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DESFIANDO O “CASO DO VESTIDO”, UM POEMA DRUMMONDIANO João Pedro Fagerlande Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Secchin Rio de Janeiro Julho de 2011

DESFIANDO O “CASO DO VESTIDO”, UM POEMA … · correspondente ao dia 10 de novembro de 1944 em que o poeta comenta uma carta ... Contudo, a opinião do crítico de que o poema

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DESFIANDO O “CASO DO VESTIDO”, UM POEMA DRUMMONDIANO

João Pedro Fagerlande

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção

do título de Mestre em Letras Vernáculas

(Literatura Brasileira).

Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Secchin

Rio de Janeiro

Julho de 2011

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DESFIANDO O “CASO DO VESTIDO”, UM POEMA DRUMMONDIANO

João Pedro Fagerlande

Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos Secchin

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

Examinada por:

___________________________________

Presidente, Prof. Antonio Carlos Secchin

___________________________________

Prof. Jorge Fernandes da Silveira

___________________________________

Prof. Marco Americo Lucchesi

___________________________________

Prof. Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira (Suplente)

___________________________________

Profa. Angelica Maria Santos Soares (Suplente)

Rio de Janeiro

Julho de 2011

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Fagerlande, João Pedro.

Desfiando o “Caso do vestido”, um poema drummondiano / João Pedro Fagerlande - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2011.

ix, 87f.: 29,7 cm.

Orientador: Antonio Carlos Secchin

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, 2011.

Referências Bibliográficas: f. 85-87.

1. Poesia brasileira. 2. Crítica. I. Fagerlande, João Pedro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação.

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RESUMO

Desfiando o “Caso do vestido”, um poema drummondiano

João Pedro Fagerlande

Orientador: Antonio Carlos Secchin

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em

Literatura Brasileira.

A dissertação analisa detidamente o poema “Caso do vestido”, publicado por

Carlos Drummond de Andrade no volume A rosa do povo. O estudo apresenta e discute

os recursos poéticos empregados no texto de modo a evidenciar o vigor artístico de sua

construção.

Palavras chave: Poesia brasileira – Crítica – Carlos Drummond de Andrade – A rosa do

povo – Caso do vestido

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ABSTRACT

Raveling out “Caso do vestido”, a drummondian poem

João Pedro Fagerlande

Orientador: Antonio Carlos Secchin

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em

Literatura Brasileira.

The dissertation critically analyses the poem “Caso do vestido”, published by

Carlos Drummond de Andrade in A rosa do povo. The study presents and discusses the

poetry resources applied/created by the text, in order to understand its artistic value.

Keywords: Brazilian poetry – Criticism – Carlos Drummond de Andrade – A rosa do

povo – Caso do vestido

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Aos deuses da poesia

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Agradecimentos

A meus pais, meus geradores;

a meu irmão, avesso e complemento;

a Antonio Carlos Secchin, meu professor em poesia;

a Olívia Guedes, pela amiga leitura;

aos queridos professores: Cinda Gonda, Dau Bastos, Eucanaã Ferraz, Jorge Fernandes

da Silveira, Luiz Edmundo Bouças Coutinho, Marco Lucchesi, Maria Lúcia Leitão,

Mônica Fagundes, Ronaldo Lima Lins, Ronaldes de Mello e Souza, Sérgio Martagão

Gesteira;

aos queridos camaradas: Celme de Alcântara, Daniel Gil, Diego Rezende, Douglas

Eleutério, Eduardo Rosal, Élida Fernandes, Estela Rosa, Fernanda Drummond, Gregory

Costa, Iaci Sagnori, Irene Milhomens, João Guilherme, João Pedro de Sá, Julia Pastore,

Liana Carreira, Maria Caú, Natália Gama, Paula Jasmin, Paula Leijoto, Pedro Poranga,

Rafael Nunes, Renato Pardal, Rogério Amorim, Rosangela Val, Tessi Gomes, Tiago

Okassian, Tião Macedo, Vladimir Aragão, Wanessa Ribeiro.

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me conta por que mistério amor se banha na morte

Drummond

9

SUMÁRIO

“Caso do vestido”, 10

1- Introdução, 15

2- O título, 19

3- Métrica, 26

4- Análise passo a passo, 37

5- O poema na obra drummondiana, 72

6- Considerações finais, 80

Anexo, 81

Bibliografia, 85

10

Caso do Vestido

Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido de uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe? Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa. Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, dizei depressa que vestido é esse vestido.

Minhas filhas, mas o corpo ficou frio e não o veste.

O vestido, nesse prego, está morto, sossegado.

Nossa mãe, esse vestido tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai palavras de minha boca.

Era uma dona de longe, vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida, se fechou, se devorou,

chorou no prato de carne, bebeu, brigou, me bateu,

me deixou com vosso berço, foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou. Em vão o pai implorou.

Dava apólice, fazenda, dava carro, dava ouro,

11

beberia seu sobejo, lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou. Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse, a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência e fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais? Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos pisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procurei aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido, me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai, os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim, os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda, de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia as partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal, me curvei... disse que sim.

Sai pensando na morte, mas a morte não chegava.

12

Andei pelas cinco ruas, passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes, não comia, não falava,

tive uma febre terçã, mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo, fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos, costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram, meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro pagou conta de farmácia.

Vosso pai sumiu no mundo. O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberba me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina, com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho, não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda. Mas te dou este vestido,

última peça de luxo que guardei como lembrança

daquele dia de cobra, da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele, ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado confessou que só gostava

de mim como eu era dantes. Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara,

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me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza,

me cortei de canivete, me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina, rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu: vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupa que recorda meu malfeito

de ofender dona casada pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela, quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso, quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela, boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia. Olhou pra mim em silêncio,

mal reparou no vestido e disse apenas: — Mulher,

põe mais um prato na mesa. Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor, era sempre o mesmo homem,

14

comia meio de lado e nem estava mais velho.

O barulho da comida na boca, me acalentava,

me dava uma grande paz, um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho, vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço vosso pai subindo a escada.

(in: ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008)1

1 Sempre que fizermos referência aos poemas de Drummond, tomaremos como base esta edição.

15

1 - Introdução

No livro O observador no escritório (1985), diário em que Carlos Drummond de

Andrade aborda temas de ordem principalmente política e literária, há um texto

correspondente ao dia 10 de novembro de 1944 em que o poeta comenta uma carta

recebida de Otto Maria Carpeaux, tratando da questão das composições longas na

poesia moderna. Dirigindo-se a Drummond, Carpeaux afirma:

o poeta não muda de forma, não pode mudar; e a forma de você é e será o verso livre. Agora, o verso livre se mantém em equilíbrio numa poesia de tamanho curto, até médio. Os poemas de tamanho grande precisam dum apoio formal, para não se diluírem

(p.15)

Conforme registrado no diário, o crítico acrescenta à carta: “Então, lembro-me

de que aqueles poucos poemas longos dos quais gosto (...) são poemas narrativos.”

(p.16). Após citar a observação, Drummond formaliza um seco e instigante: “A

meditar.”

Embora o poeta mineiro tenha empregado majoritariamente o verso livre em

suas composições publicadas até a chegada da carta de Carpeaux, ele já havia escrito

poemas regularmente metrificados, inclusive em seu livro de estreia, Alguma poesia (cf.

“Cantiga de viúvo” p.14). No mesmo volume, o autor, em fase modernista, flertara com

a forma fixa até num de seus mais famosos versos, o decassílabo

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

(“Poema de sete faces” p.5)

passando pelos dísticos eneassilábicos e octossilábicos de “Toada do amor” (p.8)

E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga (...) Mariquita, dá cá o pito, No teu pito está o infinito.

pelos novamente octossilábicos de “Poema que aconteceu” (p.17)

nenhum problema nesta vida

16

o mundo parou de repente os homens ficaram calados domingo sem fim nem começo. A mão que escreve este poema não sabe que está escrevendo

pela redondilha maior em “Balada do amor através das idades” (p.29)

para matar seu irmão. Matei, brigamos, morremos. Virei soldado romano, perseguidor de cristãos. Na porta da catacumba encontrei-te novamente.

dentre outros exemplos que demonstram que sua poética já apresentava, ainda que

latente, um importante componente métrico. Carpeaux, escrevendo a carta em 1944,

não dispunha da visão que ora temos sobre o processo métrico regular na obra

drummondiana – que alcançaria maturidade principalmente em Claro enigma, de 1951

–, daí incorrer na problemática afirmativa: “a forma de você é e será o verso livre”.

Contudo, a opinião do crítico de que o poema longo deve se sustentar por meio

de uma narrativa metrificada sensibilizou Drummond, que se pôs “A meditar” sobre o

assunto.

Não podemos afirmar categoricamente que a carta levou o poeta a escrever

poemas de tal natureza. Porém, propondo-nos a analisar um dos mais consagrados

textos drummondianos que seguem essa linha – “Caso do vestido”, de A rosa do povo,

de 1945 –, não temos como desconsiderar as observações de Carpeaux, dirigidas ao

escritor mineiro antes da publicação do livro.

Um crítico que comentou o desenvolvimento do poema longo na obra

drummondiana foi Joaquim-Francisco Coêlho (1973), registrando que, desde 1930, os

textos

aumentam pouco a pouco de tamanho, numa linha evolutiva cujo ponto alto, depois de passar por Sentimento do mundo, estará nas grandes odes de A rosa do povo.

(p.48)

Os poemas longos chegam a constituir maioria em A rosa do povo; destes,

porém, a minoria segue os preceitos sugeridos por Carpeaux.

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Uma também importante característica do livro é a presença de composições

com forte empenho político, como evidencia o desfecho de “Nosso tempo”:

O poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme.

(p.130)

O famoso poema “Morte do leiteiro” (p.168 a 170) também compartilha de tal

empenho, ao configurar a cena de assassinato de um humilde (“veio do último

subúrbio”) trabalhador – confundido com um ladrão – pelo qual o eu-lírico nutre

simpatia:

Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão.

A denúncia político-social fica ainda mais clara num verso logo posterior ao

assassinato: “Está salva a propriedade.”.

Lembremos que o contexto de escritura de tais poemas é a Segunda Guerra

Mundial, que, observada sob o espírito de denúncia, deixa suas marcas:

Meus olhos são pequenos para ver o general com seu capote cinza escolhendo no mapa uma cidade que amanhã será pó e pus no arame. (“Visão 1944” p.205)

A guerra é responsável por versos de expressiva dramaticidade, como “soldados

se matam / no centro da cidade vencida” (“Idade madura” p.191).

Outros textos que colaboram para criar um imaginário de forte conotação

política – com ênfase no comunismo – são “Carta a Stalingrado” (p.201), “Telegrama

de Moscou” (p.202) e “Com o russo em Berlim” (p.208 a 210). Ressaltemos, porém,

que o caráter político-social não abarca todos os poemas da obra, que incidem em

diversos assuntos, como a metapoesia, a família, a memória, dentre outros.

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Sobre o aspecto político, vale a pena evocarmos as palavras de Sebastião Uchôa

Leite (1978):

A adesão política, que em outros poetas assumiu só a atitude de manifesto, assume em Drummond uma feição mais retorcida. Rosa do povo ultrapassa a visão partidarista. Nem pessimista nem otimista, essa visão é sobretudo crítica e conflitiva.

(p.280)

CDV2

O poema, contudo, aí não se esgota. O que nos impressiona no texto não são

apenas os temas discutidos, mas principalmente o vigor artístico de sua composição,

construído através de mecanismos poéticos dos mais sofisticados ao mesmo tempo em

que apresenta consideráveis marcas da linguagem popular.

é poema inserido nessa linhagem, no sentido de denúncia de uma

realidade sócio-histórica patriarcal que oprime a mulher. Evitando o cunho panfletário,

o texto se constitui através de uma linguagem “crítica e conflitiva”, servindo para

problematizar as relações familiares.

Nossa dissertação pretende, nesse sentido, analisar os procedimentos

empregados por Carlos Drummond de Andrade para configurar a estrutura poética de

CDV. Para isso, faremos uma leitura do texto em várias camadas, cada qual

constituindo um capítulo; começaremos pelo título, para então discutirmos a métrica,

chegando a uma análise passo a passo, para enfim terminar com a contextualização do

poema na obra drummondiana.

Esperamos que nosso trabalho possa contribuir para os estudos críticos sobre o

autor, oferecendo um mergulho num de seus mais importantes textos.

2 A partir de agora vamos nos referir a “Caso do vestido” como CDV.

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2 – O título

Sabemos que as palavras, em geral, possuem mais de um significado. A

depender do contexto em que for empregada, a palavra terá um(ns) significado(s)

acionado(s), outro(s) não.

Esta observação nos parece importante ao atentarmos para o primeiro vocábulo

do poema: caso. São muitas as suas possibilidades significativas; mostraremos como

Drummond aproveita sua polissemia numa estratégia de valorização da palavra.

Verifiquemos no Dicionário Houaiss suas definições. Grifamos em negrito os

significados que, a nosso ver, são acionados pelo poema numa primeira leitura.

1 o que acontece, aconteceu ou pode acontecer; fato, ocorrência, sucesso <esse. c. aconteceu há dois anos> 1.1 JUR causa, demanda 2 ato, ação, feito <envolveu-se num c. de extorsão> 3 particularidade que acompanha um fato; circunstância, condição <neste c., recuso-me a participar do acordo> 4 o que é suscetível de gerar alguma conseqüência ou fazer prevê-la <isto é c. para divórcio> 5 fato ou conjunto de fatos que, em torno de pessoa ou acontecimento, compõem situação problemática e/ou de grande repercussão <o c. da coroa roubada> <o c. Dreyfus> <o c. Garrincha> 6 história, conto, narrativa, anedota <era um grande contador de casos> 7 sério desacordo; desavença, desentendimento <um c. os separou para sempre> 8 grande desordem; confusão, escândalo, briga <entrou no bar e criou um c.> 9 ocorrência de uma doença <é o terceiro c. de gripe esta semana> 10 B relação amorosa, esp. a clandestina; cacho <teve um c. com a secretária> 11 p.met pessoa com quem se mantém essa relação; amante, cacho <a secretária é seu c. há anos> 12 p.ext. relação estreita com pessoa, entidade ou coisa <está de c. com a máfia> 13 GRAM LING nas línguas de declinação, cada uma das diferentes formas de uma palavra flexionável que indicam a função sintática da palavra na frase <c. nominativo, vocativo, genitivo etc.> 14 p.ext. LING categoria gramatical que indica a função sintática de um sintagma nominal na frase, podendo ser expressa de três maneiras: a) pela posição do sintagma nominal na frase; b) por preposições; c) por flexão nominal 15 p.ext. LING interpretação semântica que os sintagmas nominais recebem em virtude de sua relação sintática com verbos e preposições, como: agente, paciente, instrumento, origem, alvo etc., em todas as línguas, mesmo aquelas que não marcam o caso por flexão 16 cond. na hipótese de; se <c. ele vá, nós avisaremos>

As definições grifadas são as de acepção mais claramente verificável no

contexto do poema; porém, outras podem ser apontadas a partir de leituras que suscitam

maior discussão. Adentremos essa palavra.

Quanto à definição 1.1, “JUR causa, demanda”, podemos considerar o titulo do

poema como alusão a um caso judicial. Tal sentido é corroborado pelo encaminhamento

dramático do texto, em que a atuação das filhas pode ser comparada à de promotoras de

justiça interrogando a mãe a partir de um elemento que infringe as leis da casa: um

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vestido exposto na parede, fora do armário. Observemos a postura das filhas

interrogando a mãe como num inquérito judicial:

Nossa mãe, dizei depressa que vestido é esse vestido.

Observemos, mais à frente, quão incisivas elas são no inquérito quando a mãe

tenta desconversar:

Minhas filhas, vosso pai chega ao pátio. Disfarcemos. Nossa mãe, não escutamos pisar de pé no degrau.

O poema, nesta acepção, se configuraria como um depoimento da vítima

perante o corpo de jurados – os leitores. Seguindo a linha de raciocínio, o pai seria o réu

do caso. Não há, porem, um veredicto ao fim do poema: o pai não é declarado culpado

ou inocente; ele volta ao círculo familiar quase como se nada tivesse acontecido (“um

sentimento esquisito / de que tudo foi um sonho”).

Um possível veredicto diminuiria consideravelmente a força literária do texto,

ao apregoar uma verdade rígida sobre um comportamento humano. Ao contrário, o que

se nota é uma problematização do julgamento, em que o pai também pode ser

considerado como vítima do próprio ímpeto sexual, sendo este, portanto, mais um “réu”

no caso do vestido. Notemos seu papel de vitima nos versos:

E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós, se afastou de toda vida, se fechou, se devorou, chorou no prato de carne

Interessante observar o verso final do trecho destacado: a carne é o algoz do pai

– réu e vitima no poema.

Continuemos com a análise da primeira palavra, seguindo para a definição de

número nove do dicionário: “ocorrência de uma doença <é o terceiro c. de gripe esta

semana>”. Neste caso, podemos considerar o vestido como metonímia do corpo

feminino, que provoca uma doença (o desejo desregrado) no pai. O fato de a “dona

21

ruim” não estar individualizada sob um nome – como, aliás, nenhum dos demais

personagens do poema – corrobora nossa interpretação no sentido de tornar o desejo

pela “outra” uma doença que afetará a saúde do casamento.

Além de metonímia, o vestido é o catalisador da doença que atinge o pai,

tornando-se peça fundamental para incitar o desejo pelo corpo feminino:

O seu vestido de renda, de colo mui devassado, mais mostrava que escondia as partes da pecadora.

O pecado pode ser aproximado à noção de doença, se considerado o contexto da

família cristã (“eu fiz meu pelo-sinal”). O “colo mui devassado” do vestido sugere uma

mulher devassa, pronta para arruinar a saúde matrimonial.

Em outro momento do texto, quando a “dona ruim” vai pedir perdão à mãe, o

amor é comparado a uma doença, ainda que sutilmente:

Eu não tinha amor por ele, ao depois amor pegou.

O uso do verbo pegar neste tipo de construção, no sentido de contrair, é o

mesmo utilizado em frases como “Fulano pegou uma gripe”. O amor, assim, se constitui

neste trecho como doença contagiosa, que a dona ruim pega do pai apaixonado.

Vale lembrar que, ao longo do poema, as relações amorosas são descritas como

moléstias, como quando:

a) o pai se apaixona pela outra:

E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós, se afastou de toda vida, se fechou, se devorou,

b) a mãe perde a companhia do pai, seu amado:

Saí pensando na morte, mas a morte não chegava. (...) não comia, não falava,

22

tive uma febre terçã3

mas a morte não chegava. ,

c) a dona ruim perde a companhia do pai, também seu amado:

Me joguei a suas plantas, fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara, me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza

Assim, percebemos que CDV é também um caso de doença.

Sigamos para outra definição do vocábulo, desta vez a de número 11: “p.met

pessoa com quem se mantém essa relação [amorosa, esp. a clandestina]; amante, cacho

<a secretária é seu c. há anos>”.

Nesta acepção, podemos considerar o pai como o caso do vestido, aquele que

mantém uma relação amorosa com uma mulher (metonimizada pelo vestido) fora do

casamento. Relacionando esta definição com a anterior, podemos dizer que a doença do

pai é ser o caso, o amante dos “vestidos” para além de sua casa.

Percebemos, portanto, como Drummond aproveita a polissemia do termo caso,

desdobrando-o ao longo do texto. E estas várias significações da mesma palavra não se

excluem; pelo contrário, se reforçam umas às outras, tornando o vocábulo mais

vigoroso. O fato de não haver no título artigo precedendo-o parece sugerir maior ênfase

à palavra, que prescinde de adjuntos adnominais.

O jogo polissêmico na primeira palavra do poema demonstra a extraordinária

capacidade de condensação poética de Drummond. E nos faz lembrar a concepção de

Ezra Pound sobre o que ele chama de grande literatura: “linguagem carregada de

significado até o máximo grau possível” (1970, p.32).

A segunda palavra do título, o complemento nominal “do”, também tem a sua

importância, por se tratar de uma contração da preposição “de” com o artigo definido

“o”. A presença do artigo definido aponta para a especificidade deste vestido dentre os

demais. Não à toa ele se encontra fora do armário, apartado das outras vestimentas. Não

3 Atentemos para a febre terçã da mãe na ocasião, representando a doença causada pelo amor

(ou pela incorrespondência do amor).

23

é um vestido qualquer, mas o vestido, aquele que marca definitivamente a trajetória da

família representada.

Já a última palavra do título pode ser considerada a mais importante do poema.

Ela é o motivo gerador que desencadeia toda a ação dramática, desde o plano presente4

(em que a mãe narra o caso para as filhas) até o passado (em que a peça de roupa, “de

colo mui devassado”, serve para atrair o marido). O vestido é inclusive utilizado como

substituto da palavra traição, como verificamos no fim do texto:

um sentimento esquisito de que tudo foi um sonho, vestido não há... nem nada.

Ou seja, a peça de roupa é a síntese do texto, o motivo central do poema. No

vestido cabem o corpo feminino, o desejo masculino, os papéis do homem e da mulher

numa sociedade tradicionalista, a traição, o segredo, a confidência, a dor... Torna-se,

assim, um signo repleto de significações, ampliando o âmbito da palavra para muito

além de suas previsíveis acepções.

Nesse sentido, podemos resgatar alguns versos do segundo poema de A rosa do

povo, “Procura da poesia” (p.118), para entender a ação do poeta sobre a palavra.

Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

A tarefa do poeta, portanto, é retirar a palavra de seu estado de dicionário para

empregá-la em novas realizações, com o objetivo de reinaugurar a linguagem. É

exatamente isso o que Drummond faz com a palavra vestido – e não apenas com ela,

obviamente. Eis sua “magia lúcida”, na expressão de Marlene de Castro Correia.

É a autora, inclusive, que nos lembra:

Fazer poesia consiste em (...) manejá-las [as palavras] de forma específica, atualizando suas virtualidades expressivas, combinando-as com tal eficácia que elas adquirem plenitude de significação. (...)

4 Discutiremos no próximo capítulo questões referentes aos tempos presente e passado no poema.

24

Em consequência, o compromisso primeiro do poeta é o enriquecimento expressivo da língua.

(2002, p. 15)

Dentre as várias possíveis leituras do signo vestido, uma nos parece interessante:

a do vestido como tecido poético, como texto bordado no processo discursivo da mãe

diante das filhas.

Sobre as relações entre texto e tecido, há trecho de um ensaio de Ana Maria

Machado (“O Tao da teia – sobre textos e têxteis”) que merece atenção. Nele a autora

comenta suas reflexões a partir de uma conversa com seu orientador de doutorado,

Roland Barthes. Leiamo-la.

[Barthes] Mencionou que isso era muito interessante, porque várias das

palavras que se usam para designar o texto e a escrita derivam de outro conjunto de atividades tradicionalmente femininas, a fiação e a tecelagem – que haviam chamado sua atenção nos últimos tempos, por ele ter se ocupado especialmente da moda como sistema de significação. Deu como exemplo a própria palavra texto (variante de tecido). Comentei com ele que, realmente, em português, ao tratarmos da narrativa, falamos em trama, em enredo, em fio da meada... Dizemos que “quem conta um conto aumenta um ponto”. E temos as palavras novelo e novela.

Enfim, essas idéias de relacionar a escrita e o tecer, fiar e bordar já vinham girando havia muito tempo em meu espírito, e não havia nada demais nisso. Eu apenas estava tendo consciência de algo já perfeitamente assimilado e registrado por nossa linguagem de todos os dias, criação anônima e coletiva da nossa cultura pelos séculos afora.

(in: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300011)

Em nossa cultura, em nossa língua, há uma relação próxima entre texto e tecido.

Não podemos saber se Drummond utilizou o vestido para apontar especificamente essa

relação – mas cabe a nós, num empenho interpretativo, sinalizar a aproximação entre os

dois materiais.

Primeiro, o poema tem início pela presença do vestido. Texto e tecido começam

juntos:

Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?

Segundo, o fato de haver apenas mulheres no plano presente do poema, em que

a narração acontece – em que o discurso é tecido – nos parece muito significativo.

25

Como aponta Ana Maria Machado, fiação e tecelagem são atividades tradicionalmente

femininas.

Terceiro, o vestido é de renda, ou seja, manufaturado. Não se trata de um

produto industrial de larga escala, mas sim feito através da presença humana – como a

poesia. Mesmo que para isso se usem máquinas, a de escrever5

A nosso ver, portanto, a mãe é a personagem responsável por bordar o “Caso do

vestido”; isto é, é ela quem costura discursivamente a significação que torna esta

vestimenta diferente das demais. É ela a narradora do caso, quem tece o poema.

e a de costura.

Podemos pensar, ainda, no vestido de renda como uma obra dentro da obra, na

figura de linguagem também conhecida como mise-en-abîme, ou visão em abismo. O

fato de o vestido estar exposto, ocupando posição análoga à de um quadro, corrobora

essa consideração. Se unirmos tal constatação à anterior, da relação entre vestido e

texto, não seria muito difícil comparar o vestido a um texto literário a ser desvendado.

Assim, a mãe seria uma intérprete da primeira obra, apontando os significados

ocultos aos leitores menos experientes (as filhas). Claro que não se trata de uma exegese

nos moldes tradicionais; muito pelo contrário, é uma leitura absolutamente pessoal e

passional da obra exposta, sem critérios avaliativos que não sua própria experiência

como esposa traída. Mas ainda assim há uma forma de conhecimento nessa exegese;

não um conhecimento teórico sobre o valor artístico da obra, mas um conhecimento

empírico que atribui sentido ao texto-tecido exposto. E não custa lembrar: se não

houvesse tal leitura, tal explanação, não haveria o poema.

A mãe, na exegese, “desfia” o vestido, mostrando as linhas narrativas que o

compõem. E o processo de desfiá-lo ocorre simultaneamente com o ato de bordar o

CDV. Dessa forma, o poema se estrutura a partir de um processo de leitura-escrita.

5 Em 1945, ano de publicação do poema, ainda não havia computador pessoal.

26

3 – Métrica

CDV é composto de 150 versos heptassilábicos (redondilha maior) organizados

aos pares, totalizando 75 dísticos.

Conforme sinaliza Mirella Vieira Lima (1995), há tendência à acentuação da

terceira sílaba de cada verso, aproximando o poema dos esquemas utilizados na

literatura de cordel e na cantoria nordestinas. Escreve a autora:

o “Caso do vestido” obedece a padrões estabelecidos na tradição popular, cuja rigidez formal procura preservar a transmissão do ‘caso’ das instabilidades próprias ao ato de fala.

(p. 86)

Do total de 150 versos, 89 têm acentuação na terceira sílaba – ou seja, 59%.

A aproximação ao esquema rítmico da referida literatura popular é

possivelmente um dos aspectos que levaram Antonio Houaiss (1976) a enxergar no

poema um caráter regional. Outros fatores, como o uso de expressões da linguagem oral

como “quede” e “evém”, corroboram sua interpretação. Abordaremos tais aspectos mais

à frente.

Interessa-nos mostrar, também, os poemas drummondianos escritos em

redondilha maior até o aparecimento de “Caso do vestido”, para analisar o imaginário

poético que subjaz a esta recorrência métrica em sua obra.6

O primeiro momento que tal medida surge é em “Cantiga de viúvo” (p.14), de

Alguma poesia.

A noite caiu na minh'alma, fiquei triste sem querer. Uma sombra veio vindo, veio vindo, me abraçou. Era a sombra de meu bem que morreu há tanto tempo. Me abraçou com tanto amor me apertou com tanto fogo me beijou, me consolou.

6 Alguns (poucos) versos dos poemas a seguir desviam do padrão heptassilábico, mas constituem rara exceção no conjunto.

27

Depois riu devagarinho, me disse adeus com a cabeça e saiu. Fechou a porta. Ouvi seus passos na escada. Depois mais nada... acabou.

O poema expressa a ausência de uma esposa falecida, que revisita o eu-lírico

viúvo. O tom melancólico e noturno evidencia-se desde os primeiros versos (“A noite

caiu em minh’alma, / fiquei triste sem querer.”). Observemos ainda a rima entre

“escada” e “nada” ao final do texto (a mesma ao fim de CDV), cujo recurso para

desfecho se aproxima ao do poema em análise: um corte súbito (“acabou”, em “Cantiga

de viúvo”; “eis que ouço / vosso pai subindo a escada”, em “Caso do vestido”).

O próximo texto de Drummond em heptassílabos comparece em Brejo das

almas; trata-se de “Desdobramento de Adalgisa” (p.63).

Os homens preferem duas. Nenhum amor isolado habita o rei Salomão e seu amplo coração. Meu rei, a vossa Adalgisa virou duas diferentes para mais a adorardes. Sou loura, trêmula, blândula e morena esfogueteada. Ando na rua a meu lado, colho bocas, olhos, dedos pela esquerda e pela direita. Alguns mal sabem escolher, outros misturam depressa perna de uma, braço de outra, e o indiviso sexo aspiram, como se as duas fossem uma, quando é uma que são duas. Adalgisa e Adaljosa, parti-me para vosso amor que tem tantas direções e em nenhuma se define mas em todas se resume. Saberei multiplicar-me e em cada praia tereis dois, três, quatro, sete corpos de Adalgisa, a lisa, fria e quente e áspera Adalgisa, numerosa qual Amor.

28

Se fugirdes para a floresta, serei cipó, lagarto, cobra, eco de grota na tarde, ou serei a humilde folha, sombra tímida, silêncio entre duas pedras. E o rei que se enfarou de Adalgisa ainda mais se adalgisará. Se voardes, se descerdes mil pés abaixo do solo, se vos matardes alfim, serei ar de respiração, serei tiro de pistola, veneno, corda, Adalgisa, Adalgisa eterna, os olhos luzindo sobre o cadáver. Sou Adalgisa de fato, pensais que sou minha irmã ou que me espelho no espelho. amai-me e não repareis! Uma Adalgisa traída presto se vinga da outra. Eu mesma não me limito: se viro o rosto me encontro, quatro pernas, quatro braços, duas cinturas e um só desejo de amar. Sou a quádrupla Adalgisa, sou a múltipla, sou a única e analgésica Adalgisa. Sorvei-me, gastai-me e ide. Para onde quer que vades, o mundo é só Adalgisa.

Atentemos para a primeira estrofe do poema, que aborda a vontade dos homens

de terem duas mulheres – um dos temas de CDV. Para aplacar o ímpeto sexual do rei

Salomão, ela se desdobrará em várias, tornando-se mulher ideal, ilimitada, único

remédio7

O próximo passo na trajetória é “Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte”

(p.69 a 71), de Sentimento do mundo.

possível para o desejo masculino (“Sou a quádrupla Adalgisa, / sou a múltipla,

sou a única / e analgésica Adalgisa.”). Uma mulher real não seria capaz de satisfazer sua

virilidade.

7 Lembremos do que foi comentado anteriormente sobre a paixão como doença.

29

Eu sou a Moça-Fantasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. Eu sou branca e longa e fria, a minha carne é um suspiro na madrugada da serra. Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria, Maria-Que-Morreu-Antes. Sou a vossa namorada que morreu de apendicite, no desastre de automóvel ou suicidou-se na praia e seus cabelos ficaram longos na vossa lembrança. Eu nunca fui deste mundo: Se beijava, minha boca dizia de outros planetas em que os amantes se queimam num fogo casto e se tornam estrelas, sem ironia. Morri sem ter tido tempo de ser vossa, como as outras. Não me conformo com isso, e quando as polícias dormem em mim e fora de mim, meu espectro itinerante desce a Serra do Curral, vai olhando as casas novas, ronda as hortas amorosas (Rua Cláudio Manuel da Costa), pára no Abrigo Ceará, não há abrigo. Um perfume que não conheço me invade: é o cheiro do vosso sono quente, doce, enrodilhado nos braços das espanholas. – Oh! deixai-me dormir convosco. E vai, como não encontro nenhum dos meus namorados, que as francesas conquistaram, e que beberam todo o uísque existente no Brasil (agora dormem embriagados), espreito os Carros que passam com choferes que não suspeitam de minha brancura e fogem. Os tímidos guardas-civis, coitados! um quis me prender. Abri-lhe os braços... Incrédulo, me apalpou. Não tinha carne e por cima do vestido

30

e por baixo do vestido era a mesma ausência branca, um só desespero branco... Podeis ver: o que era corpo foi comido pelo gato. As moças que ainda estão vivas (hão de morrer, ficai certos) têm medo que eu apareça e lhes puxe a perna... Engano. Eu fui moça, serei moça deserta, per omnia saecula. Não quero saber de moças. Mas os moços me perturbam. Não sei como libertar-me. Se o fantasma não sofresse, se eles ainda me gostassem e o espiritismo consentisse, mas eu sei que é proibido vós sois carne, eu sou vapor. Um vapor que se dissolve quando o sol rompe na Serra. Agora estou consolada, disse tudo que queria, subirei àquela nuvem, serei lâmina gelada, cintilarei sobre os homens. Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna (estrelas não se compreendem), ninguém o compreenderá.

O poema dialoga com “Cantiga de viúvo” ao criar a figura de um fantasma

feminino que volta ao mundo dos vivos. Contudo, “Canção da Moça-Fantasma de Belo

Horizonte” se diferencia daquele texto pelo fato de não ser um espírito individual, mas

coletivizado ou genérico (“Sou a vossa namorada / que morreu de apendicite, / no

desastre de automóvel / ou suicidou-se na praia”) que assume a condição de eu-lírico.

Há uma aproximação a CDV pelo fato de a Moça-Fantasma revelar um desejo

sexual (“Oh! deixai-me dormir convosco”) comparável ao do pai (“Em vão o pai

implorou”). Ela não realiza o desejo (“Se o fantasma não sofresse, / se eles ainda me

gostassem / e o espiritismo consentisse, / mas eu sei que é proibido / vós sois carne, eu

sou vapor.”), porém resolve sua frustração ao enunciá-la (“Agora estou consolada, /

disse tudo que queria”).

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O poema seguinte em redondilhas maiores é “A noite dissolve os homens” (p.83

e 84), ainda em Sentimento do mundo.

A noite desceu. Que noite! Já não enxergo meus irmãos. E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam. A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate, nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão. A noite caiu. Tremenda, sem esperança... Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros. E o amor não abre caminho na noite. A noite é mortal, completa, sem reticências, a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer, a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas. A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio... Os suicidas tinham razão. Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender e dos bens que repartirás com todos os homens. Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva [noturna O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus [dedos, teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão como um sinal verde e [peremptório. Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, minha carne estremece na certeza de tua vinda. O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se [enlaçam, os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio... Havemos de amanhecer. O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

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O texto se divide em duas partes, a primeira em redondilha maior, a outra em

versos livres. Nos heptassílabos se inscrevem a noite, o medo, a incompreensão, a falta

de esperança. Atentemos para a frase inicial do texto, “A noite desceu.”, que muito se

aproxima do início de “Cantiga de viúvo” (“A noite caiu em minh’alma.”). Já no

segundo segmento, em versos livres, se inscreve a aurora, com suas luzes, bens, o sinal

verde, a fluidez, a inocência, o “perdão simples e macio”. O contraste entre as duas

opções métricas sugere que a redondilha maior suporta um aspecto sombrio, noturno,

em oposição à clareza e à doçura do verso livre.

O passo seguinte em nossa trajetória é o terceiro fragmento de “Edifício

esplendor” (p.97), do livro José.

Oh que saudades não tenho de minha casa paterna. Era lenta, calma, branca, tinha vastos corredores e nas suas trinta portas trinta crioulas sorrindo, talvez nuas, não me lembro. E tinha também fantasmas, mortos sem extrema-unção, anjos da guarda, bodoques e grandes tachos de doce e grandes cismas de amor, como depois descobrimos. Chora retrato, chora. Vai crescer a tua barba neste medonho edifício de onde surge tua infância como um copo de veneno.

Há um diálogo com o poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu (1994)

(“Oh! que saudades que eu tenho / da aurora da minha vida”), também em

heptassilábico. Utilizando o recurso da paródia, Drummond expressa ojeriza à casa

paterna, desconstruindo o mito da infância esplendorosa, romântica (“Oh que saudades

não tenho / de minha casa paterna.”)8

8 Marlene de Castro Correia (2002) elabora pertinentes comentários acerca da abordagem do poeta quanto a esses temas: “O tratamento dos temas da família e da terra natal representa uma ‘pedra no meio do caminho’ da tradição lírica, a qual, centrada apenas no motivo da saudade, deles abordava prioritariamente (ou apenas) os componentes sentimentais. Drummond imprime a ambos significação filosófica e existencial.” (p.46)

. Observemos a presença do corpo feminino, das

33

“trinta crioulas” “talvez nuas”, sugerindo uma promiscuidade no espaço paterno. O

verso “E tinha também fantasmas” sugere um diálogo com “Cantiga de viúvo” e

“Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte”. E não podemos deixar de citar as

“grandes cismas de amor, / como depois descobrimos”; esse “depois”, podemos intuir,

se realizará especialmente no livro seguinte, em CDV.

O subsequente poema que segue o referido padrão métrico é “Passagem da

noite” (p.132 e 133), já em A rosa do povo.

É noite. Sinto que é noite não porque a sombra descesse (bem me importa a face negra) mas porque dentro de mim, no fundo de mim, o grito se calou, fez-se desânimo. Sinto que nós somos noite, que palpitamos no escuro e em noite nos dissolvemos. Sinto que é noite no vento, noite nas águas, na pedra. E que adianta uma lâmpada? E que adianta uma voz? É noite no meu amigo. É noite no submarino. É noite na roça grande. É noite, não é morte, é noite de sono espesso e sem praia. Não é dor, nem paz, é noite, é perfeitamente a noite. Mas salve, olhar de alegria! E salve, dia que surge! Os corpos saltam do sono, o mundo se recompõe. Que gozo na bicicleta! Existir: seja como for. A fraterna entrega do pão. Amar: mesmo nas canções. De novo andar: as distâncias, as cores, posse das ruas. Tudo que à noite perdemos se nos confia outra vez. Obrigado, coisas fiéis! Saber que ainda há florestas, sinos, palavras; que a terra prossegue seu giro, e o tempo não murchou; não nos diluímos! Chupar o gosto do dia! Clara manhã, obrigado, o essencial é viver!

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O texto segue estrutura semelhante à de “A noite dissolve os homens”,

dividindo-se em metades, duas estrofes9

Confrontemos seus primeiros versos com os de “Cantiga de viúvo” e “A noite

dissolve os homens”: “É noite. Sinto que é noite / (...) no fundo de mim, o grito / se

calou, fez-se desânimo.”. Qualquer semelhança não é mera coincidência...

, a primeira enfatizando a noite, a segunda, o

dia. Não há, porém, o recurso do verso livre para acentuar a diferença entre ambas as

partes do texto. Todavia percebemos que há um emprego mais rigoroso da redondilha

maior na primeira metade, visto que na segunda aparecem dois versos octossilábicos

(“Existir: seja como for. / A fraterna entrega do pão.”). Assim, podemos inferir que a

noite estabelece uma relação mais “fechada”, menos livre no que diz respeito à métrica,

pois composta exclusivamente de heptassilábicos.

O último poema em heptassilábicos, antes de CDV, é “O mito” (p.152 a 157): Sequer conheço Fulana, vejo fulana tão curto, Fulana jamais me vê, mas como amo Fulana. Amarei mesmo Fulana? ou é ilusão de sexo? Talvez a linha do busto, da perna, talvez do ombro. Amo Fulana tão forte, amo Fulana tão dor, que todo me despedaço e choro, menino, choro Mas Fulana vai se rindo... Vejam Fulana dançando. No esporte ela está sozinha. No bar, quão acompanhada. E Fulana diz mistérios, diz marxismo, rimmel, gás. Fulana me bombardeia, no entanto sequer me vê. E sequer nos compreendemos. É dama de alta fidúcia,

9 Em nossa edição da poesia completa de Drummond, o poema se divide em três estrofes. Consultando, porém, uma edição de Nova reunião (1983) o mesmo texto aparece dividido em duas estrofes. Como o poema se configura a partir da relação binária entre noite e dia, consideramos mais fidedigna a segunda versão, visto que estabelece uma oposição mais enfática estruturalmente, dotando as duas estrofes de vinte versos cada.

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tem latifúndios, iates, sustenta cinco mil pobres, Menos eu...que de orgulhoso me basto pensando nela. Pensando com unha, plasma, fúria, gilete, desânimo. Amor tão disparatado. Desbaratado é que é... Nunca a sentei no meu colo nem vi pela fechadura. Mas sei quanto me custa manter esse gelo digno, essa indiferença gaia, e não gritar: Vem, fulana! Como deixar de invadir sua casa de mil fechos e sua veste arrancando mostrá-la depois ao povo tal como é ou deve ser: branca, intata, neutra, rara, feita de pedra translúcida, de ausência e ruivos ornatos. Mas como será Fulana, digamos, no seu banheiro? Só de pensar em seu corpo, o meu se punge...pois sim. Porque preciso do corpo para mendigar Fulana, rogar-lhe que pise em mim, que me maltrate... Assim não. Mas Fulana será gente? Estará somente em ópera? Será figura de livros? Será bicho? Saberei? Não saberei? Só pegando, pedindo: dona, desculpe, o seu vestido, esconde algo? Tem coxas reais? cintura? Fulana às vezes existe demais: até me apavora. Vou sozinho pela rua, eis que Fulana me roça.

Olho: não tem mais Fulana. Povo se rindo de mim.

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(Na curva do seu sapato o calcanhar rosa e puro.) (...)

No poema, o eu-lírico cria a personagem Fulana, sobre a qual projeta sua paixão,

seu desejo (“Amarei mesmo Fulana? / ou é ilusão de sexo?”).

A partir dessa trajetória, percebemos, portanto, que a redondilha maior está

permeada de pré-significados, não configurando um uso aleatório. Podemos observar

que os temas da noite, do sombrio10

A título de curiosidade, lembremos que no livro seguinte, Claro enigma, há o

longo e importante poema “A mesa” (p.292), também composto em heptassílabos, em

que o eu-lírico intenta uma conciliação, após tantos conflitos, com ninguém menos que:

seu pai.

, do desejo sexual, do pai, da ausência, do

sofrimento estão presentes nos poemas heptassilábicos anteriores a “Caso do vestido”,

como espécie de índices a este texto. Não que tenha havido uma intenção proposital do

autor em preparar um caminho até o poema que ora analisamos; mas não podemos

deixar de perceber que existe um imaginário subjacente na redondilha maior em sua

obra, imaginário onde se funda “Caso do vestido”.

10 Francisco Achcar (1993 p.46) salienta o caráter sombrio de CDV.

37

4 – Análise passo a passo

Efetuados os esclarecimentos anteriores, podemos passar para uma análise mais

detida do poema, que será divido em fragmentos para facilitar a abordagem.

Aproveitaremos as considerações de Emanuel de Moraes (1978), que secciona o texto

em prólogo (9 primeiras estrofes), episódio (que subdividiremos em unidades menores)

e epílogo (10 últimas estrofes).

Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego? Minhas filhas, é o vestido de uma dona que passou. Passou quando, nossa mãe? Era nossa conhecida? Minhas filhas, boca presa. Vosso pai evém chegando. Nossa mãe, dizei depressa que vestido é esse vestido. Minhas filhas, mas o corpo ficou frio e não o veste. O vestido, nesse prego, está morto, sossegado. Nossa mãe, esse vestido tanta renda, esse segredo! Minhas filhas, escutai palavras de minha boca.

O poema começa com uma cena no tempo presente, representando o conflito

entre a mãe e as filhas em revelar ou ocultar o significado do vestido. As filhas desejam

recuperar o passado através de uma narrativa que atribua sentido ao presente, pelo

estranhamento causado por uma peça de roupa exibida fora de seu lugar habitual. A

mãe, porém, prefere não retornar ao passado traumático (“O vestido, nesse prego, / está

morto, sossegado.”).

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A primeira palavra é um pronome possessivo, “Nossa”, que estabelece relação

não apenas familiar, mas também pronominal, entre mãe e filhas. Percebemos que o uso

do possessivo será frequente ao longo do discurso, aparecendo também quando a mãe se

refere ao marido (“Vosso pai”). Notamos que há uma ironia no uso desses pronomes: a

princípio eles poderiam servir para enfatizar a relação de pertencimento entre os

membros da família, mas acabam tornando-os mais distantes. As filhas não a chamam

de “mamãe”, preferindo o “nossa mãe”, com certo distanciamento formal.

Não deixa de ser curioso que a mãe nunca se refira ao pai como “meu marido”,

mas sempre como “vosso pai”. O pai pertence às filhas, à casa, à família, e não a ela

como indivíduo. Ele estabelece relação semelhante para com a cônjuge, chamando-a

apenas de “Mulher”, ao final do poema. A ruptura do vínculo amoroso entre eles é

correspondida, no plano gramatical, pela ausência dos pronomes possessivos. O texto

problematiza as relações familiares, e o modo de tratamento entre os personagens é uma

das formas dessa problematização.

É interessante perceber que a pergunta inicial das filhas não é “o que faz aquele

vestido naquele prego?”. Elas recorrem ao verbo ser, “o que é aquele / vestido naquele

prego”. Parecem ter consciência de que o vestido representa algo, não se tratando

apenas de uma simples peça de roupa. O deslocamento da vestimenta (do armário, onde

se espera encontrar as roupas, para o prego) atribui-lhe nova significação, o que faz as

filhas precisarem de uma intérprete11

As filhas se constituem num personagem coletivo, remetendo-nos ao coro do

teatro grego tradicional. O coro era composto por cidadãos de menor status social –

como o são as filhas na patriarcal família representada –, e participava dos

acontecimentos como comentador, informante, conselheiro e observador (Margot

Berthold, 2004 p.114). O coro, em CDV, observa a estranheza do dado inicial (o vestido

no prego) e exige uma explicação ao protagonista, a mãe, que se configura neste papel

pela tenacidade do coro (“Minhas filhas, escutai / palavras de minha boca.”). Não

podemos deixar de apontar, portanto, a teatralidade que subjaz no poema.

, a mãe, para entender seu significado.

Outra categoria pronominal que nos parece de suma relevância no trecho

destacado é a dos demonstrativos. Observemos que o vestido começa afastado das filhas

(“aquele vestido”) e próximo da mãe (“o vestido”). Numa estratégia dêitica, as filhas

11 Lembremos o que foi comentado anteriormente sobre a mãe como exegeta do vestido-texto.

39

buscam se aproximar da vestimenta – e de seu significado até então oculto – através da

variação dos demonstrativos, passando de “aquele vestido” (v.1) para “esse vestido” (v.

10). A mãe, tentando afastar a vestimenta e a narrativa a ela subjacente, sinaliza que “o

vestido” está “nesse prego”; ou seja, salienta a distância em que a roupa está instalada.

Lembremos que o esse serve para designar um objeto próximo ao interlocutor;

percebemos, portanto, um jogo de “empurra-empurra” do vestido, em que nenhum dos

dois locutores pode/quer assumir total proximidade em relação a ele. Porém as filhas

“forçam o jogo” para cima da mãe (“esse vestido / tanta renda, esse segredo”), e acabam

por vencer a disputa dêitica.

Outro recurso que elas utilizam para forçá-la a explicar a vestimenta é a ênfase

no acoplamento, apontado por José Guilherme Merquior (1975), citando Samuel Levin:

“O acoplamento ocorre quando a convergência das formas linguísticas naturalmente (isto é, semanticamente) equivalentes se encontram em posições por sua vez equivalentes.”

(Levin, 1962 cit. por Merquior, 1975 p.64).

O acoplamento pronome demonstrativo + substantivo ocorre algumas vezes no

prólogo, mas as filhas enfatizam-no no trecho destacado (“esse vestido”, “esse

segredo”).

Mais um recurso empregado pelas filhas para forçarem a mãe a narrar o vestido-

texto é a repetição (“que vestido é esse vestido”). A repetição na poesia de Drummond

foi analisada por Gilberto Mendonça Teles, em Drummond – a estilística da repetição.

O crítico se detém principalmente sobre repetições ternárias na obra do poeta (“mente

mente mente / desesperadamente”), porém uma de suas considerações pode ser evocada

para compreendermos tal mecanismo no poema. Diz o autor que, na obra

drummondiana, uma das funções da repetição é revelar estados psicológicos obsessivos

(id ibid p.185). Assim, o estado anímico das filhas é representado não por uma

descrição externa, mas pelo modo como elas reiteram um signo; a repetição da palavra

“vestido”, portanto, revela a obsessão das filhas em descobrir o significado do traje.

O verso “que vestido é esse vestido” serve para enfatizar a diferença desta

vestimenta dentre as demais. Poderíamos, num gesto interpretativo, reescrevê-lo pondo

inicial maiúscula no primeiro vê (que Vestido é esse vestido), apartando-o das roupas e

dos nomes comuns. É justamente o que, num plano simbólico, fará a narrativa da mãe,

atribuindo maiusculidade a essa letra.

40

Notamos que, para encaixar este verso no padrão métrico da redondilha maior, é

necessário considerar a elisão das sílabas do/é/e, num ditongo razoavelmente forçoso.

Mas tal componente métrico apresenta sua correspondência no plano temático,

sugerindo a pressa, a incontrolável vontade das filhas em satisfazer sua curiosidade.

Além destes recursos, também percebemos a representação do estado anímico

das filhas pela pontuação empregada em suas falas. Observemos como elas realizam um

percurso que começa na dúvida,

Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?

passa pela afirmação imperativa,

Nossa mãe, dizei depressa que vestido é esse vestido.

até chegar à exclamação:

Nossa mãe, esse vestido tanta renda, esse segredo!

Influenciada pela gradativa curiosidade das filhas, que vão da simples dúvida à

insistência do grito, e pelos outros recursos poético-argumentativos empregados, a mãe

finalmente narrará o caso.

Examinemos a última palavra do segundo verso: “prego”, o instrumento que

segura o vestido na parede. Dado o contexto cristão da família representada (“fiz meu

pelo-sinal”), esse prego não nos parece aleatório, mas antes revestido de valores

simbólicos, aproximando a cena descrita à crucificação de Cristo, imbuindo

dramaticidade ao poema. Não há, porém, um corpo ali pregado; há sim uma lacuna, a

ausência de um corpo, e o preenchimento dessa lacuna é o motivo gerador do texto.

É curioso perceber como a mãe denomina a mulher que traiu seu marido: dona.

Comentamos há pouco sobre o uso dos pronomes possessivos no poema; atentemos que

o termo dona também pertence ao campo da possessividade, um dos motes do texto.

Não podemos deixar de perceber uma ironia nesse jogo de possessividades. Depois de

tantas perdas e frustrações amorosas, podemos inquirir: quem possui quem, afinal? De

41

que adianta a possessividade conjugal/familiar? O matrimônio cristão assegura a posse

do outro? São questões que CDV provoca.

Nos dísticos de número quatro e cinco notamos uma rima “imperfeita” entre

presa e depressa. Podemos interpretar a oposição fônica entre as duas formas como

recurso para enfatizar a diferença entre mãe e filhas, entre seus respectivos desejos: a

primeira busca fechar o discurso sobre o vestido enquanto as outras o querem abrir.

Isomorficamente, a mãe fecha a vogal e (“prêsa"), ao passo que as filhas abrem-na

(“depréssa”).

Percebemos no trecho destacado uma linguagem solene, pelo uso pouco habitual

da segunda pessoa tanto nos pronomes possessivos (“Vosso pai”) quanto na conjugação

dos verbos (“dizei”, “escutai”). O uso acentuado dos possessivos sugere também uma

formalidade no modo de tratamento entre as personagens (“Passou quando, nossa

mãe?”). Percebemos, portanto, um matiz clássico no discurso empregado.

Mas há também uma palavra de extração regionalista: “evém”. Mendonça Teles

(id. ibid. p.85) nos lembra que ela resulta da aglutinação de “aí vem”. O uso de uma

expressão localista aproxima o texto, em certo sentido, de um registro menos formal,

com marcas de oralidade. Desse modo, verificamos que a linguagem em CDV se

estrutura a partir de uma tensão entre a formalidade e o regionalismo. Discutiremos

melhor essa tensão no capítulo seguinte.

Há no trecho em análise aproximações fônicas entre pares de palavras que

merecem nosso comentário. Nos dísticos 6 e 7 notamos tal recurso poético como forma

de ligar os termos “vestido” e “frio”. Consideramos que esta aproximação é um modo

de adjetivar o vestido sinestesicamente a partir do sentimento que ele desperta sobre a

mãe: frieza. Ela evita descrever o passado porque a narrativa “reaquecerá” o vestido,

evocando o fogo passional entre o pai e a dona de longe. A rima com frio é menos

dolorosa.

Nos dísticos 7 e 8 há uma aproximação entre as palavras “prego” e “segredo”. A

relação sugere que há uma dor nesse segredo (lembremo-nos da crucificação), dor que

aumentará ao revelá-lo, levando a mãe às lágrimas no meio da narrativa. Podemos

considerar também que o segredo estava pregado, imobilizado, e não convinha ser

aberto naquele momento. Mas não deixa de ser curioso o fato de a mãe ostentar um

segredo, exibindo-o na parede. Até que ponto ela não quer revelá-lo? Ou melhor: seria

possível ocultá-lo? Que armário comportaria “tanta renda”?

42

Quanto às citadas aproximações fônicas, vale a pena trazermos as reflexões de

Hélcio Martins (1968), autor de importante estudo sobre a rima na poesia de Carlos

Drummond de Andrade.

[as rimas] só adquirem verdadeiro valor de expressividade quando atuam sobre o significante, estreitando-lhe os laços com o significado ou com a intenção expressiva, de modo a se tornarem ingredientes do signo poético.

(p.19)

Ele afirma ainda que a rima

não é adereço do poema, engaste que se queira mais acabado ou mais raro, antes desempenha uma função estética e tem um valor expressivo, harmoniza-se no todo poético e converge, com outros elementos da composição, para um fim único, o significante poético.

(p.26)

Assim, a partir de nossos comentários sobre as relações fônicas no prólogo,

percebemos que Drummond demonstra domínio quanto ao uso expressivo da rima,

aproveitando-a para tornar mais vigoroso o significante poético em CDV.

Sigamos para o próximo trecho do poema, o início do enredo pretérito.

Era uma dona de longe, vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida, se fechou, se devorou,

chorou no prato de carne, bebeu, brigou, me bateu,

me deixou com vosso berço, foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou. Em vão o pai implorou.

Dava apólice, fazenda, dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo, lamberia seu sapato.

43

Mas a dona nem ligou. Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse, a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência e fosse dormir com ele...

A narrativa da mãe abre o tempo passado no poema, buscando construir

significação para o vestido através de acontecimentos anteriores. Observemos que o

trecho começa com “Era uma dona de longe”, em que se nota uma ligeira semelhança

com o tradicional prólogo das histórias infantis, o “era uma vez”. O fato de ser uma mãe

narrando às filhas parece acentuar tal semelhança, ainda mais após dizer “escutai /

palavras de minha boca” (enfatizando a situação de oralidade, como percebe Mirela

Vieira Lima id. ibid. p.86), demanda que induz à atmosfera necessária para se

contar/ouvir uma história. Drummond utiliza tal recurso para evidenciar o processo de

abertura da narrativa; e, suprimindo o infantil “uma vez”, afasta qualquer proximidade

com os contos de fadas, tornando – ainda que teatralmente – a história “mais” real,

“menos” fictícia. Trata-se, portanto, de um “caso acontecido”, na expressão de

Guimarães Rosa (2001 p.383).

Reparemos que a mãe começa descrevendo uma dona; mais à frente, no sexto

dístico, ela se tornará a dona. A transição do artigo indefinido para o definido mostra o

percurso da narrativa na definição do corpo que ocupa/ocupou a lacuna do vestido;

lembremos que o preenchimento dessa lacuna é, conforme sinalizamos, um dos motes

geradores do texto. Aos poucos tal mulher ganhará contornos ainda mais definidos.

Trata-se de uma “dona de longe”. Há uma ênfase na distância da pessoa amada,

que se torna mais afastada, menos alcançável, acentuando o desejo do pai. Ao mesmo

tempo, esse “longe” pode ser lido como uma distância em relação aos valores morais da

mãe, visto se tratar de uma dona soberba, devassa. A narrativa realizará uma

aproximação da dona nos dois sentidos; ela deixará a esfera inalcançável (deitando-se

com o pai) e depois se redimirá frente aos valores da mãe (pedindo perdão). Não

podemos deixar de apontar, também, o processo narrativo que vai da indefinição para a

definição moral da dona, dotando o texto, sim, de certo moralismo, ainda que

teatralizado.

44

Observemos o verbo empregado pelo poeta para designar a paixão do pai:

enamorar-se (“vosso pai enamorou-se”). Embora sua origem etimológica seja estar in

amor, reconhecemos que, do ponto de vista sincrônico, ao desmembrarmos tal palavra

encontramos o verbo morar. Parece haver na escolha do termo enamorar uma sutil

relação entre amor e moradia, que é correspondida no texto pelo fato de o pai sair de

casa para viver sua paixão morando com outra mulher. A locução adverbial “de longe”

salienta a distância entre as duas moradas (a da mãe e a da outra), distância que será

percorrida no processo da paixão paterna.

Podemos perceber no trecho destacado a construção de uma dramaticidade

exacerbada. Salientemos o uso dos intensificadores (“tão transtornado”, “se perdeu

tanto de nós”, “se afastou de toda vida”, “tão perversa”), para a escolha dos vocábulos

(“transtornado”12

Essa força expressiva é ressaltada também pelas rimas internas entre os verbos,

que funcionam como significantes de função estruturadora (Martins, 1968). Grifemos os

termos rimantes (em ou e eu) para evidenciar tal procedimento:

, “devorou”, “implorou”), para o comportamento exagerado do pai

(“beberia seu sobejo, / lamberia seu sapato”), para a força expressiva da linguagem com

que se realiza a abertura emocional da mãe.

E ficou tão transtornado, se perdeu tanto de nós, se afastou de toda vida, se fechou, se devorou, chorou no prato de carne, bebeu, brigou, me bateu, me deixou com vosso berço, foi para a dona de longe, mas a dona não ligou. Em vão o pai implorou. (...) Mas a dona nem ligou.

O fato de os termos rimantes serem todos oxítonos e terminados em ditongos

decrescentes colabora para a estruturação musical do trecho. Trata-se de verbos a 12 A palavra “transtornado” parece-nos altamente sugestiva, pois leva dentro de si o tornado, o vento furioso ao qual é associado o estado anímico do pai.

45

criarem uma sequência de ações que estabelecem uma teatralidade aos espectadores (as

filhas e o leitor), em cenas construídas através de notória concisão (“bebeu, brigou, me

bateu”). A estrutura de acoplamento (“se perdeu”, “se afastou”, “se fechou”, “se

devorou”), junto à musicalidade e à força cênica dos verbos, colabora para tornar mais

dramáticos os fatos narrados.

Observemos o vigor das imagens no trecho destacado; o verso “chorou no prato

de carne” mostra a capacidade drummondiana de concentrar a linguagem. O prato

sugere o momento da refeição, considerado sagrado na cultura cristã. O fato de ele

chorar sobre a refeição constitui um sacrilégio para esta cultura, visto que deveria

agradecer pelo pão de cada dia. Trata-se, porém, de carne, em vez de pão; esta carne

parece representar o desejo pela dona de longe, a pulsão sexual. Nota-se, portanto, um

duplo pecado; ao mesmo tempo o pai está chorando pela frustração de seu desejo, numa

imagem de alta densidade poética criada pela concisão drummondiana.

A dramaticidade é construída também por outros recursos, como a gradação.

Percebemos seu uso, por exemplo, no verso “bebeu, brigou, me bateu”, em que há uma

linha crescente nos excessos cometidos pelo pai, chegando a ferir fisicamente a mãe. A

narrativa materna vai adentrando o vestido-texto para além da superfície (quando estava

na parede quase como obra de arte), num processo de escavação gradativa da dor.

Percebemos tal recurso também nos dísticos

Dava apólice, fazenda, dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo, lamberia seu sapato.

em que o pai vai pouco a pouco perdendo o senso de si até chegar ao máximo da

humilhação. Vale a pena registrar, neste segundo dístico, o emprego do verbo no futuro

do pretérito, que pode marcar tanto uma realidade acontecida (como mais uma das

moedas oferecidas pelo pai ao implorar o amor da dona) quanto algo que poderia ter

acontecido, de acordo com a imaginação da narradora. Esta segunda possibilidade nos

parece interessante, pois evidenciaria a fabricação discursiva da mãe, que constrói o

enredo a partir de seu ponto de vista emocionalmente comprometido. Se considerarmos

este uso do futuro do pretérito como recurso de construção imaginativa, podemos ver

46

mais claramente o apelo dramático da narradora, que busca a empatia das filhas para

com seu sofrimento, inserindo componentes ficcionais ao “caso acontecido”.

Observemos que um dos itens oferecido pelo pai à dona é “fazenda”, termo que

porta curiosa ambiguidade. Embora no texto seu sentido de sítio seja mais coerente,

como algo de muito valor a ser entregue, podemos detectar o eco de outra acepção da

palavra, no sentido de tecido, material para fabricação de um vestido-texto.

O apelo dramático da mãe aparece também num verso anterior, “me deixou com

vosso berço”, que enfatiza sua situação de fragilidade quando do abandono do pai. A

escolha do termo “berço” é crucial para isso, pois torna mais cruel a atitude paterna

diante das filhas ainda bebês.

Porém o esforço do pai não logra êxito, e o poeta repete, com sutil diferença, um

verso anterior (“mas a dona não ligou.” / “Mas a dona nem ligou.”). A repetição torna

mais humilhante a derrota do pai, visto que, após as várias tentativas de conquistar a

mulher, ele retorna ao lugar de origem tanto no plano dos fatos ocorridos quando no da

linguagem poética. A mudança entre os adjuntos adverbiais de negação, de “não” para

“nem”, salienta o desinteresse da dona de longe, deixando claro quão inútil é o esforço

do pai.

Fracassado em suas tentativas, o pai fica, no verso seguinte, “irado”, que

apresenta curiosa relação de rima (fonossemântica) com o “transtornado”. Há também

uma correspondência com “sapato”, do dístico anterior, que representa o rebaixamento

do pai diante da dona. Com tais sentimentos, o pai reconhecerá os próprios limites e terá

que ultrapassar as fronteiras de si, necessitando da ajuda de um outro para conquistar o

corpo do vestido de renda. No ápice do gradativo apelo dramático da mãe, ela descreve

o pai realizando o pedido do pedido (“me pediu que lhe pedisse”), para que ela peça à

dona que durma com o marido, marcando sua total humilhação como esposa.

O trecho em análise termina em reticências, estabelecendo uma lacuna

discursiva. A partir dos dísticos seguintes, entenderemos que tal lacuna representa o

choro da mãe, que precisa interromper a narrativa, dado o grau de emotividade

envolvido. Percebemos mais uma vez como Drummond emprega a pontuação como

elemento expressivo em CDV.

É preciso dizer que a dramaticidade da narrativa materna no trecho destacado

torna-se mais contundente pelo contraste em relação ao prólogo, em que ela desejava

apenas se calar. Tal contraste foi comentado por Marlene de Castro Correia em relação

à poesia drummondiana:

47

A tensão entre essas duas forças – o furtar-se e o expandir-se –, o conflito entre a tendência à desordem passional e a tendência à ordem intelectual que a refreie contagiam a poesia de Drummond de inconfundível dramaticidade.

(2002 p.31)

Percebemos que, num primeiro momento, a mãe tendia ao silêncio, furtando-se

ao discurso sobre o vestido e aos sentimentos a ele associados. Porém, pela insistência

das filhas, ela acaba ocupando o outro polo da dialética sinalizada por Marlene Correia,

expandindo-se numa narrativa altamente passional, que a levará às lágrimas. A tensão

entre os dois polos é um dos fatores que contagia CDV com “inconfundível

dramaticidade”.

Continuemos no poema.

Nossa mãe, por que chorais? Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos pisar de pé no degrau.

O poema volta à cena presente com a interrupção da narrativa materna. A mãe

continua desejosa de permanecer no presente, empregando este tempo verbal em sua

fala (“vosso pai / chega ao pátio. Disfarcemos.”). As filhas, por sua vez, querem saber

mais sobre a história passada, e utilizam um verbo de temporalidade ambígua, que

designa tanto o presente como o passado (“escutamos”). Tal ambiguidade, a nosso ver,

estabelece uma ponte da cena presente para se retornar à narrativa pretérita.

O jogo de temporalidades entremeadas à presença do pai é comentado por

Affonso Romano de Sant’Anna (1972):

Enquanto os dois planos [presente e passado] se alternam e a história avança e recua, a figura do pai movimenta-se sempre no espaço imaginário e concreto da narrativa: está sempre prestes a chegar, está sempre chegando e saindo, indo e voltando e prestes a interromper com sua presença a história passada, que a mãe está narrando às filhas curiosas.

(p.114)

48

Examinemos o lugar onde a mãe diz que o pai está: o pátio. Tal espaço costuma

se localizar no centro do terreno e não possui nenhum tipo de cobertura. Consideramos

que não há apenas uma referência denotativa ao pátio, mas também metafórica; é como

se, para a mãe, o pai estivesse sempre num lugar central e descoberto, vigiando-a. O

pai-ditador está no centro do poder; acima dele, apenas o céu. Diante desse homem, a

mãe precisará se disfarçar, se esquivar, ocupando posição semelhante à do gauche. Este

sujeito impotente parece ser uma das principais questões da poesia drummondiana,

como nos lembra Alcides Villaça (2006):

As impotências reverberam, assumidamente, no âmbito da expressão mais lúcida e iluminadora, constituindo-se assim o paradoxo dramático e nuclear da poética de Drummond.

(p. 13)

O pátio nos remete ao panopticon que Michel Foucault (2001) considera como

metáfora da vigilância e do controle nas sociedades modernas. O panopticon era um

tipo de prisão circular em que o carcereiro podia observar todos os presidiários de um

ponto central, de onde vigiava sem poder ser vigiado. Nesse sentido, é como se a mãe,

impotente, estivesse presa em sua própria morada, e o pai a vigiasse do centro da casa, o

pátio, espaço do poder. As filhas, porém, não estão submetidas à tamanha vigilância

paterna, o que nos permite inferir que essa relação de poder do pai sobre a mãe é antes

uma construção ideológica, uma opressão de ordem principalmente subjetiva. Daí

advém o sujeito retraído, calado, de atitudes furtivas.

É curioso que Drummond, em crônica publicada no volume Passeios na ilha,

defende a ideia de fuga, a mesma que as filhas condenam no poema. Vejamos suas

palavras no referido texto:

A idéia de fuga tem sido alvo de crítica severa e indiscriminada nos últimos anos, como se fosse ignominioso, por exemplo, fugir de um perigo, de um sofrimento, de uma caceteação.

(p.6)

Publicada em livro pela primeira vez no ano de 1952, foi escrita em época

razoavelmente próxima à de CDV. O cronista parece assumir a mesma perspectiva da

mãe, que considera a fuga como possibilidade de evitar o sofrimento. O poema, porém,

apresenta tensão entre as diferentes perspectivas, dotando-se de maior dramaticidade. A

perspectiva das filhas se sobressai à da mãe, que por isso é levada a reviver o passado

49

traumático, chegando ao choro. O cronista, podemos intuir, considera que não vale a

pena derramar essas lágrimas; mas lembremos que se trata de Drummond, o poeta das

sete faces.

A presença do pai na obra poética do autor é comentada por Antonio Candido

(1977), que chega a se referir ao nosso poema:

A partir daí [José] o tema do pai avulta como fixação, de sentido ao mesmo tempo psicológico e social, - tanto mais quanto nessa fase a mãe só aparece episodicamente duas vezes, transferindo-se a sua função para a casa ou a cidade. É tão viva essa presença de cunho patriarcal, que uma balada como ‘Caso do vestido’ – RP [Rosa do povo], completamente desligada das lembranças individuais e da poesia familiar, chega a parecer uma espécie de núcleo desse poderoso complexo. Das brumas de um lirismo quase folclórico, surge nela o patriarca devorador que esmaga os seus e impõe a própria veleidade como lei moral. (p.111)

Seria essa aparição episódica da mãe uma forma de fuga, um modo de evitar os

holofotes teatrais no imaginário poético de Drummond? Uma questão a se pensar.

Consideremos o primeiro verso do trecho em análise. As filhas perguntam o

motivo pelo qual a mãe está chorando (“Nossa mãe, por que chorais?”). Ora, elas já

sabem a resposta, por tudo o que foi dito nos dísticos anteriores, todo o sofrimento da

mãe causado pela paixão do pai. Percebemos, portanto, que se trata de uma pergunta

retórica, que não busca resposta; sua função no texto é revelar ao leitor a cena presente,

com o choro da mãe. Como a teatralidade de CDV é construída sem o recurso da

rubrica, comum no gênero dramático, a pergunta funciona como uma rubrica que mostra

ao leitor a ação física da personagem em cena. E serve também de resposta à lacuna que

as reticências deixaram no dístico anterior.

Notamos o diálogo desta passagem com um trecho do fragmento VII do poema

“Nosso tempo”, também de A rosa do povo. Leiamos os versos:

Há o pranto no teatro, no palco? no público? nas poltronas? há sobretudo o pranto no teatro,

(id. ibid. p.130)

Percebemos que o imaginário do choro num contexto teatral está presente

também noutro momento do livro. Porém CDV não se passa num teatro propriamente

dito – apesar de possuir características teatrais, pelo jogo de vozes e pela ação das

personagens em cena. Não há na mãe, portanto, o fingimento de uma encenação; suas

50

lágrimas são “verdadeiras” pois resultam de uma experiência vivida (ainda que numa

realidade fictícia), e servem para acrescentar maior vigor emocional ao poema.

Observemos as relações fonossemânticas entre algumas palavras no trecho

destacado. A correspondência entre chorais e pai indica o causador do choro da mãe.

Mas o que nos parece mais interessante são as rimas entre cedemos, disfarcemos e a

aproximação fônica a escutamos. Podemos inferir que a mãe utiliza a rima perfeita

(disfarcemos) para aproveitar o momento de concessão das filhas (cedemos), buscando

uma empatia fônica para assim não ter que prosseguir com a dolorosa narração. As

filhas, porém, recusam o pedido da mãe (“Disfarcemos.”) com escutamos, que quebra a

correspondência exata dos sons. A aproximação fônica, no caso, em vez de aproximar

as palavras, torna-as ainda mais distantes, pois evidencia a diferença entre os segmentos

fônicos – as filhas, portanto, recusam também no plano fonético o pedido da mãe de

permanecer no tempo presente.

O trecho termina com “não escutamos / pisar de pé no degrau”, que evidencia o

código estabelecido entre mãe e filhas de narrar o caso apenas na ausência física13

Sigamos.

do

pai. O dístico evidencia também a unidade estrutural de CDV, visto tratar-se de um

prenúncio do fim do poema, quando o pai sobe a escada e interrompe com sua presença

a narrativa da mãe.

Minhas filhas, procurei aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido, me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem.

13 Ressaltemos que a ausência do pai é sempre física, pois ele nunca desparece no plano imaginário da mãe.

51

Olhei para vosso pai, os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim, os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda, de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia as partes da pecadora.

A mãe atende ao pedido do pai, realizando, portanto, um gesto altruísta e

humilde, valorizado no contexto da cultura cristã. O gesto chega aqui ao autossacrifício,

a negação de si própria como esposa para atender à vontade adúltera do homem.

O trecho se inicia com a mãe dizendo “procurei / aquela mulher do demo.”.

Percebemos que o verbo procurar salienta uma dificuldade em localizar a dona de longe,

que se torna mais distante pelo uso dêitico de “aquela”, marcando o distanciamento da

dona em relação tanto à mãe quanto a suas interlocutoras, as filhas.

A dona de longe é agora definida como “mulher do demo”. Esta expressão, ao

lado da outra utilizada para lhe caracterizar ao fim do trecho, “pecadora”, evidencia “a

base religiosa do pensamento da narradora, enfatizada ainda pelo gesto que informa ter

feito no passado: ‘Eu fiz meu pelo-sinal’.” (Lima, 1995 p.87).

O dístico seguinte se revela um dos mais pungentes de todo poema: “E lhe

roguei que aplacasse / de meu marido a vontade.”. Observemos a dramaticidade criada

pelos vocábulos empregados, como “roguei” (que apresenta curiosa relação com o

discurso cristão, mais especificamente o católico, com a frase “rogai por nós”; e

também pela subserviência cristã)14

A mãe agora irá evocar a voz da dona em discurso direto: “Eu não amo teu

marido, / me falou ela se rindo.”. A narradora traz a outra à cena, teatralizando seu

próprio sofrimento num jogo discursivo que parece se situar entre o masoquismo e a

e “aplacasse” (que sugere a contundente força da

vontade paterna). A inversão sintática (hipérbato) em “de meu marido a vontade” torna

ainda mais expressiva essa vontade, que fecha o verso. O dístico é um dos que mais se

aproximam de uma estética barroca, pela ênfase retórica na construção discursiva e pelo

conflito entre a carne e o espírito, entre o sexo e a ideologia cristã.

14 O verbo, em seu “estado de dicionário”, também apresenta a acepção de “rogar uma praga”, servindo para aumentar a carga de dramaticidade do dístico.

52

autopiedade. É curioso o fato de não haver no texto um travessão marcando a fala da

dona de longe (recurso empregado para representar a voz do pai, ao final do poema); o

travessão assinalaria um distanciamento gráfico entre as duas vozes, e a ausência deste

signo sugere relativa proximidade entre a mãe e a outra. Consideramos que existe certo

espelhamento entre elas, ainda mais por ocuparem posições simétricas: a “santa” e a

pecadora. No jogo teatral, a “santa” veste a máscara da devassa, tornando mais

dramático seu depoimento frente à plateia: as filhas e nós, leitores.

Observemos a construção “me falou ela se rindo”. O uso do pronome reflexivo,

pouco usual junto ao verbo rir, salienta o caráter egoísta, vaidoso, do riso da dona,

voltado para si própria, além de tornar mais expressiva a risada. Drummond utiliza essa

construção em outros momentos de sua obra, como no poema “Os bens e o sangue”

(OC, p.292-286) (“e na sua mala-sorte / se rirá ele da morte” e “se rirão se rirão porque

os mortos não choram”).

A mulher do demo empregará, em seguida, o verbo do poder: “Mas posso ficar

com ele” (grifo nosso). Ela faz questão de evidenciar superioridade, numa arrogância

absolutamente contrária à ideologia cristã.

Se as filhas se assemelham ao coro do teatro grego tradicional, podemos

considerar que a dona de longe apresenta traços de herói trágico, por sua representação

baseada numa hybris.

Recordemos o que Junito de Souza Brandão (2009) fala sobre o processo da

hybris no teatro grego:

O homem, simples mortal, “ánthropos”, em êxtase e entusiasmo, comungando com a imortalidade, tornava-se “anér”, isto é, um herói, um varão que ultrapassou o “métron”, a medida de cada um. Tendo ultrapassado o métron, o anér é, ipso facto, um “hipocrités”, quer dizer, aquele que responde em êxtase e entusiasmo, isto é, o ATOR, um outro. Essa ultrapassagem do métron pelo hypócrités é uma “démesure”, uma “hybris”, isto é, uma violência feita a si próprio e aos deuses imortais, o que provoca a “némesis”, o ciúme divino: o anér, o ator, o herói, torna-se êmulo dos deuses. A punição é imediata: contra o herói é lançada “até”, cegueira da razão; tudo o que o hipocrités fizer, realizá-lo-á contra si mesmo (Édipo, por exemplo). Mais um passo e fechar-se-ão sobre eles as garras da “Moira”, o destino cego.

(p.11)

A ultrapassagem do métron, a medida de cada um, transforma o homem, antes

simples mortal, em ator, em herói, caracterizando o processo dionisíaco da interpretação

53

teatral. Daí o conceito de hybris na formação do herói trágico, aquele que ultrapassa a

medida humana e será por isso castigado pelos deuses, pelo destino cego: a “Moira”.

Leiamos uma definição de hybris, segundo artigo de Franciscato:

Hýbris é excesso, desmedida, transgressão. Também significa impetuosidade, violência, orgulho, arrogância. No dicionário Liddell e Scott,15

(site acessado em 2011)

a primeira definição de hýbris é “violência temerária que resulta do orgulho pela força ou pelo poder que se possui”. Outra fonte da hýbris é a paixão. Em alguns contextos, pode ser traduzida por luxúria e lascívia.

Marlene de Castro (2002), ao analisar a poesia drummondiana, também comenta

a hybris:

a hybris pode manifestar-se sob as formas de orgulho, arrogância, prepotência, imoderada confiança, especialmente ressaltadas na tragédia grega.

(p. 89)

Percebemos, portanto, como o comportamento da dona de longe é caracterizado

por uma hybris, um orgulho de seu poder luxurioso, uma imoderada confiança que a

leva a ultrapassar a medida humana, desprezando a humanidade da mãe.

A partir das definições acima, podemos considerar que o pai também apresenta

características de herói trágico, por sua hybris diante da mãe, desconsiderando o amor

dela num gesto egoísta, arrogante e luxurioso. Porém o personagem que sofre a maior

queda trágica no enredo é a dona de longe, que vai do auge de sua potência luxuriosa à

humilhação da perda do amado. O pai, por sua vez, realiza trajeto inverso, indo da

humilhação de pedinte (“Em vão o pai implorou.”) ao poder de desprezar a amante,

voltando para casa ao final do texto.

A representação da hybris nesse trecho do poema torna mais teatral a queda que

sofrerá nossa trágica heroína, ao pedir perdão mais à frente, entregando o vestido à mãe.

O vestido também pode ser considerado como símbolo da “Moira”, do destino cego que

recairá sobre a mulher que usar tal vestimenta de “colo mui devassado” no contexto da

cultura cristã. A narrativa é também, portanto, um ensinamento da mãe para as filhas

sobre a importância de se respeitar o métron, a medida de cada um. A mãe, porém, ao

respeitar demasiadamente o métron, inicia o texto recusando sua potência de 15 H. G. Liddell and R. Scott, Greek- English Lexicon, p.1841.

54

discursividade acerca do mundo, acerca do vestido exposto na parede. Podemos

considerar, também, que a ultrapassagem realizada pela mãe do silêncio racional para o

discurso emotivo é um modo de hybris, recaindo sobre ela a até, a cegueira da razão que

a levará às lágrimas.

No processo da hybris, a mulher do demo realiza um gesto sádico frente à mãe,

orgulhando-se de seu poder luxurioso:

Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem.

Em seguida vem o jogo de olhares entre os atores da cena descrita. Ressaltemos

a teatralidade desse jogo, que silencia os atores para enfatizar-lhes a ação dramática (daí

também o seu efeito de rubrica) no palco da linguagem, o poema. Perceberemos que o

olhar é um código muito importante em CDV, que se repetirá mais à frente, quando a

mãe recebe o vestido da dona de longe e apenas olha para ela, sem dizer uma palavra. O

olhar é o modo de comunicação da mãe em seu métron, sua medida dentro da família

patriarcal, onde vê tolhida sua verbalização.

Nesse jogo de olhares, reparemos na configuração do pai como um pedinte,

como se realizasse uma mendicância sexual. Já os olhos da “dona ruim” apresentam a

potência erótica do termo gozar. Há evidente contraste entre os dois, que será revertido

no decorrer do texto num processo de ascendência do pai e de queda da dona.

Atenhamo-nos na descrição do vestido de renda, “de colo mui devassado”.

Notamos o uso pouco comum da corruptela de muito, o “mui”; há certo preciosismo em

tal construção, preciosismo que também se nota no uso da segunda pessoa no texto

(“vosso pai”, “dizei” etc). E o vestido “devassado” – aberto, decotado – serve para

representar a devassidão da dona de longe.

No último dístico do trecho, a narradora diz que o vestido “mais mostrava que

escondia”, sugerindo o despudor e a hybris da dona ruim. Percebemos nesse verso uma

interessante semelhança com a situação inicial do poema, em que o vestido se

encontrava exposto na parede. Ora, a mãe desejava ocultar o significado da vestimenta,

sua narrativa potencial; mas a personagem a exibe fora de seu lugar habitual, que seria

um armário, um guarda-roupa. Assim, num princípio de composição que revela a

55

unidade estrutural do texto e o espelhamento entre as duas mulheres, no prólogo a

“santa” “mais mostrava que escondia” o vestido no prego, servindo para despertar a

inquietação das filhas assim como a devassa, vestindo-o, despertou o ímpeto sexual do

pai.

Leitores, avante.

Eu fiz meu pelo-sinal, me curvei... disse que sim.

Saí pensando na morte, mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas, passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes, não comia, não falava,

tive uma febre terçã, mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo, fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos, costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram, meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro pagou conta de farmácia.

Vosso pai sumiu no mundo. O mundo é grande e pequeno.

O trecho demonstra a subserviência cristã da mãe, que realiza os gestos do

“pelo-sinal” e o de se curvar. São modos de comunicação não verbal em que ela persiste

numa representação cênica próxima da mímica. No fim do dístico, porém, há uma fala

sua: “disse que sim”. Trata-se do único momento do texto em que ela irá revelar

explicitamente uma verbalização sua no passado – e para isso, a mãe, numa atitude

furtiva, emprega o discurso indireto.

56

Antes da fala há mais uma vez a utilização das reticências, que sugerem certa

dificuldade em verbalizar a aceitação. Percebamos como as reticências também

apresentam um efeito de rubrica teatral, assinalando uma pausa na fala da personagem.

A mãe, após perder o marido para a outra, irá sair de casa (“Saí pensando na

morte / (...) Andei pelas cinco ruas”). Lembremos o que foi comentado sobre a relação

entre amor e moradia no poema; perder o esposo é também perder o sentido do lar, da

casa, construída em torno do pai (recordemos também sua posição central no todo-

poderoso pátio) no regime patriarcal.

Notemos como a saída da mãe irá se realizar de modo semelhante a uma via-

crúcis, representando o sofrimento tão apregoado pela doutrina cristã. Este sofrimento,

porém, podemos intuir, parece até mais terrível que o de Cristo, visto que ele conhecia

seu destino final, a morte. A mãe quer o mesmo desfecho para seu calvário, mas não o

obterá, tornando mais desesperado seu percurso (“mas a morte não chegava”).

A via-crúcis da mãe é construída através do recurso da enumeração (“Andei

pelas cinco ruas, / passei ponte, passei rio”, “perdi meus dentes, meus olhos, / lavei,

costurei, fiz doce” etc), salientado por Emanuel de Moraes (1970). Essa enumeração é

empregada para estabelecer “ritmicamente o clímax dos diferentes estados psicológicos

dos principais personagens do drama de amor triangular narrado.” (p.174). O mesmo

recurso, como aponta o crítico, é usado em outras passagens semelhantes à via-crúcis,

como o processo de perdição do pai e o da dona de longe.

Outra estratégia para criar a sensação de calvário é a anáfora em posição inicial

de sintagmas. Vejamos os comentários de Helcio Martins (1968):

Nessa posição determinada, inicial de sintagma, a anáfora atua frequentemente como elemento organizador da estrutura do poema e, por essa via, do significado: a cada reiteração de um radical, de uma palavra ou grupo de palavras em posição inicial de sintagma, corresponde quase sempre uma unidade formal do pensamento ou da intenção expressiva, a partir da qual se manifesta a ordem interior de sua composição, às vezes não mais que por ela.

(p.14)

Marquemos as anáforas em posição inicial de sintagma que aparecem no trecho

em análise: “passei ponte, passei rio”, “não comia, não falava”, “Fiquei fora de perigo, /

fiquei de cabeça branca”, “minhas mãos se escalavraram, / meus anéis se dispersaram, //

minha corrente de ouro”. Elas servem para criar uma unidade formal que torna mais

coeso o discurso da mãe.

57

Martins (1968) assinala, em relação ao trecho, a desfiguração do clichê “passei

fome, passei frio” para “passei ponte, passei rio” (p.18). O mesmo recurso de renovação

da linguagem cristalizada é referido por Marlene de Castro Correia (2002, p.23) em

“Consideração do poema” (de navegar em mar de rosas para “deslizar de lancha entre

camélias”), texto que abre A rosa do povo.

Othon M. Garcia (1978) sinaliza tal procedimento poético quando se refere ao

que chama de “associação semântica e paronomástica ou jogo de palavra-puxa-

palavra”. Vejamos sua definição:

O sistema consiste, em linhas gerais, no encadeamento de palavras, quer pela afinidade ou parentesco semântico, quer pela semelhança fônica (paronímia, homofonia, aliteração, rima interna), quer, ainda, pela evocação de fatos estranhos à atmosfera do poema propriamente dito (frases-feitas, elementos folclóricos, reminiscências infantis, circunstâncias de fato, resíduos de leitura).

(p.202)

A revitalização do clichê “passei fome, passei frio” no verso se configura dentro

da prática drummondiana de evocar frases-feitas, comentada por Garcia e observada por

Correia.

No dístico seguinte, a mãe declara “visitei vossos parentes”. Observemos que ela

não os considera como parentes dela (o que pressuporia a forma “nossos parentes”),

mas apenas das filhas – dado estranho, visto se tratar da mesma família. No regime

patriarcal em que ocupa posição periférica, a mãe não assume o vínculo de parentesco

com outros membros que não as filhas.

Observemos o sintagma “não comia”, uma das cenas do calvário materno. Há

uma relação direta entre ele e um momento posterior do texto, quando o pai volta para a

casa e “o barulho da comida” em sua boca acalenta os ouvidos da mãe. Lembremos

também do verso “chorou no prato de carne”, marcando o sacrilégio paterno. Dado seu

caráter sagrado, o momento da refeição será transgredido sempre que houver uma

desestruturação da unidade familiar; somente ao final do texto, com o retorno do pai, a

família poderá comer em paz.

A mãe salienta também que “não falava”, enfatizando o silêncio, seu modo não-

verbal de se expressar. Somente agora poderá liberar a palavra retida, daí a força

expressiva de sua emoção.

No dístico seguinte Drummond repete o verso “mas a morte não chegava”,

estabelecendo mais um elo estrutural no trecho. Reparemos a semelhança de tal recurso

58

com o que comentamos na primeira parte do episódio, com a (semi-)repetição em “mas

a dona não ligou” / “Mas a dona nem ligou”. A reiteração de determinados versos em

CDV funciona para engendrar uma estrutura poética. O fato de o poeta utilizar os

mesmos recursos em diferentes partes do texto (como os acoplamentos, as enumerações,

as repetições, os “exageros” discursivos, os registros formal e regional etc) cria um

efeito de estilo peculiar ao poema, dotando-o de uma linguagem intrínseca. Drummond

funda um código linguístico inerente a CDV, daí a contundência artística da obra.

O dístico “Fiquei fora de perigo, / fiquei de cabeça branca” quebra o movimento

da mãe na via-crúcis. Porém, através do recurso da anáfora, há uma continuidade

rítmica dos versos anteriores. Assim, embora haja um atenuante semântico (“fora de

perigo”), sintaticamente se mantém a tensão dramática.

Não deixa de ser curioso o verso “fiquei de cabeça branca”. Estará o poeta se

referindo aos cabelos da mãe, tornados brancos no envelhecimento causado pela dor?

Mais uma imagem repleta de potencialidade semântica, estabelecida pela concisão

poética drummondiana.

Em seguida, após a suavização da dor, a narradora retorna ao tom exagerado

para descrever seu sofrimento: “perdi meus dentes, meus olhos”. E mostra toda a luta

pela sobrevivência ao realizar trabalhos que não de uma mulher de posses, mas antes

humilde: “costurei, lavei, fiz doce”.

Como consequência deste labor, suas “mãos se escalavraram”, se deterioraram.

Observemos que, desmembrando a palavra escalavrar, encontramos lavrar, verbo

etimologicamente vinculado ao labor, ao trabalho. Percebemos aí a minuciosa escolha

vocabular efetuada por Drummond.

Os anéis da mãe se dispersam. Os anéis podem ser interpretados como valiosos

objetos que representam a integridade, dada a simbologia do círculo. Não custa lembrar

que no ritual do matrimônio cristão ocorre a troca de alianças, que ambos os cônjuges

mantém afixadas nos dedos para o resto da vida, na saúde e na doença. Porém no caso

de doença matrimonial configurado no poema, a mãe perde os anéis, que servem de

correlato objetivos para um casamento que se desintegra.

Observamos uma interessante questão métrica no trecho em análise. Para

encaixarmos o verso “minha corrente de ouro” no padrão da redondilha maior, é

necessário considerarmos um hiato em “de ouro”, reforçando ritmicamente o valor do

metal, que não se funde com a vogal anterior. Uma palavra por demais preciosa, cujo

valor ultrapassa o monetário, tornando-se também – por que não? – métrico.

59

O penúltimo verso condensa e ao mesmo tempo explicita o motivo do calvário

materno: “Vosso pai sumiu no mundo”. Reparemos nas semelhanças entre a mãe e o

gauche Carlos do “Poema de sete faces” (OC, p.5), ambos dialogando com a cena da

crucificação de Cristo:

Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.

Já o último verso do trecho é, a nosso ver, um dos momentos fulcrais do poema:

“O mundo é grande e pequeno”. Trata-se de um paradoxo que configura uma visão

poética sobre o mundo, que não pode ser definido categoricamente. A incongruência das

diferentes ordens de grandeza para um mesmo objeto representa o aprendizado trágico

da mãe, relegada a um regime patriarcal cujo centro, o pai, demonstra ao mesmo tempo

grandiosidade e pequenez. Os sentidos denotativo e conotativo de “grande” e “pequeno”

se atravessam, numa espécie de dança semântica que abala as certezas de/sobre o

mundo. A simplicidade com que a linguagem realiza esta dança e o momento em que o

verso aparece, servindo como divisor de águas entre a saída e a volta do pai, tornam

ainda mais impactante seu efeito. Parece haver na frase uma força centrípeta que atrai o

sentido global do texto, condensando todo o ensinamento de vida por que passou a

personagem narradora de CDV.

É importante atentar para o tempo verbal do verso (“O mundo é grande e

pequeno.”). Consideraremos aqui a designação de tempo composto, conforme conceito

apresentado por Waltensir Dutra (1978) quanto às temporalidades na poesia

drummondiana. Vejamos sua definição:

o tempo que à falta de melhor expressão poderíamos chamar de “tempo composto”, em que o passado é projetado no presente ou o presente recuado até o passado numa combinação de planos cuja identidade se torna imprecisa embora não desapareça totalmente – o tempo unidimensional em que passado, presente e futuro perdem seus contornos nítidos, fundindo-se na intemporalidade.

(p.235)

A mãe sai da narrativa pretérita para chegar a este verso, em que se abre a

intemporalidade a que se refere o crítico. O mundo foi grande e pequeno, o mundo será

grande e pequeno, não importa a conjugação – trata-se de uma afirmativa que ultrapassa

os limites do tempo, procedimento que se torna ainda mais enfático ao relevarmos o

60

“conteúdo” do verso, que funde não apenas as temporalidades, mas também as

dimensões e perspectivas de/sobre o mundo (“grande e pequeno”). Mirella Vieira Lima

(id. ibid, p.235) considera que nesta afirmação “se pode ouvir a voz drummondiana sob

o disfarce da narradora”.

Que tal um café, antes de continuarmos?

Um dia a dona soberba me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina, com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho, não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda. Mas te dou este vestido,

última peça de luxo que guardei como lembrança

daquele dia de cobra, da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele, ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado confessou que só gostava

de mim como eu era dantes. Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza,

me cortei de canivete, me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina, rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu: vosso marido sumiu.

61

Aqui trago minha roupa que recorda meu malfeito

de ofender dona casada pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido e me dai vosso perdão.

O trecho começa com “Um dia”. Ora, se a mãe iniciara a narrativa pretérita com

uma forma semelhante ao “Era uma vez”, aqui, seguindo a mesma estrutura das

histórias orais, empregará uma expressão próxima ao tradicional “Mas um dia”, para

apresentar a reviravolta do enredo.

A amante é descrita como “a dona soberba”. Observemos a ambiguidade

sintática de “soberba” que, além de funcionar como adjetivo, pode também ser

considerado como substantivo. Nessa linha, a “dona soberba” seria uma espécie de

personagem conceitual (a hybris), representando uma conduta contrária aos valores

morais da mãe. O fato de ela não ter nome, dado fundamental para formação da

individualidade, corrobora tal leitura. Parece, também, que todos os personagens do

poema são conceituais, um dos motivos que deve ter levado Antonio Candido a

reconhecer no texto um “lirismo quase folclórico” (1977 p.111).

A narradora evoca novamente a voz da outra; se antes da reviravolta ela falava

“se rindo”, irá agora diminuir o tom, simbolizando a transformação de seu estado

anímico após a queda trágica (“me disse baixinho”). Observemos como ela chama a

mãe (“dona”), deixando claro o espelhamento entre as duas personagens. Percebamos

novamente a ausência de signo gráfico (travessão, por exemplo) para marcar a distância

discursiva entre ambas, reforçando o espelhamento.

A pecadora diz: “não te dou vosso marido”. O problema da posse

conjugal/familiar é mais uma vez levantado; como a personagem poderia dar à mãe algo

que, deiticamente, já é dela (“vosso marido”)? Expressivamente, a dona de longe

emprega um cerimonioso “vosso”, valendo-se da linguagem solene utilizada no discurso

da mãe.

A pecadora prossegue: “Mas te dou este vestido”. Pela primeira vez, alguém

assumirá proximidade dêitica em relação ao vestido (“este”). A mãe, para atravessar tal

distância linguística, precisa vestir a máscara da pecadora no jogo teatral, podendo

62

assim explicar o significado da vestimenta para as filhas. Observemos também a

sugestiva rima entre “marido” e “vestido”.

A “última peça de luxo” sugere que o vestido – uma metonímia do estado

anímico da pecadora antes de sua conversão – representa uma hybris, caracterizando-se

pelo excesso (“luxo”) para além do métron. O fato de ser a “última peça” sinaliza que o

vestido é o derradeiro vestígio da hybris, daí a importância da doação da vestimenta

como ritual de conversão moral.

No dístico seguinte a dona de longe se reconhece como pecadora, ao se referir

àquele “dia de cobra” em que ofendera a “dona casada”. Os versos mais uma vez

revelam a ideologia cristã em que se fundamenta o discurso da narradora, remetendo à

imagem bíblica em que a serpente tenta a humanidade a provar o fruto proibido.

A pecadora diz: “Eu não tinha amor por ele, / ao depois amor pegou.” Na hybris

que a lançava para além dos limites humanos, ela parecia vacinada contra amor, mas ao

se apaixonar pelo pai sofrerá a queda trágica (“Mas então ele enjoado / confessou que só

gostava // de mim como eu era dantes.”) que a levará ao nível do chão (“no chão rocei

minha cara”).

Observemos que o verso “de mim como eu era dantes” apresenta cinco sílabas

tônicas – mim, como16

O acoplamento (pronome oblíquo átono + verbo) em início de sintagma e as

rimas internas colaboram para criar o efeito dramático nas ações enumeradas que

compõem a queda trágica da personagem. Marquemos as rimas no referido trecho:

, eu, era e dantes. A nosso ver, a presença massiva de tônicas

sugere a força erótica da personagem quando causara o desejo no pai, representando

ritmicamente o tônus da hybris. A consoante explosiva na última sílaba poética torna

ainda mais enfático tal procedimento.

Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo, no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos, me lancei na correnteza,

16 Poderia se argumentar que a sílaba co não apresenta grande tonicidade. Mas lembremos que ela ocupa a posição da tônica no padrão rítmico do poema (3ª sílaba), o que a torna mais vigorosa.

63

me cortei de canivete, me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina, rezei duzentas novenas,

Após a hybris, recai sobre a dona de longe a até, a cegueira da razão, que a

conduz à sequência de atos autodestrutivos nos versos acima. Tal processo nos parece

importante para assinalar a transformação anímica da personagem, cuja face pecadora

precisa morrer para que a conversão religiosa possa se realizar. Após a autodestruição

que configura a morte simbólica da face pecadora, ela reza “duzentas novenas”,

assumindo, portanto, a máscara da santa no jogo teatral de CDV.

Como escreve Mirela Vieira Lima (1995),

Independentemente de sua legitimidade socialmente reconhecida, o amor tem para o amante uma força arrasadora. Assim, em ‘Caso do vestido’, todas as personagens são suas vítimas.”

(p.91)

A dona de longe também se torna vítima de amor (“Eu não tinha amor por ele, /

ao depois amor pegou.”), que injeta no poema outra mostra de sua potência destruidora.

Seguindo a linha comparativa do texto com a forma da tragédia grega, podemos pensar

que o erro trágico (hamartía) da amante foi se considerar imune a tal sentimento (“Eu

não amo teu marido, / me falou ela se rindo”), ultrapassando a medida humana numa

hybris (“Mas posso ficar com ele / se a senhora fizer gosto”) que acarretará sua queda

trágica.

Aproveitemos para evocar um dos elementos de composição da tragédia

clássica, o acontecimento patético (do grego pathos, paixão, exagero). Leiamos uma

observação de Aristóteles (1977):

o patético é devido a uma ação que provoca a morte ou sofrimento, como a das mortes em cena, das dores agudas, dos ferimentos e outros casos análogos. (p.311)

O texto apresenta três momentos patéticos; primeiro quando o pai se apaixona

pela dona de longe, depois quando a mãe perde o marido para a outra, e por fim a queda

trágica da pecadora. O patético serve para representar a força arrasadora do amor, que

provoca dores agudas, ferimentos, revelando-se, portanto, como fonte de sofrimento.

64

Impossível não lembrar os versos finais – heptassilábicos! – de “Morte das casas de

Ouro Preto”, de Claro enigma:

me conta por que mistério amor se banha na morte

(p.279)

Após a sequência patética da pecadora, há o dístico “dona, de nada valeu: /

vosso marido sumiu.”. O vocativo no início do verso suspende o ritmo da enumeração

anterior, o que, juntamente com o signo gráfico de dois pontos, chamará a atenção do

leitor para o verso seguinte, uma repetição de tema antecedente: “Vosso pai sumiu no

mundo.”. A repetição, reiteremos, mostra-se importante recurso para conceder uma

unidade estrutural a CDV.

Outras marcas dêiticas em relação à vestimenta aparecem no trecho em análise

(“Aqui trago minha roupa”), evidenciando a proximidade à ex-pecadora. Tais marcas se

revelam importantes para assinalar a passagem do vestido de uma a outra mulher; mais

à frente, ao entregar a roupa, a dona de longe dela se afastará também deiticamente

(“Recebei esse vestido”).

A mulher reconhece o erro diante dos valores morais estabelecidos no poema

(“meu malfeito / de ofender dona casada”). Observemos que ela chama novamente a

mãe de “dona”, num sintagma nominal que evidencia a relação de espelhamento entre

as duas personagens (“dona soberba” x “dona casada”).

O dístico final estabelece a entrega do vestido – que não é doado, ressaltemos,

mas sim trocado pelo perdão. Notemos a solenidade não apenas do gesto, mas também

da linguagem configurada (“Recebei esse vestido / e me dai vosso perdão.”), que juntos

delineiam o rito de passagem da pecadora para o regime moral cristão. Nos versos, a

roupa aparece relacionada à capacidade materna de perdoar – que se nota,

principalmente, na cena final do texto, quando o pai retorna e ela o recebe de volta sem

qualquer reclamação.

A mãe, porém, não chega a verbalizar o perdão para a outra, realizando apenas o

gesto de aceitar o vestido. A aceitação é um dos traços fundamentais da personalidade

materna no poema. Lembremos que a mãe é aquela que “disse que sim”, apenas

aceitando seu (trágico) destino no regime patriarcal.

Estamos quase no fim.

65

Olhei para a cara dela, quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso, quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela, boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus nesse prego da parede.

Percebemos que o trecho se opõe estruturalmente ao dístico “Olhei para a dona

ruim, / os olhos dela gozavam” (o ápice anímico da pecadora), servindo para sinalizar o

movimento de ascensão da mãe diante da outra, que agora se apequena. Podemos notar

o tom sarcástico da mãe em seus próprios pensamentos, liquidando a antiga hybris da

amante; o uso dos diminutivos (“cinturinha”, “pezinhos”) torna mais vingativo o seu

discurso interno, assim como a linha crescente das perguntas, que levam a um dos

dísticos mais mordazes do texto: “quede pezinhos calçados / com sandálias de cetim?”.

Tornando mais dramática e expressiva a passagem, a mãe repete cinco vezes o termo

regionalista “quede”17

Porém ela não verbaliza tais sentimentos, restringindo-se a perguntas internas.

Se sua linguagem teatral na narrativa pretérita é mais adepta dos olhares que das falas,

ela irá realizar aqui o seu momento de excesso (“Olhei muito para ela”), ocupando o

polo da expansão na dialética expandir-se x furtar-se apontada por Correia (2002). No

verso seguinte, contudo, a mãe ocupará o polo oposto, evidenciando uma postura furtiva

em “boca não disse palavra”. Ela experimenta a sensação da hybris, porém permanece

em seu devido métron.

, estabelecendo o momento de vingança da “santa”.

Mesmo mantendo-se em silêncio, a mãe não deixa de se expressar: põe o vestido

na parede. Ela poderia tê-lo guardado num armário, mas preferiu expô-lo à vista de

todos para se manifestar – ainda que furtivamente. O vestido na parede, portanto, realiza 17 Como nos lembra Mendonça Teles (1970), “quede” equivale a “que é de”. Notamos mais um regionalismo na tensão de registros discursivos de “Caso do vestido”.

66

uma síntese da dialética expandir-se x furtar-se, pois a mãe expressa de modo oblíquo a

intensidade de seus sentimentos, exibindo exageradamente (na parede) um objeto

simbólico que necessita de exegeta para ter esclarecida sua significação. Num gesto

interpretativo, podemos ainda considerar o vestido como um: claro enigma.

Observemos a homonímia em “pus”: “pus / nesse prego da parede”. Ainda que o

termo sinalize a ação da personagem de pendurar a vestimenta, não podemos deixar de

perceber o eco da palavra na acepção de líquido viscoso que sai das feridas inflamadas.

Nesse sentido, “pus / nesse prego da parede” seria um sintagma nominal que serve para

adjetivar a peça de roupa, conferindo-lhe maior dramaticidade. O ato de pendurá-la,

assim, serviria também para expurgar a inflamação da mãe, cujo pus não se localiza

mais apenas dentro do corpo, mas também na parede. Pôr o vestido nesse lugar é uma,

ainda que precária, tentativa de curar tal caso de doença – expressando-o/expurgando-o

obliquamente. No regime patriarcal, é o único remédio possível para a personagem.

Salientemos também que a mãe aceita a troca sugerida pela amante18

Ao fim chegamos.

: o vestido

pelo perdão. Podemos considerar, portanto, que a roupa equivale à capacidade de

perdoar. E a personagem põe o valor de seu perdão num prego, sugerindo a dor, o

sacrifício de tal gesto.

Ela se foi de mansinho e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia. Olhou pra mim em silêncio,

mal reparou no vestido e disse apenas: — Mulher,

põe mais um prato na mesa. Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor, era sempre o mesmo homem,

comia meio de lado e nem estava mais velho.

18 Embora ela não manifeste verbalmente a aceitação, podemos considerar que o fato de ela pegar o vestido é a própria consumação da troca.

67

O barulho da comida na boca, me acalentava,

me dava uma grande paz, um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho, vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço vosso pai subindo a escada.

A pecadora, redimida da hybris, se vai “de mansinho”, num diminutivo que

reforça o rebaixamento de seu estado anímico. Sua partida está sincronizada com o

retorno do pai, que surge “na ponta da estrada” – termo que torna mais expressiva e

dramática a chegada.

Há um jogo fônico em “vosso pai aparecia”, visto que o verbo aparecer retoma o

significante sonoro de “pai”. Num gesto interpretativo, poderíamos reescrever o verso

para “vosso pai se tornava novamente pai”, sugerindo a “apairição” do personagem, que

volta para ocupar seu espaço na família.

No retorno, ele utiliza o código de comunicação da mãe, o olhar (“Olhou pra

mim em silêncio”), e ela percebe que o marido “mal reparou no vestido”. O pai nota a

presença da roupa, mas não lhe dá muita atenção. A tecelagem, a fiação discursiva –

lembremos – é no poema uma arte feminina; o pai passa quase despercebido por ela.

Uma questão paira no ar: saberá ele o significado do vestido-texto? Será esse meio-

olhar um gesto cínico? Arrependido, talvez?

O pai diz apenas: “– Mulher, / põe mais um prato na mesa.”. Observemos a

presença do travessão e dos dois pontos, signos gráficos que salientam uma distância

discursiva de sua fala na narração da mãe (o que não ocorre nas falas da dona de longe).

Tal distância parece representar uma formalidade entre os dois. O pai não a chama pelo

nome, mas apenas por “Mulher”, o que, juntamente com o verso seguinte (“põe mais

um prato na mesa”), serve para lembrá-la de sua posição no regime patriarcal.

A mulher aceita tal posição (“Eu fiz”) e o marido não apenas senta à mesa, mas

se assenta, isto é, ocupa o seu assento, se estabelece de volta na família. Só então ele

poderá comer (“comeu”); lembremos o que foi comentado sobre o caráter sagrado da

refeição para uma família cristã. Se antes o pai “chorou no prato de carne”, agora,

68

assentado, limpará o suor e comerá junto aos familiares, fazendo com que a casa retorne

à ordem anterior ao caso narrado.

É curioso perceber que ele “era sempre o mesmo homem” “e nem estava mais

velho”. O discurso da mãe parece aproximá-lo a um personagem arquetípico, que não

sofre transformações físicas com o passar do tempo; será uma idealização da mãe, cujo

ponto de vista se encontra emocionalmente comprometido com a história?

Observemos que o pai “comia meio de lado”, como um modo oblíquo de estar à

mesa com a família. Ele não olha de frente, não fala; notamos, assim, certa semelhança

entre ele e o gauche drummondiano. Vejamos um interessante comentário de Mirella

Vieira Lima (1995) que pode nos auxiliar neste ponto:

Em seus poemas de amor, Carlos Drummond de Andrade apresenta este primeiro movimento: a demanda de harmonia lírica refletida na imagem do enlace amoroso. Paradoxalmente, entretanto, o mesmo eu drummondiano que procura o ‘céu’ demonstra-se solidamente preso à ‘terra’. Ansiando pela perfeição, ele se vê participante do mundo limitado, caminhante na existência, na imanência e na história. Assim, sua busca de harmonia amorosa é interceptada pela visão das diferenças entre os indivíduos, pela ciência das descontinuidades que entre eles se mostram intransponíveis, impondo aos que amam a fronteira da própria carne.

(p.14)

O pai, ansiando pelo “céu” da dona de longe, desejando descobrir o corpo detrás

do vestido, ao possuí-lo acaba descobrindo também a descontinuidade de sua paixão.

Ao reconhecer “a fronteira da própria carne”, ele volta para casa com traços de gauche –

ainda que poderoso, senhorial. É essa mais uma das tensões em CDV, a enigmática

personalidade do pai, de poucas palavras e dominador.

Nos dois dísticos seguintes a narradora diz que o “barulho da comida / na boca”

a acalentava, lhe “dava uma grande paz”. A sensação de ver restaurada a ordem

doméstica é o que garante a tranquilidade de uma mãe na família patriarcal, pois sua

função, em tal contexto, é zelar pela paz da casa, costurando as relações de seus

membros num, ainda que impossível, tecido sem fissuras.19

Observemos que há um desvio gramatical no dístico “o barulho da comida / na

boca, me acalentava”, pela presença de uma vírgula separando na oração o sujeito do

verbo. Interpretamos tal vírgula como mais uma rubrica poética na dramaturgia de

19 Tal função da mãe na poética drummondiana foi sinalizada por Secchin (2003 p.172), referindo-se ao poema “Infância”, de Alguma poesia.

69

CDV, desta vez para sinalizar uma pausa na fala da atriz, deixando ecoar o “barulho da

comida”, que se torna mais expressivo.

No encaminhamento final, o poeta traça uma linha crescente rumo à diluição do

discurso, começando com “uma grande paz”, passando por “um sentimento esquisito /

de que tudo foi um sonho”, até se pulverizar em “nem nada”, que antecede o último

dístico. Há ainda o recurso das reticências, que colaboram para tal efeito.

Outro dado importante é o tempo do verbo haver em “vestido não há...”. A

conjugação previsível seria “vestido não houve/havia”, seguindo o tempo pretérito

anteriormente empregado. Porém o poeta opta por ampliar o espectro temporal do

verbo, lançando-o no presente dotado de intemporalidade, enfatizada pelas reticências

que sugerem o não fechamento da frase, que ecoa no tempo e nos ouvidos. A associação

ao universo onírico do sonho (“tudo foi um sonho”) corrobora o sentido da

intemporalidade, que, por sua imprecisão, reforça o efeito de diluição discursiva,

preparando o poema para o corte final. É interessante perceber que o uso do tempo

composto (Dutra, 1978) em “vestido não há” opera uma transição do passado – em que

se encontrava a linguagem da narradora – para o presente, alcançando o “eis que ouço”

no bloco seguinte.

Um importante dado fonossemântico do trecho é a aproximação entre

“sentimento esquisito” e “vestido”. Percebemos, mais uma vez, como o poema utiliza o

recurso da rima para caracterizar a vestimenta.

O dístico final mostra a interrupção da narrativa pela chegada do pai ao

momento presente em que a mãe relata o caso às filhas. Assinalemos a expressividade

do termo “eis”, que torna mais enfático o retorno à cena presente.

Percebemos um paralelismo entre “Minhas filhas” e “vosso pai”, ambos

sintagmas que iniciam os versos do último dístico. Podemos considerar que a mãe se

situa entre esses dois polos familiares – as filhas que a incitam a falar e o pai que a

incita a calar. A dramaticidade de sua narrativa é criada pela tensão entre os dois polos,

entre a palavra e o silêncio. Entre eles se situa também o vestido, forma encontrada pela

mãe para conciliar a dicotomia criada pelos familiares.

Observemos que a ação final do pai, “subindo a escada”, torna-se mais

dramática pelo uso do gerúndio, que enfatiza a duração do processo de sua chegada. Um

componente épico para o desfecho – e para a figura paterna – de CDV.

70

O final do poema é assinalado por uma rima perfeita (“nada” / “escada”) após

uma sequência de versos brancos. Tal recurso fônico para desfecho de poemas na obra

drummondiana foi analisado no estudo de Hélcio Martins (1968):

Um procedimento perfeitamente caracterizado na utilização da rima por Carlos Drummond de Andrade (...) consiste em fazer rimar dois ou mais versos finais de uma sequência de versos brancos, do que resulta um apoio rítmico para o poema, que desse modo se fecha em tons harmônicos e se arredonda como num finale musical.

(p.46)

Outro procedimento que serve para construir o finale musical é a suspensão

rítmica criada pelo vocativo “Minhas filhas” que, ao quebrar a sequência musical dos

versos anteriores, estabelece um efeito de surpresa sonora, despertando a atenção do

leitor:

de que tudo foi um sonho, vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço vosso pai subindo a escada.

O recurso da suspensão rítmica é empregado por Drummond em outros finales,

como em:

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhatan. (“Elegia 1938” p.86)

José, para onde? (“José” p.107)

tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa. (“Consideração do poema” p.116)

(...) enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender.

(“Oficina irritada” p.261)

71

Percebemos, portanto, que se trata de uma técnica recorrente em Drummond. A

suspensão rítmica e as rimas finais tornam mais vigoroso o desfecho de CDV.

Não deixa de ser curiosa a correspondência entre nada e escada ao fim do

poema. Mirella Vieira Lima (1995), em seu trabalho sobre a temática amorosa na poesia

de Drummond, aponta o signo da escada como metáfora do amor em sua obra,

constatação realizada pela autora a partir do poema “Escada” (OC, p.409), do livro

Fazendeiro do ar. Ela escreve:

O amor é uma espécie de escada tortuosa, por onde se busca ascensão, mas de onde se teme cair. Trata-se de uma escada que supostamente possibilitaria o trânsito entre os diversos níveis do universo ptolomaico. Posto sob suspeita pela consciência drummondiana, o nível mais alto do céu guardaria a plenitude amorosa; ao nível infernal correspondem as ameaças de morte e perda de identidade, projetadas pelo medo e pela culpa; no nível terreno da experiência, encontra-se enraizado o eu drummondiano, duvidando de qualquer saída.

(p.20)

É exatamente esse eu drummondiano que, sob a máscara da mãe, encontra-se no

nível terreno da existência duvidando de qualquer saída, quando realiza a

correspondência fonossemântica entre a escada-amor e o nada. Enquanto isso, o pai

sobe do “nível infernal”, projetando na esposa medo e culpa por expressar o que devia

ser calado – por clarear o que devia ser enigma.

72

5 – O poema na obra drummondiana

Conforme sinalizamos, CDV apresenta uma ambiência discursiva entre a

distensão e a solenidade.

O emprego de termos como “evém” e “quede” e o esquema rítmico similar ao

empregado na literatura de cordel e na cantoria nordestina (como apresentamos no

capítulo 2) são recursos que criam no poema uma atmosfera regionalista/popular. No

mesmo sentido, Mirela Vieira Lima (1995), ao analisar o texto, comenta outros

aspectos:

A absorção da narrativa popular em verso não se dá apenas nos aspectos formais, mas também a nível de conteúdo (...). O enredo do caso contado apoia-se em um ‘clichê’: a formação do triângulo amoroso a partir da introdução da ‘femme fatale’ (...). Acompanhando a tendência dominante na narrativa popular, as personagens são poucas e apenas suportam a ação (...). Como motivos, o adultério e a decadência da ‘femme fatale’ são bastante frequentes na literatura popular.

(p.86)

Quem viu traços semelhantes em CDV foi Antonio Houaiss (1976), percebendo

no texto a presença de “linguagem regional, mentalidade regional, associação narrativa

coloquial, (...) vocabulário regional” (p.180). A observação de Antonio Candido (1977)

de que há no poema um “lirismo quase folclórico” (p.111) parece próxima de tais

comentários.

Os traços populares e regionalistas no texto podem ser considerados como

resquícios longínquos da primeira fase de Drummond, mais especificamente de seu

livro de estreia, Alguma poesia, de 1930. Sob influência de Mario de Andrade – como

percebemos pela correspondência entre os dois (2002) –, um dos principais mentores da

arte modernista no Brasil, o jovem Carlos publica versos que buscam se aproximar da

“língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o

português do Brasil”20

, numa poética em acordo com a primeira geração modernista. A

esse respeito, vejamos um sugestivo texto de Alguma poesia, “Explicação”:

Meu verso é minha consolação. Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.

20 “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira (2009 p.109).

73

Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres, folha de taioba, pouco importa: tudo serve. Para louvar a Deus como para aliviar o peito, queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos é que faço meu verso. E meu verso me agrada. Meu verso me agrada sempre... Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota, mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota. Eu bem me entendo. Não sou alegre. Sou até muito triste. A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa. Há dias em que ando na rua de olhos baixos para que ninguém desconfie, ninguém perceba que passei a noite inteira chorando. Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson, de repente ouço a voz de uma viola... saio desanimado. Ah, ser filho de fazendeiro! À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer outro córrego vagabundo, é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de. E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria. Aquela casa de nove andares comerciais é muito interessante. A casa colonial da fazenda também era... No elevador penso na roça, na roça penso no elevador. Quem me fez assim foi minha gente e minha terra e eu gosto bem de ter nascido com essa tara. Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente. O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos. Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só, lê o seu jornal, mete a língua no governo, queixa-se da vida (a vida está tão cara) e no fim dá certo. Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou. Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?

( p.36 e 37)

Percebemos a dicção coloquial em todo o poema, que se desdobra em várias

imagens de cunho regionalista, como “sombra das bananeiras do meu país”, “Ah, ser

filho de fazendeiro!”, “Quem me fez assim foi minha gente e minha terra” etc. Notamos

a construção de efeitos de oralidade em “Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem

sua cachaça.”, “Aqui ao menos a gente sabe que é tudo uma canalha só”, característica

74

desta fase drummondiana. O ritmo distenso configura o tom coloquial do texto, numa

linguagem consciente de tais mecanismos poéticos.

Embora o regionalismo esteja presente, não podemos deixar de apontar no texto

a problematização de tal aspecto. Ao fim da terceira estrofe lemos: “No elevador penso

na roça, / na roça penso no elevador.”. Não se trata de um eu poético regional que

simplesmente deseja cantar a origem ao se perceber em terra estranha, mas de alguém

que antes reconhece a tensão campo-cidade dentro de si, numa subjetividade cindida por

desejos conflitantes. Em Drummond, o regionalismo nunca será ingênuo, mas

problemático.21

No livro Alguma poesia também ocorre a expressão “quede”, tão reiterada em

nossa leitura:

Quede os bandeirantes?

(“Lanterna mágica”, fragmento “II / Sabará” p.11) A rua acabou, quede as árvores?

(“Coração numeroso” p.21)

Consideramos, assim, que as referidas marcas populares e regionais em CDV

dialogam com a poética de seu livro de estreia.

Mas, como dissemos, o poema também apresenta um registro solene, como

percebemos pelo frequente uso da segunda pessoa do plural (vós) com a devida

concordância verbal (“dizei”, “dai” etc). A formalidade no tratamento entre os

personagens, mesmo entre mãe e filhas num espaço doméstico, é uma constante

(“Minhas filhas, escutai / palavras de minha boca”). A ênfase retórica na narrativa da

dona casada também serve para situar o texto para muito além da linguagem cotidiana

(“E lhe roguei que aplacasse / de meu marido a vontade.”).

Tal registro solene dialoga com uma obra posterior do poeta, Claro enigma,

marcada por uma classicização da linguagem. Vejamos o começo de um dos mais

importantes textos do livro, “A máquina do mundo”:

E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco

21 Lembremos os versos finais de “Confidência do itabirano” (p.68), de Sentimento do mundo: “Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!”

75

se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.

(p.301)

Percebemos uma tensão sintática desde o primeiro verso, estruturando uma

linguagem que apresenta a “densidade do estilo tão deliberadamente classicizado”

(Villaça 2006 p.88). Villaça aponta também as referências clássicas imediatas do texto,

a partir de seu título e de sua arquitetura – “as tercinas em decassílabos (da Commedia,

de Dante) e a mítica máquina do mundo (de Os lusíadas, de Camões)” (p.87), inserindo

o poema numa alta tradição. O uso do modo subjuntivo (“palmilhasse”, “misturasse”,

“pairassem”) e as longas orações também colaboram para estabelecer o efeito de

solenidade. O discurso tenso de CDV, criado por variados mecanismos como a

concisão, os acoplamentos, as enumerações e as repetições, apresenta, a nosso ver,

semelhança com a tensão de “Máquina do mundo”, composto inteiramente em

linguagem “nobre”.

Consideramos, portanto, que CDV revela um diálogo com esses dois momentos

da obra drummondiana, com o estilo popular/regional de Alguma poesia e com o tom

76

classicizante de Claro enigma, numa sobreposição de diferentes registros discursivos, o

que estabelece uma linguagem híbrida22

Quanto a esse aspecto, uma observação de Sérgio Buarque de Hollanda (1978)

sobre o autor nos pode ser interessante:

.

Na sua poesia, o ‘prosaico’ não se opõe ao ‘poético’ – admitindo que se possam separar os dois termos de forma tão caprichosa – é um modo, em outras palavras, de intensificar-se o poético pela própria força do contraste.

(p.185)

A força do contraste parece dotar CDV – usaremos novamente a expressão de

Marlene de Castro Correia – de “inconfundível dramaticidade”, que se revela não

apenas no plano temático, mas também e principalmente na configuração de sua

linguagem. Talvez tenha sido este o motivo que levou Merquior (1975) a considerar o

poema como “menos popular que rústico”; a rusticidade seria, portanto, o uso

consciente de tais mecanismos da língua/cultura popular em estruturas poéticas

presentes nas mais altas tradições da literatura – fazendo ressaltar o caráter moderno da

obra.

Em diálogo com CDV, vale a pena atentar também para os dois textos que

abrem o livro subsequente a Rosa do povo: Novos poemas, que por sua vez antecede

Claro enigma. O primeiro leva o título de “Canção amiga” (p.231); vejamos a estrofe

inicial:

Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos.

Percebemos que a mãe continua presente no imaginário drummondiano, num

poema cujo primeiro verso é um heptassilábico de tônica na terceira sílaba, seguindo o

esquema rítmico de CDV. Curioso o fato de o eu-lírico estar preparando uma canção em

que “todas as mães se reconheçam”; não teria sido CDV algo próximo disso, ao menos

às mães submetidas a um regime patriarcal?

22 Quanto à tensão de registros na obra drummondiana, vale a pena conferir a leitura efetuada por Davi Arrigucci Jr. (2002) do “Poema de sete faces”.

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Outro poema que nos interessa é “Desaparecimento de Luísa Porto” (ver anexo,

p.82), texto de largo fôlego sobre as angústias de uma mãe. O poema constrói a figura

de uma “solitária mãe enferma”, “entrevada”, necessitada dos cuidados da filha

desaparecida. Trata-se, portanto, de uma mãe que depende de um outro para poder ser,

um outro que sumiu. Assinalemos a semelhança com nosso poema, mais

especificamente com o verso “Vosso pai sumiu no mundo.”. Se era o pai que garantia a

ordem da casa, custeando as despesas da família (“Minha corrente de ouro / pagou conta

de farmácia”) e apaziguando a mãe (“o barulho da comida / na boca, me acalentava, //

me dava uma grande paz”), em “Desaparecimento de Luísa Porto” é a filha a

responsável por assegurar a ordem psicofísica da mãe. No texto, porém, a filha não

retorna ao lar como o pai em CDV, permanecendo a lacuna da alteridade materna. Tal

lacuna se desdobrará no desfecho num procedimento poético em que o eu-lírico funde

sua voz com a da mãe: “Já não adianta procurar / minha querida filha Luísa.”.

A voz materna, vindo à tona ao final, pode ser comparada ao processo das filhas

frente à mãe em CDV, em que elas a incitam a narrar o caso pretérito. Nos dois textos,

podemos dizer, há um percurso da linguagem até se chegar à voz da mãe. E, assim

como percebemos um espelhamento entre a “dona casada” e a “dona soberba”, há aqui

um espelhamento entre o eu-lírico e a mãe de Luísa.

Diferindo de nosso poema, “Desaparecimento de Luísa Porto” apresenta um

personagem com nome e sobrenome, descrito em pormenores (“37 anos”, “É alta,

magra, / morena, rosto penugento, dentes alvos, / sinal de nascença junto ao olho

esquerdo, / levemente estrábica. / Vestidinho simples. Óculos.”). Podemos considerar,

portanto, que é um discurso que flerta com certo tipo de realismo, aproximando-se das

matérias jornalísticas que buscam pessoas desaparecidas, distanciando-se do “lirismo

quase folclórico” (Candido, 1977) de CDV. Contudo, obviamente não se trata de

linguagem jornalística, pela presença de um eu-lírico, de recursos poéticos (como o

elegante corte em “saíra à tarde para uma volta no Largo do Rocio / e até hoje.”) – e,

como prova cabal de seu estatuto artístico, publicado como poesia.

Luísa respeita o métron, tal qual a mãe em CDV: “Luísa é de bom gênio, correta,

/ meiga, trabalhadora”. E compartilha dos mesmos preceitos religiosos daquela: “O

santo lume da fé / ardeu sempre em sua alma / que pertence a Deus e a Teresinha do

Menino Jesus.”. Talvez respeite demasiadamente o métron, como sugere o eu-lírico ao

frisar que ela “não tinha, não tinha namorado.”.

78

Um importante dado a ser comparado entre os dois textos é a relação entre mãe e

filha(s). Em CDV, as filhas são ao mesmo tempo confidentes e inquisidoras da mãe,

apresentando simultaneamente uma relação de proximidade e distanciamento, como

percebemos, dentre outros exemplos, no dístico “Nossa mãe, por que chorais? / Nosso

lenço vos cedemos.”, em que elas acolhem a mãe em seu momento de fragilidade, mas o

fazem numa linguagem absolutamente formal. Em CDV, portanto, notamos uma relação

ambígua, problemática, entre tais personagens.23

Já em “Desaparecimento de Luísa Porto” a relação entre mãe e filha é, em certo

sentido, menos complexa, visto que o papel desempenhado por Luísa antes de sumir era

o de cuidar da “mãe enferma”, sem haver indícios de conflito entre ambas. Se há um

conflito nessa relação, será apenas pela tensão decorrente da ausência de Luísa.

Os dois textos, porém, se aproximam ao tomarem a perspectiva materna frente

aos acontecimentos. Em CDV, ela é a narradora; em “Desaparecimento de Luísa Porto”

o eu-lírico vai em seu socorro, chegando a parecer, em certos momentos, mais

preocupado com a mãe do que com a própria Luísa (“Previna urgente / solitária mãe

enferma / entrevada há longos anos / erma de seus cuidados”), ocorrendo a referida

fusão entre as vozes do eu-lírico e da mãe ao fim do poema.

As duas mães apresentam uma condição de fragilidade, uma posição

“entrevada”. Em “Desparecimento de Luísa Porto”, tal fator é explicitado pela descrição

do eu-lírico; em CDV, percebemo-lo principalmente no desfecho, com o retorno do pai,

fundamental para restaurar a ordem doméstica. Uma importante característica comum

entre as mães representadas é a condição de espera (“E resta a espera, que é sempre um

dom”), em que nenhuma delas vai em busca do ente familiar perdido. A mãe de Luísa

conta com a “ajuda” do eu-lírico, que apela para que outros procurem a filha

(“Procurem Luísa”); em CDV, o pai retorna por vontade própria.

Podemos considerar, também, que a ação das mães apresenta considerável

restrição, seja por questões de saúde (em “Desaparecimento de Luísa Porto”), seja por

uma cultura patriarcal. As mães não saem de casa para buscar o outro desaparecido.24

Tal posição da mãe, restrita ao espaço doméstico, já aparece configurada no

poema “Infância” (p.6), de Alguma poesia:

23 O mesmo ocorre na relação entre a mãe e o pai, que nela desperta simultaneamente medo e paz. 24 A única saída da mãe do espaço doméstico em CDV é em consequência do desespero de ter perdido o marido (“Saí pensando na morte, / (...) Andei pelas cinco ruas,”).

79

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo. Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras lia a historia de Robson Crusoé, comprida a historia que não acaba mais. No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem preta velha café gostoso café bom. Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim: -Psiu... Não acorde o menino. Para o berço onde pousou um mosquito. E dava um suspiro... que fundo! Lá longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda. E eu não sabia que a minha historia era mais bonita que a de Robison Crusoé.

Mesmo trabalhando, realizando uma atividade, ela não sai de casa, como frisa o

texto ao repetir o verso “Minha mãe ficava sentada cosendo”. E não deixa de ser curioso

o fato de ela estar cosendo, tecendo, atividade tão cara a nossa leitura de CDV.

O pai mais uma vez sai do espaço doméstico, indo campear “Lá longe”

(lembremos da designação da amante como “dona de longe”). Desta vez ele sai

montado a cavalo, que pode ser lido como imagem da força máscula e também da

liberdade de que dispõe para chegar a territórios distantes do espaço doméstico. E não

deixa de ser o pai uma espécie de avesso da mãe (como em CDV), configurando com

ela uma relação de oposição complementar.

A partir dos poemas comentados acima, percebemos que a mãe de CDV

apresenta semelhanças com mães de outros poemas drummondianos, constituindo uma

importante figura no imaginário do autor.

80

6 – Considerações finais

CDV, ao configurar a mãe-narradora entre os polos filhas x pai (sendo aquelas

responsáveis por provocá-la a falar enquanto este a incita a calar-se), é construído a

partir da tensão entre a palavra e o silêncio, servindo também, portanto, para representar

o problema da expressão poética. A tensão entre os dois polos mostra-se fundamental

para o vigor artístico da composição, tornando-a uma das mais importantes realizações

literárias de Carlos Drummond de Andrade.

Após a leitura de CDV em sucessivas camadas – o título, a métrica, os detalhes

do texto e sua localização na obra drummondiana –, esperamos que nosso trabalho tenha

servido para fornecer uma visão razoavelmente ampla sobre o poema, analisando os

procedimentos utilizados em sua construção e discutindo algumas de suas

possibilidades interpretativas.

Que os leitores agora possam voltar ao texto para livremente apreciá-lo.

81

Anexo

Desaparecimento de Luísa Porto

Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto avise sua residência à Rua Santos Óleos, 48. Previna urgente solitária mãe enferma entrevada ha longos anos erma de seus cuidados. Pede-se a quem avistar Luísa Porto, de 37 anos, que apareça, que escreva, que mande dizer onde está. Suplica-se ao repórter-amador, ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte, a qualquer do povo e da classe média, até mesmo aos senhores ricos, que tenham pena de mãe aflita e lhe restituam a filha volatilizada ou pelo menos dêem informações. É alta, magra, morena, rosto penugento, dentes alvos, sinal de nascença junto ao olho esquerdo, levemente estrábica. Vestidinho simples. Óculos. Sumida há três meses. Mãe entrevada chamando. Roga-se ao povo caritativo desta cidade que tome em consideração um caso de família digno de simpatia especial. Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa. Foi fazer compras na feira da praça. Não voltou. Levava pouco dinheiro na bolsa. (Procurem Luísa.) De ordinário não se demorava. (Procurem Luísa.) Namorado isso não tinha. (Procurem. Procurem.) Faz tanta falta. Se, todavia, não a encontrarem nem por isso deixem de procurar com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa e talvez encontrem.

82

Mãe, viúva pobre, não perde a esperança. Luísa ia pouco à cidade e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada. Sua melhor amiga, depois da mãe enferma, É Rita Santana, costureira, moça desimpedida, a qual não dá noticia nenhuma, limitando-se a responder: Não sei. O que não deixa de ser esquisito. Somem tantas pessoas anualmente numa cidade como o Rio de janeiro que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada. Uma vez, em 1898, ou 9, sumiu o próprio chefe de polícia que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio e até hoje. A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil, ficou pasma. O jornal embrulhado na memória. Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez, a pobreza, a paralisia, o queixume seriam, na vida, seu lote e que sua única filha, afável posto que estrábica, se diluiria sem explicação. Pela última vez e em nome de Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia procurem a moça, procurem essa que se chama Luísa Porto e é sem namorado. Esqueçam a luta política, ponham de lado preocupações comerciais, percam um pouco de tempo indagando, inquirindo, remexendo. Não se arrependerão. Não há gratificação maior do que o sorriso de mãe em festa e a paz intima conseqüente às boas e desinteressadas ações, puro orvalho da alma. Não me venham dizer que Luísa suicidou-se. O santo lume da fé ardeu sempre em sua alma pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus. Ela não se matou. Procurem-na. Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora e os jornais não deram. Está viva para consolo de uma entrevada e triunfo geral do amor materno, filial

83

e do próximo. Nada de insinuações quanto à moça casta e que não tinha, não tinha namorado. Algo de extraordinário terá acontecido, terremoto, chegada de rei, as ruas mudaram de rumo, para que demore tanto, é noite. Mas há de voltar, espontânea ou trazida por mão benigna, o olhar desviado e terno, canção. A qualquer hora do dia ou da noite quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos. Não tem telefone. Tem uma empregada velha que apanha o recado e tomará providencias. Mas se acharem que a sorte dos povos é mais importante e que não devemos atentar nas dores individuais, se fecharem ouvidos a este apelo de campainha, não faz mal, insultem a mãe de Luísa, virem a pagina: Deus terá compaixão da abandonada e da ausente, erguerá a enferma, e os membros perclusos já se desatam em forma de busca. Deus lhe dirá : Vai, procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração. Ou talvez não seja preciso esse favor divino. A mãe de Luísa (somos pecadores) sabe-se indigna de tamanha graça. E resta a espera, que sempre é um dom. Sim, os extraviados um dia regressam ou nunca, ou pode ser, ou ontem. E de pensar realizamos. Quer apenas sua filhinha que numa tarde remota de Cachoeiro acabou de nascer e cheira a leite, a cólica, a lágrima. Já não interessa a descrição do corpo nem esta, perdoem, fotografia, disfarces de realidade mais intensa e que anúncio algum proverá. Cessem pesquisas, rádios, calai-vos. Calma de flores abrindo no canteiro azul onde desabrocham seios e uma forma de virgem intata nos tempos. E de sentir compreendemos. Já não adianta procurar minha querida filha Luísa

84

que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo com inúteis pés fixados, enquanto sofro e sofrendo me solto e me recomponho e torno a viver e ando, está inerte gravada no centro da estrela invisível Amor.

(p.231 a 235)

85

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