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846 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL VERSUS PROGRESSO: ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA INSTITUCIONALISTA DE KARL POLANYI Raimara Gonçalves Pereira 1 Júlia Marques Fernandes 2 Luiza Pimenta Guimarães 3 Samira de Alkimim Bastos Miranda 4 RESUMO As construções a respeito do desenvolvimento territorial surgiram em meados dos anos 1950, no contexto do pós-guerra, como estímulo a superação da pobreza e das desigual- dades a partir da ação de organismos internacionais, sendo, posteriormente, difundido de forma mais incisiva a partir nos anos de 1970, com abordagem territorialista. Assim, buscou-se neste trabalho, a partir das contribuições de Karl Polanyi (1886-1964), es- pecificamente em sua obra “A Grande Transformação”, vislumbrar os mecanismos que refletiram no processo de desenvolvimento territorial, considerando as expressões his- tóricas que nortearam a construção de sua teoria institucionalista, em especial, no que diz respeito aos seus reflexos na transformação do homem e da natureza em mercadoria. Optou-se pela utilização do método qualitativo, sendo empregado como instrumento de coleta de dados a pesquisa bibliográfica exploratória, abrangendo a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos e outros documentos. Foram utilizadas, além de Karl Polanyi, as contribuições dos autores Amartya Sen, Rogério Haesbaert, Marcos Saquet, entre outros. Considera-se, a partir do estudo realizado, que os padrões difundidos pela globalização e pela produtividade econômica marcaram o desenvolvimento da lógica territorial, permeado pelas rápidas transformações da sociedade e do território, sendo estes, substancialmente atrelados à dominação capitalista. Palavras-Chave: Território, Progresso, Karl Polanyi. INTRODUÇÃO A formação de conhecimento sobre o desenvolvimento territorial perpassa as relações sociais, históricas, culturais, produtivas e políticas existentes, imbuídas de seus variados aspec- 1 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] 2 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] 3 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] 4 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected]

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL VERSUS PROGRESSO: ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA INSTITUCIONALISTA DE KARL POLANYI · RESUMO As construções a respeito do desenvolvimento territorial surgiram

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL VERSUS PROGRESSO: ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA INSTITUCIONALISTA

DE KARL POLANYI

Raimara Gonçalves Pereira1

Júlia Marques Fernandes2

Luiza Pimenta Guimarães3

Samira de Alkimim Bastos Miranda4

RESUMO

As construções a respeito do desenvolvimento territorial surgiram em meados dos anos 1950, no contexto do pós-guerra, como estímulo a superação da pobreza e das desigual-dades a partir da ação de organismos internacionais, sendo, posteriormente, difundido de forma mais incisiva a partir nos anos de 1970, com abordagem territorialista. Assim, buscou-se neste trabalho, a partir das contribuições de Karl Polanyi (1886-1964), es-pecifi camente em sua obra “A Grande Transformação”, vislumbrar os mecanismos que refl etiram no processo de desenvolvimento territorial, considerando as expressões his-tóricas que nortearam a construção de sua teoria institucionalista, em especial, no que diz respeito aos seus refl exos na transformação do homem e da natureza em mercadoria. Optou-se pela utilização do método qualitativo, sendo empregado como instrumento de coleta de dados a pesquisa bibliográfi ca exploratória, abrangendo a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos e outros documentos. Foram utilizadas, além de Karl Polanyi, as contribuições dos autores Amartya Sen, Rogério Haesbaert, Marcos Saquet, entre outros. Considera-se, a partir do estudo realizado, que os padrões difundidos pela globalização e pela produtividade econômica marcaram o desenvolvimento da lógica territorial, permeado pelas rápidas transformações da sociedade e do território, sendo estes, substancialmente atrelados à dominação capitalista.

Palavras-Chave: Território, Progresso, Karl Polanyi.

INTRODUÇÃO

A formação de conhecimento sobre o desenvolvimento territorial perpassa as relações sociais, históricas, culturais, produtivas e políticas existentes, imbuídas de seus variados aspec-1 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] 3 UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected] UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; [email protected]

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tos econômicos que perpassam a vida em sociedade. As estruturações a respeito do desenvolvimento territorial surgiram em meados dos anos 1950, no contexto do pós-guerra, como estímulo a superação da pobreza e das desigualdades a partir da ação de organismos internacionais, sendo difundido de forma mais incisiva, a partir nos anos de 1970, com a introdução da abordagem territorialista. Entretanto, vislumbra-se que as discussões que nortearam a construção do conceito bem como o processo econômico e histó-rico que culminaram nas ocorrências que temos na atualidade, manifestam-se como de extrema importância no que tange a construção de conhecimento, de modo a propiciar a visualização mais consistente do processo de desenvolvimento no âmbito territorial. Nesse sentido, buscou-se neste artigo, a partir das contribuições de Karl Polanyi (1886-1964), especifi camente em sua obra A Grande Transformação, vislumbrar os mecanismos que refl etiram no processo de desenvolvimento territorial, considerando deste modo, as expressões históricas que nortearam a construção de sua teoria institucionalista, em especial no que diz respeito aos seus refl exos na transformação do homem, da natureza em mercadoria.

Polanyi, enquanto pensador do processo de formação da sociedade capitalista do sé-culo XIX e início do século XX, a partir de sua teoria institucionalista, nos permite construir refl exões sobre percurso do desenvolvimento territorial, sob a égide da a formação da econo-mia capitalista de mercado. Contribuindo assim, com o processo de afi rmação desta, e os seus refl exos no âmbito territorial, considerando seu aspecto econômico e o fi m social com que foi difundido.

Optou-se pela utilização do método qualitativo, sendo empregado como instrumento de coleta de dados a pesquisa bibliográfi ca exploratória, abrangendo a leitura, análise e inter-pretação de livros, periódicos e outros documentos. Foram utilizadas, além de Karl Polanyi, as contribuições dos autores Amartya Sen, Rogério Haesbaert, Marcos Saquet, entre outros. Percebe-se, a partir do estudo realizado, que a compreensão no cerne econômico a respeito do desenvolvimento territorial, manifesta-se como de grande importância no que diz respeito às análises acerca das singularidades do processo formações territoriais na atualidade. Dessa maneira, inferimos que os padrões difundidos pela globalização e pela lógica da produtividade econômica marcam o desenvolvimento na lógica territorial, em que as rápidas transformações da sociedade, do território estão todos atrelados a estrutura dominante de formação, arraigados ao capital.

TERRITÓRIO E A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE MERCADO

A dinâmica que engendra o desenvolvimento territorial, perpassa pelas construções his-tóricas e o seu processo de apropriação conceitual tendo por base a formação de identidades num determinado tempo e espaço.

Assim, objetivando a compreensão acerca de desenvolvimento territorial, percebemos, que são variados os conceitos trazidos pela literatura acerca deste. Desta forma, optaremos pela analise de território, a partir da compreensão de Saquet, que nos permite inferir que,

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O território é natureza e sociedade: não há separação; é economia, política e cul-tura; edifi cações e relações sociais; des-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção ambiental, etc.. Em outras palavras, o território signifi ca heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação historicamente condicionadas; é produto e condição histórica e trans-escalar; com múltiplas variá-veis, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia, de produção, de servi-ços, de mobilidade, de des-organização, de arte, de sonhos, enfi m, de vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente. (SAQUET, 2006, p.83).

Assim, esta defi nição trazida por Saquet (2008), nos permite compreender a caracte-rística ampla presente na dinâmica que engendra a defi nição de território, perpassando pelas contradições sociais, as transformações econômicas e política que norteiam a sua dinâmica de construção, tendo por base a materialização de identidades num determinado tempo e espaço.

Cabe ressaltar que, o enfoque na questão territorial surgiu a partir da crise capitalista de 1970 e 1980 em contraponto ao processo de globalização, vista por muitos, como gestora de um articulado processo de desterritorialização global, que refl etiu na supressão de fronteiras nacionais e na redução do papel do Estado. Neste período iniciou-se o debate a respeito das políticas que deveriam ser utilizadas no que tange o desenvolvimento de determinado território, inferindo que este desenvolvimento depende da forma de organização da sociedade em relação aos fatores sociais, econômicos e a dinâmica que rege esta estrutura.

Nesse sentido, a ótica do desenvolvimento, de acordo com Saquet e Spósito (2008, p. 22) está diretamente ligada ao manejo e exploração das potencialidades locais para o alcance social, visando a conservação dos recursos presentes, em que o pensamento acerca do desen-volvimento territorial exige a valorização dos “enraizamentos social, econômico e cultural da sociedade local, indo além de análises estritamente econômicas”.

A partir destas percepções Polanyi (2000), nos permite visualizar, no que diz respeito ao processo de construção de sua teoria institucionalista, alguns elementos que nos anuí a uma melhor apreensão acerca dos mecanismos que norteiam a construção do território.

Assim, em sua crítica à economia de mercado, Polanyi (2000), sob a perspectiva do desenvolvimento, nos permite analisar a concepção deste, a partir da instalação do capitalismo na Inglaterra, especifi camente no seio da Revolução Industrial do século XVIII. Processo em que se verifi cou um progresso miraculoso nos instrumentos de produção, o qual se fez acompa-nhar de uma catastrófi ca desarticulação nas vidas das pessoas comuns, permitindo visualizar o processo de instalação do capitalismo na Inglaterra.

Infere-se assim, que, a partir deste processo ocorreram sérias modifi cações na conjun-tura que antes existia, haja vista os desequilíbrios que sofreram as estruturas da sociedade em meio a um sistema que visava a auto-regulação 5.5 Uma economia de mercado é um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas por mer-cados; a ordem na produção e distribuição dos bens é confi ada a esse mecanismo auto-regulável. Uma economia desse tipo se origina da expectativa de que os seres humanos se comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários. Ela pressupõe mercados nos quais o fornecimento dos bens disponíveis (incluindo serviços) a um preço defi nido igualarão a demanda a esse mesmo preço. Pressupõe também a presença do dinheiro, que funciona como poder de compra nas mãos de seus possuidores. A produção será, então, controlada pelos preços,

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Neste percurso, de acordo com Polanyi,

Nada porém foi feito para salvar o povo comum da Inglaterra do impacto da Revolução Industrial. Uma fé cega no progresso espontâneo havia se apossado da mentalidade das pessoas e, com o fanatismo de sectários, os mais esclarecidos pres-sionavam em favor de uma mudança na sociedade, sem limites nem regulamentações. Os efeitos causados nas vidas das pessoas foram terríveis, quase indescritíveis. A so-ciedade humana poderia ter sido aniquilada, de fato, não fosse a ocorrência de alguns contramovimentos protetores que cercearam a ação desse mecanismo autodestrutivo.

A economia de mercado, neste processo, se tornou o centro de regulamentação da pro-dução de bens, com base no ideário de que o necessário era obter maiores ganhos monetários.

Assim, o sistema social de acordo com Polanyi (2000), consistia num mecanismo que absorvia a vida econômica sob a égide das relações de mercado. Deste modo, “em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico” (p.11), ou seja, havia uma adaptação do sistema social em virtude do siste-ma econômico. Destarte, nesta conjuntura a noção de auto-regulação se manifestava enquanto divergente dos caminhos que propunham o desenvolvimento natural.

Desse modo, Polanyi (2000), faz um paralelo entre as devastações dos cercamentos na história e a catástrofe social que seguiu à Revolução Industrial, apontando que o progresso ocorre diretamente articulado a desarticulação social, sendo que em meio ao progresso devasta-dor da revolução industrial, nada foi feito para salvar o “povo comum”, uma vez que a evolução se tornou o maior desejo da época.

Assim, o autor aponta que,

A fi losofi a liberal jamais falhou tão redondamente como na compreensão do problema da mudança. Animada por uma fé emocional na espontaneidade, a atitude de senso comum em relação à mudança foi substituída por uma pronta aceitação mística das conseqüências sociais do progresso econômico, quaisquer que elas fossem. As verdades elementares da ciência política e da arte de governar foram primeiro desa-creditadas, e depois esquecidas. Não é preciso entrar em minúcias para compreender que um processo de mudança não-dirigida, cujo ritmo é considerado muito apressado, deveria ser contido, se possível, para salvaguardar o bem-estar da comunidade. Essas verdades elementares da arte de governar tradicional, que muitas vezes refl etiam os ensinamentos de uma fi losofi a social herdada dos antepassados, foram apagadas do pensamento dos mestres do século XIX pela ação corrosiva de um utilitarismo cru, aliada a uma confi ança não-crítica nas alegadas propriedades auto curativas de um crescimento inconsciente (POLANYI, 2000, p.51).

Nesse sentido, Polanyi (2000), mostra que até o século XVIII o mercado tinha suas ra-ízes materializadas na esfera das relações sociais, ou seja, a sociedade determinava o processo

pois os lucros daqueles que dirigem a produção dependerão dos preços, pois estes formam rendimentos, e é com a ajuda desses rendimentos que os bens produzidos são distribuídos entre os membros da sociedade. Partindo desses pressupostos, a ordem na produção e na distribuição de bens é assegurada apenas pelos preços. (POLANYI, 2000, p. 90)

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de suas relações, entretanto, a partir dos séculos XVIII e XIX este fator se inverteu, ao passo que a economia passou a ditar a o processo de instituição das relações em sociedade.

Cabe ressaltar que, a partir deste momento, em que a economia passou a ter um papel preponderante no âmbito das relações, de acordo com o autor, se fez possível verifi car a exis-tência de uma dicotomia, haja vista que, o homem não tem suas relações intrínsecas apenas às características econômicas, devendo assim haver contraponto com os demais aspectos que per-passam o cotidiano da vida em sociedade. Entretanto, para o autor, esta perspectiva não norteia, em si mesma, a realidade, haja vista que o homem comum é regido, não tão somente pela eco-nomia, como ditava o sistema de mercado, sendo assim, de acordo com Polanyi (2000, p.52), o “liberalismo econômico interpretou mal a história da Revolução Industrial porque insistiu em julgar os acontecimentos sociais a partir de um ponto de vista econômico” Deste modo, a partir de sua critica ao sistema de mercado, Polanyi (2000), conclui que o sistema econômico se apossou das relações sociais, subordinando o homem e a natureza a um mecanismo voraz, em que, na ótica do sistema liberal tudo é transformado em mercadoria, o que, concomitantemente, altera as relações do homem em sociedade, bem como da natureza, obtendo como produto um campo de desigualdades.

É arraigado ao conceito de mercadoria que os mecanismos de mercado se atrelam aos elementos da vida industrial, sendo as mercadorias por Polanyi, defi nidas de forma empírica, enquanto objetos gerados para a venda no mercado. Nesse sentido, para Polanyi (2000, p.94) permitir “que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade”. Por conseguinte, infere-se, que para o autor o principal fator para a derrocada social, foi a promoção do sistema de mercados, ou seja, a transformação da terra e do trabalho em mercadoria. Este processo refl etiu, por conseguinte, na subordinação do homem e da natureza à ideologia de mercado.

Para tanto, o autor conclui que,

Esta suposta mercadoria, “a força de trabalho”, não pode ser impelida, usada indiscri-minadamente, ou até mesmo não-utilizada, sem afetar também o indivíduo humano que acontece ser o portador dessa mercadoria peculiar. Ao dispor da força de trabalho de um homem, o sistema disporia também, incidentalmente, da entidade física, psico-lógica e moral do “homem” ligado a essa etiqueta. Despojados da cobertura protetora das instituições culturais, os seres humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social; morreriam vítimas de um agudo transtorno social, através do vício, da perver-são, do crime e da fome. A natureza seria reduzida a seus elementos mínimos, cons-purcadas as paisagens e os arredores, poluídos os rios, a segurança militar ameaçada e destruído o poder de produzir alimentos e matérias-primas. Finalmente, a adminis-tração do poder de compra por parte do mercado liquidaria empresas periodicamente, pois as faltas e os excessos de dinheiro seriam tão desastrosos para os negócios como as enchentes e as secas nas sociedades primitivas. (POLANYI, 2000, p.94)

Assim, os mercados de trabalho, terra e dinheiro se manifestam enquanto essenciais para

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a formação da economia de mercado. Porém, para Polanyi (2000, p. 95), não há sociedades que suportem os refl exos fi ctícios desta, a não ser que “sua substância humana natural, assim como a sua organização de negócios, fosse protegida contra os assaltos desse moinho satânico6”.

O TERRITÓRIO E SUAS PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO

A dinâmica que engendra o desenvolvimento territorial perpassa pelas construções his-tóricas e seu mecanismo de apropriação, tendo por base a materialização de identidades num determinado tempo e espaço, no caso específi co, tentaremos compreender a constituição do processo de desenvolvimento territorial. Vislumbramos que, no contexto do expansionismo imperialista europeu, do fi nal do século XIX, os impasses apontados por Polanyi (2000) começaram a assolar as nações, ao pas-so que a evolução do sistema mercantil aumentava os problemas sociais e ambientais. Neste contexto há o surgimento da vertente teórica de desenvolvimento visando o fomento de alterna-tivas que viessem proporcionar o equilíbrio entre homem e natureza no âmbito da organização produtiva.

Assim, compreendendo as refl exões institucionalistas de Polanyi (2000), verifi ca-se que na tentativa de subordinação do homem, da natureza e da organização produtiva aos ditames da economia de mercado, há uma visualização fundamentada no processo de as instituições sociais determinarem as relações econômicas, sendo a natureza posta em seu local de origem. Entretanto, o autor reitera que, a transformação da terra, do trabalho e do dinheiro, conforme apontado, implica em mudanças sociais e ambientais desastrosas, haja vista o fato de que estes constituem os elementos essenciais num território, sendo pois estes inseparáveis e não, neces-sariamente produtos.

Para compreensão da concepção, no que se refere a questão territorial, segundo Haes-baert & Limonad (2007, p. 42),

• primeiro, é necessário distinguir território e espaço (geográfi co); eles não são sinônimos, apesar de muitos autores utilizarem indiscriminadamente os dois ter-mos – o segundo é muito mais amplo que o primeiro.

• o território é uma construção histórica e, portanto, social, a partir das rela-ções de poder (concreto e simbólico) que envolvem, concomitantemente, sociedade e espaço geográfi co (que também é sempre, de alguma forma, natureza);

• o território possui tanto uma dimensão mais subjetiva, que se propõe de-nominar, aqui, de consciência, apropriação ou mesmo, em alguns casos, identidade territorial, e uma dimensão mais objetiva, que pode-se denominar de dominação do

6 Os “moinhos satânicos” descartavam todas as necessidades humanas, menos uma: inexoravelmente, eles começaram a triturar a própria sociedade em seus átomos. Assim, os homens tiveram que descobrir a sociedade. Para o Sr. Polanyi, a última palavra é a sociedade. O principal espectador da tragédia da Revolução Industrial foi convocado não pela insensibilidade e ganância dos capitalistas em busca de lucro - embora isto registrasse uma grande desumanidade - mas pela devastação social de um sistema incontrolado, a economia de mercado. Os ho-mens não puderam compreender o que signifi cava a coesão da sociedade. O sacrário mais íntimo da vida humana foi despojado e violado. Não se apreciou em todo o seu potencial o problema do controle social de uma mudança revolucionária; fi losofi as otimistas o obscureceram, fi lantropos sem visão conspiraram com interesses poderosos para escondê-lo e a sabedoria da época ainda não havia nascido. (POLANYI, 2000, p. 10)

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espaço, num sentido mais concreto, realizada por instrumentos de ação político-eco-nômica.

Desse modo as concepções acerca de território e sua dinâmica devem considerar as especifi cidades singulares de cada local em seu processo de desenvolvimento, haja vista a sua característica material e imaterial, apontada por Haesbaert (2008), compreendendo que neste perpassam além de interações econômicas, relações políticas e também com a natureza . Assim, há “uma processualidade inerente à destruição criadora, latente, implícita e ex-plícita, lenta e veloz, multiforme e multidimensional. O real do território e do desenvolvimento está nas suas contradições e em suas unidades dialógicas” ( SAQUET, 2011, .p. 06). Nesse sen-tido, e, compreendendo as unidades dialógicas presentes no território, inferimos que, conforme apontado por Polanyi (2000), a conversão da terra do trabalho e do dinheiro, no nos meandros que engendram a materialização da organização produtiva em mercadoria, refl ete na ocorrência de mudanças sociais e ambientais bastante ferrenhas, sendo pois estes fatores únicos e inerentes ao mesmo tempo. Assim, vislumbramos que a estrutura do sistema de mercado posto, prima a mercantilização do território, não considerando os seus aspectos relacionais que constituem os fatores econômicos, sociais e ambientais determinantes.

Deste modo, Saquet (2011, p. 07), aponta que,

Há, assim, múltiplas determinações do território e do desenvolvimento, que precisam ser consideradas nos estudos e nos processos de planejamento e gestão do território e do desenvolvimento: sociais, naturais, espirituais, históricas, relacionais. Isso requer, evidentemente, categorias apropriadas para sua compreensão, explicação e para a atuação em projetos de planejamento e gestão territorial, tais como: a) pro-cessualidade: histórica e relacional, social e natural; b) totalidade: relações transesca-lares por meio de redes concretas e virtuais; c) interatividade: interações, conexões, contradições, simultaneidades, envolvendo as relações essência-aparência, mediato-imediato, forma-conteúdo, espaço-tempo, espaço-território e assim por diante.

Desse modo, compreender a dinâmica territorial, no cerne do modelo de desenvolvi-mento, é reconhecer que cada território, em suas instituições específi cas cria, distintamente, os aspectos de sua formação engendrada nas características que culminaram no seio de suas interações sociais, ambientais e econômicas. Nesse sentido, os processos históricos, se materializam enquanto arraigados de poder, identidades e redes, bem como os aspectos exteriores da vida cotidiana, sendo o território o aspecto imanente de propagação deste poder, haja vista que, de acordo com Haesbaert (2004), o território não se apresenta desvinculado de sua construção epistemológica, ou seja a posse sobre a terra, sendo pois este projetado e imbuído dos diversos aspectos culturais que fomentaram a sua construção, relacionando diretamente tanto ao sentido de poder, num âmbito de dominação, quanto em seus aspectos mais singulares e simbólicos, de apropriação.

Assim, infere-se que a formação do território perpassa seus aspectos históricos, cultu-rais e sociais de apropriação e constituição. Numa ótica em que Haesbaert (2007) aponta que,

[...] desde sua origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbó-

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lica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de terre-oterritor (terror, terrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, fi cam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro lado, podemos dizer que, para aqueles que têm o privi-légio de plenamente usufrui-lo, o território pode inspirar a identifi cação (positiva) e a efetiva “apropriação” (HAESBAERT, 2007a, p. 20).

Portanto, o território, no contexto do processo de globalização, se concebe a partir das estruturas cotidianas, onde os movimentos implicam em diversas manifestações perpassando as relações singulares, não sendo relacionados, tão somente a aspectos econômicos, mas ditando o manejo da vida em sociedade, em que os processos históricos perpassam as relações de poder, bem como as relações cotidianas.

Desse modo, e sob a ótica do desenvolvimento global, Polanyi (2000) aponta, que o desenvolvimento concebido pelo sistema de mercado ocasionou numa catástrofe mais cultural que econômica no território. Haja vista que, no processo de implantação da economia de mer-cado, numa sociedade em que as instituições culturais são fragmentadas, homem, natureza e organização produtiva se tornam mercadoria, sendo pois veiculados na esfera do mercado.

Nesse sentido, ainda de acordo com Polanyi (2000, p. 95), na transformação propiciada pelo sistema de mercado,

Ao dispor da força de trabalho de um homem, o sistema disporia também, incidentalmente, da entidade física, psicológica e moral do “homem” ligado a essa etiqueta. Despojados da cobertura protetora das instituições culturais, os seres huma-nos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social; morreriam vítimas de um agudo transtorno social, através do vício, da perversão, do crime e da fome. A natureza seria reduzida a seus elementos mínimos, conspurcadas as paisagens e os arredores, polu-ídos os rios, a segurança militar ameaçada e destruído o poder de produzir alimen-tos e matérias-primas. Finalmente, a administração do poder de compra por parte do mercado liquidaria empresas periodicamente, pois as faltas e os excessos de dinheiro seriam tão desastrosos para os negócios como as enchentes e as secas nas sociedades primitivas.

Percebemos assim, que para Polanyi (2000), ao passo que a economia de mercado se insere em determinada sociedade, há o dilaceramento de suas instituições culturais. Num mo-vimento em que homem, natureza e o processo de organização produtiva passam a constituir o sistema, permeando no âmbito da instituição mercantil e modifi cando toda a estrutura, num contexto de desenvolvimento pautado, única e exclusivamente nos ditames excludentes da ló-gica do capital.

Nesse sentido, para Polanyi, o sistema econômico surge atrelado ao sistema social, sen-do que o processo da falácia econômica operou em meio a sociedade o sistema auto-regulável, que passou a produzir e determinar a vida em sociedade, não considerando o mecanismo que engendra as relações sociais presentes no território, desta forma, tem-se como efeito a criação de um processo de desenvolvimento fragmentado e seletivo.

Assim, e vislumbrando uma perspectiva de desenvolvimento pautada nos anseios pos-

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tos por Polanyi, que o autor Amartya Sen (2000, p.29), defende que

Os fi ns e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles, “meramente útil e em proveito de alguma coisa.” Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser con-siderado um fi m em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais de-simpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e infl uenciando esse mundo.

Dessa forma, o autor tematiza a ótica de desenvolvimento baseado num processo de expansão das liberdades, primando a expansão das liberdades enquanto principal meio para se alcançar o desenvolvimento. Nessa perspectiva Sen (2000, p. 53), aborda que as liberdades se manifestam enquanto substantivas no âmbito da construção dos condicionantes de desenvolvimento, assim o autor defende que a “importância intrínseca da liberdade humana como objetivo preeminente do de-senvolvimento precisa ser distinguido da efi cácia instrumental da liberdade de diferentes tipos na promoção da liberdade humana”. Assim, no que diz respeito à noção de liberdade Polanyi (2000, p.294), ressalta que as “instituições são materializações do signifi cado e do propósito humano. Não podemos atingir a liberdade que procuramos, a menos que compreendamos o verdadeiro signifi cado da liberda-de numa sociedade complexa”, sendo necessária a compreensão acerca dos mecanismos que engendram as relações de mercado, num processo em que o desenvolvimento se apresenta enquanto conciliador dos aspectos sociais, ambientais e econômico que ajusta as perspectivas à lógica do sistema capitalista. Nesse sentido, verifi ca-se que, na construção de um mecanismo em que as relações sociais e a reciprocidade coexistem, é possível verifi car a sobreposição de uma relação sobre as outras, sendo estas sobreposições diretamente relacionadas à instituição do sistema econômico. Nesse sentido, a transformação do homem e da natureza em mercadorias, necessita-vam a formação de propostas de regulação que viessem propiciar a proteção social e ambiental, sendo pois, criado o sistema de proteção social, num movimento dual e com objetivos institu-cionais específi cos, em que a proteção social tinha por fi nalidade “ preservar o homem e a na-tureza, além da organização produtiva, e que dependia do apoio daqueles mais imediatamente afetados pela ação deletéria do mercado” (POLANYI, 2000, p.164) . Dessa forma, em meio aos aspectos devastadores do sistema de mercado, esse sistema utilizava uma legislação protetora, com mecanismo de associação restritiva, utilizando como método instrumentos de intervenção. Cabe ressaltar, que de acordo com o autor, se não fossem as instituições de proteção social, no cerne de desenvolvimento, a economia de mercado teria dilacerado as instituições presentes no território, o que nos permite visualizar o papel da proteção social em meio a esta onda devastadora, que foi o processo de instituição do capital.

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CONCLUSÃO

Ao trazer em seu livro “A Grande Transformação”, as análises acerca da economia de mercado, a partir de seus fundamentos históricos, o autor nos permite vislumbrar a sua maneira sistemática de analisar a sociedade em meio aos ditames que desencadearam na formação eco-nômica, trazendo análises categóricas sobre natureza, homem e organização produtiva. A partir da formação destas categorias, Polanyi (2000) permite que se tenha a formação acerca dos processos de desenvolvimento, em especial nesta pesquisa, sobre o desenvolvimento territorial. A busca pelas bases epistemológicas desta forma de desenvolvimento se deu ao fato de este estar diretamente entrelaçado a todos os percursos que a história traçou ao longo tempo, haja vista que, o que está posto na atualidade está intrinsecamente relacionado ao que já foi e prioritariamente, às suas bases de construção. O que, concomitantemente, permite o vislumbrar dos fatores que coadunam com a atualidade, compreendendo que os fatores atuais de formação do território refl etem diretamente os resquícios de sua formação, principalmente no que tange a ordem econômica. A partir da pesquisa realizada, fez se possível verifi car, com a construção crítica de Polanyi acerca da construção da economia de mercado, que o processo de desenvolvimento desde sua formação até atualidade, em especial, no que diz respeito ao território, se dá de modo seletivo e excludente, arraigado a logica do capital, tendo pois suas perspectivas e materializa-ções politicas sempre amarrados a lógica econômica da busca pelo progresso. Assim, ao coadunar a interpretação das referências sobre território com a construção de Karl Polanyi, fez-se possível a formação de uma interpretação mais completa, ao passo que o autor nos permite vislumbrar a partir dos fatos concretos, ou seja, presentes na história, as bases da formação teórica que culminaram nas discussões acerca do desenvolvimento territorial, nos munindo de categorias de análise que permite que compreendamos as bases históricas e episte-mológicas integralmente.

REFERÊNCIAS

HAESBAERT, R. Dos múltiplos territórios a multiterritorialidade. In. HEIDRICH, A. L. et al. (Orgs.) A emergência da multiterritorialidade: a ressignifi cação da relação do humano com o espaço. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

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