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1 Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás Astrid Boehmerl e Eva Eliana Mund (ASA-Teilnehmerin 2007) Introdução A soja é hoje o principal grão do agronegócio brasileiro e o carro chefe da agricultura modernizada nas atuais fronteiras agrícolas. Na economia nacional, aumenta as exportações e contribue para proporcionar um saldo positivo na balança comercial. Junto com os Estados Unidos, Brasil é o líder mundial no mercado internacional do complexo soja (grãos, farelo e óleo). A maioria da safra se vende em forma de grão ou farelo (resíduo do grão esmagado) para Europa ou Ásia onde é destinada à alimentação animal na pecuária intensiva e industrial. Como a soja é o maior destaque do agronegócio brasileiro, o governo federal e os atores dominantes nas economias nacionais e estaduais têm um forte interesse na expansão das áreas da oleaginosas. Desde o Sul do país, a soja se espalhou primeiro pelo Centro-Oeste. Hoje em dia, as antigas fronteiras agrícolas no Centro-Oeste se têm convertidos em regiões centrais da agricultura mecanizada e da agroindústria. No processo desse „desenvolvimento econômico“ uma grande parte da população tradicional ficou fora dos lucros gerados pelo agronegócio e o meio-ambiente foi danificado severamente. Nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins a fronteira agrícola avançou rapidamente dentro das ultimas duas décadas. É questionável se os lucros gerados recompensam os impactos socioambientais da expansão da agricultura mecanizada nessa região. O carro chefe do agronegócio brasileiro é a soja, que ocupa muitas das áreas recentemente desmatadas. Como uma grande quantidade da soja é exportada para Europa, o Fórum Carajás (São Luis, Maranhão) e o programa ASA (Alemanha) iniciaram juntos um estudo sobre os aspectos do cultivo de soja, enfocando nos impactos sócio-ambientais. As pesquisadoras viajaram em quatro meses nos estados de Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins para falar com todos os atores e grupos relacionados com a soja e o agronegócio: comunidades

Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

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Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás

Astrid Boehmerl e Eva Eliana Mund (ASA-Teilnehmerin 2007)

Introdução

A soja é hoje o principal grão do agronegócio brasileiro e o carro chefe da agricultura

modernizada nas atuais fronteiras agrícolas. Na economia nacional, aumenta as

exportações e contribue para proporcionar um saldo positivo na balança comercial. Junto

com os Estados Unidos, Brasil é o líder mundial no mercado internacional do complexo soja

(grãos, farelo e óleo). A maioria da safra se vende em forma de grão ou farelo (resíduo do

grão esmagado) para Europa ou Ásia onde é destinada à alimentação animal na pecuária

intensiva e industrial.

Como a soja é o maior destaque do agronegócio brasileiro, o governo federal e os

atores dominantes nas economias nacionais e estaduais têm um forte interesse na

expansão das áreas da oleaginosas. Desde o Sul do país, a soja se espalhou primeiro pelo

Centro-Oeste. Hoje em dia, as antigas fronteiras agrícolas no Centro-Oeste se têm

convertidos em regiões centrais da agricultura mecanizada e da agroindústria. No processo

desse „desenvolvimento econômico“ uma grande parte da população tradicional ficou fora

dos lucros gerados pelo agronegócio e o meio-ambiente foi danificado severamente.

Nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins a fronteira agrícola avançou

rapidamente dentro das ultimas duas décadas. É questionável se os lucros gerados

recompensam os impactos socioambientais da expansão da agricultura mecanizada nessa

região. O carro chefe do agronegócio brasileiro é a soja, que ocupa muitas das áreas

recentemente desmatadas.

Como uma grande quantidade da soja é exportada para Europa, o Fórum Carajás

(São Luis, Maranhão) e o programa ASA (Alemanha) iniciaram juntos um estudo sobre os

aspectos do cultivo de soja, enfocando nos impactos sócio-ambientais. As pesquisadoras

viajaram em quatro meses nos estados de Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins para falar

com todos os atores e grupos relacionados com a soja e o agronegócio: comunidades

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vizinhas às fazendas de soja, trabalhadores nas fazendas, sindicatos, fazendeiros,

empresas multinacionais, ONGs, e outros. Ao mesmo tempo, analisaram estatísticas. O

resultado dessa pesquisa foi resumido nesse artigo.

1. O papel da soja no Brasil

A soja, uma leguminosa rica em proteínas, forma parte da alimentação humana no

Extremo-Oriente há milhares de anos, e desde o século passado se consuma também em

outros continentes. O grão da soja pode ser preparado como legume, seco ou sob a forma

de farinha para fabricar leite, tofu ou molho de soja.

Na América do Sul, hoje em dia a soja é cultivada principalmente para exportação.

Fig.1 e 2: Campo de soja; grãos de soja

O Brasil, com 50,2 milhões de toneladas (Mio. t) ou 23% da produção mundial de

soja (2005), é juntos com EUA (82,8 Mio. t ou 39%) e Argentina (38,3 Mio. t ou 18%) o maior

exportador de soja, em forma de grão, de farelo (resíduo do grão esmagado) e de óleo.1 A

maioria da safra se vende em forma de grão ou farelo para Europa ou Ásia onde é destinada

à alimentação animal na pecuária intensiva e industrial.2

A soja é, hoje em dia, o carro chefe da agricultura modernizada no Brasil. Em 2003,

36 Mio.t de grão, farelo e óleo de soja determinaram cerca de um terço de todas

exportações agrícolas, e 11% de todo o valor exportado do pais (8,1 bilhões de US-

Dollar).Desde 2000, a produção aumentou em só três anos de 32 Mio. t a 52 Mio. t (2003) –

tendência aumentando.3,

1 FAO, Faostat, 8/2006.

2 FASE 2006b, 2.

3 Centro de Estudos em Logistica 2008.

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3

Segundo especialistas, a demanda por soja no mercado mundial vai aumentar

continuamente nos próximos anos. Razões por isso são mudanças nos costumes de

alimentação em países asiáticos; a nova prosperidade de grandes partes da população se

articula em maior consumo de carne, leite e ovos. Também, a demanda por bicombustíveis,

derivados entre outros da soja, aumentará.

Por isso, a produção de soja é hoje e no futuro de importância central para a

economia brasileira. Tanto governo como atores econômicos dominantes a nível nacional e

regional estão muito interessados em expandir ainda mais as áreas de produção.

2.1 Historia – a Revolução Verde e Modernização Conservadora no Brasil

A soja se plantou por primeira vez no Brasil no final do século XIX, na Bahia. No

século XX, se mudou para Rio Grande do Sul, onde se popularizou nos anos cinqüenta e

sessenta. Desde o extremo sul do país, o cultivo se expandiu para outros estados, devido a

novas evoluções internacionais.

Nos anos sessenta, instituições internacionais de pesquisa agropecuária criaram um

novo modelo agrícola, conhecido como “Revolução Verde”, baseado em tecnologias

inovadoras com o objetivo de aumentar a produção mundial de bens de alimentação.

Também nos laboratórios brasileiros foram criadas novas variedades de plantas

melhor adaptadas a diferentes condições climáticas. Ao mesmo tempo, o governo federal

começou a propagar, mediante um amplo sistema de créditos de financiamento, o uso de

máquinas agrícolas, agroquímicos e adubos artificiais.

Para aumentar a produção agropecuária nos “grandes vazios” no interior do país,

foram criadas nos anos setenta a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA) e a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER),

e se criaram programas especiais de apoio aos agricultores.

Com essas modernizações da agricultura nasceu a agroindústria brasileira. Porém,

desde o começo, o apoio por parte do governo federal era altamente seletivo: os créditos se

davam apenas para certos produtos de exportação que prometiam trazer muitas divisas

(principalmente soja, arroz e café). Alem disso, créditos e assistência técnica eram ligados à

compra de adubos, agroquímicos e sementes. Assim, o apoio somente era acessível para

plantadores de grande e meio porte. Os agricultores familiares, os quais produzem até hoje

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a maioria dos alimentos básicos para o mercado interno, não receberam nenhuma forma de

financiamento, nem assistência técnica.

Se fala de “modernização conservadora” dos anos sessenta e setenta, porque as

estruturas injustas já existentes no pais foram ainda reforçadas. 4

Nos anos oitenta, a agricultura modernizada expandiu até ao Centro-Oeste, no

Cerrado. Esse tipo de savana foi considerado por muito tempo uma região imprópria para

agricultura, por causa de solos ácidos e um clima semi-árido. Só depois das descobertas

inovadoras recentes, de correção de solo com calcário e novas variedades adaptadas ao

clima extremo, a exploração nessa região começou a estender-se rapidamente, sobre tudo

para o plantio de soja.

É que o Cerrado, o segundo maior ecossistema no Brasil, cobre mais do que dois

milhões de quilômetros quadrados ou 22% do território nacional5, a possibilidade de explorar

essa área prometeu um aumento enorme da produção agrícola nacional. Por isso, foram

formados programas especiais, como PRODECER os quais aceleraram a expansão desde

o Sul até o Centro-Oeste, e numa segunda etapa até as atuais fronteiras agrícolas no Norte

e Nordeste do país. 6

Essa expansão foi facilitada pelo melhoramento da infra-estrutura. Foi construída

uma ampla rede de rodovias, e também ferrovias e hidrovias, conectando as periferias com

os centros econômicos do país, maiormente no litoral.

Nas fronteiras agrícolas no Norte e Nordeste estão ocorrendo atualmente discussões

controversas sobre novos projetos de infraestrutura.

2.2 As conseqüências econômicas da „Revolução Verde“ no Brasil até hoje

A modernização da agropecuária brasileira gerou muitos lucros beneficiando o

crescimento econômico do país. O aumento das áreas cultivadas e da produtividade na

agropecuária possibilitaram altas cotas de exportação de produtos agrícolas, as quais

proporcionam muitas divisas para o governo federal. Até hoje, o agronegócio é de

fundamental importância para a economia brasileira: é responsável para 33% do Produto

4 COY 2001a, página 260.

5 Ministério do Meio Ambiente 2008, página 27.

6 COY 2001a, página 260.

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5

Interno Bruto (PIB), responde por 42% das exportações totais e gera 37% dos empregos

brasileiros. 7

Com o financiamento oficial a partir da Revolução Verde, o governo federal logrou

promover o desenvolvimento científico-tecnológico e a modernização da atividade rural.

Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), “o desenvolvimento

científico-tecnológico e a modernização da atividade rural, obtidos por intermédio de

pesquisas8 e da expansão da indústria de máquinas e implementos, contribuíram (...) para

transformar o país numa das mais respeitáveis plataformas mundiais do agronegócio.”9 Em

virtude desse desenvolvimento foram “abertos” vastos terrenos periféricos que por muito

tempo tinham sido considerados inférteis e sem valor econômico.10

Os créditos de financiamento também promoveram novos complexos agroindustriais

que combinam a produção de insumos com o marketing e processamento dos produtos.

Este novo setor do agronegócio traz até hoje muitos investimentos nacionais e estrangeiros.

Hoje em dia, se pode observar um novo processo de concentração no setor

agropecuário brasileiro. No centro da internacionalização da agricultura mecanizada estão

empresas multinacionais e capital estrangeiro. O financiamento privado tem substituído os

créditos estaduais: Algumas empresas agroindústrias prefinanciam a produção agrícola.

Dessas empresas, cada vez mais empresas brasileiras são compradas por companhias

multinacionais. Os investimentos oficiais se limitam a projetos de infraestrutura para facilitar

a produção, o transporte e a exportação de bens agrícolas – e mesmo aqui investimentos

privados são cada vez mais importantes.11

2.3 Expansão da soja do Sul ao Centro-Oeste ate o Nordeste

Desde a “Revolução Verde”, os produtores de soja e de outros bens de exportação

passaram gradativamente para um sistema de dependência das empresas de sementes e

produtos químicos, e dos créditos e subsídios. O acesso fácil a esse financiamento durou

até a segunda crise mundial do petróleo em 1979. Depois dessa data, o êxodo rural se

acelerou e a soja se converteu no motor da exclusão no campo.

7 Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH) (2007): Perfil Municipal: Campos Lindos.

8 “As variedades de sementes desenvolvidas pela Embrapa representaram 77% das variedades de

arroz oferecidas no Brasil entre 1976 e 1999; 30% do feijão; e 37% da soja. Entre os materiais desenvolvidos pela empresa até 2004 são contabilizadas 91 variedades de arroz, 36 de feijão, 68 de milho, 87 de trigo, 37 de algodão e 210 variedades de soja.” MAPA 2008. 9 MAPA 2008.

10 FASE 2006a, página 35

11 COY 2001b, página 19.

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Nas regiões da agricultura industrializada, principalmente no Sul do país, centenas

de milhares de sojicultores endividados se vieram obrigados a vender suas terras. Ao longo

das novas rodovias, muitos “gaúchos” migraram até o atual Goiás, Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul, onde as terras eram ainda muito mais baratas e se abriram novas

oportunidades de fortuna com a exploração do Cerrado recém começando.

Com a chegada desses

migrantes, as estruturas econômicas e

sociais mudaram profundamente

dentro de poucos anos.

Mapa: As atuais fronteiras

agrícolas no Brasil12

Hoje em dia, as antigas

fronteiras agrícolas no Centro-Oeste

se têm convertidas em regiões

centrais da agroindústria. Quase a

metade das 22 milhões de hectares de

plantio de soja em 2006 se encontrava no Centro-Oeste (10,3 milhões ou 46%) e mais do

que a metade desses no estado de Mato Grosso (5,8 milhões ou 26% da colheita

nacional).13

Nesse processo de „desenvolvimento econômico“, a maioria dos lucros gerados pelo

agronegócio ficou com os investidores e agricultores imigrados do Sul e Sudoeste do pais.

Uma grande parte da população tradicional, contendo indígenas, ribeirinhos e agricultores

pequenos, foi mais bem prejudicada.

Convivendo em estreita ligação com a natureza, cultivando principalmente para

subsistência e aproveitando os produtos do mato, esses grupos tradicionais foram

despojados da sua base de vida. Por causa de conflitos de recursos, quase todos tinham q

mudar ate regiões periféricas e menos férteis (que não prestam para cultivo de soja). Alem

da existência ameaçada dessa população, também o meio ambiente foi prejudicado

severamente.14

12 Fonte: http://images.google.com/imgres?imgurl=http://agbrazil.com/images/brazil.gif&imgrefurl=http://agbrazil.com/p/brazil_s_ag_frontier.htm&h=266&w=261&sz=4&hl=de&start=3&sig2=qUhZpN0NYLDIV_dURbtOLQ&um=1&tbnid=uMeil5yvDomJdM:&tbnh=113&tbnw=111&ei=wYChSI71MpOWxAGm3Lm2Dw&prev=/images%3Fq%3Dfronteira%2Bagricola%2Bbrasil%26um%3D1%26hl%3Dde%26lr%3D%26sa%3DN 13

IBGE 2007. 14

Compare Gutberlet 1999.

©2000-2003 AgBrazil, Inc.

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7

Sob esse fundo dos acontecimentos nas regiões de antigas fronteira agrícola, em

nossa pesquisa queremos estudar as conseqüências sociais e ambientais do cultivo de soja

nas atuais fronteiras agrícolas nos Estados de Maranhão, Piauí e Tocantins. Queremos

responder às perguntas, quais vantagens ou desvantagens a soja trouxe para a região,

como têm sido os impactos ambientais, quais grupos sociais e atores econômicos

aproveitaram das mudanças e como é a perspectiva para a região no futuro.

3 Área de pesquisa: a nova fronteiras agrícola em Maranhão, Piauí e Tocantins (MA,

PI, TO)

3.1 Caracterizações da área

Maranhão (MA) e Piauí (PI) são os estados mais pobres do Brasil e uma grande

parte da população mora em áreas rurais. Por isso, as mudanças estruturais nas regiões da

atual fronteira agrícola afetaram muitas pessoas.

Mesmo que nas últimas décadas o êxodo rural foi um fenômeno observado em todo

Brasil, ele também ficou agudo nesses estados. Enquanto em 1991 69% da população total

no Maranhão moravam em áreas rurais, em 2000 foram somente 40 %. No Piauí foram 47%

em 1991, e apenas 37% em 2000. Um êxodo rural particularmente forte aconteceu no

município Campos Lindos em Tocantins: alí, em 1991 99% da população morava fora das

cidades. Dentro de nove anos, a situação mudou completamente: até 2000, a porcentagem

caiu a 60,8%.15

3.1.1 Ecorregião Cerrado

A vegetação no Maranhão, Piauí e Tocantins é dominada pelo Cerrado e áreas de

transição entre Cerrado e floresta tropical, ambas especialmente delicadas e em perigo.

Como o solo contém poucos nutrientes como fósforo e potássio, não é uma floresta densa,

mas uma vegetação “aberta”, típica para savanas (Fig.3 e 4).

15

Atlas do Desenvolvimento Humano

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8

Fig.3 e 4: Cerrado – vegetação

O Cerrado é a savana com maior biodiversidade no mundo, com muitas espécies

endêmicas, adaptadas ao clima semi-árido dessa região.16 Além do seu valor natural, muitas

dessas espécies de fauna e flora nativa servem de fonte de alimentação e plantas

medicinais para as comunidades tradicionais.

Fig.5 Ecorregião Cerrado. Fonte: NASA, wikimedia. Originalmente o Cerrado cobriu 2

mil. km2. Assim, representando a segunda maior ecoregião, e a savana com mais rica em

espécies de flora e fauna no mundo.17

A ecorregião do Cerrado é o berço de cinco grandes bacias hidrográficas brasileiras:

Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Norte-Nordeste, São Francisco, Atlântico-Leste e

16

Ministério do Meio Ambiente (2008), p. 27. 17

Fearnside&Ferraz 1999, p.7

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9

Paraná-Paraguai

Fig. 6 e 7 :Bacias hidrográficas do Brasil. Fonte: Wikimedia, André Koehne,

pt.wikipedia.org

Por isso, as alterações nas águas dessa região têm influencia até em outros estados,

e a proteção das águas nessa região é duma importância primordial para um território

imenso. Especialmente os impactos nas nascentes dos rios que correm até a Amazonia,

causam conseqüências graves no ecossistema da Floresta Amazônica, na qual está

enfocado o interesse principal das iniciativas ambientais nacionais e internacionais.18

Embora mereça a mesma atenção, a ecorregião do Cerrado e a sua importancia

ficam ainda desconhecidos pela maioria dos cidadãos no mundo.

3.1.2 Vida rural tradicional

As populações tradicionais nos municípios visitados do Maranhão, Piauí e Tocantins

vivem em estreita ligação com a natureza. Como a maioria deles são agricultores familiares

com poucos ou nenhuns recursos financeiros, as principais atividades para garantir a

sobrevivência são cultivar a roça, criar pequenos animais e extrair o que precisam do

entorno natural.

No sistema tradicional de agricultura, chamado “roça de toco”, os agricultores

queimam primeiro uma área limitada, para desmatá-la e depois cultivar os alimentos

básicos, principalmente arroz, milho, feijão e alguns legumes. A terra somente se utiliza

durante um ano, depois se deixa descansar por 10 a 12 anos, para que o solo se recupere.

18

Ministério do Meio Ambiente (2008), S. 28f.

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10

Outra atividade importante é a criação de animais como galinhas ou porcos, para o

próprio consumo e as vezes, para venda. Além disso, as famílias rurais extraem muitos

recursos do Cerrado: frutas, madeira de construção, animais de caça e plantas medicinais.

Com a chegada e expansão da agricultura mecanizada em monocultura, essa forma

tradicional de viver e cultivar está sendo ameaçada. O desmatamento de grandes áreas

para plantio de soja, cana-de-açúcar e eucalipto, os grandes projetos de infraestrutura e a

influencia de novos atores na região põem em risco as terras e com isso a existência de

milhares de famílias de agricultores locais. Em algumas áreas onde a proximidade dos

campos de soja causa muitos conflitos, a sobrevivência se torna quase impossível (ver cap.

4), porque geralmente os latifundiários, com mais capital e educação, dominam com exito

nos conflitos sociais e na luta de recursos.

“Em todos os municípios visitados, mudanças estruturais na agricultura e

sociedade são visíveis.”

3.1.3 Fatores favoravéis para a sojicultura

Os produtores e investidores foram e são atraídos pelos fatores favoravéis do

Maranhão, Piauí e Tocantins. Essa região com condições climáticas adequadas é rica em

recursos naturais (terra, agua, madeira) a preços económicos:

As serras da região são adequadas para trabalhá-las com máquinas, e

com a aplicação de agroquímicos e calcário, as condiçoes do solo fácilmente se

podem adaptar às necessidades da sojicultura.

Os preços de terra foram muito baixos especialmente no começo da

expansão de soja.

É possível construir poços sem leis restritivas, então a extração de

água para irrigação artificial não custa nada além da energia da bomba.

O desmatamento em alguns lugares (p.ej. Baixo Parnaiba) está feito

por empresas metalúrgicas, as quais cobram apenas a madeira em troca, para cubrir

a sua necessidade enorme de energia.

Além disso, na região tem muita mão-de-obra barata – mesmo que

muitas vezes a educação deficiente está sendo lamentada.

Hoje, também a presença de empresas multinacionais na região se

considera uma vantagem, já que essas garantem o abastecimento com meios de

produção e a venda da safra.

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11

A infraestrutura existente e o apoio ou pelo menos nenhum “freio” pela

politica local são outras razões são favoravéis para essa região.

Os municipios visitados durante essa pesquisa estão situados em quatro estados

brasileiros, em distâncias de até mais que 1000 km. A sojicultura começou em momentos

diferentes, de maneiras diferentes.

Na continuação, se descreverão as particularidades de cada região e os aspectos

econômicos da expansão de soja. O capitulo 4 logo tratará as conseqüências sociais e

ecológicas.

3.2 Soja na área de pesquisa, conseqüências econômicas

Desde a metade dos anos setenta, os chamados “gaúchos” chegaram ao sul do

Maranhão, e com eles a agricultura modernizada.

Primeiro, eles plantaram arroz, mas por causa das condições climáticas e falta de

créditos para os meios de produção, não ganharam muito com esse produto. Buscando

alternativas, os agricultores tentaram um pouco de pecuária, e finalmente, a base das

inovações na pesquisa agrícola mudaram para sojicultora.

Na continuação, a expansão de soja no sul de Maranhão e Tocantins (Pedro

Afonso), foi promovida pelo programa nacional PRODECER (Programa de Cooperação

Nipo-Brasileira para o Desenvolvimiento dos Cerrados), consistindo em pesquisas agrícolas,

asistencia técnica e créditos especiáis. Esse programa foi estabelecido para apoiar a

agricultura de exportação no Cerrado. Em Balsas (MA) e Pedro Afonso (TO), o PRODECER

começou no ano 1997.19

O Japão estava interessado nesse programa para establecer uma nova fonte de

abastecimento para suas importacões agrarias. O governo brasileiro esperava o

desenvolvimento e aproveitamento dos recursos agrarios nessa área ainda pouco explorada

antes das inovacões agro-técnicas.20 Foi planejado o cultivo de grãos, frutas e soja para

exportação, para abastecer a pecuaria nordestina, e para o consumo humano (oleo de soja).

Ao mesmo tempo, planejaram uma agro-industria para o processo de soja e carne.21

19

Para a administração e cooperação do programa, fundou-se 1978 a Companhia de Promoção Agrícola (Campo). Na primeira etapa, desde 1978 apoiou-se o nordeste de Minas Gerais (PRODECER I), logo desde 1987 outras regiões de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahía (PRODECER II). A terceira fase desde 1997 esta dedicada as regiões Balsas em Maranhão do sul e Pedro Afonso em Tocantins. www.asiayargentina.com/usp-05.htm 20

Neide Mayumi Osada: PRODECER: Projetos no Cerrado e dívidas agrícolas. Online: http://www.asiayargentina.com/usp-05.htm 21

Banco do Nordeste (1998), S. 8-11.

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12

O PRODECER teve êxito economicamente, o que mostrou a expansão das áreas de

cultivo: Em Balsas, as áreas aumentaram de 16.310 ha no ano 1996 a 108.100 ha em 2006

(ver gráfico 1).22 Especialmente as empresas multinacionais construiram grandes armazéns

e criaram a industria de processamento.

O lado negativo desses mega-projetos agrarios foram as consequencias saciais e

ecológicas (ver cap.4), e também o endividamente de muitos produtores de soja, os quais

se viram obrigados a abandonar suas terras ou estão lutando até hoje para poder pagar

suas dividas.23

Grafico 1: Expansao de soja em Balsas (Maranhão) 1991 - 2007

Fonte: IBGE (2008)

22 IBGE 2008. 23

Neide Mayumi Osada: www.asiayargentina.com/usp-05.htm

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13

3.2.1 Pedro Afonso

Com o PRODECER III o cultivo intensivo de soja chegou até o municipio Pedro

Afonso em Tocantins.24 Antes de 1996/97, teve menos de 3000 ha de áreas agrícolas

nesse municipio, e a maioría foi usada para o cultivo de arroz seco e pasto para a pecuaria

extensiva. Com esse apoio nacional para a produção e comercialização no mercado

mundial, as áreas expandiram desde 1997 e se usaram sementes de soja mais adaptadas.

Hoje, a soja é o carro chefe da agricultura mecanizada em Pedro Afonso; além disso

se planta um pouco de milheto (como „entre-safra“ da soja). Em 2006, foram plantados mais

do que 300.000 ha de soja, e fomente em Pedro Afonso foram mais de 40.000 ha. Do

mesmo jeito, a produtividade aumentou muito, de 30 sacos (à 60 kg) por ha em 1991 a 55-

60 sacos por ha hoje, e também os preços da terra na região multiplicaram-se: de 300 - 400

Reais por ha a 4.000 - 12.000!25

Grafico 2: Expansão de soja em Pedro Afonso (TO) 1991 - 2006

Fonte: IBGE (2008)

24

As seguintes informaçoes conseguimos em conversas com CAMPO e COAPA em Pedro Afonso. A COAPA (Cooperativa Agropecuaria de Pedro Afonso) fundou-se em 1998. Hoje participam 86 produtores, alguns deles provenientes de outros municipios. 25 Entrevista com CAMPO, septembre 2007.

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14

Atualmente, os produtores de soja lamentam que nao têm mais créditos nacionais

para pre-financiar a sua safra. Os bancos dão créditos apenas para produtores que mostram

suficiente segurança financeira, e nao têm dividas ainda. Todos aqueles que nao cumprem

essas condiçoes, se vem obrigados a pedir créditos nas empresas multinacionais como

Bunge ou Cargill, as quais pedem juros bastante altos (Bunge 1,2% e Cargill 1% por mês!).

Assim, é fácil endividar-se, p.ej., quando a safra é pequena, por causa do clima, como

aconteceu nos últimos dois anos (2005/06 e 2006/07).26

A dependência dos agricultores se vê aumentada não somente na área de pesquisa,

mas a nivel mundial.27

Nesse contexto, representantes da COAPA (Cooperativa Agropecuaria de Pedro

Afonso) afirmavam que eles estão motivando os seus membros para diversificar os

cultivos. (existem novos projetos para criação de animais e fruticultura), mas as suas

ambições foram limitadas pelos bancos: seguindo ordens oficiais, eles dão créditos apenas

para a sojicultura, e não para produtos tradicionais, os quais poderiam ser cultivados até nos

mesmos campos, praticando rotação de culturas, um modo natural para prevenção de

pragas e empobrecimiento do solo.

A razão dada para esse problema, sempre é “o mercado”: a demanda de soja é tão

grande que no momento, isso é o produto agrário mais lucrativo no Brasil.

Em Pedro Afonso, se cultiva soja exclusivamente para exportar. Quase toda a safra

é transportada a Porto Franco, e de via hidrovias até o porto de exportação em São Luis.

Nao existe industria de processamento em Tocantins, pela qual se poderia criar

desenvolvimiento local.

3.2.2 Campos Lindos, Baixo Parnaiba e Uruçuí

Depois que a sojicultura já tinha chegado nas regiones Sul de Maranhão e Pedro

Afonso nos anos 80 e começo dos anos 90, somente nos últimos cerca dez anos, começou

a expandir até Campos Lindos, Baixo Parnaiba e Uruçui.

26 Entrevista com CAMPO, septembro 2007. 27

Ver p.ej.. www.globalbrutal.net, www.bioboom.de, www.greenpeace.de/themen/umwelt_wirtschaft/wto etc.

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Campos Lindos

O „projeto agrario Campos Lindos” foi também financiado pela cooperação nippo-

brasileira, e CAMPO participou na escolha dos produtores.

Em 1998,uma área de mais de 100.000 ha foi „doada“ pelo governo do estado a

pessoas com influencias políticas. No município, a área de soja aumentou de 450 ha em

1997 a quase 49.000 ha hoje(2007), representando 90 % da área agrícola desse município.

28 A traves disso, Campos Lindos se tornou a região mais importante do cultivo de soja em

Tocantins. Empresas multinacionais estão dominando nessa região desde os primeiros anos

do século XXI. Elas estão comercializando a soja principalmente para a exportação: 90% da

safra são enviados via o porto Itaqui de São Luis a Europa e Asia.

Baixo Parnaíba

A região Baixo Parnaíba no leste do Maranhão é outra nova área de plantio de soja.

A continuação, quando falamos de Baixo Parnaiba, não quer dizer somente a

microrregião “Baixo Parnaíba Maranhense”, mas uma região um pouco maior, contendo

entre outros os municipios Santa Quitéria do Maranhão, Chapadinha, Anapurus, Brejo,

Buriti, Mata Roma, Milagres do Maranhão.

A agricultura mecanizada chegou juntos com a construção da BR-163 Cuiabá-

Santarém (inaugurada 1973) na região. A BR-163 ainda é muito pouco asfaltada; a sua

ampliação (planejada desde 2004) multiplicaria ainda as consequencias da infraestrutura.

Aqui tambem, depois dos primeiros cultivos de arroz e soja (ca. 500ha) nos anos 80,

a expansão das areas começou em 2001. Hoje, os membros da APACEL29 (Associacão de

Produtores de Graos do Cerrado Leste) estão cultivando 90.000 toneladas de soja numa

área de 40.000 ha. 30 São ca. 50 propriedades de tamanhos medios (na meia 800 ha, a

menor tem 200ha, e a maior 4000 ha).

De todas as regioes visitadas, o Baixo Parnaíba apresenta uma vantagem especial

por causa da proximidade ao porto de exportação: de Chapadinha são somente 240 km ao

Porto de Itaqui em São Luis, comparado com o Sul do Maranhão, Uruçui ou Tocantins, o

que diminui bastante os custos de transporte (fator economico importante na produção de

soja).

28 IBGE 2008. 29

Interessenvertretung der Soja-, Mais- und Reisproduzenten in Baixo Parnaíba 30

IBGE 2008.

Page 16: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

16

O porto de Itaqui além disso é um dos mais próximos dos destinos desejados,

Europa e Asia.

Juntos com chuvas regulares, uma produtividade alta e bons preços pela terra (de

200 a 2000 Reais por ha)31, esses fatores favoravéis tornam o Baixo Parnaiba uma das

“melhores fronteiras agrícolas com potenciais para o futuro no Brasil” – até denominada

“China brasileira” -, e a expansão do agronegocio nessa região está predestinada.32

Uruçui

Em Uruçuí, no sud-oeste do Piauí, a empresa multinacional está ativa desde o ano

2000. Em 2003, ela construiu uma fabrica de processamento de soja – ate hoje a única no

Estado, a qual compra também grande parte da safra do Maranhão. Para comprar o terreno

e construir a fabrica e alojamentos para os trabalhadores, foram investidos 126 milhões de

Reais.

Nessa fabrica, os grãos de soja estão sendo moidas, para produzir farelo (80%) e

óleo de soja (20%). O farelo se comercializa como forrajem no mercado interior e para a

exportação; o óleo é trabalhado numa refinaria de óleo da Bunge em Pernambuco, para ser

vendido nos supermercados brasileiros.

Grafico 3: Expansão de soja em Uruçuí (Piauí) 1991 - 2006

Fonte: IBGE (2008)

31

Porque Chapadinha é considerada a melhor região do Brasil para se produzir grãos. http://agriculturanomaranhao.blogspot.com/2007_04_01_archive.html Zahlen vglen mit Wilson-Interview 32

Entrevistas com APACEL em Chapadinha

Page 17: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

17

As informações dessa pesquisa se referem as regiões de Maranhão, Piauí e

Tocantins. Embora, também existem áreas importantes de soja no Pará, especialmente na

floresta tropical, ao redor de Santarém e Paragominas.

Mas como essa pesquisa estava focada nas consequências sociais e ecológicas do

cultivo de soja no Cerrado e nas florestas de transição, estamos falando no contexto do

Pará somente do porto de exportação em Santarém, mas não das áreas de soja.

Encontram-se muitas informações sobre a produção de soja na Amazonia nessas páginas:

4 Análise do Problema

A introdução da agricultura mecanizada no Cerrado trouxe graves conseqüências sociais e

ecológicas que vêm prejudicando as populações locais assim como o meio ambiente até

hoje. As regiões que foram visitadas para a elaboração desta pesquisa variam muito entre si

em termos da situação sócio-econômica, dos ecossistemas, do contexto da introdução da

cultura de soja, etc., porém, os problemas que estas regiões estão enfrentando em relação

aos grandes projetos agrários que foram implementados sem uma estratégia adequada de

planejamento e controle ambientais, são idênticos. A cultura extensiva de soja trouxe para

as populações rurais destas regiões inúmeras conseqüências negativas.

“Conseqüências ecológicas da sojicultura”

4.1.1. Desmatamento

Com o desmatamento do Cerrado está se perdendo um bioma único rico em flora e

fauna. O desmatamento ocorre na maioria das vezes para dar lugar a atividades de

mineração (extração de bauxita), criação de novas pastagens para o gado, estabelecimento

de negócios com a produção de carvão vegetal ou para o plantio de soja, cana-de-açúcar ou

eucalipto. A instalação de infra-estrutura nesta região, como a abertura de novas rodovias,

também provoca o desmatamento, e nas imediações das novas estradas surgem novos

povoamentos acelerando ainda mais o processo de desmatamento.33

Além de reduzir a variedade biológica, o desmatamento exerce uma influência maciça na

alteração do microclima. Em todas as regiões visitadas, os moradores confirmaram que nos

últimos anos, a época das chuvas tem começado mais tarde do que nas décadas anteriores

33

Vankrunkelsven 2006, página 244.

Page 18: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

18

e que a quantidade de chuva também é menor. Com isso muitas correntes de água secam e

o lençol freático baixa – especialmente nas regiões onde as margens dos rios foram

desmatadas, porque ali a água se evapora mais rapidamente.34

A mata de mangue perto das margens dos rios, dos lagos e das fontes de água é de

suma importância para o ecossistema e a conservação dos recursos naturais. Esta

vegetação funciona como um corredor ecológico para favorecer o intercâmbio genético dos

animais. O manguezal também protege as correntes aquáticas dos agrotóxicos vindo dos

campos de soja, evita a erosão e impede o aumento da temperatura no ecossistema

aquático35.

Nas regiões desmatadas, apenas 20 por cento das já escassas chuvas conseguem

penetrar o solo ressecado (em comparação com os 60 por cento nas regiões florestais); a

maior parte das chuvas corre na superfície do solo e chega inclusive a provocar inundações

nas cidades. As plantações se tornam ainda mais secas e o risco de desertificação

aumenta.

As queimadas constituem mais um problema muito significativo. Os latifundiários

utilizam esse meio para desmatar grandes áreas rapidamente. Quase três quartos de todas

as emissões de CO2 no Brasil são originadas por incêndios florestais e queima de áreas

com crescimento de capim e cana-de-açúcar. “Nos meses de agosto a outubro, quando se

aproxima a semeadura, ocorrem muitos “incêndios espontâneos” até mesmo nos Parques

Nacionais”.36

A população rural também realiza tradicionalmente queimadas nas áreas a serem

cultivadas, o que muitas vezes provoca a perda de controle do fogo. Essas áreas de cultivo

em “roça de toco” se localizam geralmente na região ribeirinha porque ali o solo é fértil e

existe água em quantidade.

As dimensões destas pequenas áreas de desmatamento, entretanto não são

comparáveis com a enorme área desmatada em virtude dos grandes projetos agro-

industriais. Originalmente, estas pequenas queimadas não apresentaram nenhum problema

ambiental grave: enquanto existiam áreas disponíveis o suficiente, as regiões desmatadas

pelos pequenos agricultores eram utilizadas por apenas um ano e então deixadas em

34

A retirada de água para a irrigação mecânica na agricultura também sobrecarrega sobremaneira as reservas de

água. 35

FASE et al. 2006a, a partir da página 72. 36

Vankrunkelsven 2006, página 213.

Page 19: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

19

descanso por um período de 10 a 12 anos. Também deve-se salientar que a perda de

nutrientes do solo – o que vem a ser uma conseqüência irremediável das queimadas –

nunca teve conseqüências tão negativas como atualmente.

Hoje, em função da forte ampliação da agricultura mecanizada, os pequenos agricultores

têm que se contentar com uma área de cultivo cada vez menor, o que faz que eles não

possam mais se ater ao tradicional sistema de rotação de culturas. Eles se vêem obrigados

a utilizar a mesma área duradouramente, o que dentro de poucos anos provoca o

empobrecimento do solo, assim como a erosão, e conseqüente queda da rentabilidade. Por

este motivo, recentemente as organizações não governamentais tem realizado campanhas

por métodos agrícolas alternativos que evitem as queimadas.

O “Reflorestamento” de áreas desmatadas com a substituição das espécies locais

por eucalipto não tem como função proteger a variedade de espécies, porque este tipo de

árvore exótica que está sendo plantada na região de monocultura não é adequado ao

ecossistema nativo. A plantação de eucalipto necessita visivelmente mais água do que a

vegetação típica do Cerrado e simultaneamente provoca uma acidificação rápida do solo.37

Além disso estas plantações tem sobretudo uma função econômica: em poucos anos a área

plantada é novamente desmatada e a madeira é utilizada para a fabricação de celulose ou

como lenha – e por esta razão a definição do conceito de reflorestamento está mal colocada

dentro desta concepção.

Com a finalidade de proteger a vegetação natural foi introduzida no Brasil a Lei de

Preservação das Reservas Legais. Como reserva legal entende-se uma dada área dentro

de um terreno localizado no espaço agrário, que deve ser preservada em seu estado

original, isto é, não pode ser desmatada. Estas reservas têm a função de preservar os

recursos naturais e os processos ecológicos, assim como permitir que estes recursos e

processos voltem a existir, além de oferecer às espécies nativas da fauna e da flora um

habitat protegido. As reservas legais não devem ser confundidas com as Áreas de Proteção

Permanente. O tamanho da reserva legal depende das respectivas zonas de

vegetação/respectivo bioma e do tamanho do terreno. Elas importam:

I. 80 % de um terreno que se encontra nas regiões de floresta tropical equatorial

na denominada Amazônia legal;

37

Compare FAO 1985.

Page 20: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

20

II. 35 % de um terreno que se encontra em um estado do Cerrado, integrando a

Amazônia Legal38 .

III. 20 % de um terreno que se encontra em outras regiões do Brasil.39

A Lei das reservas legais foi introduzida com a finalidade de limitar o desmatamento.

Nas áreas protegidas é proibido qualquer tipo de atividade agrícola e a partir de uma área

de 1000 hectares o desmatamento só pode ser realizado após a autorização da autoridade

responsável.

O instituto brasileiro de meio ambiente IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis) é responsável pelo cumprimento e pelo controle das leis

nacionais de meio ambiente. O Instituto concede Licenças para desflorestamento, autoriza a

utilização de recursos naturais e controla e pune, pelo menos na teoria, a exploração ilegal

de recursos naturais. Na realidade o principal problema do IBAMA reside na deficiência

crônica de pessoal e falta de recursos financeiros, principalmente em regiões agrárias. Para

citar um exemplo, no estado do Maranhão uma grande maioria dos funcionários trabalha na

capital São Luís, enquanto que no Escritório Regional do Sul do Maranhão trabalham

apenas 3 funcionários que têm que coordenar 44 municípios. Por esta razão não é de se

admirar que ocorram muitos desmatamentos ilegais e que em 25 anos foram realizados

apenas 2 vôos de helicóptero para o controle do desmatamento. Porém, uma presença

relativamente boa do IBAMA não é também nenhuma garantia de que as leis ambientais

serão cumpridas. Através de contatos pessoais ou corrupção pode-se ter acesso rápido a

licenças e às vezes nem sequer é necessário dar entrada. Muitos produtores agrícolas já

afirmaram em entrevistas que desistiram das licenças porque o processo é muito trabalhoso

e pode durar até dois anos. Ao mesmo tempo as penas são baixas – elas correspondem

apenas uma fração dos ganhos que o agricultor poderá usufruir com a área desmatada.

Uma lacuna na Lei oferecida pelo fato de que a terra desmatada ilegalmente não deverá ser

reflorestada ou substituída dentro da mesma escala de valores, mas será apenas

recompensada através de uma pena financeira, provoca conseqüências devastadoras para

o meio ambiente.

Sempre quando se trata de Leis Ambientais significa que o IBAMA “controla”. Mas na

realidade não se pode verificar nenhum controle regular, e o que na verdade acontece é no

38

Destes 35 % devem pertencer no mínimo 20 % ao próprio terreno. Os outros 15 %, tomando-se em conta o sentido de uma recompensa, pelo menos devem pertencer à mesma bacia micro-hidrográfica. 39

WWF 2006.

Page 21: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

21

máximo uma denúncia - que na maioria das vezes se passa de forma anônima -

freqüentemente após uma briga de vizinhos.

O Ministério do Meio Ambiente do Brasil confirmou, baseado em foto de satélites de

2002, que hoje apenas cerca de 60 por cento do Cerrado está coberto por sua vegetação

natural original. A situação em que se encontram as áreas preservadas não foi examinada.40

Apesar de seu imenso significado biológico como a savana mais rica em espécies do

mundo, a região não é protegida suficientemente através de leis ambientais: apenas uma a

cada dez espécies de plantas nativas está protegida pela lei.41

Assim como a falta de leis de proteção, também o sentido de algumas leis e regras

existentes são passíveis de crítica. Por exemplo, existe uma Lei que prevê a proteção da

árvore Pequi, mas do ponto de vista ecológico não faz sentido. Devido a esta Lei podem-se

encontrar árvores de Pequi isoladamente no meio da plantação de soja porque se é proibido

a cortar essa espécie - ignorando o fato de que este tipo de árvore necessita estar rodeado

por um sistema ecológico intacto para poder prosperar. Essa lei também nao tem em conta

que o fruto do pequi serve de recurso natural para os moradores locais – os quais

logicamente não podem entrar no campo de soja para pegar os frutos.

4.1.2 Agricultura mecanizada e Plantação em Monocultura

A plantação de soja de forma mecanizada em uma área nova, segue normalmente

os seguintes passos:

- As áreas novas são desmatadas42.

- Na segunda etapa, os restos de raízes que poderiam danificar as máquinas agro-

industriais têm que ser cortadas e recolhidas, o que é feito manualmente. Aliás, esta é a

única tarefa no plantio de soja em que verdadeiramente se empregam numerosos

trabalhadores locais, apesar deste trabalho ter pouca duração e ser mal remunerado.

- Em seguida, o solo é arado, aplainado e tratado com a adição de calcário para equilibrar o

nível de acidez do solo, que no Cerrado é bastante elevado.

- As sementes são então antes de serem semeadas tratadas com imunização utilizando

bactérias capazes de promover a captação de nitrogênio, e caso necessário também com

agentes protetores vegetais. Também são empregados herbicidas para destruir as ervas

40

Ministério do Meio Ambiente 2008, página 28. 41

Fearnside & Ferraz 1999. 42

Para o desmatamento de áreas extensas, muitas vezes se utiliza um correntão de metal que é colocado entre dois tratores. As instituições ambientais criticam este método, através do qual se destrói todo um ecossistema por completo, incluindo árvores que são protegidas por lei e que servem aos camponeses como fonte de fruta.

Page 22: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

22

daninhas ou outras plantas residuais da cultura anterior, e isso se faz antes da semeadura

e também mais tarde enquanto as plantas ainda são pequenas.

- A fim de se evitar que as plantas de soja sejam infestadas por insetos nocivos e fungos

(como lagartas e percevejos, por exemplo), elas são pulverizadas após a brotagem com

outros agrotóxicos em intervalos de tempo diferenciados.

- Antes da colheita, a secagem da soja é induzida através do emprego de outro tipo de

agroquímico. Desta forma, a colheita se torna mais fácil e os grãos encontram melhores

condições de armazenamento.43

A agricultura mecanizada facilita o trabalho do agricultor, mas traz consigo altos custos

ecológicos e também financeiros. Como as máquinas utilizadas são muito pesadas, elas

provocam a compactação dos solos. Os agrotóxicos utilizados contaminam solos e as

correntes de água. Os solos empobrecem em virtude do desmatamento e do emprego da

monocultura. Como conseqüência da perda de substâncias nutritivas e minerais se faz

necessário o emprego de quantidades cada vez maiores de fertilizantes.

Mais um problema se traduz através do surgimento dos sinais de Erosão, os quais muitos

agricultores procuram prevenir através da semeadura direta. A semeadura direta é um

método de semeadura sem a preparação prévia do solo: o solo não é arado entre a colheita

e a nova semeadura. Na região examinada se semeia freqüentemente um “fertilizante

verde” após a colheita da soja. Estas plantas são ressecadas com a ajuda de agentes

químicos antes da nova semeadura da soja. Os restos vegetais deste fertilizante verde que

cobrem o solo, amortecem o impacto das gotas de chuva e evitam que muito material na

superfície do solo seja levado pelas chuvas. Diante da presença de irradiação solar intensa

este manto protege o solo contra o rápida ressecamento. Da mesma forma pode favorecer

um aumento muito maior da capacidade de absorção de água durante precipitação intensa

do que através da técnica de arado, porque o espaço interno vazio deixado pelas raízes

mortas reforçam a penetração da água até as camadas mais profundas do solo.

Estes efeitos positivos da semeadura direta são, entretanto, relativos pela intensa

necessidade de se empregar os referidos herbicidas com a finalidade de se combater não

só a cultura anterior mas também o crescimento de ervas daninhas.

A desertificação intensa das áreas erodidas assim como o consumo crescente de

água gerado pela agricultura extensiva e pela transformação industrial, contribuem

significativamente para a escassez das reservas de água. Apesar de que no Cerrado o

clima dominante é o semi-árido, em muitos locais a atividade agrícola, principalmente a

43

Criar e Plantar 2008.

Page 23: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

23

plantação de cana-de-açúcar, é realizada durante todo o ano com o auxílio de equipamento

de irrigação. A consciência da população, especialmente dos produtores agroindustriais, a

respeito da preocupante escassez de água é no momento muito pouca, inclusive porque o

senso de responsabilidade através do custo monetário não lhes é repassado. Com exceção

da taxa de autorização para a perfuração de poço, a agroindústria não arca com nenhum

custo pelo seu consumo de água – simplesmente porque nesta região a água é retirada de

rios, riachos ou de poços privados, e por esta razão, grátis! Também as famílias e o serviços

domésticos não se dão conta de como se desperdiça água porque na maioria das vezes se

paga apenas uma taxa mensal muito baixa e com valor fixo, independente da quantidade de

água consumida.

A soja momentaneamente ainda não é na maioria dos casos plantada durante todo o

ano. Muitos Fazendeiros alegam a imprescindível irrigação artificial como impedimento para

o cultivo repetido. Porém, o problema aqui é mais o suprimento elétrico do que as reservas

de água. (Eles aguardam atenciosamente pela realização breve da construção de uma

represa que já está planejada – e que do ponto de vista ecológico existem muitos motivos

contra esta intenção, sem se levar em consideração os gravíssimos efeitos nocivos

provocados pela construção em si).

4.1.3 Agrotóxicos

Como já mencionado anteriormente, na plantação convencional de soja se utilizam

muitos pesticidas, herbicidas e fungicidas contra doenças e pragas que surjem

freqüentemente no caso de monoculturas. Como insetos e outras pragas podem

desenvolver resistência, é necessário o uso de agrotóxicos cada vez mais fortes e em

dosagens cada vez mais elevadas, com a finalidade de garantir a colheita – muitas vezes

com conseqüências devastadoras.

Os agrotóxicos são pulverizados várias vezes ao ano através de máquinas agrícolas

ou de aviões. Nas regiões vizinhas as famílias não podem sequer deixar as crianças

brincarem do lado de fora durante este período; muitos moradores testemunham a morte

rápida de animais domésticos, como aves e porcos, em conseqüência da pulverização nos

campos de soja nas proximidades (como por exemplo no povoado de Secura na região de

Anapurus no Baixo Parnaíba).

Page 24: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

24

Para os trabalhadores rurais faltam sempre equipamentos de proteção assim como

as informações técnicas necessárias à manipulação dos produtos químicos, mesmo quando

ambos estão prescritos por Lei44.

Muitos entrevistados informaram que sofreram de sintomas de envenamento, como

dor de cabeça, vômitos, diarréia, sudorese, problemas respiratórios ou estado de choque

após o manuseio inadequado do veneno. Quase todos os trabalhadores rurais entrevistados

conheciam pelo menos um caso no qual o colega de trabalho ou conhecido morreu vítima

de envenamento com agroquímicos. No Posto de Saúde de Campos Lindos são atendidos

de quatro a cinco casos mensais de envenamento.

Os venenos ,entretanto, não atuam apenas no momento do uso no campo, mas

também têm conseqüências que manifestam a longo prazo: através da erosão, a terra

contaminada é transportada durante o período das chuvas desde os planaltos onde se

localizam as plantações de soja até os riachos e rios, ou ainda através do vento pela região.

Desta maneira, os venenos conseguem se acumular em outros pontos do ecossistema e

assim provocarem danos na população local. Devido ao fato de que a maior parte da

população rural não tem nenhum acesso a água encanada e tratada45, a poluição dos

lençóis d’água assume um caráter devastador porque a maioria das famílias obtém a água

para beber e para o uso geral diretamente dos rios e riachos ou dos pequenos poços.

Em quase todos os municípios examinados esta forma de poluição nos foi

identificada como sendo o maior problema: as doenças de pele se alastram nas pessoas

que bebem da água e que a utilizam para a higiene corporal. Os animais que bebem da

água adoecem ou morrem. Os peixes morrem em quantidades maciças e a contaminação

da própria colheita põe em risco a segurança alimentar.

No povoado de Rio Sangue nas proximidades de Urucuí, por exemplo, morreram

cinco bois após terem bebido da água de um riacho. Pelo fato de as mortes terem sido

súbitas e exatamente na ocasião da pulverização e como além disso, esta água foi trazida

pelas chuvas diretamente das plantações de soja até o riacho, os moradores estão

convencidos de que os animais morreram envenenados. Para as famílias, a morte de cinco

44

Muitos trabalhores rurais entretanto afirmaram durante as entrevistas que eles não gostam de utilizar o equipamento de proteção individual disponível – principalmente as máscaras respiratórias quando o calor é muito intenso. Isto vem comprovar que eles não estão conscientizados a respeitos dos riscos para saúde decorrentes do manuseio dos produtos tóxicos, e que por sua vez não houve esclarecimento a esse respeito por parte do empregador. 45

Em todos os Municípios visitados em 2001 em média menos que 20% da população tinham acesso a água encanada (PNUD 2007).

Page 25: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

25

reses representa uma enorme perda, mas elas não podem contar com indenizações por

isso.

Muitos moradores de Terra Dura (Município de Sonhem), Batavo (Município de

Balsas) e Campos Lindos confirmaram que a água dos rios apresenta turvação e odor

estranho. Após apenas alguns minutos na água pode-se observar imediatamente irritações

na pele. Doenças crônicas de pele e dos olhos que surgiram em alguns moradores tornaram

o uso da água impossível.

Em várias das comunidades visitadas as condições de vida desde então pioraram

claramente.

Apesar de muitas famílias possuírem córrego imediatamente nas proximidades de suas

casas, elas são obrigadas atualmente a percorrer um longo caminho a pé para apanhar

água potável em uma outra fonte que seria menos poluída, e ainda arcar com a dificuldade

de transportar os pesados recipientes com água no caminho de volta para casa. Outras

famílias se vêem obrigadas a perfurar um poço. Isso era o que acontecia em localidades

como São Francisco, Campos Lindos, em Terra Dura / Buritirana, Loreto e várias

comunidades no Baixo Parnaíba. Em outros locais os moradores não tinham outra escolha a

não ser abandonar suas terras, porque o biossistema destes terrenos em sua totalidade –

solo, água, flora – estavam poluídos, os animais morreram e até mesmo estes moradores se

encontravam doentes.46

Muitos dos entrevistados externaram sua insegurança, seu desamparo e

preocupações a respeito da água potável, que eles mesmos e também as crianças

consumem diariamente. Por parte da política eles nunca receberam apoio e com raras

exceções, nunca se realizou uma análise da qualidade da água. Uma análise da qualidade

da água poderia no mínimo oferecer a estas pessoas a informação se elas ainda poderiam

beber desta água sem preocupação.

Entretanto mesmo quando altas concentrações de agrotóxicos fossem comprovadas, seria

quase impossível identificar os responsáveis pela poluição assim como incriminá-los através

dos trâmites legais, porque não se pode identificar através do tipo de poluente quem o

pulverizou.

Muitos produtores de soja, assim como os funcionários de empresas multinacionais

negaram a nocividade dos agrotóxicos. Muitos deles defenderem o ponto-de-vista de que a

pulverização das plantações por via aérea é mais segura porque a quantidade necessária é

46

Conversa realizada com antigos pequenos agricultores nos acampamentos ilegais de Araguaína (Tocantins).

Page 26: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

26

calculada automaticamente e a área a ser tratada é completamente coberta por GPS. Por

esta razão acidentes e poluição das áreas adjacentes seriam impossíveis. Só resta

esclarecer a dúvida, se as plantações seriam apenas pulverizadas na ausência absoluta de

vento. A segurança deste processo deixa também transparecer contraditória através do

relato de muitas famílias, cujas plantas no jardim e na lavoura perderam todas as folhas

imediatamente após a pulverização das plantações vizinhas. Ou ainda, através da afirmação

de um motorista de ônibus, de uma professora e de quinze estudantes que seguiam juntos

no ônibus pela rua, quando um avião pulverizou veneno quase em cima do ônibus escolar

que foi invadido pela fumaça fétida, tendo como conseqüência que no decorrer dos dias

seguintes várias crianças sofreram acessos de tosse e apresentaram febre. Para nos

convencer de que os referidos produtos químicos seriam inofensivos a saúde, um grande

produtor tentou provar oferecendo o exemplo de um trabalhador rural que tentou se suicidar

ingerindo agrotóxico, e mesmo assim não conseguiu.

Em uma das maiores fazendas de soja do Maranhão, onde a plantação se distribui

em cerca de 10.000 hectares, nos foi esclarecido em primeiro lugar que a aplicação de

agrotóxico é realizada de forma tão exata que uma contaminação da água na região estaria

totalmente excluída, e em segundo lugar que mesmo quando uma quantidade mínima de

agrotóxico atingisse a água, esta não seria suficiente para provocar qualquer dano.

Afirmaram-nos que a análise da água que é realizada de acordo com o que a Lei prescreve,

ou seja, a cada três meses deverá ser analisada a água utilizada na área de produção, onde

nascem muitos rios, não se verificou nenhuma alteração. Porém, estes resultados ainda não

foram publicados. Então em decorrência do prosseguimento da conversa veio à tona o tema

da saúde dos agricultores que trabalham na fazenda. Nos foi assegurado que para eles não

existe “nenhum risco de envenenamento” dentro da área da Fazenda principalmente porque

eles se servem de água retirada de um poço de 80 metros de profundidade!

“A contradição contida nesta afirmação dispensa qualquer comentário”.

Muitos fazendeiros de soja que estavam sendo acusados de envenenamento da

água afirmaram que isto seria feito por pequenos agricultores que utilizam produtos

químicos inadequadamente e desta forma poluem o meio ambiente. Levando-se em

consideração o fato de que a maioria dos pequenos agricultores da região, não chegam

sequer a dispor de renda monetária e de que agrotóxicos são caros, esta afirmação não

chega então a ser conclusiva. Porém, cumpre-se ressaltar que muitos pequenos agricultores

confessaram durante as entrevistas, que utilizariam veneno para combater a infestação de

pragas em suas plantações, caso possuíssem dinheiro o suficiente.

Page 27: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

27

A poluição tanto dos lençóis subterrâneos como da água superficial no Cerrado é em

todas as perspectivas alarmante. Na savana brasileira nascem inúmeros sistemas fluviais

que são um dos maiores da América do Sul. A mudança na qualidade da água no Cerrado

pode, por este motivo levar rapidamente a conseqüências gravíssimas em outras regiões.

No total são utilizados anualmente no Brasil 182.000 toneladas de agrotóxicos, em

grande parte importado da Europa, principalmente através da Firma Bayer. Uma agrônoma

supõe que freqüentemente são vendidos e utilizados herbicidas que na Europa já foram

inclusive proibidos, como por exemplo “Tordo” que está incluído entre os POP´s (persistant

organic pllutants = poluentes orgânicos persistentes) que constam como internacionalmente

proscritos. Esta informação naturalmente foi desmentida pelo Ministério da Agricultura,

porém, controles rotineiros não são realizados.

Além disso, deve-se ressaltar que a produção de agrotóxicos consume muita

energia, que por sua vez provoca o aquecimento do planeta assim como outros problemas

relacionados com a produção de energia.

4.4.4 Soja Transgênica

Até há três anos atrás (02.03.2005) o cultivo de plantas geneticamente manipuladas

no Brasil era considerada ilegal e por este motivo a proporção de soja transgênica na

produção total é até hoje significativamente menor (40% da safra de 2007) no Brasil do que

na Argentina (99%) e nos Estados Unidos (acima de 90%). Enquanto no Sul do Brasil se

planta cada vez mais soja geneticamente manipulada, os produtores do Norte e do

Nordeste ainda dão preferência às plantas convencionais, que são claramente melhores

e que se adaptam melhor ao clima semi-árido. Muitos agricultores destas regiões porém,

aguardam ansiosos que logo sejam desenvolvidas espécies de soja transgênica

especialmente para o Nordeste.

A resistência desenvolvida contra o princípio ativo Glifosato 2,4 D permite o uso do

herbicida completo “Round Up” na plantação de soja geneticamente manipulada. Este

herbicida foi desenvolvido e patenteado pela empresa multinacional Monsanto. Esta “Arma

Maravilhosa” faz efeito tanto contra todas as plantas verdes como contra ervas daninhas em

potencial, porém deixa intacta a plantação de soja geneticamente manipulada. Dessa

maneira, de fato emprega-se menos herbicida específico.

Page 28: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

28

Problemático, porém, é que cada vez mais plantas desenvolvem resistência contra o

Glifosato e os riscos biológicos da Tecnologia Genética ainda não foram suficientemente

pesquisados. Além disso, esta “Técnica Milagrosa” apresenta muitos riscos econômicos e os

Fazendeiros de Soja ficam desta forma sujeitos a forte dependência das empresas

multinacionais.

No Brasil foi permitida pela Lei de Biosegurança 11.105/2005, de 2 de Março de

2005 a semeadura e a produção de espécies geneticamente manipuladas e também a

semeadura de sementes produzidas pelo próprio agricultor, desde que estas sementes

sejam para o próprio uso, e não para a comercialização47.

Poucos meses após a Assinatura da Lei a Monsanto informou a introdução de um

sistema complexo de “Royalties”. Este sistema trata-se de uma obrigação unilateral de

pagamento para a utilização de sementes patenteadas, que explora por meio de um aparato

jurídico não só a propriedade intelectual favorecendo as empresas de biotecnologia, como

também o Governo dos Estados Unidos. As dimensões destas Leis podem ser medidas pelo

fato de que a Monsanto já controla atualmente 91% do mercado mundial de sementes.

O lado pérfido neste sistema de Royalties é que se deve pagar por cada grama de

sementes utilizadas na semeadura, independente da qualidade atingida na colheita. Foram

apresentadas aos produtores não apenas colheitas seguras, mas também lucros elevados,

e por esta razão muitos optaram pelo cultivo de soja geneticamente manipulada. A colheita

efetiva ficou, porém, freqüentemente muito aquém do lucro almejado: o Estado do Rio

Grande do Sul, por exemplo, teve no ano de 2005 80% da safra de soja transgênica perdida

em função da seca provacada pela escassez de chuvas, porque este tipo de planta é muito

mais sensível às altas temperaturas e à falta de chuvas do que as espécies tradicionais.

Entretanto os Fazendeiros tiveram que pagar os Royalties de qualquer maneira, o que levou

a endividamentos altíssimos.48

Em virtude destes riscos, as plantas de soja convencionais são preferidas pela

maioria dos produtores no Norte e no Nordeste, inclusive porque elas se ajustam com mais

facilidade à seca e ao solo pobre em nutrientes. Durante uma entrevista um produtor de soja

declarou que, o lucro nas plantações experimentais com soja transgênicas chegaram a ser

47

Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glicofosato registrada no Registro Nacional de Cultivares – RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção como semente. 48

Reis 2007.

Page 29: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

29

25% menor do que nas áreas de plantação tradicional. Pelo fato de que as sementes

transgênicas serem muito caras e ao mesmo tempo a colheita ser incerta, para muitos

Fazendeiros o cultivo de soja transgênica ainda não é rentável. Há pouco tempo, porém,

começaram a surgir cada vez mais tentativas com um tipo de soja geneticamente

manipulada resistente ao calor intenso assim como com novos adubos com a finalidade de

que no futuro o uso de soja transgênica consiga se sobressair.

Apesar de tudo, não é possível a nenhum dos produtores de soja entrevistados

garantir que seu produto seja “GMO-free”, porque seria extremamente dispendioso se

controlar ao longo da cadeia produtiva se as sementes convencionais que atualmente são

cultivadas na região, não estão misturadas com 7-10% de sementes geneticamente

manipuladas. Tanto para o uso de herbicidas do tipo Round-Up como para o cultivo de soja

transgênica nas regiões examinadas, ainda se faz obrigatório, ao contrário dos estados do

sul, a obtenção de uma licença ambiental estadual.

Dentre os produtores de soja entrevistados, não se chegou a um consenso se o

cultivo de soja transgênica necessita de mais ou de menos agrotóxico do que a plantação

tradicional. Também a respeito do mercado consumidor surgiram opiniões contraditórias:

alguns Fazendeiros,por exemplo, disseram que os consumidores europeus são mais

exigentes do que os chineses em relação à liberdade de se utilizar tecnologia genética, o

que era uma vantagem para o Brasil antes da legalização da Soja-GMO. Outros

Fazendeiros, porém, alegaram que não existiriam diferenças e que todos os consumidores

estariam apenas interessados no preço. Isso se deve provavelmente ao fato de que

freqüentemente se trata de soja a ser utilizada como alimento para os animais, para a qual

ainda não existe nenhuma obrigação de idenficação dentro da União Européia.

A rejeição da tecnologia genética por parte dos europeus é esclarecida por parte de

algumas companhias exportadoras com a justificativa de que empresas como a Bayer e

outros grandes fabricantes de agrotóxicos de origem européia incentivam o medo diante da

tecnologia genética, para que desta forma eles consigam continuar comercializando seus

agrotóxicos para as espécies convencionais.

Page 30: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

30

4.2 Conseqüências sociais da destruição ambiental

4.2.1 O caso de Campos Lindos como exemplo

Na comunidade rural de Campos Lindos as pessoas viviam e trabalhavam por muito

tempo, relativamente distanciadas entre si e, com uma relação muito próxima com a

natureza. Seus antepassados imigraram do Maranhão por volta de 1900 na procura por um

lugar melhor para viver; a maioria das famílias são descendentes destes imigrantes

nordestinos e dos povos indígenas.

Até a chegada da agricultura “moderna”, há cerca de 10 anos atrás, as pessoas

viveram em Campos Lindos praticamente intocadas, utilizando a agricultura de subsistência,

a criação de gado em forma de coletividade, caça, pesca e coleta de frutas e plantas típicas

do Cerrado. O dinheiro por mais da metade do século vinte não tinha nenhum significado

para estas pessoas; o excedente de sua produção era trazido uma ou duas vezes por ano

em lombo de burro e em balsas, viajando várias semanas, até as cidades de Balsas ou de

Riachão. Lá, os produtos foram trocados nas feiras locais por outras coisas, principalmente

sal e tecidos.

Em suas lavouras de “roça de toco”, queimadas sem utilização de adubos ou

produtos químicos, eram cultivados arroz, milho, mandioca, diversos tipos de feijão,

abóbora, melancia, bananas, abacaxi e algodão. Eles criavam porcos, galinhas e –

coletivamente – gado, que andavam livremente e retiravam seu alimento da natureza. No

Cerrado eram caçados principalmente o veado, catitu (um tipo de javali), antas, emas, cotias

(animal aparentado com a lebre), seriemas, tatus e perdizes. A savana lhes oferecia uma

quantidade imensa de frutas nativas como o bacuri, buriti, babaçu, cajú, pequi, bacaba ou

mangaba, além de plantas medicinais. E ainda haviam mel silvestre e muitos peixes nos

rios. A imensa variedade de fontes alimentícias garantia às famílias uma vida saudável e

riqueza alimentar por muito tempo49.

No final dos anos 90 as famílias de pequenos agricultores foram tomadas de

surpresa pelo boom da soja. A área de cultivo de soja cresceu de apenas 450 hectares em

1997 até os atuais 45.000 hectares! A população local não estava preparada para a

mudança tão súbita de seu meio ambiente e para a aceleração e a capitalização do seu

ritmo de vida, e permanece até hoje traumatizada.

49

Até aqui todas as informações são oriundas da FASE et al. 2006a, página 28-36 e entrevistas próprias.

Page 31: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

31

A sua produção não estava orientada para a acumulação de bens materiais; seu

ponto central era a sua sobrevivência individual assim como de sua família, não só hoje,

mas como também no futuro, e desta forma assegurar a perpetuação do seu modo de

vida50. Com a chegada súbita da agricultura mecanizada que veio acompanhada de intenso

afastamento até violenta expulsão do trabalhador dos campos, as pessoas passaram a ver

que a base da sua existência se encontrava agudamente ameaçada. As reservas de peixes

e de animais diminuíram significativamente dentro de poucos anos, lençóis d’água foram

contaminados, começaram a surgir casos graves de envenamento e ruas que sempre foram

utilizados pela população rural, de repente foram declaradas como propriedade particular: as

pessoas deveriam a partir de agora aceitar a tomar um atalho a pé com várias horas de

caminhada para poder chegar ao próximo povoado.

De fato Campos Lindos possue atualmente conexão à malha rodoviária (esta infra-

estrutura foi construída para favorecer o transporte dos produtos agrícolas para a

exportação), entretanto como a maioria das famílias camponesas na melhor das hipóteses

possuem apenas uma bicicleta, raramente uma motocicleta quanto menos um automóvel, e

que aqui não existe sequer transporte público, estradas não lhes trazem vantagem alguma:

“Antes durava a viajem (até Balsas para vender e fazer compras) de ida e volta oito dias ou

mais. Hoje pode-se sair daqui pela manhã e a tarde já estar de volta, mas isso não traz

vantagem, porque nós não temos nada que possamos levar para vender. Antes a viajem era

difícil e cansativa mas pelo menos tínhamos alguma coisa para vender.”51

Na verdade os moradores de Campos Lindos já antes da chegada do cultivo de soja

eram muito pobres no que se refere a renda e ao acesso à educação e assistência médica.

Todavia viviam, de própria declaração, relativamente contentes, sem fome, e

capazes de utilizar sua riqueza de conhecimentos tradicionais para segurar sua base de

vida.

Passamos a citar alguns fatos:

- Muitos municípios na região pesquisada estão entre os mais pobres do Brasil e

apresentam um Índice de Desenvolvimento Humano (HDI = Human Development Index) que

se equipara ao dos países africanos mais pobres. Com um HDI-M52 de 0,58 Campos Lindos

estava incluído no ano 2000 entre os 550 municípios mais pobres do Brasil (em um total de

5500). A expectativa de vida era de 60 anos e entre 100 crianças 6 morriam antes de

50

FASE et al. 2006, página 28. 51

Citação de Dona Florência de Vereda Bonita, Maio de 2006, retirada de FASE 2006, página 37. 52

O HDI-M corresponde ao Human Development Índex aplicado ao nível municipal.

Page 32: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

32

completar um ano de vida. A cada três moradores um era analfabeto e a população total

freqüentou a escola em média por 2,4 anos.53

Quando se comparam estes dados com os números de 1991 pode-se constatar uma

melhora discreta em relação ao acesso à educação e à assistência médica. Este fato pode

ser constatado na maioria dos municípios brasileiros e se deixa explicar através de medidas

governamentais, como o Programa Bolsa Família, por exemplo. Mas ao mesmo tempo a

renda familiar média neste mesmo período caiu e a desigualdade entre ricos e pobres

aumentou.54 Em 1991 viviam 82,7 por cento da população na pobreza absoluta, nove anos

depois ainda mais (85,2%). Desde então, de acordo com declarações da Comissão Pastoral

da Terra (CPT), as condições de vida de muitas pessoas piorou ainda mais e sua fragilidade

aumentou. A extrema concentração de propriedade e renda nas mãos de poucos aumentou

enormemente. O contraste entre a extrema pobreza de algumas famílias e a tecnologia de

ponta ultra moderna que a poucos quilômetros de distância é utilizada nas plantações de

soja não poderia ser maior.55

A expansão da soja também tem impactos muito negativos em terras indígenas. Os

povos indígenas que vivem na região do Cerrado, entre eles os Krahõ, sofrem com a

abertura de estradas na fronteira da região onde eles habitam, assim como com os grandes

desmatamentos e a poluição com produtos químicos dos rios que nascem nas serras e

atravessam os territórios indígenas. A poluição com resíduos químicos prejudica ainda a

oferta de alimentos aos indígenas que vivem diretamente da caça e da pesca. Os principais

problemas são a retirada ilegal de madeira, a caça ilegal, desmatamento, grilagem de terras

e a presença de camponeses invadindo os limites do território indígena, que por sua vez é

tão importante para a sobrevivência deste povo. Os limites deste território é importantíssimo

para o povo Krahõ porque lhes oferece um corredor de proteção natural. Os camponeses

são forcados a vender suas terras aos fazendeiros de soja.56 O caso de CL 96.

Através da descrição da situação de Campos Lindos, se torna claro que o

“desenvolvimento” da região, incentivado pelos defensores da agricultura mecanizada e da

industrialização que deveriam beneficiar todos os moradores através da geração de

empregos, desenvolvimento da infra-estrutura e agregação de valores, não trouxe nenhuma

melhora das condições de vida à grande maioria dos camponeses, tão pouco como em

muitos outros municípios no Maranhão, Piauí e Tocantins.

53

PNUD 2007: Perfil Municipal - Campos Lindos, Páginas 2-5. 54

Coeficiente de Gini: de 0,50 (1991) para 0,69 (2000) ADH Campos Lindos, página 3. 55

FASE et al. 2006, página 24. 56 FASE 2006a, página 96.

Page 33: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

33

As áreas de cultivo de soja continuam crescendo e de acordo como o Prefeito de

Campos Lindos o Cerrado no Estado do Tocantins também será tomado pela cultura de

cana-de-açúcar e pelo plantio de eucalipto.

4.2.2 Risco alimentar

Essas conseqüências ambientais têm um profundo impacto no sistema de produção

dos camponeses. Como a área destinada às atividades destes pequenos agricultores foi

reduzida, eles se vêem obrigados a encurtar o período de descanso do solo, o qual por esta

razão se degenera. Ao mesmo tempo, o uso intensivo de agrotóxicos nos campos de

agricultura mecanizada tem a desvantagem de fazer com que a grande quantidade de

insetos que surgem em virtude da monocultura, abandonem os campos de cultivo

mecanizado em busca de alimento, que é encontrado muitas vezes nas roças de

agricultores familiares, que não possuem poder aquisitivo para comprar inseticida. Como

conseqüência, as roças tradicionais dos pequenos agricultores foram atingidas nos últimos

anos por pragas com maior freqüência o que provocou uma queda significativa da

produtividade. Muitos dos entrevistados relataram que antes da instalação dos grandes

projetos agrícolas raramente se viam pragas nas roças.

Na comunidade de Sonhem, município de Loreto, no Sul do Maranhão por exemplo,

as pragas invadiram as plantações de feijão durante o inverno de tal maneira, que os

agricultores atualmente se vêem forçados a plantar feijão no verão. Em virtude da escassez

de chuvas nesta época do ano, a irrigação tem que ser feita manualmente, o que significa

um trabalho adicional para os moradores além de um maior gasto de água.

Com a expansão da agricultura de extensão também a criação de animais na região

foi visivelmente prejudicada. Como suas terras fazem divisa diretamente com as plantações

de soja, os camponeses são obrigados a manter suas reses em pastos cercados, o que não

acontecia anteriormente. Caso um animal invada a plantação de soja, o que acontece

corriqueiramente, ou este animal será morto ou seu proprietário será obrigado a pagar uma

multa em dinheiro para que o animal seja posto em liberdade. “Antes a roça era diversificada

e a criação também. Hoje o nosso gado está preso nas fazendas e se a gente os quer de

volta precisa pagar por eles...”.57

57

FASE et al. 2006a, Página 84.

Page 34: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

34

Os encargos para os pequenos agricultores não se referem apenas à construção da

cerca, que tradicionalmente é confeccionada a partir da disposição bem entrançada de

galhos e ramos de árvores coletados com muito esforço (materiais que devido ao

desmatamento se tornam cada vez mais raros). Para estes agricultores surgiu o problema

adicional da alimentação dos animais, porque na pecuária confinada os animais passam a

ser alimentados pelos próprios camponeses ao contrário do gado criado solto, onde os

animais buscam o alimento na natureza por conta própria. Isto pode ser ilustrado através do

comentário de um dos entrevistados: “Aqui se conta que antigamente os animais se

alimentavam por conta própria e então às pessoas. Hoje em dia acontece exatamente o

contrário. Para poder criar animais temos que alimentá-lo pessoalmente. Nossas lavouras

não produzem o suficiente para alimentar também o gado, e até o Cerrado oferece cada vez

menos alimentos que a gente possa colher. Para nós a criação de animais não é mais

compensadora.”

Aqueles que desejam ainda apesar de tudo, alimentar sua família a base de carne,

poderiam caçar. Porém, devido a destruição de seu ambiente natural, o acervo animal do

cerrado encontra-se bastante reduzido e a quantidade dos que ainda existem é tão

pequena, que se tem que aprovar Leis para protegê-los da extinção. O pequeno agricultor

então encontra animais para a caça apenas raramente, e neste caso ainda se vê obrigado a

cometer um ato ilegal.

Para muitas comunidades o extrativismo deixou de existir. Com o intenso desmatamento

desaparecem as espécies frutíferas do Cerrado, como por exemplo o buriti, bacuri, pequi...o

que prejudica a alimentação familiar. Se antigamente os habitantes do Cerrado caçavam,

hoje isso é quase impossível.

A pesca encontra-se em situação igualmente complicada: no Rio Manoel Alves e

seus confluentes em Campos Lindos, no Rio Balsas ou ainda em muito dos outros rios e

riachos na região visitada e demais locais, tanto a quantidade de peixes assim como o nível

da água diminuíram. A sobrevivência da população ribeirinha, que vivem em estreita ligação

com os cursos de água, encontra-se em risco. As análises de água que foram realizadas

nos anos de 1999 e 2006 em Campos Lindos mostraram que a qualidade da água piorou

consideravelmente em relação à turvação, pH e presença de contaminantes.

Devido ao lucro cada vez menor na lavoura, a perda da criação de animais como

fonte adicional de renda e de alimentação assim como as limitadas possibilidades oferecidas

atualmente pelo extrativismo (caça e coleta de frutos silvestres) muitas famílias na região

Page 35: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

35

pesquisada perderam a garantia alimentar. Em muitos locais, onde a própria colheita já não

é mais suficiente para viver, as pessoas são obrigadas – caso possuam meios financeiros

para isso – a comprar alimentos. Isso pode representar uma carga muito pesada, porque

devido à enorme distância em que são transportados, os alimentos são mais caros aqui do

que nos grandes centros metropolitanos do Sul e Sudeste do país, onde são produzidos.

Simultaneamente isto torna raro ou quase impossível para algumas famílias ter uma fonte

de renda baseada nos excedentes gerados pela venda de seus produtos.

4.2.3 Conflitos de Terras, Processos de Invasão e Expulsão de Terras

O consumo do espaço agrário é um dos maiores problemas da expansão da soja,

juntamente com a perda das colheitas pela contaminação por pragas. Através da expansão

da área cultivada com a soja sobra cada vez menos terra disponível para o uso do pequeno

agricultor. Por meios legais e ilegais à mando dos latifundiários eles são em muitos locais

exortados a sair ou até mesmo expulsos com violência.

Com a valorização da Região do Cerrado devido à agricultura mecanizada orientada

para a exportação, chegaram e continuam chegando novos atores à Região, que almejam a

aquisição de grandes faixas de terras. Entre eles encontram-se tanto agricultores como

pecuaristas que utilizarão diretamente pelo menos uma parte das terras recém adquiridas,

como também investidores que nem sequer planejam se estabelecer na região, mas apenas

especular com o preço da terra, adquirindo grandes extensões de terra para dentro de

alguns anos obter ganhos estrondosos com a revenda destas terras.

Em muitas regiões do Brasil, como Maranhão, Piauí e Tocantins, os conflitos de terra

que se originam a partir de relações de propriedade sem seguridade jurídica58 estão na

ordem do dia59. Nas regiões examinadas a população tradicional está estabelecida

parcialmente na verdade há mais de um século no mesmo terreno, porém, até hoje não

possuem nenhum documento que lhes assegure o direito de propriedade.

58

De acordo com declarações oficiais do governo encontram-se 12 por cento dos terrenos percentes ao Governo, ou seja, quase 100 milhões de hectares, ocupados ilegalmente. De um total de 859 milhões de hectares apenas 418 apresentam escritura. Quando se abstrai a partir deste número o espaço metropolitano, rodovias, rios e mares, sobram 200 milhões de hectares cujas escrituras encontram-se em litígio. Vankrunkelsven 2006, página 213. 59 O motivo da relação injusta de propriedade deve-se a distribuição de terras realizadas pela Coroa Portuguesa no periódico colonial. As Elite políticas e econômicas conseguem impor sua influência até hoje para evitar uma reforma agrária abrangente. Por esta razão o trabalho do Instituto Nacional de colonização e Reforma Agrária (INCRA) fundado em 1970 caminha apenas a passos lentos. INCRA 2008.

Page 36: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

36

De acordo com o Artigo 191 da Constituição Brasileira de 1988, toda pessoa que

produza e administre um terreno de até no máximo 50 hectares por um período de pelo

menos 5 anos, adquire automaticamente o direito de propriedade. Mas na realidade lhes

faltam à população local tanto o acesso ao auxílio jurídico como à educação, para capacitá-

los a exigir de fato o cumprimento da lei e lhes permita a liberação do seu Título de

Propriedade NT = Escritura).

Desta forma, estas pessoas se tornam vítimas fáceis da denominada grilagem, ou

seja, a falsificação de escrituras, na maioria das vezes realizadas por pessoas muito

influentes para poder provar seu suposto direito de propriedade. Muitas fazendas são

administradas coletivamente, o que dificulta ainda mais a questão da propriedade. Além do

mais, muitas pessoas até há pouco tempo não viam nenhum sentido em se reivindicar o

direito de propriedade de um terreno. Um investidor do Sul do Brasil chegou a contar

sarcasticamente num programa de televisão, que ele perguntou a uma mulher que ia

passando na rua, se ela sabia a quem pertenciam as fazendas coletivas. Ele não pode

acreditar quando ela respondeu que as fazendas coletivas “ pertenciam somente a Deus”.

Desta forma se deixam transparecer valores culturais básicos da população rural da Região:

algo como propriedade de terra não existe de jeito nenhum, o solo pode ser utilizado por

qualquer um para satisfazer as suas necessidades.

Nos processos de venda de terras o direito de uso da população local pode ser

ignorado de várias formas. Em vários locais acontece que as autoridades revendem um

terreno pertencendo oficialmente ao Estado, mesmo quando este terreno é habitado por

pessoas já há décadas. Nestes casos o novo proprietário vai querer retirar estas pessoas do

terreno: às vezes através do pagamento de indenizações, porém freqüentemente através de

ameaças maciças, do uso da força policial ou do uso de grupos armados (pistoleiros), que

também incendeiam casas e fazem ameaças de morte.

Em Campos Lindos por exemplo foram no final dos anos 90 mais de 100.000

hectares de terra inicialmente desapropriada (o provável proprietário jamais foi visto na

região) e então “doadas” a amigos do Governo e a pessoas influentes não só da localidade

como também do sul do Brasil (Decreto 437/98)! A escolha dos beneficiados se deu de

acordo com critérios como por exemplo a capacidade de trazer tecnologia e “Know How”

específicos, com a finalidade de desenvolver o “Projeto Agrícola Campos Lindos” que

compreende uma extensa plantação de soja direcionada para a exportação.

Page 37: Diagnóstico da expansão da cadeia produtiva da soja na região de Carajás-

37

Esta distribuição de terras como presente, atingiu negativamente 80 famílias de

camponeses que há várias gerações viviam na região. Estas famílias não receberam nem

esclarecimentos durante os preparativos nem tampouco foram idenizadas de alguma forma.

Juntamente com Associações locais e Sindicatos de Trabalhadores Rurais60 elas ainda

lutam por seus direitos. As 40 famílias que viviam na área da Fazenda Sussuarana

receberam ameaças de morte e suas casas foram queimadas, o que não é nenhum fato raro

nos conflitos de terras nas regiões pesquisadas. Em Campos Lindos e em muitos outros

lugares além do citado acima, ainda ocorrem fatos como destruição de cercas, passagens e

pontes, assim como morte de animais. Atualmente moram ali apenas umas poucas pessoas

no meio de um oceano de campos de soja; a maioria já desistiu e se mudaram para a

cidade, onde sua qualidade de vida não veio a melhorar.61

Nos primeiro anos da expansão da soja, os produtores se instalaram principalmente

no plano superior da região onde o trabalho mecanizado é possível. A população rural

tradicional mora em sua maioria nos vales acidentados, próximo às correntes de água e

cultiva ali seus campos porque este solo é relativamente fértil. Ao mesmo tempo muitas

famílias possuíam terras nas partes mais elevadas, que eram destinadas acima de tudo, a

criação de gado solto. Principalmente estas terras das fazendas coletivas de gado, que do

ponto de vista dos Fazendeiros eram inutilizadas, foram as primeiras a serem vendidas

pelos pequenos agricultores, espontaneamente ou obrigados.

De acordo com declarações dos Sindicatos e de Organizações Não Governamentais

no Maranhão, essa fase em que as terras situadas nas partes mais elevadas caíram nas

mãos dos investidores foi seguida de uma segunda etapa, na qual o interesse por terras na

região dos vales cresceu. Esta segunda etapa tem durado até hoje. Na verdade, esta região

se deixa utilizar para agricultura mecanizada apenas com muita dificuldade em virtude de

seus despenhadeiros íngremes, rochedos e abismos. Porém elas conseguem atingir um

outro objetivo importante: elas servem como reservas legais para os latifundiários. Como

explicado anteriormente (veja o capítulo 4.1.1), reservas legais são áreas de proteção

prescritas por lei que se encontram em terrenos utilizados para atividade agrícola, e que

devem ser mantidas no seu estado natural original.

“Então não são os agricultores os próprios culpados por vender suas terras?”

60

FETAET (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Tocantins) e STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais). 61

Entrevistas realizadas em Campos Lindos em Setembro/Outubro 2007, Informações adicionais obtidas em FASE et al. 2006a, páginas 27, 43-51 e 88.

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38

Muitos camponeses deixaram-se convencer pela idéia de vender suas terras barato

aos produtores de soja porque desta forma eles teriam mais dinheiro na mão do que

anteriormente. Nesta ocasião não lhes pareceu claro que eles na realidade só iriam obter

uma pequena parte do valor real do terreno e que além disso o dinheiro seria gasto dentro

de pouquíssimo tempo, enquanto um pedaço de terra pode prolongadamente servir como

base de existência e garantir a sobrevivência por um longo período. Como o sonho de se

conseguir uma vida melhor na cidade conseguiu se difundir, muitos camponeses se

decidiram por vender suas terras e com a pequena base financeira emigrar para a cidade.

Só que na cidade o sonho de uma vida melhor se realizou apenas para alguns

poucos emigrantes. Muitas pessoas que foram entrevistadas nas periferias de cidades

médias e grandes relataram que elas no momento se arrependeram da decisão de ter

vendido suas terras, porque elas não encontraram trabalho na cidade ou as condições de

trabalho aqui eram muito precárias. A vida se tornou visivelmente mais sacrificada do que

era no campo, onde elas tinham no mínimo o suficiente para comer. Aqui também não foi

possível reproduzir a rede social, e a relação com a natureza foi destruída. Abuso do álcool,

criminalidade e prostituição freqüentemente já presente entre os adolescentes, são os

problemas mais recentes trazidos por esta confrontação com a “vida moderna”. Nos bairros

pobres das regiões metropolitanas faltam energia elétrica, água encanada e tratamento de

esgoto, rua asfaltada e assistência médica. As moradias construídas pessoalmente pelos

moradores em áreas descampadas nas imediações das cidades são na maioria das vezes

ilegais e as pessoas correm o risco constante de serem expulsas daqui também.

Depois que o destino dos emigrantes passou a ficar conhecido, muitos dos que

permaneceram no campo não quiseram mais vender suas terras, porém, mesmo assim não

lhes resta mais outra escolha, porque eles são ameaçados ou então seu meio ambiente se

tornou cada vez mais hostil em função do uso dos agrotóxicos. Não existe nenhum auxílio

jurídico, o governo municipal de muitas localidades permanece do lado dos grandes

produtores.

Em muitos casos não é oferecido sequer uma indenização, muito pelo contrário, a

escritura falsa (grilagem) é utilizada provavelmente para fazer valer as próprias

reivindicações em torno de um pedaço de terra e expulsando os moradores por meio de

apelação jurídica e em casos extremos, também com uso da violência. Em vários lugares

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39

encontramos famílias que foram ameaçadas e intimidadas de todas as formas imagináveis

quando elas se recusaram a deixar suas terras. Aviões que pulverizavam agrotóxicos não

apenas nos campos próximos, mas também sobrevoavam as casas e jardins dos

camponeses provocando, como nos exemplos citados de Campos Lindos e Baixo Parnaíba,

a morte de plantas assim como das galinhas após bicar grãos, destruindo desta forma a

base existencial das pessoas. Em inúmeras comunidades os “novos proprietários”

contrataram pistoleiros para expulsar os moradores violentamente, especialmente na época

da expansão da soja. No Sul do Maranhão a intimidação e as ameaças aos pequenos

agricultores pelos pistoleiros provocou o despovoamento de povoados inteiros (=> veja

também Filho, Irmão Bruno).

Outra problemática permanece na tendência da juventude em virar as costas ao

próprio povoado (veja também o capítulo sobre a EFA).

“Conflito de terras no Sul do Maranhão”

O ITERMA (Instituto de Colonização do Sul do Maranhão) que é responsável pela

realização da política agrária no Maranhão legalizou várias reinvidicações de direito de

propriedade que estavam baseados em documentos falsificados. Segundo Souza Filho

(1996), o Instituto considerou apenas as declarações e os interesses das grandes empresas

e investidores enquanto que à população que tradicionalmente morava na região não foi

dado direito de participação. Especialmente TERRA SOJA, uma empresa que negocia com

imóveis e que ficou conhecida na região devido a suas práticas duvidosas para fazer

negócios. Com auxílio de declarações falsas e corrupção muitas personalidades influentes

conseguiram obter uma Escritura Rural, que elas novamente vendiam a empresas rentáveis

ou os negociavam com fazendas coletivas ou ainda utilizavam para si próprias para o cultivo

de soja na região. Em muitas localidades como em Ferreira por exemplo, haviam inclusive

muitos políticos municipais e autoridades locais com participação nos lucros e que por esta

razão se transformavam nos patrocinadores destas práticas ilegais. Além de Ferreira,

também nos Municípios de Buritirana, Por Enquanto, Sucupira, Tasso Fragoso e muitos

outros, estas práticas levaram ao surgimento de conflitos de terras, nos quais TERRA SOJA

contratou tropas de intimidação armadas que perseguiram os moradores locais.

Desta forma roubou-se terras às populações rurais locais, nas quais estas

populações estavam estabelecidas há 70 e até mesmo há 100 anos e que eram

consideradas até esta data como propriedade do governo. Hoje muitos dos moradores

vivem expulsos em precárias condições de vida nos centros regionais e/ou são obrigados a

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40

aceitar as precárias condições de trabalho nas fazendas de soja (mais a esse respeito no

próximo capítulo)62.

4.2.4 A situação precária dos pequenos agricultores e exôdo rural

Para os pequenos agricultores que permaneceram no campo existem apenas

limitadas possibilidades como fontes de renda. As áreas que lhes estão disponíveis ficam

cada vez menores e por esta razão eles são obrigados a encurtar o período de repouso

entre as queimadas, o que empobrece ainda mais o solo.

Como os agricultores dispõem de áreas cada vez menores, eles precisam de acesso

urgente ao assessoramento agrário para tentar descobrir como eles poderiam aumentar sua

produtividade, conhecer melhores técnicas de cultivo e otimização do uso do terreno.

Porém, eles não possuem nenhum acesso ao assessoramento técnico. Existem alguns

projetos alternativos na região, que são baseados na Agroecologia e mostram aos pequenos

agricultores alternativas para as queimadas, mas até o momento eles são limitados na

quantidade e a introdução de inovações nas comunidades rurais é um processo muito longo

e complicado. A venda de frutas nativas ou dos seus produtos derivados é na maioria das

vezes dificultada pela falta de infraestrutura e de propaganda. Os produtores dispõem

apenas de algumas poucas possibilidades de vendas. Se os acessos forem demasiado

longos, fracassa a venda de verduras que se estragam com facilidade ou das frutas

sensíveis ao choque, devido à falta de transporte adequado.

Como a subvenção oferecida pelo Governo favorece, sobretudo o Agrobusiness e

como os pequenos agricultores não podem participar da economia de escalas, eles não

possuem a menor chance de atuar no mercado livre.

Esta situação precária é geralmente ignorada com satisfação pelos produtores de

soja oriundos dos estados do Sul. Eles alegam por um lado que os camponeses vivem nos

vales e não atrapalham as plantações de soja, mas por outro lado eles culpam a própria

população por sua pobreza (“isto é um problema cultural, porque eles não conseguem/não

querem trabalhar eficientemente”, eles não sabem economizar”). Esta discriminação social

não é um problema que possa ser ignorado e por isso é muito difícil de se estabelecer um

diálogo entre as duas partes.

62

Souza Filho 1996, páginas 253-254.

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41

Mesmo nos povoados onde os moradores não seriam expulsos em virtude da

expansão da soja, as condições de vida têm se tornado cada vez mais difícil. Em locais com

menos perspectivas de futuro o número de suicídio entre jovens e idosos aumentou

visivelmente.

Muitos adolescentes vão para as cidades para poder ir à escola e são atraídos para

o mundo do consumo e das festas. Para a maioria destes jovens esse sonho de uma vida

melhor termina da mesma forma que o sonho dos expulsos das terras: eles não conseguem

encontrar emprego fixo, vão morar nos redutos da miséria que crescem cada vez mais

rápido, desta forma deslizando depressa na delinqüência, vício e prostituição.

4.2.5 O Trabalho nas Fazendas e os Casos de Escravidão moderna (escravidão

branca)

Um dos argumentos principais dos Fazendeiros e dos Políticos é sempre o de que a

agroindústria gera empregos.

Na realidade a plantação de soja emprega muitos poucos trabalhadores, podendo-se

citar, por exemplo, o fato de que na colheita de cada 200 hectares em média, se fazem

necessários apenas uns poucos empregados. Para as funções que exigem maior

qualificação são trazidos ou recrutados principalmente pessoas com formação profissional

do sul do país, porque lhes faltam conhecimentos e experiência a uma boa parte dos

trabalhadores.

Para o trabalho braçal, como por exemplo o corte e a coleta de raízes, ou ainda a

pulverização de veneno, são utilizados moradores da própria região, freqüentemente

pequenos agricultores, que estejam precisando de ganhar algum dinheiro. Muitos dos

funcionários que nós entrevistamos (no acampamento de soja Batavo) relataram precárias

condições de trabalho.

As queixas mais freqüentes foram as seguintes: carga horária de trabalho muito

pesada (salário de 15 R$ por dia, por às vezes até 24 horas de jornada de trabalho),

assistência alimentar e condições de higiene insuficientes, péssimas acomodações,

ausência de equipamento de proteção individual para o manuseio de pesticidas e ausência

de seguridade social e plano de aposentadoria.

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42

Na maioria das vezes os contratos de trabalho são apenas sazonais e durante o

resto do ano falta outra fonte de renda. Caso algum equipamento de trabalho seja danificado

o trabalhador tem que pagar a substituição ou o conserto.

Existem muitas outras fazendas com condições de trabalho que se aproximam da

escravidão: os trabalhadores são recrutados com base em falsas promessas, levados para

um local ermo onde lhes são retirados os documentos e mantidos sob vigilância constante,

de forma que só debaixo de risco de vida conseguiriam fugir. Eles são obrigados a pagar

pela alimentação e pelas acomodações, o que significa que no final das contas eles têm

mais dívidas do que salário a receber.

De acordo com estimativas da CPT existem atualmente ainda 25.000 pessoas neste tipo

de trabalho escravo no Brasil, a maioria delas na Amazônia Legal Brasileira, a atual fronteira

agrícola. .A maioria das denúncias eram do Pará (123), seguido do Tocantins (41),

Maranhão (33) e Mato Grosso. Os casos relatados nas plantações de soja são menores do

que os verificados na pecuária. No Tocantins ainda em 2001 foram libertados 25

trabalhadores da Fazenda do ex- Ministro da Agricultura, Dejandir Dalpasquale.

5 Resume e reflexão

A soja não é cultivada por pequenos agricultores no nordeste do Brasil. As áreas de

cultivo pertencendo a uma só pessoa podem elevar-se a milhares de hectares. A maioria

dos sojicultores vieram na região nas últimas décadas, quando estudos científicos revelaram

que os solos do Cerrado se podiam utilizar para agricultura em grande escala, com o uso

intensivo de adubos químicos, agrotóxicos, calcário e outros insumos. Como estes insumos

são caros, igual como as máquinas pesadas necessárias, é preciso muito capital para poder

plantar soja. No Maranhão, Piauí e Tocantins, os produtores de soja são quase

exclusivamente atores de fora, recorrendo a créditos de empresas multinacionais e

comprando os insumos das mesmas - como Cargill, Bunge e outros.

Nos estados visitados encontraram-se varias diferenças em termos da situação sócio-

econômica, dos ecossistemas, da historia da soja etc., mas sempre acontecem os mesmos

problemas relacionados com a soja.

Um dos maiores impactos é o desmatamento do Cerrado. Além da perda desse

ecossistema valioso, o desmatamento contribui na mudança climática global e local. Em

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todas as regiões visitadas, a quantidade e intensidade de chuva diminuiu nos últimos anos.

.O desmatamento nas beiras dos rios contribui com que muitos rios e riachos secam, o nível

do lençol freático baixa e ecossistema aquático está sendo alterado.

Com o desflorestamento diminui a quantidade de fauna e flora silvestre, o que prejudica

os moradores locais que tradicionalmente extraem madeira, frutos e plantas e caçam

animais do Cerrado. Também, o solo está sendo degradado pela monocultura e compactado

pelo uso de máquinas pesadas. Outro problema grave é que na época da chuva, os

agrotóxicos aplicados nos campos de soja poluem os correntes de água, causando doenças

aos animais e homens. Na aplicação dos agrotóxicos, acontecem casos de intoxicação nos

aplicadores. Através do vento, os vapores podem ser levados até comunidades vizinhas,

onde tem casos de intoxicação e doenças respiratórias e de pele.

O discurso oficial com a chegada da soja e outros “cash crops” foi que traziam

investimentos, emprego direito e indireto e desenvolvimento para todos. Por isso, ao

começo, os camponeses viam a soja com expectativa - até o momento quando se iniciaram

conflitos pela posse das terras e os camponeses se deram conta que eles estavam

excluídos do grande projeto da soja.

Com a chegada do cultivo de soja, aumentaram os preços da terra, e muitos agricultores

familiares venderam a sua propriedade, o seu meio de subsistência. Alguns deles mudam

para as cidades, onde muitas vezes não melhoram a situação de vida. Em outros casos,

mediante documentos grilados (falsificados) e ameaças, os moradores tradicionais são

expulsados das suas terras. Os conflitos de terra ganham geralmente aqueles com recursos

financeiros e influencia política, o sistema de justiça falha.

Porém, existem também vantagens da soja? Os lucro prometido fica quase

exclusivamente com os fazendeiros e empresas multinacionais, sobretudo com a

exportação. Os empregos prometidos se originam apenas na fase inicial, no desmatamento

e na preparação do solo. São quase exclusivamente trabalhos fisicamente pesados e

temporários com baixa renumeração. Uma vez iniciado o plantio, precisa-se mais ou menos

que um funcionário por 100 hectares. Por falta de conhecimento técnico da mão-de-obra

local, muitos fazendeiros preferem empregar pessoal de fora para trabalhos mais exigentes.

As condições de trabalho nas fazendas variam em termos de alojamento, alimentação,

provisão medicinal, normas de segurança e renumeração. Em alguns lugares, se pagam

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salários três vezes mais altos que a media regional, em outros, têm casos de trabalho

escravo.

Porém, o governo federal segue priorizando o cultivo de soja e outras monoculturas (por

exemplo, cana de açúcar e eucalipto) dentro de um conjunto de grandes projetos que

promovem o desenvolvimento econômico. Barragens e carvoarias geram energia em grande

parte para siderúrgica, e a infraestrutura ferroviária, rodoviária e hidroviária facilitam o

transporte regional e até os portos de exportação.

Isso definitivamente não é um desenvolvimento social e ecologicamente sustentável.

Considerando os danos ambientais permanentes, até o valor econômico merece dúvidas.

Justamente o povo cujo meio de sobrevivência se vê ameaçado por esses projetos fica

excluído dos lucros, os quais se geram para os latifundiários provenientes de outros

estados, e que beneficiam em maior parte empresas multinacionais e os mercados de

outros países.

Então, como poderia ser um desenvolvimento alternativo? Projetos defendíveis devem

ser orientados para justiça social e sustentabilidade ecológica a fim de beneficiar as

marginalizadas populações rurais. Na região já existem vários projetos focando na

agroecologia e agricultura familiar, por exemplo, as escolas família agrícola- EFA. Nessas

escolas, os alunos aprendem métodos de cultivo e o ensino está ligado com o objetivo

político de melhorar a posição social dos agricultores na sociedade local e nacional, lutando

com isso contra o exôdo rural. Porém, como muitos jovens têm o desejo de morar na cidade,

promovido pela televisão, os professores têm uma tarefa difícil.

Outros projetos incluem reservas extrativistas, reflorestamento com árvores nativos,

hortas comunitárias, beneficiamento de frutos silvestres, apicultura e outros. Ainda são

poucos e enfrentam dificuldades de transporte e acesso aos mercados, de financiamento e

de assistência técnica. É evidente que no futuro breve estes projetos alternativos não

substituirão os cultivos de grande escala previstos pelas forças políticas e econômicas. Mas

também não poderá seguir o “desenvolvimento” de maneira atual.

Como mostraram nos últimos anos os preços desfavoráveis no mercado mundial e as

colheitas ruins da soja por falta de chuva e pragas, a monocultura também leva muitos

riscos econômicos. Muitos sojicultores se endividaram e os processos de concentração no

agrobusiness se aceleraram. Referindo-se a esses acontecimentos, os grandes produtores

devem ser persuadidos de diversificar seus plantios.

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Em longo prazo seria mais razoável diversificar os bens produzidos e plantar mais para o

mercado interno; sobre tudo a produção familiar para mercados locais e regionais tem que

ser fermentada. Em vez de desmatar novas áreas, é preciso aproveitar as áreas existentes

de maneira mais sustentável. Mas os atores mais poderosos, os grandes produtores,

empresas e políticos têm outros interesses. Para encontrar um acordo entre a população

rural, fazendeiros e empresários, o maior desafio será juntar todos os atores para começar a

dialogar sobre possíveis formas de desenvolvimento no futuro, já que em cada grupo existe

desconhecimento e falta de compreensão para o outro. Mas por causa de desconfiança num

lado e desinteresse no outro, isso vai ser difícil de realizar.

Finalmente, é preciso lembrar-se que somente se produz tanta soja no Brasil porque as

indústrias de criação animal na Europa e China demandam cada vez mais. E essa crescente

demanda promete grandes lucros aos sojicultores e exportadores. Por isso, os

consumidores de soja e carne também têm uma responsabilidade nos acontecimentos

relacionados com a produção de soja.

Cada pessoa que tenha um interesse em fazer uma contribuição para um

desenvolvimento justo especialmente em regiões marginalizadas no Brasil e muitos outros

países, não deve deixar de examinar primeiro os próprios hábitos de consumo, não somente

em relação ao consumo de produtos animais, mas também em todos os outros setores da

vida.