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Resenha do espetáculo teatral multimídia "Devir" da Cia. de Dança Espaço Liso, inspirado no cinema de Pedro Almodóvar.
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“DEVIR”, de Ewertton Nunes – Dançando Almodóvar no Espaço Liso
Por Luciano Freitas*
“Tudo flui e nada permanece, tudo dá forma e nada permanece fixo. Você não pode pisar duas vezes no mesmo rio,
pois outras águas e ainda outras, vão fluir.” (Heráclito de Éfeso, 5.000 a.C.)
LLLLogoogoogoogo nos primeiros instantesnos primeiros instantesnos primeiros instantesnos primeiros instantes do espetáculo "Devir",
o espectador pode ter a estranha sensação de ter sido
subitamente, sem nenhum aviso, transportado para o
interior de um filme de cinema: Após a exibição dos
créditos de abertura, com a imortal canção 'Ne me
quite pas' como música de fundo, a cena inicial de
um notório filme do diretor espanhol Pedro
Almodóvar se desenrola diante de nossos olhos. Parcialmente privados de nossa própria
identidade coletiva pela escuridão da platéia, nos tornamos a voz autoritária que ordena os
passos minuciosamente coordenados de um joguete erótico.
A diferença fundamental aqui é que o olhar não está mais prisioneiro da câmera.
Liberado dos planos, recortes e re-enquadramentos, típicos da linguagem cinematográfica, o
espectador pode olhar por quanto tempo quiser, para o que quiser - ou desviar o olhar, se
puder... E há muito que olhar. Os corpos dos atores dançam dramas curtos e intensos,
movem-se atleticamente por toda a extensão do palco, espreitam-se, tocam-se, escapam,
perseguem-se, colidem, submetidos a uma força
tão irrefutável quanto a da própria lei da
gravidade: a lei do desejo. Nem sempre é possível
definir qual personagem se sujeita a quem. Até
mesmo a submissão, nesta frenética correnteza de
psicodramas, pode ser paradoxalmente imposta ao
outro.
Como nos filmes de Almodóvar, teatro e
cinema se permeiam, comunicam-se. Figurino,
iluminação e elementos de cena se misturam à
projeção de imagens da própria peça em um telão
no fundo do palco. Duas câmeras fixas e uma
móvel registram as cenas em diversos ângulos,
projetam metalinguisticamente as cenas, ora
devolvendo as tramas cinematográficas ao seu habitat natural - a tela grande - ora projetando
as expressões das personagens em monumentais recortes de luz e sombra, ora compondo
um meta-cenário, ao destacar elementos críticos da ação e aproximá-los. Embutido no corpo
do espetáculo, o aparato audiovisual opera simultaneamente no nível da vigilância eletrônica
e do voyeurismo. Pausas para respirar são promovidas pelo silêncio e total escuridão no
curto intervalo que antecede cada uma das músicas-tema. De brinde, há um desconcertante
momento de "alívio cômico", onde a temática andrógina, típica do diretor espanhol, se
encontra da maneira mais improvável possível com a irreverência nordestina de Jackson do
Pandeiro!
Ao final do espetáculo, os atores convidam o
público para um bate-papo (agora já estão todos
íntimos... público e atores devassaram-se uns aos
outros...). Ewertton NunesEwertton NunesEwertton NunesEwertton Nunes - inquieto escritor-diretor-
ator-coreógrafo-dançarino sergipano - ladeado pelos
versáteis membros da Espaço Liso Cia. de Dança,
compartilha o processo criativo, relatos, curiosidades,
discutem abertamente as ressonâncias do evento. Uma deliciosa sobremesa para o espírito
que acaba de banquetear-se.
*Luciano Freitas é Servidor Público da Educação
e aluno do curso de Comunicação Social/Audiovisual da UFS