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DIÁLOGO ENTRE TEORIA E EVIDÊNCIA: COMO FAZER UM TRABALHO HISTÓRICO Autor: Moisés Augustinho dos Santos 1 Co-autor: Joaquim Francisco Soares Guimarães 2 Co-autor: Waldinei Santos Silva 3 1. INTRODUÇÃO: Este artigo é fruto dos estudos da disciplina Educação Brasileira que está atrelado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPED) Mestrado em Educação da UNIT, e tem por objetivo apresentar algumas contribuições teórico metodológicas do historiador marxista Edward Palmer Thompson, como também, dos autores Umberto Eco e Thomas A. Sebeok. Thompson parte do princípio da dialética marxista da historicidade e totalidade de todo fenômeno social. Para ele, a história é concebida como processo da vida real dos homens e das relações que estabelecem entre si, entre si e a natureza, por meio do trabalho. Esses sujeitos são homens e mulheres, indivíduos que, nas experiências do cotidiano, constroem identidades sociais, a exemplo da classe. Não são sujeitos abstratos e homogêneos, sem rosto e com vontades determinadas por estruturas, como queriam os estruturalistas. 1 Graduado em História pela Universidade Tiradentes UNIT, Pós-Graduado em Metodologia de História e de Geografia pela Faculdade Amadeus FAMA, Professor da Educação Básica. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes/ UNIT, Graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade Tiradentes/UNIT, Pós-Graduado em Gestão Administrativa da Educação pela Faculdade Pio Décimo e membro do Grupo de Pesquisa Sociedade, Educação, História e Memória- GPSEHM, Professor da Educação Básica E-mail: [email protected] 3 Possui graduação em Letras Português/Inglês pela Universidade Tiradentes (2005) e Especialização em Linguística pela Faculdade Amadeus (2008). Atuou como docente da Cultura Inglesa de Sergipe (1999- 2010), coordenou a área de intercâmbio da instituição e ministrou aulas de treinamento para à formação de professores. Participou do Programa de Desenvolvimento para Professores de Língua Inglesa nos EUA oferecido pela CAPES no Brasil, com ênfase em Melhoria da Linguagem, Métodos e Técnicas do Ensino de Inglês como Língua Estrangeira, e em Enriquecimento Cultural . Atuou no ano de 2010 como Coordenador de Ensino do Colégio Estadual Benedito Barreto do Nascimento e, atualmente, é professor de Língua Inglesa da Rede Estadual de Ensino na cidade de Umbaúba. E-mail: [email protected]

Diálogo Entre Teoria e Evidência_como Fazer Um Trabalho Histórico

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Discussão sobre a discussão teória de E.P. Thompson em relação aos trabalhos históricos.

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  • DILOGO ENTRE TEORIA E EVIDNCIA: COMO FAZER UM TRABALHO

    HISTRICO

    Autor: Moiss Augustinho dos Santos1

    Co-autor: Joaquim Francisco Soares Guimares2

    Co-autor: Waldinei Santos Silva3

    1. INTRODUO:

    Este artigo fruto dos estudos da disciplina Educao Brasileira que est

    atrelado ao Programa de Ps-Graduao em Educao (PPED) Mestrado em

    Educao da UNIT, e tem por objetivo apresentar algumas contribuies terico

    metodolgicas do historiador marxista Edward Palmer Thompson, como tambm, dos

    autores Umberto Eco e Thomas A. Sebeok.

    Thompson parte do princpio da dialtica marxista da historicidade e totalidade

    de todo fenmeno social. Para ele, a histria concebida como processo da vida real

    dos homens e das relaes que estabelecem entre si, entre si e a natureza, por meio do

    trabalho. Esses sujeitos so homens e mulheres, indivduos que, nas experincias do

    cotidiano, constroem identidades sociais, a exemplo da classe. No so sujeitos

    abstratos e homogneos, sem rosto e com vontades determinadas por estruturas, como

    queriam os estruturalistas.

    1 Graduado em Histria pela Universidade Tiradentes UNIT, Ps-Graduado em Metodologia de

    Histria e de Geografia pela Faculdade Amadeus FAMA, Professor da Educao Bsica. E-mail:

    [email protected]

    2 Mestre em Educao pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Tiradentes/

    UNIT, Graduado em Letras Portugus-Ingls pela Universidade Tiradentes/UNIT, Ps-Graduado em

    Gesto Administrativa da Educao pela Faculdade Pio Dcimo e membro do Grupo de Pesquisa

    Sociedade, Educao, Histria e Memria- GPSEHM, Professor da Educao Bsica E-mail:

    [email protected]

    3 Possui graduao em Letras Portugus/Ingls pela Universidade Tiradentes (2005) e Especializao em

    Lingustica pela Faculdade Amadeus (2008). Atuou como docente da Cultura Inglesa de Sergipe (1999-

    2010), coordenou a rea de intercmbio da instituio e ministrou aulas de treinamento para formao

    de professores. Participou do Programa de Desenvolvimento para Professores de Lngua Inglesa nos EUA

    oferecido pela CAPES no Brasil, com nfase em Melhoria da Linguagem, Mtodos e Tcnicas do Ensino

    de Ingls como Lngua Estrangeira, e em Enriquecimento Cultural . Atuou no ano de 2010 como

    Coordenador de Ensino do Colgio Estadual Benedito Barreto do Nascimento e, atualmente, professor

    de Lngua Inglesa da Rede Estadual de Ensino na cidade de Umbaba. E-mail: [email protected]

  • Quando se reporta a antropologia, nota-se que o historiador ingls, aps algumas

    relutncias, se aproxima dessa cincia e passa a trabalhar com o conceito de cultura no

    seio do materialismo histrico. Nesse sentido, ressalta que:

    [...] Com experincia e cultura estamos num ponto de juno de outro

    tipo. As pessoas no experimentam suas experincias apenas como

    idias ou como instinto proletrio. Elas tambm experimentam suas

    experincias com sentimento e lidam com esses sentimentos na

    cultura, como normas, obrigaes familiares e de parentesco, e

    reciprocidades, como valores ou (atravs de formas mais elaboradas)

    na arte ou nas convices religiosas. Essa metade da cultura (e uma

    metade completa) pode ser descrita como conscincia afetiva e

    moral. (THOMPSON, 1981, p. 189)

    Diante do exposto, observa-se que Thompson (1981) no pensa cultura como um

    componente da superestrutura e mero reflexo do nvel econmico. Muito menos numa

    perspectiva de passividade das classes populares, supostamente, presas as armadilhas da

    ideologia dos dominantes. Cultura, em Thompson, algo dinmico. Cultura como

    resistncia. Sendo assim, ele analisa o conceito de cultura popular no contexto da

    Europa do sculo XVIII, fazendo algumas crticas, sobretudo, ao tratamento universal e

    ultraconsensual dado a essa temtica. Thompson define cultura prximo do sentido

    atribudo ao costume, no sculo XVIII.

    Para Thompson (1981), como as classes populares no tinham acesso educao

    escolarizada formal, restavam-lhes usar da tradio oral para a transmisso das

    experincias e sabedorias comuns. Essa cultura popular paradoxal, caracterstica

    daquele sculo XVIII europeu, uma vez que tradicional e rebelde. tradicional porque

    vai buscar os costumes dos tempos do paternalismo. Porm, rebelde na forma como

    vai ser utilizada, naquilo que Thompson chama de economia moral em oposio

    economia de mercado.

    Uma segunda pontuao se refere noo universal de cultura, criticada pelo

    historiador ingls. Geralmente, cultura popular tem sido definida como um sistema

    de atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas simblicas

    (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados. (BURKE apud

    THOMPSON, 1991, p. 17). Thompson, porm, afirma que uma cultura tambm um

    conjunto de diferentes recursos, em que h sempre uma troca entre o escrito e o oral, o

  • dominante e o subordinado, a aldeia e a metrpole; uma arena de elementos

    conflitivos... (THOMPSON, 1991, p. 17). Dessa forma, pensar cultura de forma

    consensual algo inconcebvel em um historiador marxista. O conflito de classe no

    plano cultural uma grande contribuio thompsoniana aos historiadores.

    Outra pontuao necessria a ser feita com relao ao contexto especfico para

    operacionalizarmos o conceito de cultura popular. Mais uma vez, contrariando a

    universalizao do conceito, Thompson nos adverte da necessidade de contextualizar.

    Assim, cultura em Thompson, no se descola das relaes de poder entre as classes

    sociais. Por meio dela a classe operria constri sua conscincia e sua identidade em

    relao aos dominantes, resistindo ou negociando, mas sempre procurando tirar proveito

    do jogo do poder. Dessa forma, ocorre que os de baixo tm viso prpria de mundo,

    so homens e mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em sua

    escolha alegam evidncias racionais e interrogam seus prprios valores por meios

    racionais. (THOMPSON, 1981, p.194).

    Eco e Sebeok (2004), no livro intitulado o Signo de trs, no pretendem

    confrontar as diferentes abordagem que circundam o mtodo cientifico, mas apresentam

    alguns mtodos, ao tempo que permiti-nos que possamos avaliar e assim, utilizar cada

    mtodo de acordo com os nossos prprios interesses. Na viso dos autores

    anteriormente abordados coexistem trs tipos cannicos de raciocnio cientfico quais

    sejam: deduo, induo e abduo.

    Para Eco e Sebeok (2004), a deduo depende de nossa confiana em nossa

    habilidade de analisar o significado dos signos nos ou pelo menos quais pensamos; j a

    induo depende da nossa confiana em que o curso de algum tipo de experincia no

    ser mudado ou interrompido sem qualquer indicao que anteceda a interrupo; no

    que se refere abduo pode-se dizer que depende de nossa esperana de, cedo ou

    tarde, supor as condies sob as quis um dado tipo de fenmeno se apresentar.

    Diante do exposto, pode-se entender que, uma abduo nos permite formular um

    prognstico geral, mas sem garantia de um resultado bem sucedido; ao mesmo tempo, a

    abduo, enquanto um mtodo de prognosticao oferece a nica esperana possvel de

    regular racionalmente nossa conduta futura.

    Sherlock apud Eco e Sebeok (2004), centraliza sua preocupao na verificao

    emprica das conjunturas. Para este autor, a verificao emprica das conjecturas, um

    ponto central de sua abordagem bsica. A nfase que ele d induo tem na base certo

  • temor de um deslocamento conceitual do mundo real dos fenmenos obsevveis. Para

    Sherlock apud Eco e Sebeok (2004):

    [...] um erro argumentar antecipadamente aos dados. Pois voc se v,

    inconscientemente, distorcendo-os para adequ-los a suas teorias. [...]

    um erro capital teorizar antes que se tenham todas as evidncias. Ou

    seja, um erro capital teorizar frente dos fatos. (p. 68)

    Nota-se que o autor, ora citado, insiste sobre a absoluta necessidade de fatos

    observveis. Porm importante adotar hipteses ou intuies ainda que provisrias,

    acerca do fenmeno estudado. At porque, os fatos devem sempre ser questionados

    porque se deve sempre testar tudo.

    2. DESENVOLVIMENTO

    2.1. ANLISE DO PENSAMENTO CIENTFICO-METODOLGICO: DE

    TOMPSON A ECO E SEBEOK

    Tomando como referncia Kosik (1995), parte-se do entendimento de que a

    histria, na perspectiva marxista, a histria do mundo real: Mundo real o mundo da

    prxis humana. a compreenso da realidade humano-social como unidade de

    produo e produto, de sujeito e objeto, de gnese e estrutura. O mundo real o mundo

    em que as coisas, as relaes e os significados so considerados como produtos do

    homem social, e o prprio homem se revela como sujeito real do mundo social (KOSIK,

    1995).

    Por sua vez, o mesmo autor esclarece que totalidade no significa todos os fatos,

    mas significa realidade como um todo estruturado, dialtico, no qual ou do qual um

    fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente

    compreendido (KOSIK, 1995).

    Levando em conta o princpio da totalidade e historicidade de todo fenmeno

    social, pode-se dizer que, para Thompson, entender um processo histrico buscar, por

    meio das evidncias histricas, apreender como homens e mulheres agem e pensam

    dentro de determinadas condies: Estamos falando de homens e mulheres, em sua

    vida material, em suas relaes determinadas, em sua experincia dessas relaes, e em

    sua autoconscincia dessa experincia. Por relaes determinadas indicamos relaes

  • estruturadas em termos de classe, dentro de formaes sociais particulares

    (THOMPSON, 1981, p. 111).

    Para esse autor, entender a experincia na vida de homens e mulheres reais

    compreender o dilogo existente entre ser social e conscincia social. Thompson (1981)

    advoga que por meio da categoria experincia que se compreende a resposta mental e

    emocional, seja de um indivduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-

    relacionados ou a muitas repeties do mesmo tipo de acontecimento.

    Nota-se que tanto Thompson quanto Eco e Sebeok acreditam que pela

    experincia que homens e mulheres definem e redefinem suas prticas e pensamentos.

    Sendo assim, as consideraes lgicas (essencialmente dedutivas) e empricas

    (essencialmente indutivas) esto em constante interrelao. Porque, o emprico restringe

    o terico. Porm, os eventos empricos devem ser interpretados em termos de

    consideraes tericas estabelecidas.

    Nesse entendimento acredita-se que tanto Thompson quanto Eco e Sebeok

    acreditam que a categoria experincia permite sair da armadilha do estruturalismo

    althusseriano que desconsidera o papel dos sujeitos na histria e tende a reduzir todos os

    acontecimentos sociais ao econmico. A noo de experincia torna-se, portanto, chave

    para superar a contradio entre determinao e agir. Permite, nesse sentido,

    compreender homens e mulheres como sujeitos:

    [...] no como sujeitos autnomos, indivduos livres, mas como

    pessoas que experimentam suas situaes e relaes produtivas

    determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e

    em seguida tratam essa experincia em sua conscincia e sua cultura

    (...) e em seguida (...) agem, por sua vez, sobre sua situao

    determinada (THOMPSON, 1981, p. 182).

    Porm, verifica-se que Thompson reconhece que a experincia vivida, alm de

    pensada tambm sentida pelos sujeitos. Conforme ele mesmo afirma:

    [...] As pessoas no experimentam sua prpria experincia apenas

    como idias, no mbito do pensamento e de seus procedimentos (...).

    Elas tambm experimentam sua experincia como sentimento e lidam

    com esse sentimento na cultura, como normas, obrigaes familiares e

    de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (atravs de formas

  • mais elaboradas) na arte ou nas convices Religiosas. (THOMPSON,

    1981, p. 186).

    importante destacar que Thompson (1981), recusa a perspectiva althusseriana

    de tratar a experincia e a cultura apenas no terreno ideolgico. Discorda de que os

    valores, como expresses culturais, sejam simplesmente impostos pelo Estado, atravs

    de seus aparelhos ideolgicos. O que isso, no significa negar que os valores

    encontram-se perpassados pela ideologia dominante, mas afirmar o carter contraditrio

    das necessidades materiais e culturais. E mais uma vez, a categoria experincia se

    impe como necessria para ajudar a evidenciar a capacidade de homens e mulheres

    romperem com condies impostas.

    Nesse sentido, importante a distino feita por Thompson (1981) entre

    experincia I experincia vivida e experincia percebida. A experincia percebida

    seria a conscincia social. Nos termos definidos por Marx. A experincia vivida seria

    aquela resultante das experincias vivenciadas na realidade concreta e que se choca com

    a experincia percebida

    Significa dizer que a vivncia da experincia no reproduz obrigatoriamente a

    ideologia dominante; ao contrrio, a experincia pode levar a rever prticas, valores e

    normas e, ao mesmo tempo, pode ajudar a constituir identidades de classe, de gnero, de

    gerao, de etnias (Moraes e Mller, 2003, p. 13).

    Evidencia-se que para Thompson (1981), deve-se levar a srio a autonomia dos

    eventos sociais e culturais, os quais, entretanto, so causalmente condicionados por

    eventos econmicos. Deve-se considerar que eventos econmicos so tambm eventos

    humanos, que, por sua vez, encontram-se entrelaados com eventos sociais e culturais.

    Conforme Thompson (1981), no curso real das anlises histricas ou

    sociolgicas (bem como polticas) de grande importncia lembrar que os fenmenos

    sociais e culturais no correm atrs do econmico.

    ainda pertinente lembrar que esses fenmenos s adquirem sentido a partir da

    experincia de homens e mulheres reais. Portanto, na anlise de Thompson os

    fenmenos sociais e culturais ganham relevncia e deixam de ser pensados apenas como

    reflexo imediato da vida. Analis-los significa, por meio das evidncias, investigar suas

    particularidades e, ao mesmo tempo, perceber como se expressam em condies

    materiais constitudas historicamente.

  • Assim, os prprios valores de uma sociedade so percebidos fazendo parte desse

    nexo relacional e principalmente como resultado das experincias humanas:

    Os valores no so pensados, nem chamados; so vividos, e surgem dentro

    do mesmo vnculo com a vida material e as relaes materiais em que surgem nossas

    ideias. So as normas, regras, expectativas etc. necessrias e aprendidas (e aprendidas

    no sentimento) no habitus de viver; e aprendidas, em primeiro lugar, na famlia, no

    trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social no poderia ser

    mantida e toda produo cessaria (THOMPSON, 1981, P. 194).

    Ressalta-se que evidente a preocupao metodolgica dos autores hora

    destacados (Thompson; Eco e Sebeok), pois, segundo eles, para ter validade, uma

    pesquisa histrica, necessrio que toda categoria terica deva ser considerada

    histrica. Nota-se, portanto, a importncia da processualidade histrica a ser

    contemplada no mtodo.

    importante perceber, dentro do fenmeno estudado, a relao dialtica entre

    sujeito e objeto no processo de construo de conhecimento. Assim, rejeita-se, a

    concepo positivista de histria que v na descrio emprica dos fatos o conhecimento

    objetivo, de acordo com a realidade, sendo o conhecimento resultado da contemplao

    passiva do sujeito sobre o objeto e, portanto, sua cpia, seu reflexo, pois os fatos no

    falam por si mesmos, mas por meio de procedimentos tericos, at porque, o objeto real

    epistemologicamente inerte: isto , no se podem impor ou revelar ao conhecimento:

    tudo isso se processa no pensamento e seus procedimentos. Mas isto no significa que

    seja inerte de outras maneiras: no precisa, de modo algum, ser sociolgica ou

    ideologicamente inerte.

    O fato de o objeto real ser epistemologicamente inerte no impede que seja uma

    parte determinante na relao sujeito-objeto.

    Portanto, deve-se entender que entre sujeito e objeto existe uma interao

    dialtica no processo de construo do conhecimento.

    . Nesse sentido, importante salientar que para os autores acima explicitados, as

    categorias tericas devem ser utilizadas como meios heursticos no processo de

    conhecimento e no como verdades acabadas e eternas. Ou seja, considera que as

    prprias categorias como produtos histricos so tambm provisrias e sujeitas a

    modificaes no decorrer do tempo, pois, medida que o mundo se modifica, deve-se

    aprender a modificar nossa linguagem e nossos termos. Tudo deve ser repensado mais

    uma vez, todo termo deve submeter-se a novos exames.

  • Diante do exposto entende-se que a teoria no pode ser tratada como um sistema

    fechado, no qual a realidade histrico-social deve ser enquadrada. Ao contrrio, a teoria,

    por meio dos procedimentos metodolgicos adequados, deve estar em permanente

    dilogo com a realidade. Esse processo de investigao possvel por meio do mtodo

    da lgica histrica.

    Por lgica histrica entende-se:

    [...] um mtodo de investigao adequado a materiais histricos,

    destinado, na medida do possvel, a testar hipteses quanto estrutura,

    causao, etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores

    (instncias, ilustraes). O discurso histrico disciplinado da prova

    consiste num dilogo entre conceito e evidncia, um dilogo

    conduzido por hipteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa

    emprica, do outro (THOMPSON, 1981, p. 49).

    Claro que os fatos e as evidncias no se manifestam por si mesmos, mas que

    devem ser interrogados pela teoria: A evidncia histrica existe, em sua forma

    primria, no para revelar seu prprio significado, mas para ser interrogada por mentes

    treinadas numa disciplina de desconfiana atenta. (THOMPSON, 1981, p. 38).

    Segue-se dessas proposies que a relao entre o conhecimento histrico e seu

    objeto no pode ser compreendida em quaisquer termos que suponham ser um deles

    funo (inferncia de revelao, abstrao, atribuio ou ilustrao) do outro. A

    interrogao e a resposta so mutuamente determinantes, e a relao s pode ser

    compreendida como um dilogo.

    A objetividade do conhecimento existe, ela possvel por meio do dilogo entre

    conceito e evidncia. Dilogo mantido por sucessivas hipteses que fazem a

    interlocuo com a pesquisa emprica. Desse processo surge o conhecimento, cujo

    discurso de demonstrao a lgica histrica. Afinal, a teoria no se esgota na prpria

    teoria, nem as evidncias encontram-se submetidas a regras histricas. O dilogo

    existente entre teoria e evidncia exige que os conceitos e regras histricas sejam

    dotados de extrema elasticidade.

    Nesses termos, as teorias e suas categorias so elas tambm histricas, portanto,

    sujeitas a se modificarem como resultado da relao dialtica que estabelece com as

    evidncias.

  • Assim, conforme Eco e Sebeok (2004), o conhecimento histrico deve implicar,

    sempre, na observao dos fatos no tempo. Um momento histrico sempre resultante,

    de processos anteriores, mas isso no aprisiona o investigador ao passado, ao contrrio,

    pode auxili-lo na compreenso do presente. Para esses autores, os eventos empricos

    devem ser interpretados em termos de consideraes tericas estabelecidas. Assim,

    quando um fato parece se opor a uma extensa cadeia de dedues, isso prova,

    invariavelmente, que capaz de comportar alguma outra interpretao. Visto que,

    acredita-se que todas as aes humanas deixam algum trao, a partir do qual o, o

    investigador atento pode deduzir informaes.

    J em Thompson existe a recusa de tratar a totalidade conceitual presente no

    materialismo histrico como uma verdade terica acabada ou como um modelo

    fictcio. Para ele trata-se de um conhecimento em desenvolvimento, muito embora

    provisrio e aproximado, com muitos silncios e impurezas. (Thompson, 1981, p. 61).

    Nesse sentido, para Thompson, um dos erros cometidos por muitos

    pesquisadores tratar a teoria como verdade suprema, inquestionvel, utilizar categorias

    e conceitos de forma rgida; um mtodo em que a realidade ignorada como processo

    histrico, devendo apenas encaixar-se nos esquemas tericos.

    Cabe saber que medida que a realidade histrico-social torna-se um objeto

    passivo no processo de conhecimento, aguardando ser integrada pela teoria, a histria

    torna-se uma histria sem sujeitos, uma vez que os indivduos tambm so convidados a

    se acomodar em esquemas tericos acabados.

    Portanto, importante o pesquisador entender que as categorias tericas, embora

    imprescindveis no processo de construo do conhecimento cientfico, devem estar em

    permanente dilogo com a realidade. S assim so capazes de ajudar a compreender as

    mudanas em curso em determinada realidade histrico-social. Isso significa, na

    perspectiva desse autor, entender a realidade social em seu movimento e complexidade,

    na qual, sob condies determinadas, homens e mulheres constituem-se como sujeitos.

    2.2. O PAPEL DA OBSERVAO NA PESQUISA HISTRICA

    Parte-se do entendimento de que a observao uma tcnica muito flexvel e

    abrangente, na medida em que permite ao observador recolher uma diversidade de

    informaes acerca de vrios sujeitos e ocorrncias que acontecem numa aula. Estas

    circunstncias deveriam fazer com que a observao fosse cuidadosamente estruturada e

  • planeada, permitindo ao observador a recolha de evidncias significativas que

    garantissem a qualidade da sua anlise e interpretao.

    O observador um sujeito ativo que faz parte integrante do processo de

    observao, pois influi e influenciado pelas caractersticas do meio onde se move.

    Nesta condio, este se encontra exposto ao erro, como qualquer outro instrumento de

    observao, que poder estar associado a uma perturbao da percepo, que pode

    assumir as seguintes formas: o efeito de halo (generalizao) e/ou erro de generosidade.

    A fragilidade e as limitaes dos instrumentos de observao, dada

    impossibilidade de contemplar a amplitude e complexidade do fenmeno estudado (o

    sujeito no consegue observar tudo e todos!), reclama uma escolha criteriosa das

    variveis a analisar. Quer a recolha de dados quer a sua interpretao devem fazer-se de

    forma seletiva, segundo uma hierarquia de categorias e indicadores que permitem uma

    diferenciao, entre os pressupostos da performance que se revelam essenciais e aqueles

    que so acessrios.

    Tm-se multiplicado as tentativas de construo de metodologias que

    possibilitem uma observao mais fidedigna, diminuindo assim a fragilidade dos

    instrumentos utilizados. A formulao de etapas processuais, no mais do que a

    tentativa de sistematizao deste processo.

    Na viso de Eco e Sebeok (2004), afirmam que as premissias e concluses

    intermedirias podem estar encobertas por observaes adequadas ao invs de ser parte

    do conhecimento de fundo do sujeito. Contudo, o interessante que isso no altera

    essencialmente o conhecimento, pois, as observaes efetivamente feitas devem ser

    escolhidas entre um grande nmero de observaes possveis, na mesma extenso que

    as premissas efetivamente utilizadas so colhidas de um rico conjunto de informaes

    colaterais. Nesse sentido, podemos tentar entender essa escolha de observaes e o

    restante de seu papel no estabelecimento de certas concluses pensando-as como

    respostas a perguntas colocadas natureza.

    3. CONSIDERAES FINAIS

    De acordo com o que foi aqui explicitado, pode-se dizer que este trabalho

    possibilitou um resgate das contribuies terico-metodolgicas dos estudos de

    Thompson (1981), e Eco e Sebeok (2004), estudos que podem ser teis para a anlise

    da realidade histrico-social.

  • Ficou evidenciado que, sem abandonar os princpios ontolgicos de Marx,

    Thompson procurou romper e superar um marxismo dogmtico e determinista. Props

    como historiador e pesquisador colocarem-se em permanente dilogo com Marx, de

    modo a permanecer fiel ao prprio legado desse autor, ou seja, a perspectiva de anlise

    da condio histrica da realidade e, portanto, sujeita a mudanas. Para Thompson

    (1981), assim como para e Eco e Sebeok (2004), os fenmenos sociais so

    caracterizados pela historicidade, da mesma forma devem ser tratadas as categorias

    tericas.

    E nesse sentido proposta a utilizao da categoria experincia para a anlise da

    realidade histrico-social. Para ele, por meio dessa categoria, pode-se perceber o

    dilogo entre ser social e conscincia social. Atravs da experincia existe a

    possibilidade de perceber um determinado objeto a ser estudado em seu movimento e

    no como algo inerte, passivo, esperando para ser desbravado por alguma teoria.

    Da mesma forma, as categorias so revistas, reformuladas quando se colocam

    em dilogo com as evidncias. A categoria experincia permite ainda, perceber o

    entrelaamento de fatores econmicos, sociais e culturais, desviando-se, portanto, de

    uma anlise determinista e mecnica.

    Em Thompson, o estudo da cultura reveste-se de suas particularidades e no

    tratado apenas como reflexo passivo do econmico. Vale ainda considerar que

    Thompson, num desafio de recuperar o papel dos sujeitos na histria, no se cansa de

    dizer que se trata da experincia de homens e mulheres reais, em contextos

    determinados material e culturalmente.

    A partir da experincia que se vivencia no dia a dia, podem reproduzir prticas,

    pensamentos e sentimentos dominantes, como tambm alter-los, dar-lhes novo

    significado e mesmo transform-los.

    Outro ponto que tambm merece destaque numa pesquisa refere-se a hiptese,

    pois segundo Eco e Sebeok (2004), uma hiptese terica arrojada pode acionar uma

    frtil pesquisa.

    Considerando essa perspectiva, conclui-se que Thompson (1981), e Eco e

    Sebeok (2004), contribuem para a anlise das pesquisas histricas na atualidade,

    especialmente por indicar um caminho metodolgico complexo e estimulante. O que

    pressupe o exerccio como pesquisador (a) de se colocar em constante dilogo com o

    objeto a ser investigado. Alm disso, pode-se estudar o fenmeno a ser investigado na

  • sua relao com o todo social estruturado que a realidade, mas tambm nas suas

    particularidades, redefinindo e reafirmando os pressupostos tericos.

    4. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    ECO, Umberto e SEBEOK, Thomas A. O signo de trs. So Paulo: Perspectiva, 2004.

    KOSIK, Karel. Dialtica do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

    MORAES, Maria Clia Marcondes de; MLLER, Ricardo Gaspar. Tempos em que a

    razo deve ranger os dentes: E.P. Thompson, histria e sociologia. In.: XI

    Congresso Brasileiro de Sociologia/SBS.Campinas: Unicamp, 2003.

    THOMPSON, Edward P. A misria da teoria ou um planetrio de erros. Rio de

    Janeiro: Zahar, 1981.