luiz Guilherme, reverencio a

sua visível preocupação com a aprendizagem dos alunos e a busca pelos avanços na temática

sobre o desenvolvimento. A professora Paula Bastos do Curso de Gestão e Políticas Públicas

da FACE/UnB.

A minha atual orientadora, Doriana Daroit, mil vezes obrigada, pelo acolhimento, pela

disponibilidade, pela amizade, atenção e acompanhamento constante, sempre com boa

vontade, seriedade, alguns cafés e chás deliciosos e muita prontidão. Nas orientações em que

pudemos trocar, construir, ouvir, e principalmente, nos alertas sempre pertinentes na

caminhada da escrita. Obrigada pelo tempo dedicado, pela confiança e a coragem ao aceitar o

desafio em acompanhar e orientar um trabalho teórico de tessitura difícil.

MUITO OBRIGADA!

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Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto. Soletrei, anos e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mestre, Mestre Lucas, no Curralinho, decorei gramática, as operações, regra-de-três, até geografia e estudo pátrio. Em folhas grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar: mas, desde o começo, me achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para cursar latim, em Aula Régia – que também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio um bom livro, despaçado (...). Raciocinar, exortar os outros para o bom caminho, aconselhar a justo (...). Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, (...) sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém! (ROSA, 1994, p. 13; 14).

A possibilidade de mudança inicia-se com o aprimoramento do controle democrático: população que sabe pensar, não deixa seus mandantes à solta, zela pelo bem comum, vota com consciência, exige programas e os acompanha. A primeira ideia embutida na escolaridade obrigatória é: todos precisam saber pensar a ponto de exercer efetivo controle democrático. Na escola, não se aprende apenas: ler, escrever e contar. O analfabetismo mais grave é o político. Ler, escrever e contar significa, sem tirar nem pôr, mudar a sociedade de tal forma que prevaleça o bem comum. Para tanto é mister eliminar a condição de massa de manobra, superar a pobreza política (DEMO, 2004, pp. 110-111).

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RESUMO CRUZ FREITAS, Urânia Flores da. DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA: DINHEIRO E DESIGUALDADES COMO BASES ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO. Tese (Desenvolvimento, Tecnologias e Políticas Públicas) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional. Universidade de Brasília. Brasília, 2018. Esta pesquisa buscou verificar como se deu o modo de desenvolvimento brasileiro e sua relação com as bases que estruturaram o campo educativo. Percebeu-se que no processo de desenvolvimento capitalista a educação foi e é elemento fundamental. Observou-se que a gestão das políticas públicas em educação não pode ficar somente a cargo do Estado, sendo pertinente garantir a participação por meio da ação pública. A metodologia desenvolvida neste trabalho foi seguir os rastros do ator-rede dinheiro com as noções de mediador e tradução da Teoria Ator Rede, TAR, e os aportes da Dialética do Materialismo Histórico com as categorias classe social e hegemonia, bem como as noções de interesse e ideologia. Optou-se por trabalhar com os Manifestos publicados no campo da Educação como principais instrumentos, além dos normativos legais e da interpretação analítica dos conceitos e autores. Verificou-se que no Brasil tivemos um desenvolvimento à moda brasileira e esta trajetória marcou substancialmente o nosso modelo de política pública de educação. A contribuição essencial da pesquisa foi perceber que as bases que estruturam o nosso modelo de educação foram o dinheiro e as desigualdades de classe, raça, renda e gênero. A relevância em perceber tal fenômeno se faz porque surgimos sob a égide do modo de produção capitalista fundamentado na desigualdade entre as classes e com foco na expansão do lucro do capital. As políticas educativas, desde a década de 1930, foram elaboradas no sentido de tentar diminuir as desigualdades e assim não havia sido percebido ainda que, em realidade, essas desigualdades estão na estrutura da educação como estratégia de seu desenvolvimento. A sugestão é que haja a desestruturação dessas bases por meio de uma gestão firmemente basilada na ação pública e na política, assim poderá causar impactos nas bases desiguais existentes na escola. Evidenciou-se, também, a necessidade de se instalar uma democracia radical no país que respeite e implemente as decisões coletivas, em que os valores e direitos proclamados se transformem em valores e direitos reais para todos e não só para a elite. Palavras-chave: Desenvolvimento, Educação, Desigualdades, Dinheiro e Estratégia

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ABSTRACT

CRUZ FREITAS, Urânia Flores da. BRAZILIAN WAY OF DEVELOPMENT: MONEY AND INEQUALITIES AS STRUCTURING FOUNDATIONS OF EDUCATION. Thesis (Development, Tecnologies and Public Policies) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional. Universidade Brasília. Brasília, 2018.

This research sought to verify how occurred the Brazilian development mode and its relationship with the bases that structured the educational field. It was noticed that in the process of capitalist development, education was and still is a fundamental element. It was also observed that the management of public policies in education cannot be left only to the State, and it is pertinent to guarantee participation through public action. The methodology developed in this work was to follow the traces of the actor-network money with the notions of mediator and translation of the Actor-Network Theory (ANT), besides the contributions of the Dialectic of Historical Materialism with the categories of social class and hegemony, as well as the notions of interest and ideology. The Manifests published in the field of Education are used as main instruments, along with the legal norms and the analytical interpretation of the concepts and authors. It was verified that in Brazil we had a Brazilian way of development and this trajectory substantially marked our model of public policy of education. The essential contribution of the research was to realize that the bases that structure our model of education were money and class, race and gender inequalities. Therefore, the relevance of perceiving this phenomenon is that we come under the shelter of the capitalist mode of production based on the inequality between classes and focused on the expansion of the profit of capital. Since the 1930s, educational policies have been elaborated as an effort to try to diminish inequalities and thus had not been realized yet, that in reality, these inequalities are located at the structure of education as a strategy for its development. The suggestion is that there is a de-structuring of these bases by means of firmly based management in public action and in politics, so that they may have an impact on the unequal foundations existing in the school. It was also evident the need to establish a radical democracy in the country, that respects and implements collective decisions, and where proclaimed values and rights are transformed into real values and rights for all and not just for the elite.

Key-words: Development, Education, Inequalities, Money, Strategies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Relações Estudadas ................................................................................................ 118

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Relação de trocas nas comunidades primitivas ..................................................... 77

Quadro 2: Tradução e interfaces das quatro instituições de Polanyi ...................................... 83

Quadro 3: Movimento do tráfico de escravos – Processo na Bahia ..................................... 137

Quadro 4: Dualidade Básica da Economia Brasileira .......................................................... 151

Quadro 5: Primeira Dualidade da Economia Brasileira (1815-1873) .................................. 152

Quadro 6: Segunda Dualidade da Economia Brasileira (1873-1922) .................................. 153

Quadro 7: Terceira Dualidade da Economia Brasileira (1922-1973) ................................... 154

Quadro 8: Quarta Dualidade da Economia Brasileira (a partir 1973) .................................. 157

Quadro 9: Evolução da dinâmica econômica brasileira ....................................................... 158

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estimativa do volume de escravos africanos desembarcados no porto do Rio de

Janeiro, 1790-1830 ......................................................................................................... 137

Tabela 2: Porcentagem da população alfabetizada com mais de cinco anos em 1940, por

Estados ........................................................................................................................... 200

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABE – Asosociação Brasileira de Educação

AI – Ato Institucional

ANDE – Associação Nacional de Educação

ANDES – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior

ANPAE – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa

BF – Bolsa Família

BPC – Benefício da Prestação Continuada

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CBE – Conferência Brasileira de Educação

CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CCQ – Círculos de Controle de Qualidade

CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares

CEDES – Centro de Estudos em Educação e Sociedade

CGT – Central Geral dos Trabalhadores

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNC – Comando Numérico Computadorizado

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

CONAE – Conferência Nacional de Educação

CONAPE – Conferência Nacional Popular de Educação

CONED – Congresso Nacional de Educação

CPB – Confederação de Professores do Brasil

CSA – Ciclos Sistêmicos de Acumulação

CSC – Ciclos Sistêmicos de Capital

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DATAPREV – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social

EC – Emenda Constitucional

EUA – Estados Unidos da América

FASUBRA – Federação das Associações dos Servidores das Universidades Brasileiras

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FED – Fóruns Estaduais de Educação

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

FME – Fóruns Municipais de Educação

FNDEP – Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública

FNE – Fórum Nacional de Educação

FNPE – Fórum Nacional Popular de Educação

FUNDEB – Fundo da Educação Básica

FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio)

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IOT – Internet of Things

LDB – Leis de Diretrizes e Bases Nacional

MEC – Ministério da Educação e Cultura

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONU – Organização das Nações Unidas

OS – Organizações Sociais

PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PIB – Produto Interno Bruto

PIS – Programa de Integração Social

PL – Projeto de Lei

PT – Partido dos Trabalhadores

PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNE – Plano Nacional de Educação

PPGDSCI – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação

Internacional

PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico

PROUNI – Programa Universidade para Todos

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

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SC – Sociedade Civil

SEAF – Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas

SEES – Serviço de Estatística da Educação e Saúde

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SNE – Sistema Nacional de Educação

TAR – Teoria Ator-Rede

TV – Televisão

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

UNB – Universidade de Brasília

UNE – União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

A PORTA DE ENTRADA ..................................................................................................... 20

CAPÍTULO 1 - APORTES TEÓRICOS E CAMINHOS METODOLÓGICOS ............. 39

1.1 A EDUCAÇÃO E O CAPITAL ................................................................................................................... 43 1.2 CLASSE SOCIAL E HEGEMONIA ........................................................................................................... 46 1.3 INTERESSES E AÇÃO PÚBLICA ............................................................................................................ 50 1.4 APORTES DA DIALÉTICA DO MATERIALISMO HISTÓRICO ............................................................ 55 1.5 APORTES DA TEORIA ATOR-REDE ....................................................................................................... 56 1.6 O ATOR-REDE DINHEIRO: DE INTERMEDIÁRIO A MEDIADOR ...................................................... 60 1.7 FORMAS DE TRATAMENTO DAS FONTES .......................................................................................... 64

CAPÍTULO 2 - (TRANS) FORMAÇÕES DO MERCADO E TRADUÇÕES DO

DINHEIRO NA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA ................................ 71

2.1 ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE PRIMITIVA: A TROCA DE PRODUTOS ...................................... 72 2.2 O AVANÇO NO PROCESSO DE TROCA E O VALOR DA MERCADORIA ........................................... 76 2.3 A (TRANS) FORMAÇÃO DO MERCADO DE TROCA E DO VALOR NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA .................................................................................................................................................. 80 2.4 LIBERALISMO ECONÔMICO, MERCADO AUTORREGULADO E PADRÃO-OURO ...................... 89 2.5 A ECONOMIA DO MERCADO AUTORREGULADO COM INTERVENÇÃO DO ESTADO ............... 94 2.6 SISTEMA CAPITALISTA E CICLOS SISTÊMICOS DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL .................. 102 2.7 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA RELAÇÃO ENTRE HEGEMONIA, ESTADO, DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO ...................................................................................................... 105 2.8 A ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E A (TRANS) FORMAÇÃO DO TIPO DE TRABALHADOR: INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E EDUCAÇÃO ....................................................................................... 107

CAPÍTULO 3 - DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA E DINHEIRO ....... 120 3.1 ECONOMIA E POLÍTICA À BRASILEIRA: NEM TOTAL SUBMISSÃO EXTERNA NEM TOTAL

AUTONOMIA INTERNA ............................................................................................................................. 122 3.1.1 A produção e a circulação de mercadoria na colônia ..................................................................................... 130 3.1.2 Formação econômica e social: novos olhares .................................................................................................. 131 3.1.3 Tráfico de escravos, lucro e dinheiro ............................................................................................................... 134

3.2 CAPITALISMO DIFERENTE ................................................................................................................. 141 3.2.1 O modelo dual da economia capitalista brasileira em Ignácio Rangel ......................................................... 146

3.4 CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO ....................................................... 159 CAPÍTULO 4 - BASES ESTRUTURANTE DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:

DESIGUALDADES E DINHEIRO .................................................................................... 164

4.1 ORIGENS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO XIX ............. 165 4.1.1 República e dinheiro: o manifesto dos trabalhadores da educação primária da Corte ............................. 172

4.2 AÇÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS, SOCIAIS E A RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO NO BRASIL DO

SÉCULO XX .................................................................................................................................................. 180 4.2.1 Manifestos da educação e relação com o desenvolvimento e as desigualdades no Brasil de 1930 a 1960 . 187

4.3 EDUCAÇÃO, LUTA DE CLASSE E DESIGUALDADES NO BRASIL DO SÉCULO XX .................. 202 4.3.1 Sociedade, Trabalho e Educação: A conjuntura local e mundial .................................................................. 204 4.3.2 Abertura democrática, interesses e ação pública: a década de 1980 ............................................................ 210 4.3.3 Ação pública, dinheiro e hegemonia: campos em disputa nos anos 1990 ..................................................... 215

4.4 ESTADO, DEMOCRACIA E INVESTIMENTOS NA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI ...................... 219

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4.4.1 A nova velha face da política e da educação no Brasil: qual desenvolvimento? Qual educação? ............. 230 A PORTA DE SAÍDA .......................................................................................................... 239

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 248

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20

A PORTA DE ENTRADA

A porta de entrada, em qualquer lugar e de maneira simbólica, representa ao menos

duas situações, a passagem do lado de dentro para o lado de fora, do conhecido ao

desconhecido ou os seus contrários. Possuí o caráter de revelar a possibilidade ou o desafio. A

afirmação: Uma porta que se abre! Significa oportunidades de mudança na vida ou uma nova

etapa. A expressão: Quando a porta se fecha, pode significar recusa, negação, fracasso, mas

ainda assim representa o fim de uma etapa e o desafio seguinte. Esta a metáfora que utilizo

para introduzir a tese e deixar o passar e o voltar das folhas, como o abrir e fechar das portas

se apresentarem e conviverem. Revelando o que foi conhecido até aqui, e o que ainda pode vir

a ser conhecido.... Sinalizando também, como passagem para a nova etapa. Aqueles que choram pelas sociedades felizes que encontram na história, confessam o que desejam: não o alívio da miséria, mas seu silêncio. Louvado seja, ao contrário, este tempo em que a miséria clama e retarda o sono dos saciados! Maistre já falava do “sermão terrível que a revolução pregava para os reis”. Ela o prega atualmente, e de modo mais urgente ainda, às elites desonradas desta época. É preciso esperar por este sermão. Em toda palavra e em todo ato, por mais criminoso que seja, jaz a promessa de um valor que precisamos buscar e revelar (CAMUS, 2011, pp. 284,285)

O que fica na mente com o texto acima e na jornada realizada, é que assumo como

eixo a necessidade, histórica, econômica, social e, principalmente, política da mudança no

processo de desenvolvimento do viver em sociedade. A pergunta que sempre serve de guia na

minha vida é: Como e porque nós fazemos do jeito que fazemos o nosso viver? A condição

humana já descrita e revelada por alguns autores, tais como (ARENDT, 2010), (GRAMSCI A.

, 1968), (CAMUS, 2011), (FANON, 2008) é o norte que conduz o pensar.

O meio de transporte são as mudanças que ocorrem e que influenciam e estruturam os

modelos de constituição das sociedades, seu modo de produção e suas escolhas sociais e

políticas. As escolhas que fazemos para viver em sociedade, nem sempre levam em conta que

o que fazemos pode ocasionar mudanças importantes. Essas mudanças podem ser tanto

negativas quanto positivas, mas ao fim acabam por influenciar toda a condição de existência

da humanidade.

Sennett, nos conta o seu encontro com Hannah Arendt em 1962, após a crise dos

mísseis em Cuba, que quase levou o mundo a uma guerra atômica. Encontrou sua professora

bastante abalada com os acontecimentos em todo o mundo, mas Arendt estava assim e nem se

importou com o frio de congelar em Nova York, porque viu confirmadas suas convicções em

sua obra A Condição Humana. Estava convencida de que qualquer um que produza coisas

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materiais, não é senhor em sua própria casa; a política que deveria estar acima do trabalho

físico é que deveria tomar a frente. A essa conclusão Arendt havia chegado já em 1945, época

em que as duas primeiras bombas foram criadas (SENNETT, 2009).

Porém, Arendt tinha algo a ensinar a Sennett, e tal lição que queria dar a seu aluno foi

simples e direta, e é o que serve aqui de alerta e ajuda o pensar: “as pessoas que fazem coisas

geralmente não sabem o que estão fazendo” (SENNETT, 2009, p. 11). Se pensarmos no que

disse Arendt, a autora talvez nos leve a concluir que tal afirmação pode estar partindo do

princípio de que as pessoas apenas fazem coisas (tecnologias/invenções), mas essas mesmas

pessoas não pensam sobre as coisas que fazem. E o pensar sobre o que se faz talvez, seja o

que falte às pessoas que fazem coisas, como a bomba atômica, por exemplo. Eu acrescentaria

que na atualidade, muitas vezes, as pessoas estão falando coisas sem saber direito o que estão

dizendo.

Dessa forma, é possível pensar que algumas pessoas só reproduzem o que leem e o

que ouvem, sem fazer reflexão crítica sobre as questões de fato. Portanto, a centralidade está

em se fazer e dizer as coisas sem incluir o como e o porquê em se fazer e dizer essas coisas.

No entanto, essa mesma dicotomia entre o fazer/dizer e pensar sobre o como e o porquê

fazer/dizer pode ser equilibrada pelas pessoas que fazem/dizem coisas e ao mesmo tempo

pensam sobre elas, e não delegam a outros ou a alguma coisa ou grupo, a responsabilidade do

pensar. Lembrando sempre que fazer e dizer coisas podem influenciar atores e impulsionar

mudanças.

Sendo assim, passo agora a descrição das questões deste estudo que buscou versar

sobre o desenvolvimento brasileiro e suas relações com o campo da educação, visando

identificar neste processo as suas bases estruturantes. Em função de tentar compreender a

dinâmica brasileira tanto em seu movimento interno quanto externo, foi preciso conhecer

antes a dinâmica do processo de mudanças em nível internacional.

As mudanças que ocorrem na economia mundial e, em especial, as inovações

tecnológicas influenciam as estruturas sociais de origem colonial submetidas, ao longo do

tempo, à dependência econômica e orientações políticas, culturais e educacionais exógenas,

que dominaram o debate no âmbito da ação pública. A questão colonial, muitas vezes,

condicionou, em parte, a agenda política econômica e as estratégias de desenvolvimento e de

educação. Entretanto, na atualidade, cada vez mais, se discutem as questões endógenas desse

processo de desenvolvimento e, tais questões começaram a colocar em debate as explicações

estudadas sobre o processo do desenvolvimento brasileiro e, a sua relação com a educação ao

longo do tempo.

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Diante de pesquisas feitas anteriormente, sobre a temática desenvolvimento, educação,

trabalho e inovação, comecei a perceber que talvez, pudesse haver outra explicação para o

desenvolvimento brasileiro que viesse ajudar a compreender as estratégias no campo

educativo que o influenciaram ou foram influenciadas pelo mesmo. Desse modo, poderia

haver outra forma de ver a relação desenvolvimento e educação no Brasil, pois as explicações

dadas sobre o desenvolvimento e sua relação com o processo educativo não se mostraram

suficientes tendo em vista, dentre outras coisas, o esforço histórico do Brasil em fazer

reformas estruturais que o colocassem no rumo do desenvolvimento “moderno” e avançado.

Percebe-se, que o discurso apontava e ainda aponta como primeiros tópicos, a necessidade de

pesquisas de ponta e de uma educação de qualidade que invista em ciência e tecnologia.

Assim, intuitivamente e sem hipótese a priori ou rumo mais preciso que este, foi iniciada a

jornada da tese.

Importante ressaltar, que muitas das questões discutidas durante a pesquisa, algumas

em menor e outras em maior grau, sempre fizeram parte de minha formação e de estudos por

mim realizados em função de buscar entender a minha atividade como professora, educadora

e meu lugar no mundo como mulher, nordestina, pertencente à classe trabalhadora e mãe. Ao

tentar entender a dinâmica da construção social, política e econômica da sociedade em que

vivo, observei incompletudes no processo de descrição do desenvolvimento brasileiro, e

algumas possíveis deficiências explicativas, em sua relação com o campo educativo.

Portanto, comecei a pensar que no caso brasileiro, talvez houvesse alguma lacuna no

processo de explicação de nossa realidade, que ainda poderia ser revelada ao pesquisar a

relação do desenvolvimento com a educação. E que talvez um olhar mais atento, uma

inversão ou inovação metodológica na lógica de pesquisar os acontecimentos endógenos (sem

deixar de perceber os aspectos exógenos), tanto no campo do desenvolvimento quanto da

educação, poderia clarear essa história. Pensar a partir da formação do mercado capitalista no

Brasil e sua relação com a história da educação, talvez pudesse trazer nuances e pistas sobre

como se estruturaram estes processos. Um estudo em que se pudesse desconsiderar qualquer

possibilidade de que disciplinas ou linhas teóricas pudessem estar umas acima das outras.

Assim, resolvi seguir por um caminho interdisciplinar e intersetorial, e pensar com,

dentre outras áreas, a história, o trabalho, a economia, a educação, a sociologia, o capital, a

filosofia, a política, o estado e a sociedade brasileira. No decorrer das longas horas de estudos

e reflexões sobre a teoria e a prática no caso brasileiro, algumas portas foram sendo abertas e

o que era mais uma curiosidade inicial sem tamanho, começou a se configurar como se eu

tivesse um molho mágico de chaves. As portas que foram sendo abertas traziam a cada

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momento muitos fachos de luzes. Então, fui seguindo a trilha por meio dos raios que

permitiram caminhar na observação da relação desenvolvimento e educação no Brasil.

No tocante a essa relação, no campo da educação é possível identificar no percurso

histórico ao menos duas formas de abordagem: para alguns a educação é vista como

potencializadora de desenvolvimento visando à produtividade, e para outros como o espaço

da formação para a cidadania e luta por direitos sociais.

Tais formas de pensar a educação, muitas vezes, entram em conflito ou são tratadas em

conjunto, a depender do discurso e do interlocutor. Entretanto, acrescentamos que ambas

estão dentro de uma mesma relação e não são as únicas a serem consideradas na discussão.

Para este estudo, esse processo é muito mais amplo do que abarcam essas visões. Então, a

pesquisa se propôs a identificar a relação entre desenvolvimento e as bases que estruturam o

campo educativo brasileiro, em um mundo globalizado, e em um país considerado em

desenvolvimento.

Para além das indicações de um mundo globalizado economicamente e da atualização

do modelo neoliberal, e, visando garantir certo tipo de desenvolvimento, os códigos

comportamentais e as ações educacionais foram historicamente estruturados e atualizados.

Dentro dessa dinâmica a educação, os sistemas de ensino (onde este existe) e a escola, lugar

em que os seres humanos são levados desde pequenos, fazem suas modernizações para

acompanhar estes processos.

Pode-se então destacar, a importância em se estudar o que foi ocorrendo no campo

educativo, sua relação com o processo de desenvolvimento brasileiro e, particularmente,

observar sobre que bases se estruturou e se mantém. Essa relação pode ter sido construída

socialmente por meio das ideias, discursos e ações públicas e políticas dos diferentes atores

que estruturaram tanto a política pública do desenvolvimento quanto da educação.

Nesta pesquisa, o que interessou foi seguir os rastros espaço-temporais, por meio dos

traços deixados pelos atores envolvidos na rede para verificar a relação entre o modelo de

desenvolvimento brasileiro, e as estratégias utilizadas que estruturaram as bases no campo da

educação. Entendo por estratégias utilizadas o conjunto de instrumentos de gestão,

metodologias, conhecimentos, histórias e saberes acionados nas ações públicas, políticas e

sociais historicamente construídas e que nos trazem até a situação presente, ou seja, que

revelam o que denominamos acima de norte. O “norte” constitui-se num campo de disputas políticas e ideológicas, mais ou menos intensas a depender da composição das forças econômicas e sociais de cada sociedade periférica e sua autonomia frente aos comandos do mundo (...). Na dimensão histórica (...) o “norte” assume, quase de imediato, a forma do plano e,

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portanto, a do diagnóstico, do elenco de metas, da estratégia e, mais recentemente, da missão (RIBEIRO, 2007, p. 23).

Portanto, é relevante descobrir as estratégias dos atores no jogo de interesses no

tocante a ação pública e política no tangente a relação desenvolvimento e educação. Conhecer

tal percurso e tentar revelar novas descobertas compõem também, o intuito deste estudo.

A relação entre desenvolvimento e educação tem sido objeto de pesquisa e estudos de

múltiplos setores, tais como sociologia, história, educação, economia, ciências sociais, dentre

outros. Existem nessa discussão ao menos duas formas de pensar a educação. Autores, tais

como, (GRAMSCI, 1979); (FREIRE, 1996); (SALM C. L., 1980); (FRIGOTTO, 2001);

(CIAVATTA, 2005); (CUNHA, 1980); (SAVIANI D. , 1992) apontam que há estreita relação

entre a vida cotidiana e a escola em função da ideia acerca do grande poder da educação para

dinâmica do desenvolvimento, para a formação profissional, para a contra hegemonia, e,

principalmente, para a transformação social.

Autores, adeptos do modelo de educação liberal burguesa e da teoria do capital

humano, dentre eles Schultz (1973), Harbison e Myers (1965) Simonsen e Campos (1976)

afirmam que a educação tornou-se cada vez mais necessária ao desenvolvimento tecnológico

do modo de produção capitalista como fator do aumento da produtividade, e principalmente,

para manutenção da hegemonia, ou seja, como fator de reprodução social. Isso posto, tanto

em uma visão quanto na outra, a educação no modo de produção capitalista passou a

desempenhar importante papel para as futuras gerações tanto do ponto de vista da hegemonia

quanto da contra hegemonia, tanto para a reprodução quanto para a transformação social.

Portanto, neste estudo, destaco a importância dos autores brasileiros quando discutem

o duplo significado atribuído à educação capitalista, ou seja, a dualidade de classe (elite e

trabalhadores) no campo educativo: a visão da educação como um processo de adaptação às

relações existentes que assegura os privilégios dos filhos da classe dominante (elite), ou seja,

a formação cientifica e humanista; e a que visa adaptar os filhos da classe não dominante

(classes populares), às condições de sua existência, por meio da formação técnica profissional

(SALM C. L., 1980), (CIAVATTA, 2005), (CURY, 1986), (SAVIANI D. , 1992), (SAVIANI

D. , 2008), (PONCE, 2001), (SAVIANI D. , 2017).

Nesses aspectos, a discussão apresentada por Saviani (1992) é particularmente,

interessante, pois o autor divide em dois grupos os pensadores sobre a educação e sua relação

com a sociedade. Apresenta as ideias dos autores adeptos da teoria não-crítica (escola

tradicional, pedagogia nova, pedagogia tecnicista) que encaram a educação como autônoma e

buscam entendê-la a partir dela mesma. Na linha contrária existe um segundo grupo de

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adeptos da teoria crítico-reprodutivista (teoria do sistema de ensino como violência simbólica,

teoria da escola como aparelho ideológico de estado, teoria da escola dualista). Estes últimos

procuram compreender a educação dentro das condições objetivas, ou melhor, dentro dos

condicionantes sociais. É a estrutura sócio, política e econômica que condiciona as formas de

expressão do fenômeno educativo. Estes encaram a educação como reprodução da sociedade.

No entanto, vale destacar que suas teorias são relevantes para compreender como a dinâmica

ocorre e ajudam a pensar e identificar como esse processo se engendra dentro da escola e na

gestão da educação.

Para discutir com as duas vertentes, o autor propõe a pedagogia histórico-crítica.

Fundamentada por Saviani, essa teoria tem como premissa, o modo de pensar gramsciniano, o

da viabilidade de uma educação que não seja apenas reprodutora da sociedade vigente. A

educação poderá ser alicerçada pelos interesses da maioria, mesmo na sociedade capitalista.

Portanto, as três linhas teóricas são aqui consideradas no processo de análise.

A ideia foi realizar estas discussões conjuntamente, pois dentre outros motivos, a atual

reforma do ensino médio, segundo (SAVIANI D. , 2017), “representa um retrocesso a década

de 1940, quando o decreto conhecido como Lei Orgânica do Ensino Secundário” determinou

que o ensino secundário se destinava as elites condutoras. Em 1942, houve um novo decreto,

nominado como a Lei Orgânica do Ensino Industrial que regulou o ensino para o povo que

seriam os conduzidos. Posteriormente, em 1943 foi instituída a Lei do Ensino Comercial, e

em 1946 a do Ensino Agrícola. Assim, a ideia foi, de um lado, a formação profissional para os

trabalhadores (os conduzidos) e de outro a formação das elites (os condutores). Além disso,

para o autor, a discussão sobre a reforma atual do ensino médio não dialogou com a

sociedade, não primou pelo princípio da ação pública.

Sendo assim, as visões acima são relevantes, e nesta pesquisa considerou-se, também,

a perspectiva de Gramsci (1979), pois suas concepções permitiram observar o potencial da

educação em uma unidade dialética, tanto como adaptação/reprodução, como também,

transformação. Essas propostas apontam para a análise e a construção da escola unitária e

politécnica, a escola da cultura.

Tanto Gramsci (1979) quanto Saviani (2008), Demo (2004), (CURY, 1986), (CUNHA,

1980), (FREIRE, 1996), dentre outros, ao pensarem a escola discutem os pressupostos e as

dicotomias descritas acima. Os autores, propõem um tipo de escola que conduza as crianças e

os jovens até a escolha profissional, mas formando-os neste percurso como pessoas capazes

de pensar, de estudar, de atuar como dirigentes (governo, gestor público) ou de controlar os

que dirigem (controlar o governo, os gestores públicos) e as políticas públicas. Portanto, essa

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vertente confia na ação humana e na sua capacidade de encarar a escola e a educação em sua

dimensão histórica, suscetível de mudanças e transformações e não apenas adaptação e

reprodução.

Tendo em vista ainda não ver superadas, no caso brasileiro, as questões expressas

acima, essas mesmas questões são aqui discutidas em seus aspectos teóricos e em seus

processos histórico, político e social. Toda essa dinâmica da discussão com campo educativo

ajudou a compreender as estratégias estruturantes da educação brasileira e a perceber as ações

concretas no momento atual.

Ao seguir com o apoio de autores e teorias clássicas e contemporâneos, é porque

acredito que os clássicos oferecem uma visão que possibilita compreender, historicamente, o

mundo em que vivemos. Ao juntar a essa visão teorias mais recentes, o que se pretendeu foi

trazer as perspectivas atuais e evitar a unilateralidade das teorias quando tratadas de forma

separada.

Neste estudo, a concepção é que as teorias criam princípios e pressupostos para uma

determinada área do conhecimento em um determinado tempo. A função do pesquisador é

analisar e discutir estes princípios e pressupostos durante a realização e o registro de suas

pesquisas. Nessa perspectiva, a abordagem foi feita por meio dos pressupostos e princípios de

diferentes disciplinas e teorias.

Dentro dessa lógica, optei por trabalhar com os aportes da Dialética do Materialismo

Histórico e da Teoria Ator-Rede – (TAR). Esta discussão conjunta das teorias foi realizada,

porque acredito que diferentes aportes teóricos e metodológicos podem complementar o

estudo e potencializar as descobertas, em uma pesquisa, em que se considerou relevante

discutir a relação entre o modo de desenvolvimento e o campo educativo, no caso brasileiro.

Estudo que teve como norte, analisar no processo econômico, político e social, desde a

colonização, a relação entre desenvolvimento e as estratégias educativas utilizadas que o

potencializaram ou não.

Nessa perspectiva, a relação entre desenvolvimento e educação é de fundamental

importância para compreender os avanços necessários para o povo, para o país e para a

região. Ao pensar a educação como parte da luta contra hegemônica e emancipatória, foi

fundamental não perder os vínculos, nessa dinâmica, entre educação e trabalho. Tendo em

vista que, no modo de produção capitalista, a relação educação e trabalho é de fundamental

importância. Assim, buscar saber, a partir de nossa formação enquanto Brasil, os elementos

constitutivos no âmbito das ideias e da ação política dessa dinâmica, quem sabe poderá

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revelar, os possíveis caminhos do desenvolvimento e da educação do trabalhador no caso

brasileiro.

Para esta temática, a década de 1980, no Brasil, foi particularmente importante em

função da garantia no texto constitucional da participação da população organizada nas

decisões no tocante as políticas públicas, como também, da livre organização da classe

trabalhadora. O ano de 1988 foi relevante em função dos avanços rumo à democracia

participativa, e no âmbito das políticas públicas de educação no Brasil. Foi o ano de

promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, que surgiu após um longo

período de regimes militares.

A Constituição no Brasil foi instituída com os princípios liberais do Estado

democrático de direitos. Tendo como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Em

seu primeiro parágrafo único escreve: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio

de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2000, p.

13).

O trabalho de elaboração da Constituição brasileira de 1988 foi anterior a sua

promulgação. A sociedade se organizou em 8 comissões e 24 subcomissões1. As comissões

formadas, representativamente, elaboraram um pré-projeto que subsidiou o texto

constitucional final. A oitava comissão, intitulada por Comissão da Família, da Educação,

Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação foi a comissão que discutiu,

dentre outros, o campo da educação. Para isso foi criada no âmbito dessa Comissão a

Subcomissão da Educação, Cultura e Esporte que elaborou documentos, realizou audiências

públicas para que se pudesse incluir, o seguinte texto Constitucional: Título III – Da ordem Social. O Capítulo III, Seção I – Da Educação. “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2000, p. 118).

Ressalta-se que é relevante perceber no texto constitucional acima a estreita relação

entre desenvolvimento, educação e trabalho. Percebe-se também, no texto constitucional o

compromisso em incentivar a participação da sociedade no âmbito da formulação das

políticas educacionais. Verifica-se, justamente, a relação da educação com a formação para a

1 Para saber mais: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e-subcomissoes/comissao8/subcomissao8a>

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cidadania e para a qualificação profissional. No processo de desenvolvimento da sociedade

capitalista, essa relação foi cada vez mais importante nos países desenvolvidos e em

desenvolvimento, principalmente, no Pós Segunda Guerra. Tal fato pude certificar com os

casos mais emblemáticos, o do Japão e da Coreia, quando estudei as relações entre as

inovações tecnológicas e a educação do trabalhador na pesquisa do mestrado.

No entanto, no Brasil, só no século XX, a partir da década de 1930, percebe-se a busca

pela relação desenvolvimento e educação. Nesta década, houve um processo de

industrialização e criou-se o Ministério da Educação. Esta ação foi inscrita, no âmbito das

ideias de progresso advindas no bojo das ideias iluministas do movimento da escola nova2, no

modo de produção com o processo de internacionalização e na visão liberal burguesa de

Estado, de educação e de cidadão.

Essa relação entre desenvolvimento e educação, foi em parte sustentada pela

hegemonia exercida por setores tradicionais, repressores e de representantes do capital no

Brasil, e pela oposição da luta contra hegemônica da sociedade civil organizada. No entanto,

no campo da educação foram sendo desenvolvidos novos paradigmas e ações públicas, que

introduziram inovações políticas e ideológicas que ajudaram a entender o estudo proposto e

que estão discutidas nele, pois foi relevante perceber e descrever as bases que estruturam o

campo educativo no Brasil.

Á vista disso, é na ação política que residem tanto os limites quanto as possibilidades

de entendimento. No campo do discurso ideológico e político a visão da escola nova

combateu a educação tradicional, “mas não chegou a representar uma ruptura com o modelo

de educação, em termos da relação política entre educação e sociedade” (PEREIRA,

MARTINS, ALVES, e DELGADO, 2009, p. 157). Essa visão a época se mostrou, para os

seus signatários, como o mecanismo pelo qual no Brasil seriam potencializados grandes

avanços do ponto de vista de uma educação libertadora. Portanto, a escola, em sintonia com

os princípios básicos escola nova e da democracia moderna, seria laica, obrigatória, integral,

pública, gratuita e para todos. Para obter êxito, a ideia central era que a educação precisava se

erigir sob essa nova visão e assim, contribuir com o desenvolvimento e a cidadania.

2 A escola nova foi um movimento de renovação do ensino guiado pelas ideias, dentre outros, de John Dewey. A ideia básica do pensamento de Dewey sobre a educação estava centrada no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno. Chamado de Escola Nova, esse movimento ganhou força gradativamente, no Brasil até se materializar em 1932, a partir do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

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O fato de tal vertente, mesmo burguesa e liberal3, não ter logrado êxito até hoje, apesar

de todos os esforços, permitiu pensar que no Brasil, a relação entre desenvolvimento e

educação talvez não tenha sido estabelecida com um padrão que pudesse contribuir com os

avanços econômicos, políticos e sociais como inscritos nos discursos dos governos e do

estado. Talvez, os processos de formação e constituição do Brasil, ainda tenham muito a nos

revelar sobre o desenvolvimento e a educação.

Isso permitiu pensar então, que pode ter havido um desenvolvimento um pouco

diferente do que conhecemos até hoje. Ao colocar óculos para ver o modelo de

desenvolvimento e focar as lentes na política pública da educação brasileira foi que consegui

começar a perceber que um movimento (o processo de desenvolvimento) ou outro (estratégias

da educação), e ambos tomados em totalidade puderam dar pistas sobre o que perseguimos

nesta caminhada, as chaves começaram a encaixar e as portas começaram a se abrir.

Nesta pesquisa, o enfoque se deu exatamente na questão dessa relação com os sentidos

do desenvolvimento econômico, político e social brasileiro e a história das demandas pela

educação para o trabalho. Com o advento do capitalismo e da revolução industrial, o trabalho

se desenvolveu e virou mercadoria, se estabeleceu como um dos mecanismos de geração de

valor e alavanca propulsora da acumulação capitalista, em função do lucro obtido pela

exploração do trabalhador (POLANYI, 2012). Portanto, o trabalho tornou-se ator central,

naquele momento, para entendimento da sociedade (MARX, 1980).

Posteriormente, o desenvolvimento comercial, mercantil e tecnológico foi ampliando

as exigências por mão de obra escolarizada e tecnicamente qualificada (CURY, 1986);

(GRAMSCI, 1979); (SAVIANI D. , 1992); (FRIGOTTO, 2001); (CIAVATTA, 2005);

(FLORES, 2006), (CARVALHO, 2003). A exigência por qualificação e escolarização da força

de trabalho foi um fenômeno que ocorreu e ainda ocorre em países tanto desenvolvidos

quanto em desenvolvimento. No caso brasileiro, e em consonância com o estudo de mestrado

que realizei com essa temática no âmbito da construção civil, o processo de industrialização e

de inovações tecnológicas, a partir do final da década de 1930, realizou mudanças no tocante

às exigências da qualificação do trabalhador.

Com a indústria nascente, o desenvolvimento econômico brasileiro foi, a exemplo do

ocorrido em outros países, ampliando as exigências pela qualificação da força de trabalho e, 3 Figurando entre os mais elaborados tributários do liberalismo igualitarista de John Dewey, Anísio Teixeira defendia uma educação em que a escola deveria ser para todos, com a missão de educar em lugar de apenas instruir. http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3246&catid=30&Itemid=41

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posteriormente essa exigência passa a ser também, pelo aumento da escolaridade. Assim, o

trabalhador brasileiro passou a precisar, ao longo do tempo, estar técnica e educativamente

preparado para poder obter um posto de trabalho.

Essas exigências foram cada vez mais ampliadas, ao longo do processo de

desenvolvimento do modo de produção. A formação a ser exigida das pessoas, passou a ser o

“domínio de conhecimentos globais das ciências, das tecnologias e a socialização para uma

convivência com o Planeta e a humanidade de modo a preservar a vida, o que significa a

exigência de uma visão de totalidade no tratamento dos conhecimentos” Ciavatta (2005, p. 8).

Então, a educação formal, a exemplo do trabalho, passou a ter centralidade neste processo,

pois conhecimento assim como o trabalho, também se transformou em mercadoria, sendo uma

das mais valiosas na atualidade.

Pode-se perceber que houve aumento das exigências pela

educação/formação/qualificação como fator de desenvolvimento econômico, político e social

no Brasil. No entanto, para saber como essa dinâmica foi realmente estruturada é preciso que

seja entendida em sua totalidade, suas contradições, suas mediações e seus caminhos, para

que possamos compreendê-la na atualidade. Dessa maneira, os traços deixados ao longo do

tempo pelos atores-rede ao revisitarem a história permitiram conhecer a rede de atores, a

trajetória, seus pressupostos, suas contradições, suas traduções e seu modo de ação pública e

ação política, e principalmente, o fio condutor da ação.

Para seguir esse processo, tornou-se relevante saber o que e como ocorreram as

relações de poder entre os atores envolvidos, e como estes estabeleceram as suas estratégias

de ação dentro do jogo político, econômico e social. Então, me deparei com a seguinte

questão: Por onde vou começar a alinhavar tudo isso?

Resolvi começar com base nas indicações de ajustes sugeridos pela banca na

qualificação da tese. As sugestões permitiram realizar mudanças e redefinir a caminhada para

esse trabalho, que pesquisou como se deu o desenvolvimento brasileiro e quais as estratégias

dos atores no campo educativo, que podem ter se configurado como um tipo ou a partir de um

tipo específico de desenvolvimento, com resultados ainda não revelados.

O fio condutor, como já enunciado, partiu das descobertas realizadas durante a

pesquisa de mestrado, em que ficou revelado que o processo de introdução de novas

tecnologias exigiu um novo trabalhador, melhor qualificado e mais próximo das exigências do

mercado de trabalho, portanto, requisitou mudanças na educação dos trabalhadores na

empresa pesquisada (FLORES, 2006).

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O estudo de mestrado versou sobre a relação inovações tecnológicas e educação do

trabalhador e foi realizado em uma empresa de grande porte da construção civil, em Brasília.

Dentre outras coisas, revelou que a cada dia aumentava a demanda por uma mão de obra

qualificada técnica e educacionalmente. Mostrou, também, que embora tenha representado

avanços para os trabalhadores que participaram do projeto, representou mais um processo que

visou à elevação dos lucros da empresa, e na melhora da visão que as empresas internacionais

tinham em relação à empresa brasileira.

Como resultado, o empresário e a empresa previam ganhar mais vantagens que o

trabalhador, uma vez que para garantir acordos internacionais no âmbito da indústria da

construção civil, uma das exigências da parceria, em nível internacional entre as empresas, era

que um percentual dos trabalhadores fosse alfabetizado e que alguns tivessem a certificação

de seus saberes escolares de nível fundamental e médio.

A estratégia escolhida pela empresa foi ofertar educação formal no canteiro de obras

em parceria com a Secretaria de Educação do Distrito Federal. Essa jogada estratégica

acabou, segundo o diretor presidente à época, por realizar mudanças substanciais na

produtividade e no lucro da empresa ao elevar o nível de escolaridade de alguns

trabalhadores.

Valendo ressaltar, que aqui o processo educativo foi controlado e monitorado pela

empresa, e que embora o estado/governo participasse da ação, sua estratégia de participação

no processo formativo foi indireta, não garantidora da efetividade dos direitos e da

aprendizagem, para além dos interesses da empresa. No jogo e na ação, o Estado só ficou

responsável pela certificação. Portanto, o estado, ao invés de ser um o ator mediador e gerir a

ação, foi apenas um intermediário no projeto que acabou por ser gerido, executado e limitado

pela empresa.

Ao analisar o acontecimento acima, talvez seja possível pensar que este ambiente

micro da ação possibilita ver a convivência dos dois paradigmas citados. A educação dos

trabalhadores, no próprio ambiente de trabalho, visou o aumento da produtividade, porém só

poderia fazê-lo por meio da elevação da escolaridade. Podemos perceber claramente a visão

da educação para a produtividade e seu reflexo nos direitos individuais. A elevação da

escolaridade contribuiu, dentre outras coisas, com a diminuição da rotatividade4 na empresa, e

permitiu o letramento de alguns trabalhadores e a certificação escolar de nível fundamental e

médio para outros (Flores, 2006).

4 O setor da construção civil é reconhecido por ter alto índice de rotatividade no emprego

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Note-se, a importância das estratégias na efetividade das ações e no tocante aos

resultados do jogo para os diferentes atores, em especial, os trabalhadores. Com o projeto, os

trabalhadores foram a mola propulsora para o aumento da produtividade e do lucro da

empresa. No entanto, sem obter nenhum retorno do ponto de vista financeiro, e nem retorno

mais amplo do ponto de vista social, pois a educação, como já citado, não foi uma ação para

todos os trabalhadores da empresa. Ressaltando-se, ainda, que os trabalhadores participantes

do projeto não tiveram a garantia de continuidade dos estudos.

Em função do processo de escolarização de alguns trabalhadores, pode-se afirmar que:

de um lado, a empresa recebeu certificação internacional para aumentar os seus lucros, por

outro lado, a elevação da escolaridade não foi para todos os trabalhadores. É como se fosse

um jogo, que talvez seja ou não de cartas marcadas, mas que precisou de cooperação,

negociação e estratégias para efetivar-se. Reside aí a minha inquietude com os resultados de

um jogo o qual aparentemente poderia ter trazido resultados equilibrados para todos os atores

envolvidos, se tivesse havido uma cooperação justa e uma ação pública e política efetivas.

Nesse sentido, é pertinente pensar que além de questões e ambientes micropolíticos

como o descrito acima, existem as questões macropolíticas. Dessa forma, destaco o que

revelou Kissler (1982) ao estudar a participação dos trabalhadores nas indústrias

automobilísticas francesas e alemãs, nos círculos de qualidade advindos do modelo flexível de

produção. O autor revelou que em um ambiente micropolítico, as relações de trabalho são

reduzidas ao relacionamento entre empregados e empregadores. Então, em seu estudo

apontou a centralidade em perceber a questão macropolítica em que as relações de trabalho

são assimétricas, portanto se configuram como relações de poder. A partir do princípio

macropolítico, o poder é entendido como uma relação de troca entre atores5 (indivíduos que

agem) que conseguem mobilizar recursos para seus interesses específicos. Sendo que o

controle das questões que geram inseguranças são as fontes de recursos do poder.

Então, o autor registra que essa forma de entender o poder como um comportamento

contingenciado desfaz a imagem de relações de poder dicotômicas, verticais. Funda-se numa

lógica da “ação que não se guia mais por uma racionalidade uniforme e obsequiosa. Cada agir

por atores acaba se transformando em ação “estratégica”. (KISSLER, 1982, p. 7)

Dessa forma, o poder não está apenas nas relações de troca, ele está ancorado nas

estruturas. Portanto, relações de poder são relações regradas e são as regras que estruturam o

agir e o exercício do poder e geram segurança de comportamento. Nessa dinâmica, as regras

5 Na visão de Kissler os atores são apenas, humanos.

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atribuem aos atores determinadas competências e atribuições e com isso acabam por

condicionar o comportamento dos mesmos, e assim a participação é realizada de forma

gerenciada.

Na experiência descrita acima, em relação a empresa da construção civil os

trabalhadores só participavam na execução das regras e não no processo de elaboração e

interpretação, e o Estado se eximiu de participar. E assim, ambos permitiram e acolheram as

formas de participação determinadas e regradas pela empresa. Então, a iniciativa da

participação direta partiu da gestão e os trabalhadores cooperaram no processo participativo,

sem exigências e reivindicação ativa e coletiva de participação nas decisões e assim, a

participação foi regrada por um único ator. Portanto, foi possível perceber que a análise

micropolítica é insuficiente diante das assimetrias de poder, e que no caso brasileiro é

importante considerar o ator Estado no âmbito das políticas públicas.

Então, além do exemplo citado, e para colocar de forma mais ampliada

(macropolítica) à análise acima, agora incluindo a participação do Estado, é importante citar a

conjuntura atual no Brasil em que está patente que o Estado em cumplicidade com os

capitalistas, atuou no sentido de ampliar a exploração da força de trabalho. Essa ação tem

como foco, o aumento da produtividade do capital e a perda de direitos conquistados pela

classe trabalhadora e pela sociedade brasileira. Podemos registrar como exemplos: a) a Lei da

terceirização; b) as mudanças recentes na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT; c) as

mudanças no ensino médio e d) o projeto de reforma da previdência.

Das perdas de direitos anunciadas e previstas nessas leis para a classe trabalhadora,

podemos citar algumas, tais como: a perda da estabilidade no emprego para servidores

públicos, a flexibilização da jornada e das relações de trabalho, o aumento do tempo de

serviço para aposentadoria e a imposição de igualdade de tempo para aposentadoria entre

homens e mulheres, a redução em 50% da pensão por morte e a proibição de acúmulo de

benefícios em uma mesma família. Diante de tais fatos, percebe-se que no caso do Brasil,

algumas conquistas históricas negociadas após a luta da classe trabalhadora organizada, seja

em sindicatos, em partidos ou em movimentos sociais, vêm perdendo mais no jogo político do

que o capital.

Ainda no tocante à formação da classe trabalhadora no Brasil, muito já foi dito e

proposto, mas de acordo com os mais diferentes discursos, seja dos governos, dos

trabalhadores ou de empresários, a visão estabelecida historicamente é que a educação da

população potencializa o desenvolvimento econômico, político, social e cultural.

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Salienta-se que certo tipo de desenvolvimento exigiu certo tipo de educação da força

de trabalho. No entanto, em complemento as visões, anteriormente citadas, essa pesquisa

levou em consideração que tais fatores não são alheios às aprendizagens nos espaços de

convívio social e no trabalho, nem a ideologia, a cultura e a política. Não são alheios,

singularmente, a nossa responsabilidade social e política com a educação das novas gerações.

Todos os fatores acima levaram-me à formulação de algumas questões:

1. Como ocorreu o desenvolvimento capitalista no Brasil?

2. Como se deu a relação entre desenvolvimento e educação no país e quais as estratégias

estruturantes no campo da educação?

3. Quais os desdobramentos (resultados) concretos para a sociedade?

Para achar respostas a essas questões, os objetos de estudo foram a formação do

mercado no modo de produção capitalista em nível internacional e nacional, o processo de

desenvolvimento no Brasil e as estratégias que estruturaram a educação brasileira. Para

compreender os porquês foi preciso saber como se deram as contradições, os interesses e

conflitos históricos, os instrumentos de gestão e a ação pública que acabaram por configurar a

relação entre educação e desenvolvimento que temos hoje. Então, no que diz respeito a

educação fiz a opção por trabalhar, além de outros documentos, com Manifestos advindos da

sociedade civil. Esses documentos trazem, em seu bojo, toda a dinâmica social e as visões e

reflexões da sociedade em cada época.

Aqui se buscou depreender dos acontecimentos e documentos, as diferentes posições,

ações, interesses e influências dos atores envolvidos na rede, que foram estudados por meio

das contradições e ações no tocante ao desenvolvimento brasileiro e as estratégias no campo

da educação, e que acabaram por estruturar - ou sendo estruturadas- por um modelo de

desenvolvimento específico, a saber: o desenvolvimento à moda brasileira.

Esta ideia de desenvolvimento à moda brasileira se coloca no sentido de se pensar que

todas as denominações até hoje sobre o Brasil e os demais países da América Latina, dentre

outros, sempre foram em relação e referência aos países considerados centrais, avançados e

desenvolvidos. Ao longo de meus quase vinte anos de estudos percebi que já fomos

considerados periféricos, tardios, subdesenvolvidos e agora em desenvolvimento. Decidi

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pensar que na realidade, todos os países do mundo estão em desenvolvimento e que talvez

tentar ver sem nenhuma referência anterior pudesse ajudar, ao longo do caminho.

Diante do exposto apresento o objetivo geral:

Ø Analisar o processo de desenvolvimento no modo de produção capitalista e sua

relação com a educação no Brasil.

E como objetivos específicos:

Ø Analisar o processo de desenvolvimento do modo de produção capitalista por meio da

formação do mercado e das exigências por educação;

Ø Compreender como ocorreu o desenvolvimento à moda brasileira;

Ø Identificar as bases estruturantes da educação em sua relação com o desenvolvimento.

Neste estudo, a observação e descrição da relação entre desenvolvimento e a educação,

pode ter nos ajudado a abrir novas portas. Passar por elas e verificar o que já estava lá, e que

ainda não fora visto, principalmente, pelos trabalhadores e pesquisadores engajados, foi o

intuito da pesquisa em função de responder aos objetivos propostos. Percebe-se, assim, que

esta pesquisa tem um caráter teórico e descritivo e se ao fim for avaliada como uma pesquisa

que possa contribuir substancialmente com o debate e com o surgimento de novas

investigações sobre a problemática em estudo, cumpre com seu papel teórico-prático.

A possibilidade de discutir a relação entre desenvolvimento e os aspectos que

estruturaram a educação no caso brasileiro à luz dos aportes teóricos e metodológicos, dentre

outros, da Teoria Ator-Rede e da perspectiva Dialética poderá quem sabe iluminar estes rumos

e abrir novas portas para o entendimento e a luta contra hegemônica.

Esta tese visa compartilhar o resultado da pesquisa da relação existente entre o

desenvolvimento e a educação no Brasil, a partir da observância do modelo de

desenvolvimento brasileiro e da educação tomados nas suas dimensões interna e externa,

como também identificar quais as lacunas que ainda podem ser vistas. Por se tratar de uma

tese teórica optou-se por trabalhar, ao longo dos capítulos, o referencial teórico em conjunto

com as análises da autora. Não começou aqui e nem vai se esgotar aqui, porque ainda há

muitas portas, ou para se fechar, ou para se abrir.

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À vista disso, a pesquisa está dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo,

apresento os aportes teóricos e os caminhos metodológicos. A opção foi pela Dialética do

Materialismo Histórico e pela Teoria Ator-Rede (TAR). Tais opções estão fundamentadas na

visão de que o conhecimento é produto histórico, mutável e transitório. Da dialética

materialista trabalhei com os conceitos de classe e hegemonia. Da TAR trabalhei com os

conceitos de mediação e tradução. Além desses conceitos, trabalhei com o conceito de

interesse e ação pública, para compor o marco referencial inicial, por acreditar que esses

poderiam aproximar, ainda mais, as teorias e os autores e conceitos que trabalhei em toda a

tese.

No segundo capítulo, por sua vez, mostro a discussão sobre o desenvolvimento

capitalista em âmbito internacional discutindo a formação do mercado e do capital, a partir do

século XIX, e identificando as exigências pela educação dos trabalhadores. A ideia também,

foi estabelecer conexões do que foi ocorrendo na dinâmica internacional que pode ter

influenciado o desenvolvimento brasileiro. Utilizei, fundamentalmente, autores que

revisitaram a história do capitalismo.

No terceiro capítulo, busco compreender, desde a colônia, o processo de

desenvolvimento brasileiro tanto com suas influências endógenas quanto exógenas. Neste

percurso, verifiquei se o Brasil teve ou não um desenvolvimento a sua moda. A exemplo do

capítulo anterior, utilizei autores que revisitaram a nossa história e verificaram novas

possibilidades de entendimento de nossa formação. A intenção foi compreender como se deu

o nosso modelo de desenvolvimento, por meio das questões social, política, cultural e

econômica que podem ter caracterizado o desenvolvimento à moda brasileira.

Finalmente, no quarto capítulo, com base nas descobertas do capítulo terceiro e de

todo os outros, o objetivo foi perceber como o processo de desenvolvimento brasileiro

influenciou ou foi influenciado pelo campo da educação. Utilizei para esta análise, os

Manifestos de personalidades e de coletividades que serviram de aporte para a compreensão

da conjuntura, em cada tempo histórico em que foram editados, já que traziam em seus

discursos, o cenário em que se inseriram, as lutas, controvérsias, conquistas e reivindicações.

Por meio dos manifestos, foi possível trazer os atores envolvidos como Estado, Capital

e Trabalho; foi possível também, verificar a ação política, os interesses e a ação pública. Foi

possível verificar, ainda, os instrumentos de gestão, como leis, decretos, conferências,

conselhos. Enfim, foi uma escolha que permitiu observar e trazer para o debate e por diversos

ângulos, uma mesma realidade. A intenção foi compreender qual a base de sustentação social,

política, cultural e econômica que pode ter caracterizado a política educacional brasileira.

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Importante ressaltar que a discussão feita neste capítulo sobre os Manifestos,

Constituições, Leis, Decretos e Governos não desconsiderou os possíveis avanços inscritos

nos diferentes documentos e processos, mas tão somente pretendeu mostrar como essa

dinâmica de participação não foi pautada pela ação pública (exceto nos períodos que são

destacados ao longo do capítulo) e a participação foi gerenciada pelo Estado, devido a

assimetria de poder entre os atores, principalmente, os trabalhadores. O foco central do Estado

no campo educativo, apesar dos discursos, não estava centrado, ao longo de nossa história,

nos processos educativos qualitativos da classe trabalhadora. Dessa forma, o destaque se deu

no momento em que esses poucos períodos de ação pública foram percebidos, independente

do ator ou período histórico.

Por fim, posso afirmar que realmente tivemos um desenvolvimento à moda brasileira.

Esse desenvolvimento, sofreu influências tanto externas quanto internas, foi edificado por

meio das lutas e contradições presentes em nossa sociedade. Do ponto de vista da educação, é

possível afirmar que essa se estruturou com base nas desigualdades e no dinheiro nas mãos de

poucos, bases advindas do processo de desenvolvimento e da ideologia da classe dominante,

desde os tempos coloniais. Esse percurso, permite afirmar também, que mais do que lutar pela

educação para diminuição das desigualdades, será preciso primeiro, elaborar estratégias para

desestruturá-la e depois edificá-la em outras bases. Assim, poderemos potencializar as

políticas públicas por meio da ação pública e da democracia radical.

A democracia radical6 para se institucionalizar precisa ser plural e levar em

consideração a diversidade das identidades que constituem múltiplos espaços de lutas que

precisam ser articulados em uma nova ordem hegemônica, baseada na solidariedade e sem

que nenhum movimento individual ou coletivo seja desconsiderado ou sobreposto em função

dos outros. Tem por objetivo central a expansão dos efeitos da revolução democrática como

também, considera a tensão entre autonomia e hegemonia em favor de um equilíbrio político

que vai ser constantemente renegociado entre os participantes. (LACLAU e MOUFFE, 2001)

Vislumbra à construção de um novo indivíduo diferente do construído pelos liberais

democratas e pelos socialistas clássicos. Propõe que a hegemonia passe a ser a ferramenta

fundamental para a análise das políticas, desde que não seja uma forma política baseada em

reivindicações dogmáticas de nenhuma essência do social, (o social tem caráter 6 Os autores não conceituam explicitamente democracia radical, mas no livro: Hegemonía y Estratégia socialista: hacia una radicalización de la democracia, é possível perceber o que e como estão propondo a democracia radical. Assim, optei por apontar os princípios norteadores da discussão e da proposta contida na obra.

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essencialmente incompleto e precário), “mas que encontre seu fundamento na contingência e

ambiguidade de toda essência, no caráter constitutivo da divisão social e do antagonismo”.

(LACLAU e MOUFFE, p. 239, 2001). Neste sentido, o processo de mudança necessária se

insere, no âmbito da política e do planejamento estratégico prospectivo7.

7 O conceito de planejamento estratégico prospectivo, parte da acepção de Godet (2000), quando afirma que a prospectiva é um instrumento que possibilita por meio da reflexão coletiva dos desafios futuros, a organização e estruturação das ações e objetivos estratégicos necessários para mudanças ou eliminação das ameaças em uma organização. Portanto, a prospectiva se refere ao processo de antecipação para as mudanças possíveis e desejáveis. A estratégia, por sua vez está ligada ao processo de preparação da ação, de elaboração e avaliação das opções estratégicas possíveis para uma organização se preparar e provocar as mudanças desejáveis. Por isso tomadas em conjunto: prospectiva e estratégia.

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CAPÍTULO 1 - APORTES TEÓRICOS E CAMINHOS

METODOLÓGICOS

São muitas as motivações de um pesquisador. Mas o fundamental é ter confiança na própria imaginação e saber usá-la. Essa confiança significa percepção de que se pode intuir uma realidade da qual se conhece apenas um aspecto, à semelhança do que faz um paleontólogo. O valor do trabalho do pesquisador traduz, portanto, a combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem para arriscar na busca do incerto (FURTADO, 1998, p. 10)

As escolhas que fazem os pesquisadores são partes fundantes do pensamento. Neste

capítulo, apresento as teorias, os conceitos e os atores que utilizo nesta pesquisa, como

também, a forma de tratamento metodológico das fontes. Na vida, escolhi como norte, pensar

sobre os problemas reais e concretos. Autores tais como (GRAMSCI, 1979); (FREIRE, 1996);

(FANON, 2008); (CAMUS, 2011); (ARENDT, 1972, 2010) construíram seus pensamentos a

partir de problemas reais do tempo em que viviam, e esta forma de pensamento permitiu-lhes

elaborar um novo modo de pensar, conectado com o movimento da história da sociedade e

dos desafios que cada época suscitava. É preciso salientar que quando se estuda a sociedade

com este modo de pensar, a ideia é colocar-se diante de problemas concretos da vida e

estabelecer a relação entre a teoria e a prática.

Sendo assim, A arquitetura do presente trabalho situa-se na temporalidade. Todo problema humano exige ser considerado a partir do tempo. Sendo ideal que o presente sempre sirva para construir o futuro. E esse futuro não é cósmico, é o do meu século, do meu país, da minha existência. De modo algum pretendo preparar o mundo que me sucederá. Pertenço irredutivelmente a minha época. É para ela que devo viver (FANON, 2008, p. 29).

É certo que os estudos acadêmicos são sempre precedidos por uma posição teórico-

metodológica estando à mesma descrita de forma clara ou não. Aqui seguirei os aportes8

teóricos da Dialética do Materialismo Histórico com os conceitos de classe social e

hegemonia; da Teoria Ator-Rede com os conceitos de tradução e mediador. No entanto, com o

decorrer da escrita e da leitura foram reconhecidos outros métodos, teorias, atores e categorias

que acabaram por influenciar a construção metodológica ao expor a forma de pensamento.

Então, sim! Eu chego à conclusão do que afirma Fanon: “Existe um ponto no trabalho em que

os métodos se dissolvem” (FANON, 2008, p. 29).

8 Utilizo a palavra aportes porque nenhum método será utilizado em sua completude. Juntos dão aportes para o estudo e revelam em sua multiplicidade, muitas possibilidades teóricas e metodológicas.

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E por que? Porque isso tem a ver tanto com a própria trajetória de vida, de formação e

de trabalho quanto com o que me deparei, particularmente, com o Programa de Pós-graduação

em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional – PPGDSCI, do Centro de

Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM, da Universidade de Brasília - UnB, que me

presenteou com um processo multidisciplinar e interdisciplinar que possibilitou continuar a

pensar com diversidade teórico-metodológica.

No dizer de Arendt, seria poder pensar sem corrimão. Em Foucault, seria o saber

pensar e o pensar saber por meio da arqueologia do saber. Toda essa forma de pensamento

muito me instiga. E gostaria de revelar minha posição ao admitir, como já indicado antes,

trabalhar com teorias e autores tanto clássicos como contemporâneos. Este foi o caminho

escolhido e neste capítulo apresento conceitos, teorias e métodos que fundamentaram e

permitiram o pensar e o fazer/dizer sobre a pesquisa realizada.

Segundo Arendt (1972), a educação deve cuidar das crianças que nascem no mundo e

apresentar os acontecimentos, a cultura, a arte, a ciência, da história mundial para que estes

seres possam conhecer tanto o passado quanto o presente, e possam no futuro tomar suas

próprias decisões sobre o mundo, em conjunto com a dinâmica social. Segundo Paro, para

tratarmos a educação de forma científica faz-se necessária a utilização de conceito rigoroso

que inclua a sua especificidade e sua condição. Em sentido ampliado, a educação consiste na

apropriação da cultura (PARO, 2010).

Entendo assim, que as ações educativas precisam valorizar a relação existente entre

educação e o processo de desenvolvimento da humanidade, e em cada sociedade, levando em

conta que o papel da escola seria propiciar aos alunos o conhecimento da verdade9, apoiada

pela ciência e as relações sociais de cada tempo histórico até a atualidade. A escola teria o

papel de levar, ainda, informações, valores, crenças, ciência, tecnologia, filosofia, direito,

costumes, ou seja, tudo o que foi produzido culturalmente pela humanidade.

Em seu texto A Crise da Educação, Arendt negou a ideia de que existia uma crise da

educação, e afirmou, que o que existia era uma crise geral na sociedade, e essa crise se refletia

em todos os campos, inclusive, na educação. De fato, acredito que quando existe uma crise

política e econômica ela tem reflexos em todos os campos sociais, especialmente, no campo

educativo. A autora destacou em seu texto, ainda, que houve diferença nas ações educativas

9 A verdade não é encarada aqui como algo absoluto, estático, mas permeada pelos processos históricos sociais, políticos e culturais.

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dos EUA em função da população ser formada por imigrantes, que em sua grande maioria não

falavam a língua local.

Tal observação é relevante, pois em comparação com a situação brasileira, a população

encontrada pelos portugueses no que depois se chamou de Brasil, também foi formada por

pessoas que em sua maioria não falavam a nossa língua, não conheciam os nossos costumes,

ou seja, a cultura existente. A população aqui encontrada, não era estruturada em classes e

vivia, a exemplo de outras sociedades primitivas, da distribuição coletiva da produção. Esses

produtos eram advindos da caça, da pesca, dos frutos e do cultivo de milho e de mandioca.

Portanto, a sociedade era baseada em um comunismo tribal (SAVIANI D. , 2008).

O autor afirmou que nos estudos de Florestan Fernandes sobre a sociedade

Tupinambá, as características das tribos indígenas no Brasil, no período do descobrimento,

correspondiam as descrições das sociedades primitivas realizadas por Aníbal Ponce. E assim, Coletividade pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de sangue, os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustavam suas vidas às resoluções de um conselho formado democraticamente por todos os adultos, homens e mulheres, da tribo (PONCE, 2001, p. 17).

No tocante a educação, Ponce afirmou que as tribos tinham uma concepção baseada

no domínio que tinham da natureza, e a organização econômica estava vinculada a esse

domínio. Em função de não haver graus sociais e nem hierarquias, partiam do princípio que a

natureza se organizava desse modo, e assim constituíram uma sociedade religiosa sem deuses.

Eram as forças difusas da natureza que preenchiam tudo o que existia, assim as influências

sociais se davam em toda a tribo. Daí derivava o ideal pedagógico desse período, em uma

sociedade onde todos ocupavam a mesma posição no processo de produção.

Então, era preciso que as crianças se ajustassem para construir um vir a ser. O dever

ser era construído pelo meio social e esse era o processo educativo. Com o idioma que aprendiam a falar, recebiam certa maneira de associar ou de idear; com as coisas que viam e com as vozes que escutavam, as crianças se impregnavam das ideias e dos sentimentos elaborados pelas gerações anteriores e submergiam de maneira irresistível numa ordem social que as influenciava e as moldava. (...) A sua consciência era um fragmento da consciência social, e se desenvolvia dentro dela. (...) O ideal pedagógico que o seu grupo considerava fundamental (...), o sentimento profundo de que não havia nada, mas absolutamente nada, superior aos interesses e às necessidades da tribo (PONCE, 2001, p. 21).

Portanto, os fins da educação eram estruturados a partir do mundo social em uma

sociedade sem classes, e se identificavam com os interesses comuns da tribo. Se realizava de

forma igualitária, de modo espontâneo (não existia nenhuma instituição destinada a ensinar-

lhe) e integral. Além dessas características gerais, no caso brasileiro, se poderá perceber com

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este estudo, algumas diferenças no processo de desenvolvimento e sua relação com os ideais

da educação ao longo do tempo.

Alio a toda essa discussão, o fato de que o início do desenvolvimento econômico,

político e social do Brasil está diretamente ligado: no campo econômico ao mercado de

compra e venda de escravos, no campo cultural à influência da língua e da cultura estrangeira.

Tais fatores estão refletidos no campo político nos modelos de Estado e no campo social,

dentre outros, nas ideias pedagógicas de educação. Portanto, torna-se relevante o processo

histórico da formação da sociedade brasileira, tanto externa como internamente a partir da

escravidão, como também, a história da educação em relação a estes processos.

Ressalto, que a influência externa se deu com maior força com o advento do

capitalismo e seu processo de desenvolvimento industrial. De acordo com Furtado, “a ciência

do desenvolvimento preocupa-se com dois processos (...) à técnica (...) e os valores”

(FURTADO, 1998, p. 47). A técnica se refere ao empenho humano de dotar-se de

instrumentos e de aumentar a capacidade de ação. Os valores se referem ao significado da

atividade humana com a qual se enriquece o patrimônio existencial.

O desenvolvimento industrial, em nível mundial, se deu diretamente relacionado ao

processo da Revolução Inglesa do século XVII, e essa dinâmica criou as condições

primordiais para o surgimento das máquinas no final do século XVIII. Tal processo inaugura a

era das revoluções burguesas, pois tal mecanismo mudou potencialmente as forças produtivas

e potencializou a revolução industrial. A Revolução Industrial foi o apogeu de um processo

secular, com suas raízes misturadas na crise do sistema feudal, que permitiu a consolidação do

modo de produção capitalista, e a instauração de um sistema econômico, social e político com

uma forma peculiar de Estado, o liberal com ideologia própria (OLIVEIRA C. A., 2003);

(FLORES, 2006); (POLANYI, 2012).

A educação foi vista pela burguesia10, após a Revoluções Francesa, como aquela que

teria a função de educar para o exercício da democracia. A democracia, tendo em vista ser o

governo do povo, e sendo a burguesia a classe revolucionária desse período, levou alguns de

seus adeptos a defender o papel da educação para transformar os súditos em cidadãos.

Entretanto, a formação cidadã para a democracia começou a entrar em conflito com os novos

interesses da classe que ascendeu, e a burguesia muda a sua visão de educação para uma visão

mais conservadora, a de reprodução social. 10A burguesia é aqui entendida como a classe dominante no modo de produção capitalista, que surge com o advento das revoluções burguesas na Europa. A Revolução Inglesa no século XVII e a Revolução Francesa no século XVIII.

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No processo evolutivo do desenvolvimento industrial, a educação passou a ser

encarada como a que teria condições de canalizar a capacidade criativa humana para a criação

das técnicas no sentido de abrir novos caminhos para a acumulação do capital. Para Furtado

(1988), tal fato explica a força expansiva da civilização industrial. É durante este processo de

difusão do desenvolvimento industrial baseado na técnica que se deu a divisão internacional

do trabalho, e que aumentou a exigência por força de trabalho qualificada. Assim, torna-se

relevante compreender essa dinâmica.

1.1 A EDUCAÇÃO E O CAPITAL

Importante salientar que, no bojo desse processo, é possível observar mudanças

substanciais, em quase toda a sociedade nos países capitalistas. Essas mudanças, foram

fundamentadas na visão do investimento para a modernização da economia e como fator de

lucro e acumulação de capital. No que tange a educação, surge a teoria liberal do capital

humano de Schultz (1973).

Em fins dos anos de 1940, o autor começou a buscar explicações sobre as capacidades

adquiridas pelos seres humanos, e verificou que estas capacidades eram fonte de ganhos de

produtividade. Observou, ainda, que se faziam poucos investimentos no desenvolvimento

dessas capacidades, e assim começou a se debruçar sobre as possibilidades de investimento na

educação e nas habilidades dos seres humanos, como alavanca da produtividade tanto para o

capital quanto para o trabalho.

Para este autor, ao não ter encontrado na literatura, em seus estudos sobre os modelos

de crescimento econômico o investimento na educação das pessoas como fator desse

crescimento, a teoria econômica não percebera as potencialidades desse movimento. Diante

de tal fato alcunhou o termo capital humano, visando à ampliação da visão tradicional da

economia e a visão da educação. Com essa nova visão, a noção de capital em relação a

educação muda e começa a ser incluída a formação humana para a produtividade do capital, e

foi assim que Schultz fundamentou sua teoria do capital humano (SCHULTZ, 1973). Essa

teoria tornou-se hegemônica, pois o autor a elaborou com base empírica, ou seja, percebeu o

valor econômico da educação. Talvez, tenha sido este o momento em que se estabeleceu com

maior intensidade a relação entre educação e economia, formação humana e acumulação de

capital.

No entanto, foi só a partir da década de 1960, a teoria do capital humano ganhou força

de explicação em sua dimensão prática. O autor, quando se referiu ao investimento no capital

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humano, o consolidou a partir do investimento na educação dos seres humanos como fonte de

produtividade e lucro. Tal fato baseou-se em alguns exemplos de desenvolvimento em que os

países, a partir de 1960, passaram a incentivar a formação tecnológica, e os que obtiveram

maior sucesso foram os que tinham sistemas articulados entre a educação básica, qualificação

profissional e sistema produtivo, como a Alemanha e o Japão (SALM e FOGAÇA, 1998)

De acordo com Flores (2006), as razões que levaram a preocupação com a educação

dos trabalhadores, estão ligadas a forte concorrência no cenário internacional, em que as

mercadorias mais vendidas passaram a ser as que tinham maior conteúdo tecnológico. As

inovações tecnológicas exigiram uma aproximação maior da educação com o mundo do

trabalho, pois a essa época o modelo fordista de produção entrara em crise. E assim, A partir das inovações na base técnica, principalmente a microeletrônica, e organizacional é que vai levar à preocupação com a educação do trabalhador. As possibilidades de intervenção são ampliadas, pois o novo processo de produção vai exigir um conjunto de competências do trabalhador até então desnecessárias. Esses requisitos exigem uma educação formal e uma qualificação profissional permanentes (FLORES, 2006, p. 18).

A partir daí foi estabelecida a defesa de que o investimento na capacidade humana

pode implicar no desenvolvimento na área econômica e na competitividade dos mais

diferentes países. E então, a visão liberal de educação, assim expressa: Nossos valores e nossas crenças nos inibem de olhar para os seres humanos como bens de capital, à exceção da escravatura, e abominamos esta realidade. (...) Tratar os seres humanos como riqueza que pode ser ampliada por investimento é um ato contrário a valores fundamente arraigados (...). Ao investirem em si mesmas, as pessoas podem ampliar o raio de escolha posto à disposição. Esta é uma das maneiras por que os homens livres podem aumentar o seu bem-estar (SCHULTZ, 1973, p. 33).

Fica expresso, portanto, que na visão liberal de educação, o aumento no investimento

no capital humano para além do desenvolvimento econômico, poderia aumentar os ganhos

produtivos do trabalhador, mas era o indivíduo o responsável pela sua formação. Nessa visão,

os ganhos seriam tanto econômicos quanto sociais, mas além de apontar que o esforço para o

trabalhador seria individual, os adeptos dessa concepção deixaram de lado as relações sociais.

Indo em outra direção, Frigotto (2001), em sua obra adverte, O conceito de capital humano, que a partir de uma visão reducionista busca erigir-se como um dos elementos explicativos do desenvolvimento e equidade social e como uma teoria de educação, segue, do ponto de vista da investigação, um caminho tortuoso. Percorrendo esse caminho depreende-se que o determinante (educação como fator de desenvolvimento e distribuição de renda) se transmuta em determinada (o fator econômico como elemento explicativo do acesso e permanência na escola, no rendimento escolar, etc.) Essa circularidade de análise, (...) decorre de sua função apologética da ótica de classe que representa (FRIGOTTO, 2001, p. 38).

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O autor demonstra que o caráter circular e classista da teoria do capital humano foi

derivado da concepção de seres humanos e de sociedade burguesas, que os adeptos dessa

teoria buscaram e ainda buscam veicular e legitimar. Neste processo, visam esconder as

relações de produção concretas no capitalismo. A questão essencial da necessidade de

circularidade na abordagem positivista da teoria do capital humano, é que o método fundante

e de análise do mundo real traduz, e ao mesmo tempo constitui-se como exaltadora da

concepção burguesa de seres humanos, de sociedade, de educação, de desenvolvimento, e das

relações sociais que se estabelecem para garantir a sobrevivência no modo de produção

capitalista. Ainda de acordo com Frigotto, a análise econômica da educação, na teoria do

capital humano fundamenta-se no método neoclássico da economia (FRIGOTTO, 2001)

Isso posto, é possível perceber que fundamentada nos pressupostos apologéticos de

enaltecimento da burguesia, a teoria manteve-se de forma circular. De acordo com o

pensamento de Frigotto (2001), ao invés de ser a teoria do capital humano uma ferramenta de

elevação da consciência do senso comum, a mesma implementou-se como uma forma de

preservar o que é mistificado a partir do senso comum. Portanto, a educação não apenas passa

conhecimentos para o mercado, mas particularmente articula e pode desarticular outros

conhecimentos para a prevalência dos interesses dominantes.

Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para

responder as exigências do capital. A educação se apresenta com um papel estratégico no

contexto neoliberal, com o foco central na formação do trabalhador para o processo de

produção. Dessa maneira, a educação dos trabalhadores poderia habilitá-los de forma técnica,

social e ideológica para o exercício do trabalho, porém centrado na visão burguesa de

educação.

Os pressupostos da teoria do capital humano concebem os investimentos no campo

educativo, como forma de retorno financeiro para o trabalho e para o capital. Nessa teoria, a

educação é fundamental tanto para criar quanto para aumentar o capital humano. É o processo

educativo que produzirá algumas atitudes e conhecimentos para preparar para o trabalho que

interessa ao capital.

Sob essa ótica, a educação é vista como um dos fatores determinantes do

desenvolvimento, como também, de distribuição de renda. No entanto, as questões

relacionadas às diferenças de classes (tema importante neste estudo) são deixadas de lado

(SÁNCHEZ-CRIADO, 2006). Sobre a lógica da classe dominante e com base na teoria do

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capital humano, e de acordo com Schultz (1973), quem não consegue fazer mobilidade social,

entre as classes, é porque não investiu o suficiente em sua própria educação. Na perspectiva

que aqui assumo, o processo educativo sob a ótica do capital humano, ao deixar de lado as

diferenças de classes existentes na sociedade e individualizar a responsabilidade do processo

educativo poderá ter potencializado a marginalização e as desigualdades sociais em países

como o Brasil.

Para além do investimento no capital humano como fator de desenvolvimento, o

processo industrial era visto, também, como fator de aumento do lucro e de acumulação de

capital. Em relação à acumulação do capital, Furtado (1998) observa resultados diferentes

desse processo no capitalismo. Nos países centrais11 a acumulação levou à escassez da força

de trabalho e criou as condições para emergirem pressões sociais que acabaram por resultar na

elevação dos salários reais e na homogeneização social e no bem-estar. Este mesmo

movimento nos países periféricos potencializou a marginalização, e pode ter aumentado a

desigualdade social, e reforçado e/ou substituído as estruturas tradicionais de dominação.

Segundo Hunt (2013), O desenvolvimento histórico das forças produtivas tem resultado em uma capacidade sempre crescente de as sociedades produzirem excedentes sociais cada vez maiores. Dentro dessa evolução histórica, cada sociedade tem sido dividida, de modo geral, em dois grupos separados. A maioria das pessoas, em cada sociedade, trabalha exaustivamente para produzir o necessário para sustentar e perpetuar o modo de produção, bem como o excedente social, enquanto uma pequena minoria se apropria desse excedente e o controla (HUNT, 2013, p. 64).

Tais considerações permitem passar para a discussão sobre classe social e hegemonia,

pois tais categorias, nessa discussão, são importantes elementos a se considerar.

1.2 CLASSE SOCIAL E HEGEMONIA

O capitalismo, como um modo de produção, foi fundado com base na divisão entre

duas classes fundamentais (embora sempre existiram outras classes nessa convivência), a do

capital - os proprietários dos meios de produção que em resumo detêm os meios de produção

e compram a força de trabalho, e a dos trabalhadores - que em resumo vendem sua força de

trabalho e lutam por seus direitos. A maioria dos trabalhadores não têm acesso direto aos

meios de produção ou de subsistência. É o produto dessa relação desigual que garante ao

capital o monopólio dos meios de produção, e faz com que os trabalhadores não tenham nada

11 Optou-se por manter a nomenclatura do autor: países centrais e países periféricos

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mais a fazer do que vender sua força de trabalho, e organizar-se para lutar contra essa

dinâmica e tentar mudar.

Observando, também, a divisão da sociedade em classes sociais e de acordo com as

ideias de Hunt (2013), é possível afirmar que a classe trabalhadora, apesar de ser a maioria,

vem perdendo historicamente o jogo. Portanto, em acordo com o pensar de Camus (2011), é

possível afirmar que a miséria vem ganhando da saciedade.

Diante do exposto, apresento o conceito de classe social. O conceito de classe social é aqui entendido no contexto da exploração do homem pelo próprio homem, ou melhor, classes sociais são grupos antagônicos em que o ser humano apropria-se do trabalho de outro ser humano, em função do lugar que ocupa na estrutura econômica de um determinado modo de produção (OLIVEIRA, 1995, p. 86).

O conceito acima é de onde parto para a discussão sobre classe social. Importante

destacar, que o fato de partir do conceito de classe social não o faço no sentido de considerar

ou de tratar os atores de forma homogênea, e nem os considerar ou tratar apenas pelo viés de

uma única disciplina, pensamento ou teoria. Muito pelo contrário, a ideia é buscar ampliar a

visão para tentar avançar, porque os atores em uma sociedade dividida em classes, e até

mesmo dentro de suas classes, são heterogêneos. A heterogeneidade é marca fundante nas

sociedades.

A ampliação da visão e do conceito de classe, acima descrito, foi percebida nos

estudos e pensamento de Gramsci (1979), com o conceito de hegemonia. De acordo com o

pensamento gramsciniano, hegemonia é o conjunto das funções de domínio e direção que é

exercido por uma classe social dominante, por certo período de tempo, sobre a outra classe

social. Mas, o autor vai mais além, pois vê que tal domínio pode ser exercido sobre todas as

classes existentes na sociedade. Nesse pensamento, a hegemonia é composta por duas

funções: de domínio e de direção intelectual e moral da sociedade.

Para Alves (2010) o conceito de hegemonia no autor seria o conceito da relação entre

estrutura e superestrutura. De acordo com a autora, A noção de hegemonia de Gramsci propõe uma nova relação entre estrutura e superestrutura e tenta se distanciar da determinação da primeira sobre a segunda, mostrando a centralidade das superestruturas na análise das sociedades avançadas. Nesse contexto, a sociedade civil adquire um papel central, bem como a ideologia, que aparece como constitutiva das relações sociais. Deste modo, uma possível tomada do poder e construção de um novo bloco histórico passa pela consideração da centralidade dessas categorias que, até então, eram ignoradas (ALVES, 2010, p. 71).

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A análise da questão da hegemonia não se deu de forma restrita, como se poderá

perceber, não se baseou na hegemonia econômica e política deste ou daquele país. Em que

pese ser de importância vital para compreendermos o mundo em que vivemos, não seria

suficiente para captar as estratégias e os interesses dos atores-rede aqui qualificados. A

tentativa foi de não partir da análise fragmentada das estratégias do capital, do Estado e do

trabalho, mas tomando-os de forma geral - mais ampla - e depois de forma local - mais

setorizada, mas sempre em relação e, por meio do ator-rede, dinheiro.

Vale ressaltar, mais uma vez, que o conceito de hegemonia gramsciniano está centrado

no ator que determina a direção tanto intelectual quanto moral da sociedade, que se infiltra

ideologicamente em todo o sistema social, com apoio cada vez maior da mídia. Nessa visão,

as mudanças possíveis em relação ao Estado, não se darão antes que se mude quem detém a

hegemonia.

Diante desse contexto, Gramsci percebeu a possibilidade de construção de uma

sociabilidade diferente, a possibilidade de transformação das condições de vida das classes

não dominantes, que passaria, consequentemente, pela construção de uma nova hegemonia.

Hegemonia, cujo processo de estruturação não ocorreria somente a partir do campo

econômico, mas também pelas ideias e valores existentes na sociedade, ou seja, pela

ideologia, pela educação, pela política e, também, pela cultura (GRAMSCI, 1979).

De acordo com Limoeiro Cardoso: Em Gramsci a hegemonia dá conta das relações travadas entre as classes sociais, especificamente fora do terreno da produção econômica. Permite trabalhar com os aspectos da direção cultural e política que envolvem as classes fundamentais da sociedade (LIMOEIRO CARDOSO, 1978, p. 74).

Portanto, discutir as determinações sociais e políticas do real significa trazer em cena

o debate sobre a cultura, que não deve ser compreendida como uma esfera autônoma na

organização dos processos sociais. A cultura faz parte da lógica interna que serve como

parâmetro aos discursos do capitalismo globalizado, mas também atua no processo de

mudanças dessa lógica. Então, ao debater os aspectos econômicos, políticos e sociais, levam-

se em conta, também, as questões ideológicas e culturais e a rede de atores, em cada tempo e

lugar a ser estudado.

Percebe-se, claramente, a ampliação do conceito marxista de classe social, pois o

conceito de hegemonia em Gramsci faz distinção entre os dois modos pelos quais ela se

expressa. Por um lado, o domínio e por outro, a direção intelectual e moral. Assim, uma classe

social domina quando elimina ou submete o grupo adversário e dirige quando consegue o

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consenso sobre o seu modo de pensar e agir no mundo. O domínio seria o acesso ao poder e o

uso da força, e a direção intelectual e moral se faz por meio da persuasão. Nessa última, a

adesão é promovida pela ideologia e esta é a própria função hegemônica, portanto a ideologia

é constitutiva das relações sociais.

Ideologia é aqui concebida na acepção de Chauí (1989), como forma específica do

imaginário social moderno, maneira pela qual os atores sociais representam para si o aparecer

social, econômico e político, de tal jeito que essa aparência, que não é sinônimo de ilusão ou

falsidade, tendo em vista ser a forma imediata e abstrata de manifestação do processo

histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real. Então, a ideologia nos ensina a conhecer

para agir.

Vale salientar, que no discurso ideológico as coisas parecem coincidir, a ideia é a

anulação da diferença entre o pensar, o dizer, o ser, e que acaba por engendrar uma forma

homogênea de identificação que unifique o pensamento, a linguagem e a realidade de todos os

sujeitos sociais com uma imagem única, particular e universal, a visão da classe dominante

(CHAUÍ, 1989).

Para melhor compreender a questão de classe social, faz-se relevante entender a

dinâmica da construção de uma classe social. Então, é importante apresentar a discussão de

classe em si e classe para si de Marx (2007). O autor afirmou que as condições econômicas na

grande indústria tinham transformado a massa da população em trabalhadores e, A dominação do capital criou para a classe trabalhadora uma situação comum, ou melhor, interesses comuns. Assim essa massa já é uma classe diante do capital, mas não o é para si mesma. Na luta, (...) essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que ela defende se tornam interesses de classe. Mas a luta de classe com classe é uma luta política (MARX. 2007, pág. 154).

Portanto, é possível perceber que as classes não nascem prontas, ou melhor, não

nascem completas, são mutáveis, e possuem uma consciência de si e para si. Porém, isso não

as deve eliminar enquanto classes sociais objetivamente existentes (como nos colocam

algumas teorias que negam a existência de classes) e potencialmente em desenvolvimento. Na

realidade pode valer pensar os processos de mudanças nessa temática, em especial, no tocante

aos conceitos de classe e hegemonia. Pensar em como encarar de maneira teórico e pratica

essas mudanças conceituais, é de fundamental relevância para a educação. Pois, as classes

possuem existência social, elas carregam um devir, um vir a ser possível e até mesmo

necessário, em razão da dinâmica estrutural do modo de produção capitalista.

Essa concepção da constituição das classes, permitiu verificar que esta temática da

classe em si e para si parece estar esquecida, e que é pertinente ao se discutir o conceito de

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classe, compreender mesmo que brevemente, como uma classe se constrói e como se constrói

a consciência de si de uma classe. Portanto, tomo como um alerta para tentar compreender as

questões atuais e as contradições das relações do capital, do trabalho e do Estado no Brasil.

Ao observar grupos, sindicatos, organizações de pessoas que compartilham condições

sociais e políticas de existência comuns, a relação entre os interesses específicos dos

trabalhadores, em contraposição aos interesses patronais e/ou estatais quando estão em um

jogo são diferentes. Possuem diferenças, porque a consciência de si e para si não se

desenvolve de igual modo dentro das diferentes classes sociais, diferentes países, tempos e

espaços. O jogo de interesses das classes, na dinâmica social e nas disputas e conflitos, pode

ser revelado ao se fixar a atenção no como ocorre a ação pública. Na ação cada ator age, e ao

agir influencia e é influenciado pelos demais participantes. Compreender os interesses dos

atores e as suas estratégias de garantia dos mesmos é de suma relevância.

1.3 INTERESSES E AÇÃO PÚBLICA

No bojo do debate das relações sociais de classe, compreender o que está envolvido no

jogo de interesses é a possibilidade que se abre para podermos perceber a rede de atores, e

entender as ações e as relações de poder estabelecidas no percurso. Entender também, como

os atores participam ou não do jogo de interesses é outra ação importante.

Nesse sentido, os diferentes interesses envolvidos no jogo social são bastante

relevantes em nosso estudo, pois, segundo Bourdieu (2007), é importante questionar sempre o

porquê de os agentes terem interesse em fazer o que fazem. Além disso, o autor ainda afirmou

que os agentes sociais não realizam atos gratuitos e, para melhor esclarecer este pensar,

substituiu o termo interesse por uma noção, segundo o autor, mais rigorosa, a de illusio -

palavra latina advinda do termo ludus (jogo), que significa estar no jogo, estar envolvido no

jogo, levar o jogo a sério. Portanto, (...) a palavra interesse teria precisamente o significado que atribuí a de illusio, isto é, dar importância a um jogo social, perceber que o que se passa aí é importante para os envolvidos, para os que estão nele. Interesse é "estar em", participar, admitir, portanto, que o jogo merece ser jogado e que os alvos engendrados no e pelo fato de jogar merecem ser perseguidos; é reconhecer o jogo e reconhecer os alvos (BOURDIEU, 2007, p. 139).

Diante do exposto percebi, mais uma vez, que os atores mesmo em constante campo

de disputa e com interesses de classe distintos, não existem de forma autônoma e separada

(um do outro) no jogo político, econômico e social e nos diferentes campos de ação. Por ser

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uma relação interdependente, nutrem-se, cooperam e confrontam-se mutuamente, são uma

totalidade na existência. Assim, a nossa intenção foi trabalhar esta relação entre estes atores,

agregando, também, os atores não humanos da teoria ator-rede (LATOUR, 2012). Desta

forma, se tentou achar pistas de suas contradições, suas ações, suas políticas e suas estratégias

no âmbito nacional. Se buscou, ainda, descobrir nos acontecimentos e na rede de atores suas

relações de poder e seus interesses.

Quando os participantes do jogo realizam determinada ação no sentido de resolver um

problema, desatar um nó, decidir o que, como e porque fazer algo no âmbito das políticas

públicas, a nossa experiência prática e teórica é de que quase sempre, o jogo político que

envolve muitos atores e dentre eles, o Estado, o Capital e o Trabalho, não favoreceu de igual

forma os atores da rede. Porque fica latente, a exemplo do estudo feito durante o mestrado,

que as informações, os interesses e as relações de poder na ação política, são na maioria das

vezes desiguais, dado que isso tem relação com quem detém a hegemonia, quem impõe sua

ideologia, e com a forma como se realiza a política e a ação públicas.

No entanto, vale lembrar que mesmo com todas essas dificuldades de ação, todos os

atores influenciam nos resultados. Portanto, com o tempo, as ações que visaram o

desenvolvimento do capitalismo incluíram a participação da sociedade civil organizada, nas

formulações das soluções para os problemas que afetavam e afetam a todos que vivem em

sociedade. As lutas, com vistas à democracia, implementadas pelos atores sociais no percurso

da história da humanidade, como as conhecidas revoluções inglesa e francesa, dentre outras,

acabaram por colocar na pauta do dia, a educação da população em geral, para a participação

social no âmbito das decisões e da gestão das políticas públicas.

As políticas públicas podem ser entendidas, segundo Lascoumes e Les Galès (2012),

como ações coletivas realizadas por uma autoridade pública (sozinha ou em parceria),

endereçadas as situações percebidas como problemas. Tais políticas participam da criação de

uma ordem social e política, da direção da sociedade, da regulação de suas tensões, da

integração dos grupos e da resolução de conflitos.

Saliente-se, nesse sentido, que no Brasil, os diferentes níveis verticais e horizontais de

governo, e os novos atores governamentais e não governamentais começaram a participar na

esfera da vida pública no final da década de 1980, com a Constituição de 1988. Tal fato,

potencializou a mudança na concepção tradicional de políticas públicas, e foi abrindo as

possibilidades de ampliação do conceito de políticas públicas (cujo ator central e quase

exclusivo é o Estado), para o conceito de ação pública. Essa nova concepção, operacionaliza a

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ação no tocante as políticas públicas com múltiplos atores, tem no Estado um ator importante,

mas não único. Portanto, O conceito de ação pública é aqui visto como o conjunto das interações que ocorrem nos múltiplos níveis da sociedade, e que retira a unicidade indiscutível do Estado na elaboração e realização das políticas públicas, mas sempre mantendo sua importância estratégica na condução desse processo (FREITAS e FEITOSA, 2017, p. 127).

Diante do exposto, fica o registro da necessidade de se criar, cada vez mais, na

estrutura estatal brasileira, instrumentos de ação participativa que permitam e fortaleçam a

ação pública, a democracia e o controle social, no tocante aos arranjos institucionais,

administrativos e jurídicos dos interesses envolvidos, sendo sempre provocado a atuar com

ações que estejam imbuídas no sentido de fortalecer a democracia (FREITAS et. al., 2015).

Instrumento de ação pública, tais como as instâncias participativas de decisão em

políticas públicas, na acepção de Lascoumes e Le Galès “constitui um dispositivo técnico e

social que visa organizar as relações sociais específicas entre o poder público e seus

destinatários em função de representações e de significados de que ele é portador”

(LASCOUMES e LE GALÉS, 2012, p. 200). Os autores consideram que a instrumentalização

pública trabalha com o conjunto de problemas apresentados pela escolha e uso de

instrumentos que permitem efetivar a ação governamental, por meio da participação dos

atores nas decisões, no âmbito das políticas públicas. Nessa perspectiva, entende-se que os

instrumentos de ação pública não são neutros. Na realidade, no entendimento dessa pesquisa,

em se tratando de política e educação, nada é neutro.

Sendo assim, ao propor a discussão da instrumentalização da ação pública para

compreender a realidade brasileira, considero que a dimensão política é fundante, pois opera

com a visão de que se inclua os atores envolvidos desde o início, mas principalmente, se

garanta que os atores consigam ter fala, decisão e ação concreta de planejar, desenhar,

implementar e avaliar as ações dos planos e programas junto com o Estado.

Nestes quatro elementos: planejar, desenhar, implementar e avaliar, acredito podermos

perceber como nos revelamos ideologicamente, uns aos outros, e construímos a política

pública brasileira, em especial, a política de educação e nossa visão de mundo. Além disso, se

poderá estabelecer relação política de respeito com o senso comum e com a sociedade civil.

Tudo isso por meio da viabilização da participação dos atores, que no Brasil passou a ocorrer

com maior intensidade no final da década de 1980, e por isso é relevante compreender a

relação entre ação pública e a política de educação no caso brasileiro, a partir dessa década.

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Atualmente, o entendimento sobre política tem diferentes enfoques e tanto o Estado

quanto o capital e o trabalho foram tornando-se atores relevantes e distintos na formulação,

implementação e avaliação das políticas. Política é aqui entendida como a atividade que se

exercita, portanto como ação humana e, segundo Généreux (1999) é o resultado das escolhas

coletivas e das estratégias de poder, e que para esta pesquisa envolve entender como

influencia, também, a ação dos não humanos.

Relevante frisar que para o autor precisamos pensar não sobre o horror econômico,

mas sobre o horror político. Destaca que pobreza, desemprego, desigualdade social não fazem

parte das leis da economia (sem desconsiderar sua importância), constam das leis dos homens.

Afirma que a vocação da política é, precisamente, redefinir as leis dos homens em função das

escolhas coletivas que saem do debate democrático entre os atores que vivem em sociedade,

portanto da ação pública e política. A marginalização e a desigualdade social, por exemplo,

são fenômenos anteriores ao capitalismo, à globalização e aos mercados financeiros

(GÉNÉREUX, 1999). Sendo assim, a política é quem deveria tomar a frente.

No entanto, é preciso compreender as mudanças que ocorrem nas regras do jogo de

interesses político, econômico e social que permitiram, durante o recente governo da esquerda

no Brasil, o investimento nas políticas públicas de educação e na ação pública.

Ø No âmbito econômico em sua relação com a educação, a ampliação na distribuição de

renda, por meio de programas sociais como Bolsa Família (BF) e o Benefício da

Prestação Continuada (BPC), ambos com exigência de frequência escolar;

Ø No âmbito da gestão democrática na educação, a ampliação dos espaços de fala, por

meio da criação de fóruns, tais como o Fórum Nacional de Educação (FNE), os Fóruns

Estaduais de Educação (FED) e os Fóruns Municipais de Educação (FME) para a

construção das políticas públicas da educação.

Todas essas ações políticas realizadas e instrumentos de gestão criados, dentre outros,

visaram à diminuição das desigualdades e a construção da ação pública, que poderiam

potencializar a inovação democrática no tocante a gestão das políticas públicas da educação.

Porém, desde 2016, vem sofrendo mudanças que estão indo na contramão da ação pública e

enfraquecendo os instrumentos de gestão participativos no campo da educação.

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Importante considerar ainda, que os espaços participativos criados se encontram,

atualmente, ameaçados pelo que se chamou de “Golpe Brando12” (VOLLENWEIDER,

FLAX, e ROMANO, 2016). No golpe brando, a derrubada do governo pode ocorrer sem o

uso da violência física ou militar e apresenta falso aspecto de legalidade. O golpe brando

trata-se de uma trama que tem por objetivo derrubar um governante ou manter-se no poder

por meio do uso parcial da legislação, sendo dada uma aparência de legalidade e respeito à

Constituição. No caso brasileiro é possível depreender que este recurso, ao ser utilizado,

retirou da pauta governamental a ação pública, como também, a participação política da

comunidade escolar e dos movimentos sociais organizados, dos espaços anteriormente

construídos. Tal afirmação poderá ser percebida durante a discussão do quarto capítulo.

Portanto, o Brasil na situação atual rema contra a maré da ação pública e da inovação

democrática no âmbito educativo. Isso pode ter a ver com o modo de desenvolvimento

brasileiro, como também, com as deficiências na ação pública e a fragilidade dos

instrumentos de gestão democrática. Em outras palavras, tem a ver com o modelo de

participação da sociedade civil no processo de construção das políticas públicas, com as elites

econômicas e com as Oligarquias, e nesse diapasão, tem a ver com a política.

Nesta conjuntura, é possível vislumbrar ao menos dois possíveis cenários: ou o

abandono puro e simples das regras democráticas recentemente construídas; ou o

tensionamento das regras do antigo jogo (da elite) para mudá-lo e construir um novo modelo

de Estado e sociedade. Salientamos que, ao longo dos séculos, os interesses da política, da

economia e da sociedade foram se modificando e os atores também. Portanto, para este

estudo, o que interessou foi perceber o jogo de interesses político, econômico e ideológico

exercido na ação entre os atores, que ao longo do tempo garantiu vantagens para um deles, e

que também articulou as relações materiais com as relações ideológicas.

De acordo com Coutinho (2011), é na esfera político-ideológica, ou seja, no campo

das superestruturas, que se travará a batalha decisiva entre as classes. O golpe brando no

Brasil, é um reflexo de sua forma político ideológica atual, e tem a ver com a hegemonia em

12 El politólogo estadounidense Gene Sharp argumenta sobre la posibilidad de implementar estrategias de “acción no violenta” en las que no se necesita la fuerza bruta para hacerse con el poder. Esto se debe a que “la naturaleza de la guerra en el siglo XXI ha cambiado (...) Nosotros combatimos con armas psicológicas, sociales, económicas y políticas”. Esta concepción se asocia a las nociones de poder blando y poder inteligente desplegadas durante los gobiernos de Obama. Uno de sus ideólogos, Joseph Nye, entiende al poder blando como la capacidad de recurrir a otros medios diferentes a los militares para lograr los objetivos de política exterior a través de la “atracción” en lugar de la coerción. http://www.celag.org/golpes-siglo-xxi-nuevas-estrategias-para-viejos-propositos-los-casos-de-honduras-paraguay-brasil-por-sabrina-flax-silvina-romano-y-camila-vollenweider/

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nível mundial e com as contradições existentes entre os diversos atores no modo de produção

capitalista.

A polarização secular entre capital e trabalho no modo de produção capitalista, que

poderá ser observada ao longo deste estudo, colocou em campos de disputas, os interesses de

empresários e trabalhadores, e o Estado apareceu como um possível regulador desta relação.

Portanto, um dos papéis do Estado seria minimizar os impactos negativos das estratégias do

modo de produção capitalista sobre toda a sociedade, porém, sem alterar a sua meta

estruturante, a saber, o lucro do capital, residindo aí a sua contradição. A questão de fundo é

saber como o capital manteve a hegemonia no jogo no jogo de interesses e colocou o Estado a

seu serviço. Dessa forma, para captar respostas as questões desta pesquisa, os aportes

escolhidos foram o da perspectiva Dialética e da Teoria-Ator-Rede – TAR.

1.4 APORTES DA DIALÉTICA DO MATERIALISMO HISTÓRICO

Embora não haja nas obras de Marx a preocupação específica de definir uma ciência

do social, com métodos e conceitos bem delimitados, o alcance da análise dialética proposta

por ele, com o materialismo histórico, permitiu perceber a construção do conhecimento e a

relação que sua teoria estabeleceu entre sujeito e objeto, teoria e prática. Neste estudo, a

escolha se deu por utilizar, a luz dessa teoria, as categorias: classe social e hegemonia.

Na acepção materialista histórica a construção do conhecimento é produto histórico,

mutável e transitório. A análise, nesta escolha, parte da totalidade concreta de toda e qualquer

compreensão que se realiza. Nesta totalidade concreta, que se apresenta quase sempre de

forma opaca para o pesquisador, é que se pode vislumbrar o desenvolvimento de pesquisas

sobre um tema específico, com a clareza que o especifico está vinculado ao geral. Só se

compreende o primeiro se se compreender o segundo.

Segundo Cury, o uso da noção de totalidade pode ser justificado enquanto não se

“busca apenas uma compreensão particular do real, mas pretende uma visão que seja capaz de

conectar dialeticamente um processo particular com outros processos” (CURY, 1986, p. 27).

Ao trabalhar com as categorias escolhidas e a totalidade para entender o campo educativo, é

porque se concebe a educação, neste estudo, como parte das relações sociais. Conhecer as

bases estruturantes do campo educativo brasileiro em sua relação com o desenvolvimento, no

modo de produção capitalista, é possível quando se considera a produção do conhecimento, a

partir da realidade concreta e com suas contradições.

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A produção do conhecimento pode ser vista, na acepção de Florestan Fernandes

(1980), como abstração altamente elaborada, mas não como uma elaboração de ideias, pois o

que se visa é o concreto pensado, a realidade. Assim, de acordo com esse pensador brasileiro,

o ideal é a transformação e a transposição que passa o material ao ser pensado e processado

pelo cérebro. Observe-se, que a força da abstração em Marx e no materialismo segundo

Lefebvre, não é algo puramente lógico do movimento em geral, Marx, (…) affirme que l´idée générale, la method, ne dispense pas de saisir en lui-même chaque objet; elle fournit simplement un guide, un cadre general, une orientation pour la raison dans la connaissance de chaque réalité. Dans chaque réalité, il faut saisir ses contradictions propres, son movement propre (interne), sa qualité et ses transformations (LEFEBVRE, 2012, p. 29).

Essa maneira de pensar a realidade social é que deu surgimento ao materialismo

histórico dialético. É materialismo, por tomar a realidade concreta como objeto de seu estudo;

histórico porque a realidade concreta é produzida, mutável, transitória; e dialético, porque

compreende a realidade concreta em seu movimento, com suas contradições e conflitos

inerentes. Na concepção do materialismo histórico a relação sujeito e objeto não é somente

científica, mas também política e social.

Nesse aporte teórico, como já dito, os estudos partem da totalidade concreta, das

contradições e de sua manifestação empírica como algo que existe independente da vontade

do pesquisador, mas que pode e muitas vezes precisa ser modificado. Portanto, não existe

neutralidade dos pesquisadores, e os mesmos nesta concepção não conseguem afirmar que se

mantêm distantes de seu objeto de estudo. Porque pesquisar e descrever são atos políticos

representados por meio do discurso.

Se o conhecimento é formulado com base na relação entre teoria (conhecimento

científico) e práxis (prática social), esta neutralidade desaparece (FREIRE, 1996). Para o

materialismo histórico, no que toca ao conhecimento o sujeito é constitutivo do objeto e o

objeto é constitutivo do sujeito. Essa uma das grandes contribuições da visão materialista.

Entretanto, embora se constituam juntos, sujeito e objeto não se confundem, na realidade

agem e influenciam na ação, portanto, podem ser considerados, também, da perspectiva de

atores rede.

1.5 APORTES DA TEORIA ATOR-REDE

Nesta pesquisa, outra opção escolhida foi pela abordagem da Teoria Ator-Rede (TAR)

que, de acordo com Latour, pode ser conceituada como a “sociologia da tradução” (LATOUR,

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2012, p. 156). O que é um ator-rede? “Um ator-rede consiste naquilo que é induzido a agir por

uma vasta rede, em forma de estrela, de mediadores que entram e saem. Suas muitas conexões

lhe dão a existência: primeiro os vínculos, depois os atores” (LATOUR, 2012, p. 312). Sem

esquecer nessa jornada, que o ator-rede não age sozinho, pois para o autor, “o ator é um alvo

móvel de um amplo conjunto de entidades que enxameiam em sua direção” (LATOUR, 2012,

p. 75). Na teoria ator-rede, o ator é definido a partir do papel que desempenha, ou seja, a partir

dos efeitos que provoca na rede.

Importante ressalvar que o termo ator é utilizado para referir-se aos atores tanto

humanos quanto não-humanos. Portanto, pessoas, instituições, coisas, objetos, animais,

podem ser atores. Segundo Daroit, Humanos e não-humanos não correspondem a simples nomenclaturas, são conceitos que buscam abandonar a dicotomia sujeito/objeto que socializa a natureza e naturaliza a sociedade. Estes atores expressam seus interesses através dos textos (inscrições, instrumentos, artigos) que auxiliam na mobilização de aliados (...) (DAROIT, 2007, p. 31).

A escolha da Teoria Ator-Rede (TAR) foi motivada, ainda, por sua ênfase na busca de

padrões, pois segundo o autor, “permite rastrear relações mais sólidas e descobrir padrões

mais reveladores quando se acha um meio de registro dos vínculos entre quadros de

referências instáveis e mutáveis, em vez de tentar estabilizar um deles”, (LATOUR, 2012, p.

45) e tal ação é possível por meio das conexões entre os atores e o surgimento dos conflitos

sociais.

De acordo com o pensamento de Callon, Laucoumes e Barthe (2001), a sociologia dos

movimentos sociais tem demonstrado a facilidade com que os conflitos sociais poderiam ser

classificados como um comportamento patológico. Tal comportamento pode ser explicado

quer pela irracionalidade dos que se mobilizam, ou pela falta de jeito dos jogadores

dominantes. Para esses autores: Les controverses sócio-techniques n`échappent pas à la régle. Elles sont fréquemment perçues comme la conséquence d´un déficit de communication et d`information: le savant ou le politique n`ont pas voulu (ou ils n`ont pas réussi à) se faire comprendre du citoyen ordinaire. Au mieux, elles seraient une perte de temp dont on aurait pu faire l`économie, au pire elles seraient la conséquence difficilement évitable de l`état d`arriération intellectuelle d´un peuple qui besoin d`être guidé en permanence (CALLON, LASCOUMES e BARTHE, 2001, p. 49).

A posição que os autores tomaram se destaca entre essas duas concepções. Eles

consideram que as controvérsias/conflitos são um enriquecimento da democracia. E ainda

afirmam que a experiência acadêmica como vontade política, quando toma a forma de um

discurso autoritário, não consegue responder às perguntas dos cidadãos interessados

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(CALLON, LASCOUMES e BARTHE, 2001). Entretanto, nesta concepção, controvérsias

não são apenas uma forma conveniente para compartilhar informações, porque não se

reduzem a meras batalhas de ideias.

Assim, a teoria é capaz de reconhecer os problemas, os porta-vozes, durante o

processo de formação dos grupos, como também revela a dinâmica da trajetória da rede.

Proporcionando a possibilidade de descrever os atores13 humanos e não humanos, como

também explicar suas ações.

Para Latour (2012, p. 152), “explicar não é um feito cognitivo misterioso, mas um

empreendimento de construção de um mundo prático que consiste em ligar entidades a outras

entidades”, ou seja, traçar uma rede. Para Valadão e Andrade, Rede pode ser definida como os traços inscritos pelas conexões de cada ator, considerando que cada ator deixa incerta sua atuação na continuidade de suas conexões e “pode a qualquer momento redefinir suas identidades e relações mútuas e atrair novos elementos para a rede”. (...) O Ator-Rede, ao inter-relacionar atores e suas conexões, é, simultaneamente, “um ator cuja atividade consiste em entrelaçar elementos heterogêneos e uma rede que é capaz de redefinir e transformar aquilo que já está realizado”. Todo ator, para a TAR, é intrinsecamente qualificado pelas conexões que ele forma e é por elas formado. Assim, ele é ator e rede, simultaneamente, pois possui (...) a agência, ou seja, ele pode influenciar e ser influenciado (VALADÃO e ANDRADE, 2016, p. 129 e 130).

Portanto, a TAR é um campo fértil, em que, ao analisar os conflitos e conexões, pode-

se tentar revelar os interesses, as preocupações mais relevantes, as questões implícitas dos

vários atores envolvidos, as contradições e a rede. Configura-se como uma ferramenta para

estudar as relações sociais, pois nos permite identificar as deficiências das partes envolvidas;

a falta de informações; a inexistência de canais para encaminhamento das discussões e para

conhecer os conflitos.

Em Jamais Fomos Modernos, Latour (2013), nos aponta que precisamos romper o nó

Górdio: a separação entre o conhecimento das coisas (à esquerda) e o interesse, o poder e a

política dos homens (à direita). Tal ação, separa os conhecimentos exatos do exercício do

poder. Após este rompimento, é preciso então reatar o nó Górdio, ou melhor, descrever a

trama (a rede), onde quer que ela nos leve. O meio de transporte é a noção de tradução e rede.

Segundo Law e Hetherington (2011) “tradução” é um verbo que implica transformação e a

possibilidade de equivalência, a possibilidade que uma coisa, por exemplo, um ator humano

ou não-humano, possa representar outra, por exemplo, uma rede. Como já indicado

anteriormente, o ator-rede traduz e transporta interesses.

13 Todas as vezes que falamos ator/atores estamos trabalhando com a ideia estruturada pela TAR.

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Nessa linha, é importante frisar que as estratégias dos atores envolvidos no jogo

político e social, como já citado, não desconfiguram a interdependência entre os mesmos no

tocante a questão do desenvolvimento e da educação. O fato de tentar captar na rede de atores

envolvidos no processo de desenvolvimento e na educação, suas traduções e contradições, nos

instala no campo das incertezas quanto à natureza dos grupos, de suas ações e estratégias.

Tal situação causou certo receio quanto ao que se iria encontrar, mas também certo

sentimento de liberdade e prazer na caminhada multidisciplinar e teórico-metodológica que

possibilitou a análise do estudo com os aportes teóricos já citados. O essencial do trabalho

centrou-se na análise dos acontecimentos, das descobertas, das revelações dentro da rede de

atores e de acordo com o pensamento de Foucault (1996), das formas sistemáticas que

religam discursos, instituições e práticas, ou melhor, revelam os saberes.

Assim sendo, a noção de tradução e rede está de acordo com o que afirma Latour, O nosso meio de transporte é a noção de tradução e rede. Mais flexível que a noção de sistema, mais histórica que a de estrutura, mais empírica que a de complexidade, a rede é o fio de Ariadne destas histórias confusas (LATOUR, 2013, p. 09).

Então, o conceito de tradução do autor é visto no sentido da necessidade de: “aprender

a transformar o que habitualmente serve de explicação naquilo, que ao contrário, deve ser

explicado” (Latour, 2016, p. 17). De acordo com o autor “é preciso resgatar a famosa frase de

Marx: “Os cientistas sociais transformaram o mundo de várias maneiras. Mas o que se devem

fazer é interpretá-lo” (Latour, 2016, p. 69).

Observa-se, portanto, que o autor nos convida a sair de padrões e formas determinadas

de olhar o mundo, as técnicas científicas e a sociedade com a TAR. Nesta acepção, a ideia é

seguir os traços deixados ao longo da ação e do tempo, sem amarras, categorias e atores

macros ou micros a priori. Em minha visão, podemos seguir a caminhada sem rejeitar ou

refutar os atores já existentes e/ou rapidamente identificados.

Pode-se ir descobrindo os atores e deixá-los seguir se expressando ao longo do

caminho, ou seja, inverter ou mudar a forma de analisar, e foi aqui o caso. Parti dos conceitos

advindos de uma exploração inicial, tais como hegemonia, ideologia, classe social, rede,

política, educação, ação pública, mediador, estratégia, desenvolvimento, modo de produção,

ator-rede, tradução e busquei traçar o fio que poderia ir revelando as descobertas.

Propõe ainda, que atores considerados intermediários, Tornem-se mediadores, ou seja, atores dotados da capacidade de traduzir aquilo que eles transportam, de redefini-lo, desdobrá-lo, e também de traí-lo. Os servos tornam-se cidadãos livres. (...) A partir do momento em que partimos no meio, em que invertemos as setas da explicação, que tomamos a essência acumulada nas duas extremidades para redistribuí-la pelo conjunto dos intermediários, que elevamos

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estes últimos a dignidade de mediadores de fato, então a história torna-se realmente possível (LATOUR, 2013, p. 80).

Importante registrar que, o autor percebe diferenças entre intermediários e mediadores.

Um intermediário funciona como uma unidade que transporta significado, interesses sem

transformá-los, tendo em vista que ao se definir o que entra já define o que sai. Já os

mediadores, Não podem ser contados como apenas um, eles podem valer por um, por nenhuma, por várias ou uma infinidade. O que entra neles nunca define o que sai (...). Os mediadores transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos que supostamente veiculam (LATOUR, 2013, p. 65).

Portanto, podemos inverter as formas de fazer e buscar os mediadores seguindo os

traços e sem nos limitarmos metodologicamente, mas mantendo a capacidade de explicação

histórica, econômica, social e política de nossa constituição de sociedade, vista aqui na

concepção de Latour (2012), como associação. Então, uma ciência com conhecimentos

fechados e previsíveis não cabem nestes tipos de escolha.

Utilizando diferentes pensadores de diferentes disciplinas em diferentes tempos, a

ideia foi captar no processo de desenvolvimento da vida em sociedade, por meio dos atores e

acontecimentos, as políticas e estratégias, no modo de produção e nos modelos de reprodução

da sociedade. Captar, ainda, como foi sendo exercida, ao longo do tempo, a hegemonia entre

os atores. Como também, perceber as ações econômicas, políticas e sociais no processo de

desenvolvimento internacional para posteriormente compreender sob essa ótica, as conexões

com o processo brasileiro e tentar perceber se tivemos ou não um desenvolvimento a nossa

moda, e em quais bases foi estruturada a política pública de educação.

No tocante ao percurso para esse entendimento, os estudos feitos nos levaram a

compreender que o ator-rede dinheiro seria quem nos ajudaria a manter plana a explicação ao

longo da pesquisa. E assim, passo a descrever como se deu tal construção.

1.6 O ATOR-REDE DINHEIRO: DE INTERMEDIÁRIO A MEDIADOR

No primeiro momento, e considerando que o desenvolvimento é histórico e mutável

me coloquei a examinar, perguntar, pensar sobre meu objeto e as possibilidades de conexões,

antes de passar às leituras e conceitos sobre o que era desenvolvimento e sua relação com a

educação. Considerando a experiência, anterior, com a temática no campo da economia, da

educação, da sociologia e da história, sabia que o conceito se fazia presente nessas áreas.

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A concepção de desenvolvimento foi base de estruturação de diferentes teorias da

mudança. Para além disso, incentivou práticas e intervenções. Portanto, é um dos conceitos

que pode ser considerado Inter e multidisciplinar, e capaz de estabelecer diálogos diversos

entre a teoria e a prática. Esse conceito, ao longo da história humana e das ciências sociais

possui muitas versões, e a sua concepção e aplicação tornou-se cada vez mais complexa.

Essa diversidade e complexidade conceitual do desenvolvimento nas múltiplas

disciplinas enriqueceram as diferentes linhas teóricas e práticas. Porém, ao mesmo tempo,

aumentaram os desafios no que tange a sua utilização, principalmente, em estudos

multidisciplinares. Portanto, é um conceito bastante polêmico, todavia, capaz de alimentar

novas formulações.

Então veio a primeira decisão, eu não iria partir de nenhum conceito de

desenvolvimento, eu iria estudar o processo do mesmo para poder seguir tomando algumas

decisões e encontrar o ator-rede que seria o fio condutor do processo. Li alguns autores e reli

outros, tais como: (POLANYI, 2012), (FURTADO, 1977); (HOBSBAWM, 1988);

(HOBSBAWN, 1995); (HUNT, 2013); (PRADO Jr, 2011); (WOOD, 2001); (FRAGOSO,

1998); (WALLERSTEIN, 2002); (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993)(ARRIGHI, 2008);

(ARRIGHI, 1996); (IANNI, 1997) e (OLIVEIRA C. A., 1998), e decidi começar a escrita de

meu trabalho a partir das anotações sobre a constituição do mercado, sobre as inovações no

modo de produção capitalista, pois é o modo de produção que vivemos na atualidade.

Nas leituras iniciais, para começar a escrita, percebi a recorrência de alguns termos

que os diferentes autores utilizavam, termos como troca, valor, lucro, preço, mercadoria, terra,

trabalho, dinheiro, mercado, investimento, acumulação financeira, classe social, comércio,

escravo, capital, guerra, política, consumo, ideologia, poder, alimentos, conhecimento,

informação, hegemonia, ciclos, economia. Percebi essa mesma recorrência nas leituras diárias

de jornais, entrevistas, blogs, twitter, séries de TV, fui anotando e destacando tudo isso. A

minha intuição, era que talvez fosse possível traçar as conexões do processo de

desenvolvimento, e constituir a rede de atores se conseguisse ir traduzindo os eventos, os

acontecimentos, e os efeitos dos mesmos ao longo do tempo. Então, seria pertinente encontrar

os atores-rede que pudessem fazer a mediação. Mas, como? Qual?

Resolvi começar a escrita da tese por meio da descrição da (trans) formação do

mercado. Fiz reflexões sobre os livros, os artigos, jornais; sobre as visitas a blogs, sites, séries

de TV, ouvir entrevistas, e, também, lembrando sempre a pergunta inicial e guia de

pensamento na vida inscrita no início deste estudo: Como e porque fazemos do jeito que

fazemos o nosso viver?

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Essa forma de agir permitiu começar a destacar que os atores-rede não humanos,

mercadoria, lucro, valor, inovação, troca, investimento, mercado, comprar, vender, preço,

poder, renda, acumulação, capital, terra, trabalho e dinheiro influenciaram e ainda influenciam

os humanos, seja de forma coletiva ou individual, seja no campo político, econômico ou

social. E isso foi sendo percebido e fortalecido ao longo das leituras sobre a história do

processo de desenvolvimento da sociedade. Mas, era preciso fazer mais observações e buscas

para saber se estes atores poderiam ser capazes de realizar a jornada, se era possível

identificar algo que pudesse tornar plana a caminhada.

Ficou patente nas leituras dos autores que nos contam e recontam as histórias a partir

da idade média, e dos séculos XVIII e XIX, principalmente, após o advento da revolução

industrial e do capitalismo, que o dinheiro e suas mais diferentes traduções, seria o ator que

talvez pudesse dar conta da tarefa proposta neste trabalho, mas na atualidade, seria possível?

Sim! Essa é a resposta que encontrei nos textos da atualidade.

Assim, pude perceber que com o ator-rede dinheiro e suas traduções poderia ter a

possibilidade de tentar rastrear em um caminho plano, por meio das traduções e contradições,

as tortuosas fronteiras do desenvolvimento e da educação no mundo capitalista e, com foco,

no Brasil. O ator dinheiro surgiu de forma patente com o decorrer dos estudos que foram

sendo realizados com os autores e demais instrumentos escolhidos. O ator-rede não humano

dinheiro acabou por estar presente durante toda a discussão sobre desenvolvimento e a

educação, em que me coloquei a observar as questões pertinentes ao desenvolvimento das

sociedades, a partir da idade média. Então, este ator-rede revelou-se de extrema importância e

foi elevado à categoria de mediador. Á vista disso, percebi que seria relevante saber, um

pouco mais, sobre a história do dinheiro.

Em sua obra, O dinheiro e a idade média, Le Goff pesquisou o papel desse ator. O

autor, apresentou questão relevante sobre a relação entre a religião, o empréstimo e o

dinheiro. Ao pontuar a discussão sobre empréstimo com juros (o que a Igreja chamava de

usura), o autor viu uma contradição na posição da Igreja, pois ao mesmo tempo em que

condenava o usurário, ao se deparar com a presença cada vez mais frequente do dinheiro

começa a se utilizar do mecanismo da indulgência. Portanto, a presença do dinheiro motivou

o debate na Igreja e impulsionou a elaboração de sínteses e súmulas, em que o dinheiro teve

lugar de destaque. Isso ocorreu nas ordens que surgiram nas cidades, em especial, as ordens

mendicantes, dos franciscanos e dos dominicanos (LE GOFF, 2014).

Como dito anteriormente, os mediadores são atores capacitados para traduzir aquilo

que transportam. Durante o processo de descrição da constituição da economia de mercado e

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depois do mercado capitalista, como também, de outros modos de produção pudemos

identificar que o dinheiro, em alguns períodos, teve apenas um papel intermediário nas

relações comerciais de mercado.

Com o tempo acabou por se transformar em mediador, exatamente no momento em

que todos os esforços se deram em função do lucro comercial e posteriormente do lucro do

capital. O momento que permitiu elevar, do ponto de vista desta pesquisa, o dinheiro à

categoria de mediador foi quando terra, trabalho e dinheiro foram tratados como mercadorias

(dinheiro). Tal acontecimento apontou, que os seus valores deixaram de ser pelo uso e

passaram a ser determinados pelo preço e valor equivalente, e assim entra em cena o sistema

capitalista.

Tal mediação passa a fazer parte em todo o tecido da sociedade, ou seja, econômico,

político e social. Tornando-se, assim, o nosso meio de transporte durante os períodos

estudados. No decorrer da leitura deste trabalho isso poderá ser percebido. Chegamos a essa

conclusão em relação ao dinheiro, porque, de acordo com Latour, “Frente a um objeto,

atentem primeiro para as associações de que ele é feito e só depois examinem como ele

renovou o repertório de laços sociais” (LATOUR, 2012, p. 334).

O objeto de estudo nesta tese, como já anunciado, foi o processo de desenvolvimento

brasileiro e suas relações com as bases que estruturaram a educação no Brasil. Portanto,

partiu-se das questões econômicas, políticas e sociais, discutindo e apresentando o processo

de transformação do mercado e do comércio, como também, os sentidos do consumo, da

escravidão e da guerra, com a mediação do ator dinheiro. Sendo importante salientar, que

tanto o consumo quanto a escravidão e a guerra têm parte fundamental na lógica do

desenvolvimento capitalista, voltado para o lucro financeiro.

De acordo com Le Goff, o que custou mais caro à Idade Média foi a política da guerra.

A guerra foi mais econômica no tocante a mercadoria ser humano, porque a importância

crescente do dinheiro revelou ser mais vantajoso fazer prisioneiros e obter um resgaste, do

que matar o inimigo (LE GOFF, 2014). Então, quando os próprios seres humanos se tornaram

passíveis de troca por dinheiro, foi possível perceber e traduzir os processos criados e

recriados historicamente que nos permitem novas formas de interpretação histórica, política,

econômica e social. Quando nos deslocamos para o caso brasileiro, o comércio de seres

humanos como mercadoria/dinheiro, marca substancialmente a nossa constituição enquanto

nação e indivíduos.

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Portanto, é possível perceber que os aportes acima escolhidos e o ator-rede dinheiro

puderam fortalecer a caminhada pretendida. Cabendo agora, apresentar as formas de

tratamento das fontes.

1.7 FORMAS DE TRATAMENTO DAS FONTES

Durante a exposição dessa tese será possível perceber que trabalhei com os conceitos e

atores chave, acima registrados e tomados em conjunto, para conseguir observar a dinâmica

dessas relações no processo de desenvolvimento da sociedade com a educação, em especial,

no caso brasileiro, por meio do ator-rede dinheiro. Percebi, que ao utilizar os aportes das duas

teorias poderia trazer da dialética o processo histórico da construção das classes sociais e da

hegemonia, que foram se estabelecendo no modo de produção capitalista.

Aliei a esse processo, a TAR com os conceitos de mediador e tradução, pois com este

movimento seria possível traçar a rede de traduções do ator-rede dinheiro no processo de

desenvolvimento econômico, político e social. Assim, o norte escolhido, foi perceber a partir

do período colonial, os interesses dos atores e entender como se deu a política e a ação

pública no tocante ao desenvolvimento brasileiro, e as estratégias estruturantes do campo da

educação. Dito isso, estruturei a junção das duas teorias, por meio dos conceitos de classe

social e hegemonia da dialética com os conceitos de mediador e tradução da TAR, associei os

conceitos de interesse e ação pública para ampliar a compreensão sobre os processos políticos

e de gestão das políticas públicas da educação.

Percebe-se, que nos dois aportes metodológicos escolhidos existem

complementaridades, pois em ambas não há supremacia do objeto em relação ao sujeito e

nem do sujeito em relação ao objeto, do macro sobre o micro. No entanto, a teoria ator-rede

ao trazer a agência dos atores não humanos amplia a capacidade de compreensão da realidade

concreta vivida.

Quando comecei as leituras para ir compondo a trilha do trabalho de tese eu já havia

começado a escrever alguns textos utilizando as categorias controvérsia, ator-rede, actantes da

teoria ator-rede e, também tinha feito alguns exercícios para entender como se dava a proposta

de seguir um ator ou atores que pudessem ir traduzindo, transportando por meio das conexões

os acontecimentos. Li alguns textos (LAW e HETHERINGTON, 2011); (ANDRADE, 2006);

(LATOUR, 2013); (LATOUR, 1994); (CALLON, 2013); (GONZALES e BAUM, 2013),

(NOBRE e PEDRO, 2010); (MAIA, 2011); (SANTAELLA e CARDOSO, 2015);

(CAVALCANTI e ALCADIPANI, 2013); (SÁNCHEZ-CRIADO, 2006); (LAW, 2003);

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(TURETA e ALCADIPANI, 2009); (VENTURINI, JACOMY, BANEYX e GIRARD, 2016) ,

li livros e sessões de livros publicados pelos autores (LATOUR, 2016; 2013; 2012; 2005);

(VALADÃO e ANDRADE, 2016; 2017); (CALLON, LASCOUMES e BARTHE, 2001); e

teses e dissertações (ANDRADE, 2004), (DAROIT, 2007); (ARAÚJO, 2009) que utilizam a

teoria. Visito o site desde fevereiro de 2016, em que Latour utiliza com alunos de diversas

instituições em um e-cours intitulado “mapeamento das controvérsias”14 (LATOUR, 2016, p.

167), que deu origem ao livro Cogitamus.

Então, após essa imersão na teoria ator-rede cheguei à conclusão que na teoria, as

noções escolhidas e que se fizeram relevantes para este trabalho foram respectivamente:

mediador e tradução. Como utilizo os aportes da TAR e da Dialética acima descritos, a

totalidade e a contradição por serem noções basilares no materialismo histórico se revelaram

importantes para compreender as três noções citadas, além dos conceitos de classe social e

hegemonia.

De acordo com Latour, (...) a pesquisa decidirá quais devam ser os veículos e documentos para cada caso. O que conta é a possibilidade, para o pesquisador, de registrar a forma “em rede” sempre que possível, em vez de dividir os dados em duas porções: uma local e uma global. Contar uma história de ator-rede é ser capaz de apreender essas muitas conexões, sem estraga-las desde o começo com a decisão a priori sobre qual o “verdadeiro tamanho” de uma interação ou de um agregado social (LATOUR, 2012, p. 257).

Então, seguindo a forma de tratamento das fontes bibliográficas que escolhi dar, tive

que trabalhar com autores que pesquisaram o modo de produção capitalista, autores tais como

(MARX, 2013); (HUBERMAN, 1982); (OLIVEIRA C. A., 1998). Trabalhei, especialmente,

com as descobertas de autores que revisitaram a história do desenvolvimento internacional

com (ARRIGHI, 2008); (ARRIGHI, 1996); (HOBSBAWM, 1988); (HOBSBAWN, 1995);

(IANNI, 1997); (HUNT, 2013); (WOOD, 2001); (POLANYI, 2012); (WALLERSTEIN,

2002).

Escolhi o pensamento de Polanyi, pois em sua obra - A grande transformação e as

origens da nossa época, Polanyi (2012) revelou as implicações da economia de mercado, que

alcançou seu apogeu no século XIX. E assim, foi possível ao autor revisitar e analisar os

acontecimentos, processos, teorias e ações partindo de uma nova perspectiva.

14 BRUNO LATOUR. Cartographie de controverses. Disponível em: <http://www.bruno-latour.fr/fr/node/31>. Acesso em: 06/09/2018.

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Recompôs, nessa obra, a história econômica e a história social das origens de nossa

época, no caso, o século XX. Apresentou crítica contundente ao liberalismo de mercado,

contra a crença de que as sociedades nacional e global devem organizar-se por meio da

autorregulação dos mercados. Portanto, esta foi umas das fontes na qual nos referenciaremos

para construir e identificar, as políticas e as estratégias dos atores internacionais e verificar as

suas relações, seguindo a rede de atores.

Em sua obra O Longo Século XX, Arrighi (1996) parte da configuração do sistema

internacional de poder, discutindo as ideias de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel. Estudou

as estruturas e os atores que moldaram o curso da história moderna e identificou quatro

longos séculos que tratou como unidades básicas temporais, para daí analisar os processos de

acumulação capitalista em nível mundial.

Traçou a trajetória da hegemonia até chegar à hegemonia americana, que data de 1870,

mas que, em sua obra - Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI (2008),

afirma que é a China que encabeça o renascimento econômico da Ásia Oriental e isso,

segundo o autor, faz com que os Estados Unidos revejam sua política externa e o projeto para

o novo século, pois o país perdeu a hegemonia econômica e possivelmente a direção cultural,

ou seja, perdeu o poder.

Outra obra importante e considerada foi - Era dos Extremos: o breve século XX, de

Hobsbawm (1995), pois este historiador revelou como o século foi breve e extremado, tendo

sido constituído sobre catástrofes, incertezas e crises, bem como pela decomposição do que

fora construído ao longo do século XIX. Identificou as ocorrências e acontecimentos desde o

ano de 1914 e que construiu o mundo nos anos de 1990.

Hobsbawm dividiu a história em três eras. A primeira é a era da Catástrofe, que foi

marcada pelas duas grandes guerras; pelas ondas de revolução global, em que o sistema

econômico e político soviético surgiu como alternativa histórica para o capitalismo, como

também pela crise econômica de 1929. Há ainda o descrédito nas democracias liberais e o

surgimento do fascismo como uma das propostas para o mundo.

A segunda é a era dos Anos Dourados, da década de 1950 e 1960, que, com a paz

congelada, viu o capitalismo viabilizar-se e estabilizar-se, tornando-se responsável por uma

fantástica expansão econômica e por profundas transformações sociais, dentre elas o processo

produtivo e educacional.

A terceira é a era do Desmoronamento, entre 1970 e 1991. Para o autor, nesta fase,

caem por terra os sistemas institucionais que previnem e limitam o barbarismo e é dado lugar

ao embrutecimento da política e à irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica, que

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acaba por abrir as portas para um futuro incerto. Para o autor, “a história desse século foi,

basicamente, o triunfo e a transformação do capitalismo na forma historicamente específica

de sociedade burguesa em sua versão liberal” (HOBSBAWN, 1995, p. 42).

Importante ressaltar as contribuições de Mauss (2007), porque o autor estudou além

das questões econômicas, o regime do direito contratual nas comunidades primitivas

revelando a dinâmica dessa população. Portanto, pode-se observar que essas obras,

preocupam-se com as origens política, econômica, cultural e social do século XX. Sendo

assim, a dinâmica apresentada em relação ao desenvolvimento e a sociedade nos séculos

XVIII e XIX, pelos estudos destes e outros autores é fundante, pois guiou minhas buscas

nesse estudo.

Portanto, por meio dos estudos de (POLANYI, 2012); (ARRIGHI, 2008); (ARRIGHI,

1996) ; (HOBSBAWM, 1988); (HOBSBAWN, 1995) (MAUSS, 2007); (HUBERMAN,

1982), (OLIVEIRA, 1998); (WOOD, 2001) descrevi o segundo capítulo, pois o foco não

recaiu somente sobre a economia, mas também sobre sua integração com o sistema social e

político, ou seja, sobre as relações sociais, que se mostraram profundamente desiguais, ao

longo do tempo. Estas perspectivas me pareceram interessantes para o estudo do objeto

proposto nesta tese, pois na pesquisa viso manter uma lógica interdisciplinar, multidisciplinar

e intersetorial, para compreender a dinâmica histórica social do desenvolvimento e sua

relação com a educação no Brasil.

Com essas referências, dentre outras, construí o segundo capítulo sobre a experiência

internacional. No capítulo, acrescentei ainda, uma discussão sobre a relação educação e

desenvolvimento no modo de produção em nível internacional. Dentre outros, fundamentada

em (CUNHA, 1980); (CURY, 1986); (SALM e FOGAÇA, 1998); (SALM C., 1980);

(FRIGOTTO, 2001); (GRAMSCI, 1979); (FLORES, 2006); (SAVIANI D. , 1992); (SAVIANI

D. , 2008).

Este estudo, não visou apresentar a discussão da atualidade internacional, pretendeu

revelar como no processo de desenvolvimento apareceram as questões referentes a

hegemonia, a ideologia, as classes sociais, como também, exigências pela educação do

trabalhador e quais as ações dos atores e as traduções do ator dinheiro. Apresentei,

brevemente, o atual processo de inovação, a indústria 4.0, e sua possível relação com o

desenvolvimento, a educação e o trabalho.

No terceiro capítulo, ao fazer as leituras bibliográficas sobre o processo de

desenvolvimento capitalista em nível nacional, percebi que fora de especial importância

trabalhar com autores brasileiros que explicaram a nossa trajetória de desenvolvimento, e com

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autores que revisitaram as formas explicativas de nosso processo, assim fiz estudos com

(FLORENTINO, 2014); (FRAGOSO, 1998); (FURTADO, 2007); (HOLANDA, 1967);

(FURTADO, 1998); (LIMOEIRO CARDOSO, 1978); (OLIVEIRA C. A., 2003); (PRADO

JR, 2011); (RANGEL, 1981); (RANGEL, 1999); (RANGEL, 1983); (ROBERT, 1982) e

(SANTANA, 2010), (MARTINS, 2008); (SANTANA, 2010); (FRAGOSO e FLORENTINO,

1993). Percebi, nesse percurso, que foi importante compreender a dinâmica em âmbito

internacional; só foi possível entender parte da dinâmica brasileira, após ter feito essa

caminhada.

No quarto capítulo, faço a discussão da relação entre desenvolvimento e educação, no

caso brasileiro, e identifico as bases que estruturaram o nosso modelo de educação. Para

tentar realizar um percurso de entendimento mais ampliado em relação as políticas públicas

de educação, a opção foi trabalhar com leis promulgadas neste campo e também com

documentos que se referem as lutas sociais, aos interesses e a ação pública, uma escolha que

espero ter contemplado e abarcado as questões que me propus a estudar. Sendo assim, faço

uso do descrito na Constituição de 1988, e suas respectivas mudanças nas décadas de 1990 e

2000. As leis de diretrizes e bases da educação: Lei 4024/61; Lei 5692/71 3 a Lei 9394/96, o

documento final da CONED/1997, PL no. 1258/1988, Portaria no. 577/17 e o Decreto (sem

número) de 27 de abril de 2017.

Elegi fazer essa caminhada, por meio, também, dos Manifestos e Cartas da sociedade

civil, publicadas respectivamente em 1871, 1932, 1959, 1986, 1987, 2017 e 2018. Essa

alternativa se justificou, pois a meu ver os manifestos a exemplo das legislações e cartas

expressaram, ao mesmo tempo, a dinâmica econômica, cultural, política e educacional de

cada época a que se reportam, como também, os desejos e perspectivas de futuro. Os

manifestos, acabaram por inspirar e/ou fundamentar a construção de potentes movimentos,

leis, decretos e documentos. Portanto, essas escolhas como fatos e acontecimentos históricos,

políticos e sociais nos ajudaram a compreender o passado e o presente.

Um fato bastante relevante foi o encontro, em agosto de 2018, com a citação do

Manifesto dos Professores Públicos da Instrução Primária da Corte, em um blog ou texto na

internet. Imediatamente, anotei essa informação e havia a indicação de encontraria o

Manifesto na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Durante toda a pesquisa, eu não havia

tomado conhecimento da existência desse documento. Então, resolvi ligar para perguntar

sobre a possibilidade de acesso ao documento.

O mesmo não encontrou o Manifesto, nos dados digitalizados e pediu-me para ligar no

outro dia. Ao fazer o novo contato fui informada que o acesso ao documento só era autorizado

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presencialmente, e assim não seria possível eu acessar tendo em vista que eu já estava

finalizando a tese e não teria tempo para ir ao Rio de Janeiro. Ao explicar tal situação, o

servidor me informou que havia realizado uma pesquisa na rede de internet e que o

documento tinha sido publicado na integra15, por Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, e

eu poderia utilizá-lo. Essa ação possibilitou perceber o movimento dos professores em um

período histórico importante de nossa história política, econômica e educativa, era 1871.

Note-se que os manifestos, são importantes marcos na história da educação brasileira,

tendo em vista que esses manifestos lançaram movimentos, constituíram identidades,

expectativas, sonhos, organizaram e agruparam os signatários. Chama atenção a diferença

entre os signatários do Manifesto da década de 1870, de 1930 e de 1959, que eram

personalidades, em sua maioria professores e educadores. Nos Manifestos, a partir da década

de 1980, os signatários são entidades representativas. Tal fato por si só, já revelou o aumento

da participação social e da organização da sociedade civil no Brasil, em defesa dos interesses

de todos os brasileiros, e como um potente movimento com base na ação pública.

Portanto, independentemente de serem personalidades e/ou entidades, é relevante

marcar que os discursos contidos nos manifestos não são considerados neste estudo como

expressões de sujeitos individuais, eles foram aqui compreendidos como atores redes, postos

em campos complexos de forças e de disputas, de debates e tensões, como também de

articulações e consensos no interior da sociedade, em especial, da comunidade escolar. São

sujeitos e atores de ação coletiva, quer se goste ou não do que falaram ou fizeram, são

participantes da luta pela hegemonia e pela contra hegemonia.

No Manifesto do Fórum Nacional de Educação (FNE) da década de 1980, por

exemplo, as entidades que assinaram foram: a Confederação de Professores do Brasil (CPB),

atual Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Associação Nacional

dos Docentes do Ensino Superior (ANDES); Associação Nacional de Educação (ANDE);

Associação Nacional dos Profissionais de Administração da Educação (ANPAE); Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (ANPED); Centro de Estudos em Educação e

Sociedade (CEDES); Central Geral dos Trabalhadores (CGT); Central Única dos

Trabalhadores (CUT); Federação das Associações dos Servidores das Universidades

Brasileiras (Fasubra); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC); Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF); União

15 www.redalyc.org/service/redalyc/downloadPdf/3216/321627141011/6

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Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e União Nacional dos Estudantes (UNE)

(FÓRUM DA EDUCAÇÃO, 1987).

Importante registrar que, os manifestos se configuraram como documentos valiosos do

ponto de vista de trazer a conjuntura de cada época, no entanto, fiz a opção de trazer para a

análise, na medida do possível, leis, documentos, que estruturaram a educação e autores que

estudaram a educação nas referidas fases e em cada momento histórico. A intenção foi tentar

compreender cada período, em seus aspectos políticos, econômicos e sociais.

Além das leis e documentos históricos, citados acima, e que são aqui analisados,

percebi na jornada, a importância em complementar a busca com alguns relatórios de gestão

do Ministério da Educação: Educação para Todos no Brasil (2000 a 2015) e CAPES (2012);

do IBGE (2013); e relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (2015). Os dois Planos Nacionais de Educação – (PNE I e PNE II), documento,

final da CONAE/2010; documentos da CONAPE 2017 e CONAPE 2018. Participação no

Congresso da CNTE/2018 e da CONAPE/DF 2018), e das referências bibliográficas.

Espera-se que durante toda a leitura e observações seja possível perceber nas buscas, o

fio condutor que permitiu a tentativa de, por meio de uma nova ótica, registrar novas

descobertas no modo de desenvolvimento brasileiro e nas estratégias, daí advindas, que

estruturam o nosso modelo de políticas públicas de educação. Assim, passo agora para a

caminhada de apresentar a discussão sobre a constituição do mercado e o modo de produção

capitalista.

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CAPÍTULO 2 - (TRANS) FORMAÇÕES DO MERCADO E TRADUÇÕES

DO DINHEIRO NA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA

A certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado sem cair em autocomplacência, pois o nosso testemunho se torna registro da experiência de muitos, de todos que, pertencendo ao que se denomina uma geração, julgam-se a princípio diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando tão iguais, que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais de sua época. Então, registrar o passado não é falar de si; é falar dos que participaram de uma certa ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se deseja evocar (HOLANDA, 1995, p. 9).

Neste capítulo, apresento a discussão sobre o desenvolvimento capitalista em âmbito

internacional. A ideia foi discutir a questão da formação do mercado e do capital, a partir do

século XIX com a transformação do mercado capitalista em países desenvolvidos, e mostrar

também como surgiram, neste processo, as exigências pela educação dos trabalhadores. No

que tange aos aportes teóricos e metodológicos apresentados no capítulo anterior, este é o

primeiro movimento que fazemos na tentativa de traçar os passos e captar as traduções do

ator-rede.

A intenção, foi pontuar e localizar o global, para estabelecer as conexões do que foi

ocorrendo ao longo do tempo e que posteriormente influenciou em âmbito local. O

movimento foi seguir a trajetória da constituição do sistema de produção capitalista com o

ator mediador dinheiro, nos tempos e nos espaços por meio dos quais foi possível ir

descobrindo o feito no processo de desenvolvimento do modo de produção, até hoje vigente.

De acordo com o pensamento de autores como (LATOUR, 2016); (2011); (2005)

(CALLON, LASCOUMES, e BARTHE, 2001); (LAW e HETHERINGTON, 2011);

(VALADÃO e ANDRADE, 2016), no movimento de transporte e de tradução há

transformações que precisam ser percebidas e que precisam se expressar. Este movimento

tornou possível visibilizar as cadeias de atores que ligaram lugares entre si, por meio do

mediador dinheiro.

Importante salientar, que quando propus a discussão sobre a temática do

desenvolvimento, a ideia não foi fazer uma apresentação puramente cronológica dos

acontecimentos ou abordar unicamente o processo de desenvolvimento econômico; tão pouco

debater as diversas teorias que fundamentam a ideia de desenvolvimento. Embora, todos estes

permeiem a discussão, o que pretendi, tomando como fio condutor o ator mediador, não

humano – dinheiro, foi captar no processo de desenvolvimento da vida em sociedade, as

políticas e as estratégias, no modo de produção e nos modelos de desenvolvimento, que

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foram, ao longo do tempo: a) exigindo mais formação da força de trabalho, b) garantindo a

existência dos atores e a hegemonia do capital, em diferentes países; c) estruturando o modelo

de desenvolvimento e de educação.

Portanto, todo o esforço se deu visando revelar, por meio dos acontecimentos, as ações

no processo de desenvolvimento no modo de produção capitalista internacional, como

também revelar esse movimento no caso brasileiro16. E após essa trajetória, identificar as

estratégias estruturantes do campo da educação do trabalhador como parte da construção deste

processo, no Brasil.

Diante disso, a discussão sobre o processo de desenvolvimento no pensamento de

Polanyi é relevante. Esse autor, salientou que no século XX foram produzidas,

repentinamente, e após longo período de paz, a Primeira Guerra Mundial, a Grande

Depressão, a ascensão do fascismo na Europa Continental e o New Deal nos EUA. Assim, por

agora, o intuito é descrever o processo de desenvolvimento em nível internacional e a

proposta foi começar pelas sociedades primitivas e suas relações econômicas e sociais de

troca.

2.1 ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE PRIMITIVA: A TROCA DE PRODUTOS

Polanyi começou sua pesquisa pela organização das sociedades ditas primitivas. Essa

escolha foi importante por nos permitir reafirmar o ser humano como um ser social, como um

ser que pode agir de acordo com suas necessidades sociais, e não só de acordo com seus

interesses particulares. Na realidade, as atividades comunais era a forma mais frequente de

organização social e nela o princípio norteador era a partilha, partilha de alimentos ou

participação nos resultados de alguma expedição distante. Os prêmios pela generosidade e

pelo prestígio social levavam ao comportamento em que o esquecimento de si era marcante.

“As paixões e desejos humanos bons ou maus não eram guiados por fins econômicos”

(POLANYI, 2012, p. 49).

Outro autor que pesquisou as comunidades intituladas como primitivas foi Marcel

Mauss. Estudou, ao mesmo tempo, o regime do direito contratual e a economia nas

sociedades primitivas, com enfoque nos direitos e em lugares específicos: Polinésia,

Melanésia e Noroeste Americano. Afirmou ainda, que na civilização escandinava, as trocas e

contratos se faziam sob a forma de presentes dados e devidamente retribuídos, pois não era 16 Esta discussão será realizada no capítulo 3.

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uma ação voluntária. Os fenômenos sociais em sua totalidade, expressavam as mais diversas

instituições: “religiosas, jurídicas e morais - estas sendo políticas e familiares ao mesmo

tempo -; econômicas – estas supondo formas particulares de produção e do consumo, ou

melhor, do fornecimento e distribuição” (MAUSS, 2007, p. 187).

Nesse período, a ação de dar presentes não era nada simples, pois consistia em

retribuir, por obrigação, algo em troca. Nas economias e nos direitos que precederam os

nossos, nunca se Constatam, por assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas e de produtos num mercado estabelecido entre os indivíduos. Em primeiro lugar, não são indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes no contrato são pessoas morais: clãs, tribos, famílias, que se enfrentam e se opõem seja em grupos frente a frente num terreno, seja por intermédios de seus chefes, seja ainda dessas duas maneiras ao mesmo tempo. Ademais, o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos quais a circulação de riqueza não é senão um dos termos de um contrato mais geral e bem mais permanente (MAUSS, 2007, pp. 190, 191).

O foco do autor, foi tentar saber quais seriam as regras do direito e de interesse que

nas sociedades primitivas estudadas, faziam com que o presente recebido fosse

obrigatoriamente retribuído, como também, qual a força na coisa dada que fazia com que

quem a recebia logo a retribuía. Mostrou a questão do mercado, bem antes da existência dos

mercadores e do dinheiro. Nesse mercado, o que havia era as trocas de coisas.

Portanto, na sociedade primitiva, a ideia de lucro não estava presente. Isso fez com

que Polanyi revelasse sua discordância com Adam Smith, pois sem a existência da motivação

para o lucro, não haveria o porquê de se falar, nessa civilização, de propensão à barganha e

permuta nos moldes que Smith falara em seu livro - A Riqueza das Nações. Em realidade, a

civilização primitiva estabelecia a ordem na produção e distribuição por meio dos princípios

de reciprocidade, redistribuição e domesticidade (POLANYI, 2012).

O princípio da reciprocidade dizia respeito ao dar e receber baseado na premissa de

que ao ofertar hoje deverá ganhar amanhã (MAUSS, 2007). A comunidade desenvolvia seu

trabalho com o intuito de prover a subsistência de todas as famílias que compunham esta

sociedade, já́ que nestas sociedades a ideia de bem-estar comum é superior à ideia de bem-

estar individual. Deste modo, o mecanismo de redistribuição é responsável pela divisão do

trabalho, e parte da produção das famílias era ofertada em benefício de toda a comunidade.

Os princípios de reciprocidade e redistribuição foram capazes de assegurar o

funcionamento de certo tipo de sistema econômico, sem ajuda de registros escritos,

administração complexa, burocracias, porque conseguiram se estabelecer por meio de dois

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padrões importantes, a simetria e a centralidade. Sendo, a reciprocidade a garantidora de

simetria e a redistribuição da centralidade que fornece a possibilidade para a coleta,

armazenagem e distribuição de bens e serviços, e assim, os padrões institucionais e

comportamentais acabam por se ajustar entre si. Por isso, o sistema econômico se dava em

função da organização social da comunidade (POLANYI, 2012).

Outro princípio praticado pelas sociedades primitivas foi o da domesticidade, este era

similar e até complementar aos outros dois, visto que se baseava em produzir para o bem

comum. Difere um pouco dos outros princípios somente por estar focado nos grupos

fechados, e isso só foi possível com o desenvolvimento da agricultura, em que a produção

visava satisfazer as necessidades próprias de determinado grupo. Assim, Polanyi afirmou que: Todos os sistemas econômicos conhecidos por nós, até́ o fim do feudalismo na Europa Ocidental, foram organizados segundo os princípios de reciprocidade, redistribuição ou domesticidade, e as vezes a combinação dos três. Dentro dessa estrutura, a distribuição e a produção dos bens eram asseguradas, de forma organizada, pela grande variedade de motivações individuais, disciplinadas e estruturadas pelos princípios gerais de comportamento e não pelos interesses do indivíduo. E entre essas motivações o lucro não aparecia como um elemento estruturante (POLANYI, 2012, p. 69).

De acordo com os estudos de Mauss, “as comunidades da Melanésia por um lado

conservaram e por outro desenvolveram todo o sistema de dádivas e dessa forma de troca”

(MAUSS, 2007, p. 213). Revelou que nestas comunidades apareceu com mais clareza que na

Polinésia, a noção de moeda. Entretanto, o importante nestes estudos das comunidades

primitivas, é que essas comunidades possuíam um mesmo sistema de direito e de economia.

Possuíam economia para além da doméstica, porque essas ultrapassavam as ilhas, as

fronteiras e os dialetos. As comunidades possuíam também, um sistema de trocas intenso, o

comércio. “Ora, eles substituem com vigor, através de dádivas feitas e retribuídas, o sistema

de compra e venda” (MAUSS, 2007, p. 231).

Ao regular o estatuto da dádiva17, por meio de três obrigações: dar, receber, retribuir

presentes para inclusive se evitar guerras, a troca regulava a vida material e moral, mas ao

mesmo tempo era realizada de forma desinteressada e obrigatória, pois acreditava-se que essa

obrigação criava laços de energia espiritual entre os atores envolvidos no ato, e também,

evitava conflitos.

Importante realçar o que nos revelou Sabourin (2008), ao afirmar que a troca no

sentido que encontramos nos estudos de Mauss é diferente em significado no sentido

17 As palavras destacadas em negrito, em o trabalho, representam as traduções do ator-rede dinheiro. Quando assim não for será devidamente registrado.

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ocidental, e que algumas das prestações nas comunidades primitivas representavam,

exatamente, o contrário da troca em sua visão ocidental. De acordo com Huberman, nas

sociedades da idade média, em que o comércio era pequeno e a possibilidade de investimento

com lucro não existia, se alguém precisasse de um empréstimo o objetivo não era o

enriquecimento. A pessoa precisava do empréstimo para viver (HUBERMAN, 1982).

Portanto, o empréstimo era tomado não como investimento, mas em função de alguma

intempérie que ocorrera. Como por exemplo, o arruinamento da colheita com uma seca, a

perda de animais por morte inesperada. Quando tal fato ocorria, pela regra social medieval em

geral, à pessoa que ajudasse não podia lucrar em cima dos infortúnios do outro. “o bom

cristão ajudava o vizinho sem pensar em lucro. (...) O justo era receber apenas o que

emprestara, e nada mais nem menos” (HUBERMAN, 1982, p. 46). A ideia corrente era se

pagar um preço justo. Para compreender o que se considerava “justo preço” de um artigo, é necessário lembrar a noção medieval sobre a doutrina da usura, e como as noções do bem e do mal participavam do pensamento econômico com muito mais intensidade do que hoje. No regime de troca da velha economia natural, o comércio não tinha objetivo de lucro, mas sim de beneficiar tanto o comprador quanto o vendedor. Nenhum dos dois esperava obter mais vantagens do que o outro. Um capote podia ser trocado por cinco galões de vinho sem prejuízo para ninguém, porque o custo da lã e os dias de trabalho necessários para fazer o capote eram iguais ao custo das vinhas e o tempo necessário para preparar o vinho. Quando surgiu o dinheiro, eram ainda apenas esses fatores que predominavam (HUBERMAN, 1982, p. 46).

Ainda na linha de mostrar o uso da troca e do justo preço em comunidades em que não

havia mercado, é importante registrar uma expedição que ocorreu no Brasil, em meados do

século XIX. Essa foi intitulada, expedição de Metarosso. Essa expedição pesquisou os

Xavantes, percebeu que entre os expedicionários e a tribo havia uma relação de troca

silenciosa (ROBERT, 1982).

A expedição Metarosso, tinha uma equipe de pesquisadores e um plano para

aproximar-se da população local. Então, ancorou o navio a certa distância da margem; baixou

um bote no qual alguns tripulantes entraram e levaram artigos de uso doméstico que poderiam

ser úteis aos habitantes do lugar: utensílios de cozinha, panos coloridos de algodão, colares

multicoloridos, etc. O bote se dirigia a margem, em seguida deixavam os objetos sobre as

pedras e voltavam ao barco (ROBERT, 1982).

Monitorando com um binóculo, os tripulantes notavam que os objetos deixados

haviam desaparecido. Perceberam que em seu lugar foram colocados, pelos Xavantes, alguns

objetos/produtos de uso deles: frutos silvestres, armas, etc. A quantidade de objetos colocados

era equivalente as mercadorias deixadas pelos membros da expedição. E essa foi a troca

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silenciosa na costa brasileira. A troca silenciosa foi a primeira relação de troca entre

habitantes brasileiros e europeus.

Importante ressaltar, que neste caso, só os nativos viviam no regime comunal, os

expedicionários eram legítimos representantes da sociedade mercantil. Então, “O bem-

sucedido desenvolvimento da “troca silenciosa” foi o início da aproximação entre os membros

da expedição e os Xavantes e, mais tarde, a chave do total êxito da expedição” (ROBERT,

1982, p. 10).

Portanto, percebe-se que as trocas eram feitas com base no justo preço e ou na

equivalência do tempo de trabalho necessário para a produção do produto ou utensílio. E

assim, o preço justo dominava as relações econômicas e sociais. Podendo ressaltar que neste

período, o dinheiro não fazia parte das relações de troca, mas dádiva, troca, empréstimo e

justo preço são as primeiras traduções do dinheiro.

Com o desenvolvimento do mercado, o dinheiro vai se tornando cada vez mais

importante e necessário, mas antes disso o mesmo teve diferentes mercadorias que serviram

de equivalência. E assim, “O dinheiro (...) não foi tratado por uma única palavra na Idade

Média, quer se tratasse do latim ou das línguas vernáculas. O dinheiro no sentido em que o

entendemos hoje (...) é um produto da modernidade (LE GOFF, 2014, p. 11)” Então, nem

sempre teve o valor que o damos. O dinheiro como o conhecemos vai se tornar necessário

quando ocorre o desenvolvimento da sociedade capitalista que foi mudando as relações de

troca.

2.2 O AVANÇO NO PROCESSO DE TROCA E O VALOR DA MERCADORIA

Diante do exposto, é possível perceber que as trocas passaram por processos de

modificação, e foram tendo diferentes formas de aplicabilidade e medida de equivalência para

as mercadorias. Ou seja, tinham valor. Esses equivalentes, permitiram observar e registrar a

trajetória do nosso ator rede e suas diferentes traduções e mediações. Ressaltando-se que a

partir do momento que as sociedades se estabelecem por meio de trocas e por algum valor, foi

possível percorrer a história do desenvolvimento anterior e os caminhos de sua realização.

Em todo o processo histórico, a troca norteou as relações do ponto de vista das

necessidades humanas. Tal forma era chamada de valor simples. Nas comunidades

primitivas, as trocas se deram pela equivalência do justo preço dos produtos (HUBERMAN,

1982), e no caso dos Xavantes pela troca silenciosa de produtos (ROBERT, 1982).

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Quadro 1: Relação de trocas nas comunidades primitivas Comunidades primitivas Xavantes

20 braças de linho = 1 casaco 1 capote = 5 galões de vinho

1 peça de pano = 100 cocos 1 colar = 2 lanças

Fonte: Elaborado por DA CRUZ FREITAS, 2018.

Observando a troca simples, é possível afirmar que essas mercadorias desempenham

dois papeis, por exemplo: o colar expressa o seu valor na lança, e esse serve como expressão

de valor. Assim, o colar desempenha um papel ativo e a lança um papel passivo. O colar

encontra-se na forma valor relativa e a lança funciona como valor equivalente. Forma de valor relativa e forma de equivalente são momentos inseparáveis, inter-relacionados e que se determinam reciprocamente, mas, ao mesmo tempo, constituem extremos mutuamente excludentes, isto é, polos da mesma expressão de valor; elas se repartem sempre entre mercadorias diferentes, relacionadas entre si pela expressão de valor (MARX, 2013, p. 126).

Portanto, no processo de desenvolvimento, o valor relativo de uma mercadoria só era

expresso pelo valor equivalente de outra mercadoria, eas mercadorias valiam pelo seu uso

(consumo), ou seja, a utilidade de uma coisa fazia dela um valor de uso: O valor natural de qualquer coisa consiste em sua capacidade de prover as necessidades ou de servir às comodidades da vida humana (...) O valor-de-uso só se realiza com a utilização ou o consumo. Os valores-de-uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dela (MARX, 1980, p. 42).

Depreende-se então, que a troca se tornou uma ação importante na trilha do ator

dinheiro, pois é basilar nas relações humanas políticas, econômicas e sociais. A questão da

troca por meio da dádiva, por exemplo, foi bastante diferente da troca silenciosa e da troca

mercantil dos excedentes, após a existência do mercado local. Como também, da troca

comercial após a ampliação e a internacionalização dos mercados. Cabendo ressaltar, que a

motivação para lucrar surgiu quando os mercados e a produção dos bens passaram a ser

usados para fins comerciais. Houve um processo de expansão da produção.

Outro dado importante, é que no processo de expansão produtiva, com a divisão do

trabalho e as mudanças na troca direta, a forma de valor simples já não serviu mais como

expressão de valor. Porque se quem trocasse a ovelha precisasse de açúcar e não do trigo que

o outro possuía, como resolveriam a questão? Com o desenvolvimento da produção e as

dificuldades recorrentes na troca direta foi se estabelecendo que uma certa mercadoria

servisse de equivalência para as demais, mudando o sentido da equivalência das mercadorias.

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E então, “um único artigo passou a expressar o valor de todos os demais artigos” (ROBERT,

1982, p. 19).

Segundo o autor, a primeira mercadoria que serviu como valor equivalente foi o gado.

Essa mercadoria passou a ser um equivalente universal, onde todas as outras mercadorias

eram trocadas por ele. Como resultado desse processo histórico, nas formas de troca e de

valor, esse único artigo como equivalente universal, com o decorrer do tempo passou a ser o

ouro, depois o dinheiro.

Assim sendo, o sistema mercantilista foi se desenvolvendo com base nesta mercadoria

equivalente, e o modo de produção capitalista surgiu fortalecendo esse processo. Para isso, foi

preciso haver a ampliação do comércio interno e externo, ambos resultados do processo de

mudanças advindas do desenvolvimento, e que possibilitaram o surgimento do mercado como

o conhecemos hoje.

Desse modo, o surgimento do sistema mercantilista possibilitou o nascimento de um

mercado nacional, e o sistema nacional acabou com os limites que separavam dois tipos de

comércio que existiam no período medieval. Estes eram o comércio local e o comércio

externo. Destacando-se, que o surgimento do mercado foi o momento em que a economia se

tornou um dos elementos estruturadores da vida da sociedade, (POLANYI, 2012). Então,

entrou em cena os anseios capitalistas que foram de encontro aos desejos do comércio local, e

assim, houve mudanças nas trocas comerciais internas e externas e a intervenção do Estado

foi tornando-se necessária, em função dos problemas e conflitos que foram aparecendo com a

expansão comercial.

Diante disso, o mercado local excluiu a possibilidade de trocas com o comércio

externo praticado por estrangeiros. Com isso, a vida urbana estava protegida da ameaça do

capital móvel capaz de dissolver as instituições sociais da cidade. Tal fato ocorreu, porque as

cidades levantaram todos os obstáculos (protecionismo) possíveis à formação do mercado

nacional ou interno, pelo qual pressionava o atacadista capitalista. Contudo, o mercantilismo

eliminara as barreiras que separavam os dois tipos de comércio, e com o tempo, para resolver

as controvérsias, a presença do Estado é requisitada para fazer a mediação entre os problemas

que surgiram, tais como: monopólio, competição, luta de classes, desigualdades, etc.

(HOBSBAWN, 1995).

Essa fase de acumulação primitiva (OLIVEIRA, 2003), é caracterizada como a que

gerou os elementos fundamentais do modo de produção capitalista, a saber: o trabalho

assalariado e o capital.

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É possível destacar, de acordo com (ARRIGHI, 1996) e (OLIVEIRA C. A., 2003), que

algumas características foram determinantes desse processo de mudanças no modo de

produção: a acumulação do capital no comércio; a formação do mercado mundial; o

estabelecimento do sistema colonial; a política mercantilista e a ação do Estado que não só

disciplinou a nascente classe trabalhadora, mas regulou os salários; Houve a dissociação

entre o produtor e os seus meios de produção.

Percebe-se, que com o avanço do comércio, o crescimento das cidades, o

desenvolvimento do mercado, a produção em larga escala, ocorreram mudanças nas ideias

sobre a economia e a sociedade, e o preço justo acaba sendo substituído pelo preço do

mercado. Assim, as trocas passam a ser realizadas a partir do preço das mercadorias expresso

pelo dinheiro.

A partir do nascimento da economia de mercado, baseada na relação da mercadoria

como valor de troca por um preço determinado em dinheiro, o costume deixa de regulamentar

o viver em sociedade e os bens: terra, trabalho e dinheiro tornaram-se, por conseguinte,

mercadorias. Os seus valores deixaram de ser baseados pelo valor de uso e passaram a ser

determinados pelo preço (valor de troca). Esse processo estabeleceu relações desiguais entre

o capital e o trabalho. Tal processo, por sua vez, permitiu elevar o ator dinheiro, neste exato

momento, à categoria de mediador, conforme registrado no capítulo anterior. A partir desse

acontecimento, a troca de mercadoria se dará pelo seu valor expresso em dinheiro, inclusive a

mercadoria trabalho. Dessa forma, aprofunda-se a divisão do trabalho e mudam as relações de

troca.

Assim, é possível concluir que a utilização dos mecanismos do mercado, tais como,

compra e a venda livre da terra e do trabalho, as transformou em mercadorias. Passou haver

oferta e procura tanto da terra quanto de trabalho. O salário, por exemplo, passou a ser o

preço do mercado para a utilização da força de trabalho, e a renda passou a ser o preço do

mercado para o uso da terra. Essa divisão desigual do trabalho surge com essa

transformação/tradução do trabalho como mercadoria, em que agora o preço do mesmo foi

regulado por quem detinha os meios de produção. Diante do exposto, percebe-se claramente

que esta nova dinâmica mudou substancialmente, dentre outras coisas, as relações de troca, de

produção e de trabalho, tornando-as ainda mais desiguais do que em períodos anteriores.

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2.3 A (TRANS) FORMAÇÃO DO MERCADO DE TROCA E DO VALOR NO MODO DE

PRODUÇÃO CAPITALISTA

De acordo com alguns teóricos sobre o sistema capitalista, O desenvolvimento do comércio desagrega as organizações da produção voltadas para o valor de uso. No entanto, a natureza do regime de produção que resulta desse processo não é determinada pelo desenvolvimento do próprio comércio, mas depende do caráter do regime de produção anterior. Assim, o que deve ser explicado é como a ação dissolvente do comércio sobre o modo de produção feudal gerou as condições para a gênese do capitalismo (OLIVEIRA C. A., 2003, p. 33).

Nessa linha, Wood (2001) nos lembra que mesmo nos casos em que haviam mercados

bem desenvolvidos seria preciso fazer distinção entre a sociedade com mercados, que havia

em toda a história escrita, com a sociedade capitalista de mercado. Porém, como vimos

anteriormente, as relações econômicas em sociedades que nos precederam eram, “de

parentesco, comunais, religiosas e políticas. Podendo afirmar que essas eram as motivações

econômicas e não puramente em função do ganho material, pois se dava importância, por

exemplo, a coisas como a conquista de status e prestígio” (WOOD, 2001, p. 29), e estes

valores não estavam ligados ao dinheiro como é hoje.

A autora, em consonância com o que afirmou acima Oliveira, revelou que a

emergência do capitalismo contou com a existência do feudalismo ocidental. Porém nos

alertou, que uma coisa é afirmar que o feudalismo europeu foi uma condição necessária para o

surgimento do capitalismo, e outra coisa é afirmar que o mesmo foi suficiente. Ela ressaltou

que existiam outros fatores, tais como, uma rede de comércio que incluía muitos países no

mundo e não só a Europa Ocidental. Fez uma afirmação, no caso europeu, que vai ao

encontro com a busca nesta pesquisa, quando afirmou que: O feudalismo na Europa, mesmo na Europa Ocidental, era internamente variado e produziu diversos resultados diferentes, apenas um dos quais foi o capitalismo. As cidades-estados autônomas que emergiram na Itália renascentista, por exemplo, ou o Estado absolutista na França, foram formações distintas, cada qual com sua lógica interna de funcionamento, que não precisariam ter dado origem ao capitalismo. Nos casos em que elas desembocaram no capitalismo, isso se deu somente ao entrarem na órbita de um sistema capitalista já existente e das pressões competitivas que ele conseguiu impor a seus rivais políticos, militares ou comerciais. Depois desse momento, nenhuma entrada na economia capitalista pôde ser igual às anteriores, já que todas ficaram sujeitas a um sistema capitalista maior e cada vez mais internacional (WOOD, 2001, p. 75).

As pressões sofridas pelos países, com o advento do modo de produção capitalista, nos

permitem, uma vez mais, destacar que o trabalho de Polanyi é uma importante obra para

entender os séculos XVIII e XIX. Seu estudo apresentou contundente relato em defesa da

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sociedade e em desfavor da degradação humana e material, ambas realizadas com o advento

das Revoluções Industriais. Seu discurso, revelou o surgimento da economia de mercado,

mostrando algumas reinterpretações acerca do desenvolvimento da sociedade de mercado, e

criticando o liberalismo de forma singular. É marcante sua posição contra a crença de que as

sociedades nacional e global devem organizar-se por meio da autorregulação dos mercados,

pois afirmou que nem sempre fora assim, e que esse foi um dos erros das interpretações feitas

anteriormente.

Para Wood (2001), o estudo de Polanyi apresentou excelente argumentação quando

relatou sobre a sociedade com mercado e sua natureza não competitiva. A autora fortaleceu

essa visão quando tomou como exemplo o comércio de longa distância, pois essa seria a

forma particular de atividade econômica que definiu os grandes centros comerciais, e que, de

acordo com algumas versões do modelo mercantil, foram os precursores do capitalismo.

No entanto, este tipo de comércio assumiu, também, outras formas, pois comprar

barato em um mercado para vender caro em outro era um princípio operacional e não

competição em um mercado integrado e único. Embora concorde com a afirmação dos

autores, de que enquanto havia o valor equivalente nas trocas entre as mercadorias, não havia

a possibilidade do lucro na forma que conhecemos hoje; durante a pesquisa compreendi que

mesmo o modo de produção ainda não sendo capitalista, o princípio operacional acima,

permitiu perceber que havia algum lucro, porém, o mesmo era proveniente Da desigualdade das trocas: comprar barato para vender caro. Desigualdade facilitada, diga-se de passagem, pela posição dominante do capital comercial frente à esfera produtiva, permitindo a fixação de preços elevados. Donde se conclui que o capital, nesta forma, pode coexistir com qualquer regime de produção (SCANDIUCCI FILHO, 1995, p. 6).

Nesse sentido, entendo que no decorrer do processo, a troca por equivalência perdeu

sua dinâmica e entrou na ordem do dia, a troca pelo lucro. Portanto, na citação acima

percebe-se que apesar do capital comercial não dominar a esfera produtiva, e dessa forma, não

ser capaz de mudar as condições de produção, o fato de comercializar as mercadorias permitia

que fixasse os preços para troca e, assim, obtinha o lucro. Esse fato, corrobora com a

afirmação de que poderia ter surgido outros modos de produção e não só o capitalismo.

Constata-se, que foi ocorrendo mudanças em relação as formas de trocas e valores, e

que o lucro existiu antes do modo de produção capitalista. Os valores de uso do produto, por

exemplo, foram aos poucos transformando-se em mercadorias. Sendo relevante destacar, que

foi o regime anterior de produção, o feudal, e não a mercantilização, o motivo decisivo para o

aparecimento do modo de produção capitalista.

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Diante disso, as formas de organização da produção no modo de produção feudal, a

saber: a agricultura camponesa e o artesanato urbano, foram evidenciando o caráter da

produção independente tanto no campo quanto na cidade. Essa relação, independente dos

produtores, estimulou a expansão do capital, e então, onde havia a produção independente é

que foi possível o triunfo do novo modo de produção, o capitalista (SCANDIUCCI FILHO,

1995); (OLIVEIRA C. A., 1998).

Por consequência, além desse processo de mudança para o modo capitalista de

produção, foi possível perceber que houve diferenças na dinâmica da formação do capitalismo

europeu, à medida que O desenvolvimento do capitalismo inglês ilustra como o processo de acumulação primitiva apoiava-se na força do Estado e como esse processo deságua na Revolução Industrial, tornando a experiência inglesa única, dado seu caráter pioneiro (OLIVEIRA C. A., 2003, p. 9).

A afirmação, é bastante pertinente para esse estudo, pois coaduna com as

interpretações criticadas por Polanyi e Wood. Permitiu observar que Polanyi realmente fez o

percurso de forma diferente. Foi diferente porque seguiu a trajetória de desenvolvimento dos

sistemas econômicos e sociais. O autor, tomou como ponto de partida os povos “primitivos” e

seguiu até o surgimento da economia de mercado autorregulável em meados do século XIX, e

de sua decadência nas décadas de 1920 e 1930, nos Estados Unidos e Europa.

O autor, descreveu a desarticulação da sociedade viabilizada por este processo

evolutivo. Tal desarticulação, foi causada pelo desenvolvimento econômico não regulado e

um crescimento inconsciente18, ao longo dos séculos, marcado por diversos fatores, entre eles:

a) a sociedade de mercado, b) o crescente desejo do lucro, c) a luta de classes e as

desigualdades, d) o modo de produção, e) a força de trabalho assalariada, f) a proteção social

e industrial.

Ressalto, ainda, e de acordo com Polanyi, que com vistas a expansão do capital e do

lucro houve o estabelecimento de quatro instituições que sustentaram o século XIX. Essas

instituições foram: 1) O sistema de equilíbrio de poder (que impediu guerras duradouras entre

as potências mundiais); 2) O padrão-ouro (um símbolo único de organização na economia

mundial); 3) O mercado autorregulável (o produtor de bem-estar social); 4) O Estado Liberal.

O autor percebera quando estudou as quatro instituições, que economia e política eram

conceitos que deveriam ser tomados juntamente, e com isso cunhou o termo incrustação. 18 “O nascimento do laissez faire provocou um choque na visão que o homem civilizado tinha de si próprio, de cujos efeitos ainda quase não conseguiu refazer-se. Só muito gradualmente nos damos conta daquilo que nos aconteceu há tão pouco tempo como um século” (POLANYI, 1978, p. 9)

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Entretanto, apesar de concebê-las juntas, as separou na análise, mesmo afirmando que

estavam incrustradas. Considerou em sua análise, que algumas eram nacionais e outras

internacionais, e que algumas eram políticas e outras econômicas, e isso as unia.

Neste estudo, foi possível ampliar o entendimento do autor, pois pôde-se revelar que

as quatro eram interdependentes e mantinham unidade concreta e dialética, na ação de manter

a paz entre os países e globalizar o modo de produção, visando o lucro do capital. A

ampliação da análise dessas instituições foi possível porque a reinterpretei dentro de sua

totalidade e por meio do mediador dinheiro. Desse modo, pude verificar que os ciclos de

expansão econômica comercial e de mercado e as relações políticas e econômicas entre os

diferentes países estavam focadas, no que referiu a essas instituições, em âmbito internacional

e nacional: na internacionalização do mercado, no lucro do capital e no controle social. Assim

entendi, que a relação entre política e economia se deu nas quatro instituições.

Constatei, ainda nesse trajeto, que é possível ampliar o conceito de incrustação de

Polanyi, incluindo com a dialética, as relações sociais. Ou seja, a noção de que econômico,

social e político não estão separados, fazem parte de uma mesma dinâmica, estão incrustados.

Isso foi perceptível quando mantive juntos na análise e sem sobrepor, o Estado, o Capital e o

Trabalho, às quatro instituições descritas pelo autor.

Portanto, percebe-se a importância em ampliar o que Polanyi expressou, porque essas

quatro instituições foram criadas nas sociedades, com base tanto na política quanto na

economia, não sendo possível separar sociedade, política e economia. Tais instituições sociais

estabeleceram relações simultâneas tanto nacionais quanto internacionais. Por considerar que

tais instituições possuem relação interdependente, e interpretando, atentamente, o que

disseram os autores citados, na discussão sobre a formação do mercado no modo de produção

capitalista, foi que cheguei a tais conclusões. Abrir está pequena fresta permitiu perceber que

tais instituições, umas em maior e outras em menor grau, foram fundamentais no processo de

acumulação de riquezas de determinados países, e também, parte responsável pela

manutenção ou mudança de hegemonia.

Então, estes quatro atores, para este estudo, acabaram por expressar-se nas duas

formas. Sendo assim, os atores não humanos são aqui traduzidos e conectados,

respectivamente, da seguinte maneira:

Quadro 2: Tradução e interfaces das quatro instituições de Polanyi

Instituições Econômicas (lucro e controle) Políticas (lucro e controle)

Equilíbrio de poder Capital/Estado Estado/Sociedade/Capital Padrão-ouro Capital/Estado Estado/Capital/Sociedade

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Mercado autorregulável Capital/Trabalho Capital/Trabalho/Estado Estado liberal Estado/Capital/Trabalho/Sociedade Estado/Capital/Sociedade

Fonte: Elaborado por DA CRUZ FREITAS. 2018.

No equilíbrio de poder e no padrão-ouro, o elo entre economia e política se deu pelo

Estado e pelo capital; no que tange ao mercado autorregulável, o elo se deu pelo capital e pelo

trabalho; no Estado liberal pelo Estado, pelo Capital e pela Sociedade. Nas instituições, tanto

em relação à política quanto a economia o objetivo era o lucro e o controle das sociedades.

Polanyi, em seu tempo, não percebeu a relação interdependente entre as quatro instituições.

Ao seguir com os aportes da TAR, foi possível perceber que as quatro instituições

estavam interligadas pelos aspectos sociais, econômicos e políticos, como também, suas

influências se deram em nível nacional e internacional. Só posteriormente, mas

especificamente da depressão dos anos de 1930, foi que a intervenção e as decisões

individuais e internas de cada país, possibilitou o desmoronamento do arranjo, mas as

relações estabelecidas, embora passem por mudanças são mantidas, pois o objetivo do lucro

do capital não mudou.

Entretanto, das quatro instituições citadas acima, o padrão-ouro foi o dispositivo

fundamental, pois a sua queda mostrou-se a causa principal da catástrofe da época e a ação

realizada foi sacrificar as demais instituições na tentativa de salvar o padrão-ouro

(HOBSBAWN, 1995). Apesar disso, havia uma inovação que se tornou a mola propulsora do

sistema que foi o mercado autorregulável. Havia ainda, a superestrutura de equilíbrio de

poder (na Europa), assentada sobre o padrão-ouro e em parte por ele fundamentada.

Havia o Estado Liberal que foi produto do mercado autorregulável, diretamente

relacionado com o equilíbrio de poder e o padrão-ouro, o que possibilitou a afirmação de que

havia interdependência entre as quatro instituições. Então, considerando a discussão anterior,

o ator que revelou a possibilidade dessa nova forma de interpretação foi o mediador dinheiro.

Sendo importante registrar suas formas até aqui já traduzidas: a dádiva, a troca, o preço, o

valor, o gado, a moeda, o lucro, o ouro, a acumulação, a mercadoria, a renda, o trabalho,

o mercado, o salário, a terra, o capital. Portanto, por agora faz-se relevante apresentar a

dinâmica dessas quatro instituições.

O sistema de equilíbrio de poder pode ser visto como um fenômeno histórico sem

precedentes que ficou conhecido como a paz dos cem anos. Essa instituição durou de 1815 a

1914. Todavia, essa paz foi buscada apenas no intuito de evitar conflitos armados entre as

grandes nações, e foi mantida não em função do bem-estar humano, mas da lucratividade dos

negócios que prescindia certa relação de tranquilidade, entre os países economicamente

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envolvidos. A paz, visando o equilíbrio de poder, foi mantida pelos meios institucionais da

Santa Aliança e do Concerto das Nações (PAULILO, 2012).

A Santa Aliança, de acordo com Paulilo, era formada pela coalizão entre as grandes

potências da Europa: Império Russo, Império Austríaco e Reino da Prússia, e foi um acordo

político feito por essas monarquias após a derrota final de Napoleão Bonaparte. O acordo

visou garantir a efetivação das medidas aprovadas pelo Congresso de Viena. O objetivo, foi

reorganizar o mapa político da Europa e parar a difusão das ideias liberais e

constitucionalistas francesas advindas da Revolução. O bloco militar durou até as revoluções

europeias de 1848, e além de combater revoltas liberais, interferiu também, na política

colonial dos países ibéricos, por ser favorável à recolonização.

O Concerto das Nações foi Integrado por Grã-Bretanha, Rússia, Áustria, Prússia e França, foi projetado para superar os conflitos militares gerados pela política do “equilíbrio de poder" do século 18 e prevenir novas guerras entre os principais Estados do continente, para evitar qualquer repetição dos levantes revolucionários a que, era essa a impressão, tais guerras haviam levado, gerando, por sua vez, conflitos ainda mais catastróficos – do tipo personificado na carreira de Napoleão (ANDERSON, 2013, p. 12).

As ações ocorridas no Concerto das Nações em Viena, de acordo com (ANDERSON,

2013) apresentaram alguns princípios orientadores, a saber: reinserir o princípio da

legitimidade dinástica nas relações internacionais; assegurar o direito de intervenção para

inibir o avanço dos ideais da revolução; criar mecanismos para se evitar o princípio do

equilíbrio de poder.

No entanto, para Arrighi, (1996, pág.38), “o equilíbrio de poder foi sempre parte

integrante do desenvolvimento do capitalismo como modo de governo” Dessa forma,

podemos pensá-lo como uma das funções e ações do Estado na sociedade capitalista, pois por

meio do equilíbrio de poder o Estado/governos alcançam a redução da proteção social ou o

seu aumento, tanto em termos absolutos como em relação aos seus concorrentes e adversários.

No entanto, o Estado tinha que manipular o equilíbrio de poder em benefício próprio e

mantê-lo sobre o seu controle, e isto pode ter ocorrido e ainda ocorrer de diferentes formas,

em diferentes tempos e lugares. Vale ressaltar, que apesar de tudo isso, o Estado não consegue

ditar o funcionamento do mercado em função do poder financeiro do mesmo. Assim, o

mercado por meio do poder/dinheiro mina o equilíbrio de poder do Estado, e então, o poder

financeiro que tem o mercado é aqui visto como mais uma das traduções do ator-rede

dinheiro, pois acaba por influir em toda a dinâmica econômica, social e política.

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No tocante ao padrão-ouro, o mesmo foi proposto em função da necessidade de uma

moeda estável que serviu de equivalente comum às trocas internacionais. De acordo com as

teorias econômicas da época, o dinheiro deveria ser uma mercadoria igual a todas às outras. A

mercadoria eleita para essa equivalência, nessa fase, foi o ouro.

Em referência ao mercado autorregulável, a crença era que o equilíbrio da economia

seria obtido dentro da própria esfera econômica, e unicamente por meio do mecanismo de

preços. Dessa autonomia do fator econômico surgiu o Estado Liberal, que tinha como função

não interferir na economia, para que a mesma pudesse encontrar seus caminhos (PAULILO,

2012).

Os liberais, nessa época, embora admitissem alguma ação estatal, defenderam o

mercado como único regulador das ações: A regulamentação estatal apenas enquadra o funcionamento do mercado (auto-regulado), não podendo ditar esse funcionamento (aliás, isso seria um contra-senso). (...) há um conjunto de pressupostos em relação ao Estado e à sua política, devendo ser evitada qualquer medida ou política que possa influenciar a acção dos mercados. Nem o preço, nem a oferta, nem a procura devem ser fixados ou regulados; só terão validade as políticas e as medidas que ajudem a assegurar a auto-regulação do mercado, criando as condições para fazer do mercado o único poder organizador na esfera económica (MACHADO, 2010, p. 76).

Assim sendo, o Estado, na visão liberal, não deveria interferir no funcionamento dos

mercados, a não ser quando as medidas pudessem garantir a liberdade do mesmo ou o lucro,

em tempos de estagnação econômica. Nesse contexto de autorregulação do mercado,

regulação do Estado e das instituições que sustentaram o século XIX, é importante ressaltar,

que houve o colapso do padrão-ouro internacional e a mercadoria que se tornou o seu

equivalente foi o dólar. O colapso do padrão-ouro foi o elo não visível da economia mundial

na virada do século, pois assegurou a transformação do mundo todo na década de 1930

(POLANYI, 2012).

Paulilo, assim afirma: Embora os mercados sempre tenham existido, foi só no século XIX que se transformaram no princípio organizador da sociedade, emergindo das relações sociais onde, anteriormente, estavam submersos. Para que isso acontecesse, foi necessária uma ruptura com a ordem social tradicional, ruptura essa que se deu em dois momentos, sendo o primeiro, com a imposição da política mercantil, e o segundo, com o surgimento do mercado auto-regulável (PAULILO, 2012, p. 143).

Polanyi deixou claro, que quase ninguém conseguiu depreender a função política do

sistema monetário internacional, e a acelerada transformação apanhara o mundo de

surpresa. Na visão dos economistas, ainda segundo Polanyi, o padrão-ouro era uma instituição

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meramente econômica e, esses, não perceberam nem as questões sociais e nem as questões

políticas. Ou seja, na verdade não tiveram consciência do que realmente estava ocorrendo.

Diante de tal descoberta Polanyi apresenta um novo conceito para definir a relação

entre economia e política. O autor, concebe a impossibilidade, no processo histórico do

desenvolvimento, de se fazer separação entre política e economia. Diante disso, alcunha um

termo chave denominado pelo mesmo como “incrustação”. Com este termo visou expressar a

ideia de que a economia não tem autonomia e que está subordinada à política (POLANYI,

2012). Em meu entender, está também relacionada as relações sociais.

Assim, é possível pensar que tal conceito revela a intensidade da ruptura com os

economistas clássicos, tais como Ricardo e Malthus, com os pensadores que os precederam.

Ao invés do padrão histórico de subordinação da economia à sociedade, o sistema capitalista

de mercado autorregulado, proposto pelos novos pensadores, partia do princípio de que a

sociedade tinha que se subordinar à lógica do mercado. Portanto, é perceptível que as relações

sociais passam a estar incrustadas no sistema econômico e não o contrário.

O alerta de autoras como Wood (2001), é bastante pertinente, quando registrou que o

pensamento polanyiano foi mal interpretado, e muitos pensaram que o autor afirmara que com

a ascensão do capitalismo, no século XIX, a economia se desincrustou da sociedade e passou

a dominá-la. Segundo Paulilo (2012), embora essa tenha sido a vontade dos economistas

clássicos, os mesmos não conseguiram seu intento, e uma economia desincrustada era assim

um projeto irrealizável na acepção polanyiana, pois a existência de uma economia com

mercado autorregulado não existiria sem a aniquilação da raça humana e a transformação do

mundo em um deserto, o caos.

Para Fred Block, (2012) o pensamento polanyiano pode ser traduzido em dois temas: o

primeiro seria moral achando que seria errado tratar a natureza e os seres humanos como

objetos cujos preços seriam determinados pelo mercado, pois ambos são sagrados; e o

segundo diz respeito a natureza do Estado, onde o mesmo deveria exercer a função de ajuste

da moeda e do crédito para evitar o perigo da inflação e da deflação (ciclos econômicos). O

Estado deveria atuar, também, nas demandas do processo de desenvolvimento e suas

mudanças, em especial, as inovações tecnológicas. As mudanças ocorreram em diversos

setores, principalmente, no mundo do trabalho, com o aumento no nível de desemprego.

Seria necessário, portanto, atenuar o problema do desemprego com os processos de

inovações industriais e, dessa forma, uma das ideias que surgiu foi que se deveria investir na

educação, qualificação e requalificação dos trabalhadores. Assim sendo, na sociedade

capitalista, houve mudanças nos níveis de emprego em função do desenvolvimento do

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mercado, das inovações tecnológicas, principalmente, com o aparecimento da classe

burguesa, das guerras e das duas revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX.

Com o processo de inovações e de acordo com Hobsbawm, houve forte pressão para

que os adultos do sexo masculino habitantes do mundo dito desenvolvido devessem, cada vez

mais, se adequar ao critério mínimo da sociedade burguesa. Tais critérios eram os de

indivíduos juridicamente livres e iguais. Porém, vale afirmar, que a liberdade e igualdade

jurídicas que existiam eram compatíveis com a desigualdade social já existente

(HOBSBAWM, 1988), (HOBSBAWN, 1995).

Para os burgueses revolucionários, a educação tinha ainda, relação estreita com a

democracia. Esses defenderam, que sendo a democracia o governo do povo, a educação teria

que ser extensiva para todos os governantes da sociedade (SAVIANI, D. 2018). O objetivo da

educação nessa visão “consistia em formar cidadãos do mundo, e em prepara-los para uma

existência útil e feliz” (PONCE, 2001, p. 136).

No entanto, ainda de acordo com Ponce, com o processo de desenvolvimento e a

hegemonia da classe burguesa, esses ideais sofreram mudanças. Desse modo, e de acordo com

os seus interesses atuais, passaram a defender a existência de dois tipos de educação e escola,

uma para os pobres e outra para os filhos dos ricos e da classe média. A ideia fundamental era

que existiam hábitos e condições muito diferentes entre as classes que iam à escola. Dessa

forma, os autores nos revelaram a mudança de pensamento da classe (agora hegemônica) a

burguesia. O pensamento burguês passou a ser que Os filhos das classes superiores devem e podem começar bem cedo a se instruírem, e como devem ir mais longe do que os outros, estão obrigados a estudar mais...As crianças das grandes escolas (populares) devem, por outro lado, de acordo com a finalidade a que deve obedecer a sua instrução, dedicar pelo menos metade de seu tempo aos trabalhos manuais, para que não se tornem inábeis em uma atividade que não é tão necessária,(...) às classes que trabalham mais com o cérebro do que com as mãos (PONCE, 2001, p. 137).

Neste sentido, o autor ainda cita a visão de educação de Condorcet, que defendeu a

instrução do povo e a gratuidade do ensino primário e superior, porém mostrou que a classe

burguesa revolucionária após “eliminar as desigualdades engendradas pelo nascimento,

proclamou sem rebuços que só existem entre os homens as diferenças que surgem do

dinheiro”, ou seja a desigualdade de renda (PONCE, 2001, p. 139).

Portanto, a distribuição que antes era regida pelo berço ou pelas diferenças de

liberdade ou jurídica, agora se dava pelo fato de ter ou não ter dinheiro. Valendo salientar que

a igualdade jurídica não excluía a desigualdade política, pois além da riqueza pesava o poder

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de fato do dinheiro. Os ricos e os detentores do poder “não só exerciam influência política,

como exerciam a coerção extralegal” (HOBSBAWM, 1988, p. 75).

Portanto, no século XIX, foram criadas quatro instituições que serviram de

sustentáculo ao sistema: equilíbrio de poder, padrão-ouro, mercado autorregulado e Estado

Liberal. Das quatro instituições criadas, o padrão-ouro e o mercado autorregulado -

fundamentado no liberalismo econômico - são relevantes para podermos perceber as

diferentes trajetórias, nos diferentes lugares e, assim, tornou-se necessário dar tratamento mais

aprofundado, mas sempre em relação com as demais.

2.4 LIBERALISMO ECONÔMICO, MERCADO AUTORREGULADO E PADRÃO-OURO

É possível afirmar o sucesso da adoção no padrão-ouro no período de 1879 a 1913, no

sentido de possuir moeda estabilizada na economia mundial baseada na experiência britânica.

Naquela época, houve crescimento econômico com relativa estabilização dos preços e

existiam fluxos de capitais. No entanto, houve diferenças relevantes entre os países

chamados de centrais (hoje desenvolvidos) e periféricos (hoje em desenvolvimento)

(MARCONDES, 1998).

Marcondes (1998, p. 535), revelou que se associou aos períodos de vigência do

padrão-ouro no mundo, dois resultados distintos: “na fase pré-guerra de estabilidade e na fase

entre guerras de instabilidade”. Em um primeiro momento, a garantia da estabilidade da

moeda no padrão-ouro obteve sucesso, em decorrência da posição inglesa que emprestou

dinheiro por meio do Banco da Inglaterra. No entanto, na fase entre guerras o país não

conseguiu sustentar tal situação, e os EUA assumiram essa responsabilidade, e assim, a

hegemonia vai deixando de ser inglesa e passando a ser americana.

Então, no período que antecede a primeira guerra, o padrão-ouro contou com a

cooperação entre os países e a credibilidade interna na estabilidade da moeda, já que manteve

sua equivalência com o ouro. Importante ressaltar que até metade do século XIX, o sistema

monetário europeu era bimetálico, com ouro e a prata19. Na Europa, apenas a Inglaterra

havia adotado o padrão-ouro desde 1717, e implantado como sistema em 1821.

Contudo, o padrão-ouro tinha seu preço para além do econômico, pois

19 Segundo Marcondes, (1998) o guinéu, primeira moeda feita em ouro sem equivalência com a prata desde a década de 1660, foi o que deu início ao processo de criação do padrão monetário único.

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Quando o Banco da Inglaterra elevou a taxa bancária ou tomou outras providências para disciplinar os bancos e garantir que eles tivessem o suficiente de reservas em ouro para atender às exigências de seus depositantes, as empresas comerciais não conseguiram empréstimo. Em consequência disso, os preços baixaram e muita gente perdeu o emprego. Para os agricultores e operários afetados pela medida, o padrão ouro constituía uma fonte de insegurança. O poder aquisitivo do dinheiro foi mantido; só que agora eles tinham menos ou nenhum dinheiro em mãos. A diferença era que, ao contrário dos ricos, esses cidadãos não tinham influência e geralmente não tinham culpa da causa de seu infortúnio (GALBRAITH, 1986, p. 186).

Saliente-se, que por um lado, a ordem liberal-capitalista recebia críticas de diferentes

correntes políticas, desde o final do século XIX. Católicos, sociais democratas e trabalhistas

pediam reformas que pudessem dar a ordem social um caráter mais humanista. Por outro lado,

os comunistas russos, que saíram vitoriosos em 1917, pediam a superação do capitalismo. Já

nazistas e fascistas, criticavam a ordem liberal e a democracia (OLIVEIRA C. A., 1998);

(HOBSBAWN, 1988).

Todavia, “na década de 1920, o liberalismo econômico viveu o seu apogeu. Milhões

haviam sido atingidos pelo flagelo da inflação; classes sociais inteiras, nações inteiras haviam

sido espoliadas”, (POLANYI, 2012, p. 159). Tudo isso ocorreu no intuito de manter a moeda

estabilizada e o equilíbrio do padrão-ouro. Este era o norte a seguir por povos e governos, e

era o que mais importava naquele momento. Portanto, todos os esforços deveriam ser feitos

para alcançar tais objetivos.

Mesmo engendrando esses esforços, tais atores avaliaram que o padrão de regulação

econômica e social advindo do liberalismo de mercado, era insuficiente para a manutenção da

coesão social e para atender aos interesses das massas. Nos anos 20, a economia capitalista caracterizou-se pela instabilidade, baixo crescimento, guerras comerciais entre nações e fortes movimentos especulativos que desaguaram na grande crise de 1929. A crise desorganizou completamente as relações econômicas internacionais e o desemprego cresceu em todo o mundo desenvolvido (OLIVEIRA C. A., 1998, p. 5).

A causa essencial da crise, foi o colapso no sistema econômico internacional que

acabou gerando a depressão econômica dos anos 1930. A depressão econômica foi

caracterizada por duas ações simultâneas: a redução dos preços de ativos e das mercadorias.

Geralmente, isso ocorre de maneira duradoura e é provocada pela queda na intensidade do

nível das atividades econômicas (CANO, 1995). Os fenômenos que acompanham a depressão,

são bastante conhecidos, a saber: as falências e o fechamento de negócios e comércios em

muitos setores econômicos; elevado aumento na taxa do desemprego; redução de atividades

de exportação e importação e instabilidade social e política (HOBSBAWN, 1995). E isso foi o

que ocorreu nos EUA (OLIVEIRA C. A., 1998).

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A resposta que deram os defensores do mercado autorregulado, foi que a crise fora

resultado da intervenção estatal, e então pediram que o Estado deixasse de intervir.

Acreditavam que os mecanismos do mercado seriam suficientes para retomar o crescimento.

O que se pode afirmar é que em função da instabilidade mundial nos anos 1920, os países

resolveram dar sustentação ao padrão-ouro.

Então, o retorno ao padrão-ouro ocorreu na Alemanha em 1924; 1925 na Inglaterra,

em 1927 na Itália e em 1928 na França. Ressalte-se que o único país que tinha condições de

emprestar no pós-guerra era os EUA, então houve desvalorização das outras moedas e o que

se manteve foi à taxa de conversão fixa com o dólar, mas esse quadro mudou com a depressão

na década de 1930.

Todavia, no primeiro momento de manutenção do padrão-ouro, o drama foi endógeno.

Algumas moedas como a russa, a alemã, a austríaca e a húngara, despareceram do mercado no

espaço de um ano, pois haviam valores diferenciados para cada moeda; e o câmbio se dava

dentro de um espaço econômico monetarizado. Entretanto, a entrada do dinheiro na cena e a

busca por sua estabilidade, introduziu um processo no tecido social nunca visto antes na

história, tanto interna como externamente (POLANYI, 2012).

Moedas desvalorizadas significavam uma ruptura que se deu (e se dá), tanto no âmbito

dos países como no das pessoas. Assim, os donos do capital financeiro acumularam fortunas

inimagináveis e a classe média foi pauperizada. Para Polanyi entrou em cena uma força

considerada por ele como incalculável e contraditória, pois era simultaneamente integradora e

desintegradora. Integradora em função da estabilidade externa mundial e desintegradora em

função da instabilidade interna de cada país.

Diante disso, no século XIX, os tomadores de decisão no tocante as políticas

econômicas internas, nos mais diversos países, passaram a preocupar-se com os problemas

sociais, tais como o desemprego e a desigualdade social e de renda da população. A Grande Depressão obrigou os governos ocidentais a dar às considerações sociais prioridade sobre as econômicas em suas políticas de Estado. Os perigos implícitos em não fazer isso – radicalização da esquerda e, como a Alemanha e outros países agora o provaram, da direita – eram demasiados ameaçadores (HOBSBAWN, 1995, p. 148).

No entanto, ao aceitarem as regras do padrão-ouro acabaram por abandonar os

problemas internos da economia, e só no século XX, essa preocupação aumentou em função

das mudanças políticas e econômicas da Europa, e em função das lutas sociais. Esse

acontecimento, potencializou o uso de medidas protecionistas nos EUA, o que desembocou,

por exemplo, na criação do Federal Reserve System – FED.

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A criação do FED acabou por diminuir a possibilidade de cooperação desse país, pois

os interesses em resolver os problemas internos eram maiores do que a estabilização das

crises financeiras internacionais. Então, os EUA em 1928, mudam a sua política monetária e

deixam de emprestar dinheiro aos outros países em função de suas preocupações internas, e

seus grandes investimentos passaram a ser em Wall Street. Com essa mudança de posição, os

EUA passam a ser dentro do mercado financeiro internacional, tomador líquido ao invés de

emprestador. Essa nova dinâmica americana em relação ao dinheiro, afetou diretamente os

países tomadores de empréstimo, como foi o caso do Brasil, porém afetou demais a Inglaterra

(MARCONDES, 1998).

Ressalte-se, ainda, que no período anterior à preocupação foi com a segurança e a

estabilidade da libra, tal ação foi fundamental para o país do ouro. Os EUA, atuaram no

sentido de garantir a baixa dos juros em Nova York e impedir vultosos movimentos de capital

de Londres para lá (GALBRAITH, 1986). Porém, o país passou pela necessidade de aumentar

os juros para diminuir o efeito inflacionário do acordo, e todos esses fatores dentre outros,

fizeram com que o país abandonasse o padrão-ouro, em 1933, como já o tinha feito, outra vez.

A Grã-Bretanha já havia abandonado em 1931, posteriormente a França e outros países

acabaram por seguir o mesmo caminho.

Com o agravamento da crise, os EUA optaram por uma política monetária e fiscal

expansionista e para isso abandonou o padrão-ouro, pois para realizar uma política

expansionista sob a égide do padrão-ouro teria que haver a cooperação para a minimização

das perdas e haver equilíbrio entre as nações. Nesta fase, nos EUA havia uma preocupação

interna com a questão da renda, do emprego e dos preços internos; o então presidente

Roosevelt tomou uma decisão unilateral de saída da crise. Ou seja, não optou pela

cooperação, tendo em vista também, que a própria Inglaterra já havia se retirado do padrão-

ouro dois anos antes.

Neste período, ocorreu também, o esgotamento do padrão de acumulação de capital da

Segunda Revolução Industrial (CANO, 1995); (GALBRAITH, 1986). Nesse processo, e com

o aumento tanto do endividamento interno quanto externo foi possível observar uma

contradição nos EUA. O endividamento dos EUA, por um lado possibilitou grande

acumulação financeira por parte de governos, empresas e bancos multinacionais. Por outro

lado, desacelerou a renda, aumentou o desemprego, diminuiu os investimentos e debilitou as

finanças públicas.

Importante frisar, que todos os países e nós os seres humanos somos limitados pelas

condições materiais econômicas, ambientais da existência no mundo. Para Polanyi (2012), a

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civilização do século XIX logrou um sentido econômico nunca visto antes, e um motivo

nunca levado a tanto esforço e justificativa de ação e principalmente, de comportamento na

vida diária da cidade e dos países, a saber, o lucro financeiro.

O ator dinheiro, como lucro, traduz todo um movimento e motivações dos esforços

para manutenção do sistema de moeda estável, mercado autorregulado e do padrão-ouro do

modo de produção capitalista. No decorrer de uma geração, este mediador foi transladado, e

toda a humanidade estava e ainda está sujeita à sua influência integral. Sua maturidade se deu

na hegemonia mundial da Inglaterra durante a revolução industrial, na primeira metade do

século XIX, e alcançou os Estados Unidos, na hegemonia norte-americana, cinquenta anos

depois. Avança, na atualidade, com a, segundo (ARRIGHI, 2008) e outros, hegemonia

chinesa. Alio ao lucro, outras traduções aqui realizadas: crises, falência, investimento,

emprego, endividamento, desemprego, moeda, crédito.

Quando afirmou que nem sempre a humanidade foi guiada pela ideia do lucro, Polanyi

contestou a afirmação de Adam Smith. Smith sugeriu que a divisão do trabalho na sociedade,

dependia da existência da propensão humana de barganhar, permutar e trocar uma coisa pela

outra. Essa afirmação de Smith deu origem ao conceito de homem econômico. Polanyi, após

seu estudo afirmou: “Em retrospecto, pode-se dizer que nenhuma leitura errada do passado foi

tão profética do futuro” (POLANYI, 2012, p. 46), pois essa propensão só foi identificada em

meados do século XIX, com o advento da revolução industrial.

Assim, a humanidade, em especial, a classe trabalhadora, foi abalada por esta

propensão especifica de forma teórica e pratica, em suas atividades econômicas, políticas e

sociais, uma centena de anos depois do que fora prevista. Porque seus efeitos foram e são

devastadores para os que vendem a sua força de trabalho, não possuem os meios de produção,

nem efetividade nas questões tocantes a política e a ampliação da ação pública.

Polanyi (2012) já vislumbrava, e essa é sua tese central, que o mercado autorregulado

apresentaria suas limitações, muito antes da afirmativa de economistas, tais como Keynes,

que viram tardiamente que os mercados não poderiam ficar entregues a si próprios. Assim,

acabaram precisando que o Estado viesse a desempenhar amplo papel na esfera da economia,

da política e da sociedade. Podemos citar como exemplo, a regulação dos mercados

financeiros. Portanto, saber como a economia, a política e a sociedade se organizam, em cada

tempo histórico, é extremamente relevante. Nesse contexto, apresento a seguir, a discussão

sobre a economia de mercado, com o advento da intervenção estatal.

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2.5 A ECONOMIA DO MERCADO AUTORREGULADO COM INTERVENÇÃO DO

ESTADO

A autorregulação dos mercados caracteriza-se pela junção de diferentes mercados

(países e setores empresariais), tendo em vista que para o setor industrial, a existência de um

mercado baseado no sistema de oferta e procura, é fundamental para o estabelecimento do

preço das mercadorias. No pensamento de Polanyi, as mercadorias trabalho, terra e dinheiro

tornaram-se essenciais para economia baseada em mercado, e estruturada em função do

maior objetivo no ideário liberal, como já assinalado, o lucro.

No século XIX, as ideias expressas pelo liberalismo permitiram que os interesses do

livre mercado, da acumulação e autorregulação, tivessem mais força do que em qualquer

outro período histórico. Considerando as características acima e o descrito sobre os esforços

para manutenção do padrão-ouro, a classe trabalhadora foi a mais prejudicada pelas decisões

tomadas, pois tais medidas trouxeram consequências como o aumento do desemprego, a

desigualdade social e de renda e a diminuição dos salários.

Haviam os partidos trabalhistas que representavam a classe trabalhadora, e que

tentaram garantir a proteção social e a manutenção das instituições que foram falindo com as

drásticas medidas liberais. Entretanto, os sindicatos ainda estavam em seu processo de

formação, e só posteriormente ganham força e expressão. Sendo assim, a vida cotidiana foi

abalada pelas ações do modelo liberal rumo a propalada ideia de progresso industrial. Este

processo potencializou a degradação da natureza e ameaçou a vida das pessoas.

A vida do homem comum se viu, portanto, desarticulada pela noção do

progresso/desenvolvimento: que não estava centrado no bem-estar comum; que proporcionou

o colapso da condição humana; que aumentou consideravelmente a pobreza e o desemprego

aprofundando as desigualdades, que degradou cotidianamente o planeta sendo essas suas

marcas fundamental e estrutural.

Por consequência, a ideia de progresso se fez à custa do bem-estar do povo e da vida

no planeta. A força ideológica do pensamento e da estratégia liberal no fortalecimento da

economia do laissez faire, como garantia do progresso no século XIX, significou a criação,

como já assinalado, de um mercado de trabalho livre, mas ao mesmo tempo a extensão da

desigualdade social e da miséria material sem precedentes no mundo.

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À vista disso, houve largo processo de inovações tecnológicas, por meio do

investimento em novos maquinários que previam produtividade e economia da utilização da

força de trabalho. Porém, essas inovações não diminuíram a sua necessidade, mas ao contrário

fizeram aumentar o uso do trabalho humano, e ainda passou a exigir sua formação

profissional (FLORES, 2006).

Atente-se que a contradição presente na dinâmica é perceptível, pois a introdução dos

mercados livres, longe de abolir a necessidade de controle de regulamentação e intervenção

do Estado, na realidade o incrementou devido ao processo de degradação e inovação. No

entanto, a ideia era que os administradores do Estado deveriam garantir o funcionamento livre

do sistema para o estabelecimento do laissez faire.

Com a degradação social, a autoproteção da sociedade foi defendida até pelos liberais.

Polanyi (2012). Em uma lógica contraditória, os liberais patrocinaram atos legislativos para

proteção dos trabalhadores e clamaram a intervenção do Estado, porém viram neste mesmo

mecanismo o colapso da economia do livre mercado. Segundo esse pensamento, a intervenção

estatal aliada à fragilidade do sistema de mercado mundial acabou por construir a ruína do

sistema econômico. As tarifas de importação de um país, dificultavam as exportações do

outro e os forçaram a procurar mercado em regiões politicamente desprotegidas.

Sendo assim, a intervenção do Estado na economia para regular os efeitos sobre a

sociedade e, ao mesmo tempo, garantir o lucro do capital, é uma contradição que esteve e

continua presente na história do desenvolvimento do capitalismo. Por um lado, a teoria

clássica está baseada na noção de pleno emprego da força de trabalho e dos demais fatores da

produção, como também, na não intervenção do Estado na economia. Por outro lado, a teoria

clássica reivindicava a intervenção estatal para o pleno emprego, tudo isso me remeteu aos

defensores do Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State.

O Estado de Bem-Estar Social é uma forma de Estado que visa atuar com foco na

relação entre o campo da economia e o campo social. Tem como base, a distribuição de renda

e a prestação de serviços por parte do Estado a população, serviços tais como educação,

habitação, saúde, trabalho, dentre outros. O Estado, nesta visão, organiza tanto a vida

econômica e política quanto social do país.

No entanto, o liberalismo econômico da escola clássica teve por premissa, o fim da

intervenção do Estado na produção e na distribuição das riquezas. Preconizou o fim das

medidas protecionistas e dos monopólios e defendeu a livre concorrência entre as empresas. O

argumento primordial dos clássicos, ressalvadas suas diferenças, consistiu na concepção de

que a economia de mercado possuía mecanismos que autorregulariam seu funcionamento.

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Essa ótica está aliada à concepção de que o bem-estar coletivo é resultado do esforço

individual. Então, o papel do Estado seria não colocar obstáculos ao livre desenvolvimento

das forças que promoveriam o crescimento econômico e o progresso (OLIVEIRA e

STRSSBURG, 2018).

Entretanto, quando alguns autores adeptos dessa teoria apresentavam argumentos

contrários a autorregulação da economia, que pudessem justificar a intervenção do Estado, o

objetivo maior era defender a acumulação de capital, embora defendendo, também, os

interesses sociais (OLIVEIRA e STRSSBURG, 2018).

E assim, surgiram as ideias keynesianas baseadas no volume de emprego da força de

trabalho e no bem-estar social. Apesar de ser um liberal, burguês, Keynes considera o sistema

sob uma ótica diferente da visão individual dos economistas que o precederam. Para ele, o sistema é um mecanismo complexo e instável de acumulação de capital que, se entregue a si mesmo ou à mão invisível, se tornaria vítima de suas próprias crises. Keynes, então, concebe o Estado como um mecanismo importante para evitar o colapso do sistema (OLIVEIRA e STRSSBURG, 2018, p. 3).

A defesa de Keynes, era que houvesse intervenção do Estado na organização direta dos

investimentos. Na realidade, o autor viu que as empresas não tinham capacidade para manter

os investimentos, em patamar que garantisse o desenvolvimento da economia, e o volume do

emprego. Isso causava efeitos negativos na distribuição de renda, e elevava as taxas de

desemprego (DILLARD, 1989).

Para isso, atribuiu ao Estado o papel econômico de controlador monetário, com o

objetivo de evitar que as alterações no valor do dinheiro corroessem as bases do capitalismo e

interferissem no processo produtivo. Entretanto, havia limitações na intervenção do Estado, o

mesmo não conseguiu manter a taxa de juros em um nível compatível com o pleno emprego.

Tal fato, poderia interferir diretamente nas ações do Estado de Bem-Estar, porque se o Estado

não consegue regular a política e a economia para diminuir a taxa de desemprego, isso geraria

dentre outras coisas, desigualdades de renda e social (DILLARD, 1989).

Assim, houve uma batalha ideológica irreconciliável entre keynesianos e neoliberais, e

ambos utilizavam argumentos econômicos. Os primeiros afirmavam que o investimento no

pleno emprego, altos salários e no Estado de Bem-Estar criariam as demandas pelo consumo

que alimentaria a expansão. Esses diziam, que criar estas demandas na economia era a forma

de enfrentar as depressões econômicas. Já os neoliberais, afirmavam que a economia e a

política do padrão-ouro impediam o controle da inflação, e o corte de gastos tanto no governo

quanto nas empresas permitiriam que os lucros aumentassem (HOBSBAWN, 1995).

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Nessa configuração divergente, o Estado de Bem-Estar passa a ser uma decisão interna

de cada país, e historicamente só os países desenvolvidos tem conseguido garantir essa

dinâmica. Cabendo revelar, que como a hegemonia econômica e, consequentemente, política

é exercida pelo capital, o Estado acaba não conseguindo interferir plenamente. Para isso

ocorrer, seria preciso que o Estado pudesse regular a dinâmica política e econômica em favor

da sociedade. Precisaria então, ser o ator central, embora não único, de regulação da

sociedade, aliando a isso, em minha visão, a criação de instrumentos de gestão efetivos e com

base nos princípios da ação pública.

Entretanto, a afirmação sobre o Estado de Bem-Estar é relevante porque ao discutir o

tema, Brito Junior (2014), o fez pela questão da imigração. O autor, aludiu ao filme Elysium. Elysium é uma estação espacial disponível apenas para os mais ricos, enquanto o restante dos seres humanos mora na Terra, superpopulosa, decadente. A imigração é proibida (...) enquanto alguma imigração ilegal de fato acontece (BRITO JUNIOR, 2014, p. 1).

Usou essa metáfora, para fazer a discussão sobre o modelo de Estado de Bem-Estar

Social. Na ótica do bem-estar, a tendência recorrente é fazer a divisão automática entre países

ricos e pobres. Nos países ricos os governos têm como princípio, um nível elevado de bem-

estar para seu povo, e há países cujos governos oferecem um menor bem-estar, e que, Portanto, ainda apresentam uma proporção de pobreza (...) E aí comparamos com países como a Suécia, que já foi chamada de “a sociedade mais bem-sucedida que o mundo já conheceu”, ou mesmo a Dinamarca, cuja capital, Copenhague, foi eleita a cidade com melhor qualidade de vida do mundo (BRITO JUNIOR, 2014, p. 2).

Então, os países com Estado de Bem-Estar extensos, como Suécia e Dinamarca, são

considerados, geralmente, mais bem-sucedidos em promover justiça social, inclusão social e

redução da pobreza e das desigualdades, em comparação com países cujo Estado de Bem-

Estar é relativamente menor, como Hong Kong. Porém, os países com Estado de Bem-Estar

Social mais generosos foram comparados, pelo autor, como grandes condomínios de luxo, que

mantém a pobreza fora deles por meio da política de imigração. Hong Kong, com uma atitude exatamente contrária, deixa que as pessoas migrem, e, mesmo vivendo em condições não tão boas, essas pessoas afirmam que estão melhor do que quando estavam em seus países de origem. “Já a política de países europeus “generosos” e “humanitários” é deixar que os pobres de países muito pobres continuem “pobres”, mas fora de suas fronteiras, claro, de modo que as estatísticas de pobreza permaneçam baixas” (BRITO JUNIOR, 2014, p. 2).

Segundo o autor, países com Estado de Bem-Estar possuem, também, uma população

não rica, e o Estado dá provimento por meio do exercício de redistribuição. Portanto, existe

desigualdade de renda, mas não há degradação humana, E assim, é possível pensar a que

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custo essa sociedade de bem-estar se mantém, talvez seja a custo da degradação mundial. A

pauperização, em diversos países, acabou ocasionando o fenômeno da imigração de

trabalhadores, e os países que mantém o nível de bem-estar é porque não permitem a

circulação da mercadoria força de trabalho. Essas pessoas pobres e trabalhadoras seriam ajudadas com a abertura das fronteiras, não apenas por poderem se mover para lugares com mais oportunidades e mandar dinheiro aos seus familiares que permanecem nos países de origem. Outro dado relevante é que o PIB mundial dobraria caso a imigração fosse livre, ou melhor se fossem eliminadas todas as barreiras à mobilidade do trabalho (CLEMENS, 2011, p. 84) (tradução livre).

Portanto, em que pese o Estado de Bem-Estar Social ter sido uma inovação e ter

atenuado os efeitos sobre o trabalho, o fato é que na globalização atual, além do recorrente

protecionismo, barreiras comerciais, Para financiar seu bem-estar social generoso e extenso, muitos países desenvolvidos tem fechado suas fronteiras, limitado a imigração das pessoas mais pobres do mundo, isso é um grave atentado à justiça social, e aqueles países que, abrindo mão de um bem-estar social por demais extenso, acolhem mais imigrantes, podem ser mesmo considerados (sob este quesito) mais cumpridores da justiça social do que aqueles últimos (BRITO JUNIOR, 2014, p. 3).

Ressalte-se, que quando se pensa na desigualdade de renda e social, a primeira ação é

pensar dentro das fronteiras de um país. Isto é bem entendido, em um mundo onde a

sociedade estava organizada sob a ideia de Estado-Nação. Nesse contexto, em que a vida

política e social era organizada em nível de cada país, a ideia de bem-estar foi fortalecida,

pois no que diz respeito a questão social, garantiu o nível de renda e o acesso a inúmeros

benefícios gratuitos. No entanto, este ideário está distante da realidade política, social e

econômica atual. E tal fato, em um mundo globalizado e sob o signo do modo de produção

capitalista financeirizado, precisa ser pensado a partir da realidade concreta.

Sendo assim, em consonância com o descrito acima, pode-se inferir que na

globalização atual há diferentes maneiras de perceber as desigualdades no mundo. Essas,

tomaram proporções que me levam a pensar na necessidade de estudos que possam perceber o

fenômeno na totalidade e por meio dos atores, tendo em vista o quadro devastador que se

pode perceber (BRANKO, 2012). Portanto, a ideia aqui proposta seria deixar de olhar dentro

dos limites de um Estado-Nação, e olhar para a desigualdade no mundo (entre todos os

indivíduos), olhar o coletivo humano como uma totalidade. Ao agir assim, para pensar essa

questão, talvez, seja possível melhorar o entendimento sobre os aspectos em geral das

desigualdades.

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Dessa maneira, embora liberalismo e Estado de Bem-Estar sejam duas concepções

diferentes e contraditórias, ou seja, ideais que conviveram ao longo dos séculos em conflito,

na unidade dialética é possível perceber que ambas são fundamentadas, em grande parte, para

a garantia da acumulação do capital e do lucro. Por isso, acabaram por apontar para um

mesmo resultado. Em um primeiro momento, dentro dos países e posteriormente, na ordem

mundial.

No contexto em que surgiu o Estado de Bem-Estar, é relevante lembrar que durante a

Depressão dos anos de 1930, existiram três opções de sociedade que lutaram pela hegemonia

intelectual e política. A primeira, seria o comunismo russo que parecia imune a catástrofe

mundial. A segunda, seria um capitalismo que não acreditava na otimização do livre mercado

e reformado pela ligação permanente, com a social democracia dos movimentos trabalhistas.

A terceira, que seria o fascismo em sua versão alemã com o nacional/socialismo que se tornou

em um perigo mundial em função da Grande Depressão. O fascismo, se beneficiou “tanto da

tradição alemã que era hostil às teorias neoclássicas de liberalismo econômico, quanto de um

governo implacável, decidido a livrar-se do desemprego a qualquer custo” (HOBSBAWN,

1995, p. 112).

No processo de desenvolvimento global, vale ressaltar também, que a depender de

cada país hegemônico, o mesmo assumiu forma heterogênea e desigual. Após a Segunda

Guerra Mundial, a recente hegemonia norte-americana apresentou um caráter social que se

refletiu nos arranjos institucionais do sistema como um todo, e que se mostrou bem diferente

da economia global sob a hegemonia do Reino Unido (ARRIGHI, 2008).

Segundo Wallerstein (2002), a hegemonia dos EUA ocorreu depois de um longo

processo que começou com a recessão de 1873- na fase B de Kondratiev. Os dois países mais

fortes eram EUA e Alemanha, pois de 1873 a 1914, estes países superaram o Reino Unido em

termos de produção com vistas ao mercado mundial e passaram a dominar alguns setores, tais

como: aço e automóveis nos EUA e o setor petroquímico na Alemanha. Tomando a segunda

guerra mundial como a continuidade da primeira, o autor encarou que a Guerra durou 30 anos

e revelou que a sucessão hegemônica assumiu dimensão ideológica em 1933.

A Alemanha, com Hitler, engendrou esforços para transformar a economia mundial em

um império-mundo (modelo no qual apenas um Estado exerce a liderança política), ao invés

de tentar exercer a hegemonia do sistema-mundo, (modelo no qual uma multiplicidade de

Estados interage em uma esfera econômica global). Na visão de império-mundo de Hitler, o

lema nazista foi um império de mil anos e essa sua dimensão ideológica. A dimensão

ideológica do sistema-mundo sob a hegemonia dos EUA, por sua vez, foi a defesa da

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ideologia dominante da geocultura, a saber, o liberalismo mundial centralizado

(WALLERSTEIN, 2002).

Entretanto, houve pressão generalizada sobre os governos no século XX, em especial

no pós-guerra, para que a economia e a política tivessem outros objetivos. Deveriam priorizar

o aumento da oferta de empregos, o aumento nos investimentos em obras públicas, e que

precisavam fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas diferentes das que

existiram no século XIX (HOBSBAWN, 1995).

No século XX, a economia de guerra acelerou o processo de declínio do liberalismo e

balançou a influência do dominante pensamento liberal, colocando os objetivos, citados

acima, na ordem do dia. Contudo, os conflitos não tiveram fim e os EUA pretendiam

subordinar o mundo ao modelo do New Deal. Criar o Estado de Bem-Estar de forma global

fazia parte da estratégia de criação, segundo Arrighi, “de um Estado da guerra e do Bem-Estar

social”, em função de se fazer “concorrência e oposição ao sistema soviético de Estados

comunistas”, (ARRIGHI, 2008, p. 162) que era bem diferente da proposta americana.

Para compreender esse processo, Arrighi (1996), como dito anteriormente, estudou as

estruturas e os atores que moldaram o curso da história moderna e identificou quatro longos

séculos que tratou como unidades básicas temporais. Analisou os processos de acumulação

capitalista, por meio do conceito de Ciclos Sistêmicos de Capital, (CSC). Os CSC

representaram uma forma peculiar de verificar quem comandava o mundo, e qual processo

econômico de acumulação de capital (o dinheiro), e qual processo político (as formas de

organização da sociedade e do Estado) foram desenvolvidos.

No início de seu trabalho Arrighi só pretendia estudar o século XX, pois sabia que a

ascensão norte-americana só poderia ser compreendida ao se estabelecer a sua relação com a

queda do sistema britânico. No entanto, a pesquisa, segundo o autor, se transformou em um

estudo denominado de “os dois grandes processos interdependentes da era moderna: a criação

de um sistema de estados nacionais e a formação de um sistema capitalista mundial”

(ARRIGHI, 1996, p. IX). Fez a mudança baseado na crise econômica internacional na década

de 1980. Descobriu que a “financeirização” do capital, que foi percebida como um dos

aspectos da crise de 1970, transformou-se no traço predominante da crise. Tal como acontecera oitenta anos antes, no curso da derrocada do sistema britânico, os observadores e estudiosos começaram a anunciar mais uma vez que o “capital financeiro” era o último e mais avançado estágio do capitalismo mundial. Foi neste clima intelectual que descobri, no segundo e terceiro volumes da trilogia de Fernand Braudel, Civilization matérielle, économie et capitalisme, o esquema interpretativo que se converteu na base do livro. Neste esquema, o capital financeiro não é uma etapa especial do capitalismo mundial, muito menos seu estágio mais recente e avançado. Ao contrário, é um fenômeno recorrente, que marcou a era capitalista

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desde os primórdios, na Europa do fim da Idade Média e início da era moderna (ARRIGHI, 1996, p. IX).

Com essa descoberta em relação ao capital financeiro (dinheiro), o autor reconceituou

o século XX, como composto por três fases de expansão: 1)Expansão financeira do fim do

século XIX e início do século XX, durante o qual as estruturas do regime britânico foram

destruídas e surge o regime norte-americano; 2) Expansão da década de 1950 e 1960, sob a

égide dos EUA em que houve expansão mundial do comércio e da produção; 3)Expansão

financeira, que vem destruindo as estruturas dos EUA, e a criação de um “novo regime”.

O século XX, sobre a hegemonia dos EUA, seria o último dos quatro longos séculos.

Mas o autor percebeu, que todos os outros se configuraram de forma semelhante, e que cada

um foi se constituindo como uma etapa específica do desenvolvimento, do moderno sistema

capitalista mundial.

Wallerstein (2002), ao analisar o sistema-mundo, o fez da perspectiva dos ciclos de

longa duração de Braudel e do processo de acumulação e funcionamento do capitalismo e da

luta de classes, advindas de Marx. Assim, entende-se que a economia-mundo opera por meio

da relação entre capital e trabalho, em que a mais-valia gerada pelo trabalho é apropriada pelo

capital, e que isso com o tempo se reconfigurou, e a expropriação da mais-valia não só passou

a ocorrer entre o trabalhador e o capitalista, mas passou haver extração da mais-valia entre os

países, dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos (NOGUEIRA, 2007).

Confirmando assim, em meu entender, o custo mundial do Estado de Bem-Estar Social que

possuem alguns países, e a ampliação da dominação da classe capitalista global.

Dessa forma, é possível perceber o caráter orgânico que permitiu a unidade a esses

processos e estruturas, a saber, a divisão do trabalho, A divisão do trabalho no sistema

capitalista, ultrapassou as barreiras nacionais e culturais, ou seja, ultrapassou a política, a

economia, as sociedades e as questões locais. Portanto, pode-se perceber a importância para

este estudo, em conhecer os ciclos de acumulação de Arrighi e discutir, especialmente, o

quarto ciclo, o ciclo econômico norte-americano, pois foi durante a influência da hegemonia

dos EUA no mundo, que o Brasil investiu mais em seu processo de desenvolvimento

industrial e em seu modelo educativo.

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2.6 SISTEMA CAPITALISTA E CICLOS SISTÊMICOS DE ACUMULAÇÃO DE

CAPITAL

De acordo com Arrighi, (1996, p. 87) “A constituição do sistema da livre empresa

como estrutura dominante da economia capitalista”, pode ser considerada como o estágio

mais avançado de um processo de diferenciação entre empresas comerciais e governos.

Diferencia as duas organizações, com base em seus objetivos, nos métodos empregados e em

suas consequências sociais. Para o autor, Os governos são organizações voltadas para o poder, que utilizam a guerra, a força policial e os procedimentos jurídicos, suplementados por apelos aos sentimentos morais, como meios característicos de atingir seus objetivos; elas geram sistemas de direito e de fidelidade. As empresas comerciais, em contraste, são organizações voltadas para o lucro, que utilizam como atividades costumeiras a compra e a venda, geram sistemas de produção e distribuição (ARRIGHI, 1996, p. 87).

O autor, comparou as estruturas e os processos do sistema capitalista mundial como

um todo, e em diferentes etapas de seu desenvolvimento. Concentrou-se nas estratégias e

estruturas dos agentes governamentais e empresarias, em cada um dos quatro CSA (genovês,

holandês, britânico e norte-americano), devido a posição central que ocuparam

sucessivamente, na formação das etapas. A explicação dada pelo autor em seu livro, “como

indica seu subtítulo, é a mais relevante para o entendimento da relação entre dinheiro e o

poder na formação de nossa época” (ARRIGHI, 1996, p. XII). Como já citado anteriormente,

os governos seriam as organizações voltadas para o poder, as empresas comerciais, em

contraposição, são organizações voltadas para o lucro.

No início de sua existência, as redes de acumulação de capital eram inseridas em redes

de poder e a estas estavam subordinadas, e que para terem sucesso na obtenção do lucro, era

preciso que as empresas fossem Estados poderosos. O autor, citou o caso da experiência das

oligarquias capitalistas do norte da Itália, essas eram líderes não só nos processos de

acumulação de capital, mas, também, nos processos de gestão do Estado e da Guerra. No

entanto, na medida em que se faz uma inversão e as redes de acumulação se estendem de

forma global, essas se tornaram cada vez mais autônomas e dominantes em relação às redes

de poder.

Então, pode-se observar que há certa transformação dos papéis institucionais na

economia capitalista, pois os governos precisam ter liderança não só nos processos de gestão

do Estado e da Guerra, mas também no de acumulação de capital. Esta transformação se

estabeleceu, por meio de vários ciclos sistêmicos de acumulação, cada um consistindo em

fases de expansão material, seguida por fases de expansão financeira. O autor se utiliza

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da fórmula geral de Marx para o capital: DMD’. O capital-dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada combinação insumo-produto, visando ao lucro; portanto, significa concretude, rigidez e um estreitamento ou fechamento das opções. D’ apresenta ampliação da liquidez, da flexibilidade e da liberdade de escolha. (...) Não é com um fim em si que os agentes capitalistas investem dinheiro em combinações específicas de insumo-produto, com perda concomitante da flexibilidade e da liberdade de escolha. Ao contrário, eles o fazem como um meio para chegar à finalidade de assegurar uma flexibilidade e liberdade de escolha ainda maiores num momento futuro (ARRIGHI, 1996, p. 5).

Uma segunda interpretação a fórmula de Marx é realizada pelo autor que assim

descreve: A fórmula também nos diz que, quando os agentes capitalistas não têm expectativas de aumentar sua própria liberdade de escolha, ou quando essa expectativa é sistematicamente frustrada, o capital tende a retornar a formas mais flexíveis de investimento – acima de tudo, à sua forma monetária. Em outras palavras, os agentes capitalistas passam a “preferir” a liquidez, e uma parcela incomumente grande de seus recursos tende a permanecer sob forma líquida (ARRIGHI, 1996, p. 5).

O autor estudou o pensamento de Braudel e destacou as características fundantes do

capitalismo durante toda sua longa história, a saber: flexibilidade e o ecletismo, e não as tais

concretas formas assumidas, pelo mesmo, em diferentes épocas e lugares. Em certas épocas

como, por exemplo, no século XIX, o capitalismo pareceu especializar-se, pois se deslocou de

forma espetacular para o mundo novo da indústria nascente.

Tal especialização, levou os estudiosos a encararem a indústria como a que daria ao

capitalismo a sua verdadeira identidade, e este seria o seu desdobramento final. Isso, é claro,

foi uma grande ilusão. O que se conseguiu efetivamente com este movimento, foi

potencializar a mobilidade do capital e degradar os recursos naturais. Sendo importante

destacar, mais uma vez, e de acordo com Arrighi (1996), a importância em se compreender os

ciclos de acumulação no modo de produção capitalista.

Arrighi afirmou, que a ideia de ciclos sistêmicos de acumulação – (CSA), considera o

capitalismo como a camada superior não especializada da hierarquia do mundo do comércio,

e que é nesta camada superior que se fazem os lucros em larga escala. Os lucros são enormes,

porque além da classe capitalista monopolizar as atividades econômicas mais lucrativas,

possui a flexibilidade para deslocar continuadamente os seus investimentos de atividades que

estejam enfrentando redução dos lucros, para as que estão dando mais lucro.

Um capitalista é assim chamado, pelo fato de seu dinheiro ser dotado da capacidade

sistemática de mobilizar-se e multiplicar-se, seja qual for a natureza das mercadorias e das

atividades que o constituem. O autor, realizou a análise comparativa dos sucessivos CSA

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visando identificar: a) padrões de recorrência e evolução; e b) as anomalias das fases de

expansão financeira.

Desta forma, Arrighi identificou a existência de quatro CSAs ao longo da história de

desenvolvimento do capitalismo: 1) Ciclo genovês, do século XV ao início do século XVII; 2)

Ciclo holandês, fim do século XVI e grande parte do século XVIII; 3) Ciclo britânico, da

segunda metade do século XVIII até início do século XX; 4) Ciclo norte-americano, iniciado

no início do século XX.

Importante salientar, que a ideia de ciclos de acumulação é derivada da observação

braudeliana de que todas as grandes expansões comerciais da economia, anunciaram sua

maturação com a chegada da expansão financeira. Esta fase de expansão financeira, Arrighi

(1996, p. 88) a identificou como “o momento que a expansão comercial desloca suas energias

do comércio de mercadorias para o de moedas”.

Para o autor, os últimos 25 anos do século XIX, foram responsáveis por moldarem as

estratégias e estruturas de acumulação de capital do século XX. Numa rápida alusão aos

processos anteriores, afirmou que houve sempre, em cada fase de acumulação, nova

internalização dos custos na lógica da economia capitalista. Tal como no regime holandês levara os processos de acumulação de capital em escala mundial um passo adiante dos genoveses, ao internalizar os custos de proteção, e tal como o regime britânico os levara um passo além dos holandeses, ao internalizar os custos de produção, o regime norte-americano fez o mesmo em relação aos britânicos, ao internalizar os custos de transação (ARRIGHI, 1996. Pág. 247)

Ainda segundo Arrighi (2008, pág. 161), a noção de desenvolvimento capitalista na

modernidade, faz parte da abordagem teórica e de certa interpretação da economia do capital

alicerçada em CSA. O autor começa analisando as três formas de hegemonia do capitalismo

histórico, que são respectivamente: hegemonia, capitalismo e territorialismo. A nova relação

entre capitalismo e territorialismo, criada no século XVIII pelos mercantilistas franceses e

britânicos, foi alicerçada em três componentes principais: a colonização direta, a escravatura

capitalista e o nacionalismo econômico.

Portanto, a hegemonia estaria ligada a competência do Estado de exercer funções de

liderança e de governo. O capitalismo é visto como uma tendência de grupos que acabam

mobilizando seus respectivos estados, para propiciar um maior universo de atuação para as

empresas capitalistas, favorecendo assim, suas posições competitivas no mercado. Em relação

ao territorialismo, o autor afirma que os governantes no sistema capitalistas identificam o

poder como a extensão de seu próprio controle sobre os recursos escassos, e que esses

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consideram as aquisições territorialistas, não só um meio, mas um subproduto da acumulação

de capital. Nessa dinâmica, interessou entender, também a hegemonia e a ação pública.

2.7 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA RELAÇÃO ENTRE HEGEMONIA, ESTADO,

DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

Embora outros autores tenham escrito e falado sobre hegemonia, foi com Gramsci que

o conceito adquiriu centralidade política. Gramsci argumentou que o proletariado, para tornar-

se classe dirigente e dominante, necessitava de uma liderança política, com capacidade

intelectual e moral, capaz de constituir a denominada vontade coletiva rumo a construção de

um bloco hegemônico.

Em seu tempo, Gramsci discutiu a possibilidade de construção de uma sociabilidade

diferente, a possibilidade de transformação das condições de vida das classes não dominantes,

que passaria, consequentemente, pela construção de uma nova hegemonia. Hegemonia, cujo

processo de estruturação não ocorreria somente a partir do campo econômico, (estrutura), mas

também pelas ideias e valores existentes na sociedade (superestrutura), ou seja, pela ideologia

(GRAMSCI, 1979), pela educação, pela política e pela cultura.

Rebuá, nos alerta que: Ao se estudar criticamente a obra de Gramsci, infere-se que seu conceito de hegemonia, porque amplo e dialético, compreende a educação como dimensão fundamental da realidade histórico-social contemporânea, conferindo à ação pedagógica um lugar de destaque nos esforços por uma pujante reforma intelectual e moral. A educação é parte integrante do processo político ou hegemônico, sendo trincheira no processo de construção de novos sentidos, caminhos, possibilidades. Todo projeto hegemônico pressupõe a força, mas principalmente, o consenso, que exige para sua consecução um trabalho pedagógico de direção (REBUÁ, 2015, p. 3).

Neste sentido, para discutir as determinações sociais e políticas do real significa,

também trazer em cena, além de hegemonia, a contra hegemonia, a ideologia, e o debate

sobre a educação e a cultura. Na visão gramsciniana, a cultura não deve ser compreendida

como uma esfera autônoma na organização dos processos sociais, mas como lógica interna

que serve como parâmetro aos discursos do capitalismo globalizado.

Importante registrar, que durante a hegemonia norte-americana houve a criação de

dispositivos de poder, que foram sendo dispostos para garantir a proteção e a reorganização

do novo mundo livre. Dispositivos tais como, Bretton Woods e a Organização das Nações

Unidas – ONU. Esses instrumentos eram e são administrados pelo governo do EUA no

exercício da hegemonia mundial. Essas organizações beneficiaram a produção das empresas

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norte-americanas, especialmente, no momento da formatação do Acordo Geral Sobre Tarifas e

Comércio (GATT); deixando nas mãos do governo norte-americano, o controle sobre o ritmo

e a direção da liberalização comercial (CHANG, 2004). Para Polanyi (2012), acabou por se

constituir em um arranjo do comércio mundial e não no dito e esperado regime de livre

comércio.

Levando em conta os autores até aqui estudados, outra questão que se apresentou nos

tempos modernos, foi que o crescimento econômico e financeiro do mercado deixado a si

conduziu a degradação social, com o aumento da pobreza e das desigualdades. Pode-se

observar, que a grande (trans)formação do sistema de mercado e do modo de produção levou

à desarticulação da sociedade. Por isso, comprometeu seu próprio funcionamento e pediu a

intervenção do Estado. Mas, distante das previsões de Polanyi e de tantos outros autores, o

sistema que hoje comanda o mundo, mesmo considerando suas diferenças, nos faz pensar que

ainda é preciso ocorrer à verdadeira grande transformação. Essa só poderá começar a ser

garantida, com a radicalização da democracia e a ação pública. Destacando-se também, que é

pertinente colocar toda essas questões sob o ponto de vista da ação política.

As ações, acima propostas, precisam levar em consideração a hipótese que Latour

levantou, À un moment, quelque part à la fin des années 1970 où au début des années 1980, les membres les plus astucieux des classes dominantes ont compris que la globalisation n`était pas soutenable écologiquement. Mais, au lieu de changer de modele économique, ils ont décidé de renoncer à l`idée d´un monde commun. D`où, dès les années 1980, des politiques de déréglementations qui ont abouti aux inégalités hallucinantes que l`on connaît aujourd`hui. Cette brutalité économique – redoublée par une brutalisation de l`expression politique – est une maniére de dire aux autres classes: “Désoles, brave gens, nous avons renoncé a faire um monde commun avec vous” (LATOUR, 2017, p. 79).

Portanto, foi e é preciso pensar realmente, na intervenção reguladora do Estado

ampliado (não só em nível nacional, mas também, internacional), e cada vez mais considerar

a participação direta dos representantes da sociedade civil na definição, implementação e

avaliação das políticas no âmbito local e mundial. Isso, talvez possa possibilitar a presença

do princípio da ação pública na política, em nível nacional e internacional.

Importante salientar, que a ação pública tem por objeto as decisões no que concernem

as políticas e estratégias no tocante aos problemas vividos pela população. A ação pública,

cotidianamente, enfrenta situações em que há tomada de decisões cuja ação ideal a ser

definida por um ator depende do que escolhe e faz o outro ator. Estas situações, são como

jogos de interesses em que os atores devem decidir sobre as estratégias para atuar em um

jogo, em que não se pode prever com precisão o que vai ocorrer.

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Para além dessa questão, acrescento que o processo de industrialização e sua

intensificação, que também são partes integrantes do desenvolvimento, foram, ao longo do

tempo e de acordo com os discursos, trazendo demandas e necessidades ao campo educativo.

E então, diferentes países foram desenvolvendo seus sistemas de educação, visando dar

suporte tanto às questões econômicas, políticas e sociais quanto as industriais. Sendo assim,

no processo de formação da sociedade, a relação entre desenvolvimento e educação, nos

diferentes modelos de produção, é bastante importante.

2.8 A ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E A (TRANS) FORMAÇÃO DO TIPO DE

TRABALHADOR: INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E EDUCAÇÃO

Neste trabalho, é relevante perceber como no processo de desenvolvimento da

sociedade capitalista foi se ampliando as exigências por um novo tipo de trabalhador e pela

sua educação escolar, com o processo de inovações tecnológicas. Diante disso, apresento a

seguir um breve relato desse processo em nível internacional.

Ponce, nos informa que em 1757, Voltaire escreveu ao Rei da Prússia aconselhando-o

a destruir a educação baseada na religião cristã, e assim expressou: “não digo na canalha,

indigna de ser esclarecida e para a qual todos os jugos são bons, mas na gente de peso”

(PONCE, 2001, p. 133). Em 1778, escreveu Diderot a Imperatriz Catarina da Rússia

aconselhando um plano para a instituição de uma universidade que pudesse instruir a todos, e

assim expressou: “É bom que todos saibam ler, escrever e contar – dizia ele -, desde o

Primeiro-Ministro ao mais humilde dos camponeses” (PONCE, 2001, p. 133). Quando a

nobreza Russa se opôs a educação dos camponeses, Diderot não teve dúvidas, e afirmou que

seria mais difícil explorar um camponês que soubesse ler do que um analfabeto.

Percebe-se que os autores acima foram contemporâneos, e o que os levou a posições

tão divergentes foi justamente as suas relações de classe e visões de sociedade. Embora

estivessem juntos em alguns pontos, tais como a necessidade social da religião, na visão em

relação à educação; Voltaire representava os anseios da alta burguesia e a nobreza letrada e

educada e Diderot representava os anseios dos artesãos e dos operários.

Contudo, com o processo de desenvolvimento tecnológico, a burguesia nesta época,

não poderia negar uma educação mínima ao povo, pois as máquinas que a indústria criava no

século XVIII, só poderiam ser operadas por quem soubesse ler e escrever. Portanto, foi

relevante observar as diferenças na visão e na ação entre os atores no tocante à educação da

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força de trabalho, que acaba por ter exigência cada vez maior, especialmente, da alfabetização

no século XIX.

No século XIX, as diferenças entre os países existentes no mundo eram educacionais e

culturais, no sentido mais amplo da palavra, porque: Por volta de 1880, predominavam no mundo "desenvolvido" países ou regiões em que a maioria da população masculina e, cada vez mais, feminina era alfabetizada; onde a vida política, econômica e intelectual havia, de maneira geral, se emancipado da tutela das religiões antigas, baluartes do tradicionalismo e da superstição; e que praticamente monopolizavam o tipo de ciência que era cada vez mais essencial à tecnologia moderna. No final dos anos 1870, qualquer país ou região da Europa que contasse com uma maioria de analfabetos quase certamente podia ser classificada como não-desenvolvida ou atrasada, e vice-versa. Itália, Portugal, Espanha, Rússia e os países balcânicos estavam, na melhor das hipóteses, nas margens do desenvolvimento (HOBSBAWM, 1988, p. 77).

No império austríaco, os eslavos dos territórios tchecos, os germanófonos e os

italianos e eslovenos tinham taxa de alfabetismo bem alta, e constituíam as partes avançadas

do país, ao passo que os representantes das regiões atrasadas, a saber, os ucranianos, os

romenos e os servo-croatas tinham altas taxas de analfabetismo. Nos países ditos periféricos a

população que vivia nas cidades era eminentemente analfabeta, e isso era considerado como

fator indicador bastante convincente de atraso, pois o índice de alfabetização urbano era mais

elevado que no campo (HOBSBAWM, 1988).

No entanto, os camponeses que geriam suas próprias empresas tinham uma taxa de

analfabetismo um pouco menor do que os trabalhadores agrícolas. Os setores menos

tradicionais da indústria e do comércio e os empregadores eram mais instruídos que os

operários. Portanto, observa-se a importância dos fatores de ordem cultural, social, político e

econômico quando nos dispomos a estudar as questões que envolvem o desenvolvimento de

nossas sociedades, em especial, estudar sua relação com a educação.

No que tange aos países pobres, o apelo à transformação social pela via educacional só

incluiu as elites locais. Mesmo nas regiões, como por exemplo, a África subsaariana, o

próprio imperialismo criou as possibilidades da existência de uma nova elite social baseada na

educação de estilo ocidental (HOBSBAWM, 1988).

Sendo assim, mais que trazer a educação como fator de desenvolvimento e

transformação social, o imperialismo, por meio de seus mecanismos, estava interessado na

ocidentalização do mundo. Esta forma de encarar, pode dar um diferencial substancial na

formação dos estados e países considerados como dependentes e atrasados. Países esses, que

serão erigidos sob a lógica do modo de produção capitalista, com visão de mundo

estabelecendo-se de forma preponderantemente exógena (CHANG, 2004).

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Essas breves considerações, em torno das exigências pela educação, são de bastante

relevância para a pesquisa, pois revelam que o processo de desenvolvimento da sociedade no

modo de produção capitalista e sua modernização técnica e científica demandaram, ao longo

da história, pela invenção de máquinas, por novos tipos de trabalho e pela educação dos

humanos.

Para Romanelli, A herança cultural, influindo diretamente sobre a composição e os objetivos perseguidos pela demanda escolar, os rumos que toma a economia, criando novas necessidades de qualificação profissional, e a expansão da educação escolarizada, obedecendo a pressão desses dois fatores, compõem o quadro situacional das relações existentes entre educação e desenvolvimento (ROMANELLI, 1978, p. 25).

Nesse contexto, me reporto a algumas conclusões de minha pesquisa de mestrado

quando estudei as inovações tecnológicas e sua relação com a educação da classe trabalhadora

nos séculos XIX e XX. No século XIX, duas questões destacadas na pesquisa são importantes

para esse estudo: primeira, o liberalismo econômico com a autorregulação dos mercados

tentou impor-se como modelo; segunda, a educação de massa foi uma demanda do processo

de desenvolvimento econômico e assegurada nos países desenvolvidos, por meio da acelerada

universalização do ensino primário. Foi promovida e/ou supervisionada pelos estados-nação

(FLORES, 2006).

Valendo destacar, que a dinâmica de desenvolvimento foi mudando a lógica social,

econômica e política, pois como citado acima, as mudanças embora universais se deram de

diferentes formas nos diferentes lugares, devido as complexidades envolvidas em cada caso.

Ressaltando-se, que o processo de desenvolvimento industrial foi aos poucos, exigindo uma

mão de obra melhor qualificada tecnicamente e possuidora de educação formal.

Na busca de entendimento sobre a temática, foi possível depreender que no processo

de transição do feudalismo para o capitalismo no final do século XVIII início do XIX, foi

introduzida novas formas de concepção de trabalho e de educação, advindas da primeira

revolução industrial. As inovações na indústria, modificaram completamente a estrutura

comercial da época provocando rupturas profundas na ordem econômica, política e social

(POCHMANN, 1999). Um claro exemplo que podemos citar, foi que as oficinas e artesãos

despareceram e entrou em cena um novo tipo de trabalhador, os operários; e um novo tipo de

local de trabalho, as fábricas (OLIVEIRA C. A., 2003), (FLORES, 2006), (GRAMSCI A. ,

1968).

No século XX, surgiu o modelo de produção taylorista/fordista, que estabeleceu rotina

de trabalho na linha de montagem, acelerou o ritmo de produtividade e a acumulação de

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capital. Ocorreu, dessa forma, a segunda revolução industrial com a substituição da máquina a

vapor, por energia elétrica e pelo petróleo no processo de produção. Suas características

fundamentais foram: a perda da hegemonia inglesa para os EUA e a produção em série.

Tudo isso, mudou radicalmente a dinâmica do trabalho e as exigências na qualidade da

mão de obra. As tarefas, passaram a ser divididas entre os que planejavam a produção e os

que executavam, ou melhor, faziam o produto. A qualificação da classe trabalhadora era baixa

e houve lutas por direitos, como a luta pela limitação da jornada de trabalho e a luta por

direitos universais tais como: saúde, trabalho, habitação, educação (SALM C. , 1998),

(ROMANELLI, 1978); (POCHMANN, 1999).

Nas primeiras décadas do século XX, ao analisar o movimento de constituição do

sistema de produção taylorista-fordista nos Estados Unidos, Gramsci indicou, que tal sistema

colocou a necessidade da “formação de um novo tipo de trabalhador, um trabalhador

adaptado” (GRAMSCI A. , 1968, p. 382) às novas formas assumidas pelo processo

racionalizado de trabalho. As suas características eram “linha de montagem, controle

acentuado de ritmos e dos tempos de trabalho, extrema parcelização das tarefas, uso extensivo

de força de trabalho não qualificada, altas taxas de rotatividade” (LEITE, 1994, p. 564).

Naquele momento, as mudanças ocorridas nas condições de realização do processo de

produção econômica, e de reprodução da formação social capitalista norte-americana,

colocaram a necessidade de um esforço na direção de adaptação da força de trabalho, aos

novos conteúdos que norteavam a organização produtiva (SALM C. L., 1980). Produção essa,

contida nos princípios tayloristas-fordistas e baseada no processo de adaptação que passava

pela internalização, por parte dos trabalhadores, de determinadas formas de comportamento

condizentes com as necessidades impostas pelo modelo de produção (FLORES, 2006).

Percebe-se assim, que a criação do trabalhador fordista, não se reduziu a um fenômeno

de natureza estritamente econômica. Referiu-se, também, ao campo das relações ideológico-

políticas presentes na formação social americana. Dizia respeito à questão da hegemonia. A

instituição mantenedora da hegemonia passou a ser o Estado, na medida em que deveria criar

as condições necessárias de materialização dos conteúdos e práticas constituintes do projeto

político-ideológico de expansão, de uma determinada classe e modo de produção. Assim, a

função do Estado capitalista foi educar as classes indistintamente para o consenso; fazer com

que tais classes compartilhassem a visão de mundo da classe dominante. Com o tempo, a

mídia passou a exercer este papel.

Na visão gramsciniana, havia uma instituição específica da sociedade civil que poderia

assumir a função de partido político das elites, a mídia. Gramsci, quando se referiu a mídia

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nos Cadernos do Cárcere, destacou que a imprensa, em sua época, era a fonte mais dinâmica

da sustentação ideológica das elites hegemônicas (REBUÁ, 2015).

A existência dessas condições preliminares, impulsionadas pelo desenvolvimento

histórico, tornou fácil racionalizar a produção e o trabalho, “combinando habilmente a força

(destruição do sindicalismo operário de base territorial) com a persuasão (altos salários,

benefícios sociais diversos, propaganda ideológica e política habilíssima) para, finalmente,

basear toda a vida do país na produção”. Gramsci, (1968, p. 381). O autor, ainda completa:

“Quando a pressão coercitiva é exercida sobre todo o complexo social, (...) desenvolvem-se

ideologias que moldam a forma exterior da persuasão e do consentimento do uso intrínseco da

força” (GRAMSCI A. , 1968, p. 395).

A tarefa do Estado, passou a ser “cooptar” os membros da classe trabalhadora para que

os mesmos se transformassem em agentes de defesa prática e teórica dos valores da

concepção de mundo da classe dominante, disponibilizando a sua capacidade de elaboração

intelectual a serviço do projeto hegemônico (GRAMSCI A. , 1979). Dessa forma, o Estado

passou a assumir um caráter educativo na medida em que o movimento de incorporação das

classes, ao projeto ideológico dominante, materializa-se diariamente, em todos os aspectos da

vida social. A pretensão era, que grande parte dessa ação fosse efetivada por meio da

educação pública. Então, uma das principais funções do estado, por meio da educação seria a formação de novos tipos de homens, aqueles conformados ao grau de desenvolvimento do conjunto das relações de produção. Conformados no sentido psicológico, ideológico e político, portanto, adaptados ao grau de complexidade da sociedade (FLORES, 2006, p. 26).

No entanto, desejo afirmar que esse modelo ideológico de educação baseada na

adaptação advinda da visão do capitalista, não consegue suprimir a sua contradição, a

educação como instrumento de libertação e conscientização, tendo em vista que essas operam

dentro do mesmo contexto. Portanto, A ideologia tem um caráter de classe, e sua presença se faz dentro de uma totalidade concreta, cujo movimento é contraditório. Assim a contrariedade existe nas ideologias dominadas e dominantes. Daí que a problematização é também contraditória. Problematizar é problematizar a relação, pois a relação contraditória não é o tangenciamento de dois universos separados, nem a impossibilidade absoluta de um sobre o outro, mas a luta entre dois universos que se contaminam, onde um domina o outro. Contudo, sendo dialética, a dominação não é igualmente apreendida, apesar do esforço pedagógico da classe dominante em tenta-lo (CUNHA, 1980, p. 47).

Dessa maneira, é possível afirmar que no modo de produção capitalista, as relações

sociais são contraditórias e de classes, pois engendram relações de luta por interesses dessas

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classes, essa luta é resultante da divisão do trabalho. Essas relações sociais, são ao mesmo

tempo relações políticas, econômicas e ideológicas porque se dão em um cenário de

dominação e direção e falam sobre o mundo em que vivemos, a cultura. Ao representar e

conceituar ideologicamente o mundo por meio de discursos que são feitos de acordo com os

interesses de classe, essas relações são aqui compreendidas de modo global. Não deixando

também de registrar, que a dinâmica do desenvolvimento da sociedade capitalista, altera essas

relações sociais, econômicas e políticas, como também, a ideologia.

Importante ressaltar, que o capitalismo introduziu por meio do taylorismo um

fundamento importantíssimo, que foi o princípio da heterogestão, em que o trabalho concreto

é heterogerido pelo capital. A heterogestão, é um modelo de organização, relações técnicas e

de concepção de trabalho coerentes com os interesses da classe hegemônica, e que de forma

estrutural e superestrutural atuou na formação e adequação de um novo tipo de ser humano

(GRAMSCI A. , 1979). Tendo em vista que a hegemonia vinha da fábrica, considerando que

toda relação hegemônica é aqui entendida como uma relação pedagógica, por conseguinte

como direção cultural, moral e política.

Ao fazer o percurso desta história, por meio do ator rede dinheiro, penso que na

realidade o que se pode afirmar, é que todos os esforços foram feitos para que se mantivesse a

meta principal do capital, o lucro. Portanto, a hegemonia de que fala Gramsci, no modo de

produção vigente, foi exercida, na maioria das vezes pelo capital, e particularmente, após o

modelo de gestão taylorista. Exerceu a hegemonia por ter quase sempre, no processo

histórico, a liderança econômica, cultural e ideológica.

O autor, em seu tempo, percebeu a possibilidade de ampliação do Estado por meio da

nascente sociedade civil, ou seja, a possibilidade da contra hegemonia. Porém, essa sociedade

civil não conseguiu se impor a ponto de se tornar hegemônica. Valendo aqui ressaltar, que a

sociedade civil passou por mudanças substanciais e não é mais a mesma e nem possui os

interesses de seus primórdios20.

Diante disso, foi constatado que quando o capital precisou do Estado para regular a

economia, proteger a indústria e educar a sociedade nos moldes que os interessava, houve

mudanças na visão liberal clássica em relação ao papel do Estado. A partir daí, viram na

intervenção do Estado muitas possibilidades para o capital, para o lucro. Neste sentido,

Gramsci revelou que o processo de construção do trabalhador fordista na década de 1960,

20 Essa temática caberia uma reflexão maior, no entanto, este não é o objetivo dessa pesquisa. Fica como mais uma porta que se abre.

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teve como ponto de partida uma iniciativa privada e colocou a necessidade da criação de um

conjunto de mecanismos ideológicos. Esses mecanismos, visaram a adaptação da força de

trabalho ao espaço da vivência externa à fábrica, terminando por se consolidar como política

de Estado no século XX.

Na década de 1970, assistimos a um novo ciclo de mudanças na produção, advindos

do processo de automação e informatização. Tal movimento, mudou novamente, as formas de

organização do trabalho e as exigências por educação. É neste contexto que as empresas vão começar paulatinamente a introduzir algumas técnicas japonesas de produção, como os Círculos de Controle de Qualidade – (CCQ), bem como novos equipamentos de base microeletrônica, como os robôs, máquinas-ferramentas CNC, os quais foram sendo acompanhados por inovações de produto e de processo (utilização de just-in-time, celularização da produção, tecnologia de grupo, sistema de qualidade total) (LEITE, 1994, p. 565).

Dentre outras coisas, se tornou menos necessária a presença do trabalhador na

empresa, porém aumentou a exigência por certificação da formação e qualificação

profissional, como também, os lucros empresariais. As mudanças ocorridas no paradigma

tecnológico, que foi intitulado de produção flexível com base no modelo japonês, ocorreram

em função da introdução e difusão da automação microeletrônica na indústria, da divisão

internacional do trabalho, da organização e gestão da mão de obra (IANNI, 1997) e das

exigências nos requisitos educativos.

Na década de 1980, em um primeiro momento, assistimos a uma grande instabilidade

no crescimento econômico com profunda recessão nos primeiros anos. Em um segundo

momento, houve a retomada do crescimento econômico. Assim, o advento da reestruturação

impetrado pelo setor empresarial alterou, mais uma vez, o processo do trabalho que começou

a ser reorganizado. Essas mudanças, interferiram nas organizações de representação sindical e

principalmente, na relação de poder entre Capital, Estado e Trabalho. Isso rompeu com as

tradicionais formas de relação de trabalho (LEITE, 1994)

A partir disso, entrou em curso nos países em desenvolvimento e em alguns

desenvolvidos, a tendência a desregulamentação e flexibilização no uso da força de trabalho,

expressa pela variação do nível do emprego e das horas trabalhadas, na polivalência, no

multifuncionalismo, na estrutura dos salários e na remuneração (MATTOSO, 1994). Outro

fator observado, foi uma maior deterioração da representação sindical, o que refletiu

diretamente nas condições de representação e na garantia dos direitos conquistados pelas lutas

realizadas durante o século XIX e XX.

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A exemplo do acontecido quando da implantação dos princípios taylorista-fordista no

universo da produção industrial de massa, o processo de inovação tecnológica de base

microeletrônica, colocou, mais uma vez, a necessidade da educação da população. A Terceira

Revolução Industrial ou produção flexível, do ponto de vista do capital, favoreceu a

concorrência internacional, a concentração e expansão de empresas oligopólicas,

multindustriais e transnacionais com diversidade nas atividades financeiras e produtivas. Do

ponto de vista do trabalho, essa dinâmica apontou Para a figura de um trabalhador, mais escolarizado, participativo e polivalente (em contraposição aos trabalhadores especializados, parcelizados, desqualificados da produção fordista) (...) o surgimento do “novo trabalhador” tem uma contrapartida: a crescente massa de trabalhadores que perdem seus antigos direitos e, não se inserindo de forma competitiva, embora funcional, no novo paradigma tecnológico, tornam-se desempregados, marginalizados ou trabalham sob “novas” formas de trabalho e de qualificação, em relação muitas vezes “precárias” e “não padronizadas” (...). Em nome da competitividade internacional, o capital busca reestruturar-se movendo-se contra o trabalho organizado (MATTOSO, 1994, p. 524).

Portanto, com um capital reestruturado, a terceira revolução industrial com seu novo

padrão tecnológico gerou, ao mesmo tempo, um novo trabalhador e acentuou a fragmentação

e a diferença do mundo do trabalho. Por sua vez, rompeu com a segurança do trabalhador que

fora estruturada no pós-guerra. Nesse período, não houve plena configuração de uma nova

relação salarial e, muito menos, de um padrão de consumo compatível com o salto executado

pelas fortalecidas forças produtivas (IANNI, 1997).

Salienta-se de acordo com Carvalho, que a queda do emprego nas revoluções

industriais anteriores, estava menos relacionada as inovações tecnológicas e mais a perda de

mercados. E assim completou: “Apesar das dificuldades de se estabelecer as relações entre

emprego e novas tecnologias, algumas evidências começam a sedimentar-se com o resultado

de estudos realizados sobre o assunto, em especial, na indústria” (CARVALHO, 2003, p. 35).

A afirmação, acima, deu claro sinal da tendência quanto ao aparecimento do desemprego

tecnológico, nomeadamente, em países considerados em desenvolvimento.

Com a introdução da microeletrônica, as empresas com base na produção em série no

Brasil, por exemplo, foram bastante afetadas com a entrada da robótica e dos sistemas

integrados flexíveis. A autora observou, relevante impacto dessa mudança na indústria

automobilística, eletrodomésticos, máquinas e ferramentas, gráfica e telecomunicações, pois o

resultado foi, mais uma vez, a redução de empregos não-qualificados, semiqualificados e de

supervisão. E assim afirmou: Como se pode perceber, o impacto tecnológico sobre o processo de trabalho afeta a divisão do trabalho, uma vez que o aumento do número de técnicos e a diminuição do número de postos semiqualificados, leva a uma polarização nas escalas de

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classificação do pessoal de produção. Os estudos não conseguem ainda demonstrar se essa tendência na indústria é durável ou se ela se aplica a outros ramos produtivos, uma vez que outros fatores influenciam esta relação (CARVALHO, 2003, p. 35).

O movimento atual da nascente revolução industrial 4.0. provavelmente, vai criar

demandas educativas, econômicas, sociais, culturais e políticas, em outras bases. Poderá

exigir além de novas formas de trabalho, a formação de um tipo de trabalhador adequado,

novamente, à dinâmica assumida pelo processo de produção que lhe será característico. O

problema será como adaptar os trabalhadores, tendo em vista que neste novo tipo de

trabalhador exige-se, dentre outras coisas: ter conhecimento tecnológico especializado, ser

criativo, ser autônomo, tomar decisões, e essencialmente, relacionar-se diretamente com as

máquinas. Além de tudo isso, terá que conviver com excessivo e até hoje nunca visto, número

de pessoas desempregadas.

Portanto, o novo padrão de industrialização e/ou paradigma de produção, que está

emergindo desde a fase inicial da terceira revolução industrial, pode acarretar na redução do

poder político e macroeconômico do Estado e da sociedade civil. A revolução 4.0, ou a quarta

revolução industrial, de acordo com (CLEMENS, 2011); (SCHWAB, 2015); (WOLF e

OLIVEIRA, 2016); (PERASSO, 2016); (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018); revela

que, a exemplo das outras revoluções, o mundo vai passar por um grande processo de

inovação tecnológica, que transformará fundamentalmente a forma como vivemos,

trabalhamos e nos relacionamos. No entanto, esta fase terá escala, alcance e complexidade

inimagináveis quando em relação com as outras revoluções. Isso foi anunciado na reunião do

G20 em Davos 2016 (PERASSO, 2016), (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018).

Magalhães e Vendramini (2018), apresentam quatro prováveis impactos desse novo

processo de inovação: no tocante aos impactos econômicos afirmam que manufaturas podem

ser estruturadas, com cadeias de fornecimento mais curtas e em menor escala. Então, surge a

formação de uma rede de mercados com base em plataformas de pequenas empresas, rede

essa facilitada pelas tecnologias de blockchain21, Internet das coisas (Internet of Things –

IoT), impressões em três dimensões (3D) e pela inteligência artificial.

21 O blockchain é um banco de dados, criado inicialmente para o uso das moedas virtuais, mas está se expandindo para outros campos e sistemas, tais como: sistema comercial, financeiro, eleitoral. O que chama a atenção é o fato de ser um banco de dados nada convencional, tendo em vista que o sistema funciona como um livro de registros. O sistema é extremamente eficiente, ainda, não pode ser derrubado e é inviolável. Tais características atraem bancos, seguradoras, dentre outros.

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No entanto, modelos que visam inovar nos negócios fundamentados em alta

tecnologia têm, no mínimo, dois caminhos. Por um lado, podem potencialmente vir a

contribuir com a redução das desigualdades entre os países. Por outro lado, em função da

redução dos excessivos custos marginais e a potencialidade de criação de enormes economias

de escala, as inovações de base tecnológica podem potencialmente criar grandes monopólios,

tanto locais como globais.

Em relação aos impactos ambientais, as novas tecnologias por meio da redução do

uso de recursos naturais, de geração de resíduos e de consumo de energia podem contribuir

com a eficiência da produção industrial. A inteligência artificial, a robótica e o blockchain

vêm sendo utilizados no monitoramento da fauna e flora, da poluição, da certificação de

origem e do controle de cadeias de fornecimento. Alguns exemplos: O Walmart monitora com blockchain a cadeia de carne de porco produzida na China; a Everledger (especializada em redução de fraudes) certifica diamantes com smart contracts e machine vision; e a plataforma Provenance usa as novas tecnologias para tornar cadeias produtivas mais transparentes, (...) evitando a compra de atum pescado com trabalho escravo. A conectividade também pode promover uma gestão mais eficiente de uso de materiais e criar ciclos circulares por meio da reciclagem, como vem acontecendo com empresas como Philips, IBM, Cisco, GE e AGCO (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018, p. 41).

Entretanto, as novas tecnologias ao reduzirem os custos de produção e distribuição,

podem induzir a um grande aumento de consumo, gerando impactos ambientais negativos.

“Segundo o Global E-waste Monitor, o lixo eletrônico cresceu 8% entre 2014 e 2016, e a

previsão é de que aumente 17% até 2021” (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018, p. 41).

As inovações tecnológicas, historicamente, ocasionaram grande impacto social

especialmente, sobre os empregos. Então, os efeitos da automação e da inteligência artificial

permitem algumas implicações: “a proporção de empregos em risco prevista em países como

Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Alemanha, para as próximas duas décadas gira entre 35

e 47%” (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018, p. 42). O mais alarmante dessa mudança é

que, em relação as ocupações, se começa a substituir uma imensa quantidade da força de

trabalho humana pela automação, dessa vez, em um número mais elevado do que as anteriores

revoluções industriais.

Importante ressaltar, que o uso de blockchain, de inteligência artificial em instituições

financeiras, agências de viagem, empresas de telecomunicações e de mídia e até mesmo nos

serviços públicos, poderá eliminar grande parte dos empregos da classe média. A aposta é

mais uma vez, que as novas ocupações e oportunidades de negócios geradas pelas inovações

possam abrigar os futuros desempregados da tecnologia, porém as competências necessárias

serão novas. O trabalho humano para superar o das novas máquinas, será composto de

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atividades arrojadas e baseadas na criatividade e na inovação (SCHWAB, 2015); (WOLF e

OLIVEIRA, 2016).

Em referência a questão ética, esta nova dinâmica advinda da Industria 4.0 precisa ser

discutida, pois a sociedade talvez tenha que pensar sobre o fato de que máquinas possam vir a

tomar decisões extremamente críticas, tais como em relação a sua vida, a sua carreira

profissional e as pessoas com quem você possa se envolver.

A título de exemplo, Os algoritmos que controlam o uso do Facebook e do Google, estão criando novos padrões de comportamento e de relacionamentos. O uso da psicometria avançada, como a utilizada pela Cambridge Analytica, permite a identificação de perfis psicológicos com capacidade de prever decisões e comportamentos com alto grau de precisão (MAGALHÃES e VENDRAMINI, 2018, p. 42).

Ainda nesta linha, o informe produzido em Davos 2016, deixou claro que com a

“tempestade perfeita” de mudanças tecnológicas junto com “fatores socioeconômicos”, em

2020, cinco a sete milhões de empregos serão suprimidos nos países desenvolvidos

(SCHWAB, 2015). A revolução 4.0, está abrindo portas para inúmeras possibilidades e riscos.

Principalmente, para os países com baixo investimento em inovação.

Neste momento, vale registrar que é possível perceber nesse capítulo, ao descrever a

história do desenvolvimento no modo de produção capitalista e sua relação com a educação, a

articulação entre as nossas categorias-chave: tradução, mediador, classe social, hegemonia,

interesse e ação pública, como também a rearticulação da relação desenvolvimento e

educação no processo de descrição, ao captar os traços deixados pelo ator mediador dinheiro e

suas traduções. Foi possível destacar as questões de interesses de classe, hegemonia e ação

pública por meio da ação do Estado em sua relação com o Capital e o Trabalho. Destaque-se,

que algumas categorias apareceram com maior abrangência que outras, pois o foco do

capítulo foi compreender a dinâmica internacional.

A ação pública, por exemplo, foi a que menos apareceu, porque essa noção será

trabalhada na realidade brasileira, após a descrição da formação do mercado e quando da

análise dos manifestos e da ação política no Brasil a partir da década de 1980. Período em que

se começa a instaurar a democracia participativa no país, vista aqui como elemento chave

para o desenvolvimento da ação pública.

Nessa caminhada, no que tange a questão de classe social e interesse foi percebida a

desigualdade entre as classes com o advento do capitalismo em que o trabalho, dentre outros,

virou mercadoria e o trabalhador perdeu os meios de produção, passou a vender no mercado a

sua força de trabalho. O mediador dinheiro se transformou na mercadoria para troca no

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mercado e passou a influenciar as decisões políticas, econômicas e sociais, como também

garantir os interesses da classe dominante e dos países hegemônicos ao longo da história.

No tocante a hegemonia, durante a história política, econômica e social dos séculos

que foram revisitados pelos autores que fundamentaram o capítulo, e com o processo de

revoluções industriais, houve mudanças substanciais com a dinâmica do desenvolvimento e

em relação ao país que a exercia. Nas trocas de hegemonia, houve sempre um movimento

desenvolvido por meio dos ciclos sistêmicos de expansão financeira visando lucro dos

capitalistas. No pensamento gramsciniano, dentre outros, percebemos a performance no

exercício da hegemonia de uma classe, como também a possibilidade de contra hegemonia da

outra classe. Nessa lógica, a escola e a educação tornaram-se elementos-chave para o

desenvolvimento e para a ação contra hegemônica.

Neste estudo, foi possível ampliar o entendimento de Polanyi sobre incrustação, ao

revelar que as quatro instituições: o sistema do equilíbrio de poder, o padrão-ouro, o mercado

autorregulável, o Estado Liberal eram interdependentes e mantinham unidade concreta e

dialética, na ação de manter a paz entre os países e globalizar o modo de produção, visando o

lucro do capital. A ampliação da análise dessas instituições foi possível porque a reinterpretei

dentro de sua totalidade e por meio do mediador dinheiro. Desse modo, pude verificar que os

ciclos de expansão econômica comercial e de mercado e as relações políticas e econômicas

entre os diferentes países estavam focadas, no que referiu a essas instituições, em âmbito

internacional e nacional: na internacionalização do mercado, no lucro do capital e no controle

social. Assim entendi, que a relação entre política e economia se deu nas quatro instituições.

No âmbito da relação desenvolvimento e educação, os processos de inovações

tecnológicas foram ampliando as exigências por educação advindas dessas revoluções, e se

pôde perceber como essas foram trabalhadas na experiência internacional. Assim, a

compreensão que emerge das relações estudadas pode ser melhor visualizada na Figura 1 a

seguir:

Figura 1: Relações Estudadas

____________________________________________________________

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS, 2018.

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Tal percurso será fundamental para verificar na relação entre o desenvolvimento à

moda brasileira e a educação, qual a dinâmica do processo internacional que influenciou o

modelo brasileiro. Cabendo agora partir para a discussão da formação do mercado no Brasil,

que se dá no capitalismo, mas que possui as suas próprias características. Com base nesse

movimento, a ideia é depreender como essa marcha ajudou a estruturar o campo da educação

no país, temática discutida no quarto capítulo.

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CAPÍTULO 3 - DESENVOLVIMENTO À MODA BRASILEIRA E

DINHEIRO De todas as liberdades específicas que podem ocorrer em nossas mentes quando ouvimos a palavra “liberdade”, a liberdade de movimento é historicamente mais antiga e também a mais elementar. Sermos capazes de partir para onde quisermos é o sinal prototípico de sermos livres, assim como a limitação da liberdade de movimento, desde de tempos imemoriais, tem sido a pré-condição da escravidão. A liberdade de movimento é também a condição indispensável para a ação, e é na ação que os homens primeiramente experimentam a liberdade no mundo. Quando os homens são privados do espaço público – que é constituído pela ação conjunta e a seguir se preenche, de acordo consigo mesmo, com os acontecimentos e estórias que se desenvolvem em história -, recolhem-se para sua liberdade de pensamento. (ARENT, 1906, p.16)

Como já foi anunciada, a tese que aqui se descreve partiu das leituras de diferentes

autores, que tanto em nível nacional quanto internacional fizeram estudos que tomaram como

norte, retomar a caminhada histórica realizada por autores clássicos, mas tentando entender e

abrindo novas portas. Foi o caso de Polanyi, Arrighi, Wallerstein e Wood na experiência

internacional e de Fragoso, Florentino, Oliveira, Furtado, Santana, dentre outros, na

experiência brasileira.

Estes autores, contribuíram substancialmente com este estudo, que sinalizou a

possibilidade do desenvolvimento brasileiro ter se dado de diferentes maneiras da quais

estamos acostumados a ver. A proposta da pesquisa, foi seguir a trajetória do desenvolvimento

e, posteriormente, da educação brasileira, por meio de um ator rede não humano, o dinheiro.

Neste capítulo, a ideia foi compreender o nosso processo de desenvolvimento, tanto com suas

influências endógenas quanto exógenas e neste percurso, verificar se o Brasil teve ou não um

desenvolvimento a sua moda e como esse desenvolvimento influenciou ou foi influenciado

pelo campo da educação.

Este trabalho, visou perceber como os autores referidos acima descreveram o processo

do desenvolvimento brasileiro. De um lado, dentre outros, Caio Prado e Celso Furtado, de

outro lado Fragoso e Florentino, para isso centrou-se em suas descobertas e contraposições. A

busca foi acrescida pelos estudos de outros autores, e da lúcida análise de Ignácio Rangel

sobre a dualidade brasileira. Tal ação, visou compreender por meio do pensamento desses

autores, que contaram e revisitaram a nossa história, qual a base de sustentação de nosso

processo de formação social, política e econômica que pode ter caracterizado um

desenvolvimento à moda brasileira e influenciado a base de estruturação do modelo de

educação.

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De um lado e de outro, em torno da história de nosso desenvolvimento, o intuito foi

aprender mais sobre o processo brasileiro de desenvolvimento e sua relação com a educação,

por meio da dialética e da TAR. Sendo assim, as argumentações sobre o desenvolvimento

brasileiro dos autores são fundantes, pois entraram em contradição entre si, e particularmente,

com o já descrito e descoberto. Neste estudo, por meio das ideias destes autores, tentaremos

abrir novas portas para o entendimento e fazer apontamentos sobre o nosso modelo de

desenvolvimento, pois estou convencida de que foi um desenvolvimento à moda brasileira.

Ao fazer a caminhada foi possível revelar algumas descobertas.

Em especial, visei dar maior destaque ao pensamento de Ignácio Rangel que revelou

em sua teoria, duas coisas importantes para esta pesquisa, a saber: a dualidade brasileira e a

complexidade no entendimento dessa realidade brasileira. Para o autor, o Brasil não poderia

ser estudado com base em teorias estrangeiras, esse precisaria de uma teoria própria que

pudesse dar conta de seus movimentos particulares, mas, que ao mesmo tempo, se conectasse

com às questões da dinâmica externa.

Portanto, o que guiou o caminho neste capítulo, foram o pensamento dos autores que

focaram seus estudos sobre o desenvolvimento brasileiro por meio das questões exógenas e os

que se guiaram pelas questões endógenas, aliando o pensamento de autores que viram os dois

movimentos. Toda essa dinâmica foi realizada para que pudesse posteriormente, analisar as

questões da educação advindas deste processo.

Para entrar no debate propriamente dito, é significativo deixar registrado, mesmo que

brevemente, como se pensou a formação econômica do Brasil, e como ocorreu o escravismo

brasileiro. Esses são pontos cruciais, mas não únicos, de divergências entre os autores.

Segundo Rangel (2012) e Caldeira (2017), no tempo em que o Brasil foi descoberto

(encontrado para ser explorado), não havia nenhum regime que fosse próximo à escravidão.

Um prisioneiro, de acordo com as circunstâncias, era considerado como gado para corte

(comida) ou membro da tribo. Posteriormente, a capacidade de produção do prisioneiro de

mais carne (que a sua própria) e alimento para a tribo, é que começa a se desenhar no país

algo próximo a escravidão. Assim, a história do Brasil inicia-se por meio da transição desse

regime para o escravismo.

Em relação à economia da colônia, Caldeira (2017) em sua obra aponta para a

falseabilidade das noções unânimes em relação à economia de subsistência. A ideia geral, era

que havia um mercado interno pouco dinâmico e uma acumulação voltada para a exportação,

e assim do lado interno e externo não seria possível gerar riquezas. No entanto, o autor

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afirmou que a economia da colônia crescia mais do que a da metrópole. Mesmo sendo no

início uma economia sem dinheiro na forma de moeda, Fato que levou os estudiosos tradicionais a supor uma economia incapaz de acumular riqueza -, descobriu-se que são economias perfeitamente capazes de produzir excedentes e trocá-los com outras formações, além de terem mecanismos próprios para a administração dos bens acumulados, da riqueza que produzem. Em grau ainda mais acentuado, a mesma capacidade de acumular bens, muito ao contrário do que sugeria a restrita circulação do dinheiro, foi sendo constatada em toda a economia do sertão. (...) Tanto a produção dos nativos quanto a dos sertanejos eram capazes de gerar riqueza em ritmo crescente (CALDEIRA, 2017, p. 130).

Portanto, discutir como se deu esse processo por meio das diferentes visões entre os

autores, foi o que nos instigou na busca por respostas, pois os dois movimentos tanto o

endógeno quanto o exógeno são fundamentais para compreender o nosso modo de

desenvolver.

3.1 ECONOMIA E POLÍTICA À BRASILEIRA: NEM TOTAL SUBMISSÃO EXTERNA

NEM TOTAL AUTONOMIA INTERNA

Em Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior (2011) apresenta a colônia

brasileira como totalmente submissa a Portugal. A economia era estruturada com o objetivo

exclusivo de transferir lucros22 para essa metrópole. O autor assim se expressa: Em substância, nas suas linhas gerais e caracteres fundamentais de sua organização econômica, o Brasil continuava, três séculos depois do início da colonização, aquela mesma colônia visceralmente ligada (já não falo da subordinação política e administrativa) à economia da Europa; simples fornecedora de mercadorias para o seu comércio. Empresa de colonos brancos acionada pelo braço de raças estranhas, dominadas, mas ainda não fundidas na sociedade colonial (PRADO Jr, 2011, p. 74).

Em sua obra, expôs e buscou demonstrar que as colônias existiam em benefício

exclusivo da metrópole. Este benefício se realizou, pela produção e exportação para Portugal

dos gêneros de que necessita, não só para si própria, mas para comercializar o que era

supérfluo no estrangeiro. Então, nessa visão, a economia e a produção estavam baseadas e

firmemente assentadas na exportação, na monocultura e no trabalho dos colonos e dos

escravos. Para esse autor, o mercado interno na colônia não precisava ser considerado em

função de sua pequenez e sua função de subsistência.

22 Aqui a palavra lucro, embora expresse o ator rede dinheiro, não deve ser vista como valor excedente. Aqui o lucro não está concebido na acepção capitalista, embora os autores usem o termo, não se configurava desta forma como pudemos observar nas discussões no capítulo anterior. Ver o que diz Wood nas páginas 67 e 68.

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Para Celso Furtado (1977), a colônia, também foi organizada em função do mercado

externo. Em seus estudos, não levou em consideração o mercado interno e se manteve na

análise da monocultura, latifúndio e escravidão. Ambos os autores, não negam a existência do

mercado endógeno, mas não perceberam a sua complexidade. Assim expressou Furtado, A escravidão demonstrou ser, desde o primeiro momento, uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra. (...) Sem escravos os colonos “não se podem sustentar na terra”. Com efeito, para subsistir sem trabalho escravo, seria necessário que os colonos se organizassem em comunidades dedicadas a produzir autoconsumo, o que só teria sido possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas. Aqueles grupos de colonos (...) tiveram de empenhar-se por todas as formas na captura dos homens da terra (...). Essa mão-de-obra indígena, considerada de segunda classe, é que permitirá a subsistência dos núcleos de população (FURTADO, 1977, p. 42).

Portanto, os autores, não negaram a existência de um mercado interno, porém além de

ter-lhe atribuído baixa complexidade, identificou-o como uma forma rudimentar de

subsistência. No entanto, de acordo com Rodrigues (2006), foi Fernando Novais, com seus

estudos, quem percebeu e apontou a complexidade do caso brasileiro. Para esse autor, o

tráfico de escravos foi considerado de estrutural importância para o processo de concentração

de rendas, nas principais potências europeias da época. Chegou a essa conclusão, por meio

do conceito histórico denominado de acumulação de capitais.

É relevante destacar, que Caio Prado e Fernando Novais enxergaram o Brasil como

uma junção do latifúndio com a plantation (plantação) e a mão de obra escrava. Dessa forma,

registraram que o Brasil era uma sociedade totalmente, agroexportadora. Todavia, as elites

agrárias estavam no topo da hierarquia social configurando uma sociedade com dois polos:

em cima as elites agrárias e embaixo e a margem desta produção, os homens livres e pobres.

Isso impulsionou e aprofundou as desigualdades sociais e a péssima distribuição de renda

(RODRIGUES, 2006).

No entanto, para Florentino e Fragoso (1993) e apesar dos avanços, Caio Prado, Celso

Furtado e Fernando Novais são complementares. Se atentarmos para o que afirmam os autores

acima citados, é possível verificar que para Prado e Furtado, a colonização teve como sentido

a circulação de matéria-prima da colônia para Portugal. Contudo, Fernando Novais percebeu a

colonização como instrumento de poder do Estado, uma vez que ela possibilitaria tanto o seu

enriquecimento quanto o seu fortalecimento. Nessa perspectiva, Rodrigues observou que o

autor “polarizou as relações entre Europa e Novo Mundo em metrópole e colônia, sendo que a

relação entre essas era unívoca, total dependência da segunda para com a primeira”

(RODRIGUES, 2006, p. 2).

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Logo, essas abordagens acabaram por construir na história do país, uma representação

homogeneizante do passado colonial brasileiro. Ou seja, na visão dos três autores, as questões

referentes ao atraso econômico e a dependência exógena foram originadas nas relações entre a

colônia e a metrópole (Portugal). Tal forma de pensar não está totalmente errada, pois do

ponto de vista de nosso ator rede vale ressaltar, que Portugal era beneficiado pela cobrança

de taxas e pela reexportação dos produtos coloniais. À vista disso, o Brasil e sua hierarquia

social teriam sido criados para preservar econservar, também, o antigo regime em Portugal e

não o transformar. Então, a submissão em relação a metrópole foi vista dessa maneira.

Portanto, e em continuidade A economia colonial brasileira fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava teve implicações de ordem social e política bastante profundas. Ela favoreceu a unidade básica do sistema de produção, de vida social e do sistema de poder representado pela família patriarcal. O isolamento e a estratificação sociais, estão a princípio, basicamente dual, aliados à necessidade de manutenção de um esquema de segurança, favoreceram uma estrutura de poder fundada na autoridade sem limites do dono de terras (ROMANELLI, 1978, p. 33).

Por sua vez, Fragoso e Florentino, viram como um projeto arcaico de uma metrópole,

que era controlada por sua aristocracia residente em Portugal e/ou na colônia. Essa classe, era

aliada dos comerciantes que também, eram aristocratizados, o que acabou por reproduzir um

projeto atrasado. Neste período, não houve a interferência da classe burguesa mercantil na

sociedade.

Enquanto na Europa, as fortunas comerciais possibilitavam que a classe mercantil

desafiasse a nobreza, aqui no Brasil, que não possuía um passado aristocrático, o capital

mercantil serviu para consolidar o Antigo Regime. No entanto, não era só isso, pois haviam os

interesses internos do latifúndio “aristocratizado” brasileiro, que também não tinha interesse

na expansão da classe burguesa, em função da perda de poder e da hegemonia enquanto

classe. Então, percebe-se que foi tanto um fenômeno externo quanto interno. Tal fato poderá

ser visto, mais adiante, quando apresentar a dualidade brasileira com Rangel.

Importante ressaltar, em especial, nesta altura da pesquisa, que seguir a trajetória da

história e da dinâmica do desenvolvimento brasileiro, por meio do ator rede dinheiro, em

muitos momentos a visão estará focada no processo de produção e no lucro. Todavia, esta

pesquisa, não trabalhou com a ideia de que tudo no mundo vira mercadoria, mesmo quando

no modo de produção capitalista, a produção marcadamente pareça tentar reduzir tudo a

mercado e mercadoria.

Sendo assim, embora no Brasil o escravo tenha sido tratado como valor de uso e valor

de troca, não focamos a análise apenas neste ponto, pois acredito que foi muito além disso,

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em que pese que nem toda essa dinâmica aparecerá na discussão. No intuito de orientar um

pouco a trajetória, eu trabalho com a ideia mais ampla no processo histórico sobre escravidão,

mas pelos limites colocados em uma pesquisa, centrei em pontos específicos para análise.

Assim, neste estudo sobre o desenvolvimento brasileiro, além dos aspectos referentes a

educação que será tratado no próximo capítulo, Eu diria que ele se localiza na esfera das relações de trabalho, isto é, no espaço em que se define a forma de aplicação do esforço humano na apropriação da natureza para os fins específicos de subsistência. O escravo seria, então, aquele tipo de trabalhador que, no interior do processo de produção, não estaria apenas apartado do controle dos meios produtivos (característica que compartilha com outros tipos de trabalhadores, inclusive o assalariado), mas também privado do controle de seu próprio esforço produtivo. Vale dizer, é marcado pela ausência de soberania quanto à sua inserção no processo que garante a subsistência material, quanto à sua posição produtiva elementar (CARDOSO, REDE e ARAÚJO, 1998, p. s/n).

No entanto, observei que na história da escravidão brasileira houve, também, certa

autonomia e independência do cativo23 (MARQUESE, 2006). No livro, O arcaísmo como

projeto, mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial

tardia Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1840 (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993), os autores

afirmaram que mais do que políticas, tendo por objetivo impedir modificações sociais

importantes e estratégia defensiva, a elite brasileira gerou, deliberada e continuadamente,

propostas de ação cujo resultado líquido consistiu, em certo sentido, em desistoricizar o

Brasil.

Dentre outras ações, destaco que alguns autores ao contarem a história brasileira

deram muito pouca atenção a produção interna e ao escravismo, e assim não se contou

direito a história da escravidão e do desenvolvimento do mercado interno. Em consonância

com este pensamento, ao estudar a dinâmica da escravidão no Brasil, Marquese (2006) nos

revelou algo que ajuda a compreender, um pouco mais, o uso da mão de obra escrava vinda da

África por meio do tráfico, Até os anos 1570, os colonos encontraram grandes dificuldades para fundar em bases sólidas uma rede de engenhos no litoral, como problemas com o recrutamento da mão-de-obra e falta de capitais para financiar a montagem dos engenhos. Ao serem superadas tais dificuldades, com atrelamento da produção brasileira aos centros mercantis do Norte da Europa e articulação do tráfico de escravos entre África e Brasil, tornou-se viável o arranque definitivo da indústria de açúcar escravista da América portuguesa, o que ocorreu entre 1580 e 1620, quando o crescimento acelerado da produção brasileira ultrapassou todas as outras regiões abastecedoras do mercado europeu (MARQUESE, 2006, p. 111).

E assim completa:

23 Apresento um pouco dessa discussão mais adiante

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Na historiografia brasileira, a partir do século XVIII, com o impacto da mineração, houve grande diversificação na economia colonial. Antes de mais nada, pelo aparecimento de uma produção ativa voltada ao abastecimento do mercado interno, como a pecuária no Rio Grande do Sul e no vale do São Francisco, ou a produção de mantimentos na própria capitania de Minas, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O surgimento de vários núcleos urbanos em Minas Gerais, e mesmo o crescimento de antigas cidades como Rio de Janeiro e Salvador, também ativaram a economia interna (MARQUESE, 2006, p. 111).

O importante na análise do autor é o fato de todas essas atividades, tanto rurais quanto

urbanas, terem sido fundamentadas na escravidão. A posse dos escravos, se estruturava de

forma a serem distribuídos por diferentes faixas de riqueza dos proprietários. Os escravos,

não estavam concentrados nas mãos dos senhores mais capitalizados, ou mesmo, dos

proprietários brancos. Os escravos libertos, os profissionais liberais e os pequenos

comerciantes, também possuíam escravos, pois possuir escravos era sinônimo de status social

e riqueza. Sendo status uma das traduções do dinheiro no caso brasileiro. E assim, pudemos

observar diferenças no tocante a colonização e a escravidão, tanto de Portugal quanto da

Espanha.

Marquese (2006), apresentou três diferenças básicas entre a América portuguesa e a

América espanhola.

ü Enquanto na América espanhola o peso econômico decisivo era advindo da população

indígena nas áreas centrais, na América portuguesa esse peso se dava no trabalho

escravo.

ü Não existia integração econômica entre as colônias da América espanhola. Na

América portuguesa a mineração permitiu uma integração econômica do Rio Grande

do Sul a Pernambuco graças aos meios de transporte do período.

ü Na América portuguesa, o tráfico negreiro transatlântico teve papel fundamental na

reprodução ampliada da economia.

Este último ponto, apresentou uma distinção substantiva entre as duas Américas. Nas

colônias da América espanhola, o tráfico negreiro foi controlado a partir das respectivas

metrópoles. Ao contrário, na América portuguesa, desde o século XVII, o tráfico foi gerido

diretamente a partir dos portos brasileiros, ou seja, da colônia brasileira. De acordo com o

autor: “os grandes traficantes que garantiam a reprodução do sistema escravista estavam

sediados em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e não em Lisboa” (MARQUESE, 2006, p.

120).

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Em Homens de Grossa Aventura, Fragoso (1998) revela que a colônia teve comércio e

lógica própria, e que foram forjados mecanismos de acumulação compatíveis com esse

universo interno. Com o conceito de acumulação endógena, o autor mostrou como o sistema

em sua lógica própria, se desenvolveu voltando-se para o abastecimento do comércio interno,

incrustado no tráfico de escravos. Em seu estudo, sobre o processo do desenvolvimento

econômico brasileiro, encarou o tráfico atlântico de escravos como um negócio endógeno.

Nesse sentido, concentrou sua pesquisa na Praça do Rio de Janeiro e seus homens de

grossa aventura24. Pesquisou variados documentos inventários post-mortem, escrituras

públicas, registros do porto do Rio de Janeiro, registros tropeiros, relatórios, memórias,

almanaques.

Buscou registrar o processo de acumulação, por meio do enriquecimento, composição

de fortunas e de como se davam as hierarquias sociais. Assim, pôde descrever os

mecanismos da economia colonial para além de uma plantação (platation) escravista-

exportadora, como haviam descrito, tento Caio Prado quanto Celso Furtado, dentre outros.

Essas descobertas, levaram o autor a constatar, que existia um espaço econômico colonial

interno, e que aqui gerou certo tipo de sociedade e de economia, em que os ritmos e

flutuações não foram ditados de forma apenas exógena.

De acordo com Santana, que estudou o Recôncavo Baiano, O modelo explicativo plantacionista macroestrutural, além de reduzir a complexidade historiográfica, exclui do itinerário histórico a importância de grupos subalternizados, como homens livres, libertos e escravos que transitavam entre o latifúndio, a escravidão e a monocultura. Esses sujeitos conseguiram através de diversos arranjos sociais e econômicos, criar e recriar estratégias de resistência, negociação e liberdade no dia-a-dia de uma sociedade escravista e excludente (SANTANA, 2010, p. 1).

O autor apontou, que se partirmos da visão apenas plantacionista como modelo

explicativo para entendermos tanto o Recôncavo Baiano quanto o Brasil, poderemos correr o

risco de deixar de fora das análises históricas, Os grupos sociais e as atividades econômicas que não se encaixavam facilmente nesse quadro e que foram considerados “irrelevantes”, “periféricos”, “insignificantes”, portanto, sem nenhuma importância para compreensão da formação do Brasil (...). Os historiadores que lançaram seu olhar além dos limites da plantation demonstraram que a agricultura de exportação não dominava todo o Brasil rural (SANTANA, 2010, p. 2).

24 Para o autor, ao invés de uma grande plantação voltada para o exterior, o Brasil colonial desenvolveu um mercado interno vigoroso e um grupo de comerciantes ricos (homens de grossa aventura), uma elite, que consegue preservar a marca fundante da formação brasileira, as desigualdades de renda e social, marca essa, como já visto antes, anterior ao capitalismo no Brasil.

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Como se pode notar, esses estudos não desconsideram a grande propriedade, pautada

na força de trabalho escravo com sua produção voltada para o mercado externo. No entanto,

em seu bojo, levam em conta as reações advindas nas relações internas. Santana visou

ressaltar, que houve em pequenas propriedades na Bahia, outras formas de relação no cultivo

da terra, que os habitantes daquele lugar tinham sua cultura própria e que esses tentavam

reagir de muitas formas. O esforço empreendido no estudo, foi compreender as sociedades

que se erigiram em três séculos no Recôncavo Baiano. Para o autor, essas dinâmicas não

poderiam ter sido reduzidas a modelos de entendimento homogêneo, que na maioria das vezes

deixaram de lado a pluralidade social, econômica, política e cultural que moldaram a região.

Ao estudar as pequenas propriedades e roças do Recôncavo cultivadas por humanos

subalternizados e escravizados, como parte integrante da dinâmica econômica, política e

social, enquanto dado histórico e socialmente construído ao longo de séculos, o autor

compreendeu e questionou a complexidade que as visões generalizantes escondem na busca

das fórmulas homogeneizantes.

Santana descreveu, que entre terras férteis, águas calmas, força de trabalho de cativos

e a grande lavoura, encontrava-se uma imensa massa de seres humanos históricos ocultados

pelos grandes modelos. Trabalhadores livres, libertos, escravos, brancos pobres, lavradores,

roceiros e pescadores, todos eles labutavam diariamente criando, recriando e reinterpretando

formas para resistir e sobreviver no dia-a-dia das sociedades escravistas (SANTANA, 2010).

Para este autor, A economia direcionada ao mercado externo e a economia interna de subsistência ou microeconômica, quando respeitamos as suas especificidades, finalidades e os sujeitos nelas envolvidas, percebemos que ambas de alguma forma estavam interligadas, no entanto estabelecer hierarquias ortodoxas, baseadas do caráter de dependência da segunda perante a primeira, ou seja, conceber as formas produtivas baseada na subsistência como meros apêndices da macroeconomia exportadora exclui da análise a pluralidade da própria Região. Esse ato de segregar, nos leva ao esquecimento das minúcias e das complexidades de ambas as formas de produção e organização social, além disso, podemos deixar de lado as estratégias e os interesses dos indivíduos que estavam envolvidos em ambas as formas de organização produtiva, que muitas das vezes poderia ter visões e concepções de mundo antagônicas (SANTANA, 2010, p. 5).

Para além disso, no período colonial houve diversificação da economia e apareceu a

mineração, essas não causaram apenas, impactos econômicos interno e externo. Essa

diversificação foi permeada pela contradição no interior da sociedade. Desse modo, não foi

um momento sem conflitos e sem reação. Nesse sentido, é pertinente registrar que: No estatuto colonial uma relação se impõe de forma principal e permanente: a de exploração/dominação e opressão/repressão do colonizador sobre o colonizado. Porém, a idéia de relação impede o pensamento numa só direção; se existem a

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opressão e a dominação como o principal e permanente em um dos pólos, no outro, o principal e o permanente são a libertação e a emancipação, assumidas pelo colonizador como infidelidades e inconfidências. Libertação e emancipação são expressões de formas concretas de luta: a história da região mineradora é a história das tentativas de maior exploração, repressão e controle do colonizador e das rebeliões acometidas pelo colonizado mineiro (LOPES, 2000, p. 64).

Sendo assim, pensar o nosso processo de desenvolvimento é trazer minimamente as

questões sobre a nossa constituição social e política, desde o período colonial, pois essas

questões podem revelar as diferenças e as semelhanças de nosso modelo. Linhares (1998)

apresenta três pontos chave no trabalho de Fragoso sobre a questão colonial:

ü 1) é possível perceber que parte da acumulação mercantil não era transferida para a

metrópole e sim reaplicada na colônia.

ü 2) foi percebida uma tendência acentuada do grande empresário na diversificação

das atividades.

ü 3) uma parcela dos negociantes do Rio de Janeiro tendeu a emigrar para o segmento

dos grandes proprietários de terra.

Nas palavras de Linhares

Da mesma maneira como comerciantes investem no campo integrando-se à aristocracia fundiária escravista, o lucro mercantil fortalece e prolonga o escravismo. (...) Nossa História é, sem dúvida, mais complexa do que pretendia a maioria das explicações generalizantes, por mais sedutoras que tenham sido (LINHARES, 1998, p. 13).

Portanto, a forma particular do desenvolvimento brasileiro, com suas raízes

relacionadas ao passado colonial encontrou mais uma forma de explicação, agora em suas

origens internas, com preponderante relação com a riqueza, o dinheiro, a política e o poder.

Dessa maneira, as escolhas e medidas tomadas pela elite e suas indiferenças as leis e as

condições humanas dos que produziam a riqueza, são também, fatores constitutivos de nosso

desenvolvimento (FRAGOSO, 1998). Em inícios do século XIX, o mercado interno de gêneros de subsistência não só era bastante grande como estava em crescimento, chegando inúmeras vezes a ultrapassar o valor movimentado pelos produtos de exportação. Em cidades como o Rio de Janeiro, os chamados homens de grosso trato, envolvidos no comércio externo e interno, haviam se tornado o grupo mais dinâmico e socialmente mais poderoso. (...) A orientação comercial da colônia refletia-se no fato de que o valor médio das operações comerciais excedia os montantes alcançados pelas transações de propriedades rurais registradas nos tabelionatos. Assim, negócios – e não propriedades – eram a chave do sucesso nessa região (SCHWARTZ, 1999, p. 130).

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Então é possível perceber, qual foi e como se deu a relação entre as diferentes formas

de interpretação da nossa realidade. Como também, permitiu observar como os atores

envolvidos, diretamente, agiram e se influenciaram neste processo. Isso abriu portas e

apontou caminhos que nos revelaram como foi configurado o nosso modelo de

desenvolvimento. Um modelo fundado, desde o seu início pela busca da riqueza e do dinheiro

e marcado pelas desigualdades no campo social, econômico e político. De acordo com o

pensamento de Santana e de Lopes, marcado também, pela resistência de classe. Sendo

relevante agora aprofundar para entender, um pouco mais, sobre a dinâmica interna de

produção e circulação das mercadorias.

3.1.1 A produção e a circulação de mercadoria na colônia

No tocante a produção, consumo e distribuição dos produtos “o Rio conquistara a

importância econômica” (HOLANDA, 1967, p. 325). O autor apontou que o porto do Rio de

Janeiro em 1808, movimentou 765 navios portugueses e 83 de outros países; em 1810, foram

1214 navios portugueses e 422 de outros países. Em 1917, embarcaram do porto do Rio de

Janeiro 680.000 arrobas de açúcar, 320.000 de algodão, 298.999 de café, 80.000 quintais de

fumo e 512.000 peças de couro. Portanto, o Rio de Janeiro não se configurou como produtor,

mas como um grande consumidor e, principalmente, como centro distribuidor e entreposto

para os negócios com o interior da colônia. E, ao mesmo tempo, manteve a porta de entrada e

saída das capitanias mediterrâneas. O balanço da realidade material em 1817, pode deixar isso

mais claro, A excelente situação do pôrto vasto e seguro num mar inteiramente sem perigo durante todas as estações do ano, por assim dizer no comêço dos caminhos gerais do comércio mundial; o curto espaço de tempo em que se pode fazer viagem daqui para a Europa, Costa da África, o Cabo, Moçambique, Índia e Nova Holanda; a opulência em metais e produtos do sertão; o grande impulso que a presença da Côrte dá sobretudo ao país, conferem a esta praça desde já uma tão extensa atividade, que poucos decênios bastarão para a elevar a um dos mais ricos portos do mundo. (...) De fato, os artigos coloniais exportados pelo pôrto do Rio de Janeiro não são exclusivamente produtos da província, porém em parte são trazidos do interior do sertão; mas a comparação da exportação de alguns artigos dêste pôrto com a mesma da Inglaterra já dá uma noção muito favorável da produção do país (HOLANDA, 1967, p. 326).

De acordo com Fragoso (1998) as pesquisas de Floury e de Schwartz no recôncavo

Baiano em princípios do século XVIII demonstram que desde o século XVII havia

financiamento da atividade produtiva por créditos locais. Para o autor, isto indicou que havia

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certa autonomia da economia colonial em seus processos de reprodução frente a Metrópole.

Tal afirmação leva-o a repensar a ideia de dependência econômica da colônia. Para isso,

agregou aos seus estudos, a principal fonte financiadora da área colonial à época, a Santa

Casa de Misericórdia. Com estas duas fontes de informação percebeu a necessidade de

revisitar os documentos referentes a esta época para certificar o processo econômico. A Misericórdia da Bahia derivava seus fundos de doações feitas pela elite baiana (plantadores, criadores e comerciantes etc.) à caridade, sendo que “irmão maior” de tal irmandade significava adquirir uma posição de prestígio no interior de uma sociedade que guardava zelosamente a sua hierarquia social. Desse modo, a Santa Casa era produto de uma sociedade pré-capitalista, preocupada com o status, e onde nem todas as aplicações do excedente econômico tinham uma direção produtiva. Pois bem, era esse tipo de estrutura social, com suas “aplicações improdutivas”, que viabilizava a reprodução do processo produtivo colonial, gerando, com isso, certa autonomia frente à economia metropolitana (FRAGOSO, 1998, p. 26).

Tais afirmações lembram parte do descrito por (OLIVEIRA, 1998), (HOBSBAWM,

1988), (POLANYI, 2012) e (WOOD, 2001); no capítulo anterior. De que haviam formas não

capitalistas de reprodução e que mesmo sob a égide do capitalismo, o desenvolvimento se dá

de maneira diferenciada. Por agora, aponto caminhos e certifico, cada vez mais, que o nosso

desenvolvimento foi feito a nossa própria moda. Neste sentido, torna-se relevante descrever

brevemente a formação econômica e social do Brasil.

3.1.2 Formação econômica e social: novos olhares

No Brasil, pode-se pensar que houve um processo não capitalista em sua reprodução,

que Fragoso denominou de escravismo colonial (FRAGOSO, 1998). Esse processo, sob essa

ótica, estava ligado ao seu próprio abastecimento. Dentre outros vestígios citados por este e

outros autores temos: a produção no campo, o trabalho livre não assalariado da estância

gaúcha e a produção escravista de alimentos. Tal processo garantiu ao escravismo colonial um

papel hegemônico e ao sudeste colonial a formação econômica e social (CARDOSO, REDE,

e ARAÚJO, 1998), (DOWBOR, 1982), (MARQUESE, 2006), (SANTANA, 2010),

(HOLANDA, 1967).

Fragoso identificou três categorias na economia colonial, a saber:

ü acumulação endógena, movimento que diz respeito à reiteração, no tempo, das

produções ligadas ao abastecimento interno, em que o trabalho excedente ficaria retido

na colônia.

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ü o mercado interno, possuía natureza não capitalista, com parte do foco na

acumulação endógena e outra na reprodução da agroexportação. Havia, frágil divisão

do trabalho e circulação de mercadorias e moedas.

ü Capital mercantil colonial residente, mediador dos processos de reprodução.

Por se constituir dentro do mercado interno possibilitou o aparecimento de um grupo

mercantil residente na economia. Assim, a Possibilidade de retenção de parte do excedente- da agroexportação e das produções ligadas ao mercado interno – fica mais patente se lembrarmos o próprio caráter do mercado interno. A natureza não-capitalista desse mercado gera a hegemonia do capital mercantil, ou seja, traduz-se na constituição de uma acumulação mercantil que se alimenta, via circulação, de frações do excedente gerado pelos diversos setores da produção colonial. E se consideramos que esse capital mercantil é residente, para além do excedente apropriado pelo produtor, teremos aquele retido pela elite mercantil colonial. A conjunção dos fenômenos que acabamos de destacar dá à economia colonial a possibilidade de ter flutuações econômicas próprias, ou melhor, permite-lhe um ritmo próprio de reprodução, não totalmente determinado por injunções externas (FRAGOSO, 1998, p. 28).

Ao começar a pensar que o comércio de escravos se constituiu como um mecanismo

econômico, ou seja, como um negócio, as ações no porto carioca assumiram para o autor,

outro sentido. Foi um setor que operou com alta rentabilidade, e mesmo em relação a

agroexportação foi desenvolvido um ciclo de acumulação bastante poderoso e de alta

envergadura. Daí surgiu a ideia de averiguar se essa acumulação tinha caráter puramente

exógeno ou se teria, também, um caráter endógeno na formação brasileira.

Em corroboração com a linha de pensamento da dinâmica do mercado interno,

destacamos o que disse Martins (2008)25, sobre a questão da força de trabalho imigrante. Em

seu debate sobre o final da escravidão em Vassouras, nos informou que Os poucos relatos de que temos notícias sobre a vinda e a vida dos imigrantes instalados no munícipio, no século XIX, mostram que sua participação nas atividades da comunidade restringia-se, apenas, a determinadas áreas de atividades como comércio e manufaturas. Nas atividades agrícolas quase não há relatos de experiência com colonos (MARTINS, 2008, p. 14).

Já Celso Furtado, em discordância com essas visões, havia dito algum tempo antes,

que O que mais singulariza a economia escravista é, seguramente, o modo como nela opera o processo de formação de capital (...). As condições do meio não permitiam pensar em pequenos engenhos, como fora o caso nas ilhas no atlântico. Cabe deduzir, portanto, que os capitais foram importados. Mas o que importava, na etapa

25 A pesquisa da autora se deu em torno do debate travado entre o momento da proibição do tráfico de escravos e o fim da escravidão no Brasil sobre a colonização como sistema de trabalho livre, em Vassouras (1850 a 1888).

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inicial, eram os equipamentos e a mão-de-obra europeia especializada. O trabalho indígena deve ter sido utilizado, então, para alimentar a nova comunidade e nas tarefas não especializadas das obras de instalação (FURTADO, 2007, p. 83).

Entretanto, como visto, é possível identificar a forte presença do uso da força de

trabalho escravo em todo o Brasil. Se pegarmos Vassouras como um exemplo: a influência de

imigrantes europeus só se deu a partir do século XIX, e não estava centrada nas questões

agrícolas. Os imigrantes, “Tornaram-se ferreiros, carpinteiros, marceneiros, ferradores,

pedreiros, oleiros, passaram a exercer atividades liberais, como médicos, engenheiros,

agrimensores, professores” (MARTINS, 2008, p. 23). Os colonos constituíram famílias e

pouco participaram da política local que era dominada por ricos barões e grandes

fazendeiros da cidade. Então, podemos perceber que para esta temática têm-se caminhos

diferentes para se observar, não sendo possível uma via única e nem uma única região.

Está evidente, que a natureza de nossa formação colonial, sob a égide do capitalismo e

com seus aspectos internos, impossibilita que a nossa economia possa ser apreendida por si

mesma. Torna-se pertinente para análise - do caso brasileiro- levar em conta os aspectos não

econômicos, e esses ajudaram a conhecer melhor o funcionamento econômico. Assim, é

possível pensar que o sistema econômico brasileiro, se imbricava organicamente na contínua

reiteração de uma hierarquia social, indiscutivelmente, desigual e excludente, e que vale até

hoje. Em nosso estudo, tenta-se levar em conta não só os aspectos econômicos, mas os

políticos, culturais e sociais.

Pelo motivo do Brasil não se tratar de uma sociedade de produção autorregulável, mas

de uma sociedade escravista, autores como Fragoso e Florentino, partiram do pressuposto de

que houve uma constituição anterior de relações desiguais de poder. Neste regime, o produtor

direto era cativo e propriedade de outro. O poder, expresso em uma hierarquia desigual e

fundada na ordem privada, torna-se condição sem à qual não haveria a concretização do

processo produtivo.

O “núcleo da formação colonial tardia, era constituído por um tipo específico de

reprodução, no qual os próprios mecanismos de ascensão social implicavam recriar o padrão

excludente” (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993, p. 19). Para executar tal tarefa, os autores,

distanciaram-se dos principais paradigmas da historiografia nacional para poder realizar, a

exemplo de Polanyi e Arrighi, a descoberta do papel do mercado interno colonial. Então, esse

pensamento se transformou em mais um norte a seguir nesta extensa rede.

Sendo assim, é possível afirmar que no nosso desenvolvimento, tanto a sua face

endógena quanto exógena têm relevante importância. Do lado externo, não se configurou com

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total submissão a metrópole; e do lado interno, apesar de pujante, não se configurou com total

liberdade e autonomia interna. Com base sempre no poder e no lucro da classe dominante

aqui existente, houve muitas oscilações políticas, econômicas e sociais, em que os resultados

foram diferentes. Como parti das discussões, tanto de uma linha de reflexão como da outra, e

optei pela dialética e pela TAR com o mediador não-humano – dinheiro, tive que buscar

novos olhares sobre essa discussão.

3.1.3 Tráfico de escravos, lucro e dinheiro

Em sua obra - Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o

Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX), Florentino (2014) nos revelou algumas questões que

ajudaram a fazer a caminhada. Uma questão que se apresentou, foi que nenhuma outra região

americana esteve tão relacionada com a África, por meio do tráfico de pessoas como o Brasil,

seja por questões cronológicas ou por questões do número absoluto de importações. Segundo

o autor, nos estudos do período colonial, o tráfico foi visto por diferentes autores em

diferentes pesquisas como uma variável central da permanência do sistema e da economia

escravista . E assim afirmou: Embora flagrante, alguns dos maiores clássicos da historiografia brasileira silenciaram ou pouco falavam sobre a “terra dos etíopes”. Aspecto ainda mais desapontador quando se sabe que, por séculos a fio, os milhões de cativos importados eram escravizados por africanos – ou seja, a sua “produção” na África estava longe de consitutir-se em fenômeno apisódico ou de reduzir-se a uma crueldade inaudita (FLORENTINO, 2014, p. 9).

O autor apontou uma segunda questão, a instauração da migração compulsória teve

origem no projeto colonizador fincado na hegemonia do capital mercantil europeu. Este

seria o organizador e controlador da circulação dos cativos nos oceanos, tendo em vista os

benefícios econômicos e políticos dessa ação. Entretanto, é importante destacar o que foi

apontado por Furtado, ao afirmar que entre 1810 e 1850 as elites brasileiras resistiram às

pressões econômicas, políticas e militares do poder britânico. Os conflitos da primeira metade do século XIX entre os dirigentes da grande agricultura brasileira e a Inglaterra – os quais contribuíram indiretamente para que se formasse uma clara consciência da necessidade de lograr a plena independência política – não tiveram sua origem em discrepâncias de ideologia econômica. Resultaram principalmente da falta de coerência com que os ingleses seguiam a ideologia liberal. O tratado de comércio de 1810, referindo-se embora com bonitas palavras ao novo “systema liberal”, constitui, na verdade, um instrumento criador de privilégios (FURTADO, 1977, p. 95).

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Tal conflito, entre o latifúndio brasileiro e a Inglaterra, levou o autor a não só tentar

depreender as razões de resistência das elites brasileiras, mas saber como uma colônia de

Portugal logrou êxito, mesmo que parcial, frente à Grã-Bretanha.

De acordo com Furtado, Entre as dificuldades que encontravam para vender os seus produtos e o temor de uma forte elevação de custos provocada pela suspensão da importação de escravos, a classe de grandes agricultores se defendeu tenazmente, provocando e enfrentando a ira dos ingleses. O governo britânico, (...) impulsionado pelos interesses antilhanos que viam na persistência da escravatura brasileira o principal fator de depressão do mercado do açúcar, usou inutilmente todos os meios a seu alcance para terminar com o tráfico transatlântico de escravos (FURTADO, 2007, p. 95).

Isso levou Florentino a pensar que deveria haver algo mais orgânico que unisse os

traficantes, o Estado e a sociedade colonial. Não era uma mera economia escravista. Assim,

tratou o comércio negreiro em sua lógica empresarial para tentar estabelecer os nexos entre

os traficantes, a sociedade, a economia e o Estado. Do ponto de vista metodológico, o autor

buscou apreender a questão do tráfico de duas formas: primeiro em seu duplo papel estrutural,

inclusive geográfico, e segundo como negócio marcado por estruturação e dinâmica

empresarial próprias, porém interligadas ao cálculo de lucro financeiro da empresa

mercantil colonial.

Tendo em vista o exposto pelos autores, é possível pensar que essa reação das elites

pode revelar que havia a presença de um mercado interno, e dessa situação pode ter surgido a

comunidade de mercadores e, por conseguinte, a classe dos comerciantes (isso poderá ser

visto na dualidade em Rangel). Essa comunidade/classe, dominava e controlava o mercado

interno. Com toda certeza, e por meio do tráfico controlavam, pelo menos: a reposição da

força de trabalho, o financiamento da produção e a comercialização de alimentos. Se

resistiram a investida inglesa e saíram vencedores, podem ser considerados como a classe

dominante da época, e como a classe de onde originou a nossa elite.

Outra análise que pode ser feita é que, embora o ocidente já estivesse sobre a

formação capitalista, por ser o Brasil uma colônia, em um primeiro momento, tivemos uma

sociedade com mercado, mas que não se desenvolveu de forma competitiva. Quando foi

estabelecido o comércio de longa distância no país, comprar barato para vender caro pode ser

considerado como algo funcional. Tal afirmação está em consonância com o pensamento de

Polanyi (2012) e Wood (2001), para eles essa teria sido uma forma particular de atividade

econômica anunciadora do capitalismo, pois o comércio não tinha o sentido de lucro que vai

se dar, posteriormente. Esse processo no Brasil, pode ter contribuído com a acumulação

interna que será importante no processo de industrialização do país.

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Em continuidade, o Brasil, no seu duplo papel estrutural no comércio atlântico de

escravos era responsável, também pela sua reprodução física. Segundo Florentino (2014), este

aspecto foi bastante ressaltado por pesquisadores ligados as questões do mercado

internacional em expansão. Entretanto, a deficiência que sentiu o autor nestas abordagens foi

que não se ressaltou que essa reprodução era precedida pela produção social do escravo na

África e não no Brasil, como afirmara esses autores, A primeira, de conteúdo político-social, tinha por móvel a cristalização da hierarquia social e das relações de poder nas regiões africanas mais ligadas à exportação de homens. A segunda, econômica stricto sensu, está relacionada à forma pela qual se dava essa produção (a violência), que permitia ao fluxo de mão de obra realizar-se a baixo custo. Desse último aspecto derivava, na esfera da demanda brasileira, a disseminação tanto da propriedade escrava quanto do exercício de uma lógica empresarial em princípio bastante reificadora (FLORENTINO, 2014, p. 11).

No que tangia ao tráfico como negócio/valor/dinheiro, o autor trabalhou com a ideia

de que o mesmo se inseria no quadro geral dos empreendimentos econômicos coloniais.

Constituiu-se como um forte circuito interno de acumulação endógena, e que se estruturaram

em concordância com os padrões vigentes no mercado colonial, e seus benefícios ficavam

dentro do país. Pude perceber que esse processo de acumulação interna, por meio da expansão

financeira corrobora com a análise de Arrighi (1996) e seus Ciclos Sistêmicos de

Acumulação. O autor observou, ao reinterpretar o desenvolvimento da sociedade em seus

estudos sobre o capital financeiro, que esse não foi uma etapa especial do capitalismo

mundial, mas que existiu desde os seus primórdios. Então, ao analisar essa etapa do

desenvolvimento brasileiro, pode-se afirmar que houve um ciclo de expansão comercial com

expansão financeira, embora o país ainda não fosse capitalista.

Nessa linha, Florentino afirmou que: Em outras palavras, indiquei que o controle do tráfico carioca pelo capital estabelecido na praça mercantil do Rio de Janeiro, seja mediante a montagem das expedições negreiras, seja, sobretudo, por meio do adiantamento de recursos a outros atores do comércio de almas – o que significa apontar para um negócio marcado por características não capitalistas, e fundado em uma forte autonomia frente ao capital internacional. Na verdade, os lucros dele derivados permitiam aos traficantes desfrutarem de um papel ímpar na hierarquia socioeconômica colonial, com os mercadores de almas configurando a própria elite colonial, o que, por sua vez, lhes proporciona influenciar decisivamente os destinos das políticas interna e externa do Estado (FLORENTINO, 2014, p. 12).

A afirmação que a reprodução dos escravos no Brasil se dava pela produção dos

mesmos na África, foi pensada, pelo autor, a partir de alguns dados em que se pôde estimar o

fluxo de escravos que aportaram no porto do Rio de Janeiro, entre 1790-1830, fluxo que

representava ganho imediato e sem maiores gastos como com alimentação, por exemplo. O

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porto do Rio de Janeiro, importou mais de 700 mil africanos. Entre 1701 e 1790, uma média

anual de 8.100 escravos. Entre 1790 e 1830 a média anual foi de 17.023 africanos

(FLORENTINO, 2014). A seguir, apresento por decênio, a estimativa quantitativa dos

escravos/mercadoria desembarcados no Rio de Janeiro: Tabela 1: Estimativa do volume de escravos africanos desembarcados no porto do Rio de Janeiro, 1790-1830

ANOS NÚMERO DE ESCRAVOS ANOS NÚMERO DE ESCRAVOS

1790- 1800 98.783 1811- 1820 188.950

1801-1810 108.322 1821 -1830 301.890

Anos selecionados. Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS, com base em (FLORENTINO, 2014, p. 50) 2018.

Isso aponta, para o fato do Rio de Janeiro à época, contar com um vigoroso fluxo

externo e contínuo para a reposição de escravos quando necessário. E isso foi feito por meio

do tráfico atlântico de africanos. Além disso, a lógica da maximização dos lucros pautou a

preferência dos senhores por cativos do sexo masculino, pois faziam as atividades mais

pesadas para o funcionamento da grande propriedade agroexportadora. Como precisavam

estar integrados ao processo produtivo o mais rápido possível, preferiam os adultos e não tão

jovens e idosos, pois esses últimos poderiam não estar aptos ao trabalho.

Diante do exposto, talvez, seja pertinente acrescentar que o escravo enquanto

mercadoria e valor econômico tinha importância financeira tanto para o comércio externo

quanto para o comércio interno. E assim, ao mesmo tempo, a força de trabalho escrava tinha

valor monetário e lucrativo na produção endógena e exógena, pois era vendido

internamente a preços baixos e de acordo com sua capacidade de produção, tanto nas

lavouras com foco no mercado interno, quanto na plantation com foco no mercado externo.

Sendo relevante registrar, que o movimento do tráfico de escravos não estava

concentrado, apenas, no Rio de Janeiro. A título de exemplo, registro abaixo, dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre este processo na Bahia.

Quadro 3: Movimento do tráfico de escravos – Processo na Bahia

DESEMBARQUE DE AFRICANOS POR QUINQUÊNIO TOTAL SUL DA BAHIA BAHIA NORTE DA BAHIA

TOTAL 2 113 900 1 314 900 409 000 390 000 1781-1785 (63 100) 34 800 ... 28 300 1786-1790 97 800 44 800 20 300 32 700 1791-1795 125 000 47 600 34 300 43 100 1796-1800 108 700 45 100 36 200 27 400 1801-1805 117 900 50 100 36 300 31 500 1806-1810 123 500 58 300 39 100 26 100 1811-1815 139 400 78 700 36 400 24 300 1816-1820 188 300 95 700 34 300 58 300 1821-1825 181 200 120 100 23 700 37 400 1826-1830 250 200 176 100 47 900 26 200

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1831-1835 93 700 57 800 16 700 19 200 1836-1840 240 600 202 800 15 800 22 000 1841-1845 120 900 90 800 21 100 9 000 1846-1850 257 500 208 900 45 000 3 600

1851-1855 (1) 6 100 3 300 1 900 900 Fonte: IBGE. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de

povoamento. p. 223. Acessado em 20 de fevereiro de 2018. Portanto, eram os escravos quem produziam a maioria das mercadorias que eram

exportadas para a metrópole, e as que eram para consumo interno dos habitantes. Então, o

tráfico de escravos vindos da África para o Brasil era pujante e não algo episódico, como na

visão de Furtado e Prado. Acrescente-se que ser produzido na África e não no Brasil, era o

que garantia os baixos preços e a rápida reposição, sem custos de investimento na sua

constituição, e também aumentava os lucros dos comerciantes.

Isso tudo, vai de encontro ao que afirmou Furtado, de que “A introdução do

trabalhador africano não constituiu modificação fundamental, pois apenas veio substituir

outro escravo menos eficiente e de recrutamento mais incerto” (FURTADO, 2007, p. 47). O

autor afirmou que a singularidade da economia escravista era a forma como na mesma se

operava a formação do capital. E que no caso brasileiro, o que se importava eram os

equipamentos e a força de trabalho europeia especializada. No processo de operacionalização

dos engenhos, por exemplo, o valor dos mesmos deveria dobrar o capital importado sob a

forma de equipamentos, e o capital destinado a financiar a vinda dos operários

especializados.

No entanto, com o mediador dinheiro, aponto que o escravo pode ser aqui visto como

valor, status, poder, mercadoria, dinheiro, investimento e potencializador de lucro. Foi

possível fazer tal afirmação porque percebi, que na vigência do comércio de africanos se

conseguiu integrar organicamente, o maior ou menor desgaste dos mesmos, e que ao baratear

a força de trabalho, o tráfico permitiu a superexploração do escravo. De acordo com

(FRAGOSO; FLORENTINO, 1993), o cativo era imediatamente substituído por outro, isso

diminuiu o intervalo entre o desembolso da compra e o posterior reembolso.

Em relação ao comércio brasileiro é possível afirmar, com a análise do

desenvolvimento brasileiro em sua unidade dialética, que quando o Brasil virou colônia de

Portugal passou a fazer parte do circuito mundial do comércio, passou a ter a sua face externa.

Porém, esse comércio externo conviveu com as necessidades e interesses internos da colônia.

Nessa relação, ocorreram fatores econômicos, culturais, sociais e políticos que fazem do

Brasil, uma experiência específica, ou seja, fazem-no ter um desenvolvimento à sua moda.

Portanto, para expandir e prosperar a mercadoria escravo possuía valor comercial tanto

exógeno quando endógeno.

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Os autores nos mostram com suas pesquisas, a utilização de extensa quantidade de

força de trabalho escrava para o aumento dos lucros. Já Furtado, admitia essa potencialidade

do uso da mão de obra escrava no mercado interno quando surgiu a indústria, mas, ao mesmo

tempo, não admitiu a sua extensa quantidade Uma vez instalada a indústria, seu processo de expansão seguiu sempre as mesmas linhas: gastos monetários na importação de equipamentos, de alguns materiais de construção e de mão-de-obra escrava. A importação de mão-de-obra especializada já se realizava em menor escala, tratando o engenho de auto abastecer-se, mediante treinamento daqueles escravos que demonstravam maior aptidão para ofícios manuais. O mesmo não ocorre, entretanto com a mão-de-obra não especializada, pois a população escrava tendia a minguar vegetativamente, sem que durante toda a época da escravidão se haja tentado com êxito inverter essa tendência (FURTADO, 2007, p. 48).

Um fato curioso a ser destacado é que mesmo admitindo que o tráfico fosse um fluxo

contínuo e barato, os autores adeptos da submissão/dependência exógena tomaram a África

como um viveiro humano, pois não questionaram os motivos pelos quais o continente

africano ofereceu escravos durante um longo tempo e a preços baixos. Nesse contexto, é

fundamental destacar a visão de Cardoso, porque este viu a África como um lugar social e

heterogêneo, como também viu a apropriação do trabalho do outro e a violência, como

componentes fundamentais para continuidade do comércio atlântico (CARDOSO, 1987).

Entretanto, diante dos dados acima sobre o processo colonial e com o pensamento dos

autores adeptos da autonomia interna, é possível revelar: que o padrão demográfico se deu

pela vinda de escravos que aumentou a quantidade disponível da força de trabalho, aumentou

as horas de trabalho e ampliou a produção mercantil visando a maximização dos lucros por

meio do tráfico de escravos vindos da África.

Outro fato relevante, era que os senhores de engenho não se preocupavam com a saúde

e a longevidade dos escravos, e só com a abolição do tráfico que ocorreu oficialmente em 4 de

setembro de 1850 no Brasil, por meio da Lei Eusébio de Queirós. Após essa ação, foi que se

começou a ter essa preocupação com a saúde dos cativos em função do lucro e de ser a força

de trabalho mais barata existente. Valendo destacar, que mesmo tendo sido oficialmente

decretado o seu fim, o tráfico de escravos ainda continuou.

Percebe-se ainda, que o tráfico de escravos no Brasil foi parte de nosso processo de

desenvolvimento econômico e social, em função de ter tido características próprias e ter sido

gerador de valor. Portanto, o escravo enquanto mercadoria, era vendido por dinheiro ou

trocado como força de trabalho para as lavouras; atuava no cultivo de produtos tanto para

consumo interno quanto para exportação; sendo gerador de riqueza e lucro, portanto uma

mercadoria valiosa e rentável.

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No entanto, não é só no campo econômico que nos interessa entender a presença do

escravo no Brasil, pois além de mercadoria e força de trabalho havia, também, algum tempo

livre e este ele poderia fazer coisas para si. Cerdan, em sua tese de doutorado, buscou

perceber o que faziam os escravos em seu tempo livre, e assim afirmou: Ciro Flamarion Cardoso, com o intuito de refletir sobre o acesso aos lotes de terras pelos cativos, a denominada “brecha camponesa”, fez um interessante mapeamento de referências ao tempo livre dos escravos ao longo da história do Brasil. A primeira menção a lotes cultivados por escravos no Brasil foi encontrada numa instrução de 1663, recebida por um administrador de uma fazenda em Pernambuco. No final do mesmo século e início do seguinte, nos anos de 1688, 1689, 1693 e 1701, (...) o assunto fez parte de parágrafos de alvarás e ordens régias, para assegurar aos escravos o direito aos sábados livres para que pudessem cuidar de suas roças (CERDAN, 2013, p. 14).

No entanto, o autor percebeu que os escravos no Brasil não utilizavam suas folgas

apenas para o cultivo de terra, como apontou os estudos sobre a “brecha camponesa”, de

Cardoso - conhecida também, como “desobriga”, ou “tempo livre”. Os escravos, usavam seu

tempo livre para outras práticas que pudessem gerar outros recursos, tais como caça, pesca,

coleta, artesanato, criação de animais, prestação de serviços (dinheiro). Essas atividades

foram denominadas no Brasil, como economia interna dos escravos, economia independente

ou autônoma. Em consonância com o pensamento de Santana, assim expressa: A economia independente dos escravos não deve somente ser pensada como uma estratégia de controle senhorial, conotando apenas como “função ideológica”, pois retiraria a peça do mecanismo de movimentação da engrenagem do processo histórico, que é luta de classes, na qual os escravos, assim como os senhores, participavam como agentes históricos na construção do processo social de que faziam parte. Se a desobriga para os senhores tinha a função de conter e facilitar a cooperação dos escravos, para estes, ela se tornava, ao longo do tempo, um acordo e prática que deveriam ser respeitados, pois lhes traziam bastantes vantagens, muitas das quais serviam de importantes elementos para atenuar os reveses em que suas condições jurídicas os colocavam e também para diversos projetos de vidas, dentre os de maior expressão, a compra de suas próprias liberdades ou de algum parente (CERDAN, 2013, p. 18).

É possível perceber, que os escravos brasileiros buscaram transformar o seu tempo

livre em autonomia material e política. Houve luta e resistência de classe e não se configurou,

segundo o autor, como uma ação somente no Estado de São Paulo e na Bahia, mas por quase

todo o Brasil. O autor registrou uma carta escrita por um grupo de escravos fugitivos do

Engenho de Santana, em 1789, na Bahia. Na carta, os escravos estabeleciam algumas

condições para retornarem à fazenda. Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e sábado para trabalharmos para nós, não tirando um destes dias por causa de dia santo; Podemos plantar nosso arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e podemos cada um tirar jacarandá ou qualquer outro pau sem darmos parte a isso (CERDAN, 2013, p. 19).

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Como anunciado, desde o início, é importante perceber que no nosso modelo de

sociedade colonial, o tráfico de escravos foi visto como estruturador de nossa sociedade. De

forma bastante peculiar, em nosso desenvolvimento nos tempos de colônia tivemos:

Ø a) uma relação de dependência externa marcadamente fundamentada na compra e

venda dos escravos e nos produtos pelos mesmos produzidos;

Ø b) um pujante mercado interno marcadamente realizado pela força de trabalho dos

escravos na produção para importação e consumo interno, ou seja, como mercadoria e

produtor de mercadoria.

No entanto, no movimento interno, os mesmos conseguiram obter certa independência

e autonomia. Isso revela, que essa relação se dava por meio dos conflitos e dos interesses das

classes existentes no período, e que, muitas das vezes, ficam de fora das explicações da

formação do Brasil. Sendo a nossa constituição uma porta aberta para estudos futuros. Por

agora descreverei o nosso processo de desenvolvimento, no modo de produção capitalista.

3.2 CAPITALISMO DIFERENTE

Os autores defensores do pujante mercado interno levaram em consideração a

singularidade da metrópole portuguesa, onde a produção do excedente do ultramar indicava

que os portugueses tinham o propósito de manter em Portugal, uma economia e sociedade em

que os padrões estavam fincados no antigo regime, precisando, apenas, a reiteração da

estrutura agrária com a aristocracia. Portanto, esse movimento ajudou a entender o

funcionamento da colônia. Portugal estava contra a indicação da estabilização e da fixação do

capital mercantil, ao mesmo nível de outros centros europeus modernos que tinham forte

tendência de controlar a reprodução ultramarina (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993).

Fragoso mostrou, que o pensamento mais recorrente, era de que o capitalismo, como

modo de produção, seria o destino das colônias modernas, e que esse foi o caso “de algumas

interpretações acerca das relações entre a economia colonial brasileira e a metrópole

portuguesa” (FRAGOSO, 1998, p. 79). Assim, buscou perceber a posição de Portugal nos

movimentos mais amplos da transição capitalista e da colonização, e que se a economia, de

modo geral, tinha como objetivo a acumulação prévia na Inglaterra, não foi isso que ocorreu

em Portugal. Se tomarmos o século XVIII, veremos uma Inglaterra em pleno take-off contraposta a uma economia portuguesa que (...) parece caminhar em direção oposta, ou seja, ao

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não-capitalismo. Nesse século, encontramos em Portugal o predomínio de um mundo agrário, em princípio típico do Antigo Regime, onde a aristocracia detém metade das terras, e seus pares eclesiásticos, outro terço. A cidade, por seu turno, não se desenvolve mantendo suas funções eminentemente mercantis e administrativas. Ali, a indústria é ainda sinônimo de produção artesanal, assentada em pequenas e médias oficinas, sendo a manufatura mais complexa uma exceção. Singular situação, tratando-se do primeiro Estado nacional europeu, da economia pioneira na expansão marítima do século XV, que, por conseguinte, conheceu muito precocemente o desenvolvimento do capital mercantil. (...) O arcaísmo dessa estrutura chega a ponto de diferir até dos padrões clássicos que marcam as sociedades do Antigo Regime, e isto mesmo em pleno século XVI (FRAGOSO, 1998, p. 80).

Em relação à nossa economia, o Brasil apresentou uma realidade específica, porque

embora não tenha se reduzido a sua relação de dependência com a metrópole, foi uma

economia criada em função do modo de produção capitalista em expansão, Segundo Dowbor, Ao contrário de certos países asiáticos ou africanos, onde a Europa utilizou para os seus fins as estruturas sócio-econômicas existentes, o Brasil no seu conjunto é criado como complemento econômico. Debruçar-se sobre a economia brasileira significa (...) debruçar-se sobre as funções sucessivas que ele desempenhou na formação e no desenvolvimento do capitalismo das metrópoles (DOWBOR, 1982, p. 45).

O autor nos revelou assim, a originalidade do Brasil em relação as outras colônias

mundiais, em que a metrópole sobrepunha as estruturas da política e da economia ali

existentes, artefatos de dominação e exploração. No caso do Brasil, a fragilidade demográfica,

social e organizativa da população indígena compeliu a metrópole a criar um novo modelo

econômico, tiveram que determinar as funções econômicas e escolher os produtos a partir do

exclusivo fator de produção brasileiro: a terra (DOWBOR, 1982).

Portanto, não foi realizada uma reorientação da produção local para servir as

necessidades da metrópole, o que ocorreu na realidade foi a criação da produção brasileira,

assim “a dualidade característica que se encontra em outros países do Terceiro Mundo -

sobreposição de duas civilizações ou de duas dinâmicas - não existe portanto no Brasil”

(DOWBOR, 1982, p. 46)

Outra diferença do caso brasileiro, é em relação aos sentidos da independência.

Quando comparado aos EUA, apesar de trajetória semelhantes, a característica brasileira pode

ser notada. Os EUA, fizeram a Guerra pela Independência e a Guerra de Secessão e

romperam as amarras políticas e econômicas da dependência. Esse país, orientou sua

economia, em função das necessidades internas. Tal fato não ocorreu com o Brasil, como

podemos perceber na descrição feita nesse estudo de tese.

Para manter a estrutura desta sociedade, com um terço da população fora do processo

produtivo, Portugal recorreu a expansão marítima e mais tarde a colonização brasileira. Essas

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escolhas, deram condições de manutenção da estrutura social do país e acabaram por

modificar a antiga sociedade portuguesa. Era, portanto, uma estrutura que tinha no Estado um

elemento central, pois o mesmo ocupou espaço privilegiado na atividade comercial, como

armador, mercador, explorando monopólios. Desde o século XVI, aproximadamente 65% da

renda estatal provinha do tráfico marítimo, e isso se estendeu até meados do século XVIII

(DOWBOR, 1982).

Fragoso (1998) encontrou uma contradição no papel desempenhado pelo Estado

português, com forte presença na atividade econômica. O Estado para prosperar dependia dos

impostos sobre as atividades econômicas, mas, ao mesmo tempo, inibia a acumulação

mercantil privada. Então, reforçava a estrutura agrária tradicional, pois atuava como

empresário; proibia a atividade privada e não realizava investimentos produtivos. Preferiu

incentivar o crescimento da burocracia e a ostentação no consumo. Para o autor, na época

colonial brasileira, o Estado surgiu como variável determinante para a própria reprodução da

sociedade pré-capitalista. Ao lado dessa tendência em redefinir a acumulação mercantil como elemento de sustentação da posição aristocrática, vemos a tendência dos meios mercantis à aristocratização. Assim, verifica-se que mercadores e negociantes enriquecidos com o comércio internacional buscam integrar-se à ordem nobiliárquica: a realidade é o mercador-cavaleiro e o cavaleiro-mercador, o fidalgo-negociante e o negociante enobrecido, não sendo por isso fácil a existência de uma burguesia autônoma, com seus valores próprios (FRAGOSO, 1998, p. 82).

Fragoso e Florentino (1993), não se detiveram apenas em olhar a hegemonia dos

mercadores da época colonial no Brasil, foram além, pois visaram descobrir o que a

financiava e sustentava. Perceberam logo, que a reiteração tinha como requisito, a

incorporação de fatores econômicos, com forte elasticidade e custos sociais e produtivos

focados na: terra, mão de obra e alimentos. O país possuía fronteira aberta, e tinha produção

não capitalista que garantiam o abastecimento interno, com crescente aumento do tráfico de

escravos. Assim, segundo os autores, em relação ao mercado internacional, o resultado foi

uma economia não capitalista e com certa autonomia. Tal fenômeno gerou internamente uma

hierarquia excludente e desigual.

Os negociantes de grossa aventura (elite) monopolizavam as atividades mais

rentáveis, e os demais atores econômicos ficaram com as de menor lucro, especialmente, a

agricultura. Assim, esses enriqueciam e a população em geral empobrecia. No entanto, foi

mantida a estabilidade do sistema, pois se utilizaram de recursos produtivos mais baratos e já

citados: terra, alimento e mão de obra escrava.

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Portanto, os autores revelam que houve acumulação interna no período colonial, em

contraponto as afirmações de Caio Prado (PRADO JR, 2011) e Celso Furtado (FURTADO,

2007) que não viram neste período essa capacidade, e indicaram a relação de dependência

exógena, como o caminho para se entender o desenvolvimento brasileiro. Furtado, assim

afirma que “sendo uma grande plantação de produtos tropicais, a colônia estava intimamente

integrada nas economias europeias, das quais dependia. Não constituía, portanto, um sistema

autônomo, sendo simples prolongamento de outros maiores” (FURTADO, 1977, p. 95).

E tal forma de interpretação, é diferente do que nos revelaram Florentino e Fragoso,

dentre outros. Diante disso, Fernando Novais, ao escolher o comércio exterior como eixo

central da história colonial, e ter como aporte em seu quadro de análise as noções de

“transferência de excedentes” e “relações centro/periferia” acabou por concordar com os

defensores do desenvolvimento exógeno. Em seu pensamento, o Brasil foi algo fundado na

noção de pacto colonial em que tudo que havia na colônia, era reservado, em primeira mão,

aos mercadores da metrópole. Essa interpretação estava longe de representar o caráter das

metrópoles ibéricas (DOWBOR, 1982).

No entanto, como dito anteriormente, o que Fernando Novais percebera em Portugal,

foi um capitalismo mercantil marcado pela ampliação do Estado, porém viu tal fenômeno com

forte dependência da Inglaterra (DOWBOR, 1982). A partir dessa perspectiva, apontou os

traços básicos da economia colonial, como se tivesse percorrido o mesmo caminho que Prado

e Furtado (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993).

Tal forma de analisar viu na hegemonia da plantação (plantation), o resultado evidente

da inexistência de um pujante mercado interno. Nessa visão, os escravos produziam sua

subsistência na própria unidade exportadora. Sendo assim, a colônia apresentou dois setores

básicos: a plantação, razão de existência da colonização e o setor dependente da produção

interna que atendia o consumo local.

Nesse sentido, os autores citam Ciro Cardoso que contestou essa visão única de

dependência, pois para ele, as colônias só poderiam revelar seus sentidos quando vistas como

elementos integrantes, complementares e dependentes da economia europeia, (...) também é verdade que as atividades de conquista e colonização tiveram como resultado o aparecimento de sociedades cujas estruturas internas possuem uma lógica que não se reduz exclusivamente ao impacto da sua ligação com o mercado mundial em formação e com as metrópoles europeias (CARDOSO in FRAGOSO e FLORENTINO, (1993, p. 33).

Em outras palavras, a escravidão mercantil precisava ser vista não apenas da

perspectiva colonial, mas também por meio de sua própria constituição. Tal forma de pensar

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visou romper com a visão tradicional dos sentidos da colonização. A visão de Ciro Cardoso,

ajudou a ampliar a compreensão sobre um modo de produção escravista colonial na América.

Não descartou a relação de dependência, mas entendeu que essa dinâmica era mais complexa

que apenas tal fato.

No entanto, é pertinente observar o que afirmou Rangel e que nos serve de alerta, em

relação tanto a influência endógena e exógena quanto a dependência e a autonomia, de que

falaram os autores acima referenciados, nas duas discussões sobre o caso brasileiro, A história do Brasil não retraça fielmente a história universal, especialmente a europeia, porque nossa evolução não é autônoma, não é produto exclusivo de suas forças internas. Nossa economia nasceu e se desenvolveu como complemento de uma economia heterogênea e sempre esteve sujeita as vicissitudes. (...) A fazenda de escravos brasileira estava sujeita a duas ordens de leis: as do escravismo e as do capitalismo, e podemos passar a uma observação da máxima importância, porque comum a todas as fases de evolução da economia brasileira, isto é: que essas duas ordens de leis governam, respectivamente, as relações internas e externas da economia. Assim, não basta dizer que o latifúndio é uma economia mista, feudal-capitalista, mas é necessário compreender que é internamente feudal e externamente capitalista (RANGEL, 2012, p. 296).

Os autores, também, perceberam nos estudos feitos sobre Jacob Gorender, no final dos

anos de 1970, que ele seguiu essa linha de reflexão, e afirmaram que o mesmo Procurou levar às últimas consequências a ideia de um modo de produção escravista colonial, mediante, inclusive, a formulação de suas “leis” de funcionamento. Estas derivariam do processo de produção, em vez de circulação de bens, mudança de perspectiva que acabou por gerar algumas das mais contundentes críticas a Caio Prado e seus seguidores. (...) Ele aventa a possibilidade concreta de acumulações no interior da formação colonial, resultantes da atividade agrícola e/ou comercial (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993, p. 35).

Além da ideia de escravidão permanente, há outro ponto em comum entre os autores

aqui estudados, falo da enorme desigualdade social. Estes dois mecanismos eram fatores

preponderantes para a existência de fluxo externo, perene e economicamente viável, tanto de

força de trabalho para o país como da acumulação de riqueza. Ou seja, o tráfico atlântico é

fundante para explicar a nossa história colonial. Como revelado nessa e em outras pesquisas,

o Brasil foi um dos maiores importadores dessa então valiosa mercadoria: homens, mulheres

e crianças produzidas na África, para serem potencializadoras da produtividade e do lucro,

a baixo custo na colônia brasileira.

No entanto, os adeptos da dependência mesmo admitindo que os preços dos produtos

tropicais externos e o volume de importação de africanos tenham estreita relação, o contrário

não é considerado na explicação. Partindo dos ciclos de Kondratiev, “não se pensa que na fase

B do mercado internacional se possam incrementar as exportações de produtos tradicionais e,

portanto, o próprio desembarque de africanos no Brasil” (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993,

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p. 38). Assim, é desconsiderada a dinâmica do mercado de escravos no atlântico, como fator

de lucro em períodos de depressão da conjuntura internacional, sendo importante

compreender esse processo por meio da dualidade brasileira percebida por Ignácio Rangel.

3.2.1 O modelo dual da economia capitalista brasileira em Ignácio Rangel

Rangel, realizou suas abordagens da história econômica e política do Brasil, a partir do

século XIX, como uma sucessão de dualidades. Essas, corresponderam a fases de declínio e

expansão de ciclos de Kondratiev (RANGEL, 1999). Um ciclo de Kondratiev tem, mais ou

menos, um período longo de duração das conjunturas que pode durar de 40 a 60 anos, se

caracteriza por ondas ou fases de expansão, estagnação e depressão. Este ciclo corresponde

aproximadamente, ao retorno de um mesmo fenômeno.

O ciclo de Kondratiev, apresenta de modo geral, duas fases distintas: uma fase

conjuntural de prosperidade ou ascendente, denominada de fase “A” e uma fase de depressão

ou descendente, a fase “B”. Nessa perspectiva, essas flutuações de longo prazo seriam

características da economia capitalista. O início de cada dualidade brasileira corresponde ao

início da fase "B", dos sucessivos ciclos longos de Kondratiev.

De acordo com Furtado (1986), o interesse de contato das economias capitalistas em

alguns lugares, foi apenas em função da abertura do comércio; em outros lugares, foi o

interesse em fomentar a produção de matérias primas onde a procura crescia

substancialmente nos centros comerciais. E assim, o autor aponta a dualidade (que já falara

Rangel na década de 1950), como uma resultante do processo de desenvolvimento e do

subdesenvolvimento. Contudo, a resultante foi quase sempre a criação de estruturas dualistas, uma parte das quais tendia a organizar-se à base da maximização do lucro e da adoção de formas modernas de consumo, conservando-se a outra parte dentro de formas pré-capitalistas de produção. Esse tipo de estrutura socioeconômica dualista está na origem do fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo. O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento (FURTADO, 1986, p. 188).

Dessa forma, o subdesenvolvimento não é uma etapa obrigatória no modo de produção

capitalista. Configurou-se como uma situação peculiar e resultado da sua expansão comercial

e financeira, que visou a utilização dos recursos naturais e do trabalho, em regiões com

economia pré-capitalista. Tal afirmação nos permite lembrar da descrição de ciclos sistêmicos

de acumulação (CSA), em Arrighi (1996) e de sistema-mundo em Wallerstein (2002).

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Arrighi, analisou por meio do CSA, as formas de hegemonia na história do

capitalismo: hegemonia, capitalismo e territorialismo, todas baseadas na colonização direta,

na escravidão capitalista e no nacionalismo econômico. O Estado exercia a hegemonia por

governar e exercer o poder político. Wallerstein, analisando os ciclos em Braudel, viu que a

economia opera com a relação capital e trabalho, em que o capital se apropria da mais-valia

gerada pelo trabalho, mas que no sistema-mundo essa expropriação da mais-valia passou a ser

entre os países. Os países considerados desenvolvidos passaram a extrair mais-valia dos

países vistos como em desenvolvimento.

Antes de prosseguir com a discussão, e considerando o pensamento de Furtado,

Fragoso, Carvalho e Rangel, dentre outros, é pertinente frisar que a dualidade brasileira esteve

focada do ponto de vista de nosso ator rede: 1- na acumulação de capital (dinheiro); 2-

maximização dos lucros (quase sempre para o capital e/ou classe hegemônica); 3- na

compra e venda (valor) no comércio, (capital comercial); 4- na compra e venda da indústria

(capital industrial); 5- na compra e venda de escravos; 6- na exploração da força de

trabalho (escravos, assalariado); 7- na utilização da terra, por meio de sua concentração,

tanto no campo (latifundiário) quanto na cidade (especuladores). Estas traduções ajudaram a

compreender a (trans)formação do mercado no Brasil.

Nessa perspectiva, e em continuidade, é interessante destacar que o desenvolvimento

do capitalismo se deu e se dá, também, por meio das revoluções industriais e científico-

técnicas. Cada uma delas implica o sucateamento de parcela importante do capital fixo acumulado durante a implantação escalonada da tecnologia resultante da nova revolução. Aí fica implícita a possibilidade de dois gêneros de flutuações econômicas, a saber: uma flutuação de longo prazo, correspondente à renovação do capital físico ligado a revolução científico-técnica como um todo, e outra flutuação, correspondente à renovação do capital fixo social, de parcelas do sistema econômico, as quais podemos denominar de setores (RANGEL, 1983, p. 33).

Nessa lógica, o ciclo longo, vem acompanhando a evolução do modo de produção

capitalista, por meio de revoluções e flutuações. Portanto, alguns aspectos das pesquisas feitas

pelos autores acima, acrescidos pelos estudos sobre a dualidade básica da economia brasileira

de Ignácio Rangel (1981), (1983), (1999), (2012), são de fundamental importância para esta

pesquisa. Destaque-se, também, a discussão dos ciclos sistêmicos de Arrighi (1996), em

relação as fases de expansão comercial e financeira do século XIX, que coincidem com a

questão da hegemonia mundial, e penso que está diretamente ligada as revoluções industriais.

Arrighi apresentou três fases de expansão financeira no fim do século XIX início do

século XX, em que caiu o regime inglês e surgiu a hegemonia dos EUA; houve a expansão

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das décadas de 1950 e 1960 com expansão comercial e na produção; e a expansão que vem

destruindo o modelo hegemônico atual e criando um novo regime, com provável hegemonia

chinesa (Arrighi, 1996). Esses processos cíclicos afetam todo o mundo, em especial, os países

considerados em desenvolvimento, porque influenciam nas questões econômicas e políticas

endógenas e exógenas.

Contudo, o pensamento e os estudos de Rangel permitiram observar que é possível

compreender as relações externas e internas de produção no caso brasileiro. De acordo com o

autor, quando a América foi descoberta (para mim encontrada para ser explorada), o modo de

produção europeu era dual, No seio de uma sociedade feudal, haviam-se desenvolvido fulcros de capitalismo. Era este, mesmo em seu estágio inicial de desenvolvimento - o capitalismo mercantil - que imprimia ao sistema o prodigioso dinamismo, sua virtual ferocidade, (...), mas era o feudalismo que entrava com a carapaça externa (RANGEL, 1981, p. 5).

No entanto, havia o enquadramento jurídico externo do sistema, o qual entrou em

contato com outras realidades, tanto em lugares que já possuíam regime pré-capitalista, como

no caso brasileiro, ainda pré-escravista. A dualidade europeia, segundo o autor, era diferente

da que surgiu na colônia brasileira: primeiro, a mesma foi temporária em função do

capitalismo nascente, que rompeu com a rigidez medieval depois das revoluções burguesas,

tanto na Inglaterra quanto na França. Segundo o seu polo interno de produção era mais

avançado do que o externo.

Ao entrar em contato com o mundo não desenvolvido, Portugal e Espanha o fez pelo

polo externo de natureza feudal, (como poderá ser visto mais adiante) tanto pelo seu aspecto

econômico como pelo jurídico. Nesse pensamento, a Europa tentou enquadrar a América em

sua visão feudal, e o marco fundante desse esforço foi o Tratado de Tordesilhas, com o qual o

continente americano foi dividido entre as coroas - Espanha e Portugal. O tratado determinava

que todas as nossas terras pertenciam ao rei, não importando se da Espanha ou de Portugal

(CASTRO, 2012). Segundo Rangel, Todo o direito feudal constrói-se sobre dois dispositivos gêmeos, ambos relativos à propriedade ou domínio sobre a terra - o fator de produção que, a certa altura do desenvolvimento da sociedade, emerge como o estratégico, isto é, aquele cujo comando confere o domínio sobre todo o processo produtivo, substituindo, nessa condição, o "fator trabalho" (o escravo) e antecedendo o "fator capital" (riqueza reproduzível comprometida no processo produtivo). Refiro-me aos dispositivos que, por um lado, conferem ao Estado, isto é, ao rei, a propriedade (direta ou nua) de toda a terra sobre a qual se estenda sua soberania e, por outro, que exige que toda terra tenha um titular do seu domínio útil, integrado na classe dominante, inclusive o próprio rei "”All land is king's land” e “"Nulle terre sans seigneur” (RANGEL, 1981, p. 6).

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O feudalismo brasileiro começou sua construção pela afirmação da nua propriedade

(nulle terre sans seigneur), e assim, diferente do feudalismo europeu, as terras poderiam ser

de qualquer um. Porém, rapidamente, foram substituídos por institutos representativos de

outros modos de produção. Então, a partir do Tratado de Tordesilhas surgiu certo tipo de

feudalismo no Brasil, que foi diferente do europeu por não ter sido temporário, e ter possuído

características pré-feudais.

Entre os donatários26 e o rei, as relações eram de tipo feudal, suserania-vassalagem,

mas a relação donatário-vassalo e a população interna, eram mais primitivas e refletiram o

estágio de desenvolvimento das forças produtivas (RANGEL, 1981). Dessa forma, foi que o

autor apresentou a dualidade básica da economia brasileira, pois havia duas relações

dominantes, uma externa (exógena) e uma interna (endógena), e ambas, em cada situação em

que é analisada, é a dominante. O autor formulou a questão da seguinte forma: A economia brasileira se rege basicamente, em todos os níveis, por duas ordens de leis tendenciais que imperam respectivamente no campo das relações internas de produção e no das relações externas de produção. Essas duas formações econômicas básicas – cada uma regida por suas leis próprias, formuladas com precisão maior ou menor pela ciência econômica universal – não se limitam a coexistir. Pressionam continuamente uma sobre a outra, estão em permanente conflito (RANGEL, 2012, p. 298).

Portanto, tanto são importantes os estudos dos autores que têm por base o processo

histórico da economia endógena, quanto os que analisam o processo exógeno do

desenvolvimento brasileiro. O diferencial em Rangel, foi observar os dois movimentos em sua

dualidade, e ambos como constitutivos de nossa história. O autor fez isso, por meio de

fórmula própria e a partir dos ciclos econômicos. Realizou essa discussão baseado no

materialismo histórico, na teoria econômica e no direito. A novidade analítica de Rangel consiste em afirmar, primeiro, a coexistência dual de relações de produção historicamente defasadas em relação às fases por que passaram as sociedades européias; segundo, em mostrar que essa defasagem é dependente das relações de produção existentes na Europa; terceiro, em apresentar esse processo dual, defasado e dependente como encadeado: o "pólo secundário" (ou externo) de uma dualidade transformando-se no pólo "principal" (ou interno) da dualidade seguinte. Rangel chama os pólos não de secundário e principal, mas de "externo" e "interno"; mas, ele também detecta um "lado externo" em cada um desses pólos, correspondente às relações de produção vigentes nos países centrais (PEREIRA e REGO, 2004, p. 2).

Portanto, a sociedade dual brasileira, a depender de suas forças produtivas, mudou o

seu modo de produção passando para um modo diferente do anterior. Do ponto de vista dessa

26 Pessoas, que no período colonial, recebiam terras ou capitanias hereditárias para povoar e cultivar.

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pesquisa, poderíamos afirmar que seria um modo mais lucrativo. Então, nos vem à mente o

pensamento de Anísio Teixeira: Nascemos, assim, divididos entre propósitos reais e propósitos proclamados. A essa duplicidade dos conquistadores seguiu-se a duplicidade da própria sociedade nascente, dividida entre senhores e escravos. Nem o espanhol nem o português que aqui apartaram traziam propósitos de criar, deste lado do Atlântico, um mundo novo. Encontraram um mundo novo, que planejaram explorar, saquear e, assim enriquecidos, voltar à Europa (TEIXEIRA, 1962, p. 60).

Portanto, a dualidade discutida e descrita por Rangel é fundante, para

compreendermos que o Brasil tem um jeito ímpar de mudar, um jeito à sua moda, e que está

refletido por meio de leis peculiares e que refletiram sua dualidade. As leis da dualidade

brasileira, podem ser assim descritas:

ü 1ª lei – Quando são cumpridas as exigências para a passagem de um estágio a outro de

desenvolvimento das forças produtivas. Nessa dinâmica, um dos polos muda para um

estágio superior e o outro guarda a estrutura anterior.

ü 2ª lei- Na dualidade, os polos se modificam alternadamente.

ü 3ª lei – A mudança ocorre quando o modo de produção passa do lado externo ao lado

interno;

ü 4ª lei – Ao ocorrer tal mudança no polo externo, esse polo muda para um modo de

produção mais avançado, formando nova união dialética com o lado interno

recentemente gerado;

ü 5ª lei – Pela posição que ocupa no mundo (o subdesenvolvimento) as mudanças da

dualidade brasileira são resultantes de mudanças ocorridas no centro dinâmico da

economia (países desenvolvidos).

Sendo assim, os estudos de Rangel concluíram que a nossa peculiaridade é a

dualidade, e “o fato de que todas os nossos institutos (...) – o latifúndio, a indústria, o

comércio, o capital e o trabalho e nossa economia nacional - são mistos, têm dupla natureza, e

se nos afiguram coisas diversas, se vistos do interior ou do exterior, respectivamente”

(RANGEL, 2012, p. 286).

Ressalte-se que essa maneira de pensar o desenvolvimento brasileiro me reportou,

mais uma vez, aos estudos de Arrighi. O autor afirmou que as características que

fundamentaram o capitalismo ao longo da história foram a flexibilidade e o ecletismo, sendo

essa talvez uma característica do sistema que propiciou essa dualidade no caso do Brasil. Essa

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dualidade vista por Rangel, que chamo aqui, dentre outras características, de desenvolvimento

à moda brasileira. O autor representa esta dualidade da seguinte forma esquemática.

Quadro 4: Dualidade Básica da Economia Brasileira

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. 2018.

Importante registrar, que cada polo e lado considerados estão dialeticamente unidos,

ou seja, esses modos de produção sofrem as influências um dos outros, porém mantem a

identidade. A sociedade dual, é caracterizada pelo domínio de duas classes que estão

representadas nos dois polos. Como os polos tem idades diferentes, o rompimento das

relações de produção se dá pelo polo mais antigo. “A dualidade é exatamente a teoria que

junta o processo econômico e as classes sociais” (CASTRO, 2012, p. 20).

Desse modo, Rangel revelou as quatro dualidades no caso brasileiro, que passo a

apresentar. A primeira dualidade foi formada na fase B do primeiro ciclo de Kondratiev, o

ciclo longo e repressivo. Data de 1815, com a estruturação da Santa Aliança e da Carta da Lei

que fundou o Reino do Brasil. O sete de setembro de 1822, e o sete de abril de 1831, foram

atos que homologaram mudanças já existentes, pois a sociedade e o Estado brasileiros, já

estavam constituídos. A culminância se deu com a Abolição da Escravatura e a Proclamação

da República, respectivamente em 1888-1889 (PEREIRA e REGO, 2004).

Tendo em vista as descobertas, o autor representa a primeira dualidade da seguinte

forma:

Lado externo

Lado interno

Lado interno

Dualidade

Básica

da Economia

Brasileira

Polo interno

Polo externo

Lado externo

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Quadro 5: Primeira Dualidade da Economia Brasileira (1815-1873)

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. 2018.

As classes, dentro da primeira dualidade, podem ser assim representadas: se

observarmos bem, no polo interno os barões, ao mesmo tempo em que eram no lado interno

os ricos senhores de escravos* (escravistas), eram do lado externo vassalos** de Portugal

(relação feudal). Os comerciantes****, no polo externo, tinham relações de capital

industrial e no lado interno, os comerciantes*** eram inferiores aos barões e mantinham

uma relação de capital mercantil. Desta maneira, o capitalismo chega a fazenda no Brasil de

forma diferente do que ocorrera em outros países.

Como descrito com Fragoso e Florentino, a fazenda de escravos no Brasil era

suscetível a duas leis distintas e contraditórias: as do escravismo e as do capitalismo. Essas

leis, geriam tanto as relações internas quanto externas da economia, da riqueza, do poder e do

dinheiro. Então, não bastava afirmar que o latifúndio (terra) era uma economia mista, feudal-

capitalista, mas era primordial compreender a peculiaridade de que era internamente feudal e

externamente capitalista.

Sendo importante destacar, de acordo com o descrito nos estudos de Ponce (2001), que

no Brasil existiu além da economia feudal, o comunismo primitivo dos indígenas e dos negros

africanos que foram trazidos posteriormente. Esse arranjo, por certo, não resistiu por muito

Lado interno – escravismo *

Barões -Senhores de escravo

Lado externo – feudalismo**

Barões - Vassalos de Portugal

Lado interno: capitalismo mercantil***

Comerciantes - Capital mercantil

Lado externo: capitalismo industrial****

Comerciantes – Capital industrial

Polo interno

Polo externo

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tempo. Assim, o Brasil foi se transformando em uma sociedade de tipo novo: uma sociedade

que combinava o capital comercial com a escravidão (dinheiro) (DOWBOR, 1982). Tal fato

foi observado pelos autores que revisitaram a nossa história.

De acordo com Rangel, a passagem da primeira para a segunda dualidade foi

resultante de um demorado processo extremamente contraditório, e que arruinou o polo

interno (escravismo) da primeira dualidade. Sair da estrutura interna escravocrata para a

feudal, teve duas condicionalidades no caso brasileiro: o aparecimento de uma massa de

trabalhadores sem condições de subsistir, e a apropriação pela classe feudal de toda terra

acessível. Terra na qual se pudesse morar e cultivar, não sobraram terras livres, em que

pequenos agricultores pudessem se instalar e produzir.

Ressalto, que a primeira dualidade chegou em âmbito nacional pela economia – lado

externo. Destaco, portanto, que houve um elemento comum aos dois polos na segunda

dualidade, que foi o capital mercantil. Percebe-se no quadro abaixo, que o capital mercantil

está, ao mesmo tempo, dentro do polo interno (no lado externo) e dentro do polo externo (no

lado interno).

Na segunda dualidade, a classe comerciante*, antes sem força era agora considerada

capaz de gerir os negócios do Estado, em sua união com a pequena burguesia27 local, e

também, com o capitalismo industrial dos países desenvolvidos e hegemônicos. Portanto, foi

o representante do polo externo, como classe burguesa industrial**. Essa classe, era

detentora da riqueza, do dinheiro e do poder de fato (RANGEL, 1981); (RANGEL, 2012).

Quadro 6: Segunda Dualidade da Economia Brasileira (1873-1922)

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. 2018.

27 Essa classe será melhor apresentada no capítulo 4, pois é relevante para entender as políticas públicas de educação no Brasil.

Lado interno – feudalismo

Lado externo - capitalismo mercantil*

Comerciantes - Capital mercantil

Lado interno: capitalismo mercantil

Lado externo: capitalismo industrial**

Comerciantes – Burguesia industrial

Polo interno

Polo externo

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Então, o capitalismo mercantil* no lado interno do polo na primeira dualidade foi

substituído pelo capitalismo industrial** do lado externo. Segundo Rangel (1981, p. 26),

com a Grande Depressão mundial, a II Guerra Mundial percebe-se “a passagem da fase “b”

do 3º. ciclo longo, o velho arranjo pelo qual, pela intermediação do capitalismo mercantil

interno, o capitalismo industrial fazia sentir sua presença”. Chegou ao fim da segunda

dualidade.

Portanto, foi introduzida uma mudança estratégica em relação à dualidade brasileira. O

capitalismo industrial, representado pela classe burguesa do polo externo da segunda

dualidade, mudou na terceira dualidade para o lado interno e substituiu o capitalismo

mercantil. Assim surgiu, a terceira dualidade. Dessa forma, o capitalismo industrial nascente

no Brasil teria que enfrentar a dinâmica do capitalismo industrial já amadurecido nos outros

países28.

Ao surgir o capitalismo industrial no lado interno do polo, como pode ser visto abaixo,

o autor afirmou que isso implicou na sua exclusão no lado externo, e para que a dualidade

continuasse foi substituída por outra, e agora o lugar ocupado anteriormente, pelo capitalismo

industrial, cedeu lugar ao capitalismo financeiro. Assim, pode ser observada abaixo, a

terceira dualidade.

Quadro 7: Terceira Dualidade da Economia Brasileira (1922-1973)

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. 2018.

28 Toda essa discussão é de extrema relevância quando discutimos a relação desenvolvimento e educação por meio dos Manifestos, leis, documentos e autores, no próximo capítulo.

Lado interno – feudalismo

Lado externo - capitalismo mercantil

Lado interno: capitalismo industrial

Lado externo: capitalismo financeiro

Polo interno

Polo externo

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A nascente burguesia industrial, surgiu da dissidência da classe que possuía a

hegemonia da segunda dualidade. Esses recém-industriais, ao invés de comprarem e

venderem, como os comerciantes, agora compravam insumos e vendiam produtos. Isso abria a possibilidade de que uma parcela crescente dos insumos, com que se sintetizavam os produtos, viesse a ser comprada dentro do País, para juntar-se aos insumos importados. Consequentemente, uma parcela cada vez mais importante do valor incorporado no produto seria pagamento de fatores nacionais e, a esse título, Renda Nacional. Estava montado o esquema de importações da terceira dualidade. A consciência de que os “novos comerciantes” não eram tais, mas outra formação social – a saber, a burguesia industrial. (...) ao fechar os mercados externos a nossas exportações – não apenas em termos de quantum, mas talvez principalmente, de valor – estabelecia-se distinção clara entre os dois grupos de “comerciantes”. Os primeiros não tinham vocação para substituição (industrial) e os segundos sim (RANGEL, 1981, pp. 28-29).

Isso vai ao encontro tanto do pensamento de Fragoso e Florentino, como de Caio

Prado e Celso Furtado, revelando mais uma vez, que para compreender o nosso

desenvolvimento, são importantes os dois tipos de relação que tivemos. Relações internas e

externas que conviveram desde o início da colonização, e que revelam o nosso próprio

modelo de desenvolvimento, caracterizado pela relação dual, desigual, violenta, contraditória

e dialética.

Aqui cabe destacar uma curiosidade, no que tange a questão da terra como valor, em

relação ao processo interno de desenvolvimento no modo brasileiro. Após a abolição da

escravatura, o Estado passou a atrair a mão de obra estrangeira, visava que o colono para se

estabelecer no país teria que ser um pequeno proprietário de terra. No entanto, os

latifundiários não eram contra o processo de colonização que o Estado estava propondo, mas

eram contrários à divisão da propriedade. Assim, essa classe viu que defender e manter a

propriedade da terra, em tempos que o escravo era liberto, garantiria o seu poder de classe. A questão da propriedade privada é dominante no pensamento da elite brasileira (...). Plenamente conscientes do momento que viviam, os fazendeiros de café viam a terra substituir o escravo como equivalência de capital. (...) A principal causa da crise na lavoura não era o esgotamento do solo, as pragas ou a insuficiência do trabalho escravo, mas sim o sistema agrícola de exploração (MARTINS, 2008, pp. 123-124).

Tais processos foram chamados, como vimos anteriormente, de arcaicos, pois

convivemos, ao mesmo tempo, com um processo interno que manteve a terra, mas que,

também alavancou a indústria. Importante registrar, que a experiência da industrialização

brasileira, que segundo Rangel, se desenrolou na fase B do terceiro Kondratiev, e que

continuou na fase A do quarto, oferece exemplos ilustrativos desse processo. A fase B do

terceiro Kondratiev colocou em movimento o processo de substituição de importações, a

exemplo do que haviam feito nas fases B, do primeiro e do segundo, mas, diferentemente

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desses ciclos anteriores de substituição de importações, este agora assumiu traços de

industrialização.

Isso significou a implantação do capitalismo industrial no Brasil. Esse processo para

garantir a produtividade e o lucro, foi implementado de maneira gradual. Primeiro, nas

regiões mais desenvolvidas e nas indústrias dos bens que estavam na pauta de importações, e

depois, gradativamente, em todo o sistema econômico nacional. Com esse processo se

aprofundam as desigualdades regionais.

Portanto, diante do exposto até aqui, é possível afirmar que tivemos em nossa

formação, tanto um pujante desenvolvimento endógeno quanto exógeno e de modelo próprio.

Além das mudanças do ponto de vista nacional, é importante ressaltar que neste período, do

ponto de vista internacional, houve a troca de hegemonia que deixou de ser da Inglaterra e

passou a ser dos Estados Unidos da América. Tal fenômeno, conforme visto no capítulo

anterior, trouxe mudanças fundamentais no processo de desenvolvimento, na cultura, na

ideologia e no modo de produção do mundo inteiro.

Rangel destacou, que nos anos 1820 e 1870 do século XIX, e nos anos 1920 do século

XX, do ponto de vista dos ciclos longos foram anos de fase B (exterior). Porém, ao se medir

pelo desenvolvimento endógeno, para o Brasil, foram decênios de grande prosperidade e com

excepcional desempenho, revelando mais uma diferença no nosso modelo. “Anos de crise,

por certo, como podemos convencer-nos examinando as vicissitudes políticas, mas, do mero

ponto de vista do desempenho do comércio exterior, anos prósperos” (RANGEL, 1981, p.

31).

Ainda segundo o autor, no Brasil existia um ponto fraco no dispositivo econômico, a

falta de aparelho de intermediação financeira que viesse a propiciar formação de capital, e

também, havia um fraco enquadramento jurídico das unidades produtivas que realizavam os

investimentos. Essa situação, segundo o autor, precisava ser modificada, pois não permitia a

utilização do potencial produtivo do capital industrial. O Brasil, não substituiu o

financiamento externo pelo financiamento interno como fez os EUA, desde os seus

primórdios. O problema mais grave era a questão agrária (a terra), se tal problema tivesse

sido resolvido poderia ter mudado o polo interno da dualidade, pois era o polo que estava em

crise. Mas, não foi essa a opção, nessa fase.

Com efeito, estivemos industrializando o país com uma estrutura agrária por reformar,

e isso somente foi possível porque se optou pela execução de projetos industriais. Sendo esta,

mais uma de nossas características, pois no país o desenvolvimento e crescimento ocorria e

ainda ocorre sem ter havido a reforma agrária.

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Entretanto, o Brasil era um país sem grande capacidade de importação, que não tinha

parque industrial moderno, não era produtor dos meios de produção. O país, produzia por

meio de processos pré-industriais e utilizava, extensamente, a força de trabalho assalariada.

Isso levou o Estado ao esforço de industrialização por substituição de importações.

Diante desses fatos, criou-se uma indústria de bens e produtos subutilizada, uma

indústria de construção civil melhor equipada e um setor de agricultura mecanizada e que nos

anos de 1970 a 1980, expandiu o consumo de adubos químicos. Essas atividades viraram

poupadoras de força de trabalho decaindo as taxas de emprego. Assim, em pleno processo

de desenvolvimento e crescimento econômico, a tendência contraditória no país foi a

produção de desempregados, inclusive na área rural com a modernização da agricultura

(MELO J. M., 1982).

Tanto em nível do campo quanto da cidade, o fator inibidor era o preço proibitivo da

terra, fosse essa terra agrícola ou urbana, e este preço se instalou em função da terra ter

emergido como fator financeiro, como dinheiro. A concentração da terra agrícola nas mãos

do latifúndio e da terra urbana nas mãos dos especuladores, ainda hoje, é umas das diferenças

fundamentais do modelo brasileiro de desenvolvimento. Á vista disso, passo a descrever a

próxima dualidade.

O fato que vai marcar a chegada da quarta dualidade, foi que o velho latifúndio feudal,

agora proprietários capitalistas de uma imensidão de terras, por motivos especulativos

tenderam a se desfazer das terras excedentes. Isso ocasionou a baixa do preço, e as terras

ficaram acessíveis a pequenos agricultores. Tal ação diminuirá o latifúndio a ponto de nenhum

resquício do feudalismo, segundo Rangel, ser mais possível (RANGEL, 1981) (RANGEL,

1999).

Quadro 8: Quarta Dualidade da Economia Brasileira (a partir 1973)

Lado interno – semisalariato

Lado externo – semicapitalismo rural

Lado interno: capitalismo industrial*

Lado externo: capitalismo financeiro

Polo interno

Polo externo

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. 2018.

Nesse período, a burguesia que aqui se encontrava tanto é industrial quanto rural. O

autor mostrou que nesta quarta dualidade, é possível perceber a aproximação de dois polos

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quanto ao modo de produção. Para ele, a economia e a sociedade se assemelharam, se

homogeneizaram, e isso anunciou o fim da dualidade. No entanto, o próprio autor reviu essa

última dualidade. Em seu trabalho escrito em 1981, buscou atualizar seus estudos sobre a

dualidade de 1953. Descobriu, que no polo externo* a classe dominante eram os empresários

das indústrias. Descobriu, ainda, que o tempo dos empresários industriais como classe

dominante foi muito menor do que fora previsto (RANGEL, 1981).

No entanto, Rangel tinha feito propostas visando a supressão de nossa dualidade e do

atraso econômico, em bases econômica, jurídica e política. Além disso, propôs a utilização da

capacidade ociosa da indústria e a privatização dos serviços públicos. Ambas não foram

aceitas, e assim: A esperada privatização virtuosa, com novas regras jurídicas para a concessão dos serviços de utilidade pública, foi substituída por um processo de transferência de ativos que aumentou a desnacionalização do setor, criando um previsível desequilíbrio cambial. Após anos de stop and. go, a economia brasileira não definiu nenhum padrão de acumulação, reforçou uma integração comercial sem planejamento na economia mundial e aprofundou o moderno primário-exportador, com o agribusiness, ou seguiu o curso definido pela divisão internacional do trabalho das empresas multinacionais (CASTRO, 2012, p. 27).

Então, o que assistimos na década 1970 e 1980 foi o endividamento externo, e em

1990 este endividamento aumentou substancialmente. Convivemos com uma intensa onda

neoliberal a partir do governo Fernando Color, em que esse endividamento aprofundou a

relação de dependência externa e o resultado foi, mais uma vez, a diminuição do poder do

Estado e a pauperização do trabalho. Ambos, em favor da riqueza da elite e do lucro do

capital.

Com base no pensamento e nas obras de Rangel apresento abaixo um resumo básico

da economia brasileira, a partir das dualidades.

Quadro 9: Evolução da dinâmica econômica brasileira

DUALIDADES EM RANGEL E SUAS RELAÇÕES INTERNAS E EXTERNAS

EXTERNAMENTE INTERNAMENTE 1º.) Primeira dualidade - Contato com a economia feudal europeia por meio do capital mercantil português.

1º.) Economia comunista primitiva ameríndia

2º.) Segunda dualidade - Contato com a economia mercantil que se torna dominante com a manufatura, quer por meio do capital mercantil português ou diretamente com holandeses, franceses e ingleses.

2º.) Consolidação da economia escravista, que passa a se articular com a economia mundial por meio do capital mercantil estrangeiro.

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3º.) Terceira dualidade- A economia capitalista industrial passou a manter contato direto

3º.) Aparecimento do capital mercantil nacional, após a abertura dos portos e da independência.

4º.) Quarta Dualidade - O capitalismo financeiro dominante

4º.) Conversão da economia escravista em economia latifundiária, com a Abolição e a república. Ocorre o aparecimento da indústria e houve estruturação do mercado nacional.

Fonte: Elaborado por CRUZ FREITAS. Com base em (RANGEL, Obras reunidas, 2012). 2018.

Partindo da dualidade externa brasileira, Rangel (2012) apontou que convivemos com:

Ø 1) um mercado internacional essencialmente público e monopolista;

Ø 2) um mercado nacional que não pode desenvolver-se senão como privado e liberal.

Portanto, torna-se relevante destacar o papel do Estado em todo esse contexto. O

comércio exterior no Brasil, como visto, foi e é assunto público e não privado. Isso foi dando

centralidade ao Estado no Brasil, como condição para que o capitalismo privado se ampliasse

no interior de nossa economia. Então, o nosso desenvolvimento foi realizado sempre, com

forte presença do Estado atuando em favor do capital. Tais fatores confirmam o que disse

Furtado, que o subdesenvolvimento foi um processo histórico e forjado pela expansão do

modo de produção capitalista (FURTADO, 1998).

Quando se faz a discussão sobre o desenvolvimento brasileiro é apropriado frisar, que

na nossa sociedade e na maioria dos países latinos americanos, os séculos não se sucedem,

mas na realidade se sobrepõem. Isso, pudemos certificar com a discussão sobre a dualidade

em Rangel, em que de modo geral, o modelo interno de desenvolvimento não era igual ao que

o país convivia do lado externo. Portanto, essa dinâmica ampliava o desafio do processo

educativo em países como o Brasil, que possuía, e ainda possui, historicamente, grande dívida

social nesse campo. Para pensamos como essa realidade se estruturou, ao longo de nossa

história, fez-se relevante entender as bases que estruturaram o modelo educacional, em sua

relação com o desenvolvimento à moda brasileira.

3.4 CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

Ao empreender o estudo das duas teses sobre o nosso desenvolvimento, tomadas em

conjunto, ficou patente que ao mesmo tempo todas elas têm alguma coisa a nos falar sobre o

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nosso passado e sobre o nosso presente, e assim, precisam ser consideradas de forma crítica.

Tal caminho, acrescido pelas descobertas e estudos de Rangel e outros, permitiu observar as

distinções na maneira de desenvolver o Brasil.

Gostaria de revelar que na preparação e nas buscas para a construção desse capítulo,

comecei a me inquietar com um pensamento intrigante, e que surgiu precisamente, quando

avancei na temática sobre a dinâmica do desenvolvimento do Brasil. Então, vi certa

necessidade em incluir o máximo possível na análise essas frequentes situações, contradições

e mediações feitas que fizessem mudar e ao mesmo tempo manter a mesma coisa tentando ser

algo diferente. Talvez pudesse ter alguma claridade nas temáticas escolhidas e ajudasse a ver

sob outra ótica, talvez não.

No entanto, estive atenta ao fato, de que mesmo com todas estas questões e existindo

divergências entre os autores no tocante ao desenvolvimento brasileiro, um elemento une

todas as explicações e este elemento pode ser assim, colocado: “Se existe algum aspecto sobre

o qual há consenso entre os analistas da economia brasileira, é o de que nela prepondera uma

das distribuições de renda mais desiguais do mundo ocidental, senão a mais desigual”

(FRAGOSO e FLORENTINO, 1993, p. 17).

A nossa sociedade, do ponto de vista econômico, se desenvolveu de forma dual e não

foi por acidente. O seu percurso de desenvolvimento, em cada tempo e momentos históricos e

sociais, dependeu dos interesses das classes em conflito e da hegemonia local e mundial.

Sendo importante registrar que, Desenvolvimento e subdesenvolvimento constituem, pois, os polos de um mesmo processo, a acumulação capitalista mundial, mas neste processo as relações entre os polos não são equilibradas: A estrutura desta totalidade é uma estrutura com dominante. Em consequência, as estruturas sociais dos países da periferia resultam essencialmente do contato que essas economias tiveram com os países do centro que as dominam (DOWBOR, 1982, p. 15).

Assim, para entender o nosso processo de desenvolvimento tive que levar em

consideração tanto os elementos internos que os compuseram como as relações externas.

Considerando o nosso mediador, uma questão curiosa é que as influências e as diferentes

relações nos dois tipos de desenvolvimento (exógeno e endógeno) no caso brasileiro,

estiveram pautados, dentre outros: na troca, no ganho de dinheiro, na acumulação, no lucro,

nas desigualdades, no status social, na riqueza, no poder, na renda, na posse da terra, no

trabalho, na educação e na luta de classe.

Antes de entrar no debate em torno do processo educativo brasileiro a partir dos

manifestos, documentos, leis e autores, é importante frisar, que esconder e camuflar a

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realidade com o propósito de mantê-la como fonte de privilégios para alguns, e

principalmente se utilizando das leis - pois há uma suposta crença no poder mágico das leis,

revelou, antes de tudo, a persistência em se mudar a lei para não mudar a realidade. Assim,

“atende-se retoricamente aos reclamos por uma sociedade mais justa, ao mesmo tempo em

que, na prática, persistem as injustiças” (PILETTI, 1991, p. 22). Segundo Teixeira, Proclamavam os europeus aqui chegarem para expandir nestas plagas o cristianismo, mas, na realidade, movia-os o propósito de exploração e fortuna. A história do período colonial é a história dêsses dois objetivos a se ajudarem mutuamente na tarefa real e não confessada da espoliação continental. A vida do recém-descoberto Continente foi, assim, desde o comêço, marcada por essa duplicidade fundamental: jesuítas e bandeirantes; "fé e império"; religião e ouro. O português e o espanhol que aqui aportavam não eram cristãos, mas, quando muito, "cruzados". Não vinham organizar nem criar nações, mas prear... Esta obra destruidora e predatória nunca se confessava como tal, revestindo-se, nas proclamações oficiais, com o falso espírito de cruzada cristã (TEIXEIRA, 1962, p. 59).

Nesse contexto, o que me propus foi destacar as características que marcaram o nosso

modo de desenvolvimento, sendo possível ao longo de todo o capítulo perceber as nossas

especificidades e similaridades. No entanto, como dito no capítulo anterior, está em curso em

alguns países desenvolvidos, tais como a Alemanha, a nova revolução industrial, a revolução

4.0. Essa revolução trará efeitos para todos os países que não entrarem nesta nova dinâmica,

mas para países como o Brasil poderá trazer efeitos mais devastadores que as outras

revoluções.

Tendo em vista as análises anteriores, os efeitos mais prováveis serão mais uma vez, o

aumento da desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho e um alto nível de

desemprego tecnológico e sem possibilidade de reinserção. Poderá haver níveis elevados de

miséria, pobreza, violência e aumento da imigração e, indubitavelmente, o aumento das

desigualdades nacionais, regionais e internacionais. Nessa dinâmica, será importante

pensarmos também, os frequentes conflitos intranacionais e internacionais que possuem

grande capacidade destrutiva e que nesse contexto, é potencializada pela rápida degradação

dos recursos do planeta, gerados pela busca incessante de acumulação da riqueza e do

consumo. Isso poderá desembocar em uma nova divisão internacional do trabalho, ou quem

sabe uma divisão ainda mais socialmente centrada da riqueza.

Essas questões me levaram a pensar, que talvez as mudanças ocorridas ao longo do

tempo, além de produtos históricos e sociais podem ter se dado de forma acompanhada pelos

países, pelas empresas e por capitalistas que dominam e controlam a informação e as novas

tecnologias, como também, controlam a economia, a cultura, a mídia, ou seja, detém a

hegemonia. Todavia, e em acordo com o pensamento de (ARENDT, 1972); (GRAMSCI A. ,

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1968) e (GÉNÉREUX, 1999), penso que a tecnologia e a informação são fatores políticos e

não meramente um processo de inovação social, ou seja, não são fatores exteriores a política.

Até porque, os limites ecológicos, como destacado por Ciavatta (2005), Magalhães e

Vendramini (2018), visto aqui também como uma questão política, impõem uma renovação

no processo econômico, político e social porque não é mais possível fazer modernizações

como as experiências do passado.

A continuar do jeito que está sendo anunciada, como se pôde perceber na discussão

sobre a nascente Revolução 4.0, similar aos períodos anteriores, só estarão no topo os países e

empresas que desenvolverem tecnologia de ponta do novo padrão tecnológico, e

possivelmente, mesmo que tentem, os países em desenvolvimento e alguns países hoje

considerados desenvolvidos, podem não conseguir desenvolver essas tecnologias. Essas

tecnologias, podem não ser desenvolvidas em função, sejam de barreiras protecionistas, sejam

por barreiras culturais e políticas, sejam em função dos altos custos das patentes, seja no dizer

de Chang (2004), com os países desenvolvidos chutando a escada do desenvolvimento, seja

pela cooptação das oligarquias políticas e das elites econômicas nacionais, a serviço do capital

internacional.

Se assim for, podemos estar a caminho do aprofundamento da

coletivização/massificação, aumento da pobreza e das desigualdades nos países em estágios

de desenvolvimento industrial e econômico abaixo dos demais, e em alguns países que hoje

estão no mesmo patamar de desenvolvimento, mas que poderão vir a empobrecer por não

conseguirem acompanhar o novo padrão (BRITO JUNIOR, 2014). No entanto, ocorrerão

mudanças, também, no âmbito dos indivíduos, como podemos perceber atualmente, a massa

de imigrantes em função de guerras e da falta de condições de subsistência em seus países.

Ou quem sabe, estamos vivendo um novo modelo de colonização. Pois, vem em

mente um pensamento, em consonância com as discussões de (CHANG, 2004) e (ARRIGHI,

2008), que julgo ser pertinente: Com a constante tentativa de enfraquecimento do papel do

Estado e dos países em desenvolvimento no novo processo da investida neoliberal, qual país

exercerá a hegemonia cultural, econômica e política? ou essa hegemonia será exercida por

mais de um país? ou não importa qual país a exerça, a hegemonia será exercida pelo capital?

Vale ressaltar, que na experiência brasileira, a diminuição do poder do Estado, a

fragilidade democrática da participação da sociedade civil é um risco proeminente e cada vez

maior, pois não interessa aos capitalistas que haja regulação e controle popular de nenhum

tipo, principalmente, quando conseguirem entrar no próximo período de expansão econômica

para a classe dominante. Então, cada vez mais, torna-se necessária a defesa do Estado

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ampliado (GRAMSCI A. , 1979), como regulador das relações, mas agora sobre uma nova

ótica, sob a ótica da ação pública (LASCOUMES e LE GALÉS, 2012). Por que a história, ao

mesmo tempo em que nos revela que o Estado sempre esteve a serviço do capital, no

momento atual é a organização deste no âmbito da ação pública que pede fortalecimento,

redirecionamento e mudanças.

Após a descrição do segundo e terceiro capítulos, uma coisa é possível afirmar: desde

o início do modo de produção capitalista, e seus ciclos de crise e crescimento, o problema das

desigualdades de classe e de renda é característico do sistema, independente do modelo de

produção (ARRIGHI, 1996); (MARX, 1980);; (WOOD, 2001); (POLANYI, 2012). Portanto,

a cada dia percebe-se que talvez, a opção por governos e sociedade abertos e participativos,

por meio da ação pública e instrumentos de gestão efetivos, como proposto por

(LASCOUMES e LE GALÉS, 2012), (FREITAS e FEITOSA, 2017); rumo a uma democracia

radical é o que se apresenta como um dos prováveis caminhos.

Polanyi, quando analisou o problema da pobreza viu que esse se concentrou em dois

termos: pauperismo e economia política, e quando se apreendeu o significado da pobreza, já

estava preparado o cenário para o século XIX. O autor, ainda apontou que, Houve um tempo em que as relações quotidianas eram imediatas, diretas e pessoais por meio da cooperação, e que com o tempo, e isso é o que o autor destaca na obra, os seres humanos teriam relações indiretas e na maioria das vezes, relações de trocas baseadas no ator dinheiro (POLANYI, 2012, p. 12).

Considerando as discussões dos capítulos anteriores sobre a formação do mercado

capitalista, entender a dinâmica do desenvolvimento em um contexto como o brasileiro, que

surgiu sob a égide do capitalismo como colônia marcada historicamente como fator de

enriquecimento exógeno é relevante. Nesse sentido, foi possível perceber na discussão do

capítulo terceiro, que a sociedade brasileira foi estruturada por meio das desigualdades

características do desenvolvimento capitalismo, mas conseguiu preservar certa autonomia

interna. À vista disso, conhecer esse processo foi relevante, pois é possível pensar que as

políticas públicas, em especial, as políticas do campo da educação no Brasil podem ter sido

estruturadas com base nessas desigualdades e nas lutas contra hegemônica ao longo de sua

história.

Desigualdades entre as pessoas e populações, e no modo de produção capitalista,

desigualdades educacionais (HOBSBAWN, 1995), de renda e sociais entre as classes

(MARX, 1980). Diante dessas considerações, cabe agora partir para discutir a relação de

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nosso modo específico de desenvolvimento, com as estratégias estruturantes da educação e

seus possíveis caminhos na atualidade.

CAPÍTULO 4 - BASES ESTRUTURANTE DA EDUCAÇÃO

BRASILEIRA: DESIGUALDADES E DINHEIRO

A realidade, porém, é que nos acostumamos a viver em dois planos, o "real", com as suas particularidades e originalidades, e o "oficial" com os seus reconhecimentos convencionais de padrões inexistentes. Enquanto fomos colônia, tal duplicidade seria explicável, à luz de proveitos que daí advinham para o prestígio do nativo, perante a sociedade metropolitana e colonizadora. A independência não nos curou, porém, do velho vício. Continuamos a ser, (...) nações de dupla personalidade, a oficial e a real (TEIXEIRA, 1962, p. 62).

Neste capítulo, o intuito foi discutir a relação entre desenvolvimento e educação

percebendo ao longo do percurso, estratégias que estruturaram e as que ainda estruturam a

educação no Brasil. Ao longo dos demais capítulos, os conceitos trabalhados revelaram que

classe, hegemonia, interesse, ação pública, mediador, tradução como também, os aportes

teóricos da dialética e da teoria ator-rede, foram fundamentais para perceber o modo de

desenvolvimento brasileiro e suas especificidades econômicas, políticas e sociais tanto

externas quanto internas. O encontro com o ator rede dinheiro permitiu grande capilaridade as

descobertas desde o início do trabalho de pesquisa e de escrita.

Antes de entrar no debate em torno do processo educativo brasileiro, e de acordo com

o capítulo anterior e a epígrafe desse capítulo, retirada do texto Valores Proclamados e

Valores Reais de Anísio Teixeira, em que deixou claro que esconder e camuflar a realidade

com o propósito de mantê-la como fonte de privilégios para alguns, e principalmente, se

utilizando do arcabouço legal, revelou em nossa história política e educacional, a persistência

em mudar a legislação para não mudar a realidade. Segundo Piletti, No campo da educação escolar, enquanto a legislação, seguindo tendências modernas dos países mais desenvolvidos, evoluiu no sentido de uma escola pública – única, gratuita e democrática – aberta a todos, a atuação prática dos poderes públicos mostrou-se bem diferente. Continuamos a ter dois tipos de escola: uma para as classes dominantes, que conduz a Universidade; outro para os pobres que, em geral, limitava-se aos primeiros anos do ensino de 1º. Graus. As leis são feitas, mas não se providenciam recursos para que sejam cumpridas (PILETTI, 1991, p. 22).

Assim, neste espaço e após a caminhada, faço a discussão sobre as bases da educação

brasileira com documentos (leis, manifestos) e autores que ajudaram a pensar de forma teórica

e prática os diferentes períodos e processos. Tendo como referência a discussão dos capítulos

anteriores, o que se pode em princípio registrar, é que houve relação direta entre o

desenvolvimento, a demanda e a expansão do ensino e da qualificação da mão de obra no

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Brasil, como também, com as desigualdades regionais, econômicas e sociais. Como pôde ser

observado, na história do desenvolvimento tanto em nível internacional quanto nacional, foi

possível perceber, com o ator dinheiro, que a desigualdade é uma das bases de sustentação

desses processos. Tal conceito é aqui trabalhado em sua pluralidade, desigualdades, pois ao

serem observadas sob a ótica do dinheiro e suas mais diferentes traduções, indicaram no caso

brasileiro, as chaves para a compreensão desta busca.

4.1 ORIGENS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DO PERÍODO COLONIAL AO SÉCULO

XIX

De acordo com Piletti, no período colonial, foi a expansão da fé católica a razão

manifesta da conquista das novas terras, por meio da conversão dos indígenas para a essa fé.

No entanto, a história revelou que o que se sucedeu foi a tentativa de sujeição dos indígenas, e

a tomada de suas terras para o enriquecimento dos colonizadores. Para este autor, A história do período colonial é a história desses dois objetivos a se ajudarem mutuamente na tarefa real e não confessada da espoliação continental. A vida do recém-descoberto continente foi, assim, desde o começo, marcada por essa duplicidade fundamental: jesuítas e bandeirantes; ‘fé e império’; religião e ouro (PILETTI, 1991, p. 22).

Nessa visão, a igreja, foi a instituição mais eficaz da submissão e do enriquecimento.

Os padres jesuítas vieram ao Brasil para cumprir, a serviço do papa e do rei, a missão de

converter ao catolicismo, frente a expansão do protestantismo, a população indígena. Essa

conversão se deu “por bem ou por mal, (...) quase sempre por mal” (PILETTI, 1991, p. 23).

Na realidade, o que se fez foi tentar subjugar essa população, e quando houve resistência a

população indígena foi brutalmente, massacrada. No entanto, em que pesem os discursos, o

objetivo real e central foi diferente do objetivo oficial que era facilitar a dominação dos

colonizadores brancos europeus, e não apenas atuar na conversão a fé católica (PAIVA, 1982).

Nesta dinâmica, Romanelli observou que: O que ocorreu na ocasião da colonização das terras americanas foi o transplante de recursos materiais e humanos de uma sociedade, cuja cultura já havia atingido um nível de complexidade, para um meio que não oferecia condições de troca em pé de igualdade. Com essa transferência de recursos materiais e humanos, houve também a transferência de hábitos de vida diária, ideias, formas de atividade econômica, formas de organização social e política e, o que é importante, formas de educação (ROMANELLI, 1978, p. 22).

Portanto, a imitação de modelos de cultura intelectual europeia acabou por gerar no

Brasil colonial, uma duplicidade de propósitos tanto no desenvolvimento da sociedade quanto

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da educação. A dicotomia entre valor real e valor proclamado, marcou a nossa história

cultural, e de sobremaneira, a parte que cabia a educação. Porque aqui, a escola iniciou com a

propensão de importar modelos de pensamento, culturas e ação pedagógica. Ou seja, em

desconexão com a realidade local. No entanto, indico que por ser uma relação social é

estabelecida por uma unidade dialética, o país sofreu a influência exógena que ao aqui chegar

sofreu a influência endógena, o que nos cabe é reinterpretar esses acontecimentos, pois esses

fatos podem revelar a nossa própria forma de desenvolvimento e de políticas públicas de

educação. Nesse sentido, nos alerta Teixeira, Não se tratava, com efeito, de reprodução das condições européias do momento, mas de um recuo, de uma restauração contraditória e anacrônica. O mazombo, dividido entre o desejo de regressar, o propósito de reproduzir a cultura da metrópole e as novas condições, o nôvo meio, a nova dinâmica da conquista, ignorava o próprio fato da transplantação cultural e a necessidade inevitável de adaptação e se perdia em impulsos ridículos e imitação e contrafação. Incapaz, pela sua irremediável duplicidade, de aceitar as modificações que o meio impunha, suprimia delas a possível fôrça criadora, desnaturando o que havia de melhor no nascente esfôrço nacional (TEIXEIRA, 1962, p. 64).

Importante lembrar, como descrito na introdução, que a educação é entendida como

um processo para além do sistema formal escolar. Assim sendo, a dinâmica acima descrita por

Romanelli faz parte do processo educativo, pois este se dá também, pelas relações sociais,

pelas lutas travadas no cotidiano, pela ideologia e pela cultura, e que no Brasil acabou por

adentrar o modelo escolar.

Sendo assim, as instituições educativas no Brasil surgem com base, na desigualdade

no acesso, em que a oferta visava, apenas para os nativos, e na cultura estrangeira, que apelam

para a preservação de modelos culturais exógenos. Portanto, a escola foi usada mais para

fazer comunicados do que para fazer comunicação, pois o que se desejava era desenvolver o

espírito ilustrado, não o espírito criador. “Cedo ela se transforma numa instituição ritualista,

onde o cumprimento de certas formalidades legais tem valor em si mesmo” (ROMANELLI,

1978, p. 23).

A autora afirmou que a educação escolar foi utilizada, também, como um dos

elementos de reforço das desigualdades no país. O que se pode pensar, é que a colonização

brasileira - por meio das desigualdades no uso da terra e distribuição do solo; na estratificação

social; no controle do poder político e associada aos modelos de cultura letrada -

estabeleceram e fundamentaram a educação escolar brasileira. Tal fundamentação manteve e

mantém desníveis sociais por meio da educação formal. Considerando que a escola, apesar

dos discursos, não era para todos, essa cultura e modos de vida importados da metrópole,

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acabaram por se espalhar em todo o tecido social. Entretanto, esse modo de vida sofreu os

efeitos da cultura e das relações sociais aqui existentes.

Dessa forma, os jesuítas tiveram no Brasil, duas missões: a expansão da fé católica e o

trabalho educativo. Com a fé procuravam salvar as almas e abriam caminho para exploração

dos colonizadores, com a educação ensinavam as letras, a gramática latina, a doutrina

religiosa e abriam caminho para cultura europeia (TEIXEIRA, 1962). Portanto, os jesuítas nos

séculos XVI e XVII, fizeram missões por todo o território, fundando colégios, escolas de ler,

escrever e contar.

Isto posto, na ação dos religiosos o que estava por trás do objetivo aparente de ensinar

a ler e escrever e possibilitar o estudo de disciplinas sobre as humanidades, eram os

propósitos econômicos, políticos e ideológicos de colonização (PAIVA, 1982). O plano de

estudos dos jesuítas, além da educação elementar para os indígenas e população branca,

excluídas as mulheres e os escravos; ofereciam educação média para homens da classe

dominante, parte da qual iam para os cursos superiores nos colégios. Os cursos superiores

eram de teologia e ciências sagradas, que se destinavam a formação de novos sacerdotes, e

cursos de ciências humanas e letras. Os alunos que quisessem outro tipo de curso superior

teriam que estudar na Europa (PILETTI, 1991).

Destaque-se, que essa ação de imposição da fé cristã, não foi aceita passivamente e

sem resistência pelos indígenas, pois os mesmos, principalmente os pajés, a evitavam com

todas as suas forças e fugiam quando não a conseguiam evitar. Assim, a forma da

catequização se deu também, pela submissão à força militar, que estava presente na sociedade

e desenvolveu um papel fundamental na colonização, ou seja, na manutenção da hegemonia

de Portugal (PAIVA, 1982).

Entretanto, quando os padres começaram a se distanciar destes propósitos, os jesuítas

foram expulsos de Portugal e de suas colônias. Dentre outros assuntos que estavam na

reforma, no lugar da educação jesuíta, foram instituídas as aulas régias29, advindas da reforma

implementada pelo Marquês de Pombal. Inúmeras foram as dificuldades daí decorrentes para o sistema educacional. Da expulsão até as primeiras providências para a substituição dos educadores e do sistema jesuítico transcorreu um lapso de 13 anos. Com a expulsão, desmantelou-se toda uma estrutura de ensino. A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no

29 Cada aula régia constituía uma unidade de ensino para determinada disciplina e com um professor apenas. Era autônoma e isolada e não estava ligada à escola. Não tinha currículo hierarquizado nem duração mínima para as matérias. Os professores tinham baixo nível de formação e eram mal pagos (PELETTI, 1991).

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ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos com a educação (ROMANELLI, 1978, p. 36).

Entretanto, no século XVIII, as mudanças com a reforma pombalina se constituíram

como um recurso rico em informações históricas por destacar questões que nunca deixaram

de ser atuais no caso brasileiro, questões tais como a relação de interesses individuais entre o

Estado e a Igreja. Apoiando-se nos ideais iluministas com base no racionalismo, liberalismo e

o desenvolvimento da sociedade, visavam gradual separação entre as questões de fé e razão.

Essas visões, condenavam os privilégios da aristocracia e do clero. Com esse pensamento, a

coroa portuguesa iniciou o processo de reforma abrangente em suas colônias (CARVALHO L.

R., 1978).

A direção da reforma de Pombal era indiscutivelmente colocar Portugal em sintonia

com as mudanças que ocorriam em toda a Europa. A ideia era fazer mudanças na economia e

na administração, mas ao mesmo tempo preservar o absolutismo e a exploração comercial.

Pombal acreditava que a principal causa da crise era a dependência inglesa e a ineficiência

dos órgãos públicos. Então, o marquês “adotou medidas de incentivo à industrialização, criou

companhias de comércio que favoreciam os grandes mercadores nacionais, reorganizou a

administração colonial e reformou a Universidade de Coimbra” (DOHLNIKOFF, 1999, p.

12). No que tangia a educação, o objetivo superior da reforma pombalina Foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizar uma política de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa (CARVALHO L. R., 1978, p. 139).

O Marquês de Pombal, do ponto de vista político, visou centralizar a administração da

colônia. Para isso, suprimiu as capitanias hereditárias, elevou o Brasil a categoria de vice-

reinado (única colônia no mundo a ser assim intitulada), e transferiu a capital de Salvador

para o Rio de janeiro. Essas medidas, foram realizadas por motivos econômicos, em função

da perda de dinheiro. Se deram pela necessidade em combater o contrabando e os desvios de

ouro e diamantes encontrados em Minas Gerais, e em função do aumento das navegações no

porto da Bahia de Guanabara, no Rio de Janeiro (PILETTI, 1991).

No campo da educação, as medidas pombalinas demonstraram, já no início do século

XIX, que a redução da oferta na educação brasileira após o esfacelamento do modelo jesuíta

de educação foi uma catástrofe para o desenvolvimento do país. O sistema educativo posto

em substituição, as aulas régias, não possibilitou o funcionamento de um sistema melhor que

o anterior e privilegiou a classe dominante, pois investiu mais na formação superior.

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Importante destacar, que a maioria dos estudos sobre a história da educação no Brasil,

foca sua análise na educação formal e na experiência dos jesuítas e na reforma proposta por

Pombal. Portanto, é possível e necessário salientar que existiam outras práticas de

aprendizagem educativas e não só a dos jesuítas ou as reformas pombalinas, tanto no período

colonial como em outros períodos no Brasil. Essas práticas se referem, também, a formação

profissional da força de trabalho existente no país. Não havia na colônia - e mesmo império adentro - uma correspondência perfeita entre as posições ocupadas pelos trabalhadores em termos da propriedade ou não de sua força de trabalho e seu lugar no processo técnico de trabalho. Em geral, eram escravos (isto é, não proprietários de sua própria força de trabalho) os trabalhadores diretamente ligados à produção, os de "enxada e foice", assim como eram assalariados (isto é, proprietários de sua força de trabalho) os trabalhadores indiretamente ligados à produção, gerentes e técnicos, como os feitores e mestres do açúcar. Mas, havia postos de trabalho ocupados na agroindústria açucareira, tanto por escravos quanto por homens livres como no caso do soto-banqueiro. Na mineração do ouro, do mesmo modo, havia faiscadores escravos e livres, estes trabalhando mediante salário ou participação no produto. Essa ambigüidade era ainda maior no artesanato urbano onde chegava a haver o caso dramático de escravos registrados como oficiais nas câmaras municipais, sujeitos aos mesmos padrões de aprendizagem e fiscalização dos homens livres (CUNHA, 1978, p. 32).

Ao descrever a força de trabalho nos engenhos, o autor revelou que os escravos

constituíram, a quase totalidade da força de trabalho empregada, tendo os maiores de 150 a

200 escravos. Pela sua importância, os escravos eram as mãos e os pés do senhor do engenho,

porque sem eles no Brasil, não teria sido possível fazer, conservar e aumentar fazendas, nem

ter engenho. O autor revelou ainda, que houve utilização de trabalhadores livres, em conjunto

com escravos (CUNHA, 1978). Ficou latente que as descobertas em relação a utilização da

força de trabalho dos escravos corroboram com a visão de Florentino e Fragoso (descrita no

capítulo anterior), de que houve um pujante mercado interno no Brasil propiciado pela mão de

obra dos negros trazidos e comercializados na colônia, ações focadas no ganho de dinheiro, na

produção para o mercado externo e interno e no lucro nas mãos dos poucos homens de grossa

aventura.

No estudo de Cunha, foi possível perceber a dinâmica do mercado de trabalho e da

aprendizagem dos ofícios. O autor reconstruiu os processos de aprendizagem do trabalho

manufatureiro na agroindústria açucareira, nos colégios dos jesuítas, na mineração, nos

arsenais de marinha e no artesanato urbano. Este último, conforme percebe-se acima,

organizado segundo padrões corporativos que incluía escravos. O autor, analisou as causas do

fim da organização corporativa da produção e a forma correspondente de aprendizagem dos

ofícios manufatureiros, como a dependência diante de centros hegemônicos da economia

mundial e o chamado preconceito contra o trabalho manual.

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Nessa lógica, os trabalhadores eram divididos em duas categorias de oficiais: 1)

oficiais da governança, da justiça ou da casa real, juízes, desembargadores, procuradores,

escrivães, tabeliães, tesoureiros, almoxarifes, recebedores, contadores e, os vereadores das

câmaras municipais. 2) os oficiais mecânicos: artistas, artífices e artesãos, estes eram

produtores, trabalhadores diretamente ligados à atividade da manufatura - carpinteiros,

pedreiros, ferreiros, haviam ainda, os prestadores de serviços, como os barbeiros que não

estavam ligados à produção. A diferença entre as duas representações de oficiais estava no

duplo aspecto de suas atividades: o econômico e o político. Havia a compreensão de que os

oficiais mecânicos eram os trabalhadores e produtores. Por sua vez, os oficiais da governança

estavam a serviço do Estado e não eram considerados trabalhadores.

Mesmo levando em consideração tudo isso desejo destacar que, Escravidão e grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de futuros cidadãos. Os escravos não eram cidadãos, não tinham os direitos básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e, em casos extremos, à própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor, equiparando-os a animais. Entre escravos e senhores, existia uma população legalmente livre, mas o que faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis, sobretudo a educação (CARVALHO J. M., 2008, p. 21).

A partir dessas descrições, considero importante deixar o registro acima em função das

contradições e para que possamos pensar e perceber que há, ainda, o que se investigar e com

maior profundidade sobre a relação educação e desenvolvimento no Brasil colônia e em

outros períodos. Esta tese, visou entender essa relação ao longo de nossa história, e assim, a

pesquisa, as leituras, os documentos, os autores, teorias e metodologias escolhidas permitiram

um olhar ampliado e mais geral sobre a realidade de nossa constituição enquanto nação, até a

atualidade. Essas reflexões, em relação aos jesuítas e no capítulo anterior com os homens de

grossa aventura, revelaram que tivemos um modelo peculiar de colonização, de

desenvolvimento e de educação.

Nesse sentido, Cunha mostrou ainda, que a forma de aprendizagem do trabalho não

era igual aos aprendizes europeus e dos centros urbanos da colônia, em que os jovens

aprendiam por meio de regras e etapas junto a seus mestres. A aprendizagem era realizada,

por exemplo, nas denominadas casas de penitentes ou casa dos cobres30: Nessa "casa de penitentes", ou em locais menos insalubres, a aprendizagem dos ofícios, tanto de escravos quanto de homens livres, era desenvolvida no próprio ambiente de trabalho, sem padrões ou regulamentações, sem atribuição de tarefas próprias para aprendizes. Ao contrário da aprendizagem corrente na metrópole, e

30 Casa dos cobres ou casa de penitentes - era o lugar onde se fervia o caldo de cana em grandes tachos de cobre alimentados por fornalhas a lenha. Ali os escravos aprendiam e exercitavam os ofícios de tacheiros e caldeireiros.

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mesmo em certos centros urbanos da colônia, os aprendizes não eram necessariamente crianças ou adolescentes, mas os indivíduos que (aleatoriamente?) demonstravam disposições para a aprendizagem, tanto em termos técnicos (força, habilidade, atenção) quanto sociais (lealdade ao senhor e ao seu capital, na forma das instalações, instrumentos de trabalho, matéria-prima, mercadorias e à conservação de si próprio, também capital) (CUNHA, 1978, p. 36).

Portanto, foi importante entender do período colonial, que por um lado, o escravo não

só valia dinheiro, mas produzia a riqueza, por outro lado não tinha acesso à educação formal,

mas alguma aprendizagem era feita no ambiente do trabalho. Além disso, depreender que o

desenvolvimento e a educação tiveram tudo a ver com a ideologia dominante que visou

inculcar os modos de vida, a cultura da metrópole que serviam para a alavancar a economia e

o lucro de Portugal, tanto com as ações jesuítas quanto com a reforma pombalina. Foi

possível captar parte deste processo, por meio de seus aspectos políticos, econômicos,

culturais e sociais, ou seja, com as propostas educacionais, a cultura e os modelos de

produção colonial.

Desse modo, do ponto de vista do pensamento tanto dos defensores do

desenvolvimento exógeno quanto endógeno e de nosso ator rede, a colonização no Brasil foi

estruturada em razão da produção, visando o enriquecimento da Coroa portuguesa, ou melhor

da metrópole; como também, no lucro e no dinheiro nas mãos de poucos no Brasil, por meio

do tráfico de escravos. Na questão internacional no período colonial, não haviam dois

objetivos distintos: a colonização e a evangelização formaram uma unidade dialética. A

unidade da ordem divina se impunha de acordo com os interesses de riqueza e ouro de

Portugal. Na questão nacional, o tráfico de escravos e sua comercialização, em toda a colônia,

garantiu um grande desenvolvimento do mercado interno e com certa autonomia (FRAGOSO

e FLORENTINO, 1993)

No que tange a educação, nesses períodos, as duas formas de ação, em especial a

reforma pombalina, também realizada no Brasil, visaram a educação da classe dominante. De

acordo com Romanelli, com os jesuítas foi “na camada dominante que se recrutavam os

homens que queriam engrossar as fileiras dos sacerdotes da Ordem” (1978, p. 35) e para esses

homens foram fundados os colégios, a educação primária era para população indígena e

homens brancos. Pode-se perceber a exclusão das mulheres e dos negros do ponto de vista

oficial. Com a reforma pombalina, ainda segundo a autora, a obra da catequese antes realizada

pelos jesuítas, cedeu lugar definitivamente a educação da elite, pois a opção foi pela criação

de cursos superiores de engenharia civil, medicina, economia política, desenho, pintura,

escultura e arquitetura civil.

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E foi com essa característica que ela se firmou durante o período em que estiveram presentes no Brasil (...). Dela estava excluído o povo e foi graças a ela que o Brasil se “tornou, por muito tempo, um país da Europa”, com olhos voltados para fora, impregnado de uma cultura intelectual transplantada (...). Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de classe, com características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e atingiu o período republicano, sem ter sofrido em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda pela educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar a sua oferta escolar (ROMANELLI, 1978, p. 35).

Embora a autora só identifique a desigualdade de classe na educação, do ponto de

vista deste estudo, pode-se afirmar que, nas ações educativas jesuítas e do império até o final

do século XIX, no Brasil, a educação foi estruturada nas desigualdades de raça, de gênero e

de classe. Sendo relevante avançar um pouco mais nas visões e propostas republicanas, pois

foram tempos de muitas mudanças, e que passaram a contar com a participação da sociedade

civil no que tocava ao tema da educação.

Depreendo, assim, que o exercício de observar a trajetória por meio dos aspectos

políticos, econômicos, culturais e sociais, sem considerar um ou outro mais importante, foi de

fundamental importância nesta pesquisa e possibilitou seguir traçando a rede de

acontecimentos e de atores. Seguir com o ator-rede dinheiro foi fundamental para manter

plana a interpretação, conforme citado em nosso capítulo 1. Lembrando sempre o que nos

revelou, anteriormente, Santana (2010), de que não se pode excluir do processo histórico os

grupos subalternizados. Esses atores, por meio de diversos arranjos sociais e econômicos,

criaram e recriaram estratégias de resistência e de sobrevivência. Sendo importante conhecer

um pouco mais dessa caminhada.

4.1.1 República e dinheiro: o manifesto dos trabalhadores da educação primária da

Corte

Como já anunciado, os manifestos dos trabalhadores da educação são portadores do

espirito e dos anseios de cada época. Então, considerando a importância de compreender a

dinâmica do processo de desenvolvimento por meio dos diferentes atores e, particularmente,

por meio dos manifestos no campo da educação, é que apresento o primeiro manifesto dos

educadores no Brasil, editado em 1871. O manifesto31 foi intitulado “Manifesto dos

31 O manifesto é composto por 4 cartas que foram disponibilizadas por (LEMOS, 2011). Acessado 21/07/2018. <http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/20089/12317>.

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Professores da Instrucção Pública da Corte” (1871)32. Apontou, logo em seu início, a

indignação dos profissionais com a falta de respeito com os professores primários: Concidadãos, - Em uma época de patriotismo e de reformas, quando parece despontar nos horizontes da pátria uma nova era de prosperidade, e sobretudo justiça, quando os direitos de uma parte da humanidade oprimida vão ser reconhecidos., quando se dá ao mundo o exemplo de quanto pode a força do direito sobre o direito da força, nesta época em que vibra a corda da generosidade em todos os corações brasileiros., uma classe inteira de funcionários públicos, classe talvez a mais importante dos servidores do Estado, vive oprimida, ludibriada, escarnecida, e, o que mais é, humilhada pela injustiça com que os poderes do estado a apelidam constantemente de ignorante! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 188).

Nesta época, o contexto nacional estava propício a mudanças, com as ideias de

abolicionismo e de república, e o que parecia era que se instauraria um tempo de transição

política e econômica no país. Era um momento de esperança e entusiasmo, em que diferentes

projetos e concepções de Estado estavam em disputa. Assim, o Manifesto traz até os nossos

tempos um pouco do que ocorria na época. O Manifesto é composto de 4 cartas e cada uma

destinada a um público e/ou interlocutor específico, respectivamente: aos concidadãos, ao

imperador, aos legisladores e ao ministro dos negócios do império.

Basicamente, a carta 1 do manifesto - aos Concidadãos, os professores falam do

descaso com a categoria e a profissão por parte do Estado e do governo, e da pouca

importância que a população dava a essa forma de tratamento aos professores de seus filhos.

Discutiram e denunciaram os baixos salários e revelaram a sua indignação, diante de tudo o

que estava ocorrendo com os professores e com o país. Concidadãos, ouvi-nos! Temos até aqui sofrido resignados toda a sorte de injustiças. Agora porém, que a taça transbordou com a repulsa que acabamos de sofrer quando pedimos aos poderes do Estado que nos tirassem ao menos da miséria, tomamos a resolução de vir perante vós, que constituis o poder real da nação, articular as nossas queixas e pedir justiça, não por amor de nós, mas por amor de vós ! Sim, por amor de vós! Sois vossos filhos os prejudicados com a nossa humilhação! que sentimentos de dignidade lhes podemos inspirar no estado de abatimento em que nos achamos?! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 188).

No documento, há o relato de um fato em que um professor havia realizado a tradução

de um livro, tradução feita de acordo com as regras e a lei. A lei dizia que ao realizar o

trabalho, se o livro fosse adotado pelo governo haveria um prêmio em dinheiro, mas isso

acabou não ocorrendo. Assim denunciaram o governo: Pois bem, os professores públicos, ou antes os mestres de escola, acreditando na sinceridade da promessa do governo e na igualdade de garantida pela constituição, fizeram alguns esforços com mais ou menos sucesso. Era esse o efeito que se pretendia com o citado artigo. Um houve que chegou a conseguir que seu

32 Os originais podem ser encontrados na biblioteca nacional do Rio de Janeiro, a quem agradeço toda a atenção e orientação dada.

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compendio fosse adoptado pelo governo, depois de uma luta de quatro anos, em que teve que concorrer com um senador e com mais dois cavalheiros recomendáveis por seus conhecimentos e posição social! Corre ao governo em busca de seu prêmio, e o governo lhe responde: a lei não é clara, não precisa o prêmio; e no entender do governo a adopção já é um prêmio! Mas, Senhor, Considere V. Ex. que a adopção é condição para o prêmio, lhe torna o importuno. Sim..., mas.... a mente do legislador referia-se a livros de certa importância (!!!) Eis aí, concidadãos, a interpretação das leis quando se trata de mestres escolas! Pois há-se de aviltar um prêmio que se dá aos doutores, dando-o também a um mestre escola?! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 189).

É possível perceber, no texto acima, o que nos revelou Teixeira na epígrafe, quando se

referiu que no Brasil existem os valores (direitos) proclamados e os valores (direitos) reais,

porque foi dado com a mesma lei, tratamento desigual entre os professores doutores e os

professores primários, o que demonstra a persistência da desigualdade de classe característica

do modo de produção capitalista. Logo abaixo, fica demonstrado que os professores estavam

abertos as negociações e aceitaram, em um acordo com o governo, receber o aumento de

salário que lhes havia ofertado. No entanto, mesmo Havendo o monarca cedido em favor da instrução popular algumas vantagens que lhe eram oferecidas; depois de haver um ministro de estado declarado ao corpo legislativo que ocupamos um dos últimos lugares, senão o último; os professores públicos se dirigiram também aos poderes do estado pedindo que os tirassem da miséria. As mais lisonjeiras promessas lhes foram feitas. Até conselhos receberam do próprio ministro para que moderassem o pedido que faziam. Aceitaram a correção e pediram o que indicara o ministro sob a promessa de sua palavra de que declararia aceitável a emenda ao orçamento. Não sabemos se o fez. É natural que o fizesse; mas o certo é que nada obtiveram (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 190).

E terminam a carta conclamando a luz da Constituição, a participação da população

nos rumos do país e da educação, por creditarem a falta de educação do povo, os infortúnios

que fazem e causam os governantes no país, e que atingem todos de maneira negativa: Cuidai, portanto, já e já, de tirar-nos do estado desesperado em que nos achamos, que dos poderes do estado nada pudemos conseguir, porque nada valemos. Pedimos, rogámos, implorámos, riram-se de nós! Queixamo-nos de vós a vós mesmos, concidadãos, só vos pedimos que digais bem alto aos vossos representantes: DAÍ-NOS INSTRUCÇÃO PUBLICA!! Se o fizerdes, não lhes pedireis favor, mas aquilo que vos garante a constituição. Ainda uma palavra, acreditai-nos: é a falta desse elemento cardeal da sociedade que deveis atribuir todos os males que vos afligem (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 192).

Aqui já podemos observar que os trabalhadores da educação já convocavam a

população a se posicionar e cobrar dos governantes seus direitos constitucionais, no caso a

educação para a população. No Manifesto afirmaram que parte dos males que afligem o país é

devido à falta de educação do povo. Na carta 2 do Manifesto, ao Imperador, logo de início

revelam que a classe de professores, em função das péssimas condições em que viviam,

poderiam vir a despertar e assim, ponderaram:

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Senhor. A classe dos professores públicos de instrução primaria da corte tem sofrido com resignação evangélica a humilhação da sociedade, que parece desconhecer a influência que ela pode exercer nos futuros destinos do país. Esta resignação, senhor, durou enquanto era fundada na esperança de que os poderes do estado cuidariam de tira-la desse abatimento em que jaz, depois que tivessem cuidado de outras providencias que lhe parecessem mais necessárias (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 192).

Ainda de acordo com o Manifesto, o imperador havia pontuado em seus discursos, a

necessidade de reformular a lei da instrução pública e a possibilidade de favorecer

financeiramente os professores primários com um aumento de salário, ele quando se referia

aos professores os intitulava como a classe deslembrada. Então, foi formada uma comissão de

negociação dos professores para falar com o ministro dos negócios, mas “apareceu o projeto

do Sr. Conselheiro Paulino José Soares de Souza, e nele se viu que apenas algumas

gratificações se prometiam na proporção de serviços prestados e por prestar!” (MANIFESTO

DOS PROFESSORES, 2011, p. 193).

Nesses três últimos trechos citados do Manifesto fica patente a desvalorização dos

trabalhadores da educação, em especial da educação primária. Isso reflete, também, que a

ampliação da oferta e a educação da população não era o foco principal, embora estivesse nos

discursos. Essa população era pobre, negra e feminina, esses os que estavam nessa esfera

educativa, ou seja, embora tenham previsto a necessidade de ampliação do ensino, quase nada

foi feito para garantir este direito. Sendo este um problema que envolve, sempre, o

financiamento por parte do estado, que pouco agiu nesse sentido.

Na carta 3 ao Legislativo, se referem ao projeto do conselheiro Paulilo e a um

requerimento, anteriormente enviado ao mesmo, em que pediam posição sobre a questão do

aumento dos salários. Informavam que o projeto enviado pelo conselheiro, não mudava em

nada as condições de miséria dos professores, e assim expuseram: E, pois, vem os abaixo assinados, cheios de confiança nos sentimentos de justiça, de que V. Ex. tem dado provas tão inequívocas, implorar a proteção de V. Ex., afim de que, ou como emenda àquele projeto, ou como aditivo ao orçamento do império, se digne a propor e apoiar que os professores públicos de instrução primaria da corte sejam equiparados aos 2 (segundos) oficiais das secretarias de estado, pois que os excedem, tanto em trabalho, quanto em responsabilidade (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 194).

Terminam a carta ao legislativo colocando suas reivindicações salariais, com pedido

de isonomia de valor salarial, em relação a outros trabalhadores da educação Resumindo o que impetram a V. Ex., os abaixo assignados formulam assim sua petição: 1. Que sejam os professores públicos de instrução primaria da corte equiparados em vencimentos aos 2os. Oficiais de secretaria 2. Que os adjuntos de 3ª. classe sejam equiparados aos praticantes das mesmas secretarias 3. Que os adjuntos de 2ª. classe tenham uma gratificação de 600$ anuais. 4. Que os adjuntos

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de 1ª. classe tenham uma gratificação de 400$000 (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 195).

Na carta 4 ao Ministro, quando se referiram a gratificação que fora sugerida pelo

ministério, pontuaram:

Com efeito, Ex. senhor, um argumento de vencimentos na razão de serviços prestados e por prestar, importa nada mais nada menos, que uma gratificação de mais (pro labore) aos que a merecem. Nada mais justo. Será, pois, um incentivo para desafiar a atividade dos professores no desempenho de seus deveres, nunca, porém, um melhoramento para a classe! Este só poderá dar-se com o aumento dos ordenados, por serem estes os únicos vencimentos que percebe o empregado público, quando prostrado no leito da dor. E V. Ex., que conhece o estado atual das coisas nesta cidade, compreende que o professor que só dispõe de 66$666 para com eles pagar casa, e a quem lhe sirva, e ainda sustentar mulher e filhos, pagar medico e botica, etc., diga-se a verdade vive na miséria! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 196).

Na carta se referem ao que fora dito por Eusébio de Queiróz em 1856, sobre a

importância e a necessidade da educação primária para o desenvolvimento, social, cultural e

econômico, o que revelou a percepção por parte dos signatários da relação educação e

desenvolvimento já nesse período de nossa história. O finado Sr. conselheiro Eusébio de Queiroz dizia em seu relatório de 1856: “Não basta, porém, decretar a instrução primaria como uma necessidade social, e proclama-la como primeiro elemento de civilização e de progresso; é mister também que o legislador, para não tentar uma obra impossível e consagrar um princípio estéril, eleve e reabilite perante o espírito público aqueles a quem encarrega o ensino da mocidade, inspirando-lhes a consciência de sua importante missão e o sentimento da própria dignidade, pondo-os longe do alcance da miséria, libertando-os das apreensões do triste futuro que poderão legar a suas famílias, dando-lhes, em uma palavra, meios de decente e honesta subsistência”! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 197).

Apontaram também, a contradição do discurso do próprio Conselheiro Paulilo, que fez

uma fala favorável ao aumento do salário dos professores quando era deputado, mas ao ser

Ministro dos Negócios acabou por fazer uma proposta diferente. E V. Ex. mesmo, abundando nessas ideias, dizia há dias na câmara dos Srs. Deputados: “As vantagens que dermos aos professores redundam em proveito do ensino” e logo depois “A vida do professorado é árdua, modesta e de verdadeira dedicação. É uma carreira honrosa e utilíssima: devemos torna-la quanto pudermos, independente” (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 198).

Importante registrar, que nessa discussão já é possível observar novas traduções do

dinheiro: aumento de salário, prêmio, isonomia de valor, orçamento, miséria, progresso,

negócios, financiamento, vencimentos, vantagens e gratificações, todas se referem a esse

mediador. Além disso, no século XIX, foi possível perceber durante a pesquisa, que havia no

Brasil uma estratificação social bastante complexa, e nessa linha não se respeitava o professor

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primário, mas dava-se muito valor a quem tinha ensino superior. Essa afirmação é possível,

pois ao observar esse período histórico o comportamento da elite brasileira, tanto com as

descobertas descritas no capítulo anterior de Fragoso e Florentino como com a segunda

dualidade em Rangel, e agora com a distinção de classes no manifesto dos professores, é

possível perceber que apareceu no Brasil a pequena burguesia33 (SODRÉ, 1990). Para o autor

essa pequena burguesia foi constituída e Nela são recrutados, ou nela ingressam, os letrados, os padres, os militares, os artesãos, os pequenos comerciantes, alguns trabalhadores livres proprietários de seus instrumentos de trabalho, aqueles que preenchem as funções públicas, ocupam lugares na administração, cujo crescimento é dos traços mais típicos da atividade mineradora. Se um pequeno burguês é, no fim de contas, um pequeno proprietário, não há como duvidar: na zona mineradora o constante rateio da parcela interna da renda — a parcela que fica na colônia — permite a numerosos elementos a condição de pequenos proprietários, de proprietários, quando menos, de instrumentos de trabalho. Essa pequena burguesia, que estará presente nas conspirações, ao fim do século, quando do declínio da mineração, é numerosa, variada, importante sob todos os aspectos (SODRÉ, 1990, p. 47).

Essa pequena burguesia foi identificada como Aparecendo em consequência de mudanças sociais de grande profundidade, diferencia-se, em todos os sentidos, no ideológico inclusive, daquelas classes inferiores na escala social. Seus elementos, na maioria, temem descair para tais classes e anseiam por um teor de vida próprio da classe dominante. Têm, por isso, muitos dos preconceitos e prejuízos desta, destacadamente os de cor e de religião, apesar da miscigenação estar presente com forte contribuição numérica na formação e ampliação dessa pequena burguesia precoce, ávida de ascensão, mas com possibilidades a esse respeito, extremamente reduzidas (SODRÉ, 1990, p. 54).

Com o aparecimento da pequena burguesia letrada, enquanto os professores primários

se articularam e pediram respeito, melhores salários, investimento na educação primária, essa

pequena burguesia estava mais preocupada com as questões políticas e ascensão pessoal. Era

para professores doutores e que pertenciam a essa classe que a lei real previa prêmios em

dinheiro. No entanto, foi uma classe bastante afinada com a mentalidade burguesa europeia,

foi essa pequena burguesia que alcançou status e poder, em função de ser a classe

escolarizada nos cursos superiores e de ainda não se ter desenvolvido a burguesia

propriamente dita no país. Nesse período, “o título de doutor valia tanto quanto o de

proprietário de terras, como garantia de prestígio social e de poder político” (Romanelli, 1978,

33 Formada por indivíduos ligados ao jornalismo, as letras e a política, essa camada era afinada com a mentalidade burguesa em ascensão na Europa. Não possuía terras, mas títulos e com isso visavam assegurar status social que garantissem a não realização de trabalhos físicos. Por ser uma classe intermediária e ainda em formação, aqui destaquei dentro dessa classe social heterogênea, os que tinham ensino superior e intitulei essa fração da classe de pequena burguesia letrada.

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p. 37). Permitindo observar na realidade brasileira o valor econômico da educação, o capital

humano garantindo mobilidade social, poder e status para uma parte da pequena burguesia.

Ao descrever a nova classe pequeno burguesa, Sodré nos revelou que Nela residem, entretanto, e talvez por isso mesmo, pela estreiteza de suas oportunidades de ascensão social, os fermentos mais poderosos de mudança, os inconformismos mais sérios e alastrados, as rebeldias mais graves. Dela partem os movimentos que sacodem as capitanias, depois províncias. Nela se recrutam os elementos que falem pela classe dominante colonial, nas câmaras locais; os que procuram o ensino, o diploma, a atividade intelectual que funciona como redenção, pois abre perspectivas a um tipo de trabalho que não guarda os estigmas do trabalho físico. Essa camada média ou pequena burguesia, que começa a aparecer nos apagados núcleos urbanos, que se escalonam, via de regra, ao longo da extensa costa marítima, cresce extraordinariamente com a mineração e a divisão do trabalho que esta proporciona. Atividades antes inexistentes, ou inexpressivas, começam a encontrar espaço, desde então. São, no maior número dos casos, atividades urbanas, facilitadas pela comunicação direta, pela vizinhança dos órgãos da administração (SODRÉ, 1990, p. 55)

Sendo assim, para alcançar seus intentos, essa nova classe aliou-se com a classe

dominante para além de status, poder e mobilidade social, dentre outros, obter ocupações

diferentes do trabalho manual (no Brasil visto como degradante e sem prestígio), objetivaram

funções públicas, administrativas, burocráticas e intelectuais. Essa nova classe procurava se

distanciar da classe que vivia do trabalho manual, e assim, aceitaram os padrões culturais e as

formas educativas da classe dominante. Observou-se, portanto, que, com o processo de

expansão da educação superior, essa nova classe percebera o papel importante da educação

como instrumento de mobilidade social, e então, junto com os comerciantes se constituíram

como classe dominante e elite educada. Essa mobilidade social realizada por meio do

investimento na educação está em acordo com o descrito por Shultz em sua teoria do capital

humano sobre as possibilidades para os que vivem do trabalho. A educação como um valor

real.

Portanto, ao analisar a educação do ponto de vista da dualidade rangeliana, em um

primeiro momento, a cultura escolar conservou a veia aristocrática em função da necessidade

da sociedade com escravos, porém essa relação só perdurou enquanto a sociedade brasileira

não desenvolveu as relações propriamente capitalista, ou seja, ainda era escravista. Dessa

forma, e com o advento da abolição, se partiu do princípio que não havia nada de excludente

entre a aristocracia rural, a nova classe pequeno burguesa que procurava por meio da

educação obter, mobilidade social, status e poder, e os professores primários que não

conseguiam status e aumento de salário. Recolocando assim, a questão da desigualdade de

classe na estrutura da educação brasileira, ou seja, a dualidade no campo educacional, e da

hegemonia econômica e política.

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Durante esse século, a educação foi descentralizada pela Constituição da República de

1891, que instituiu o sistema federativo de governo. A maioria dos autores estudiosos da

educação no Brasil, tais como; (SAVIANI D. , 1992); (ROMANELLI, 1978), (CARVALHO

L. R., 1978); (CUNHA, 1978); (FRIGOTTO, 2001); (CIAVATTA, 2005); perceberam a

dualidade de sistemas educativos herdada do período anterior. Na prática, e de acordo com os

autores acima citados dentre outros, com essa descentralização, o governo federal ficou com a

responsabilidade de criar e controlar o ensino e a instrução em todo os níveis, porém seu foco

esteve na classe dominante. Aos Estados, coube criar e controlar a educação primária e

profissional, que eram fundamentalmente, a escola normal para as mulheres e as escolas

técnica para os homens, com foco na população em geral. Importante registrar que

No Brasil do século XIX, como nos países da Europa, a montagem do edifício educacional escolar começou pelo alto, isto é, primeiro o ensino superior, depois o secundário. Enquanto isso, paralela e distintamente, algum ensino de primeiras letras era oferecido ao povo. Nos países da Europa onde a reforma protestante se fez sentir, o favorecimento da leitura da Bíblia levou à multiplicação de escolas populares, públicas e privadas. Como este não era o objetivo do Estado confessional católico no Brasil, a modesta oferta de ensino primário foi alvo de leis não aplicadas e de meras declarações de intenção de governantes. As elites tinham suas próprias escolas primárias, mas preferiam contratar professores particulares para seus filhos, especialmente mulheres europeias (CUNHA, 2017, p. 105).

Com o manifesto e essas discussões, percebe-se a oficialização das desigualdades

existentes no país desde a época colonial, e que são fundantes da educação brasileira. A

desigualdade de classe, de gênero e de raça, em que as escolas secundárias e superiores

serviam à educação da classe dominante, predominantemente branca e masculina; e a escola

primária e profissional, precárias e com baixos salários para os professores, para a educação

do povo, na sua maioria pobres e negros. A desigualdade de gênero (outro dualismo na

educação), em que a escola normal (magistério) era para as meninas e as escolas técnicas para

os meninos. Como também, a contratação de professoras primárias, estrangeiras e brancas.

D`Ávila (2006)

Diante do exposto, e com o olhar na discussão no capítulo anterior sobre a classe

pequeno burguesa brasileira, pude ver o surgimento da pequena burguesia letrada e sua união

com a classe comerciante na segunda dualidade de Rangel. Então, com a discussão nesse

capítulo foi percebido que a classe pequeno burguesa letrada, que antes não tinha expressão,

revelou sua capacidade, em conjunto com os comerciantes, de gerir os negócios do Estado,

ocupando os cargos públicos. Gestão que se deu, ao longo da história, em união, com o

capitalismo comercial e capitalismo industrial, com o Estado, com as ideias burguesas dos

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países desenvolvidos e hegemônicos, e com os conflitos internos. Portanto, além da oligarquia

rural, a pequena burguesia letrada e a burguesia industrial eram detentoras da riqueza (terra),

do dinheiro (comércio), do status (educação) e do poder político (Estado) de fato.

Aqui foi possível perceber, ainda, com o estudo da dualidade de Rangel e a relação

desenvolvimento e educação, uma contradição no caso específico do Brasil. Por um lado, a

nova classe pequeno burguesa não se ligou aos trabalhadores assalariados, se ligou a classe

dominante - comerciante e aristocrática-rural e urbana (capital mercantil/industrial) - por dela

depender economicamente, e também por reconhecer o seu padrão educativo, como o melhor.

Por outro lado, como citado anteriormente, essa classe estava vinculada as ideias liberais

advindas da Europa, que eram contrárias a ordem fundada na lógica feudal e aristocrática

rural e urbana que existia na realidade brasileira.

Essa contradição, o momento histórico e a aliança de classe aqui instituída, concedeu a

vitória aos ideais políticos e econômicos externos burgueses europeus no país, e assim

impulsionou internamente a abolição da escravatura, a proclamação da república e a

consequente implantação do capitalismo industrial. Como consequência, manteve a

hegemonia da classe dominante, agora ampliada, com a pequena burguesia letrada, a elite

submetida. Contudo, os fatores internos foram determinantes para finalmente abolir a

escravidão no Brasil.

É pertinente pensar e registrar que mesmo sendo propulsora de mudanças e tendo

assumido setores fundamentais no governo, essa nova classe que surgiu no Brasil, a pequena

burguesia foi forjada dentro do processo educativo e de desenvolvimento duais brasileiros, e

não nas lutas sociais por direitos; lutas contra a exploração de classe e a expropriação dos

meios de produção, embora essa já existisse. Essa nova classe é composta, em sua maioria,

pelos filhos e algumas filhas da velha oligarquia rural, pelos pequenos comerciantes, pelos

profissionais liberais e pelos que se submetessem a classe dominante por terem educação

superior. Os profissionais liberais, na sua grande maioria eram ricos, brancos e/ou letrados

urbanos, ou melhor, faziam parte da elite (MICELI, 1979). Sendo importante perceber, dentre

outras coisas, os seus avanços e/ou recuos no século XX e a luta da classe trabalhadora por

direito a educação e ao trabalho.

4.2 AÇÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS, SOCIAIS E A RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO

NO BRASIL DO SÉCULO XX

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Para pensar o século XX no Brasil, é significativo destacar que neste século, durante a

instalação do regime republicano e do ponto de vista político, no país o que havia era a

chamada Política do Café com Leite. Ficou assim conhecida, pois baseava-se na alternância

presidencial entre os políticos e produtores de café de São Paulo, e dos políticos produtores de

leite de Minas Gerais. Essa dinâmica, foi o resultado histórico do domínio do poder

econômico e político das oligarquias rurais, obtido principalmente, pela oligarquia paulista, a

partir da exportação de café (PILETTI, 1991).

A exportação do café possibilitou o acúmulo de capital, e grande movimentação de

industrialização no país, mais precisamente, na região sudeste. Além disso, a Primeira Guerra

Mundial (1914-1918), influenciou esse processo de modernização, tendo em vista a

dificuldade que se tinha em importar produtos industrializados. Portanto, nesse século, o

processo, tanto endógeno quanto exógeno, ocasionou no país mudanças na esfera social, por

meio do crescimento demográfico no espaço urbano e pela ampliação da classe trabalhadora

assalariada, urbana e industrial.

Desse modo, assistimos ao declínio dessas oligarquias e a conhecida Revolução de

1930. Houve a ascensão da burguesia urbana e da classe média. Em nível mundial, a crise de

1929, após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, causou impacto na economia

brasileira, pois estava basicamente estruturada na produção e exportação do café

(CARVALHO J. M., 2008, p. 55). Esse fato, abriu uma imensa crise no país e alimentou a

revolta, ou Revolução de 1930.

Houve um movimento armado que derrubou o presidente Washington Luiz, e esse

movimento surgiu em função da crise do desenvolvimento e de acumulação (PILETTI,

1991). Em verdade, houve várias revoltas e movimentos armados entre 1920 e 1964, advindos

da necessidade de arranjos entre os setores novos, como a pequena burguesia, a burguesia

industrial e o setor oligárquico tradicional, e destes setores com a dinâmica internacional. O

ponto crucial foi a decisão do Estado em proteger o preço do café no mercado internacional,

em função de sua superprodução (MELO, 1982)

O governo, com o financiamento vindo do exterior, retirava do mercado parte da

produção. Com essa ação, garantiu os lucros do produtor e socializou os prejuízos financeiros

com a sociedade, mas, isso foi se tornando impossível de continuar (MELO, 1982). A

dinâmica não poderia seguir, pois a crise mundial de 1929, não permitiu mais o financiamento

externo para este tipo de operação, e a produção do café alcançou níveis elevados. O excesso

de café brasileiro no mercado e a falta de exportação do produto fez com que cessasse a

entrada de capitais no país (FURTADO, 1977); (PRADO JR, 2011).

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Segundo esses e outros autores, mesmo com todas essas dificuldades, o Brasil

conseguiu sair da crise por meio da acumulação primitiva de capital que fora possível, no

período anterior à revolta de 1930. Acumulação advinda da imigração e do trabalho

assalariado urbano, que levou o mercado interno a se desenvolver. Quando as exportações

começaram a entrar em queda, a renda do setor agrícola começou a ser aplicada na produção

do setor industrial voltada, também, para o mercado interno. Sendo assim, o Brasil, na

contramão do mundo em crise, reagiu de forma dinâmica e rápida aos efeitos da mesma, pois

voltou-se para o mercado endógeno. A queda das exportações, fez com que saíssemos do

investimento em um setor para outro, do setor tradicional (agrícola) para o moderno

(industrial) (MELO, 1982), (FURTADO, 1998).

Considerando a discussão sobre a nascente indústria, e sua relação com acumulação

endógena citada por Fragoso, Florentino e a segunda e início da terceira dualidades em

Rangel, é possível afirmar que o modo dual de desenvolvimento brasileiro possibilitou essa

acumulação do lado interno e assim, essa renda agrícola e interna foi investida no setor

industrial do país e não mais no exterior que estava em crise. Isso possibilitou a continuidade

do crescimento e a obtenção dos lucros financeiros da elite, no Brasil.

Do ponto de vista econômico, tal atitude do Brasil foi considerada por João Manuel

Cardoso de Melo, como a etapa de desenvolvimento para dentro. Isso quer dizer que o centro

dinâmico da economia se moveu para dentro do país, que passou a comandar a si próprio.

Portanto, pela primeira vez substituiu a variável exógena da demanda externa por uma

variável endógena de investimento (MELO, 1982). Do ponto de vista político, significou que

o centro de decisão estava dentro do país, ou seja, todo o processo agora era interno.

As afirmações acima estão em acordo com a visão de Rangel, o autor afirmou que a

nascente burguesia industrial no Brasil, surgida da discórdia da classe que possuía a

hegemonia interna da segunda dualidade, ao invés de comprar e vender como fizeram os

comerciantes, na terceira dualidade preferiram comprar insumos e vender produtos. Essa

atitude dos recém-industriais e a crise de exportação mundial fizeram com que estes insumos

fossem comprados dentro do Brasil, então isso aumentou a renda nacional. Na dinâmica da

TAR, esse ator humano influenciado pelos atores não humanos crise mundial e da crise do

café (dinheiro, ou perda de dinheiro), fez o Brasil mudar a lógica da relação com o mercado

exterior.

Outro fator do ponto de vista político, foi que os descontentes setores da então classe

média, em especial das forças armadas nas décadas de 1920 a 1930, cresciam

substancialmente. Isso ocorreu, na medida em que puderam perceber o grau de desigualdade

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entre as classes e a imensa alienação política em que estavam todas as outras classes sociais,

inclusive a classe média (CARVALHO J. M., 2008). No entanto, vale relembrar que diferente

do período anterior, o crescimento do trabalhador urbano, aliado à forte influência dos

trabalhadores europeus, já haviam começado as primeiras greves operárias no Brasil. Desses

movimentos surgiram, segundo o autor, a já citada Revolta dos Tenentes de 1930 ou em

acordo com Sodré (1990), a Revolução Burguesa e a criação do Partido Comunista Brasileiro.

Esses movimentos influenciaram substancialmente a política e a economia, como também, a

formação da sociedade civil no país (CARVALHO J. M., 2008).

A ideia inerente desses movimentos das décadas de 1920 e 1930, era a reorganização

do Estado em função das novas necessidades políticas e econômicas. Então, o que se queria

era substituir a estrutura de poder existente. O que é curioso neste processo, ainda segundo o

autor, é que não se idealizou um programa comum de mudanças sendo possível identificar, ao

menos, duas tendências: a) formada por militares de alta patente, cafeicultores e pela elite

política oposicionista, que apenas desejam mudanças jurídicas, como por exemplo, a troca das

pessoas no poder; e b) formada pelos revolucionários comunistas, alguns com apoio da

pequena burguesia preocupados com mudanças constitucionais como eleições livres, garantia

de liberdades civis; e outros compostos pelos jovens tenentes que queriam mudanças

profundas e estavam dispostos a lutar pela modernização nacional.

Esse momento do país foi marcado, também, pelos intensos conflitos e movimentos

sociais ligados ao trabalho nas fábricas. Esses movimentos demonstraram não só a

insatisfação com as condições de trabalho disponíveis à época, mas também o crescimento

quantitativo da classe que vivia do trabalho assalariado. Tais questões políticas, sociais e

econômicas, tanto em nível exógeno quanto endógeno influenciaram o modelo de

desenvolvimento e de educação no Brasil.

Em relação a educação na década de 1920, houve reformas estaduais de ensino que

anunciaram a reformas de cunho nacional a partir da década de 1930. Em 1920, Sampaio

Dória empreendeu a reforma em São Paulo, em 1922/23 Lourenço filho encabeçou a reforma

no Ceará, José Augusto, em 1925/1928, implantou as mudanças no Rio Grande do Norte, a

reforma no Distrito Federal (Rio de Janeiro) foi em 1922 e a de Pernambuco em 1928, ambas

realizadas por Carneiro Leão. (ROMANELLI, 1978).

De acordo com Romanelli (1978), Carneiro Leão havia escrito um livro em 1907

intitulado A Educação. Esse autor, segundo a autora, foi considerado como o pioneiro do

movimento dos renovadores e da educação nova. A publicação dessa obra sobre a educação

nova significou o início da divulgação dessas ideias e foi logo conquistando adeptos e

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revelando as aproximações ideológicas no campo da educação. O autor fez novas

publicações34 e divulgou suas ideias ao longo das décadas de 1910 e 1920.

Em continuidade as reformas estaduais, houve também a reforma realizada no Paraná

por Lysímaco da Costa em 1927/1928, nesse mesmo período foi feita a de Minas Gerais por

Francisco Campos, em 1928 foram duas, a do Distrito Federal realizada por Fernando

Azevedo e a realizada por Anísio Teixeira na Bahia. Em 1930 Francisco Campos publica uma

obra com o título: Introdução ao Estudo da Escola Nova. Percebe-se assim que na década de

1910 e 1920 houve bastante discussão, publicação e divulgação das ideias da escola nova e

reformas educacionais. Observe-se que as reformas não tiveram cunho nacional, foram feitas

em sua maioria pelos signatários do Manifesto de 1932, e uma outra observação: todos os

reformadores de 1920 foram homens e afirmavam ser adeptos dos princípios da escola nova.

Havia a crença no poder da educação para solucionar os problemas do atraso do país, o que

levou Jorge Nagle (1976) a criar duas categorias para explicar essa época no campo da

educação, a do entusiasmo pela educação e do otimismo pedagógico.

De acordo com o autor, na década de 1910 aparece o entusiasmo pela educação

claramente demonstrando a preocupação centrada na quantidade, como também delegando a

educação a responsabilidade por resolver os problemas nacionais. Na década de 1920, com o

otimismo pedagógico, essa preocupação com a educação passou a ser qualitativa, por meio

dos ideais pedagógicos da escola nova. Esse movimento encontrou na criação da Associação

Brasileira de Educação (ABE), seu órgão representativo e o centro de divulgação dos novos

ideais. Em realidade, segundo Romanelli (1978), que utiliza o pensamento de Fernando

Azevedo, nesse período crítico, profundamente conturbado, mas renovador e fecundo, que sucedera a um longo período orgânico, de domínio da tradição e de ideias estabelecidas, a vida educacional e cultural do país caracterizou-se pela fragmentação do pensamento pedagógico, a princípio, numa dualidade de correntes, e depois, numa pluralidade e confusão de doutrinas, que mal se encobriam sob a denominação genérica de “ Educação Nova” ou de Escola Nova”, suscetível de acepções muito diversas. (ROMANELLI, 1978, p.132).

Importante considerar, mais uma vez, que por serem reformas estaduais e/ou regionais

foram parciais e, não fizeram parte de uma política nacional de educação. Sendo relevante

destacar que os estudos de Marta Maria Chagas de Carvalho (1998) sobre a ABE, através dos

documentos da instituição, revelaram que essa tinha ambições um pouco mais ampliadas da

que acabou sendo divulgada, e segundo a autora não percebida por Nagle. A ABE tornou-se 34 Em 1917 (O Brasil e a educação popular); em 1919 (Problemas de educação) em 1923 (Os deveres das novas gerações brasileiras. Que influenciaram as reformas e os Manifesto de 1932.

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conhecida como uma associação para reunião dos intelectuais que estavam preocupados

unicamente, com a situação da educação nacional. A ABE, como a autora descreveu em seu

livro, não nasceu de uma crença genuína no poder transformador da educação, mas foi fruto

da tentativa fracassada de formar um partido político. A partir daí seus integrantes esforçaram-

se em ocultar as condições da fundação da instituição e conferir a ela uma fachada de

idealismo, retidão moral e desinteresse político.

De acordo com Moreira (2002) A imagem romântica que envolvia a instituição serviu também para a disseminação de ideais e práticas educacionais que almejavam o controle social. As propostas da ABE retratam o povo brasileiro como doente, estúpido, sujo e degenerado, e assim se justifica o estabelecimento de modelos excludentes e práticas autoritárias. Neste contexto, a educação deixa de ser um direito popular para ser um dever, já que traz a esse povo inculto e incivilizado a sua salvação enquanto nação. Afirma-se, então, que é preciso educar para moralizar os costumes, organizar a população dentro do território, homogeneizar escolas e salas de aula, sanear e unificar as massas – e assim conseguir o que realmente se pretendia: atualizar o Brasil em relação aos valores requeridos pela organização racional do trabalho que surgia no pós-guerra. Dessa forma, podemos dizer que o entusiasmo e o otimismo pela educação, amplamente relatados pela historiografia das décadas de 1920 a 1930, não foram fruto da apropriação ingênua e deslumbrada de valores, teorias, conceitos e modelos vindos do exterior, mas sim da consciência de que tais métodos se alinhavam com a sociedade industrial e mesmo existiam por causa dela (MOREIRA. p. 132, 2002).

Sendo relevante agora seguir com as mudanças ocorridas, a partir da conjuntura

econômica e política tanto interna quanto externa, e das reformas econômicas, políticas e

educacionais desde 1930, tendo em vista neste período ter sido publicado o segundo

Manifesto que será analisado. Diante do exposto, pôde-se perceber como a ação educativa

proposta nos documentos foi baseada na tentativa de contemplar a realidade política e social e

se pautou tanto pelo processo das revoluções industriais, como na industrialização brasileira e

na formação da classe trabalhadora, ou seja, pelas orientações tanto exógenas quanto

endógenas. Apontando assim, e de acordo com os capítulos segundo e terceiro, que este

processo se desenvolveu, no modo de produção capitalista, que tem como base o lucro e o

aumento das desigualdades, já existentes.

No entanto, no caso brasileiro pude verificar que essas desigualdades, dentre outras,

foram tanto de classe e renda quanto de cor e gênero. No Brasil, de acordo com Romanelli, A necessidade de manter os desníveis sociais teve, desde então, na educação escolar um instrumento de reforço das desigualdades. Nesse sentido, a função da escola foi a de ajudar a manter os privilégios de classes, apresentando-se ela mesma como um privilégio, quando se utilizou de mecanismos de seleção escolar e de um conteúdo cultural que não foi capaz de propiciar às diversas camadas sociais sequer uma preparação eficaz para o trabalho (ROMANELLI, 1978, p. 24).

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Assim, e de acordo com estudiosos sobre desigualdade no Brasil, tais como (DEMO,

2004), os que apontam e discutem a herança cultural (D´ÁVILA, 2006), os que estudam a

relação trabalho e educação, como também, o desenvolvimento (CIAVATTA, 2005),

(FRIGOTTO, 2001), (CARVALHO O. F., 2003); (ROMANELLI, 1978); (DOWBOR, 1982);

(CIAVATTA, 2005); (FLORES, 2006); (SAVIANI D. , 2014) como fatores que influenciaram

diretamente, tanto a composição e objetivos da escola no Brasil, como os rumos que tomaram

a economia e a política.

Diante do processo de desenvolvimento que estava ocorrendo, se percebeu a

necessidade de qualificação profissional e de expansão escolar. Estas duas dinâmicas

estabeleceram no Brasil, uma relação mais estreita entre a educação e o desenvolvimento. Tal

fato foi percebido, no primeiro capítulo na experiência internacional, no entanto, a

experiência brasileira tomou seus próprios rumos e teve suas peculiaridades.

Importante marcar, que nessa época, não havia ainda o povo organizado politicamente

em sentimento nacional. A participação na política nacional, inclusive nos grandes

acontecimentos, era limitada a pequenos grupos. A grande maioria do povo ou era distante, ou

suspeitava continuamente do governo, ou era abertamente contrário. Sendo assim, o povo não

teve muito lugar na política, no tempo do império e no início da república (CARVALHO J.

M., 2008).

A participação da população nos rumos da sociedade e da política pública começa com

maior expressão na década de 1960, porém só se deu concretamente, depois de 1988. Isso

pode ter ocorrido, em função de, anteriormente, termos convivido com regimes militares,

golpes de estado e ditaduras. Diante das mudanças acima descritas, no processo de

desenvolvimento brasileiro é importante registrar os marcos referenciais mais importantes da

educação, em consonância com os antecedentes históricos, políticos, econômicos e sociais em

cada época. A escolha desta pesquisa, como já indicado, foi pela utilização dos manifestos da

sociedade civil, como fonte principal, aliada as leis, documentos e autores que estudaram as

políticas públicas de educação.

Outra questão importante é que, antes da década de 1930, já houve algumas tentativas

de reforma e de implementação de políticas públicas no campo da educação, porém de acordo

com Romanelli (1978, p. 43) “essas reformas, não passaram de tentativas frustradas e, mesmo

quando aplicadas, representaram o pensamento isolado e desordenado dos comandos

políticos, o que estava muito longe de poder compara-se a uma política nacional de educação”

A autora percebeu que, as políticas públicas em educação privilegiaram os interesses das

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elites e da pequena burguesia letrada que passaram a controlar o poder em conjunto com a

oligarquia rural (no tempo do império) e agora com a oligarquia do café. Tal fato explica,

ainda segundo a autora, o tipo de educação reivindicado para o país por essa classe

(ROMANELLI, 1978).

No bojo dessa discussão, no campo da educação, em 1932, foi publicado o Manifesto

dos Pioneiros da Educação Nova, posteriormente foi publicado o Manifesto dos Educadores

de 1959. Essas ideias e discussões são concluídas com a promulgação da Lei 4024/61, da Lei

5692 de 1971, e depois da Lei n° 9.394 em 1996, que estabeleceram as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB).

Sendo importante destacar que, Durante a primeira metade do século XX, quando as instituições educacionais contemporâneas foram formadas, o pensamento racial ajudou a guiar as políticas públicas. Duas gerações de educadores, intelectuais, médicos e cientistas sociais acreditavam que a criação de uma escola universal poderia embranquecer a nação, liberando o Brasil do que eles imaginavam como a degeneração da população. Durante a Velha República e a Era Vargas, eles desenvolveram políticas públicas tanto inspiradas nas correntes intelectuais científicas internacionais quanto em sua leitura das mazelas do povo brasileiro. Tinham fé irrestrita na capacidade do Estado de funcionar de maneira técnica e científica para transformar a nação (D´ÁVILA, 2006, p. 12).

4.2.1 Manifestos da educação e relação com o desenvolvimento e as desigualdades no

Brasil de 1930 a 1960

No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, assinado por 26 signatários,

sendo 23 homens e 3 mulheres - seu lema e foco central foram assim descritos: A

reconstrução educacional no Brasil - ao povo e ao governo. De início, em seu documento

original35, descreve: Na hierarquia dos problemas nacionais nenhum sobreleva, em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo o de caráter econômico lhe podem disputar a primazia de reconstrução nacional. Pois se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões a invenção e a iniciativa de riqueza de uma sociedade (AZEVEDO; et. al., 1984, p. 407).

No manifesto, no qual o Estado tinha um grande interesse em função da sua nova

dinâmica desenvolvimentista, está destacado que no Brasil, até aquela data, as reformas

educacionais estavam dissociadas da econômica. Então, era necessário juntar ambas e dirigi-35 INEP. Manifesto dos pioneiros. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/70Anos/Manifesto_dos_Pioneiros_Educacao_Nova.pdf>. Acesso em: 06/09/2018.

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las no mesmo sentido. Inclusive, é possível perceber que os signatários consideravam a

educação como o maior problema que precisava ser resolvido, era até maior do que os

problemas econômicos.

Acreditavam, que esse era um dos caminhos para criar “um sistema de organização

escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país” (AZEVEDO; et. al.,

1984, p. 408). Verifica-se a indicação da criação de um sistema nacional de educação, pois

viam o modelo educativo como fragmentado e desarticulado. Discutiram e condenaram as

constantes reformas, como parciais e arbitrárias, pois não tinham rumo econômico sólido e

visão global do problema.

É sempre pertinente lembrar que no Brasil, a estrutura político-institucional do Estado

após 1930, foi favorável a formação de espaços de decisão, mas com foco centrado em

produzir arranjos corporativos. Tais arranjos, de um lado possibilitou a inclusão de alguns

segmentos da sociedade tais como os intelectuais, porém por outro lado propiciou a exclusão

de outros atores sociais nos espaços decisórios, como (mais uma vez) os professores do

ensino primário, os pobres, as mulheres e os negros. Tais ações só se fizeram possíveis, em

função do aparelho burocrático estatal, o qual se tornou cada vez mais suscetível ao jogo de

interesses privados em obter lucro.

Os signatários do Manifesto, a partir das ideias do movimento de renovação da escola

nova e com forte influência do pensamento liberal no Brasil e a conjuntura do país,

presumiram que seria necessária uma reconstrução nacional. Nesse processo, a escola pública

seria a grande responsável pela formação técnica, cidadã e democrática do trabalhador, pois o

país vivenciava um largo processo de industrialização com o governo de Getúlio Vargas, mas

como assinalado no início do capítulo, a falta de investimento na educação impossibilitava os

avanços e era “impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção” (AZEVEDO;

et. al., 1984, p. 407), sem a educação.

No entanto, o dado da realidade era que a maioria da população era analfabeta,

(LEMME, 2005) e assim como na realidade internacional, o processo de desenvolvimento

demandava pela educação para preparar e formar mão de obra especializada para o

desenvolvimento do país. Como indicado na discussão anterior sobre o movimento armado

que depôs o Presidente Washington Luiz, desde o final da década de 1920, esse movimento da

juventude, em sua maioria formada por militares, foi provocado segundo o autor, pelas

contradições que vivíamos no país. Uma dessas contradições na visão dos signatários do

Manifesto, era que o país estava começando o processo de desenvolvimento industrial que

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exigia qualificação profissional, mas com uma mão de obra analfabeta isso era quase

impossível. Ainda segundo o autor, As ideias e diretrizes que procuravam concretizar-se nas realizações dessas reformas, evidentemente, não surgiram por geração espontânea na cabeça dos educadores. Elas eram impulsionadas, de um lado, pelas condições objetivas caracterizadas pelas transformações econômicas, políticas e sociais. De outro lado, começaram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de ideias que pregavam a renovação de métodos e processos de ensino, ainda dominados pelo regime de coerção da velha pedagogia jesuítica. Esse movimento de renovação escolar, que passou a ser conhecido como o da “Escola Nova” ou “Escola Ativa”, baseava-se nos progressos mais recentes da psicologia infantil, que reivindicava uma maior liberdade para a criança, o respeito às características da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento, colocando o “interesse” como o principal motor de aprendizagem (LEMME, 2005, p. 167).

Apontaram, também, que havia falta de espírito filosófico e científico, no que tangia a

resolução dos problemas da gestão escolar. Afirmaram que estas deficiências, tinham as suas

origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de

nossa cultura. Assim, o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores, nesses últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos político sociais a solução dos problemas escolares. Esse movimento é hoje uma ideia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se completam: a força das ideias e a irradiação dos fatos (AZEVEDO; et. al., 1984, p. 408).

Apresentaram ainda, o que defenderam como as finalidades da educação. Essas

estavam fundamentadas na concepção de vida e refletia em cada época, a filosofia e as ideias

predominantes na estrutura social. Apontaram, explicitamente, a questão de classes (seus

interesses) e suas diferentes visões de mundo, (suas ideologias). É evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a “concepção do mundo”, que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como “qualidade socialmente útil”. O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, “desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isso implica nele a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os jovens espíritos” (AZEVEDO; et. al., 1984, p. 410).

Deixam claro que a educação no processo histórico variou de acordo com a estrutura e

as questões sociais em cada época, e assim para os signatários estava baseada na realidade

social. Categoricamente afirmaram que a educação teria que deixar o seu sentido aristotélico,

ou seja, a educação era vista como um privilégio determinado pelas condições econômicas e

de classe e passava a assumir um caráter biológico. Isso significava, que o indivíduo teria o

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direito de ser educado de acordo com suas aptidões naturais e independente das questões

sociais (raça e classe) e econômicas (renda e dinheiro) de cada um. Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com suas aptidões vitais (AZEVEDO; et. al., 1984, p. 413).

Pode-se perceber que o caráter biológico trazia a nova ideia de educação. Nesse

sentido é relevante destacar o que afirmou D`Ávila em seu livro Diploma de brancura (2006).

O autor, ao ver o tratamento dado à população não branca e pobre registrou as práticas

utilizadas nas escolas cariocas, em que era fundante o objetivo de ofertar a essa população a

cultura branca, a higienização (que comparou a eugenia), o comportamento adequado, para

que elas fossem esbranquiçadas e pudessem até ter a sua cor de pele transmutada.

Em crítica potente aos reformadores da década de 1930 e de 1959 afirmou: Os condutores da expansão e da reforma educacional acreditavam que a maior parte dos brasileiros, pobres e/ou pessoas de cor, eram subcidadãos presos a degeneração – condição que herdavam de seus antepassados e transmitiam a seus filhos, enfraquecendo a nação. Os mesmos educadores também, tinham fé em sua capacidade de mobilizar ciência e política para redimir a população, transformando-a em cidadãos-modelo (...). As práticas educacionais discutidas aqui eram uma faca de dois gumes. Por um lado, criaram novos recursos e novas oportunidades direcionadas a pessoas historicamente excluídas. Por outro, participantes na educação pública foram tratados de maneira desigual – os alunos pobres e de cor foram marcados como doentes, mal-adaptados e problemáticos (D´ÁVILA, 2006, p. 13).

O autor, buscou perceber como a educação se expandiu, e foi reformada de maneira

que legitimasse desigualdades raciais e sociais, mesmo quando partes dos discursos diziam o

contrário. Para ele, a concepção subjetiva de inferioridade dos alunos e alunas pobres, não

brancos constituiu o conceito de mérito usado para distribuir ou delimitar recompensas

educacionais. Com essas lógicas de pensamento busquei perceber tantos os avanços reais e os

processos ideológicos quanto os possíveis recuos históricos, embutidos nas reformas

propostas pelos manifestos de 1932 e 1959, e das leis e ações daí decorrentes.

Porque o que se apresenta como dado real é que a sociedade e, em especial a educação

brasileira se estruturou com base nas desigualdades de renda, classe, raça e gênero. Sendo

possível perceber, ao longo desse processo, que faz bastante diferença ter ou não ter dinheiro,

terra e/ou educação superior.

Em relação aos princípios que orientavam a educação, o manifesto de 1932 apontava:

a escola única, a educação como função pública, a laicidade, a gratuidade, a

obrigatoriedade e a coeducação. A ideia de escola única era um grande avanço, estava

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baseada na lógica de que o direito a educação é biológico. Por ser um direito, o Estado

deveria organizar o mesmo tipo de escola, em todos os níveis e de forma acessível a todos as

crianças de 7 a 15 anos, independe de sua condição econômica e social. A educação como

função pública, implicava que na sociedade moderna era dever do Estado garantir a educação

de todos (SAVIANI D., 2014, p. 16)

A laicidade, colocava o ambiente escolar de forma a não ser perturbado pelas crenças e

disputas religiosas. Logo, estaria esse ambiente alheio a todo o dogmatismo sectário. A

gratuidade era o princípio igualitário que tornaria a educação, em qualquer de seus graus,

acessível e obrigatória a todos os cidadãos que tinham vontade e estivessem em condições de

recebê-la. Aliás, o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda “na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem”, cuja educação é frequentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas (AZEVEDO et al., 1984, p. 414).

Essa forma de pensamento revelou que os reformadores da educação de 1932,

acreditavam que os problemas educacionais vinham das condições sociais, culturais ou

ambientalmente inadequadas. Eles atribuíram os possíveis distúrbios das crianças a péssimas

influências em suas casas ou comunidade. D`ávila assim expõe: Culpar os pais pelos desajustes físicos e psicológicos dos filhos significava culpar sua cultura e cor de pele. Ramos descreveu uma cultura de pobreza na qual as influências domésticas sobre as crianças que moravam em condições inferiores se traduziam em comportamento patológico. Como ele explicou, o mau desempenho na escola era causado pelas influências poderosas dos meios desajustados, de conflitos domésticos, de escorraçamento afetivo, de péssimos modelos a imitar, de fadiga em consequência de subnutrição e do trabalho (D´ÁVILA, 2006, p. 76).

Importante salientar, que para além do descrito acima, o objetivo comum dos

programas escolares era que as crianças deveriam adquirir hábitos alimentares sadios e bem

orientados, e que se a escola ofertasse isso ela continuaria a seguir fora do ambiente escolar, e

poderia ajudar a transmitir estes hábitos a seus familiares. A crença era que os problemas e as

mazelas do Brasil não estavam nas crianças, e que para remediar o problema na raiz seria

preciso contar com as crianças para ensinar a toda a sociedade. A escola era um meio para

diagnosticar os desajustes na sociedade, e um instrumento para romper o ciclo de pobreza

(D´ÁVILA, 2006). Para isso, a escola tinha que alcançar famílias inteiras, e assim, a

responsabilidade foi colocada nas costas das crianças.

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Com essas afirmações de D`Ávila é possível pensar que, o que os educadores da

reforma e outros faziam, por julgar haver deficiência cultural ou comportamental em estreita

relação com a população pobre e de cor, era a visão da necessidade de tratar tais deficiência

por meio das políticas públicas, mas que não poderia se restringir apenas ao campo da

educação. Essa visão revela que o fato de ser a educação brasileira estruturada com base nas

desigualdades já descritas, os movimentos de renovação e reestruturação da educação se

davam com base nessas desigualdades. Portanto, ao invés de mudar acabava por aprofundar

cada vez mais.

Na década de 1940, por exemplo, o Departamento de Educação do Rio de janeiro, com

a concepção que a educação deveria ser médico-pedagógica, dividiu a cidade em regiões

médicas: 15 distritos sanitários. Essa relação, entre a medicina e a pedagogia, levou a decisão

de colocar certos alunos em certas classes e fazê-los repetir de série. Tais ações, eram

baseadas nos testes de maturidade, inteligência, no desempenho em sala e nas avaliações de

saúde (D´ÁVILA, 2006). Foram criados nas escolas os pelotões de saúde, em que um grupo

de alunos era encarregado de inspecionar a higiene dos demais colegas. Nessa época, a escola

foi vista como um grande hospital que iria ajudar no futuro da nação, com seres humanos

saudáveis e capazes de contribuir com o desenvolvimento do país.

Ainda no âmbito da discussão da reforma proposta pelo Manifesto, houve o princípio

da coeducação, que garantiu na escola única, a não separação dos alunos por sexo, pois na

visão unificada de escola, as separações só seriam feitas por meio das aptidões psicológicas e

profissionais. Tal forma de organização da escola, para além da unidade entre meninos e

meninas, visava a diminuição dos gastos/dinheiro. Á vista disso, e de acordo com o

manifesto, a escola nova precisava se organizar de outra maneira, e o seu elemento formador

seria o trabalho. Em acordo com a TAR posso afirmar que recompensa, gratuidade,

obrigatoriedade e gastos são traduções do mediador dinheiro.

Em consonância com os princípios fundamentais da educação, o manifesto apresentou,

ainda, as características da função da educação rumo a formulação da política educacional.

Eram três: unidade, autonomia e descentralização. A unidade já foi descrita acima, e em

resumo a educação se ocuparia em desenvolver ao máximo a capacidade biológica, e com

base no princípio psicológico. Isso preconizava, que cada fase de desenvolvimento do aluno

corresponderia as diferentes fases dos graus de ensino.

Além disso, haveria implicações na organização da educação que não poderia levar em

conta as questões econômicas e sociais dos alunos. Nesse modelo educativo, os docentes

teriam que ter formação universitária com equiparação da remuneração e das condições de

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trabalho, nos diferentes graus. Tudo isso modificaria, também, a estrutura organizacional do

sistema educativo nacional (SAVIANI D. , 2014).

Em relação a autonomia, esta estava prevista de forma técnica, administrativa e

econômica. Aos técnicos e educadores caberia a função administrativa, desde que fossem

assegurados pelo Estado os meios materiais. A autonomia econômica, se daria por meio da

criação de um “fundo especial ou escolar,” constituído de patrimônios, impostos e rendas

próprias e que fossem geridos pela direção da escola (AZEVEDO et al., 1984, p. 415).

Em relação a descentralização da função educacional, Saviani percebeu o caráter

nacional da proposta. O autor assim descreve: Ao afirmar que a unidade não implica uniformidade, mas pressupõe multiplicidade, o texto indica que, em lugar da centralização, é na doutrina federativa e descentralizadora que se baseará a organização de um sistema coordenado em toda a república, obedecendo a um plano comum, plenamente eficiente intensiva e extensivamente. O ensino em todos os graus, é considerado de responsabilidade da União na capital, e dos estados nos respectivos territórios (SAVIANI D. , 2014, p. 18).

Após a discussão dos fundamentos sociais, o manifesto passa a tratar dos fundamentos

biológicos e psicológicos da educação. Por este viés, pode-se perceber os princípios da escola

nova, advindos do modelo dos Estados Unidos da América. Relevante destacar que para

Henning (2001), Anísio Teixeira propunha a realização do projeto da escola pública universal

com princípio de participação política e social orientados pelo espirito científico e voltado

para as condições reais da cultura, da diversidade e da pluralidade social. O autor registrou

ainda, que Teixeira tinha divergências em relação a reprodução pura e simples de modelos

educativos e que Embora enaltecendo a sociedade e a educação norte-americana, se posicionava claramente contrário aos transplantes de modelos estrangeiros para a nossa realidade, bem como, de soluções já encontradas em outros contextos. Saber conviver na sociedade moderna em permanente mudança exige uma escola que se adeque a esse dinamismo e à pluralidade que lhe é própria, num combate às tentativas hegemônicas do pensar (HENNING, 2001, p. 162).

Nessa lógica, a proposta brasileira foi que a escola primária, apoiando-se nas

instituições das escolas maternais e dos jardins de infância, deveria articular-se com a

educação secundária que lhe sucede, e desse modo, abrir o acesso às escolas ou institutos

superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada “profissional” (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos (AZEVEDO et al., 1984, p. 417).

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A escola secundária deixaria de ser a escola destinada a adaptar todas as inteligências

a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para ensinar

a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos

sociais existentes. Ao lado das escolas responsáveis pelo preparo para as profissões liberais

(engenharia, medicina, direito), se deveria introduzir, no sistema, as escolas de cultura

especializada para as profissões industriais e mercantis. Essas sim, segundo a visão dos

reformadores, as propulsoras de nossa riqueza econômica e desenvolvimento industrial.

Sendo essa a controvérsia essencial da escola secundária, pois a reforma implementada por

Francisco Campos não seguiu essas orientações. Segundo Dallabrida (2009), essa foi a

primeira reforma de caráter nacional realizada pelo então Ministro da Educação e Saúde.

Ainda segundo o autor, a Reforma Francisco Campos estruturou organicamente o ensino

secundário, comercial e superior. Estabeleceu o currículo seriado e a frequência obrigatória.

De acordo com D´Ávila (2006), essa reforma privilegiou o ensino privado. Durante a sua gestão no Ministério da Educação e Saúde Pública, de 1931 a 1932, Campos voltou pouca atenção à educação elementar, concentrando-se principalmente no desenvolvimento de leis para regular a educação secundária e superior. Campos criou a primeira universidade moderna no Brasil – a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro- e decretou uma reforma na educação secundária que levou o seu nome. Campos criou uma rede de inspetores escolares que credenciava escolas secundárias para permitir a seus graduados acesso à educação superior, (...). Campos reforçou uma divisão de classe que já estava bem definida (D´ÁVILA, 2006, p. 108).

A solução proposta para o ensino público, pelo manifesto, em relação ao trajeto

escolar, foi de possibilitar nos três primeiros anos uma educação com base na cultura geral.

Depois, quando os alunos completassem 15 anos, a educação se diversificaria para atender as

diferenças “de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social” (AZEVEDO

et al., 1984, p. 419). Dos 15 aos 18, seriam três ciclos de estudos intelectuais: humanidades

modernas, ciências físicas e matemáticas e ciências químicas e biológicas. Haveria três ciclos

escolares ou cursos, todos destinados à preparação às atividades profissionais com trabalho

manual e ligado ao ramo da produção:

a) da extração de matérias-primas, teriam as escolas agrícolas, de mineração e de

pesca;

b) da elaboração das matérias-primas - as escolas industriais e profissionais;

c) da distribuição dos produtos elaborados - transportes, comunicações e comércio.

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Toda essa proposta de reforma educativa era necessária em função da distância entre

os valores proclamados e os valores reais (TEIXEIRA, 1962), que caracterizam a situação

caótica da educação nacional. Segundo Henning, Desde as suas bases, encontramos um ensino primário simplificado, embora proclamando-se a sua importância. Afiram-se o papel do ensino médio quanto a formação da força de trabalho, mas encontramos dentre as muitas mazelas, escolas ineficientes, educação livresca com períodos reduzidos e professores improvisados (HENNING, 2001, p. 163).

Ressalve-se que Campos, a princípio tentou parecer afinado com as ideias filosóficas e

pedagógicas inscritas no manifesto, inclusive liderara a reforma em Minas Gerais (segundo

Cecília Meireles, uma péssima reforma), mas ao chegar ao governo implementou política que

foram em rumo contrário aos anseios dos reformadores. Havia promulgado, o Decreto nº

19.941 de 30 de abril de 1931, que restabeleceu o ensino religioso nas escolas primárias,

secundárias e normal, que foi ministrado por professores de instrução religiosa indicados por

religiosos a que se referisse o ensino ministrado (MARTINS e PINTO, 2014).

Sendo relevante destacar de acordo com D´Ávila (2006), Zotti (2006) e Dallabrida

(2009), a dualidade estrutural da educação brasileira. A reforma proposta por Campos para o

ensino secundário se deu sob a lógica da formação propedêutica e acadêmica com vistas ao

ensino superior para as elites; o ensino técnico e comercial para a formação do trabalhador

visando o mercado de trabalho e que não permitia o acesso desses alunos ao ensino superior.

Dessa forma, percebe-se mais uma vez a dualidade de classe do ensino no Brasil, em que o

ensino superior é privilégio exclusivo dos que concluíam o ensino secundário. Na prática, a

reforma estabeleceu um projeto de educação dual, uma educação para os que pensam (classe

dirigente ou elite condutora) e outra para os que executam (classe dirigida ou povo

conduzido) a produção.

Essa atitude, gerou duras críticas de Cecília Meireles, que era signatária do manifesto

e dirigia - A Página da Educação, do Jornal Diário de Notícias do Rio de janeiro e assinava a

coluna: Comentários -, em que abordava diferentes temas: infância, literatura infantil,

conceito de liberdade, escola nova, Revolução de 1930. Segundo os autores, Cecília era

contrária, dentre outras coisas, ao ensino religioso nas escolas, denunciou em suas crônicas

que o que houve com a lei de Campos foi uma reforma de preços, e que os signatários do

manifesto defenderam outra coisa. Esses, queriam uma reforma de finalidade, de ideologia, de

democratização no ensino, de escola única (PIMENTA, 2001).

De acordo com Pimenta, a autora, (pedagoga, poetisa e escritora) tinha sido contrária,

também, a criação do Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública por

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considerar que poderia haver desvios dos fins da educação e muita controvérsia entre médicos

e pedagogos. Reler sua obra, sobretudo as suas crônicas e seus Comentários é rever momentos importantes do nosso panorama educacional. É rever, através do seu olhar, fascinantemente feminino e coerente, o movimento da Escola Nova: os seus embates, as suas conquistas, o seu conteúdo pioneiro e realizador (PIMENTA, 2001, p. 2)

Após bastante controvérsias, Campos foi substituído no ministério por Gustavo

Capanema, que ali ficou de 1934 a 1945. De acordo com D`Ávila (2006), e outros autores,

Capanema não alterou quase nada na educação elementar, mas ajudou a reelaborar a educação

brasileira. A reforma Capanema de 1942 vinculou a Lei de Campos, o programa nacional para

educação secundária vocacional e comercial, mas só em 1946, foram estabelecidos programas

nacionais do âmbito da educação normal, agrícola e elementar. Fundou o Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

(SENAC). No entanto, tais programas criados em 1942, só foram perceptíveis a partir da

industrialização das décadas de 1950 e 1960, quando se instalam como principais meios de

aprendizagem e de formação da força de trabalho industrial no país.

As reformas educacionais de Campos e Capanema que ocorreram nas décadas de 1930

e 1940, tiveram o objetivo de estabelecer as diretrizes para os diversos ramos e níveis da

educação no país. No entanto é oportuno destacar que com relação ao ensino secundário, as

reformas Francisco Campos (1931) e Capanema (1942), reforçaram a dualidade quanto à

formação profissionalizante e a função preparatória ao ensino superior, reafirmando a

segunda.

De acordo com Zotti Nas idéias político-educacionais de Francisco Campos estava a crença de que a reforma da sociedade se concretizaria mediante a reforma da escola, da formação do cidadão e da produção e modernização das elites. Em seu ideário estava claro que a formação das elites era a prioridade, bem como defendia que essa mesma elite tinha as condições para decidir quais deveriam ser os rumos da educação para os demais. (ZOTTI, 2006, p. 02).

Contudo, de acordo com D`Ávila (2006), o cuidado com a educação pública produziu

alguns resultados. O relatório do Ministério da Educação e do IBGE publicado em 1941,

mostrou que em 1939, O número de alunos por mil brasileiros subiu para 89, mais do que o dobro da cifra de 41 em 1920 e o triplo da de 29 em 1907. Só entre 1932 e 1939, 13 mil novas escolas foram acrescentadas as 27 mil já em existência; o número de professores subiu de 56 mil para 78 mil, e número de estudantes no país se expandiu de 2

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milhões para 2,5 milhões. Noventa por cento desses estudantes e 75% dos professores estavam envolvidos na educação elementar (D´ÁVILA, 2006, p. 112).

Destaca-se que este é o período de expansão comercial e industrial. O Brasil estava

iniciando a nossa industrialização e precisávamos, a exemplo do processo internacional, que a

classe trabalhadora soubesse, ao menos, ler e escrever. Na década de 1940, em que pese o

ensino público não ter sido para todos, o sistema escolar tornou-se fonte de emprego, em

especial para as mulheres. No entanto, tornou-se o elo de ligação entre a população e o Estado

populista. Essa mudança substancial no tocante à educação, ocorreu porque o Estado investiu

neste setor, e porque havia a crença de que a educação transformaria o país. Os investimentos,

inclusive, se estenderam até para os municípios (ROMANELLI, 1978).

De acordo D`Ávila, na história dessa época entre as mulheres e os homens, as taxas de

alfabetização eram de 10 a 25% menor entre as mulheres, a depender da região. Havia grande

disparidade no investimento e gastos públicos com a educação, com a frequência de alunos à

escola e nas conquistas educacionais entre as regiões. Percebemos outra vez, a questão das

desigualdades de gênero e agora as desigualdades regionais.

Ainda segundo o autor, em 1940, no Paraná, a alfabetização chegava a 45%, enquanto

no Distrito Federal (Rio de Janeiro) atingia 77%. A alfabetização na Bahia era de apenas 21%,

e no Rio Grande do Norte era de 27%. A média de investimento nacional por habitante era de

Cr$ 15,00 (cruzeiros). Os Estados do Sul investiam em educação, Cr$ 23,00 por habitante, e

os estados do Nordeste investiam por volta de Cr$ 6,00. Os estados que investiram mais em

educação por habitante, foram São Paulo, com Cr$ 33,00, e o Distrito Federal, com Cr$ 67,00

(D´ÁVILA, 2006). Aparecem com maior clareza, as desigualdades regionais no processo de

desenvolvimento e sua relação com a educação.

Se durante o período colonial houve investimento maior da educação no Nordeste,

lugar onde havia o poder político do governo, da economia e da produção (dinheiro/lucro),

agora que os processos de produção e de poder público estavam concentrados no Sudeste, os

investimentos em educação se deslocaram para essa região. Esse fato revela a estreita relação

entre o desenvolvimento e a educação, e a importância do papel do Estado.

No bojo dessa discussão e após 25 anos do primeiro manifesto, é lançado o segundo.

No Manifesto dos Educadores36: Mais uma vez convocados – Manifesto ao povo e ao

36 HISTEDBR. Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez Convocados (Janeiro de 1959). Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc2_22e.pdf>. Acesso em: 06/09/2018.

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governo, assinado por 161 signatários, e publicado em 1 de julho de 1959, em seu início está

descrito: Se nem todo o momento será julgado oportuno para dizer a verdade, sobretudo se amarga e dura, não se poderá esperar ocasião para restabelecê-la, que é dever de todos, quando desfigurada, proclamá-la sem rebuços e meias palavras. Mas também sem veemência e brutalidade, que desses recursos homens de espírito não seriam capazes de utilizar-se nem necessitam as verdades para serem sentidas ou restauradas na plenitude de sua força. É, pois, num estado de espírito, limpo de paixões e de interesses, que lançamos esse novo Manifesto ao povo e ao governo. Os que porventura pensam ou pensarem de maneira diferente, hão de reconhecer-nos, por amor ao princípio de liberdade, que são os primeiros a invocar, o direito que nos assiste e temos por um dever indeclinável, de apresentar e submeter ao julgamento público os nossos pontos de vista sobre problemas da gravidade e complexidade com que se apresentam os da educação (AZEVEDO et al., 2006, p. 205).

Este novo manifesto, visou estabelecer um novo movimento de reconstrução

educacional e contou com o apoio dos educadores da nova geração. Admitiram que o

manifesto anterior era mais doutrinário e menos realista. Todavia, foi mantida a base do

pensamento da corrente de educadores signatária do manifesto de 1932. O manifesto anterior,

foi avaliado como um plano de ação para o futuro, e que ficou longe de um programa de

realizações práticas, que agora eram novamente pretendidas, que conviveu durante um quarto

de século com avanços e recuos, e assim era urgente, as suas projeções (AZEVEDO et. al,

2006).

No manifesto de 1959, os autores reafirmaram os princípios apontados em 1932, como

também, a atualidade dos mesmos. Afirmaram ver com outros olhos a realidade múltipla e

complexa do Brasil, porque a mesma havia mudado profundamente do ponto de vista

econômico, político e social, desde a década de 1930. Tinham como objetivo, mais uma vez,

a tomada de consciência da realidade atual e visaram tomar posição face à nova realidade e,

em favor, como antes, de uma escola democrática e progressista. Essa nova escola, eles

gostariam que tivesse como postulados, a liberdade de pensamento e a igualdade de

oportunidades para todos (AZEVEDO et al., 2006).

As mudanças ocorridas no país do ponto de vista do desenvolvimento, foram o rápido

crescimento demográfico e o processo de industrialização e urbanização. Estes se

desenvolveram em ritmo e intensidade bastante variáveis de uma região para outra.

Ocasionando diferenças de desenvolvimento entre as regiões do país, e assim o norte e

nordeste se desenvolvem em níveis abaixo do Sul e do Sudeste, em função das industrias se

concentrarem nestas últimas (FURTADO, 2007); (MELO, 1982); (LIMA, 2017).

As oscilações econômicas e socioculturais que se produziram a partir da década de

1940, foi passível de comparação, pois foram criadas algumas instituições e instrumentos de

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gestão para comparar e avaliar os dados educacionais, econômicos e agrícolas entre as

regiões. Esses dados subsidiaram as decisões dessa década e foram disponibilizados pelo

Serviço de Estatística da Educação e Saúde (SEES) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE). Com base nesses dados, os signatários do manifesto de 1959, viram tais

fatores como determinantes da distância e da inadequação entre as variações surgidas na

estrutura social e industrial, e o sistema de educação brasileiro (ROMANELLI, 1978).

Fizeram crítica contundente do processo educativo e da organização da gestão da

educação, que não fez muita diferença ao longo dos 25 anos, ao afirmarem que, Certamente, nesse largo período, tivemos a fortuna de constatar numerosas iniciativas do maior alcance, muitas delas de responsabilidade direta ou sob a inspiração de alguns dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Mas foram elas ou largos planejamentos, parcialmente executados, ou medidas fragmentárias, em setores isolados da educação ou de influências regionais, sem as conexões indispensáveis com as diversas esferas do aparelhamento escolar, cuja estrutura geral não se modificou, mantendo-se incongruente e desarticulada em suas peças fundamentais (AZEVEDO et al., 2006, p. 205).

Isso demonstra a desarticulação das estruturas fundamentais em que não houve

conexões com as diversas esferas escolares, onde quase não se modificou, mantendo-se

incompatível com a realidade. À vista disso, as mudanças propostas pelo Manifesto acabaram

por impulsionar o crescimento espontâneo da educação, mas este aumento se deu de forma

desordenada e com alguns agravantes. Dentre eles, podemos afirmar que houve a redução da

ação direta do poder público, federal e estadual. O movimento de expansão foi quantitativo e

provocou grande baixa no nível da qualidade do ensino em todos os graus, como

potencializou as diferenças regionais (LIMA, 2017).

Na realidade, a autora registrou que houve pouco interesse por parte do Estado pela

educação pública, e isso aumentou, ainda mais, a escassez de recursos aplicados à educação

em algumas regiões. Em função da contraditória e nova dinâmica política, a orientação pela

descentralização nas políticas públicas passou a conviver com o excesso de centralização

(LIMA, 2017). De acordo com o manifesto de 1959, o que ocorreu foi que passamos a

conviver com a falta de espírito público, o diletantismo e a improvisação. O Brasil, ao invés

de tomar medidas de investimento em educação, antes de ser demandado pela indústria,

preferiu mais uma vez, investir pesadamente na industrialização, e a educação primária e da

maioria da população ficou preterida (AZEVEDO et al., 2006).

Vale destacar que, As variações regionais importavam mais do que qualquer outro fator na definição da educação no Brasil. Essas diferenças se aplicavam não apenas aos padrões de contratação e taxas de alfabetização, mas também aos programas, à pedagogia, ao treinamento de professores e ao investimento público (D´ÁVILA, 2006, p. 117).

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Em conformidade com esse autor, no final da década de 1940, início dos anos de 1950,

a educação brasileira alcançou 91% dos 2,5 milhões de crianças urbanas em idade escolar,

porém isso só refletiu 40% dos 7, 5 milhões em idade escolar. Segundo o autor, a disparidade

se deu dentre outras coisas, na discrepância do índice de alfabetização urbano e rural, em que

cerca de 73% da população urbana era alfabetizada e esta mesma porcentagem era analfabeta

no meio rural. Para D`Ávila, o que expressou o diretor do departamento de estatística da

época foi que poderíamos chamar o Brasil de uma vasta reserva rural carente de educação.

Portanto, no Brasil da década de 1940, o peso maior foi na educação urbana, e as

desigualdades regionais puderam ser notadas. Abaixo, é possível observar o índice da

população alfabetizada.

Tabela 2: Porcentagem da população alfabetizada com mais de cinco anos em 1940, por Estados ESTADOS BRANCOS PRETOS PARDOS TOTAL

F M F M F M F M

Bahia 34 42 11 16 16 24 17 25

Distrito Federal 81 86 44 59 64 76 73 81

Mato Grosso 46 54 16 29

42 46

Paraná 39 51 16 29 21 36 37 49

Rio G. do Norte 39 48 12 13 21 22 27 28

Fonte: Diploma de brancura. Jerry D´Ávila, 2006. p. 123 (adaptado). Nota: Dados do mato Grosso incluem alunos de 6 anos ou mais. A categoria pardos e pretos estão juntos.

Note-se, acima, a diferença nas taxas de alfabetização quanto as questões regionais,

raciais e de gênero. No Nordeste havia 3 vezes mais brancos do que pretos alfabetizados. A

mulher negra na Bahia tinha 10% de chance de ser alfabetizada. Já no Distrito Federal – Rio

de Janeiro, o sistema educacional atingiu um número expressivo de pretos, e lá mais da

metade era alfabetizada.

Observa-se que a probabilidade de um homem negro que vivia na capital ser

alfabetizado, era maior que um homem branco no Paraná ou na Bahia. Em relação a mulher

negra, essa probabilidade era bastante diferente, era 50% menor em relação a mulher branca

alfabetizada na capital. Em resumo, quando se observa as taxas de alfabetização da

população, retirando o Distrito Federal, as taxas da população não branca é cerca de 50%

menor que da população branca.

No entanto, a exemplo da experiência internacional, o processo de inovações que

ocorreram no final dos anos 1950, e nas décadas de 1960 e 1990, passou a demandar, mais

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uma vez e a exemplo das décadas de 1920 e 1930, por trabalhadores que soubessem ler e

escrever. Constata-se, que a cada processo de inovação, o tipo de trabalhadores foi mudando

e, continuadamente, não temos preparado a força de trabalho brasileira (FLORES, 2006).

Considero que de acordo com a nossa caminhada até aqui, já é plausível afirmar que

tivemos um desenvolvimento à moda brasileira, e que as bases que estruturaram a política

pública de educação foram o dinheiro/lucro e as desigualdades de classe, renda, raça e gênero.

No entanto, tanto os autores quanto os documentos que utilizamos como fontes viram no

processo de desenvolvimento, apenas, o aprofundamento das desigualdades, ou seja,

entenderam as desigualdades como resultado do processo.

Porém, desejo registrar, que a cada passo dado e a cada porta que se abriu, o que se

apresentou foi que: estão certos todos e todas que veem no desenvolvimento um processo de

aprofundamento das desigualdades, mas esta ação, este caminho, e este aprofundamento

das desigualdades, só se fez possível, porque quando começa a nossa história colonial

estamos sob a égide do sistema capitalista que quer circular e expandir, para isso apoiou-se,

dentre outras coisas, na colonização com submissão e escravidão. Isso demonstrou, de

imediato, a relação desigual desse modo de produção em seus ciclos sistêmicos de expansão

(Arrighi, 2006).

No percurso de nossa pesquisa até o presente, tanto nas ações educativas dos jesuítas e

na reforma pombalina quanto nas ações do império, o processo se deu ligado aos interesses de

lucro e riqueza da Coroa portuguesa e assim, não tiveram a intensão de fazer crescer,

desenvolver o país e educar a população da colônia. Embora estivesse nos mais diferentes

discursos, a educação não era para todos e excluía a maioria dos pobres, negros e mulheres.

Sendo assim, em nossa história no campo educativo, as desigualdades estruturaram as

políticas públicas de educação37. Consequentemente, verifica-se seguidamente no estudo,

que não só essa estrutura se manteve, como vai se aprofundar por meio das reformas, leis e da

política educacional.

Portanto, foi com base nas desigualdades de raça, renda, gênero e classe que a

sociedade brasileira estruturou suas políticas sociais, em especial, aqui verificou-se as

estratégias que basilaram as ações no campo da educação. Toda a trajetória revelou esta

singular forma de pensar a política educativa e, provavelmente, a estrutura das políticas

públicas do país. Sendo pertinente agora continuar a discutir até a atualidade, por meio dos

37 Pensar em políticas públicas de educação no Brasil só é possível a partir da década de 1930. Nesse período, a educação é pensada em âmbito nacional. A partir da criação do Ministério da Educação e da Reforma Francisco de Campos, identifica-se forte intenção em se criar uma política nacional de educação.

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marcos e acontecimentos, em especial, as lutas sociais e os manifestos, com o processo de

democratização para verificar as bases da atualidade. Porque até agora as desigualdades que

estruturaram a política de educação no Brasil, se reveleram como elementos de um

movimento orgânico de sua formação e não movimentos ocasionais ou de conjuntura.

Nesse sentido, julgo ter sido de vital importância compreender o passado da história

de nosso modelo de desenvolvimento em sua relação com a educação, pois as bases desiguais

que estruturaram essa última revelam a necessidade de transformações concretas neste campo,

tendo em vista ser esta uma relação orgânica e não conjuntural. Dessa maneira, para entender

a atualidade essa caminhada foi particularmente importante, porque se trata aqui, em acordo

com o já destacado pensamento de Fanon, de construir a história presente, pois “pertenço

irredutivelmente, a minha época. É para ela que eu devo viver” (FANON, 2008, p.29).

4.3 EDUCAÇÃO, LUTA DE CLASSE E DESIGUALDADES NO BRASIL DO SÉCULO

XX

No início do século XX, os reformadores da educação afirmaram lutar contra um

sistema escolar baseado no aumento das desigualdades. Apenas, umas poucas instituições

atendiam crianças pobres, essa educação era focada na formação vocacional e ocorria no

espaço urbano (LEMME, 2005). O discurso das duas reformas descritas nos Manifestos de

(1932) e (1959), foi transformar, dentre outras ações, essas escolas em escolas secundárias e

para todos, mas isso não ocorreu.

Então, o momento da história em que os signatários dos Manifestos fizeram suas ações

com base na ideia de uma política pública que garantisse uma escola única, pública, laica e

universal, era preciso ter criado normas e ordens para estabelecer essa nova dinâmica e visão

de educação e de escola. No entanto, essas novas ordens e normas educativas foram

construídas e conviveram: a) no espaço da escola pública, com as visões desiguais (advindas

desde o período colonial) em relação a renda, raça, gênero e classe; b) no espaço político, com

a força e o poder da classe dominante e do Estado, ou seja, da oligarquia rural, da elite

burguesa e dos regimes militares. Nesse contexto se construiu a política educacional.

Os normativos ao longo da história da política pública de educação que excluía

pobres, negros e mulheres, se refletiram nos currículos, nas formas de promoção dos alunos,

na seleção e promoção dos professores, nos programas de higiene e saúde (eugenia), testes e

medidas de inteligência, na nutrição escolar e na arquitetura das escolas D`Ávila (2006).

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Entretanto, entre a exclusão no início do século e a segregação no seu final, de parte da

população brasileira do processo educativo, há momentos que fizeram diferença nesta

caminhada.

Relevante registrar que de 1930 a 1964, a relação entre economia e política se

evidenciava pela expansão industrial com forte presença do Estado (militar) e pela política

populista de Getúlio Vargas. Assim, a década de 1960 passa a ser discutida por ser momento

de intensas mudanças do ponto de vista internacional e também, da industrialização brasileira

e de novas tentativas no campo da educação, com participação social efetiva, e lutas políticas

organizadas pela sociedade civil. Além dessas lutas, a sociedade civil organizou formas

alternativas de educação política e sindical da classe trabalhadora, em uma investida contra

hegemônica.

Desejo mostrar, que do ponto de vista da luta contra hegemônica, de 1956 a 1964,

haviam formas diferentes de educação do trabalhador. A classe que vivia do trabalho criava e

recriava essas alternativas, continuadamente, essas eram criadas dentro dos sindicatos a partir

da prática social e da política. Então, havia a educação que grupos populares davam entre si,

ou melhor, a educação dentro da própria classe. Da classe em si para si de Marx.

Essas formas de educação alternativa são ricas para se apreender como as classes subalternas criam e divulgam mecanismos de resistência e de contra-ideologia e ao mesmo tempo propiciam formação de seus dirigentes- militantes ou ativistas – como são autodesignados pelos próprios trabalhadores ou, como diria Gramsci, dos operários “ativos de massa”. Esses ativistas se formam no próprio bojo do movimento operário-sindical e, segundo depoimento de um militante operário, são aqueles que “assumem a defesa da própria classe” e se “colocam como pessoas que vão levar o seu conhecimento para mais gente” das classes subalternas (MANFREDI, 1986, p. 21).

Então, é de fundamental importância ter um processo de autoeducação da classe

trabalhadora, processo que ocorre no trabalho, junto a família, nas organizações de que fazem

parte, nos movimentos sociais e nas ruas. Este estudo, como já destacado trabalha com um

conceito muito mais amplo de educação, este não está reduzido a educação escolar e formal.

De acordo com autora havia ainda, atividades educativas mais sistematizadas, tais como

congressos, encontros, cursos, seminários, palestras promovidas por sindicatos e/ou

instituições criadas com o fim de:

Ø Divulgação, socialização e a reflexão do saber acumulado através da experiência da

luta

Ø Apropriação dos códigos dominantes como mecanismos de defesa

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Ø Apropriação dos saberes acumulados historicamente em uma sociedade onde a classe

trabalhadora não tinha tido acesso.

Do ponto de vista da concepção mais ampla de educação, essas ações da classe

trabalhadora revelaram as possibilidades da contra hegemonia, que são atuais. Do ponto de

vista da educação formal, e considerando o que está descrito no início deste capítulo, é

possível concluir que somos herdeiros de uma cultura que depositou fortes expectativas de

mudança nas reformas educativas do Estado, quase sempre incompletas e fragmentadas.

O componente ibérico da colonização trouxe, desde as origens de nossa formação, a

vertente normativa. “Todo aquele que já se debruçou sobre a análise de documentos históricos

– sejam eles do campo educacional, ou não – há de ter constatado que antes mesmo de ser

possível identificar um sistema escolar no país, este traço já estava presente” (VIEIRA, 2008,

p. 1). No entanto, é bastante instigante conhecer as mudanças e lutas que ocorriam, tanto fora

quanto dentro do país.

4.3.1 Sociedade, Trabalho e Educação: A conjuntura local e mundial

No final da década de 1960 e início da década de 1970, de acordo com (VIEIRA,

2008), houve muitos fatos relevantes. Quando miramos a trajetória dos movimentos sociais,

pode-se tentar aproximar a questão mundial com o que ocorria aqui no país. Nesse contexto,

as manifestações de rua, em maio de 1968, na França, podem ser consideradas como um dos

grandes fenômenos sociais da segunda metade do século XX. Segundo a autora, de uma

corriqueira greve de estudantes secundaristas e universitários em Paris, o movimento ganhou

ampla repercussão e a adesão de dez milhões de trabalhadores que representavam cerca de

dois terços da força de trabalho.

Nos Estados Unidos a década de 1960, foi uma década de luta interna por direitos.

Cinco anos após o assassinato de John Kennedy em 1963, um atentado seguido de morte, em

06 de junho de 1968, abalou o país, o do Senador Robert Kennedy, candidato presidencial

pelo Partido Democrático. O país testemunhou, também, o assassinato de Malcolm X, em 21

de fevereiro de 1965, líder da luta contra a opressão dos negros, e em 4 de abril de 1968, do

ganhador do prêmio Nobel da Paz de1964, Martin Luther King: líder pacifista, militante dos

direitos humanos, defensor da igualdade entre brancos e negros.

No Brasil, em 1968, com o aprofundamento do estado de exceção ocorreram muitas

manifestações. O assassinato do estudante secundarista Édson Luís de Lima, pelas mãos de

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um capitão da polícia militar durante manifestações estudantis de março, impulsionou a

revolta e a ação dos movimentos. As reações ocorreram, imediatamente, e em todo o país. O

enterro do estudante foi acompanhado por cerca de 50 mil pessoas, entre estudantes,

intelectuais e artistas (VIEIRA, 2008).

A ação do governo nas grandes cidades, foi reprimir e tentar acabar com os protestos.

As ruas transformam-se em praças de guerra, entre os estudantes e a polícia. Nesse clima, o

movimento organizou e realizou a Passeata dos 100 mil, em 26 de junho de 1968 no Rio de

Janeiro. As manifestações almejaram e reivindicaram o fim da censura, da repressão e a

redemocratização do país. Em resposta, o Estado repressor mostrou a sua hegemonia e força: Momento chave da escalada da repressão foi o 30º congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), organizado clandestinamente, na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo quando em uma só operação (14/out.) mais de 900 pessoas são presas pela polícia, dentre elas as principais lideranças estudantis ainda em liberdade. Dois meses depois, em 13 de dezembro, uma sexta-feira, é decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), símbolo da passagem do regime militar para a ditadura (VIEIRA, 2008).

Em meio a toda essa efervescência política, opressiva e de luta por democracia, ocorre

um fato de singular relevância para a educação superior brasileira. Em 28 de novembro é

aprovada a Lei nº 5.540/68, a nova lei fixou normas de organização e funcionamento da

educação superior e sua articulação com a escola média, dentre outras providências. Essas

medidas eram discutidas e indicadas, desde antes da década de 1930, e nas reformas

posteriores.

As medidas tomadas, durante esse período, visaram o “aumento da matrícula do

ensino superior (Decreto Lei 405, e 31 de dezembro de 1968 e 574, de 8 de maio de 1969), e à

contenção do protesto estudantil (Decreto-Lei 477, de 11 de fevereiro de 1969)

(Romanelli,1978, p. 197). Entretanto, a reforma universitária teve dois princípios norteadores,

o controle político das universidades públicas brasileiras e a formação de mão de obra para

economia, pois havia um intenso processo de industrialização. Então, era preciso formar os

braços para a produção, e fomentar gastos para pôr dinheiro em circulação. Antes da

promulgação dessa lei houve outras menos importantes. Leis que revelaram, como poderá ser

visto adiante, a despreocupação do governo com a educação da população em geral.

Dessa maneira, quando foquei o estudo na análise das Leis de Diretrizes e Bases

Nacional (LDB) no Brasil, foi possível afirmar que a primeira LDB, a Lei no 4024/61,

(BRASIL, 1961) caracterizou-se por não ter qualquer preocupação com o ensino básico. A lei,

na realidade, foi uma maneira de solucionar compromissos entre os defensores das escolas da

rede particular vinculados à igreja e para preservar os privilégios das elites. Tal afirmação é

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possível porque percebi que haviam conflitos de interesses, de um lado os liberais escola

novistas que defendiam a escola pública e a centralização do processo educativo pelo governo

federal e, por outro, os representante das escolas católicas que eram contrários a intervenção

do Estado nos negócios da educação, pois de acordo com (MARCHELLI, 2014), o interesse

era privilegiar a escola privada. Foi possível perceber, também, que essa lei que não

contemplou nenhuma das expectativas dos atores envolvidos, ao longo da história, na defesa

pela educação pública.

Na análise da segunda LDB, a Lei 5.692/71 (BRASIL, 1971), foi perceptível que essa

reorientou a política de educação com foco na educação profissional, nos cursos técnicos e

apostou na maximização dos resultados. Configurando-se como o ideário da relação ciência e

técnica, com forte ênfase nos aspectos quantitativos nos meios e técnicas educacionais, na

formação profissional e na adaptação do ensino as demandas da produção industrial. A relação

desenvolvimento e educação se estabelece definitivamente, mas sob a ótica do capital

humano. A profissionalização referida pela Lei N° 5692/71, assentou-se sobre a intenção de

estabelecer relação direta entre formação educacional e mercado de trabalho.

Concluísse que esse período foi marcado pela valorização da mão de obra humana

como máquina para o trabalho, em consonância com o ideário liberal da teoria de Schultz.

Para acelerar esse processo, foi enfatizada a questão dos ensinos técnicos e profissionalizantes

que chamaram a atenção do governo, pois formavam os trabalhadores mais rápido do que as

universidades. Os trabalhadores, de maneira geral, não tinham oportunidades de frequentar

um centro universitário naquela época (ROMANELLI, 1987).

Essa forma de agir está em plena articulação com o processo de inovações

tecnológicas advindas do modelo de produção taylorista/fordista norte americano. Nesse

período se utiliza, fortemente, na educação, os ideais preconizados pela teoria do capital

humano. Verifica-se a capacidade de trabalho não só manual, mas intelectual na utilização da

força de trabalho, no entanto mantem-se a divisão do trabalho entre os que pensam e os que

executam. (FLORES, 2006). De acordo com Gramsci (1968), e com os resultados de minha

pesquisa de mestrado, esse modelo de produção demandou por um novo tipo de formação e

adequação do trabalhador e de homem, como também novas formas de adaptação e de

cultura, Pois os novos métodos de trabalho estão indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida; não é possível obter êxito num campo sem obter resultados tangíveis no outro. Na América, a racionalização do trabalho e o proibicismo estão indubitavelmente ligados: os inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários, os serviços de inspeção criados por algumas empresas para controlar a “moralidade” dos operários são necessidades do

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método de trabalho. (...) o significado e o alcance objetivo do fenômeno americano, que é também o maior esforço coletivo realizado até agora para criar, com rapidez incrível e com consciência do fim jamais vista na História, um tipo novo de trabalhador e de homem. A expressão “consciência do fim” pode parecer pelo menos espirituosa para quem recorda a frase de Taylor sobre o “gorila domesticado” (GRAMSCI A. , 1968, pp. 396-397).

O pensamento subjacente era desenvolver ao máximo na força de trabalho, as atitudes

mecanizadas e automáticas, para o rompimento do antigo nexo psicofísico do trabalho

profissional qualificado, que exigia o uso da inteligência, da imaginação, da iniciativa pessoal,

e reduzir a realização do trabalho produtivo somente sob o prisma físico mecânico,

automático e involuntário.

No entanto, o ser humano não é como queriam os empresários americanos, um gorila

domesticado, estes pensam e após o processo de adaptação ao modelo de produção

começaram a reagir. Gramsci (1968). Então, os industriais começaram a perceber que havia

um pensamento nada conformista da classe trabalhadora. Segundo o autor: “A existência

desta preocupação entre os industriais é comprovada por toda uma série de cautelas e

iniciativas “educativas”, que se encontram nos livros de Ford e de Philip” (GRAMSCI A. ,

1968, p. 404). Dessa forma, esses industriais e seus intelectuais orgânicos perceberam a

escola como o espaço em que poderia se dar esse processo de adaptação, em que poderia

formar o capital humano para a indústria (FLORES, 2006).

O Brasil, embalado por esses movimentos internos e externos, introduziu importantes

modificações no âmbito da política pública da educação, da década de 1930 a de 1971. Houve

a reforma do ensino de primeiro e segundo graus, atingindo diretamente os níveis primário e

secundário de ensino, com a extensão da educação básica de quatro para oito anos e com o

realce da afirmação da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino de primeiro grau. Dessa

forma, percebeu-se nessa fase, com os Manifestos, as reformas educacionais e as LDBs, que o

planejamento da educação passou a integrar a pauta nacional do desenvolvimento.

Utilizando como fio condutor o ator rede e os aportes da dialética, pude observar a

contradição dos discursos do governo no processo de desenvolvimento no Brasil, desde o

Estado-Novo (1937 a 1946) e no período da ditadura militar (1964 a 1985). Ao mesmo tempo,

em que havia um Estado centralizador e repressor atuante na não garantia de direitos, se

criaram as condições de desenvolvimento e crescimento econômico do país que possibilitou,

dentre outras coisas: a criação de Ministérios importantes (educação, trabalho, saúde,

previdência, transporte, etc.), o estabelecimento, mesmo que por decretos, dos direitos sociais,

políticos e civis, em cada tempo desse, a sua moda e com ênfases e garantias diferentes. Essa

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centralidade e presença constante do Estado é também uma característica do desenvolvimento

brasileiro e da educação, desde o início.

A contradição que aqui se destaca, nessa época, é que se conviveu, também, com a

supressão dos direitos concedidos, em alguns desses períodos. Essas ações foram diferenças

que acabaram por influenciar as políticas públicas de educação. Embora a necessidade da

modernidade estivesse nos manifestos e nos discursos governamentais, encontrou na ação do

Estado, o conservadorismo, e sendo esse um ator central acabou por influenciar de forma

determinante nos resultados. Sendo relevante registrar, em relação a esses direitos, alguns

avanços no campo do trabalho e da educação.

No campo do Trabalho, houve a criação do Instituto Nacional de Previdência Social

(INPS), do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

(IAPAS), da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV);

Criação do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL), que

previa a previdência para os cidadãos do campo; criação do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS), do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do

Patrimônio do Servidor Público (PASEP); criação de 13 milhões de empregos; criação da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); Regulamentação do 13º. salário; No campo da

educação, foram criados, o estatuto do magistério superior; crédito educativo; houve

ampliação das matrículas do ensino superior; ampliação das vagas nas escolas; fomento e

financiamento de pesquisa: CNPq, FINEP e CAPES; aumento dos cursos de mestrado e

doutorado; programa de merenda escolar e alimentação do trabalhador (PEREIRA L. C.,

1985). Nesse sentido, Neste período, o desenvolvimento do aparato econômico estatal é extraordinário. Embora o número de empresas estatais não seja um indicador de participação do Estado na economia, é significativo assinalar que até o final dos anos cinquenta havia no Brasil 14 empresas estatais contra 560 em janeiro de 1981. Só a partir de 1974, quando se inicia a segunda crise do capitalismo brasileiro (a primeira ocorreu em 1962 e 1966, favorecendo o golpe de 1964), uma campanha antiestatizante da burguesia procura paralisar o desenvolvimento do Estado. (...). Em 1981, porém, já estava claro que a saída da crise só poderia ocorrer a partir de novos investimentos estatais e de maior controle do sistema econômico do Estado (PEREIRA L. C., 1985, p. 55).

Portanto, e considerando que o processo de desenvolvimento brasileiro foi peculiar,

verificou-se, mais algumas de suas peculiaridades, os governos repressores eram nacionalistas

(defendiam o país), mas eram contra a democracia, (a participação popular nos caminhos da

nação). No entanto, o governo apesar do discurso populista e nacionalista, defendeu e atuou

na manutenção do poder e da riqueza da elite, ou seja, da classe dominante. Como pudemos

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ver também, houve desenvolvimento capitalista e industrialização sem reforma agrária,

constituição dos direitos civis e políticos (criação de sindicatos, partidos, direito de greve)

sem democracia, por meio de decretos, lutas sociais para conquistas de novos direitos, mas

não por meio de revolução.

Do ponto de vista da hegemonia, as ações do Estado acabaram por levar em conta, as

reivindicações das lutas travadas no interior do país, e assim mudavam algumas coisas.

Todavia, o que fizeram na realidade foi manter o poder centralizador do Estado e apaziguar a

população para poder fazer as mudanças necessárias ao capitalismo brasileiro. Tudo, em

função do desenvolvimento industrial e da manutenção da hegemonia da elite nacional.

Nessa perspectiva, o processo de industrialização no Brasil, realizado sob a égide do

Estado, mesmo com todas as mudanças e inovações, citadas acima, à medida que escolheu a

manutenção da pobreza, da fome, das doenças e do analfabetismo para a maioria da

população, optou por manter o país com um processo que não impulsiona de maneira potente

o desenvolvimento. Suas características fundantes e históricas, são altas taxas de crescimento

econômico com concentração de renda ou lucro nas mãos de poucos, os capitalistas utilizam

este lucro para bens de consumo de luxo, e tal modelo, impossibilita, até hoje, a acumulação

de capital pelo Estado, sendo relevante destacar que o Estado é o ator central, pois garante o

investimento em todas essas áreas.

De acordo com Pereira L. C. (1985), se na primeira fase de industrialização, houve a

transferência de renda do setor agrícola para a indústria, essa segunda industrialização passou

a extrair seus lucros pela renda dos trabalhadores, ou melhor, pela mais-valia relativa e

absoluta (PEREIRA L. C., 1985). No tocante à educação, tivemos reformas e legislações,

inclusive, inspiradas nos Manifestos, mas que não resolveram as questões nessa área, em

acordo com as propostas e discussões realizadas em seu interior. No entanto, em meu entender

precisam sempre ser consideradas, em função da capacidade de mobilização para a luta e para

as possíveis mudanças.

Diante do exposto saliento que no final dos anos 1980, a sociedade civil depositou

esperança e entusiasmo com o processo de abertura democrática no Brasil. Dessa forma, a

classe trabalhadora se organizou e fez lutas intensas por garantia e conquistas de direitos,

desde os anos de 1960, mas a democracia, ao longo do tempo vai se mostrando cada vez mais

frágil e menos potente devido a oscilações conjunturais do capitalismo, do Estado e dos

governos brasileiros. Então, cabe agora descrever brevemente tal processo, pois em alguns

momentos possibilitou a ação política e potencializou a ação pública dos atores. Perceber esta

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dinâmica, foi relevante para discutir as bases que estruturaram o nosso modelo de educação e

como, ao longo do tempo as lutas sociais e a ação pública fizeram diferença.

4.3.2 Abertura democrática, interesses e ação pública: a década de 1980

Como já sinalizado nesta pesquisa, o conceito de ação pública é trabalhado como o

conjunto das interações que ocorrem nos múltiplos níveis da sociedade, que rompe com a

unicidade do Estado na elaboração e realização das políticas públicas, com o voluntarismo

político e com o fetichismo da decisão (LASCOUMES e LE GALÈS, 2012). Segundo os

autores, essas são as três rupturas decisivas para a análise das políticas públicas.

Em relação ao voluntarismo político, os autores enfocam que o fato de haver muitas

leis, isso não significa que uma política pública se transforma. Pudemos perceber isso, por

exemplo, ao descrever a relação desenvolvimento e educação à moda brasileira, pois o Estado

sempre foi o centralizador das decisões em políticas públicas e sempre emitiu leis, decretos,

normas e quase sempre tomou decisões, sem ouvir todos os atores sociais. Esse voluntarismo

político na maioria das vezes é uma fachada, uma encenação e que não explica a ação política

e nem a potencializa, tal fato poderá ser comprovado, também, com a análise dos resultados

concretos das LDBs e da Constituição de 1988.

No tocante a unicidade do Estado, a diversidade e heterogeneidade dos grupos e

interesses entram em constante confronto em relação aos seus objetivos e meios de ação.

Sendo o Estado um ator importante, mas não o único a ser considerado, já que as políticas

públicas podem e precisam ser influenciadas por grupos de interesses materiais ou simbólicos.

Isso foi possível perceber pelas lutas travadas ao longo da história por direitos e democracia,

como também pelo fato do Estado no Brasil ser um ator central. Quanto ao fetichismo da

decisão, anteriormente as políticas públicas eram estudadas em termos apenas de escolha. No

entanto, elas podem se dissolver na ação coletiva.

Neste sentido, por um lado, a ação pública visa contribuir com as transformações

sociais, com a solução de conflitos, com a conciliação entre diferentes grupos de interesses.

Por outro lado, precisa pensar na distribuição dos recursos, na criação e/ou compensação das

igualdades. Então, neste diapasão, “a interação entre autoridades públicas e atores mais ou

menos organizados é um aspecto central das políticas públicas” (LASCOUMES e LE

GALÈS, 2012, p. 52).

Considerando a discussão acima, concluo que a ação pública só tem possibilidade de

realizar-se a partir de estados democráticos e governos abertos, pois é a partir daí que se pode

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pensar as novas relações entre o Estado e a Sociedade. Por isso, desde o início indiquei a

democracia radical como alternativa. Como foi destacado, as portas para participação na

política só abriram no Brasil, a partir das lutas realizadas ao longo de sua história, e que

lograram êxito com a Campanha das Diretas Já em 1984. A Campanha das Diretas culminou

com a promulgação da Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã.

Então, foi só a partir dessas lutas que o Estado começou a respeitar e pensar em garantir

espaços de participação do povo brasileiro.

Assim, se pôde começar a participar de forma organizada das decisões públicas, que

eram realizadas, unicamente, pelo Estado. Decisões que estavam quase sempre, em

conformidade com os interesses de lucro e de ganho do capital da classe dominante. Nesse

sentido, pensar na possibilidade da ação pública no Brasil e na democracia de forma mais

ampla e geral, só é possível a partir da década 1980. Este foi o período em que começaram os

avanços em relação a democracia e a participação social, nos rumos das decisões em políticas

públicas.

A conquista da garantia da participação social na gestão pública, nas decisões do que

fazer ou não no âmbito das políticas públicas é fator determinante para a consolidação da

democracia de um país. Só existirá sistemas democráticos quando houver participação

popular ampla, das pessoas e da sociedade civil, e assim faz-se possível a ação pública e a

democracia radical. Nesta pesquisa, o foco foi a relação desenvolvimento e educação, então

seguirei por essa trilha e por meio da desigualdade e do mediador dinheiro.

No campo educacional, os movimentos em defesa da educação por meio do Fórum da

Educação na Constituinte lançaram o Manifesto em Defesa da Escola Pública e Gratuita

(FÓRUM DA EDUCAÇÃO, 1987). No Manifesto reivindicavam o fim das concepções

técnico-burocráticas da gestão escolar (advindas das novas pedagogias) e a especificidade do

trabalho na escola. De acordo com Saviani, esses movimentos estavam preocupados com a

organização de uma escola democrática que denunciasse e extinguisse a estrutura

hierarquizante e autoritária que não permitiam o exercício de relações pedagógicas dialógicas,

ou seja, uma organização em oposição às relações de poder e submissão que prevalecia nas

escolas (SAVIANI D. , 1992); (SAVIANI D. , 2008).

Esta concepção, adotada no Manifesto pelo Fórum da Educação na Constituinte,

estava em franca oposição ao movimento privatista que defendia verbas públicas para

escolas particulares. Enquanto os adeptos do Fórum, defendiam a escola pública e gratuita

em todos os níveis. Nesse sentido, publicaram um Manifesto em defesa da escola pública e

gratuita, assim chamado em respeito aos educadores do Manifestos de 1932.

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Os problemas centrais da educação no Brasil são o descompromisso do poder público com a educação e a privatização do ensino, resultante do baixíssimo nível de escolaridade da população. Fugindo à sua responsabilidade social com o ensino e a produção do saber, o governo desenvolve uma política educacional que favorece o empresariamento do ensino, tratado como mercadoria (FÓRUM DA EDUCAÇÃO, 1987).

O Manifesto reivindicava a educação para todos e a ampliação do espaço democrático,

por meio da gestão democrática e do financiamento público da educação pública. Afirmava

que o ensino deveria ser voltado para o desenvolvimento da capacidade de pensar, julgar e

agir. A escola teria que ser pública, gratuita, democrática e de boa qualidade. A universidade

teria que ser pública, gratuita, autônoma, democrática e competente, para cumprir o papel de

agente da soberania cultural, científica, artística e tecnológica do país.

O Manifesto adotou os seguintes princípios:

Ø A educação é direito de todo cidadão, e o ensino deve ser público gratuito e laico em

todos os níveis.

Ø O governo federal destinará para o ensino público e gratuito nunca menos de 13%, e

os outros governos aplicarão, no mínimo, 25%.

Ø As verbas públicas destinam-se exclusivamente às escolas públicas.

Ø A democratização da escola quanto ao acesso, permanência e a gestão.

Ao observarmos os princípios acima, pode-se perceber que três deles expressam

relação direta como o nosso ator rede. As reinvindicações por investimento, indicam o baixo

índice de investimento no âmbito da educação básica no Brasil. Sendo este um processo

histórico, e como já visto, estruturado com base nas desigualdades de raça, renda, classe e

gênero. Ainda de acordo com o manifesto, Oito milhões de crianças em idade escolar estão fora do sistema educacional. Trinta milhões de brasileiros são analfabetos. São poucos os filhos de trabalhadores que continuam seus estudos além de algumas séries iniciais. O descaso com a educação e o desvio de recursos governamentais para os estabelecimentos particulares vêm prejudicando a qualidade do ensino público, que continua apresentando carências crônicas e dramáticas (FÓRUM DA EDUCAÇÃO, 1987).

O Fórum e o Manifesto podem ser vistos como resultados políticos da IV Conferência

Brasileira de Educação (CBE), realizada em Goiânia um ano antes, em setembro de 1986. Na

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conferência foram discutidos e propostos 21 princípios básicos38, a serem inscritos na

Constituição. A Conferência foi organizada e convocada pela ANDE, ANPED e CEDES, teve

cinco mil participantes, vindos de todos os estados do país. A temática central, foi a

problemática educacional brasileira, tendo em vista a formulação e indicação de propostas

para a nova reforma Constitucional.

Na Carta de Goiânia da IV CBE, assim está descrito, Dados divulgados pelo próprio Governo Federal mostram que cerca de 60% dos brasileiros encontram-se em estado de extrema pobreza material, em contraste com uma minoria de grupos privilegiados que detêm o usufruto privado da riqueza que é social. Isso significa que as aspirações da coletividade pela democracia econômica, social e política são obstaculizadas por uma organização social injusta e, em decorrência, por políticas governamentais incapazes de promover a justiça social. Persiste uma política econômica, e particularmente salarial, marcada pela distribuição desigual da renda, cujas expressões são a questão agrária e a violência social contra os trabalhadores rurais; o enorme endividamento externo; a dívida pública; o precário atendimento às necessidades de escolarização da população e a outras necessidades sociais como saúde, assistência e previdência social (IV CBE, 1986).

Além das críticas a história política, econômica e educativa e reivindicações,

estabelece seu compromisso com a educação. Neste momento em que a Nação se prepara para eleger seus representantes ao Congresso Constituinte, os educadores brasileiros renovam sua disposição de luta, exigindo que os problemas educacionais sejam tratados de maneira responsável e coerente, tendo em vista as reais necessidades e interesses da população. Os participantes da IV Conferência Brasileira de Educação reivindicam, assim, que a nova Carta Constitucional consagre os princípios de direito de todos os cidadãos brasileiros à educação, em todos os graus de ensino, e o dever do Estado em promover os meios para garanti-la. Ao mesmo tempo, comprometem-se a lutar pela efetivação destes princípios, organizando-se nas suas entidades, exigindo compromissos dos candidatos às Constituintes a nível federal e estadual e cobrando o cumprimento das medidas propostas para a democratização da educação (IV CBE, 1986).

Esta luta, aliada a outras tantas que ocorreram nessa e em diferentes épocas pelo país,

visava garantir a igualdade de direitos no acesso à educação e, em consonância com o nosso

ator-rede, no investimento nesse campo na Constituição promulgada em 5 de outubro de

1988. Quando vemos a relação dessa com as Constituições anteriores, essas nunca fizeram

menção, por exemplo: a permanência na escola, ao pluralismo das ideias, a valorização dos

trabalhadores da educação, à gestão democrática. Em matéria de educação, tudo isso foi

inscrito na Carta Magna de 1988, por meio dos dispositivos apresentados abaixo:

38 FLOBONETO. Carta de Goiânia IV CBE – 2 a 5 / 09 / 1986 . Disponível em: <http://www.floboneto.pro.br/_pdf/outrosdoc/cartadegoi%C3%A2nia1986_4cbe.pdf>. Acesso em: 06/09/2018.

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No artigo 205, a educação é vista como direito de todos e dever do Estado e da

família. Se percebe no artigo ainda, que foi registrado além do dever do Estado, o dever da

família e a colaboração da sociedade, e esses últimos não constam da reivindicação do

Manifesto de 1986, que inscreveu este dever unicamente no âmbito do Estado. Percebe-se no

artigo 206, que se conseguiu inscrever na lei, dentre outras coisas, a gratuidade, igualdade no

acesso e a permanência, pluralismos de concepção pedagógica, valorização dos

profissionais de ensino e padrão de qualidade. Pontos que estão em acordo com as

reinvindicações dos Manifestos de 1871, 1932, 1959, 1986 e 1987.

No artigo 207, as universidades garantiram a autonomia na gestão e os princípios de

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, dando um grande salto do ponto de vista

do ensino superior com essas garantias. No artigo 208, se registrou a obrigatoriedade do

ensino fundamental, a todas as pessoas brasileiras, como também, de forma gradativa se faria

a universalização do ensino médio. O acesso ao ensino público gratuito e obrigatório passa a

ser um direito subjetivo. Por fim, registrou a realização de censo escolar.

A luta por uma escola pública, gratuita e laica, questão historicamente discutida e

com manifestações favoráveis, desde o Manifesto de 1932 e sua discussão na Constituição de

1934, não logrou vitória e restou no artigo 209, a livre iniciativa privada. A igreja, mais uma

vez, mostrou a sua força secular e garantiu no artigo 210, a continuidade do ensino religioso.

No entanto, o artigo garantiu que a população indígena possa estudar em suas próprias

línguas, sem deixar de aprender na língua portuguesa.

O artigo 211 da Constituição de 198839, foi totalmente reformulado após a LDB/1996

e as Emendas Constitucionais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, nos anos 2000. Na

década de 2000, a maioria destes artigos do Capítulo III, Seção I, tiveram reformulações, após

a luta da sociedade civil e a abertura de espaços de fala, negociação, consensos. Essas

mudanças serão discutidas e apresentadas posteriormente.

Em continuidade, o artigo 212 é importante, pois é o que apresenta os índices

mínimos de investimentos que devem ser aplicados a educação pelos Governos Federal,

Estadual e Municipal. É relevante observar que no que tange as receitas federais, o Fórum e o

Manifesto indicavam 13%, o governo aumentou a receita em 5%, e então, a União passou a

ter como teto mínimo 18%. No artigo 213, é possível perceber que os investimentos públicos

39 A discussão feita neste capítulo sobre as Constituições, leis, decretos e governos não desconsidera os avanços inscritos nos diferentes documentos e processos, mas tão somente pretendeu mostrar como essa dinâmica de participação não foi pautada pela ação pública (exceto os períodos que são destacados) e a participação foi gerenciada pelo Estado, devido a assimetria de poder entre os atores, principalmente, os trabalhadores.

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não se destinaram apenas para a escola pública, e assim, os 5% que se ampliou na receita

pode não representar quase nada para a escola pública, já que esse artigo, não descreveu o

percentual de investimento no setor privado.

No artigo 214, temos a indicação de lei complementar para a elaboração do Plano

Nacional de Educação (PNE), com o intuito de realizar e articular a LDB, já discutida e

apontada em quase todos os documentos, tanto do governo como do parlamento e da

sociedade civil. Importante destacar, que a elaboração do PNE é construída em articulação

com os planos nacionais de desenvolvimento desde a década de 1970 (DALLABRIDA,

2009).

Contudo, não se deve perder de vista, que mesmo os direitos estando inscritos em lei e

assim sejam oficiais, no Brasil, isso não significa a garantia real. Com a elite no poder e sendo

quase sempre a classe dominante, negociou seus interesses em prol dos avanços que se

faziam necessários para o desenvolvimento com foco no lucro do capital nas mãos de

poucos. Isso se refletiu nos artigos constitucionais, pois apesar de garantir educação para

todos, fator determinante para o desenvolvimento humano, social, político e econômico,

alguns artigos mantiveram os ideais privatistas e de baixo investimento na política pública

educacional.

Sendo importante registrar, também, que na luta em defesa dos interesses de classe os

esforços realizados pela classe trabalhadora não se refletiram em quantidade nos avanços

desejados, possivelmente em função da assimetria de poder entre o Estado, o Capital e o

Trabalho no Brasil. Entretanto, é instigante perceber, que a cada momento a organização da

classe trabalhadora vai aumentando e ganhando força política e poder de mudanças no jogo.

No Brasil, o campo da educação tem uma trajetória de lutas e conquistas, mas sempre

acompanhas de conflitos e disputas de interesse.

Nessa lógica, compreende-se que mais que discutir direitos, faz-se necessário a cada

dia participar da construção, implementação e monitoramento de políticas públicas, exigir a

garantia da sua implementação com destinação de investimentos, sem que os normativos

possam ser mudados à revelia de uma nova decisão política coletiva. Portanto, a luta é por

transformar a educação em política de Estado, em um estado ampliado por meio da ação

pública e da democracia radical com foco no desenvolvimento econômico, político e social.

Confirmando, mais uma vez que essas questões se situam no âmbito da política.

4.3.3 Ação pública, dinheiro e hegemonia: campos em disputa nos anos 1990

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Após o processo da constituinte, muitos educadores e especialistas da classe

trabalhadora em educação se organizaram, por meio Fórum Nacional em Defesa da Escola

Pública – (FNDEP), e com os resultados da IV CBE realizaram reuniões, audiências públicas,

seminários e encontros, para elaboração das propostas para a nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação.

A proposta construída foi assumida, no Congresso Nacional, pelo deputado federal

Octávio Elísio que tomou a iniciativa e propôs o Projeto de Lei - PL nº.1258, publicado no

diário da Câmara, em 29 de novembro de 1988. O projeto se referia às diretrizes e bases da

educação nacional da sociedade civil. (MELO e MARQUES, 2016). No entanto, com a

turbulência política no âmbito do governo e da política no Brasil, o governo a utilizou como

pretexto, e começou a sua manobra contra a aprovação da lei na forma proposta pelo PL.

Então, o projeto só começou a ser apreciado no governo Itamar Franco, pelo então ministro da

Educação, Murilo Hingel (1992-1995).

Nesse período, o Conselho Federal de Educação foi extinto, e o Conselho Nacional de

Educação (CNE) foi instituído. Esse instrumento de gestão ficou incumbido de normatizar as

leis educacionais, e realizar uma avaliação externa a ser levada adiante no âmbito do ensino

superior, em acordo com a da Lei n. 4.024/61, após redação dada pela lei n. 9.131/95. Essa

medida de criação do CNE, apoiada pela sociedade civil, colocou força nessa forma de

instrumento e institucionalidade para interpretar as leis educacionais, permitir o cumprimento

da ordem jurídica, e para a garantia do funcionamento dos sistemas educacionais (MELO e

MARQUES, 2016).

Enquanto no Brasil, o Estado era instigado, provocado pela sociedade civil que exigiu

e conseguiu participação no processo de mudanças políticas, econômicas e sociais, na

experiência internacional, começava a descrença no modelo de Estado de Bem-Estar Social.

O modo de produção capitalista, nos países desenvolvidos, questionava o papel do Estado na

condução da economia e nos direitos sociais. Era a onda conhecida e denominada de

neoliberal, que já vinha se revelando desde o início da década de 1980 e, que acabou por

influenciar e mudar o rumo das ações dos governos brasileiros, em especial, nos governos

Fernando Collor (1990/1992), Itamar Franco (1992/1995) e de Fernando Henrique (FHC) de

1995/1998 (ZANETTI, 1997).

Nesse quadro internacional e nacional tramitou o projeto de elaboração da nova LDB

de 1996. No entanto, antes de sua promulgação ocorreu muita controvérsia e foram lançados

vários dispositivos jurídicos, por parte do poder executivo, para que um projeto substitutivo

apresentado pelo Senado, por ser mais conciso e mais condizente com as ideais neoliberais,

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fosse a proposta vencedora. Essa luta revela a história da complexa dinâmica dos projetos em

disputa, em relação aos princípios que devem basilar a educação (MELO e MARQUES,

2016).

Por fim, após longo processo de negociação, se aprovou uma LDB/1996 bastante

hibrida, na qual não contemplou satisfatoriamente a sociedade civil que já vinha, a pelos ao

menos 8 anos, fazendo sistemáticas discussões e propostas (SAVIANI D. , 2016). A sociedade

civil havia acreditado nos discursos do Estado, em acolher e respeitar as suas propostas,

construídas a luz da Constituição, para a construção do modelo de educação do país. Em 13 de maio de 1993 é aprovado o Projeto da Câmara, sob n° 1.258/88. Apesar de não estarem totalmente contempladas, neste Projeto, as propostas dos diferentes segmentos que integram o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, consideramos da maior importância o processo democrático construído ao longo deste tempo, bem como, o resultado que é fruto dos limites e possibilidades deste mesmo processo. No Senado, em 1994, o projeto de LDB recebe o número PL 101/93 e a relatoria do Senador Cid Sabóia (PMDB-CE), iniciando-se, nesta Casa, novo processo de discussão e negociação. Após todo o trâmite legal, em 1995 a LDB está pronta para ser posta em Plenário. Em 30 de janeiro deste ano, vai ao Plenário do Senado, porém por falta de quórum não é votada (ZANETTI, 1997).

É importante observar, que começou a segunda edição do governo Fernando Henrique,

recém-eleito em 1994. Houve, ainda, mudanças nas representações parlamentares, e assim

ainda segundo a autora, houve uma manobra do MEC, que se utilizou de um

artifício regimental para não levar a lei para votação. De acordo com a autora, o Senador

Darcy Ribeiro (PDT/RJ), alegou inconstitucionalidade de uma série de artigos do PL 101/93,

na sua maioria referentes ao Conselho Nacional de Educação. Afirmou que considerava a

proposta discutida pela sociedade civil, detalhista e retrógada. (ZANETTI, 1997).

Com esse discurso e aliado ao MEC, o senador apresentou um projeto substitutivo.

Assim, o substitutivo proposto fez com que o de Cid Sabóia retornasse à Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e à Comissão de Educação do Senado. Neste

momento, as entidades da sociedade civil do Fórum iniciaram a luta pela rejeição do projeto

de Darcy Ribeiro e aprovação do projeto de Cid Sabóia. A luta na câmara dos deputados não

foi diferente.

Importante registrar o que disse Marques, em sua entrevista O Substitutivo do Deputado Jorge Hage aperfeiçoou a proposta que, depois de oito anos de tramitação, centenas de audiências públicas, milhares de emendas, aprovação nas Comissões de Educação e Justiça e no Plenário da Câmara Federal (tendo sido inclusive avalizada pelo Ministro Hingel no percurso), simplesmente virou pó. Sob alegação de inconstitucionalidade e diversas manobras regimentais, a “LDB da sociedade” foi substituída pela “LDB do Darcy”, que contou com a indelével coautoria do MEC, do então Ministro Paulo Renato. Essa história mancha fortemente a imagem da LDB de 1996 (MELO e MARQUES, 2016, p. 366).

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Haviam dois projetos tramitando pelo Congresso, e o campo civil e parlamentar

disputaram suas posições de modo vigoroso, sendo, segundo a autora, o projeto provindo da

Câmara bem mais analítico e o outro, advindo do Senado, extremamente sintético. Este

último, acabou sendo o vencedor, pois estava em conexão com as recomendações vindas do

Banco Mundial e de acordo com as ideias neoliberais (ZANETTI, 1997). Mas, mesmo assim,

a partir da LDB/1996 houve mudanças na Constituição.

Sendo relevante destacar que no governo Fernando Henrique Cardoso, Muitas reformas ocorridas no período FHC foram na contramão dos direitos e garantias conquistados na Constituição Federal de 1988. Como exemplo, a priorização do ensino fundamental na política de financiamento, via a instituição do FUNDEF, pela emenda à Constituição n. 14/06 e lei n. 9424/96. A criação de tal Fundo, bem como outras políticas de importância capital na distribuição das competências e responsabilidades entre os entes federados em matéria educacional, só foi possível mediante a Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996. Por meio da referida Emenda, o amplo direito à educação, do nascimento à conclusão do ensino médio, sem o limite de idade previsto na lei anterior, lei n. 5692/71, foi substituído pela prioridade no ensino fundamental (determinada, sobretudo, pela força do financiamento compulsório) e a progressiva universalização do ensino médio. Essa alteração constitucional marca a mudança de foco nas políticas educacionais coerentemente com o que ocorria no campo das políticas sociais. A partir de então, a vocação universal na condução de tais políticas afirmada na Constituição Federal de 1988 passa a ser substituída pela noção de priorização aos mais necessitados, a públicos-alvo específicos. O conjunto de reformas implantadas na educação brasileira nesse período resultou na reestruturação do ensino no Brasil nos seus aspectos relativos à organização escolar, à redefinição dos currículos, à avaliação, à gestão e ao seu financiamento. Especialmente na educação básica, as mudanças realizadas redefiniram sua estrutura. As alterações na legislação educacional brasileira consumaram essa nova reconfiguração, tendo como expressão maior a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, lei n. 9.394/96 (OLIVEIRA D. A., 2009, p. 200).

Mesmo com a vitória da proposta da LDB do Darcy e do MEC, no âmbito da LDB/96,

a sociedade civil não parou por aí e imediatamente reagiu. Com base do art. 87 da nova LDB

9.394/96 e no art. 214 da Constituição Federal de 1988, “que atribui à sociedade a elaboração

do PNE” (II CONED, 1997). A Comissão Organizadora do II Congresso Nacional de

Educação (CONED), elaborou uma proposta de Plano Nacional de Educação, por meio da

sistematização das discussões feitas no I e II CONED, nos Conads, em encontros e seminários

por todo o país. A proposta foi o resultado do II CONED.

De maneira categórica registrou, Neste PNE, defende-se a instituição de um Sistema Nacional de Educação para o Brasil, concebido como expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação, tendo como finalidade precípua a garantia de um padrão unitário de qualidade nas instituições educacionais públicas e privadas em todo o país. Compreende os Sistemas de Educação Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, bem como outras instituições, públicas ou privadas, prestadoras de serviços de natureza educacional, aqui incluídas as instituições de pesquisa científica e tecnológica, as culturais, as de ensino militar, as que realizam experiências populares de educação, as que

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desenvolvem ações de formação técnicoprofissional e as que oferecem cursos livres (II CONED, 1997, p. s/n)

Entretanto, todo processo de mudanças tem relações internas e externas, e o

movimento de reformas realizado pelo governo de Fernando Henrique, segundo Oliveira

(2009), optou por acompanhar a tendência em nível mundial, como também o já tinha feito o

governo de Fernando Collor e Itamar Franco. Os autores que discutiram as tendências em

perspectiva internacional, confirmaram que as mudanças, em nível mundial, estavam

ocorrendo nas relações entre as políticas, os governos e a educação, “assim como

identificaram o que nomearam de “a nova ortodoxia”, caracterizando-a em cinco elementos

fundamentais” (OLIVEIRA D. A., 2009, p. 110), a saber: 1. A melhoria da economia nacional por meio do fortalecimento dos vínculos entre escolaridade, emprego, produtividade e comércio. 2. A melhoria do desempenho dos estudantes nas habilidades e competências relacionadas ao emprego. 3. A obtenção de um controle mais direto sobre o currículo e a avaliação. 4. A redução dos custos da educação suportados pelos governos. 5. O aumento da participação da comunidade local a partir de um papel mais direto na tomada de decisões relacionadas com a escola e através da pressão popular por meio da livre-escolha de mercado (OLIVEIRA D. A., 2009, p. 200).

Com essas conjunturas de cunho neoliberal foi possível perceber lutas, avanços e

recuos econômicos, políticos e sociais, e assim o Brasil entra no século XXI.

4.4 ESTADO, DEMOCRACIA E INVESTIMENTOS NA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI

Os elementos acima descritos podem ser observados nas reformas educativas postas

em prática no Brasil, desde os anos de 1930 com continuidade nos anos de 1990. A condução

de tais reformas era justificada, a cada vez, pela necessária modernização e desenvolvimento

do país que carecia de força de trabalho mais bem qualificada e adequada aos novos processos

de reestruturação produtiva. O foco seria na formação e escolarização de força de trabalho,

então é com essa ótica e por meio do ator-rede dinheiro que descrevo as mudanças ocorridas

na legislação educacional brasileira e sua relação com o Estado e a democracia.

As lutas e disputas se sucederam nos governos da década de 1990, de Fernando Collor

de Mello40 e Fernando Henrique Cardoso, e depois continuaram nos anos 2000 nos governos

de Fernando Henrique Cardoso, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Nesses

períodos, a partir de 1995, a sociedade civil conseguiu avanços, inclusive mudanças

40 Não se percebe mudanças na educação no governo Itamar Franco que durou de dezembro de 1992 a janeiro de 1995

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constitucionais, após debates extensivos, reuniões audiências públicas, conferências (II

CONED, 1997). A seguir, no tocante à educação, apresento as mudanças nos artigos e

parágrafos da Constituição, ocorridas durante os três governos, advindas dos conflitos e

disputas entre os interesses de classe41.

O artigo 206, mudou após a Emenda Constitucional nº 53, de 2006, e assim o ensino

público passou a ser ministrado com base, também, nos princípios da valorização dos

trabalhadores da educação escolar, com a garantia dos planos de carreira, com ingresso

exclusivamente por concurso público. Ficou estipulado a criação de um piso salarial

profissional nacional para os trabalhadores da educação escolar pública (BRASIL, 2018).

Com essas medidas é possível perceber que as pautas de interesse da sociedade civil e

dos trabalhadores da educação começam a ser garantidas por lei e passíveis de controle social.

Pois, o governo, em consonância com a sociedade civil, começou a criar instrumentos de

gestão pública como o Fórum Nacional de Educação (FNE), e ampliar os espaços de fala e de

construção das políticas públicas de educação.

No artigo 207, a Emenda Constitucional nº 11, de 1996 estendeu o princípio da

autonomia e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão das universidades às

instituições de pesquisa científica e tecnológica, além de facultar às universidades a admissão

de professores, técnicos e cientistas estrangeiros (BRASIL, 2018). Do ponto de vista do

desenvolvimento tecnológico e científico essas mudanças representaram avanços nas relações

com universidades e institutos, tanto em nível nacional quanto internacional.

Os artigos constitucionais 208 a 212, e suas reformulações de acordo com o ator-rede

estão ligados diretamente as necessidades de financiamento e investimento públicos, que

precisam ser garantidos no orçamento para que se possa cumprir a lei. Historicamente,

tivemos muitos acordos coletivos e direitos garantidos em documentos e em leis no âmbito

da educação, e que até hoje não foram efetivados. É a isso que se referiu Anísio Teixeira

(1962), em seu texto sobre os valores proclamados e valores reais. No entanto, a luta pela

garantia destes direitos foi realizada pela sociedade civil que acabou por encontrar nos

governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, uma responsabilidade maior com a

reformulação das leis que levassem em conta os seus interesses de classe trabalhadora e o

cumprimento dos acordos e direitos constitucionais, e como poderá ser visto, por meio da

ação pública.

41 Optou-se por registrar os resultados concretos após as lutas de interesses porque esses têm relação direta com os manifestos e leis. A opção se fez também, pois ao seguir os traços e as traduções de nosso ator-rede o mesmo me guiou esse caminho.

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As mudanças sugeridas no artigo 208, foram a progressiva universalização do ensino

médio gratuito por meio da Emenda Constitucional nº 14, de 1996. Já pela Emenda

Constitucional nº 53, de 2006 foi prevista a educação infantil, em creche e pré-escola às

crianças de até 5 (cinco) anos de idade. Por meio da Emenda Constitucional nº 59, de 2009,

ficou previsto que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia da

educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, como

também assegurou sua oferta gratuita aos jovens e adultos. Indicou o atendimento ao

educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de

material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 2018).

Tais mudanças estão em consonância com reinvindicações inscritas nos diferentes manifestos.

Essas mudanças indicam ainda, que será preciso aumentar os investimentos financeiros na

educação.

Nessa ótica, no artigo 212, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de

2009 ficou previsto que a União aplicará anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados,

o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante

de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e

desenvolvimento do ensino. Assegurou que a distribuição dos recursos públicos dará

prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a

universalização garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do PNE (BRASIL,

2018).

A educação básica pública por meio da redação da Emenda Constitucional nº 53, de

2006, terá fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, e

será recolhida pelas empresas na forma da lei. Indicou que as cotas estaduais e municipais da

arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas

proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas

redes públicas de ensino (BRASIL, 2018).

Como uma das metas para o desenvolvimento da educação, meta em acordo com as

reivindicações da sociedade civil desde o Manifesto de 1932 e articulada com o

desenvolvimento do país, em seu Art. 214, a lei previu o estabelecimento do Plano Nacional

de Educação (PNE), com duração decenal e objetivo de articular o sistema nacional de

educação em regime de colaboração. Para isso deverá definir diretrizes, objetivos, metas e

estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino

em seus diversos níveis, etapas e modalidades com ações integradas dos poderes públicos das

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diferentes esferas federativas que conduzam. Tais propostas de ação foram advindas da

Emenda Constitucional nº 59, de 2009 (BRASIL, 2018).

Percebe-se que, principalmente, no governo Luiz Inácio Lula da Silva de 2003-2010,

algumas das reivindicações históricas descritas nos manifestos se fizeram presentes, inclusive,

com mudanças no texto Constitucional. Apesar de tudo isso, as mudanças realizadas não

foram suficientes para a transformação necessária das bases que estruturaram a educação.

Mesmo considerando que as mudanças não se centraram nessas bases é relevante destacar que

trouxeram resultados sociais relevantes, tais como as políticas afirmativas, as exigências da

educação para o acesso ao bolsa família, o Piso salarial, a valorização dos professores.

Outra mudança percebida, foi o aumento na fonte de financiamento da educação pública

com o salário-educação. No entanto, o art. 213 da Constituição se manteve na íntegra, e

continuou a garantir dinheiro público para iniciativa privada (BRASIL, 2018).

Analisando as reivindicações e lutas expressas nos manifestos em consonância com as

leis vistas como resultados dessas disputas no âmbito da sociedade brasileira, as mudanças

constitucionais tais como, as previstas nos artigos 213 e 214, por exemplo, é possível afirmar

que quando os atores entram em campos de disputas por políticas públicas deixam, muitas

vezes, bem claros os seus interesses e sua capacidade de organização e de conciliação. Mas,

em acordo também com o estudo realizado com os manifestos e as leis, nem sempre o que

está garantido é cumprido.

Todavia, no jogo de interesse político brasileiro, o que fica estabelecido tem trazido

resultados mais favoráveis às classes dominantes, em especial a elite conservadora e

burguesa, mesmo quando historicamente a classe trabalhadora tem feito a luta em sentido

contrário. Esse é o caso do artigo 213 da Constituição, em que restou garantido o

investimento público na iniciativa privada. Aqui, mais uma vez o Estado revelou a sua

capacidade de garantir os interesses do capital.

Essa garantia de ganhar o jogo para a classe dominante brasileira, tem sido

potencializada pelas decisões dos governos tanto nos períodos militares quanto na

democracia. Os acontecimentos no processo de elaboração da LDB, Lei 9.394 de 1996, por

exemplo, não garantiu as discussões democráticas realizadas por meio dos instrumentos de

ação pública criados para esse fim. No momento de sua aprovação, segundo Melo e Marques,

(2016, p. 2), “a manobra feita no parlamento em conjunto com o MEC mudou o documento e

aprovou outro que não foi validado pela sociedade civil”. Assim, é pertinente considerar a

democracia no Brasil como um processo em transição e que precisa se consolidar, por meio

da ação pública e da democracia radical. Entretanto, apesar disso tudo, a sociedade civil

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conseguiu garantir alguns dos seus interesses políticos e econômicos, isso se pode observar

com o descrito no artigo 214 da Constituição.

Além disso, o Brasil se desenvolveu sob a égide do capitalismo mundial. Como

registrado no capítulo 2, esse modo de produção tem por caraterística estabelecer relação

desigual entre classes e entre os países, em especial, com as colônias. Esse modo de

desenvolvimento desigual se reproduziu em nossa sociedade, como observado no capítulo 3.

Então, o resultado foi historicamente, a péssima distribuição de renda, o latifúndio e as

desigualdades (LOWY, 2015). Desta forma, o processo de redemocratização representou

muito mais uma transição política de um regime para outro do que transformações efetivas,

pois a democracia no país, em que pese ter sido propulsora de mudanças foi incapaz de

promover alterações estruturais nas bases políticas, econômicas e sociais.

É significativo recordar, que com a eleição do primeiro governo de Luiz Inácio Lula

da Silva (2003), o entusiasmo com a democracia, a política e as mudanças voltou com

bastante força, (OLIVEIRA D. A., 2009), especialmente para os trabalhadores da educação.

Nesse governo, que começou a partir de 2003, foi construída uma trajetória focada na ação

pública para discutir e tentar cumprir a Constituição, na qual ficou instituída, dentre outras

ações, políticas e espaços de participação, como já citados, na construção das políticas de

educação.

É possível observar nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e de

Dilma Rousseff, (2011- 2016) a construção de espaços políticos de ação pública, com

números concretos do investimento feito na educação pública, e de posse dos dados da

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 201442, ao afirmar que

o número de matrículas de crianças de quatro anos de idade teve um salto de 24%, de 2005 a

2014, e atingiu o percentual de cobertura de 61% da população nessa faixa-etária.

As ações dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, com o Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), garantiram a ampliação da duração do

ensino fundamental para nove anos, com quase 100% das crianças de 6 a 14 anos na escola e

a alfabetização de crianças até oito anos de idade. Além da obrigatoriedade do ensino dos 4

aos 17 anos (OCDE, 2014). Importante ressaltar, mais uma vez, que todas essas mudanças

dependeram e dependem de planejamento e investimento financeiro.

42 OECD. Regards sur l’éducation 2014. Disponível em: <http://www.oecd.org/education/Regards-sur-l'education-2014.pdf>. Acesso em: 06/09/2018.

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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013), o Programa

Brasil Alfabetizado, criado em 2003, voltado para jovens, adultos e idosos, reduziu a taxa de

analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos de 11,5% em 2004, para 8,3%, em 2013.

Este programa, atendeu cerca de 14,7 milhões de jovens e adultos entre 2003 e 2012. Foram

instituídos programas dirigidos à juventude, tais como o ProJovem43 e o Primeiro Emprego44,

revelando que o setor da educação exerceu papel fundamental na implementação de

programas sociais e no gasto com a educação dirigidos aos mais pobres, como também a

centralidade no investimento financeiro, nesses governos (BRASIL, 2014)

No ensino superior, percebe-se o foco na valorização e na ampliação no acesso. A Lei

das cotas, instituída em 2012, permitiu e permite maior acesso de estudantes negros, indígenas

e vindos de escolas públicas nas instituições federais. Sendo relevante registrar que nesse

período, foram criadas 18 universidades federais que atendeu 1,27 milhão de estudantes de

baixa renda. (BRASIL. MEC, 2014). O Ciência sem Fronteiras ofereceu, em dinheiro, mais

de 100 mil bolsas de estudo no exterior para áreas tecnológicas, de engenharia, exatas e

biomédicas. Houve ampliação do ensino técnico e tecnológico no País. Com o Programa

Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), o número de escolas técnicas passou de

140 em 2002, para 562 escolas técnicas federais construídas até 2014 (BRASIL. MEC,

2014); (CAPES, 2012).

Nessa busca, mediada pelo ator-rede dinheiro, foi possível perceber ainda, que a

reinvindicação pela valorização dos professores que vem desde o Manifesto de 1871, foi

considerada e apresentou algumas ações concretas. Em relação ao piso salarial nacional do

magistério, o Pacto pela Educação, firmado em 1994 no Palácio do Planalto, previa a fixação

de um piso salarial para todos os professores do país. Tal fato ocorreu, apenas, em 1º de

janeiro de 2010 (BRASIL. MEC, 2014). O piso salarial da categoria passou de R$ 950, em

2009, R$ 1.024,67 em 2010, e R$ 1.187,14 em 2011, para R$ 1.451, em 2012. No ano de

2013 chegou a R$ 1.567, até ser atualizado para R$ 1.697,39, em 2014. No ano de 2016, o

valor foi reajustado em 13% e chegou a R$ 1.917,78 (BRITO, 2016). No entanto,

Em abril de 2013, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) realizou um levantamento referente ao cumprimento da Lei do Piso e verificou que a maioria dos Estados não cumpria a lei, em sua integralidade. Em 2014, a lei do piso

43 Lei n. 11.129, de 30 de junho de 2005. Instituiu o Programa Nacional de Inclusões de Jovens – ProJovem. Programa emergencial e experimental destinado a executar ações integradas que propiciem aos jovens brasileiros, na forma de curso previsto no art. 81 da lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, elevação do grau de escolaridade visando à conclusão do ensino fundamental. 44 Lei n. 10.748/2003 criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens – PNPE.

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ainda não é respeitada por 07 Estados brasileiros. E outros 14 Estados não cumprem integralmente a lei, o que inclui a hora-atividade, que deve representar, no mínimo, 1/3 da jornada de trabalho do professor. Apenas Acre, Ceará, Distrito Federal e Tocantins cumprem a lei na totalidade (BRITO, 2016, p. 129).

Entretanto, a valorização da educação foi uma ação perceptível. No Censo Escolar de

2012, a formação de professores da educação básica aumentou em 10%, em 2007 dos

1.882.961 professores, 68,4% tinham nível superior, no ano de 2012, o percentual subiu para

78, 1%, dos 2.095.013 professores atuantes na rede de ensino. (SCHEIBE, 2016).

Essa ação atingiu ainda, à pós-graduação, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (CAPES), nos últimos 12 anos, houve um aumento de 187%

na concessão de bolsas de pós-graduação. As bolsas concedidas pela CAPES, para os

cursos de mestrado, passaram de 13 mil, em 2002, para mais de 43 mil, em 2012. Nos cursos

de doutorado, a oferta passou de 10 mil bolsas, para 27 mil, em 2012. No computo geral,

foram oferecidas mais de 127 mil bolsas de pós-graduação pela CAPES, em todas as

modalidades (CAPES, 2012).

Portanto, a educação foi uma área em que muito se investiu entre 2000 e 2014. Além

dos programas já citados, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic),

houve financiamento Estudantil (Fies), Programa Universidade para Todos (Prouni), além da

atuação política na aprovação de leis, também já citadas, como por exemplo, o piso salarial

dos professores e o I PNE (2001).

Em relação ao Prouni houve inclusão, mas deixou a desejar na qualidade. Foi um

programa em que os recursos financeiros beneficiaram substancialmente as instituições

privadas (ALMEIDA, 2014). Ainda de acordo com o autor, os seus resultados são

questionados porque, por um lado, as instituições de ensino superior privadas não entregaram

a qualidade esperada; por outro lado, o governo não criou mecanismos de regulação,

fiscalização e controle. O Fies tendeu para o mesmo caminho. Percebeu-se que o ensino

médio não conseguiu ser universalizado, mesmo com a garantia prevista na Lei nº 12061/09,

pois foi fazendo adequações que estavam mais em consonância com as demandas do

mercado de trabalho do que com a formação integral, em uma escola única e emancipadora.

Contudo, percebe-se que nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff

(2003/2016), se ampliou o investimento em educação no orçamento federal. De acordo com

(BRITTO, 2015), cresceu 223%, sendo multiplicado de R$ 18 bilhões, em 2002, para R$

115,7 bilhões, em 2014. Criado em 2014, o segundo Plano Nacional de Educação (II PNE)

traçou diretrizes para a educação no Brasil até 2024. Entre as metas estão o investimento de

7% do PIB no quinto ano, e 10% no final dos dez anos. Pois o primeiro I PNE, que foi

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aprovado e instituído em 2001, passou por muitas mudanças dentro do Congresso e do

executivo, e não respeitou as contribuições da sociedade civil (CONAPE, 2018). Em

conformidade com a autora, o I PNE,

Foi marcado por fortes embates entre as propostas encampadas pela sociedade civil e movimentos ligados a educação e as propostas do governo federal. De fato, dois projetos alternativos tramitaram em conjunto, e o texto final sancionado em 2001, apesar de incorporar algumas metas do plano defendido pela sociedade, acabou consagrando a maior parte do texto enviado pelo Executivo. Além disso foram vetados aspectos considerados cruciais para a sustentação financeira das metas, como a previsão de gastos em educação se elevassem a 7% do produto interno bruto (PIB) (BRITTO, 2015, p. 21).

Dessa forma, o I PNE não teve legitimidade e nem deu grandes contribuições a

educação brasileira, mesmo com uma duração de 10 anos. Em 2009, se iniciaram as

discussões do II PNE, por meio da Emenda Constitucional (EC) no. 59 com inclusão, como já

visto, no art. 214 da Constituição. Este contou com a realização e a contribuição da

Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010, com mais de 3 mil delegados, e com a

participação dos atores sociais do campo da educação. Embora, toda a trajetória e o

planejamento das ações políticas e propostas tenham sido construídas por meio dos consensos

entre os interesses em disputa. Não muito diferente dos governos anteriores, a proposta

enviada para a Câmara estava aquém das discussões realizadas e propostas feitas durante os

debates (MANIFESTO CONAPE, 2017).

No entanto, em relação ao planejamento do investimento em educação, a emenda

constitucional nº 59, tornou obrigatório o estabelecimento de meta de aplicação de recursos

públicos em educação como proporção do PIB. No Plano Nacional de Educação (I PNE) de

2001-2010, estava prevista para atingir o mínimo de 7%, a elevação do percentual de gastos

públicos em relação ao PIB, aplicados em educação. O valor saiu de 4,6%, em 2003, para

6,2%, em 2014. O investimento por aluno no período saiu de um patamar de R$ 2.213,07,

em 2003 para R$ 6.203, em 2014 (BRITTO, 2015).

Além dessas ações, e seguindo os traços de nosso ator-rede, houve a criação do Fundo

da Educação Básica (FUNDEB), que multiplicou por dez a complementação da União que

visava equalizar o investimento por aluno no país, além de incluir as matrículas da educação

infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos, que era restrita ao ensino

fundamental regular. Quanto a repartição e a abrangência do salário-educação: os recursos

do FUNDEB passaram a ser repartidos entre Estados e municípios pela matrícula e

diretamente aos entes federados. Os recursos do salário-educação foram duplicados e

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passaram a ser destinados para financiar toda a educação básica, da creche ao ensino médio,

e não só o ensino fundamental (BRASIL, 2014).

Em resumo, os governos de 1996 a 2001 e de 2003 a 2016, no campo da educação

alteraram, significativamente, alguns dispositivos constitucionais que eram de extrema

relevância para os avanços das políticas públicas no campo da educação. As gestões do

governo brasileiro de 2003 a 2016, como visto, ampliaram substancialmente o investimento

financeiro na educação. E tudo o que se fez foi começar a planejar e executar por meio da

ação pública, que contou com os atores envolvidos, com seus interesses de classe e em

frequentes campos de disputas. Entretanto, foi possível observar que os governos atuaram no

sentido de fortalecer por meio do Estado a ação pública, ao tentar garantir as demandas da

sociedade civil e dos trabalhadores da educação. Por outro lado, fortaleceu, ainda mais, o

ensino privado e o empresário das escolas e universidades ao utilizar investimentos públicos

nesse ator.

Portanto, nas duas últimas décadas tivemos governos que focaram fortemente na visão

de desenvolvimento, com espaços de participação da sociedade civil no planejamento das

políticas públicas e com visão prospectiva mais abrangente, ao menos no campo da educação.

Importante assinalar que a concepção de planejamento na educação brasileira é bastante

recente, embora proposta a partir da década de 1930, já no Manifesto dos Pioneiros da

Educação e foi bastante enfatizada no Manifesto dos Educadores de 1959. Com concepções e

metas distintas, o planejamento no âmbito da educação está presente desde essa época, mas só

nas duas últimas décadas trabalhou com a ação pública na política. Portanto, o planejamento

em educação foi e ainda é uma concepção em disputa e construção. Nota-se adiante, que

depois de 1930 voltou a ser tema na década de 1960. Atendendo àquelas normas legais, o Conselho Federal de Educação elaborou em 1962 um documento (Brasil 1962) em que procurou, numa primeira parte, traçar as metas para um Plano Nacional de Educação e, numa segunda parte, estabelecer as normas para a aplicação dos recursos correspondentes aos Fundos do Ensino Primário, do Ensino Médio e do Ensino Superior. A partir de 1964 o protagonismo no âmbito do planejamento educacional se transfere dos educadores para os tecnocratas, o que, em termos organizacionais, se expressa na subordinação do Ministério da Educação ao Ministério do Planejamento cujos corpos dirigente e técnico eram, via de regra, oriundos da área de formação correspondente às ciências econômicas (SAVIANI D. , 1999, p. 128).

Então, se pode perceber que mesmo com todos os avanços no quesito planejamento

das políticas públicas na educação nos últimos 10 anos, ainda precisamos avançar e fortalecer

a ação pública no âmbito da elaboração, avaliação, implementação e acompanhamento da

gestão pública no Brasil. Nesse sentido, a CONAE/2010 foi um passo importante para a

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garantia de que a participação social seria respeitada, e para isso houve a consolidação de um

documento norteador das ações de preparação do II PNE. Nesse mesmo ano, em 15 de

dezembro, o PL 8035/2010 (PNE – Plano Nacional de Educação) começou a tramitar no

Congresso para aprovação.

Diferentemente das ações políticas de outras épocas, os movimentos já sabiam que

precisariam fazer ações concretas junto aos parlamentares no Congresso para a aprovação das

propostas vindas do documento da CONAE (2010), tendo em vistas as históricas emendas aos

projetos, o orçamento da União, as controvérsias e os conflitos de interesses que envolviam a

temática do II PNE. O documento foi gerado por meio do consenso dos atores envolvidos na

discussão, Estado e sociedade civil. No entanto, as organizações da sociedade civil dos

trabalhadores, Por compreender que as possibilidades de sucesso nos embates que se travariam no parlamento dependeriam de musculatura política maior do que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação tinha, isoladamente, naquele momento, sua coordenação trabalhou para estruturar uma movimentação nacional que pudesse agregar novas adesões, a partir dessa temática específica. Constituiu-se, assim, o Movimento PNE pra Valer, uma ampla e plural articulação de instituições, redes de organizações, cidadãos e cidadãs que, individual ou coletivamente tomaram para si a tarefa de atuar nas pressões ao Congresso Nacional para que a lei de constituição do PNE refletisse as deliberações aprovadas na CONAE 2010, o princípio motor do Movimento (BODIÃO, 2016, p. 345).

Com toda essa discussão e exposição, poderá parecer que a luta se dá historicamente

entre Estado e sociedade civil, porém não é assim que vejo essa dinâmica. Em acordo com o

pensamento gramsciniano, ouso afirmar que no modo de produção capitalista, as contradições

fundantes se dão na relação capital e trabalho, e é essa a luta a ser travada pela classe que

produz a riqueza e o lucro no modo de produção capitalista. Essas duas categorias, estão em

uma unidade dialética e sofrem as influências das relações sociais que são, especialmente,

sensíveis e perceptíveis no âmbito do chão de sala, por meio dos programas, currículos,

formas de gestão e investimentos na política educacional. Portanto, disputam e também

realizam consensos no que tange as políticas públicas de educação, em especial, ao

planejamento, financiamento e investimento. No caso do Brasil, a maioria das vezes, os

consensos e lutas se realizam por meio do Estado. Diante disso, esse se tornou ator importante

e regulador fundante na relação.

Diante do exposto, é pertinente registrar que o nosso objeto de estudo, a relação

desenvolvimento e educação insere-se como parte desse contexto, sendo influenciado por ele,

e sobre ele exercendo influência. Historicamente, nos discursos dos governantes desde o

império e depois na república, estão registrados que a educação receberia uma atenção muito

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especial, em função de sua importância para o desenvolvimento do país, para a democracia e

para as pessoas. Nas muitas promessas feitas à população, especialmente, durante as

exposições dos planos de governo em debates eleitorais, a educação apareceu como o meio de

potencializar o desenvolvimento econômico, a democracia e para combater às desigualdades

sociais. No entanto, nessa dinâmica, como destacado nas discussões referentes ao campo da

educação, sente-se falta da ação pública e da democracia na maioria das políticas públicas dos

governos republicanos.

Nesse contexto, é importante pensar que as reformas na gestão das políticas públicas

sociais no Brasil, não ocorreram só no campo da educação, embora muitos estejam

diretamente ligados. O Programa Bolsa Família com repasse de renda direta e a exigência da

educação e da saúde como pré-requisito para recebimento dos valores, pode ser considerado

um excelente exemplo de políticas sociais de distribuição de renda e um sinal do

estabelecimento da relação entre a política educacional e o desenvolvimento, em função da

garantia de renda com elevação da escolaridade e o cuidado com a saúde das crianças no

Brasil.

Dalila de Oliveira (2009), nos revela que as ações dos governos desde meados da

década de 1990, partiram de um discurso que apontava para o atendimento universal das

necessidades dos que viviam na pobreza. Porém, no meio do caminho, a partir de meados essa

mesma década, passou-se a trabalhar com a ideia de públicos alvos específicos. Dessa forma,

o gasto social passou a ser com os grupos mais vulneráveis que não tinham acesso a renda.

Essas ideias, vieram no bojo das orientações econômicas e políticas exógenas de ajuste

estrutural, e levou a adoção generalizada de medidas de alívio à pobreza, tanto nos governos

de 1994/2002 quanto dos governos de 2003/2016 (OLIVEIRA D. A., 2009).

No entanto, na gestão do governo de 1994/2002 se utilizou da racionalidade técnica

como meio orientador das políticas sociais. Com a eleição da gestão do governo que se

iniciou em 2003, a esperança de seus apoiadores foi o rompimento com essa lógica. Porém,

em seus primeiros quatro anos de mandato pudemos perceber, de acordo com a autora, mais

permanências que rupturas nessa dinâmica. Para (OLIVEIRA D. A., 2009), a tônica observada

nos discursos e ações em relação a essas políticas foi assumida pelo governo de Luiz Inácio

Lula da Silva, recém empossado, pois o mesmo passou a adotar ações de inclusão social, ao

invés de garantir o direito universal à educação. Essa ação continuou na edição do governo de

Dilma Rousseff. Sendo este um de seus limites.

O governo, ao ser assumido em 2016, por Michel Temer, conforme será descrito no

próximo item, interrompeu a ação pública e as mudanças que vinham ocorrendo no campo da

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educação ao aprovar leis, tais como a Lei nº 13.415/16, portarias - Portaria MEC nº 727/17,

decretos Decreto (sem número) de 27 de abril de 201745, e propor emendas constitucionais

(EC 95/16), que tem enfraquecido cotidianamente a democracia, que ainda se encontra em

construção, e estabelecido um caminho de abertura neoliberal (a exemplo dos anos de 1990)

no que tange ao desenvolvimento nacional, com privatizações de empresas nacionais e cortes

nos gastos sociais, como já descrito anteriormente e apontado mais adiante no Manifesto da

CONAPE que será discutido.

Na atualidade, o governo brasileiro não apresenta alternativas de radicalização da

democracia e de ação pública que possam garantir o desenvolvimento e o crescimento

nacional negociado e pactuado. Do ponto de vista da relação entre classe e educação, está

cada vez mais próximo das orientações da Teoria do Capital Humano, ou seja, o trabalho e a

educação enquanto mercadoria e o fortalecimento da educação privada. Do ponto de vista

do desenvolvimento, a privatização e a abertura comercial é o modelo que vem sendo posto

em ação. Por isso, é relevante descrever e pensar a (des) atualidade nos caminhos da política e

da educação brasileira.

4.4.1 A nova velha face da política e da educação no Brasil: qual desenvolvimento? Qual

educação?

Do ponto de vista da sociedade civil organizada em torno das questões da educação, os

governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, como já descrito, realizaram

substanciais mudanças rumo a participação social, a democracia e indicaram as intenções em

resolver as questões históricas da educação, principalmente, com a CONAE/2010, o FNE e o

II PNE, que estava sendo elaborado junto com todos os atores envolvidos, por meio da ação

pública e coletiva (MANIFESTO CONAPE, 2017)

Então, após um golpe administrativo, o governo Temer tomou medidas no campo da

educação que foram de encontro aos avanços da construção feita nas duas últimas décadas.

Tal fato, gerou bastante controvérsia, pois os movimentos sociais já estavam mobilizados para

o trabalho com o II PNE. Porém, o governo federal publicou a Portaria nº 577/17 e o Decreto

(sem número) de 27 de abril de 2017, que convocou a CONAE e impôs, à revelia dos outros

45BRASIL. Decreto 57597 de 26 de abril de 2017. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/2017/decreto-57597-26-abril-2017-784646-publicacaooriginal-152411-pe.html>. Acesso em: 06/09/2018. Acessado em 16 de maio de 2018.

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normativos, uma nova composição do Fórum Nacional de Educação (FNE) que era o

coordenador da CONAE, e excluiu muitas entidades do FNE (ANPED, 2017).

Foi a partir desses atos governamentais, que algumas instituições da sociedade civil e

apoiadores da democracia na política, saíram do Fórum Nacional de Educação (FNE), criaram

o Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) e lançaram em 20 de junho de 2017, o

Manifesto em prol da democracia e da educação transformadora e convocaram a

CONAPE2018. O Manifesto, elaborado no âmbito da Comissão Executiva do Comitê

Nacional de Luta em Defesa da Educação Pública, evidenciou a conjuntura atual da educação

no país. Além disso, reafirmou e chamou a Conferência Nacional Popular de Educação

(CONAPE), como estratégia de resistência das entidades e organizações do campo

educacional, e de todos os que defendem a educação pública, gratuita e de qualidade

referenciada socialmente (MANIFESTO CONAPE, 2017).

A Comissão, abre o manifesto admitindo ter havido processos democráticos de

participação da sociedade civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, nas

etapas preparatórias realizadas em todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal),

e na realização da 2ª Conferência Nacional de Educação (CONAE/2014). As ações haviam,

segundo os signatários do Manifesto, contribuído inegavelmente com o avanço das políticas

de educação, especialmente, para o estabelecimento do Plano Nacional de Educação (PNE)

(2014/2024), como também, para a elaboração ou adequação (quando necessária) dos planos

estaduais/distrital e municipais de educação correspondentes, bem como para a sua

implementação e avaliação (MANIFESTO CONAPE, 2017).

Estas avaliações se encontram no documento final da 2ª Conferência, CONAE 2014.

O documento produzido constituiu-se como o principal subsídio para o processo de

mobilização e debate, permanentes, entre os trabalhadores da educação, o Estado e a

sociedade civil. No manifesto está descrita claramente a possibilidade de ampliação no

processo de decisão do Estado e a noção da emergência do compromisso com a criação do

sistema nacional de educação, Compromisso que passava não apenas pela implementação e avaliação do PNE e os correspondentes planos decenais discutidos e/ou aprovados pelas câmaras municipais e assembleias legislativas em todo o país, mas também pela institucionalização do Sistema Nacional de Educação. A perspectiva desse pacto social firmado entre a sociedade civil organizada e o Estado é o de que um projeto de desenvolvimento nacional sustentável e soberano do Brasil não prescinde — pelo contrário, necessita — de uma educação verdadeiramente democrática, a qual só se assegura por meio do fortalecimento da educação pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade e, de outro lado, da regulamentação da educação privada, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais (MANIFESTO CONAPE, 2017, p. 1).

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É perceptível no discurso, o reconhecimento dos avanços no campo da educação e

também, como a sociedade civil tem plena consciência de sua importância para o

desenvolvimento sustentável, democrático e soberano. No entanto, este pacto não só fora

rompido como passou a invalidar a trajetória feita por meio da ação pública e política, mesmo

com todos os conflitos, disputas e interesses sempre em jogo. O manifesto, assim descreve:

Esse pacto foi rompido pela implementação das políticas ilegítimas de Michel Temer. Rompido pela entrega do pré-sal, cujos royalties seriam destinados para a educação, aos interesses estrangeiros e pela Emenda Constitucional 95, que, ao congelar por 20 anos os investimentos em políticas públicas no país, inviabilizou por completo o cumprimento das diretrizes e metas do PNE, incluindo a mais conhecida delas: a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para a educação. Rompido pela suspensão de programas e políticas de acesso que afetam a garantia constitucional de universalização da educação básica e expansão da educação superior. Rompido pela reforma do ensino médio feita arbitrariamente via medida provisória, sem discussão com educadores e entidades do campo educacional, e que torna essa etapa da educação básica ainda mais excludente, rebaixando a formação e visando ao desmanche e à privatização da escola pública. Rompido pela aprovação da terceirização irrestrita, inclusive para atividades-fim, medida cujos efeitos são a precarização nas relações de trabalho e ampliação da degradação das condições de trabalho, a supressão dos direitos dos trabalhadores, o rebaixamento salarial, a perda de direitos sociais e a redução da representação sindical, sem contar o grave prejuízo à qualidade do ensino e ao projeto pedagógico das instituições. Rompido pela leniência — ou, de fato, conivência do Poder Executivo — com tentativas explícitas e espúrias de censura e criminalização do magistério, como a simbolizada pela parcialidade do movimento Escola Sem Partido e suas propostas de implementação de leis da mordaça em todo o país. Rompido pelo aparelhamento do Conselho Nacional de Educação (CNE), pela ingerência e recomposição à revelia do Fórum Nacional de Educação (FNE) — com a exclusão de entidades históricas do campo educacional e a abertura do órgão aos interesses do capital privado — e pela nítida intenção do Ministério da Educação de inviabilizar a realização de uma CONAE/2018 nos moldes democráticos e com ampla participação social (MANIFESTO CONAPE, 2017, p. 1).

Ao inviabilizar a CONAE/2018, que trazia o tema: A consolidação do Sistema

Nacional de Educação (SNE) e o Plano Nacional de Educação (PNE): monitoramento,

avaliação e proposição de políticas para a garantia do direito à educação de qualidade social,

pública, gratuita e laica, o governo revelou os seus intuitos de não respeitar a construção dos

atores coletivos e seguir, unicamente, as orientações capitalistas neoliberais e

antidemocráticas, ou seja, enfraqueceu os espaços de participação e de ação pública.

Essas ações, apontam para mudanças no pacto social que passa a não ser mais com a

sociedade civil, para se submeter, totalmente, ao mercado nacional e internacional. Sendo

assim, essas propostas estão inscritas na visão de estado mínimo que opta por reduzir ao

máximo os recursos públicos destinados a garantia dos direitos sociais, como: educação,

habitação, trabalho, previdência, saúde e assistência social. Neste novo velho pacto social

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entre as elites, o governo federal e o capital internacional, pulsa a ideia de que o mercado será

o ator incumbido de fornecer os bens sociais. De acordo com o mediador dinheiro, é possível

pensar que o resultado mais provável desse processo de submissão ao mercado poderá ser

transformar os direitos sociais em mercadoria. Nesse sentido, no que tange a saúde e a

educação no Distrito Federal, por exemplo, a entrada das Organizações Sociais (OS) privadas

na gestão dos hospitais e das escolas é um dos possíveis sinais.

Em relação ao desenvolvimento a opção atual do governo são as receitas exógenas e

as pressões da oligarquia financeira endógena como norte, sendo possível perceber nas leis,

decretos e atos governamentais recentes. No tocante a educação, a política norteada pelas

ideias neoliberais de desenvolvimento e educação já havia influenciado o I PNE, quando com

manobras no parlamento e decisões unilaterais e contrárias as discussões, derrotaram a

proposta da sociedade civil (SC) na aprovação da LDB da década de 1990.

Na proposta da sociedade civil para a LDB, havia, dentre outras, uma reivindicação

histórica: que a iniciativa privada fizesse parte como um setor de ensino do Sistema Nacional

de Educação que seria criado, e que não fosse um sistema à parte. No entanto, a visão

hegemônica não se preocupou em criar o Sistema Nacional de Educação, que poderia

definitivamente impactar na relação desenvolvimento e educação e nem pretendeu

regulamentar a educação privada para que se submetesse as mesmas exigências legais

aplicadas à escola pública, e aqui o Estado brasileiro manteve a sua lógica de classe.

Com toda essa conjuntura o novo FNPE, por meio do Manifesto CONAPE, Vozes da

Cidadania convocou a CONAPE 2018, e assim afirmou: Sem a reflexão sobre uma concepção pedagógica crítica, o enfrentamento das políticas ilegítimas deste governo e a construção do Sistema Nacional de Educação, com fortalecimento da escola pública e regulamentação do ensino privado, não há projeto democrático de educação. Para isso, o movimento educacional necessita mostrar que o desenvolvimento da educação não se dá apenas no âmbito da luta educacional, mas também no enfrentamento à exclusão, à concentração de renda e às disparidades regionais e sociais, consequências de uma noção de desenvolvimento baseada no consumo, que acirra a desigualdade e à qual o combate exige ações políticas e sociais articuladas (MANIFESTO CONAPE, 2017, p. 2).

O movimento em torno da CONAPE 2018 entendeu que a luta não se dá apenas no

campo da educação. Como se pode observar na citação acima do manifesto, o mesmo propõe

que se atue “no enfrentamento à exclusão, à concentração de renda e às disparidades

regionais e sociais, consequências de uma noção de desenvolvimento baseada no consumo,

que acirra a desigualdade” (MANIFESTO CONAPE, 2017, p. 2). Esse discurso revela a visão

de que existem as desigualdades, mas as mesmas são encaradas como o resultado do

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desenvolvimento baseado no consumo e não o que o estrutura. Revelou também, que esse

movimento viu que a noção do nosso desenvolvimento está baseada no consumo.

Essa visão é recorrente em quase todos os documentos e textos publicados pela

sociedade civil, não se percebe o fino fio ideológico das ideais forças da hegemonia da classe

dominante. Nesta pesquisa, o que descobri foi que as desigualdades estão na base da estrutura

social e a ideologia (por meio de seus aparelhos, em especial a mídia) que historicamente a

sustenta, e assim a hegemonia acaba por permanecer com a classe dominante, o capital. Isso

responde, em parte a questão sobre como o capital garante a hegemonia e coloca o Estado a

seu serviço.

Na etapa Distrito Federal, CONAPE 2018, O tema foi: Implementar os Planos de

Educação é defender uma educação pública de qualidade social, gratuita, laica e

emancipadora. A CONAPE 2018, etapa DF, foi discutida a partir dos seguintes eixos

temáticos: Planos decenais e SNE: instituição, democratização, cooperação federativa,

regime de colaboração, avaliação e regulação da educação; Qualidade, avaliação e regulação

das políticas educacionais; Gestão democrática: participação popular e controle social;

Democratização da Educação: acesso, permanência e gestão; Educação e diversidade:

democratização, direitos humanos, justiça social e inclusão; Políticas intersetoriais de

desenvolvimento e educação: cultura, ciência, trabalho, meio ambiente, saúde, tecnologia e

inovação; Valorização dos trabalhadores da Educação: formação, carreira, remuneração e

condições de trabalho e saúde; Financiamento da educação: gestão, transparência e controle

social.

Percebeu-se que parte das discussões nos eixos estão inscritas desde o primeiro

Manifesto que aqui foi discutido. No tocante ao nosso ator rede dinheiro e com a análise das

leis e manifestos, é possível afirmar que as políticas públicas, em especial, a de educação tem

vivido no Brasil, uma longa história de descaminhos e crises, e essas se dão por diferentes

razões: o fato de não existir um SNE bem estruturado e definido como política de Estado; a

construção, por meio das visões liberais e neoliberais de planejamento e gestão pública; uma

realidade histórica de descaso com a educação da população; a desvalorização frequente dos

trabalhadores da educação.

Atualmente, apesar dos discursos focados no desenvolvimento e crescimento do país,

o que se percebe é a aposta na privatização de setores importantes e que estavam previstos

garantir o aumento do financiamento das políticas sociais, em especial, de educação e saúde.

Dentre outros exemplos, como indicado anteriormente é possível afirmar que se apostou na

privatização de empresas nacionais. Para ilustrar apresento o caso da Petrobrás, com a

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descoberta do pré-sal e sua exploração ficou previsto em lei e no PNE a ampliação dos

investimentos em educação e saúde, no entanto, o governo ignorou o dever de cumprir a lei e

privatizou essa empresa.

Portanto, a política de desenvolvimento brasileiro, com o processo de privatização e a

política de educação com o corte de gastos, na atualidade age no sentido contrário do que

estava sendo realizado em relação ao desenvolvimento nacional e da educação, e

ideologicamente atua em realizar o consenso da sociedade em torno de suas propostas. Um

dos mecanismos poderosos utilizados, como revelado por (GRAMSCI A. , 1979), é o da

mídia46, que no Brasil é reconhecidamente monopolizada por algumas famílias.

A educação, nessas condições é estratégica para a formação crítica e reflexiva,

porquanto, quando a comunidade escolar não percebe os processos de avanço no campo do

saber e da ciência, como também das novas exigências tecnológicas, não poderá avançar em

luta por direitos. Quando uma população não percebe os processos e políticas que visam

desenvolver comportamentos distantes da realidade e ideologizantes, ambos servidos a

vontade em todo o tecido social, as transformações não ocorrem. Essa dinâmica é vivida todos

os dias pelas crianças e pela juventude, inclusive, dentro de muitas escolas e salas de aula.

Quando não é percebido que a base que estruturou e ainda estrutura a educação no

Brasil são o dinheiro e as desigualdades (essas mantidas por correntes ideológicas que

impõem a sua visão de mundo e de sociedade) não se mudará a hegemonia da classe que vive

da exploração do trabalho e do lucro financeiro. Um dos possíveis caminhos aqui apontados é

a democracia radical e a ação pública.

A nova investida neoliberal no Brasil não para aí, em relação aos níveis fundamental e

médio, além do avanço da privatização mercantil, cada vez mais potente; são perceptíveis o

deslocamento e a falta de compromisso no que tange a uma pedagogia emancipadora e uma

concepção de escola integral e libertadora. A escola torna-se assim, a exemplo do tempo da

colônia e de acordo com Romanelli, lugar de “comunicados” (passar a informação) e

preparação para processos seletivos e avaliações nacionais e internacionais em larga escala, e

não de “comunicação”.

Vale ressaltar que, longe de apontar soluções, a atual proposta de reforma do ensino

médio promovida pelo atual governo, com rapidez e sem participação social, só faz

aprofundar essas distorções. A proposta aponta para a dualidade de classe, e para as reformas

46 Essa discussão de vital importância não será realizada aqui, mas fica como uma das portas abertas para estudos estratégicos de eliminação das desigualdades estruturais.

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educativas, segundo Saviani (2017), da década de 1940. Portanto, os ventos que sopram estão

fechando as portas para o desenvolvimento da educação de qualidade e da democracia.

Após a realização da CONAPE 2018, de 24 a 26 e maio de 2018, foi publicado um

novo manifesto, o manifesto foi intitulado: “CONAPE/2018 ‘LULA LIVRE’: A EDUCAÇÃO

COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA. MANIFESTO: Carta de Belo Horizonte” (CONAPE,

2018, p. 1). O documento, assim inicia: No momento atual de crise que passa o Brasil, com o aprofundamento do golpe deflagrado em 2016, a partir da destituição do governo legitimamente eleito de Dilma Rousseff, a luta pela educação não pode estar desatrelada daquela em defesa da restauração do Estado Democrático de Direito. Os processos de ruptura democrática pelos quais passou o país guardam, em comum, a redução drástica dos direitos sociais, entre os quais a educação — um dos pilares inquestionáveis de qualquer democracia —, alvo de severos ataques políticos, econômicos e pedagógicos que visam desestruturar a possibilidade de formação crítica e cidadã. Foi assim com a instituição do Estado Novo, em 1937, que pôs fim aos avanços conquistados na Constituição democrática de 1934. Foi assim em 1964, com o golpe civil-militar que depôs João Goulart e enterrou a Carta de 1946. E é assim agora, com a série de medidas golpistas que buscam sepultar a Constituição de 1988 — incluindo seu artigo 205, que assegura a educação como dever do Estado e direito de cada cidadão — 30 anos após sua promulgação (CONAPE, 2018, p. 1).

Passam em seguida a referência dos acontecimentos atuais, que desencadearam a crise

institucional e de representatividade provocada pela política do governo Michel Temer, na

Petrobras. Afirma o documento, que a quebra da Petrobras foi uma construção ideológica,

com o intuito de entregar a empresa a uma gestão feita por e para rentistas. Isso, de acordo

com o manifesto “interessa diretamente à política neoliberal repaginada cujo objetivo é a

transformação dos direitos sociais, a educação incluída, em serviços e mercadorias

(CONAPE, 2018, p. 1)

Com tais ações, lucra o capital financeiro e todo o povo sofre. Denuncia que tal

atitude, por um lado, inviabiliza a implementação das políticas educacionais conquistadas

após muita luta, nos últimos anos, como o próprio Plano Nacional de Educação (PNE), mas,

por outro lado, se configura como ameaça concreta de um rompimento democrático ainda

mais profundo. E assim completa: A convocação da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), no ano passado, deu-se como resposta direta ao autoritarismo que destituiu o Fórum Nacional de Educação (FNE) e descaracterizou a 3ª Conferência Nacional de Educação (CONAE/2018) como um espaço democrático de debate. Agora, a realização da CONAPE só vem a reforçar a importância deste movimento de resistência em via dupla: de um lado, não é possível lutar pela democracia sem lutar pela educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social, desde a educação infantil até a pós-graduação, fundamental para a construção de outra realidade, mais justa e mais solidária; de outro, qualquer discussão sobre políticas educacionais só faz sentido e só terá efetividade a partir do momento em que se assegurar a restauração do Estado Democrático de Direito e a realização de eleições livres (CONAPE, 2018, p. 1).

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Após essas considerações, apresenta sua pauta de luta e reivindicações e convoca a

população para se mobilizar, em torno da democratização dos direitos e pela defesa da

educação, diante dos ataques diretos aos serviços públicos e do favorecimento da

privatização, em todos os níveis e setores.

Ao realizar a análise, destaco que na pauta, ainda se encontram temas que são

históricos e reivindicados secularmente. A título de exemplo, o item 9, pela garantia da

implantação do Piso Salarial Profissional Nacional e de planos de carreira para os/as

trabalhadores da educação das redes pública e privada, com a promoção da necessária

valorização dos respectivos profissionais, já era pautado desde o Manifesto de 1871,

vejamos: Quando o magistério for bem retribuído, não faltarão homens inteligentes e moralizados que venham engrossar as suas fileiras. Porém enquanto o professor tiver 66$666 de ordenado; enquanto for tratado como até aqui tem sido, enquanto for aposentado a força com 34 anos e 1 mês de serviço, para não completar os 35, com que a lei lhe promete uma aposentadoria mais vantajosa; enquanto a secretaria do império não se quebrar o molde por que são feitas as informações para todo o ministro novo, as quais consistem sempre em insinuar que os professores são uma súcia de ignorantes ; enquanto, em uma palavra, isto tudo não mudar, desenganai-vos, haveis de continuar a ser o que tendes sido!!! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 192).

Como também denunciaram o beneficiamento dos ricos, amigos do Estado e donos de

terra, ao exprimir “consentis que se edifiquem custosíssimos prédios, que se locupletem os

amigos do poder, e pouco se vos dá que o pobre do professor morra de fome! Como quereis

que um chefe de família a possa manter com decência com 66$666?!” (MANIFESTO DOS

PROFESSORES, 2011, p. 191). Denunciam já em 1871, as manobras governamentais: O art. 56 do regulamento de 17 de fevereiro de 1854, proibindo aos professores que usem nas escolas de compêndios não adotados pelo governo acrescenta: “Garante-se prêmio ao professor que escrever ou traduzir algum compendio para uso das escolas, contanto que seja adotado pelo governo”. Reparai, concidadãos, em três pontos essenciais desta disposição: 1◦. O regulamento não exige que o compêndio seja de jurisprudência ou de altas matemáticas ou de economia política, mas que seja adotado pelo governo para uso das escolas! 2◦. Igualmente não considera a adoção como prêmio, e sim como condição para o prêmio que ele garante! 3◦. Finalmente, esse prêmio o regulamento não o estabelece em termos duvidosos, porem diz: Garante-se! Reparai em tudo isso e ficareis abismados do modo por que o governo tem entendido este artigo em relação aos desgraçados mestres de escola! Dizemos em relação aos mestres de escola, porquê os que o não são tem conseguido prêmios pecuniários por trabalhos, alguns dos quais não honram muito as nossas escolas por sua incorreção (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 187).

Indica também a “falta de respeito” com a aposentadoria dos trabalhadores da

educação em final de carreira, quando com essa atitude diminui o direito e a garantia de

recebimento do salário com as devidas pecúnias previstas em lei.

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Outro fato não menos significativo. A lei estabelece duas sortes de jubilações: uma aos 25 anos de serviço, com um simples ordenado, outra com as gratificações aos que servirem mais 10 anos, isto é, aos 35 anos de serviço. De sorte que o professor que, podendo ter seu ordenado aos 25 anos, conserva-se no magistério, só o faz porque acredita na promessa de uma jubilação vantajosa. Por outro lado, o governo só conserva os professores que o tem merecido. Pois bem, uma professora, uma pobre professora sexagenária, servia ao estado havia 34 anos e um mês: onze meses mais e seria aposentada com suas gratificações. Sua idade avançada e seu longo tirocínio no magistério a tornavam incapaz de qualquer outro cometimento. Pois acaba de ser jubilada só com os vencimentos a que tinha direito com 25 anos de serviço, porque não completara os 35?! Porém ela não pediu jubilação, nem se lhe apontou um defeito. Antes pelo contrário, havia sido, meses antes, contemplada com uma gratificação que a lei concede aos professores que se distinguem por mais de 15 anos. O governo, portanto, lhe havia reconhecido distinção! (MANIFESTO DOS PROFESSORES, 2011, p. 189).

Em todos os outros manifestos, documento e leis promulgadas é possível verificar que

algumas das propostas, que envolvem a relação desenvolvimento e educação, a gestão

democrática, o financiamento público da educação e os direitos escritos nesses instrumentos,

estão até hoje na ordem do dia. Tudo isso revelou que essas são mais algumas das

características de nosso processo de desenvolvimento e de condução da política de educação.

Processo que acabou por configurar-se a nossa própria moda. Destacando-se que esta forma

de desenvolver do Brasil, tanto influenciou quanto foi influenciada pelos modelos de

educação que fomos tendo ao longo do percurso. Esse modelo desde o período colonial, como

já anunciado, foi estruturado com base no dinheiro e nas desigualdades. Essas desigualdades

estruturantes do modelo educacional foram de classe, renda, raça e gênero.

Isso pode estar impactando negativamente, o processo de desenvolvimento, pois a

educação básica de qualidade e o ensino superior continuam a ser para a classe dominante,

restando para a maioria da classe trabalhadora e demais classes, dentre outras coisas, a escola

de preparação para o trabalho precário, a reforma trabalhista sem garantias de direitos, a

reforma do ensino médio dualista, os cortes no investimento nas universidades públicas e o

congelamento nos gastos com políticas sociais. Essa trajetória permitiu realizar algumas

conclusões sobre a relação entre o desenvolvimento e a educação em nosso país, como

também permitiu perceber as bases que estruturaram o nosso modelo de educação.

Nessa ótica com a pesquisa foi percebida a pertinência e abrangência ao se utilizar os

aportes de mais de um método. Sendo possível concluir, que foi a utilização de mais de um

método, teoria e disciplina que possibilitou a ampliação ao pesquisar a relação entre

desenvolvimento e educação no modo de produção capitalista. Contatou-se também que, o

ator rede dinheiro não só foi capaz de sustentar a explicação em todo o relato, como também

revelou a rede de atores e conexões até o último capítulo. Possibilitou ainda, abrir portas para

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outros estudos, pois em seu fio condutor levou a lugares, atores e campos que não só

elucidaram as questões iniciais propostas, como também, ampliou o escopo das descobertas.

Então, tal escolha foi valorosa, pois a percepção de uma relação ampliada e ao mesmo tempo

focada possibilitou novas descobertas.

A PORTA DE SAÍDA

Mas eu não estou interessado/Em nenhuma teoria/Em nenhuma fantasia/Nem no algo mais/Longe o profeta do terror/Que a laranja mecânica anuncia/Amar e mudar as coisas/Me interessa mais/Amar e mudar as coisas/Amar e mudar as coisas/Me interessa mais (Música Alucinação. BELCHIOR).

Ao longo da elaboração da tese, as portas que foram abertas possibilitaram aprofundar

as questões inicialmente postas, mas também algumas que extrapolaram as intenções iniciais

do trabalho. Isso pode certificar, expressar o exercício descritivo e analítico realizado para

depreender, interpretar e pensar sobre a realidade concreta. Os objetivos da pesquisa foram

analisar a relação entre educação e o desenvolvimento, para buscar saber se houve um

desenvolvimento à moda brasileira e identificar em quais bases a educação foi estruturada.

Os resultados apontaram no sentido de que realmente tivemos um desenvolvimento à

moda brasileira. Esse desenvolvimento sofreu influências tanto externas quanto internas, foi

edificado por meio das lutas pela hegemonia e contradições teóricas e práticas presentes em

nossa sociedade. Do ponto de vista da educação é possível afirmar que essa se estruturou com

base nas desigualdades e no dinheiro nas mãos de poucos, bases advindas do processo de

desenvolvimento capitalista mundial e da ideologia da classe dominante brasileira, desde os

tempos coloniais.

Ao longo do estudo da história do desenvolvimento o dinheiro foi recorrentemente

traduzido. Essas diversas traduções em diferentes tempos me permitem concluir que o

dinheiro, desde o início de nossa formação enquanto nação, constituiu-se como base

estruturante expresso primeiramente pela busca do lucro e na desigualdade de classe. No

âmbito da educação, a luta pelos salários, financiamento, investimento que podemos perceber

desde os primeiros manifestos, dentre outras ações descritas na tese, confirma essa acepção.

Ao empreender o estudo para compreender os modos de produção em sua totalidade e

contradições a partir do século XIX, com o ator-rede dinheiro e suas diferentes traduções,

observei que a troca é um ator chave para compreender o processo de desenvolvimento das

sociedades, em especial, a capitalista. Com o advento do capitalismo em que terra, dinheiro e

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trabalho, dentre outros, viraram mercadorias, o trabalhador perdeu os meios de produção e

passou a trocar no mercado a sua força de trabalho por dinheiro, apareceu também a divisão

do trabalho e as desigualdades de classe.

A troca por equivalência é o marco que permite a afirmação de que o dinheiro virou

mercadoria e passou a ter e dar valor as coisas, e assim o mecanismo de troca das

comunidades ditas primitivas perdeu a sua potencialidade e se estabeleceu na sociedade a

troca pelo lucro. Essa dinâmica se fortalece ao longo do desenvolvimento capitalista até

chegar na atual e controversa hegemonia dos Estados Unidos. Ao se expressar com essa

tradução, o dinheiro se transformou na principal mercadoria para troca com lucro no mercado

mundial e passou a influenciar as decisões políticas, econômicas e sociais, como também

garantir os interesses da classe dominante e dos países hegemônicos em todo o mundo. Nesse

processo, optou-se por estabelecer relações hegemônicas colonizadoras e de submissão com

os novos países com vistas ao desenvolvimento.

Com as diferentes traduções e conexões do mediador dinheiro constatei, ainda, que

seria possível ampliar a noção de incrustação de Polanyi. O autor destacou quando estudou as

quatro instituições que sustentaram o século XIX, que economia e política eram conceitos que

deveriam ser tomados em conjunto. Porém, quando fez sua análise as separou, pois, apesar de

percebê-las incrustadas afirmou que algumas eram nacionais e outras internacionais, e que

algumas eram políticas e outras econômicas.

A ampliação do conceito de incrustação tornou-se possível porque o reinterpretei

dentro de sua totalidade e por meio do mediador dinheiro, e assim ficou revelado que as

quatro eram interdependentes e mantinham unidade concreta e dialética, na ação de manter a

paz entre os países e globalizar o modo de produção, visando o lucro do capital. O uso da

dialética materialista permitiu por sua vez perceber as relações sociais. E assim concluí que

essa ampliação do conceito se faz também pela questão social, pois concebo que para

compreender a sociedade os fatores econômico, social e político não estão separados, fazem

parte de uma mesma dinâmica, estão incrustados. Isso foi perceptível quando com os dois

aportes teóricos mantive juntas na análise das quatro instituições descritas pelo autor, a

relação Estado, capital e trabalho.

Comprovou-se que o desenvolvimento e as inovações tecnológicas ocorridas exigiram

formação dos trabalhadores para a indústria. Assim, com a ascensão da burguesia na dinâmica

internacional, o acesso à escola e a educação foram estendidas para toda a sociedade, pois

houve a percepção de que se tornaram elementos-chave para o desenvolvimento econômico e

industrial. Então, a exigência pela educação no modo de produção capitalista passou a ser

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fundamental para o processo de desenvolvimento em nível internacional. Em função disso, a

demanda pela educação e qualificação foi percebida como fonte de produtividade e lucro, mas

também como possibilidade de emancipação, luta contra hegemônica e democracia.

Certificou-se que a cada revolução tecnológica foi se ampliando a exigência por

educação, assim foi com a primeira revolução tecnológica baseada na máquina a vapor, na

produção têxtil e no algodão, a segunda com base na eletricidade e no petróleo expressa pelo

modelo taylorista/fordista de produção, a terceira com o modelo flexível (Toyotismo) ou

produção enxuta do Japão com base na microeletrônica, na técnica e na ciência. A cada

inovação a demanda por um novo tipo de trabalhador foi uma de suas características, primeiro

a exigência foi que soubesse ler e escrever, depois foi se ampliando para que soubessem

decodificar e operar as máquinas, para em seguida ter que ser um trabalhador criativo,

competente, inovador.

A quarta revolução industrial em curso promete ser diferente, mas a previsão é que

mais uma vez a classe que mais sofrerá os seus impactos, como por exemplo o aumento no

índice de desemprego sem precedentes, serão os trabalhadores. Contudo, essa nova revolução,

a revolução 4.0, diferente de outras revoluções tecnológicas pretende substituir a força de

trabalho humana e até algumas de nossas decisões diárias pelas máquinas. No entanto, similar

aos processos anteriores demandará por um novo tipo de trabalho e novas bases para a sua

formação. Isso revela, mais uma vez, a estreita relação entre os processos de desenvolvimento

e sua demanda pela educação.

Constatei na experiência brasileira de desenvolvimento, que o mesmo se deu sob a

égide do sistema capitalista mundial. Os estudiosos desse processo no Brasil perceberam que

alguns modelos de explicação não conseguiram abranger na totalidade o que havia ocorrido

no caso brasileiro. Dessa forma, foi possível perceber a necessidade de estudar as diferentes

visões de nossa formação desde a colônia. Pude descobrir que tivemos uma formação dual e

que essa dualidade se expressou na relação ao mesmo tempo de submissão externa e

autonomia interna, revelando assim uma contradição fundante de nossa história. Importante

ressaltar que diferente do modelo internacional, o nosso modo dual ao invés de considerar o

mercado interno como o mais relevante preferiu estabelecer e conceder relevância maior ao

mercado externo.

Outras especificidades do Brasil do ponto de vista político, social e econômico e que

destaco na pesquisa foi que houve a criação do Vice-reinado de Portugal no Rio de Janeiro,

fato que retirou da metrópole e tornou a colônia o centro de decisões políticas e econômicas.

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A família real veio para a colônia e o Brasil passou a ser o Reino Unido de Portugal, sendo a

única experiência mundial.

A partir dessas duas ações políticas houve expansão econômica, os portos brasileiros

se tornaram o centro do comércio e das navegações mundiais; potencializou o tráfico de

escravos, a mineração, a exportação, a agricultura, a industrialização e a educação. Então,

enquanto colônia, o Brasil deteve o poder político e econômico, mas não se desenvolveu

como nação potente, pois a riqueza produzida e a dinâmica comercial e posteriormente

industrial mantiveram o lucro, a terra e o poder em nível local nas mãos de poucos e em nível

internacional nas mãos das metrópoles.

O movimento em estudar as duas formas de relações (exógena e endógena) que teve o

Brasil, em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, possibilitou perceber a sua

complexidade e heterogeneidade, mas também que, desde o princípio, tivemos relação externa

capitalista desigual com a metrópole, e mesmo havendo conflitos e algumas reações essas não

romperam com a lógica mundial instituída, e assim, essa relação desigual se refletiu nas

relações internas da colônia e a constituiu. Marcadamente por alguns fatores, pelo uso da

terra, pela posse de escravos, por ter ou não dinheiro e pela cultura estrangeira.

Destaco ainda, outra diferença central no modo de desenvolvimento brasileiro. Como

se pôde perceber durante a exposição do trabalho, no modo brasileiro de desenvolvimento o

Estado e não o livre mercado foi sempre o impulsionador do desenvolvimento em seus

aspectos econômicos e financeiros. Dizendo de outra forma e da perspectiva do dinheiro, a

elite brasileira e os ricos, com todas as faces que tiveram em nossa história, não se

comprometeram totalmente com o desenvolvimento do país e, pelo contrário, com seus

interesses em riquezas, esses homens e mulheres de grossa aventura preferiram manter seus

lucros e seus níveis de consumo, e apostaram historicamente em não contribuir com os

avanços no desenvolvimento do país e na manutenção da pobreza para a maioria. No entanto

foram capazes de colocar o Estado a seu serviço.

Portanto, os processos de desenvolvimento no Brasil, diferente da experiência

internacional existiram e existem por força do Estado e não dos capitalistas, revelando na

experiência nacional a importância desse ator, pois as ações foram reguladas, impulsionadas e

subsidiadas pelo mesmo. Entretanto, de maneira semelhante ao desenvolvimento

internacional houve demanda pela formação dos trabalhadores para a indústria, caracterizando

assim que a demanda pela educação possuí realmente relação direta com os processos de

desenvolvimento. Sendo relevante destacar, mais uma vez, que foi o Estado e não a classe

empresarial que investiu na educação do trabalhador no Brasil.

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No entanto, apesar da educação ter sido presença constante desde a colônia, na nossa

experiência diferente da experiência internacional não visou o desenvolvimento local e seu

foco foi a exploração, a submissão cultural e a pilhagem inicialmente para a Coroa de

Portugal, historicamente para o capital. Dessa forma, as escolas jesuítas estavam interessadas

na educação da população indígena com vista a difusão da cultura portuguesa e na expansão

da fé católica, para que os colonizadores pudessem se apropriar das terras e das riquezas. Não

houve preocupação com a educação da população como um todo, e foram excluídos desse

processo a população negra e as mulheres. Os cursos superiores, por exemplo, foram

destinados aos filhos da elite.

Constatou-se que esse processo de exclusão no acesso ao saber estruturou a educação

brasileira com base nas desigualdades de raça, gênero, renda e classe. A escola surgida no

século XVIII fez uma reforma com o objetivo de criar a escola laica e que servisse aos fins do

Estado, a Coroa. No século XIX, os professores da escola primária da corte lançaram um

Manifesto impulsionados pelo clima de mudanças, com as ideias de abolição e república

propuseram alterações que não se efetivaram. No quesito educação, prevaleceram as

desigualdades e o investimento para o ensino superior e secundário para as elites e a classe

média, notadamente branca.

No Brasil, os processos políticos, sociais e econômicos de desenvolvimento estiveram

presentes nas reformas educacionais propostas. Então, no século XX percebeu-se na década

de 1930 até final dos anos de 1950 que seria, com as ideias de desenvolvimento,

modernização, escola nova e industrialização, realmente necessária a formação de força de

trabalho qualificada e que soubesse ler e escrever. Assim, intelectuais letrados lançaram

nessas épocas dois novos Manifestos. Esses novos manifestos, mesmo com todos os seus

ideais renovadores e apesar dos avanços, trouxeram para a escola brasileira, a exemplo dos

jesuítas, um modelo de educação com pensamento, cultura e ação pedagógica advindos dos

ideais externos.

Por não perceberem ou desconsiderarem as bases que estruturaram a educação

brasileira, suas ideias, apesar de não terem sido concebidas com esse fim, acabaram por

replicar e fortalecer o modelo desigual de escola advindo das épocas colonial e imperial. Tal

fato foi aqui percebido ao analisar as ações propostas dos signatários dos Manifestos, e as

consequentes ações inspiradas por esse movimento de renovação nacional que foram

implementadas pelos governos, inclusive, com a gestão de muitos dos signatários e

renovadores da educação.

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Então, a renovação nacional realmente ocorreu, mas na política educacional foi a

renovação do padrão estrutural e desigual dos períodos anteriores. Destaco, porém, que nessa

fase de mudanças a política de educação ganhou uma face ainda mais desigual, pois a

responsabilidade do atraso no desenvolvimento nacional e educacional ficou a cargo da

cultura e dos hábitos da população pobre, feminina e não branca. Essa visão foi fortalecida

com o investimento em pesquisas nos órgãos criados com esse fim em 1940, que passaram a

servir de base para a construção das propostas educacionais com foco no desenvolvimento a

partir dessa década.

Então, a educação foi implementada por médicos e pedagogos, tal escolha revelou a

visão da necessidade em ofertar e formar a população pobre e não branca para a cultura

branca, revelou também, a face preconceituosa do aspecto biológico na educação com o

processo de higienização, em que a criação do pelotão escolar foi um claro exemplo. Outra

visão, agora mais de adequação psicológica, foi que essa população precisava ter um

comportamento adequado para que fossem esbranquiçadas e pudessem inclusive mudar a cor

de sua pele, ou seja, obtivessem um diploma de brancura.

Na década de 1980 há muitas mudanças, mas ficou percebido que não houve

mudanças nas bases de sustentação. Nesse período, as lutas pela democracia e participação

nas decisões do Estado realizadas pela sociedade civil culminou com a Campanha Diretas Já.

O resultado foi a iniciação do processo de democratização, ainda em curso. Nesse período, a

democracia participativa ganha força e expressão, e a sociedade civil começa a interferir

pautando os seus interesses nas decisões públicas, mas ainda não se pôde perceber nesse

período a ação pública concreta, como aqui concebida.

A possibilidade de transformação, em acordo com os documentos da sociedade civil,

ressurgiu com o advento da eleição dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma

Rousseff. Na primeira edição do governo Luiz Inácio Lula da Silva, os avanços foram

ínfimos, esses no campo da educação começaram a ocorrer a partir de 2006. No entanto,

desde o início do governo, criou-se espaços de fala e de construção das ações políticas,

espaços de ação pública, foi uma caminhada que deu alguns resultados em acordo com os

interesses da classe trabalhadora e descritos nos manifestos da atualidade. A ação pública na

acepção aqui descrita começou a se dar particularmente, no campo da educação.

Foram realizadas mudanças substanciais na Constituição de 1988, mudanças em

consonância com os interesses, as demandas e propostas da sociedade civil. Algumas

reivindicações históricas entraram na ordem do dia e se efetivaram a partir de 2003, tais como

a obrigatoriedade em todos os níveis de ensino, o Piso salarial da educação, a valorização dos

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profissionais, as políticas afirmativas, o bolsa família, o aumento do financiamento da

educação pública, a criação do FUNDEB. Porém, se manteve na íntegra, o financiamento

público para a iniciativa privada, inclusive, com programas com esse fim.

Esses programas não produziram os resultados esperados tendo em vista a baixa

qualidade do ensino nas instituições de educação superior privadas. Todavia, os avanços no

campo da educação se deram em todos os níveis, o problema é que a educação está inserida

dentro da ordem social em um modo de produção que explora e que se utiliza do estado e da

mídia para manter a hegemonia, como também, estruturada com base nas desigualdades e na

relação antagônica entre capital e trabalho.

Os Manifestos de 1871, de 1932, de 1959, de 1986, de 1987, de 2017 e de 2018,

encontram-se profundamente marcados pela atmosfera social, política e econômica de cada

época, mas sempre apontaram para as desigualdades existentes na realidade brasileira como

algo que foi e é, apenas, potencializado pelas ações do Estado em consonância com os

interesses de lucro e do consumo do capital. Portanto, esses documentos representam além de

outras coisas, os debates ideológicos do seu tempo, as expectativas na diminuição das

desigualdades, as lutas contra hegemônicas e os entusiasmos por mudanças na política, na

economia, na educação e na sociedade brasileira. Seus signatários acreditavam na

possibilidade de transformação social. No entanto, apesar dos avanços históricos, por não

perceberem as bases desiguais em que foi e ainda está estruturada a educação brasileira, não

foram capazes de transformação real.

Então, no estudo que realizei sobre o desenvolvimento à moda brasileira e sua relação

com a educação, por meio da dialética materialista e do mediador dinheiro da TAR, ficou

patente que, o processo de desenvolvimento em sua face externa e interna foi pautado, desde

o início, pelo ganho de dinheiro com a venda de escravos, pelas desigualdades regionais, pela

acumulação de riquezas, pelo lucro, pelo status social, pelo poder, e esse processo pautou as

estratégias no campo da educação caracterizada pela tentativa de imposição da cultura

externa, pela luta de classes, pelo status social, pelo poder do título, e principalmente, pelas

desigualdades de raça, gênero, renda e classe que a estruturaram.

Com algumas políticas focadas na população pobre e não branca, os governos de Luiz

Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff ajudaram a revelar para toda a sociedade o processo

preconceituoso e desigual de nosso desenvolvimento. Entretanto, no campo educativo embora

tenham existido avanços, o que foi feito não caminhou no sentido de desestruturar as bases

que edificaram e sustentaram ao longo dos séculos a política de educação. Na atualidade, o

governo signatário do golpe brando está fazendo mudanças que vão de encontro aos anseios

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da sociedade e ao desenvolvimento nacional, como também diminuindo os espaços da ação

pública. No tocante a educação, o congelamento das verbas públicas por 20 anos e a reforma

do ensino médio e a recente reforma na LDB, são um claro exemplo do que podemos esperar.

Isso poderá privilegiar, mais uma vez, as empresas privadas de educação, e agora podendo

continuar a ampliar a abertura de vagas sem precisar cuidar da qualidade, pois o lema é:

financiamento público da educação.

Por fim, mas não por último, fica a sensação desde o início aqui registrada de que no

Brasil se muda tudo, para na realidade não se mudar nada, revelando assim o caráter circular

de nosso modelo de educação e de desenvolvimento. Como tudo é mutável, fica por sua vez a

crença na possibilidade e a proposta de que aja ação concreta de transformação. As profundas

desigualdades constituíram a nossa sociedade e nosso modelo educativo, com a manutenção

do dinheiro e da riqueza nas mãos de poucos, estão presentes e dão o norte no poder desde a

nossa formação. Então, cabem estudos prospectivos multidisciplinares e transdisciplinares em

relação a cultura, a educação, as formas políticas, econômicas, as estratégias do Estado e ao

modo de desenvolvimento brasileiro, com foco prospectivo na democracia radical, na ação

pública e política.

Logo de início, ao passar pela porta de entrada, e em consonância com o pensamento

de Arendt, sugeri e agora afirmo, que é no âmbito da política que reside o processo de

transformação. Diante de todo o exposto, fica patente tanto nas formas e escolhas teóricas e

metodológicas quanto em meu posicionamento pessoal, político e acadêmico, que não sou

indiferente aos processos que ocorrem na sociedade, em especial, ao que ocorre no Brasil.

Assim sendo, finalizo essa etapa de minha vida acadêmica concordando com Gramsci quando

afirmou que “viver significa tomar partido” e que,

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heroico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e

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paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso (GRAMSCI A. , 1917).

Com essas considerações eu pergunto: porque a educação básica não tem autonomia

para o trabalho educativo e de gestão? Essa poderia se configurar como uma das formas de

ação democrática e capaz de garantir as pluralidades regionais, locais e individuais, por meio

de um sistema nacional de educação descentralizado em todo os níveis e com garantias de

sustentação financeira por meio do estado, em colaboração com o setor empresarial e com

controle social. A resposta não é simples, mas aponto como um possível norte para estudos

prospectivos e futuros.

Nessa perspectiva, penso que o que se apresenta para o debate da classe trabalhadora

mundial e brasileira e da hegemonia são, ao menos, duas possibilidades de ação: ou se aceita a

visão e fórmula hegemônica e mais uma vez muda, mas não transforma nada, ou se assume as

possibilidades histórica e material do momento atual para abrir portas e criar espaços de

contra hegemonia, capazes de instituir um novo modelo de estado, de sociedade e de modo

de produção. Nesse diapasão, e em acordo com o pensamento de (ARENDT, 2010),

(GRAMSCI A. , 1968), (GÉNÉREUX, 1999), é de novo a política que deve tomar a frente,

principalmente, após o golpe brando, e as consequentes mudanças que estão sendo propostas

e muitas vezes implementadas.

Ao findar essa etapa destaco que será necessário realizar estudos mais completos e

mais amplos sobre a temática aqui debatida. Admito ser essa uma contribuição mínima, mas é

importante porque conseguiu revelar vários fatores que podem ser relevantes ao se discutir o

nosso processo de desenvolvimento e sua relação com as bases da educação. Mesmo sendo

uma pequena contribuição, o ato de ter sido realizada com rigor científico exigido pela

academia na procura em descortinar a realidade e realizar leituras da forma como realmente se

apresentou e, nessa caminhada demonstrando, sempre que possível, suas contradições e,

principalmente, suas relações residem à contribuição essencial do estudo e pode afiançar o

esforço teórico empreendido.

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