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MINISTRIO DA SADE
Dilogo (bio)poltico sobre algun
s desafios da construo da R
ede de Cuidados Sade da P
essoa com D
eficincia do SU
S
Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade
www.saude.gov.br/bvs
Aqui esto reunidos um conjunto de textos, nascidos do dilogo realizado em uma
reunio Tcnico-poltica da Coordenao- Geral de Sade da Pessoa com Deficincia; reunio com
ativistas de movimentos das pessoas com deficincia, gestores de sade (dos nveis municipal,
estadual e federal), pesquisadores, profissionais e tcnicos do Ministrio da Sade.
Esse foi um primeiro espao entre aqueles que vo funcionar como dispositivo para
colocar e manter em debate questes conceituais, metodolgicas e tico-polticas enfrentadas na
implementao da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia, na condio de Rede
Prioritria de Sade e poltica estruturante do Sistema nico de Sade (SUS).
A referida Rede de Cuidados Sade foi formalmente instituda em 2012, ainda
muito recente, sua implementao est em curso e a "todo vapor", para dar materialidade e
consistncia a uma conquista histrica em termos de direitos sociais e, neles, de acesso qualificado
das pessoas com deficincia sade. Ampliar o debate sobre suas questes e desafios , tambm por
isso, necessrio e relevante .
na ampliao do debate que este pequeno livro busca colaborar, colocando em
anlise algumas das muitas problemticas implicadas na produo de sade das pessoas com
deficincia, a saber: biopoder, bioidentidades e biossocialidades; tradio fragmentria dos
servios especializados e dos especialismos em sade; desafio da construo de polticas pblicas
integradas e integradoras; enfrentamento de certa "narrativa da dificuldade" na ateno sade das
pessoas com deficincia.
Dilogo (bio)polticosobre alguns desafios da construo da
Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Def icincia do SUS
Braslia DF
2014
MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno Sade
Departamento de Aes Programticas Estratgicas
Dilogo(bio)poltico
Braslia DF2014
sobre alguns desafios da construo daRede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia do SUS
Ficha Catalogrfica
Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Aes Programticas Estratgicas. Dilogo (bio)poltico sobre alguns desafios da construo da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com De-ficincia do SUS / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Aes Programticas Estratgicas. Braslia : Ministrio da Sade, 2014. 150 p. : il.
ISBN 978-85-334- 2098-4
1. Sade da Pessoa com Deficincia. 2. Polticas Pblicas de Sade. 3. Biopoltica.
CDU 614-056.2Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2014/0274
Ttulos para indexao:Em ingls: A (Bio) Political discussion about a few challenges over the development of the Health Care Network for People with Disability from the Brazilians Health Care System.Em espanhol: Dilogo (bio) poltico sobre algunos desafos de la construccin de una Red de Atencin a Perso-nas con Discapacidad en el Sistema de Salud Pblica Brasileo
Elaborao, distribuio e informaesMINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Aes Programticas EstratgicasCoordenao-Geral de Sade da Pessoa com DeficinciaSAF/Sul, Trecho 2, Edifcio Premium, Torre 2, Bloco F, trreo, sala 11CEP: 70070-600 Braslia/DFSite: www.saude.gov.brE-mail: [email protected]
CoordenaoDrio Frederico PascheVera Lcia Ferreira Mendes
OrganizaoLuiz Augusto de Paula SouzaMax AlvimRogrio da CostaVera Lcia Ferreira Mendes
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Reviso tcnicaLuiz Augusto de Paula SouzaVera Lcia Ferreira Mendes
Elaborao de textoDaniel Carvalho RochaDrio Frederico PascheDbora do CarmoLuiz Augusto de Paula SouzaRogrio da CostaSamara KielmannVera Lcia Ferreira Mendes
Projeto grfico/capaLuiz Augusto de Paula Souza
NormalizaoChristian Kill Editora MS/CGDI
RevisoKhamila Silva Editora MS/CGDITatiane Souza Editora MS/CGDI
DiagramaoJuliana Orem
2014 Ministrio da Sade.Esta obra disponibilizada nos termos da Licena Creative Commons Atribuio No Comercial Compartilhamento pela mesma licena 4.0 Internacional. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. A coleo institucional do
Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: . O contedo desta e de outras obras da Editora do Ministrio da Sade pode ser acessado na pgina: .
Tiragem 1 edio 2014 10.000 exemplares
Sumrio
Introduo 5
Captulo 1Polticas pblicas integradas e integradoras 11Drio Frederico Pasche
Captulo 2Da narrativa da dificuldade ao dilogo com a diferena: a construo da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia 37Vera Lcia Ferreira Mendes
Captulo 3A Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia e a desfragmentao da ateno sade 69Daniel Carvalho Rocha, Dbora do Carmo e Samara Kielmann
Captulo 4A biopoltica nos estudos sobre pessoas com deficincia 87Rogrio da Costa
Captulo 5O outro do outro: biopotncia da diferena na sade das pessoas com deficincia 133Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto)
5Introduo
O que se ler aqui uma coletnea
heterognea, um conjunto de textos nascidos do
dilogo realizado em uma reunio tcnico-poltica
da Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia; reunio com ativistas de movimentos das pessoas
com deficincia, gestores de sade (dos nveis
municipal, estadual e federal), pesquisadores,
profissionais e tcnicos do Ministrio da Sade.
Embora heterogneos, porque enunciados
a partir de lugares e posies institucionais
diversos, os textos compartilham um comum decisivo e fundamental: o propsito comum de
colocar em anlise certas dimenses conceituais implicadas na formulao e na implementao da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com
Deficincia, na condio de uma poltica pblica
Ministrio da Sade
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de sade com sentido indito: pela primeira vez
no Brasil, e finalmente, a sade da pessoa com
deficincia assumida como eixo estruturante
do SUS, como rede prioritria de sade a partir
de 2012.
Esse fato motivo de celebrao, pois
significa o reconhecimento de um direito social
fundamental das pessoas com deficincia e da
cidadania, bem como preenche uma lacuna
histrica nas polticas pblicas do Estado brasileiro. No entanto, se existem razes concretas
para comemorar, h tambm um acrscimo
considervel de desafios e de responsabilidades,
porque necessrio fazer com que a Rede de
Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia se
efetue de modo a produzir acesso qualificado
sade para essa populao, que inclui as pessoas
com deficincia temporria ou permanente;
progressiva, regressiva, ou estvel; intermitente
ou contnua, contemplando as reas de deficincia
auditiva, fsica, visual, intelectual, mltipla
e ostomia.
Dilogo (bio)poltico
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Tal poltica pblica de sade, no por
acaso, se quer integrada e integradora, porque
nasce sob a lgica de rede em sade, por meio
da qual os pontos de ateno de sade precisam
ser pensados em linhas integrais de cuidado, cujo
sentido dado a partir das necessidades concretas de sade das pessoas e dos territrios locais de sade que, por sua vez, sustentam a elaborao de
projetos teraputicos singulares.
Naturalmente, essa construo
tambm se pretende ascendente, ou seja, vai
das necessidades singulares formulao dos cuidados e organizao dos servios e da gesto
em sade, fazendo a conexo entre os usurios,
os profissionais, os gestores, as tecnologias e os
servios de sade, tecendo relaes vivas por
isso reorientveis cuja complexidade d forma
s vrias redes de sade que configuram a grande
rede SUS, com suas muitas potencialidades e
outros tantos desafios.
Entre esses muitos desafios, a construo
da Rede de Cuidados Sade da Pessoa
com Deficincia pede, com sua estruturao
Ministrio da Sade
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e organizao formal, tcnico-cientfica e de
financiamento, uma atenta e intensa disposio
ao dilogo conceitual e metodolgico, para que
seja possvel e contnua a reflexo crtica, da qual
depende a consistncia das estratgias e aes, bem
como a capacidade de manter aberto o dilogo e a problematizao dos movimentos e rumos
das prticas de sade na nova Rede, para que se
mantenha pulsando e evitando as frequentes
armadilhas da calcificao. Armadilhas que tm
muitos rostos, por exemplo: excessos da burocracia
ou da tecnocracia e especialismos pseudocientficos.
Este pequeno livro um primeiro
movimento, em termos de publicao, no
esforo de manter aberto o campo de dilogo e de problematizao. Trata-se de um dispositivo
que estar entre aqueles que vo funcionar para
colocar e manter em anlise questes conceituais,
metodolgicas e tico-polticas na implementao e no cotidiano da Rede de Cuidados Sade da
Pessoa com Deficincia, na condio de Rede
Prioritria de Sade e poltica estruturante do SUS.
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Os captulos aqui reunidos colocam
em anlise algumas das muitas problemticas implicadas na produo de sade das pessoas com deficincia, a saber: biopoder, bioidentidades
e biossocialidades; tradio fragmentria dos servios especializados e dos especialismos em
sade; desafio da construo de polticas pblicas
integradas e integradoras; enfrentamento de certa narrativa da dificuldade na ateno sade das
pessoas com deficincia.
Apenas um comeo de conversa na nova
Rede; conversa que segue, desdobra-se, e para qual
esto todos convidados, especialmente aqueles
que se afetam e se mobilizam com as questes da
sade das pessoas com deficincia.
Os Organizadores
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Captulo 1 Polticas pblicas
integradas e integradoras
Drio Frederico Pasche1
Este texto deriva de uma fala que fiz
durante a reunio tcnica que deu origem a esta
publicao. Naquele encontro, em companhia
de muitas vozes: gestores da sade (mbitos
federal, estadual e municipal), especialistas,
pesquisadores, militantes de movimentos
sociais e tcnicos da Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia do DAPES/
MS, pudemos fazer um debate rico, amplo e
carregado de afeto.
1 Diretor do Departamento de Aes Programticas Estratgicas em Sade do Ministrio da Sade (DAPES/MS).
Ministrio da Sade
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Debates como esse nos ajudam a pensar
questes de muita relevncia no mbito da
construo de uma poltica de cuidados sade da pessoa com deficincia. Questes sobre as quais
eu e Vera Mendes (coordenadora-geral de Sade da Pessoa com Deficincia) refletimos desde 2011.
No entanto, e com os mais prximos,
sempre apontamos a necessidade da criao de dispositivos coletivos e amplos de conversao, a
partir do qual pudssemos colocar companheiros
e companheiras na roda para ajudar a processar e
a pensar sobre uma problemtica que passou de
uma agenda muito discreta, quase preterida at
anos atrs, para uma agenda vigorosa e prioritria
no campo da Sade, fruto de deciso poltica do
governo da Presidenta Dilma Rousseff; deciso
que foi acolhida com muita alegria e com os
sentimentos de urgncia e responsabilidade
por parte dos gestores do Ministrio da Sade: do Ministro Alexandre Padilha, passando pelo
Secretrio da Secretaria de Ateno Sade (SAS/
MS), Helvcio Miranda Magalhes, e chegando at
mim e a Vera Mendes.
Dilogo (bio)poltico
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A presente publicao faz parte da
efetuao desse dispositivo de conversao,
um dos resultados sistematizados do debate
pblico coordenado pela Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia, que continuar
acontecendo durante nossa gesto.
Alguns organismos internacionais,
quando chamam as expertises ao debate, nomeiam esses encontros de reunies de alto nvel. Foi isso
que fizemos, uma reunio de alto nvel, porm de
um modo singular, pois o alto nvel aqui se definiu
como uma espcie de convescote, no qual cada
um trouxe seu quitute e o compartilhou. Cada
um trouxe mesa e ao debate suas experincias,
saberes, aprendizados, dvidas, crticas e
provocaes em relao a questes implicadas
com a sade da pessoa com deficincia, e os
compartilhou para que, nessa troca, fosse possvel
ampliar tanto a sintonia entre os participantes,
quanto colocar desafios que, para mim, so de
duas ordens: conceitual e metodolgica.
Esses desafios indagam acerca das
dimenses e ferramentas conceituais que
Ministrio da Sade
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precisam ser trabalhadas e, simultaneamente,
sobre como lidar com aquilo que se produz
na coordenao da pessoa com deficincia
do DAPES/MS, demarcando um campo de
questes e suas implicaes tico-polticas. Vou
tratar disso na sequncia, antes enfatizo que,
falando desde o Ministrio da Sade, a partir
da Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia, no basta fazer mais daquilo que j
foi feito no campo da pessoa com deficincia,
necessrio aproveitar as boas experincias, mas
imprescindvel fazer diferente, o que implica uma
tomada de posio em favor da inventividade e
da produo de inovaes no arranjo da poltica,
em sua feitura e arquitetura, ou seja, trata-se de
fazer diferena no que denominamos Rede de
Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia.
Por que necessrio fazer diferente? A
agenda da pessoa com deficincia vinha sendo
colocada j a partir do segundo mandato do
governo do ento Presidente Lula. Ali comeava
a construo de uma agenda social da pessoa com deficincia. Alis, na ltima dcada houve
Dilogo (bio)poltico
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um movimento de articulao da esplanada, no
campo do executivo, para organizar um conjunto
de ministrios em torno da agenda da pessoa com deficincia, de modo que essa fosse integradora no
mbito do governo federal.
Apesar dos esforos e, particularmente, no
mbito da sade, do qual podemos falar com mais
propriedade, os compromissos mais destacados
do Ministrio da Sade recaram sobre duas grandes questes: acessibilidade e concesso de
rteses, prteses e meios auxiliares de locomoo
(OPMs). Todavia, a acessibilidade, s vezes,
interpretada como se fosse somente a busca pela superao de barreiras ligadas mobilidade urbana e arquitetura dos prdios, o que uma reduo
do conceito e de seus desdobramentos prticos em vrios campos, inclusive na rea da Sade.
No caso das OPMs, o Ministrio da Sade,
durante o segundo governo do Presidente Lula,
reviu procedimentos, ampliou o financiamento
e estabeleceu parcerias para a construo de,
pelo menos, dez oficinas ortopdicas no Brasil,
que seriam viabilizadas com recursos prprios
Ministrio da Sade
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da Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia. Se no estou enganado, na poca
foram financiadas oito oficinas. Em que pese
o importante trabalho dos companheiros que
conduziram tal agenda, parece que a articulao
entre os ministrios sobre o que priorizar foi
inconclusa, no sentido de uma apreenso no
suficientemente detalhada sobre o complexo e o
multivariado campo de direitos e necessidades das
pessoas com deficincia.
No governo da Presidenta Dilma,
tanto pelos esforos dos ministrios, quanto
pelo estabelecimento da Secretaria Nacional de Direitos das Pessoas com Deficincia, da Secretaria
de Direitos Humanos (SDH), para coordenar
especificamente essa agenda, comea a existir mais
fora para a compreenso, a defesa e a difuso dos
direitos das pessoas com deficincia. nesse cenrio,
e nem poderia ser diferente, que o governo brasileiro
ratifica, no incio de 2011, a Conveno Internacional
dos Direitos da Pessoa com Deficincia.
Alm disso, um dos elementos mais
importantes foi a ampliao dos canais de
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comunicao do governo com os movimentos
e redes que organizam os direitos das pessoas
com deficincia; eles passam a ter mais acesso ao
governo federal, por meio da SDH, da Secretaria
Geral da Presidncia e mesmo por mecanismos de
contato direto com a Presidenta da Repblica.
Por outro lado, os movimentos sociais
tambm buscam apoio no plano legislativo, na
Cmara e no Senado Federal. Significa dizer que
tm papel importante na aglutinao de foras
para a agenda da pessoa com deficincia. Tal
mobilizao encontra plena acolhida na proposio
da Presidenta da Repblica que, em primeiro de
julho de 2011, convoca, por meio da Casa Civil,
todos os ministrios, que estavam diretamente
ligados a essa agenda, para comunicar a deciso de
agir prioritariamente sobre a temtica.
Lembro-me de que fui a essa reunio com
Mrcia Amaral, Secretria-Executiva do Ministrio
da Sade e grande parceira. Deparamo-nos com mais de 20 ministrios, e a mensagem da
Presidenta, levada pela Casa Civil, era de que
iramos organizar uma ampla agenda em torno
Ministrio da Sade
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da pessoa com deficincia, e de que esta seria
prioridade de governo. Reconhecimento de uma
dvida histrica com as pessoas com deficincia
e, simultaneamente, afirmao do compromisso
com sua incluso cidad, com tudo que isso
implica para as vrias reas do governo. Afirmao
tambm de que a efetivao plena dos direitos
sociais o propsito das polticas pblicas para as pessoas com deficincia, a serem construdas a
partir de ento.
Com isso, posso voltar pergunta
que fiz h pouco: por que fazer diferente na
construo da Rede de Cuidados Sade da
Pessoa com Deficincia? Apesar do consenso
sobre a definio do governo da Presidenta
Dilma, no ser suficiente que, na organizao
das mencionadas polticas, cada um faa sua
parte, mesmo que faa melhor: o Ministrio da
Educao (MEC) fazendo aes inclusivas por
meio de polticas educacionais; o Ministrio da Cincia e Tecnologia promovendo o
desenvolvimento de tecnologias assistivas; o
Ministrio da Fazenda dando acesso a crdito;
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o Ministrio da Sade promovendo servios de
sade em seus vrios nveis de complexidade e
acesso a OPMs; o Ministrio da Previdncia Social
dando acesso a benefcios para gerar equidade
social; o Ministrio do Trabalho promovendo
emprego e qualificao profissional; o Ministrio
das Cidades desenvolvendo programas de
acessibilidade arquitetnica e mobilidade urbana
etc. Essas e muitas outras aes, desses e de
outros ministrios, so importantes e necessrias,
sem dvida, mas no so suficientes.
A convocao feita aos ministrios veio
com um novo componente: no possvel, e
a agenda social mostrou isso, pensar em uma
poltica integrada e integradora com cada um fazendo sua parte porque, desse modo, cada
um desconhece que boa parte das reas e dos
campos so multiplamente atravessados por um
conjunto de teias produtivas que s podem ser
criadas pela produo de um comum. As aes dos ministrios atravessam-se umas s outras,
so complementares, intersetoriais, ampliam sua
potncia se uma sustentar e desdobrar a outra.
Ministrio da Sade
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Na sade, no seria possvel fazer aquilo
que estamos fazendo em termos de implementao
da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com
Deficincia se no houvesse uma articulao
coordenada e clara com os outros ministrios; com o setor produtivo; com o Instituto Nacional
de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)
etc. No seria possvel porque para responder com
equidade e integralidade s demandas das pessoas
com deficincia na sade, bsico que nossas
aes se faam de modo articulado e transversal a
todas as demais iniciativas de estmulo pertena,
ao convvio e circulao social; aprendizagem
e ao desenvolvimento pessoal; e construo de
projetos de felicidade. Em uma expresso: temos
todos que promover incluso cidad.
Com cada um fazendo sua parte,
mantm-se a tendncia fragmentria ainda
dominante nas iniciativas em favor das pessoas
com deficincia. Por isso, o desafio fazer mais
e melhor o que j fazemos, mas tambm fazer
diferente, porque s assim ser possvel aperfeioar.
Dilogo (bio)poltico
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Esse fazer diferente, no plano da
convocatria feita pela Presidncia da Repblica,
tem o nome de Plano Viver Sem Limite, que a primeira expresso dessa mudana de lgica na construo das polticas pblicas para as pessoas com deficincia; corresponde a uma aglutinao
de interesses, com o peso da deciso da Presidenta
Dilma, a partir da qual os ministrios, articulados
com a sociedade civil, buscam produzir interao e
integrao entre propsitos e objetivos especficos,
engendrando outras possibilidades de ao, mais
complexas, intensas e extensas.
No dia 17 de novembro de 2011, muitos
estiveram conosco e viram a Presidenta comear
a sesso de lanamento do Plano Viver Sem Limite dizendo, s lagrimas, que aquele era um dia no qual
valia a pena ser Presidente do Brasil. Vale a pena
no apenas porque essa uma agenda comovente,
que inclui e que reconhece um passivo pblico
com as pessoas com deficincia e suas famlias, mas
tambm, porque ela de interesse nacional, uma
agenda que, na promoo da cidadania, produz
incluso produtiva. Estou falando do acionamento
Ministrio da Sade
22
de processos produtivos nas universidades, nos
centros de pesquisas, nas vrias esferas do setor
pblico e de setores do mercado, que ofertam e/ou
comeam a produzir inovao nesse campo. S a
ttulo de exemplo: incorporamos, na tabela SUS, s
em 2012, mais de 150 itens de OPMs; o que ativa
o processo produtivo e, alm de ir ao encontro de
necessidades das pessoas com deficincia, ajuda a
economia do Pas.
A partir do planejamento e do
desenvolvimento da Rede de Cuidados Sade da
Pessoa com Deficincia no Ministrio da Sade,
o volume de recursos investidos pelo SUS nesse
campo aumentou em muitas vezes em relao ao
que era praticado antes.
motivo de alegria responder com
ferramentas mais potentes a esse campo. Alm disso, nossa alegria vem do fato de que no
estamos sozinhos: o Ministrio da Sade, reitero,
convocado para entrar em um movimento com
vrios outros ministrios, com os movimentos
sociais e com a Presidncia da Repblica.
Dilogo (bio)poltico
23
Tambm verdade que o Ministrio da
Sade estratgico nesse novo arranjo, porque
articulador de vrios campos e est frente
de muitas pautas do Plano Viver Sem Limite. No vou me alongar sobre os aspectos do Plano, pois
seus fundamentos, eixos, metas e recursos esto
disponveis e detalhados no portal do Ministrio
da Sade e nos dos demais ministrios envolvidos.
Aproveito, agora, para introduzir a reflexo sobre
problemas complexos a enfrentar para fazer
avanar a nova agenda da pessoa com deficincia;
problemas relacionados a uma certa cultura no encaminhamento das questes de sade das
pessoas com deficincia, bem como ligados a uma
tradio ainda presente na estrutura do Estado brasileiro, na elaborao e na conduo de polticas
pblicas. Seno vejamos.
Como mencionei, no se trata de fazer
agenda incremental, ao contrrio, preciso fazer
diferente, mas as condies e as prticas no campo
da Sade para pessoa com deficincia ainda so
herdeiras da cultura de absoluta segregao e de segmentao do trabalho. Explico. comum que
Ministrio da Sade
24
cada deficincia seja trabalhada nela mesma, quase
como rea de especialidade fechada sobre si.
Quando falo em fragmentao e
segmentao, estou apontando para uma lgica de
organizao de poltica pblica, cuja sistemtica
meramente normativa, o que quer dizer o seguinte:
a partir de determinados parmetros tcnicos, s
vezes apenas supostamente tcnicos ou cientficos,
pois de baixa fundamentao e com pouca ou nenhuma sustentao em evidncias, decises so
reivindicadas e mesmo tomadas. Os exemplos so
variados, mas fiquemos em apenas uma situao
emblemtica: comum dizerem que para tal
deficincia teremos um caso a cada x brasileiros
e, por consequncia, isso vai dar uma certa carga de
doenas. Sendo assim, ser preciso um determinado
nmero de servios especficos para atender
fragmentariamente aquele conjunto de pessoas com
uma determinada deficincia.
Em dcadas anteriores, o Ministrio
da Sade saiu por a criando servios isolados,
com habilitaes centradas nessa lgica de baixa capacidade de cuidado sade, sem qualquer
Dilogo (bio)poltico
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articulao com a perspectiva do cuidado integral.
Pensem em uma situao muito frequente: uma
pessoa que tem mais de uma deficincia ou cuja
deficincia produz sintomas e/ou sequelas variadas,
ficar pulando de servio em servio ao longo de
muito tempo, s vezes por toda vida. Sempre falamos
entre ns, no Ministrio da Sade, que essas famlias
e sujeitos esto enroscados: pela manh vo ficar
em um servio, no turno da tarde em outro; no dia
seguinte em outro mais... Isso quando os servios
de que precisam esto disponveis e tm vagas.
As famlias passam a vida peregrinando
mas, se esse nus fosse agregador de qualidade
e cuidado, v l. A gente diria que h um ganho
secundrio. Porm, em geral, no h ganho algum,
essa segregao normativa e programtica no
agrega qualidade: quem cuida de um problema no
cuida do outro, sequer conhece adequadamente
as formas de vida, os problemas de sade e as
relaes que estes mantm entre si. Repete-se a
velha lgica da organizao sanitria, que temos
combatido por dentro e a partir do SUS, na qual
todo mundo, supostamente, cuida de fragmentos
Ministrio da Sade
26
de todo mundo, mas a responsabilidade pelas
pessoas no de ningum.
Quem que se responsabiliza pela pessoa
com deficincia, se quando h um problema
especfico da deficincia x comigo, mas quando
for o problema y no sei com quem ? Quem
cuida desse sujeito efetivamente? Quais atores e
instituies da sade contraem responsabilidades,
inclusive na construo de itinerrios teraputicos
capazes de ativar a potncia desses sujeitos,
produzindo de maneira integral e com equidade a
reabilitao de que necessitam?
Quando fomos pensar nisso, imediatamente
colocaram-se dois desafios, um mais prosaico, que
diz respeito ao fato de que a rea Tcnica da Sade
da Pessoa com Deficincia no possui condies
concretas, estruturais e materiais, para dar conta
da necessria inflexo e da enorme demanda de
trabalho que implementar uma rede prioritria
de sade. Como diz Helvcio, que o Secretrio
da SAS, trata-se de tirar do cho uma rede, uma
construo a partir da base. Isso exige muito trabalho e competncia tcnica, da Coordenao-Geral e
Dilogo (bio)poltico
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do Ministrio. Alis, at hoje as condies no so
suficientes, a coordenao e os tcnicos da rea
continuam trabalhando, em mdia, 14 horas por dia.
Teremos que resolver tambm esse tipo de gargalo.
Outro desafio poltico enorme o da
capacidade de efetuao das agendas, que agregam
fatores tcnicos, institucionais e polticos diversos,
inclusive nas relaes com outros ministrios
e autarquias. Estamos lidando tanto com a
constituio do grupo, quanto com a constituio
de ns mesmos, porque colocar em prtica
essas novas agendas uma daquelas tarefas que,
quando olhamos, impossvel no pensar: isso
no para os mortais, o negcio muito mais
srio e complexo do que pode parecer primeira
vista. Mas sob a coordenao da Vera Mendes e
chamando muita gente, do Pas inteiro, para nos
ajudar, estamos dando passos muito importantes
do ponto de vista da efetivao de uma poltica
pblica inovadora.
Sabemos que, sozinhos, no damos conta,
porque a tarefa sempre mais complexa e exige
mais do que aquilo que qualquer pessoa ou grupo
Ministrio da Sade
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tem para dar. Mesmo sabendo disso, colocamo-nos
na tarefa, e isso tem sido muito interessante, apesar
das dificuldades. Por isso mesmo, dispositivos de
conversao pblica como este, que a presente
publicao socializa, so componentes relevantes
e retroalimentam-nos.
So importantes tambm porque, como
disse no incio, alm dos aspectos conceituais que
trazemos ao debate, nosso desafio metodolgico,
queremos construir, com muitos atores sociais, um
certo modo de fazer e de conduzir essa poltica.
Por outro lado, e esse o outro problema
que mencionei antes, sabemos que h uma nova
tendncia em andamento na gesto, em nvel
federal; ela se faz em oposio a prticas arraigadas,
que refletem uma certa soberba do prprio
governo federal, ligada tradio autoritria do
Estado brasileiro, com baixssima capacidade
de dilogo, portanto impositivo. Imposio que
opera por dois mecanismos potentes: induo econmica e formulao normativa.
Pela lado da induo econmica, o
Ministrio da Sade muito poderoso, em que
Dilogo (bio)poltico
29
pesem as muitas carncias do SUS. Por outro lado,
o governo federal tem uma grande capacidade
administrativa para produzir normas; ele um
aparelho normatizador tambm muito potente.
Com essas duas ferramentas, e pelo fato de
serem eleitos, os governos ps-perodo ditatorial
legitimam-se, impondo suas polticas pblicas a
partir de uma lgica determinada, que pode ser
sintetizada pela imagem de empoderamento do
governo federal e, no plano especfico do Poder
Executivo, tornar os outros atores consultivos:
parceiros do campo e movimentos de todas as
ordens. Escuta-se aquilo que a sociedade diz, em
geral, para corroborar seus prprios objetivos,
aquilo que no concorda com as linhas definidas
pelo governo, s vezes, acaba ficando em segundo
plano.
A poltica pblica, inaugurada com o
Governo Lula e aprofundada no Governo Dilma,
supera essa lgica da produo de polticas pblicas. Alis, em parte e a mais tempo elas esto
superadas no mbito do SUS, porque a relao
interfederativa e democrtica um pressuposto
do sistema, suporte, entendimento basal para
Ministrio da Sade
30
elaborao das polticas pblicas de sade. Isso ns aprendemos. O exemplo mais radical dessa horizontalidade na efetuao de uma poltica
pblica de sade talvez nos seja dado pela Poltica
Nacional de Humanizao (PNH).
O desafio de uma poltica pblica
inovadora, portanto, tem precedentes e caminho
relativamente aberto. Sem a incluso da diferena
e da multiplicidade social na feitura da poltica pblica, as iniciativas inclusivas no produzem
diferena inovadora, porque no rompem
com a tradio de uma escuta parcial, com o
autoritarismo e com o carter ainda cartorial da estrutura do Estado brasileiro. Promover
incluso a partir da diferena tem colocado-nos em um campo quente; o campo da deficincia a
se insere; ele quente no sentido de que produz
movimento e ocupao de espaos polticos nas
redes, por dentro da poltica pblica. Podemos
dizer que esta uma rede muito aquecida, mas
traz-la para a formulao de poltica pblica
poucos governos topam. Por qu?
Porque esse o espao do contraditrio
na formulao, e os governos tm tempo poltico
Dilogo (bio)poltico
31
supostamente muito curto, s vezes mais curto
pela subjetividade das equipes de governo do que
pelo tempo real. Em todo caso, para os governos o
tempo parece sempre curto. Quando o mltiplo e
o contraditrio so trazidos para dentro da poltica
pblica, em geral, so vistos como dificuldades
adicionais: muita crtica, muito debate e negociao
para construir pactuaes produtivas. Ns fomos
na direo oposta com o Viver Sem Limites, efetuamos uma certa radicalidade na aposta democrtica, e isso implica, do ponto de vista
poltico, a incluso daquilo que, frequentemente,
a poltica pblica exclui: diferenas de interesses,
de necessidades, de posies e de desejos dos
conjuntos de atores sociais.
Passamos a compor espaos coletivos de
discusso e de deciso, produzindo dispositivos
e arranjos para dar conta do campo ilimitado de
variaes que configuram a sociedade. Ns estamos
produzindo arranjos que seriam impossveis ao
Ministrio da Sade sob a gide daquela tradio
arrogante e autoritria a qual fiz referncia, como
tambm se fossem mantidas as debilidades tcnica e operacional para formular as polticas pblicas
Ministrio da Sade
32
de sade. Em sntese, seria impossvel construir
polticas pblicas inovadoras e horizontais sem
ferramentas de gesto potentes e adequadas
e, simultaneamente, mantendo a tradio de
apropriao de conhecimentos e prticas dos companheiros para, de modo personalista, dizer
que a poltica deste ou daquele governo.
Ao contrrio disso, ns fomos em
direo a constituio de uma espcie de frum nacional das deficincias e criamos, como um
primeiro lance, o Comit Nacional de Apoio
e Assessoramento ao Viver Sem Limite. No se trata de entregar a formulao da poltica ao Comit, desresponsabilizando-se, o que seria um
erro poltico.
Estamos chamando as instituies e os movimentos sociais para apoiar e assessorar,
verdadeiramente, a formulao e a implementao
de uma poltica pblica inovadora. Aos poucos,
vamos acertando a mo na forma de lidar com
esse novo contexto, e tem sido fantstica a
experincia. A Vera Mendes, e sua equipe, tm
conduzido politicamente as aes, e esse espao
de assessoramento tcnico e poltico muito
Dilogo (bio)poltico
33
precioso formulao e implementao da poltica pblica. Em minha avaliao e na avaliao
do Ministro Alexandre Padilha, isso permitiu
que o Ministrio desse um salto de qualidade.
Apenas com as pernas do Ministrio talvez
demorssemos mais meia dcada para fazer tudo
que, em to pouco tempo (menos de dois anos), j
foi feito na Rede de Cuidados Sade da Pessoa
com Deficincia.
Vejam que o pressuposto poltico da
incluso cidad no desapegado do interesse do Ministrio da Sade, porque a conversa ampliada,
que traz o contraditrio para a poltica, tambm
traz ganhos para dentro do Ministrio, uma vez
que, por exemplo, d acesso a resultados de
pesquisas financiadas pelo poder pblico em
estados e municpios; nos aproxima de servios
de excelncia, tambm financiados pelo poder
pblico, que se irmanam conosco, ampliando a
abrangncia e a potncia da poltica pblica que
estamos construindo.
Certamente, esse um desafio permanente,
por isso temos criado dispositivos para estimular
essas e outras conexes. O grupo de trabalho sobre
Ministrio da Sade
34
o autismo, por exemplo, e com toda a ateno gerada
em torno dessa temtica, provocou o lanamento
de dois documentos orientadores das prticas em sade: um que define princpios e linhas de ao, e
outro que delineia diretrizes clnicas. No entanto, essa
tentativa de contemplar a multiplicidade de posies
e de interesses no pacificou o campo, exigindo que o
Ministro Alexandre Padilha, novamente, chamasse ao
debate, ampliando a discusso, a conversa, o espao
do contraditrio. O Ministro, inclusive, assumiu a
responsabilidade para si, criando no gabinete um
grupo ampliado para dar continuidade conversa,
buscando qualificar ainda mais a elaborao da
poltica pblica que estamos promovendo.
Sendo assim, a constituio de novos
modos para pensar e elaborar poltica pblica,
incluindo o contraditrio e a diferena, significa
tambm trabalhar para evitar que diferenas
identitrias, corporativistas e neocorporativistas
se imponham ao debate, convertendo a dimenso
pblica em espao de defesa e promoo de interesses e posies particularistas e fragmentrias.
Naturalmente, isso seria problemtico e
nada republicano, e como a gente tem lidado com as
Dilogo (bio)poltico
35
mil identidades no debate Brasil afora, penso que
fundamental problematizar e encontrar alternativas
para os perigos que tais reducionismos inoculam na
elaborao e na consecuo da poltica pblica.
Esta publicao, em boa medida, coloca
em anlise alguns desses perigos, especialmente
as chamadas bioidentidades e biossocialidades,
uma vez que a cristalizao dessas identidades
sociais produz dificuldade de expanso poltica
pblica, porque o sentido identitrio refratrio
quilo que no se reconhece imediatamente com
ele, em uma espcie do espelho de Narciso: o
sujeito olha e s reconhece aquilo que igual a
ele, alimentando tendncias de baixssima potncia
de composio na diferena, at porque, em geral,
por dentro da poltica pblica, a lgica dominante
a da disputa por recursos, e como os recursos
polticos e financeiros so escassos, as identidades
reforam-se na luta pelo acesso aos recursos.
A ideia de compartilhar, de potencializar,
de trabalhar em rede ope-se lgica identitria. Por isso mesmo, uma questo estratgica, no campo
da poltica pblica, a produo do comum: como produzir um projeto poltico comum que, ao mesmo
Ministrio da Sade
36
tempo, seja afirmativo da diferena e se descole de
identidades cristalizadas e meramente reativas?
Esse , para mim, o desafio tico, poltico
e conceitual mais importante que a gente tem
no campo. As bioidentidades, em geral, so
autoritrias e refratrias: fazem o movimento de
aglutinao apenas como estratgia para garantir interesses particularistas, do contrrio fecham-se
sobre si mesmas. Mas importante lembrar-se de que bioidentidades e biossocialidades no so
problemas exclusivos do campo das deficincias,
so problemas da democracia contempornea.
Por isso, e para terminar, deixo o convite e o
desafio de pensarem conosco sobre como acolher
os processos de subjetivao que produzem
identidades e, simultaneamente, rompem com seus
reducionismos, produzindo o comum, o bem-comum.
37
Captulo 2Da narrativa da dificuldade ao dilogo com a diferena:
construindo a Rede de Cuidados Sade da Pessoa
com Deficincia
Vera Lcia Ferreira Mendes1
O Viver Sem Limite: Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficincia, lanado em
17 de novembro de 2011, pela Presidenta Dilma
Rousseff, impulsiona a criao da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia. Nesse caso,
no se trata apenas de defender um direito, mas
tambm de assumir o desafio da produo de
1 Coordenadora-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia do DAPES/MS, doutora em Psicologia Clnica e Mestre em Distrbios da Comunicao pela PUC-SP.
Ministrio da Sade
38
prticas em sade capazes de ampliar e qualificar
o acesso pessoa com deficincia no SUS. Temos
trabalhado muito, no sentido de implementar a
Rede (conforme descrito mais adiante) em todos
os estados brasileiros, aproveitando o momento
dessa nova e bem-vinda poltica pblica para
colocar em debate uma srie de temas importantes no campo da habilitao/reabilitao e do cuidado
em Sade da Pessoa com Deficincia.
O carter estruturante e de poltica pblica o que garante a expanso dessa Rede, uma vez que
assegura a designao de formas de investimento
e planejamento integrado aos componentes da
ateno bsica, especializada, hospitalar e de
urgncia e emergncia. Isso permite colocar o
debate e as aes de sade no campo da pessoa com deficincia em diferentes reas do Ministrio da
Sade, bem como em outros equipamentos sociais
de proteo social, educao, trabalho, esporte etc.
A implementao da Rede nos territrios
depende dos processos de pactuao interfederativa
com estados e municpios para que se possa avanar,
qualificar e ampliar o acesso sade para a pessoa
Dilogo (bio)poltico
39
com deficincia. Portanto, principalmente nesse
momento inicial, favorecer a compreenso dos
atores envolvidos (usurios, gestores e profissionais
da sade) sobre os princpios e diretrizes dessa nova
poltica, pede abertura ao debate, clareza conceitual
e metodolgica, bem como carter pblico s aes
a serem implementadas.
Nesse sentido e para disparar e adensar o debate, durante a reunio tcnico-poltica que
deu origem a este livro, destacamos determinadas
questes: como negociar um regime discursivo
para a Sade da Pessoa com Deficincia que
favorea a implementao da Rede? Quais as
condies e os limites da iniciativa governamental
em favor de uma abertura alteridade, ou seja,
s diferenas na efetuao das prticas de sade?
Como construir a Rede de Cuidados Sade da
Pessoa com Deficincia com o propsito da criao
de novas formas de vida cidads, democrticas
e no estigmatizantes a partir do encontro com o
outro, com as diferenas? Como ampliar e manter
aquecida a discusso entre atores e posies
diferentes, favorecendo o adensamento conceitual
Ministrio da Sade
40
e metodolgico na produo do cuidado em Sade da Pessoa com Deficincia?
Certamente, essas questes no esgotam
o universo temtico implicado com a Sade das
Pessoas com Deficincia, apenas salienta aspectos e
dimenses relevantes elaborao e implementao
de uma poltica pblica de sade no SUS, porque
essas questes dialogam com o desafio de fazer valer
princpios e diretrizes de nosso sistema universal de
sade: integralidade, equidade, participao social e
acesso qualificado sade.
esse o contexto que orienta a narrativa
que fao a seguir sobre a atmosfera na qual se
d a formulao e a implementao da Rede de
Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia.
A Narrativa da Dificuldade
A equipe do Ministrio tem se deslocado
pelo Brasil para apoiar a implementao da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia. Temos viajado bastante para discutir com gestores
Dilogo (bio)poltico
41
e profissionais dos servios de reabilitao,
bem como para dar apoio tcnico aos grupos condutores2. Para alm da comemorao e da alegria das pessoas por essa agenda, finalmente, ter
chegado ao SUS, observa-se o que vou chamar aqui
de construo de uma narrativa da dificuldade.
Isso algo que chama ateno no processo:
as dificuldades apontadas por profissionais e
gestores na implementao dessa Rede, para alm
dos desafios comuns implementao de qualquer
Rede de Ateno Sade, apoiam-se, com
frequncia, no imaginrio de que as deficincias
introduzem complexidades adicionais no cuidado
sade, o que causaria obstculos relevantes
implementao dessa Rede em particular.
O discurso que deriva desse imaginrio, narra
dificuldades que revelam desconhecimento e
falta de experincia no trato com as pessoas com
deficincia. Da a sensao de medo e de insegurana
que este tipo de discurso traz tona.
2 Grupo Condutor Estadual um espao tripartite, formado por represen-tantes da gesto estadual, do Cosems e por apoiador e referncia tcnica do Ministrio da Sade. Tem a finalidade de apoiar as regies de sade na elaborao dos Planos de Ao Regional, analisar e aprovar tais Planos, bem como consolid-los em um Plano de Ao Estadual.
Ministrio da Sade
42
O problema que essa narrativa da
dificuldade, em alguns casos, naturaliza-se, como
se fosse verdadeira. No entanto, implementar essa
Rede no mais difcil, nem mais complexo,
tampouco menos vivel do que qualquer outro
trabalho em sade. Sistemas universais e processos
de trabalho em sade so sempre complexos e desafiadores. Nesse sentido, sempre melhor
pensar no desafio que representam e no nas
dificuldades que trazem. Lidar com a pessoa com
deficincia, no mbito da sade, no impe nada
de intransponvel. O que h so especificidades
e, s vezes, insuficincia de abertura, de escuta e
desconhecimento sobre as necessidades desse grupo populacional. justamente isso o gerador
de insegurana e de angstia que permeia
certos discursos.
O desafio , ento, entrar em contato
com as pessoas com deficincia, suas necessidades
singulares e, sobretudo, suas capacidades e
potencialidades, verificando que elas so pessoas
como quaisquer outras. Por isso, importante
ampliar a percepo, trazendo essa agenda ao
Dilogo (bio)poltico
43
debate da sade, dos profissionais de sade, em
todos os pontos de ateno da rede de sade,
para que certas mistificaes se dissipem. Isso
porque tambm encontramos muitas experincias
em sentido contrrio: de convvio produtivo na e com as diferenas que as deficincias implicam. Quando as pessoas se dispem, verdadeiramente,
a construir, a produzir sade, do-se conta de
que sabem fazer ou tm capacidade de aprender,
do-se conta de que possvel, superando o que
imaginavam difcil a priori.
H um detalhe aqui, que diz respeito
narrativa da dificuldade, mas de um modo
especfico e que, por fim, vale a pena destacar: a
deficincia intelectual a mais desconhecida ou
desafiadora de todas. Muitas vezes, em visitas a
servios de sade, fica claro que os profissionais
esto cuidando das pessoas mas, paradoxalmente,
parecem no se dar conta disso. comum ver
servios tratando pessoas com transtornos
cognitivos e de linguagem apenas quando,
associados a eles, h a presena de alteraes
motoras e/ou sensoriais. Parece que preciso abrir
Ministrio da Sade
44
uma cortina e dizer: voc j faz, em alguma medida,
reabilitao intelectual, s no percebe que faz. Por
que no qualificar e ampliar o acesso reabilitao
intelectual nesses servios? Que campo conceitual
e tcnico esse, to pouco debatido? Chamo isso
de barreiras anteriores, ou seja, h um receio
preestabelecido em relao deficincia intelectual.
Significa dizer que a reabilitao na deficincia
intelectual tem um caminho maior a ser percorrido,
quando comparado s demais deficincias, tanto
do ponto de vista da produo de conhecimentos,
metodologias e tecnologias assistivas, quanto em
relao aos modos de acolher, de cuidar e de garantir
o direito sade dessas pessoas.
Entrando na Agenda do SUS
Estamos implementando uma poltica importante, com recursos considerveis para,
efetivamente, ampliar a capacidade de acolhimento,
de cuidado sade e para fomentar a qualidade
de vida das pessoas com deficincia. Isso exige
debate e reflexo contnuos sobre os desenhos da
Dilogo (bio)poltico
45
Rede nas diferentes realidades regionais, uma vez
que o Brasil continental e muito diverso.
A Portaria n 793, de 24 de abril
de 2012, d parmetros importantes nessa
direo, empoderando os gestores do SUS
para conduzirem o processo de diagnstico da
situao atual e das necessidades de qualificao
e de expanso dos servios que compem ou
vo compor a Rede, o que exige a elaborao
de um desenho regional da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia, considerando:
as aes de preveno e identificao precoce
das deficincias, por meio da implementao
da Triagem Neonatal (componente biolgico,
auditivo e visual); a articulao das aes de
sade nos diversos pontos de ateno, visando
promoo, ao acompanhamento e ao cuidado
sade das pessoas com deficincia no mbito
da ateno bsica; da ateno odontolgica; dos servios especializados de reabilitao e de
oficinas ortopdicas, incluindo o aprimoramento
dos processos de concesso de rteses, prteses
e meios auxiliares de locomoo; das aes no
Ministrio da Sade
46
mbito da ateno hospitalar e de urgncia e
emergncia e da articulao com polticas de
educao e de proteo social. Tudo isso tem papel importante nos diferentes desenhos que a
Rede pode ter nos territrios locorregionais.
Evidentemente, a implementao da rede
deve garantir um princpio carssimo: a integralidade
do cuidado. Isso comea pelo fortalecimento e pela integrao das aes de sade da ateno bsica,
especializada, hospitalar e de urgncia e emergncia
no trato com as pessoas com deficincia. Essa
populao deve ganhar visibilidade em todos os
pontos de ateno e, para isso, fundamental que os
campos problemticos das pessoas com deficincia
e da habilitao/reabilitao, que sempre estiveram
apartados do SUS, ganhe espao e consistncia.
Precisamos colocar a agenda das pessoas com deficincia de modo transversal no SUS, usar as
redes em favor do acolhimento e do cuidado em
sade que esta populao necessita e que, acima de tudo, um direito inquestionvel de todo cidado brasileiro.
Para que isso ocorra de fato e represente
Dilogo (bio)poltico
47
mudanas significativas no cuidado s pessoas
com deficincia, essencial mobilizar gestores,
profissionais e sociedade civil para, juntos, pensarem
e colocarem em anlise o que existe hoje, o que
precisa ser transformado e/ou expandido, e quais
so os desenhos que podem responder a lgica de
construo das Redes de Ateno Sade, de modo
a garantir equidade e estabelecimento de linhas de
cuidado capazes de ampliar o acesso qualificado ao
cuidado por parte das pessoas com deficincia, em
todos os pontos de ateno da Rede SUS.
Estamos construindo essa poltica e essa Rede de modo bastante participativo e ampliado.
Desde o seu incio, foi institudo o Comit Nacional
de Assessoramento Implementao da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia, com representantes
dos principais centros de excelncia em reabilitao,
e o Comit Nacional de Assessoramento e Apoio s Aes de Ateno s Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo no mbito do SUS, com a participao de diversos especialistas, pesquisadores e representantes de
entidades e movimentos sociais.
Alis, o dilogo permanente com a sociedade
Ministrio da Sade
48
civil na formulao da poltica e dos parmetros
tcnicos e normativos da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia tambm pode
ser comprovado pelos diversos grupos tcnicos
institudos com a finalidade de elaborar as Diretrizes
de Ateno Sade da Pessoa com Deficincia, e
pelos debates com as instncias de controle social
do SUS: o Conselho Nacional de Sade (CNS), e
dos Direitos Humanos: o Conselho Nacional das
Pessoas com Deficincia (Conade). Isso indica um
certo modo de fazer poltica e de traar as estratgias
de construo da Rede: fazer junto, fomentando a
conversa e produzindo elementos para que se possa
avanar na implementao da nova poltica.
O Direito Sade das Pessoas com Deficincia e a Relevncia de Polticas Intersetoriais
Cabe lembrar-se de que a dimenso dos
direitos da pessoa com deficincia muito valiosa,
fruto de um processo histrico de luta dos movimentos sociais, das famlias e das pessoas com
deficincia. No se pode negligenciar um direito,
Dilogo (bio)poltico
49
isso no se discute. Sobretudo porque ele o que
provoca, o que dispara a admisso, pelos governos,
de polticas que possam assegurar a transposio
da lei ao campo da vida. Ou seja, uma coisa a
dimenso do direito, que no pode ser negligenciada.
Outra coisa , efetivamente, faz-la ganhar corpo,
densidade, vida pulsando no real, no cotidiano dos
servios de sade e das pessoas. Essa a tarefa
mais complexa, que exige a atuao dos coletivos:
trabalhadores de sade, gestores, sociedade civil
organizada, usurios, populao em geral. Produzir
sade estar em relao o tempo todo.
A poltica que estamos implementando
legitima o direito dessas pessoas. Ento, devemos
execut-la promovendo a participao efetiva
de toda a sociedade, o debate em torno de seus
conceitos e de suas diretrizes, assumindo a agenda
da pessoa com deficincia e a implementao dessa
poltica de modo estruturante, nos planejamentos
tcnicos e oramentrios dos gestores do SUS.
Isso faz avanar algo fundamental em uma poltica
pblica: investimento contnuo no processo. No
se faz poltica pblica, de fato, com aes pontuais.
Ministrio da Sade
50
Mesmo que se exija tempo, deve-se investir de
modo estruturante, pois isso que qualifica e
amplia o acesso de modo a acolher e a responder s necessidades reais das pessoas com deficincia.
Tal processo est em curso e temos que trabalhar
para que ele no tenha volta.
Nesse contexto, vale destacar a extrema
necessidade, para as polticas pblicas voltadas s
pessoas com deficincia, das aes intersetoriais.
Nesse campo h uma exigncia clara em se pensar,
simultaneamente, a sade, a educao, a proteo
social, os direitos humanos, o trabalho, o emprego,
a acessibilidade etc. Caso contrrio, o efeito na
qualidade de vida ser muito reduzido.
Em outras palavras, o ganho funcional
e de autonomia das pessoas com deficincia
no depende apenas do acesso ao diagnstico,
reabilitao e concesso de rteses, prteses e
outras tecnologias assistivas. Depende tambm
de ambincias sem barreiras arquitetnicas,
comunicacionais e atitudinais; de estratgias de empregabilidade; de incluso escolar; e de aprimoramento profissional. Nesse sentido,
Dilogo (bio)poltico
51
temos aqui uma agenda favorvel s aes
intersetoriais, sejam elas inditas ou j existentes
nos territrios, mesmo aquelas sem o apoio
formal de polticas institudas. O que importa
se lanar em experimentaes nesse campo, de
modo responsvel e consistente, para aprender a
fazer a gesto de polticas intersetoriais.
Queremos que essa populao ganhe as
ruas, viva suas vidas de forma autnoma. Isso
depende de certos modos de se fazer polticas,
servios e programas, para que sejam capazes de
enfrentar o atual estado de excluso, promovendo,
de fato, incluso cidad.
Estrutura da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia e da ao da CGSPCD Para finalizar essas breves ponderaes
sobre questes e sentidos conceituais e
metodolgicos implicados na construo da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com
Deficincia, trazemos uma igualmente rpida
Ministrio da Sade
52
descrio comentada da estrutura da Rede e dos
processos de trabalho da Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia (CGSPCD),
buscando situar os modos pelos quais conceitos
e metodologias em debate na construo da Rede ganham materialidade prtica, matizando
as aes e tambm os muitos desafios que ainda
teremos pela frente.
A descrio que se ver a seguir
apresentada em termos muito prximos aos de outros documentos de comunicao e de esclarecimento sobre a Rede de Cuidados Sade da Pessoa com
Deficincia. Isso proposital, por considerarmos
necessrio manter uma certa unidade nesse tipo de enunciao, para evitar eventuais dvidas ou
confuses sobre a estrutura formal e as diretrizes da
Rede, sobretudo porque se trata de uma Rede nova,
ainda em processo de implementao.
De sada, vale lembrar-se de que a
Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia (CGSPCD) formula as polticas
pblicas de sade no campo das deficincias,
bem como faz a gesto do financiamento e
Dilogo (bio)poltico
53
do apoio tcnico aos estados e aos municpios para a efetivao da Rede. Com o lanamento
do Viver Sem Limite: Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficincia, a CGSPCD ficou
responsvel pela coordenao do eixo da sade,
instituindo, em abril de 2012, a Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia no mbito do SUS3.
A partir da, alm de executar o que de
sua responsabilidade para implantao, qualificao
e monitoramento das aes de reabilitao nos estados e nos municpios, por meio da criao,
ampliao e articulao de pontos de ateno sade para pessoas com deficincia temporria ou
permanente; progressiva, regressiva, ou estvel;
intermitente ou contnua, contemplando as reas
de deficincia auditiva, fsica, visual, intelectual,
ostomia e mltiplas deficincias; a CGSPCD
desenvolve aes intra e intersetoriais, envolvendo
outras reas tcnicas, secretarias e ministrios.
A proposta de uma poltica de reabilitao 3 Portaria MS/GM n 793, de 24 de abril de 2012 Institui da Rede de Cui-
dados Sade da Pessoa com Deficincia e a Portaria MS/GM n 835, de 25 de abril de 2012 Institui incentivos financeiros de investimento e de custeio para o Componente Ateno Especializada da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia no mbito do Sistema nico de Sade.
Ministrio da Sade
54
no mbito do SUS, expressa pela Rede de Cuidados
Pessoa com Deficincia, anuncia, como j
dissemos, mudanas significativas nos modos de
pensar e de agir no campo do cuidado Sade da Pessoa com a Deficincia, entre as quais se
destacam, na condio de princpios norteadores:
Promoo da autonomia e da incluso das pessoas com deficincia;
Enfrentamento de estigmas e preconceitos, promovendo o respeito
pela diferena e a participao efetiva
das pessoas com deficincia nos diversos
campos sociais;
Garantia do acesso e da qualidade dos servios, ofertando cuidado integral
e assistncia multiprofissional, sob a
lgica interdisciplinar;
Ateno humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;
Diversificao das estratgias de cuidado;
Desenvolvimento de atividades no
Dilogo (bio)poltico
55
territrio, que favoream a incluso social
com vistas promoo de autonomia e
ao exerccio da cidadania;
nfase em servios de base territorial e comunitria, com participao e controle
social dos usurios e de seus familiares;
Organizao dos servios em Rede de Ateno Sade regionalizada, com
estabelecimento de aes intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado;
Desenvolvimento da lgica do cuidado para pessoas com deficincia fsica,
auditiva, intelectual, visual, ostomia
e mltiplas deficincias, tendo como
eixo central a construo do projeto
teraputico singular;
Desenvolvimento de pesquisa clnica e inovao tecnolgica em reabilitao.
Garantia de acesso reabilitao, visando reinsero das pessoas com deficincia
no campo do trabalho, da educao e da
Ministrio da Sade
56
vida social;
Promoo de mecanismos de educao permanente aos profissionais de sade;
Desenvolvimento de aes intersetoriais de promoo e preveno sade
em parceria com organizaes
governamentais e da sociedade civil;
Produo de oferta de informaes sobre direitos das pessoas, medidas de
preveno e de cuidado, bem como sobre
os servios disponveis na rede, por meio
de cadernos, cartilhas e diretrizes de
cuidado pessoa com deficincia;
Organizao das demandas e dos fluxos assistenciais da Rede de Cuidados
Pessoa com Deficincia;
Construo de mecanismos de monitora-mento e de avaliao da qualidade
dos servios.
Conforme estabelece a Portaria n 793,
Dilogo (bio)poltico
57
de 24 de abril de 2012, os cuidados pessoa
com deficincia devem ser estabelecidos a partir
da lgica de Ateno em Redes de Cuidado,
organizada a partir dos componentes: Ateno
Bsica; Ateno Especializada em Reabilitao; e
Ateno Hospitalar e de Urgncia e Emergncia.
Os componentes devero ser articulados entre si,
de forma a garantir a integralidade do cuidado e o acesso regulado a cada ponto de ateno e/ou aos
servios de apoio, observadas as especificidades
inerentes e indispensveis garantia da equidade
na ateno sade.
Para a implantao da nova poltica, a
CGSPCD revisou os marcos normativos vigentes
at 2011, elaborando e publicando novas portarias
e instrutivos, contendo normas tcnicas para a
habilitao de servios; manual de ambincia; e
manual de Orientaes para Elaborao dos Planos de Ao Regionais e Estaduais da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia.
Alm disso, a CGSPCD realiza diversos
grupos de trabalho com a participao de especialistas, pesquisadores e entidades da
Ministrio da Sade
58
sociedade civil para elaborar as Diretrizes de
Ateno Sade da Pessoa com Deficincia. Tal
iniciativa importante estratgia de qualificao
da ateno, uma vez que estabelece padres de
cuidado, orientaes tcnicas para profissionais
da Rede SUS, buscando garantir o adequado
acolhimento, diagnstico e tratamento das Pessoas
com Deficincia. Esto publicadas as seguintes
Diretrizes at outubro de 2013:
Diretriz de Ateno Pessoa com Sndrome de Down e sua verso acessvel: Cuidados de
Sade s Pessoas com Sndrome de Down;
Diretriz de Ateno Pessoa Amputada;
Diretriz de Ateno Pessoa com Paralisia Cerebral;
Diretriz de Ateno Pessoa com Leso Medular;
Diretriz de Ateno da Triagem Auditiva Neonatal;
Diretrizes de Ateno Reabilitao da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo;
Diretrizes de Ateno Reabilitao
Dilogo (bio)poltico
59
da Pessoa com Traumatismo Cranioenceflico;
Diretrizes de Reabilitao da Pessoa com Acidente Vascular Cerebral (AVC).
At 2014, sero ainda publicadas as
seguintes Diretrizes:
Diretrizes de Ateno Sade Ocular na Infncia;
Diretrizes de Ateno Pessoa com Sndrome Ps-Poliomielite;
Diretrizes de Ateno Pessoa Ostomizada;
Diretrizes de Ateno Pessoa com Surdo-Cegueira;
Diretrizes de Ateno Pessoa com Deficincia Intelectual;
Diretrizes de Prescrio, Concesso, Adaptao e Manuteno de OPMs.
A Rede de Cuidados Pessoa com
Ministrio da Sade
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Deficincia, como referido anteriormente, procura
assegurar acompanhamento e cuidados qualificados
para pessoas com deficincia auditiva, fsica,
intelectual, visual, mltiplas e ostomias. A ideia
criar um conjunto de servios, bem como qualificar
os existentes, para ampliar o acesso com qualidade
em todos os componentes da Rede: ateno bsica,
especializada e hospitalar de modo articulado e
regulado. Os servios devem se organizar em base
territorial para ofertar ateno sade. Pretende-se que a Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia
o Sade Sem Limite, possa:
estabelecer-se como campo de referncia ao cuidado e proteo para usurios,
familiares e acompanhantes nos processos de reabilitao auditiva, fsica, intelectual,
visual, ostomias e mltiplas deficincias;
produzir, com o usurio, seus familiares e acompanhantes, e de forma matricial na
rede de ateno, um Projeto Teraputico
Singular, baseado em avaliaes
multidisciplinares das necessidades e capacidades das pessoas com deficincia,
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incluindo dispositivos e tecnologias
assistivas, e com foco na produo da
autonomia e do mximo de independncia
nas diferentes dimenses da vida;
garantir que a indicao de dispositivos assistivos devem ser criteriosamente
escolhidos, bem adaptados e adequados
ao ambiente fsico e social, garantindo o
uso seguro e eficiente;
melhorar a funcionalidade e promover a incluso social das pessoas com deficincia em seu ambiente social,
por meio de medidas de preveno da
perda funcional; de reduo do ritmo da perda funcional; da melhora ou recuperao da funo; da compensao da funo perdida; e da manuteno da funo atual;
estabelecer fluxos e prticas de cuidado sade contnuas, coordenadas e
articuladas entre os diferentes pontos de ateno da Rede de Cuidados Sade da
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Pessoa com Deficincia em cada territrio;
realizar aes de apoio matricial na Ateno Bsica, no mbito da Regio de
Sade e de seus usurios, compartilhando
a responsabilidade com os demais pontos da Rede de Ateno Sade;
articular-se com a Rede do Sistema nico de Assistncia Social (Suas) das
respectivas Regies de Sade, para
acompanhamento compartilhado de casos, quando necessrio;
articular-se com a Rede de Ensino das respectivas Regies de Sade, para
identificar crianas e adolescentes com
deficincia e avaliar suas necessidades;
dar apoio e orientao aos educadores,
s famlias e comunidade escolar,
buscando adequao do ambiente e da
dinmica escolar s especificidades das
pessoas com deficincia.
Para tudo isso preciso, entre outras
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coisas, investir na ampliao e na qualificao dos
servios de reabilitao na Rede SUS de modo
a garantir o pleno acesso com padres tcnicos bem definidos. Os principais pontos de Ateno
Especializada em Reabilitao do Sade Sem Limite foram delineados da seguinte forma:
Centro Especializado de Reabilitao (CER): servio de referncia regulado, que presta ateno especializada s
pessoas com deficincia temporria ou
permanente; progressiva, regressiva, ou
estvel; intermitente e contnua; severa e
em regime de tratamento intensivo. o
lugar de referncia de cuidado e proteo
para usurios, familiares e acompanhantes
nos processos de reabilitao auditiva,
fsica, intelectual, visual, ostomias e
mltiplas deficincias, produzindo com o
usurio, seus familiares e acompanhantes,
e de forma matricial na rede de ateno,
um Projeto Teraputico Singular,
baseado em avaliaes multidisciplinares
das necessidades e das capacidades das
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pessoas com deficincia, incluindo:
a. Prescrio, adaptao e manuteno de dispositivos e tecnologias assistivas,
com foco na produo da autonomia e o mximo de independncia em
diferentes aspectos da vida.
b. Aes de habilitao/reabilitao com vistas a melhorar a funcionalidade
e promover a incluso social das
pessoas com deficincia em seu
ambiente social, por meio de medidas
de preveno da perda funcional, de
reduo do ritmo da perda funcional,
da melhora ou recuperao da funo; da compensao da funo perdida; e da manuteno da funo atual.
c. Realizao de aes de apoio matricial, compartilhando a responsabilidade com os demais pontos da Rede de
Ateno Sade.
d. Articulao com a Rede do Sistema nico de Assistncia Social (Suas) da
Regio de Sade a que pertena, para
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acompanhamento compartilhado de casos, quando necessrio.
e. Articulao com a Rede de Ensino da Regio de Sade a que pertena, para
identificar crianas e adolescentes com
deficincia e avaliar suas necessidades;
dar apoio e orientao aos educadores,
s famlias e comunidade escolar,
visando adequao do ambiente
escolar s especificidades das pessoas
com deficincia.
f. Critrios de Habilitao do CER e Tipologia: para que um CER possa
ser habilitado pelo MS, necessrio
que o gestor estadual ou municipal,
por meio da implementao de grupo condutor da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia,
elabore Plano de Ao (regionais e estadual), definindo necessidades e
prioridades de cada regio, cumpra
os requisitos tcnicos de qualidade
assistencial definidos pelo MS (ver
Ministrio da Sade
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Instrutivos de Reabilitao Auditiva,
Fsica, Intelectual e Visual. Os
CERs diferenciam-se a partir das
modalidades de reabilitao que sero
implementadas, entre a auditiva,
fsica, intelectual e visual. O CER
II compe-se de duas modalidades; o CER III, de trs modalidades, e o
CER IV, de quatro modalidades.
Oficinas Ortopdicas: realizam a confeco e a manuteno de rteses sob medida e ajustes das prteses para cada
usurio. Para que a pessoa com deficincia
tenha um ganho de autonomia concreto no uso de tecnologias assistivas, necessrio que
as rteses, as prteses e os meios auxiliares
de locomoo (OPM), as equipes do CER
e das Oficinas Ortopdicas garantam que
a indicao de dispositivos assistivos sejam
criteriosamente escolhidos, bem adaptados
e adequados ao ambiente fsico e social,
garantindo o uso seguro e eficiente.
Uso do Veculo Adaptado: o transporte
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sanitrio poder ser utilizado por pessoas
com deficincia que no apresentem
condies de mobilidade e acessibilidade autnoma aos meios de transporte
convencional ou que manifestem
grandes restries ao acesso e ao uso de equipamentos urbanos. Esse tipo de
servio deve ser prestado por meio dos
micro-nibus e dos furges adaptados,
o que chamamos de servio ponto
a ponto. O servio se caracteriza por
ofertar s pessoas com deficincia com
alto grau de dependncia o embarque em
suas residncias ou em locais prximos
sua residncia e o desembarque nos
Centros Especializados em Reabilitao,
garantindo dessa forma o acesso das pessoas com deficincia ao tratamento
ofertado pelos Centros Especializados
de Reabilitao. Os fluxos, bem como os
horrios e as rotas, sero definidos pelos
gestores locais.
Ministrio da Sade
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Por fim, vale ainda dizer que tais medidas, formalmente institudas a partir de 2012, embora
muito recentes, esto em curso e em ritmo acelerado,
apesar das variaes das condies sanitrias e de sade
entre estados e municpios de um pas continental como o Brasil. Tal processo pe em movimento a
materializao de uma conquista histrica em termos
de direitos sociais e, neles, de acesso qualificado das
pessoas com deficincia sade.
Ampliar o debate sobre os desafios dessa
conquista tambm um eixo para reflexo conceitual,
metodolgica e tico-poltica na implementao da Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia:
Rede Prioritria de Sade e poltica estruturante do
Sistema nico de Sade (SUS).
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Captulo 3 A Rede de Cuidados Sade da Pessoa com Deficincia e a desfragmentao da ateno
sade
Daniel Carvalho Rocha1
Dbora do Carmo2
Samara Kielmann3
O texto que se segue traz algumas reflexes
sobre o carter instituinte da Rede de Cuidados
Sade da Pessoa com Deficincia, como movimento
estruturante no Sistema nico de Sade (SUS) e
como poltica pblica e coletiva, que avana em 1 Mdico, gestor do Ncleo de Ateno Especializada da Secretaria Municipal
de Sade de Mau.2 Enfermeira sanitarista, diretora da Ateno Especializada da Secretaria Mu-
nicipal de Sade de So Bernardo do Campo. 3 Psicloga da Coordenao da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficincia
da Secretaria Municipal de Sade de So Bernardo do Campo.
Ministrio da Sade
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relao a servios segmentados e fragmentados por
tipo de deficincia.
O Sistema nico de Sade: um movimento
instituinte e em disputa
O SUS trouxe profundas e importantes
mudanas nas prticas e nas condies de sade do Pas, em diversos nveis e para diferentes
segmentos sociais. Os princpios de universalidade,
integralidade e equidade configuraram uma nova
diretriz para todos os servios e para todos os
usurios do sistema (PAIM, 2008). Na condio de
sistema universal de sade, o SUS estruturou-se e
fundamentou-se nas lutas pela redemocratizao
da sociedade brasileira, que aconteceram em meio
a movimentos de resistncia ditadura militar,
compostos em um ambiente imantado por foras de inveno de alternativas polticas e sociais,
bem como pela contestao opresso poltica,
econmica e social representada pela ditadura.
Nesse ambiente de luta, germinam no Brasil,
entre outros, os movimentos da Reforma Sanitria, da
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Reforma Psiquitrica, do Movimento Feminista, do
Movimento hoje chamado LGBT (BENEVIDES;
PASSOS, 2005). A prpria organizao do movimento
das Pessoas com Deficincia tambm d seus
primeiros passos ainda sob as sombras da ditadura (LANNA JNIOR, 2010).
A proposta de organizao da sade em
redes est disposta no art. 198 da Constituio
Federal do Brasil; ela descrita da seguinte forma: As aes e servios pblicos de sade integram
uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem
um sistema nico (BRASIL, 2007, p. 33). Com
base nesse dispositivo, o SUS foi consignado na
Constituio como sistema estruturado (sob o ponto de vista jurdico-administrativo) em redes de servios,
no qual devem estar integradas todas as aes e os
servios pblicos de sade, organizados de forma
regionalizada e hierarquizada (ANDRADE, 2008).
As Redes de Ateno Sade, na
condio de produtos das aes de polticas pblicas e do cumprimento das diretrizes
do SUS, configuram um arranjo que busca
Ministrio da Sade
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garantir a universalidade do atendimento em
sade. O conceito de Integralidade denota a necessidade de uma estrutura cuja configurao
apresenta-se sob a forma de servios integrados:
reconhecendo a interdependncia dos atores e organizaes, em face da constatao de que nenhuma delas dispe da totalidade dos recursos e competncias necessrias para a soluo dos problemas de sade de uma populao em seus diversos ciclos de vida (HARTZ; CONTRANDIOPOULOS, 2004, p. 1).
Pinheiro e Mattos (2006), por sua vez,
esclarecem que as mudanas necessrias, a
serem operadas com o foco na Integralidade,
no esto associadas implementao de um modelo organizacional nico, mas de arranjos
institucionais que devem ser pactuados
e estruturados a partir da realidade e das caractersticas locorregionais.
Silva e Magalhes Jnior (2008)
complementam o conceito de integralidade no sentido vertical e no sentido horizontal: a primeira
diz respeito ao olhar integral sobre o indivduo
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e suas demandas objetivas e perceptveis; a
segunda corresponde implementao de redes,
para que o conjunto de servios e aes de sade,
articulados, caminhem rumo produo do
cuidado integral.
Segundo Mendes (2011), os sistemas
de ateno sade, do ponto de vista social,
podem se organizar de forma segmentada e
isolada ou em sistemas integrados, em um
contnuo cujas partes no so independentes,
coexistem e dependem umas das outras. Se a lgica dominante no campo da sade das pessoas com deficincia foi marcada pela criao
e at mesmo ampliao de servios organizados
de forma fragmentada, isso est sendo revisto
e transformado pela perspectiva de integrao
da ateno sade presente na concepo e nas formas de operacionalizao da Rede de
Cuidados Pessoa com Deficincia.
Ministrio da Sade
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Polticas de Sade para a Pessoa com
Deficincia
Ainda que assegurado como direito pela
Constituio de 1988, em seu artigo 23, Captulo
II, que determina ser competncia comum da
Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municpios cuidar da sade e assistncia pblicas,
da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincias (BRASIL, 2007 p. 26), bem como
regulamentado pela Lei n 7.853/89, pela Lei
Orgnica da Sade n 8.080/90, pelos Decretos
n 3.298/99 e n 7.508/2011 e com o conjunto
de portarias publicadas pelo Ministrio da Sade desde 1991, que se relaciona a tendncia da
organizao dos servios de sade no que tange
ao cuidado da pessoa com deficincia.
Enredado por inmeras normas especficas (Grfico 1), em especial a Portaria
MS/GM n 827/1991, que instituiu o Programa
de Ateno Sade da Pessoa Portadora de Deficincia, o Ministrio da Sade publica,
em 5 de junho de 2001, a Portaria MS/GM n
Dilogo (bio)poltico
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818/2001, que cria mecanismos para organizao
e implantao das Redes Estaduais de Assistncia
Pessoa com Deficincia Fsica e a Portaria
MS/SAS n 185/2001 que inclui a concesso de
rteses, prteses e meios auxiliares de locomoo
ambulatoriais, que devem ser dispensadas
pelos servios de reabilitao fsica do SUS.
Posteriormente, em 2004, publica um conjunto
de portarias que normatizam e regulamentam a
Ateno Sade Auditiva.
Ocorre que, ao configurarem-se como
normativas recortadas por tipo de deficincia
acabaram por direcionar a organizao de servios
especializados focados na deficincia e no na
pessoa e na ateno em rede, concorrendo para um
empobrecimento do conceito de cuidado integral da sade da pessoa com deficincia, especialmente
na ateno bsica e na urgncia e emergncia.
Esse desenho, em que pese a denominao
de Rede para Pessoas com Deficincia Fsica,
Auditiva, Intelectual e Visual, funciona
analogamente ao que Mendes (2011) identifica
Ministrio da Sade
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como servios fragmentados de ateno sade.
Segundo este autor, esse tipo de modelo opera com
diversos pontos de ateno fragmentados e que
no se comunicam, tendo, portanto, dificuldade de
prestar uma ateno integral populao.
Ainda que com efeito limitado
pela fragmentao das aes pelo tipo de deficincia, reconhece-se que essas portarias
que regulamentaram as Redes para Pessoas com
Deficincia cumpriram papel importante no
contexto em que foram criadas. Para alm de
uma proposta prtica de reabilitao e proposio de um conjunto de aes especficas para essa
populao, ampliaram a visibilidade questo da
deficincia, at ento s margens das polticas mais
gerais do SUS, e desencadearam aparente expanso
do nmero de servios de reabilitao, em virtude
da previso de financiamento especfico, como
visualizado no grfico a seguir.
Dilogo (bio)poltico
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Grfico 1 Nmero de Servios de Reabilitao no Brasil, 2002 a 2010
Fica patente, contudo, a desproporo da
expanso nas diferentes reas, sobretudo quando
comparado s necessidades de sade com base no perfil epidemiolgico da populao brasileira com
deficincia. No que se refere s prticas de cuidado,
essa configurao provoca ainda a necessidade
de deslocamento das pessoas com deficincias
mltiplas de servio em servio para o atendimento.
Neste contexto, a Portaria n 793, de 24
de abril de 2012, constitui-se em um marco para
Fonte: Coordenao-Geral de Sade da Pessoa com Deficincia, DAPES/MS.
Ministrio da Sade
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a produo de cuidado integral s pessoas com deficincias, principalmente por apresentar uma
proposta concreta de Rede de Ateno que convoca
pactuao de aes pelos diversos pontos de sade.
A Ateno Integral e Cuidado em Rede como Direitos da Pessoa com Deficincia
A Rede de Cuidados Pessoa com
Deficincia, instituda pela Portaria n 793, de
24 de abril de 2012, estabelece a ampliao e a
articulao dos pontos de ateno sade da pessoa com deficincia, que vai para alm da constituio
de servios especializados. Este conceito de rede
ganha corpo ao longo de anos de construo de conceitos importantes para o entendimento de que as necessidades das pessoas com deficincia
devem estar amparadas, antes de tudo, no conceito
de direitos humanos e de incluso.
Destacamos, a seguir, fatos importantes
na histria da construo de tais conceitos:
a) A aprovao da Classificao
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Dilogo (bio)poltico
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Sade (CIF) pela Organizao Mundial de Sade4, que, em seus objetivos e princpios, d nfase ao apoio,
aos contextos ambientais e s potencialidades dos indivduos, apresentando uma nova compreenso
das prticas da reabilitao e da integrao social,
propondo anlise da sade sob o norte de cinco categorias: funcionalidade, estrutura morfolgica,
participao na sociedade, atividades da vida diria
e ambiente social. uma proposta de anlise, a
ser adotada como instrumento das aes de sade para Pessoas com Deficincia em todo o mundo,
de forma a organizar, orientar e padronizar
informaes sobre esse segmento populacional. Embora sua publicao date de 2001, sua ampla
divulgao e utilizao s se d a no menos de
trs ou quatro anos.
b) A Conveno Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Deficincia,
assinada pelo Brasil sem reservas em 2007, bem
como seu Protocolo Facultativo. Assim, o Pas
compromete-se com os 50 artigos que tratam
4 Organizao Mundial de Sade, Resoluo WHA54.21 da Quinquagsima Quarta Assembleia Mundial de Sade para utilizao internacional, em 22 de Maio de 2001.
Ministrio da Sade
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dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e
culturais dos brasileiros com deficincia. A ratificao
dessa Conveno instituiu um novo contexto no Pas
do ponto de vista do direito e da cidadania dessas
pessoas, uma vez que seu texto foi integrado, como
emenda, Carta Constitucional brasileira.
A Conveno define pessoas com
deficincia como aquelas que tm impedimentos
de longo prazo de natureza fsica, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interao com diversas
barreiras, podem obstruir sua participao plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condies
com as demais pessoas (BRASIL, 2007, p. 3).
Esta definio deixa claro o papel ativo imposto
sociedade, no sentido da responsabilidade
em proporcionar um ambiente inclusivo, com
investimento adequado para que impedimentos
e barreiras sejam ultrapassados, desobstruindo os
caminhos possveis de participao das pessoas
com deficincia na sociedade, em todos os setores.
c) O Plano Viver Sem Limites, que cumpre um papel estratgico nessa mudana de modelo.
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Publicado em 17 de novembro, pelo Decreto n
7.612, promove uma ao intersetorial com aes
e estratgias, reconhecendo que a ateno Pessoa
com Deficincia transversal e responsabilidade
conjunta de todos os setores e instncias
governamentais. Fundamentalmente, o Plano Viver Sem Limites estabelece que aquelas aes que estavam sendo realizadas de forma fragmentadas,
sejam integradas, de forma a tornar o acesso mais
fcil e as intervenes mais efetivas.
A Portaria n 793/2012, ento, desenha e
prope aos estados e aos municpios e sociedade em geral uma forma nova de lidar com a Pessoa
com Deficincia, desde o marco conceitual prtica
em si. Essa nova modelagem, que ainda est em
construo em razo das diversas vises e prticas
existentes para lidar com esse pblico, apresenta as
premissas estruturantes para a implementao de uma nova rede, tais como a articulao clara entre
os pontos de ateno, entendendo que a Pessoa
com Deficincia usuria do sistema de sade
com todos os seus recursos e no s dos Centros de Referncia; a qualificao das rteses, prteses
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e meios auxiliares de locomoo, o incentivo e o
custeio dos servios e, essencialmente, a unio,
nos Centros Especializados de Reabilitao, dos
cuidados Pessoa com Deficincia, tornando a
ateno integrada por demanda e necessidade e no por tipo de deficincia.
Referncias
ANDRADE, L. O. M. S. Redes Interfederativas de Sade e o SUS. Revista Divulgao em Sade para Debate, Rio de Janeiro, n. 42, abr. 2008. (Srie CONASEMS/CEBES Saberes e Prticas de Gesto Municipal).
BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A humanizao como dimenso pblica das polticas de sade. Cincia e sade coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, set. 2005.
BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Texto promulgado em 1988. Braslia, 2007.
_______. Conveno Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia. Braslia, 2007.
Dilogo (bio)poltico
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_______. Portaria MS/GM n 818, de 5 de junho de 2001. Cria mecanismos para organizao e implantao de Redes Estaduais
de Assistncia Pessoa Portadora de Deficincia
Fsica. Disponvel em: . Acesso em: 23 abr. 2014.
_______. Portaria MS/GM n 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados Pessoa com Deficincia no mbito do Sistema
nico de Sade. Disponvel em: . Acesso em:
23 abr. 2014.
HARTZ, Z. M. A.; CONTRANDIOPOULOS
A. P. Integralidade da Ateno e Integrao de Servios de Sade: desafios para avaliar a
implantao de um sistema sem muros. Caderno de Sa