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Diário de obra: um mês na vida de uma arquiteta (sample)

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Amostra com 22 páginas do livro "Diário de obra: um mês na vida de uma arquiteta", da autora Alê Motta.

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Fale com a autora: [email protected]: Vinicius Amaro

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Mot917 Motta, Alê Diário de Obra: um mês na vida de uma arquiteta / Alê Motta. - 1. Ed. - Rio de Janeiro: Jaguatirica Digital, 2012. 1 v. ; 14x21cm. - ISBN 978-85-912314-5-4 (broch.) 1. Literatura infanto-juvenil brasileira. I. Título.

CDD 808.899282

Bibliotecária Responsável: Amanda Araujo de Souza Carvalho CRB 7/6351

Rua da Quitanda, 86, 2o andar - CentroRio de Janeiro - RJ - CEP 20.091-902

Tel.(21) 3185-5132

Email: [email protected]: www.jaguatiricadigital.com

Twitter: twitter.com/jaguatiricadigitalFacebook: facebook.com/jaguatiricadigital

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“Para os meninos da minha vidaAlberto, Calebe, Fernando e Marecil”

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DIÁRIO DE OBRA OU MANUAL DE AUTOAJUDA PARA AQUELES QUE AS

ENFRENTAM

Conheci Alê Motta durante o período em que ela foi responsável por uma obra em meu apartamento no Rio de Janeiro. Os trabalhos atrasaram bem menos do que eu esperava e percebi, ao longo do tempo, que parte do segredo dela era a boa relação que ela estabelecia com seus empregados (os famosos peões).

Durante aqueles meses, fui conhecendo um pouco da mulher, por trás da autora que o leitor ora tem em mãos, e constatei que seu bom humor era a chave para seu sucesso. Alê conseguia manter-se bem humorada mesmo no meio da maior catástrofe, quando todos pareciam se desesperar.

Os problemas da relação construtor/contratante, como todos sabem, já acontecem há muito mais tempo do que poderíamos supor. Acho mesmo que, na pré-história da humanidade, alguém já brigava com seu construtor sobre a reforma na caverna que não saíra conforme o combinado ou não respeitara o prazo estabelecido.

Agora, com Diário de Obra - um mês na vida de uma

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arquiteta, o leitor pode finalmente conhecer o outro lado da moeda. Com uma linguagem simples e bem humorada (sua marca registrada) Alê passeia pelas mazelas e agruras de uma arquiteta tentando levar a cabo suas diversas atividades. É uma leitura fácil, rápida e extremamente divertida. Alê mergulha no universo por trás dos panos e nos leva numa visita ao mundo das coxias das obras, do comportamento dos peões a seu linguajar característico, mostrando a dureza da vida de uma mulher que, além de profissional, tem que dar conta de inúmeras tarefas.

Ao terminar de ler “Diário de Obra” acho que finalmente entendi a razão e a origem de uma antiga maldição hispânica, usada nos momentos de extrema fúria: Deus te dê uma obra! Mas isso é uma coisa da qual não podemos fugir e que, mais cedo ou mais tarde, acontecerá em nossas existências, então sugiro que o livro de Alê Motta, além de diversão, seja utilizado como um manual de autoajuda para aqueles que acreditam que, no caso das obras, não há luz no fim do túnel. É sempre produtivo olhar para o outro lado da moeda, acreditem! E divirtam-se, pois o relato de Alê não pretende outra coisa.

Miguel Falabella, ator e diretor

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“Arquitetar uma boa história literária é um dom, uma benção, um exercício, uma vocação. Eu vejo esse dom na Alê Motta, que sabe entrar nos canteiros da nossa imaginação.

Então, espero que esta seja a primeira de muitas obras da Alê e que os leitores tenham cada vez mais vontade de morar em cada uma das suas páginas.”

Márcio Vassallo, jornalista e escritor.

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CAPÍTULO 1

Rio, segunda-feira, dia 02, muito sol e calor

O trânsito – um horror

O humor – como o trânsito

Tarefas do dia – uma lista sem fim

Cinquenta e sete minutos. Nenhuma chance do engarrafamento acabar e meu carro entrar no túnel.

Tentei prestar atenção às notícias do rádio, mas encarar o engarrafamento interminável e ouvir o locutor detalhar que o trânsito de toda a cidade estava péssimo não ajudou muito.

Pensei que começaria a ter algum problema irreversível na minha visão (de tanto olhar para a entrada do túnel) ou uma alteração mental (desespero que me fizesse gritar e pular na pista de asfalto quente).

Música. Quem sabe pode ser a solução?

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Mudei a estação do rádio (quatro vezes) e pude concluir, ou melhor, pude afirmar que Michel Teló me persegue. Não suporto mais o “Ai se eu te pego”. Socorro, alguém tenha piedade dos meus ouvidos e salve-me do que provavelmente virou o hit das manhãs caóticas de segunda-feira.

Coloquei o cd, o ambiente mudou, comecei a sorrir como nenhum outro motorista sorria na intragável fila pré-túnel: punk-rock de nível, altura máxima para desanuviar a mente.

O sol envolveu meu corpo inteiro e decidi cantar alucinadamente, encarando a música pesada como remédio ideal para esquecer as dificuldades: pernas dormentes e rosto incendiando.

O celular tocava, o sol incomodava, o nextel tocava, meu mestre de obras estava atrasado, o engenheiro estava atrasado, os estagiários estavam atrasados, os peões eu nem arriscava perguntar. O Flamengo perdeu, eles vão atrasar muito ou nem vão aparecer na obra.

“Posso fazer o solo da guitarra com a voz para acalmar?”

O tempo correndo e os problemas se amontoando. Novos problemas apareciam e a vontade de não atender o nextel e o celular era tão intensa quanto a vontade de bater no Michel Teló.

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Assim que o mestre de obras, o engenheiro e os estagiários chegarem às obras, vai ser tenso. Quando eu chegar então...

Parte 2

(Manhã inteira no engarrafamento, 39 graus e paciência virou um raro/precioso tesouro escondido. Onde ele está, eu não faço ideia).

Meu mestre de obras foi rápido descrevendo a matemática do dia: Oito peões faltaram. Amanhã as tristezas serão contadas, vamos olhar com cara de nada* para os oito.

*Cara de nada é aquela cara que fazemos quando definitivamente nada pode ser feito, nem pelo Lula, nem pela Dilma ou mesmo pelo poderoso Obama. É aquela cara que fazemos quando entregamos a situação para Deus: o único capaz.

Problemas por todo lado e a metade do dia se foi.

Pergunta que não me responderam

Eu e meu mestre de obras ao lado de um barulhento martelete em ação:

- Fez besteira? Mas ele não tinha feito este serviço no cliente Q e no cliente W? – Perguntei surpresa

- No Q, no W e no K.

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- Pois é, tinha esquecido do K. Ficou tão bom nos três lugares, serviço perfeito.

- Hmm (grunhido inexprimível do mestre de obras)

- Fez tantas vezes e tão bem, como esse peão foi errar agora?

- Hmm (grunhido inexprimível e irritante do mestre de obras)

- Como?

Diálogo encerrado. Talvez o calor afete suas respostas.

Momento lute pelo que é seu

Ligação telefônica feita por mim ao financeiro de um dos meus clientes, após o clamor do meu engenheiro que não aguenta mais pedir, solicitar e está prestes a cair no soco com o cara. Não sendo a favor da violência, entrei em ação:

- Meu engenheiro conferiu, o depósito não foi feito. Pode priorizar esse pagamento para mim, por favor?

- Semana retrasada não é? Dia 23, está a data da parcela aqui sim...

“Claro que está, essa é a nona parcela, o valor é igual,

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sempre de 15 em 15 dias, nada novo”

Resolvi ser educada:

- Então, é o que estou falando. O depósito não foi feito.

- Ah... (Ah de quem descobriu a fórmula do não–envelhecimento) Pode conferir se não entrou na sua conta?

- Então, nós já conferimos, não entrou.

“Eu não estaria reclamando se os pagamentos estivessem em dia, estou lotada de tarefas”

- Ah... (Ah de quem descobriu o amor da sua vida) Tem certeza?

- Sim. Pode acelerar isso?

- Claro... (Claro com a mesma entonação do Ah, muito batido para a continuidade do diálogo-apelo-ao-que-é-meu-de-direito) Me passa seus dados?

- É a mesma conta de sempre.

- Ah... (voltou o Ah dos descobridores) Mas pode enviar por email?

- Envio sim e dito agora para você.

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- Não é preciso ditar, me manda por email.

- Ok. (meu Ok de desânimo)

“Vou mandar o email agora e ainda assim aposto mais uns três dias de atraso...”

O dia teve muitas outras emoções, mas vou parar por aqui.

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CAPÍTULO 2

Rio, terça-feira, dia 03, quente-demais-da-conta, 35 graus e ainda nem são nove da manhã

O trânsito – nada maravilhoso na cidade maravilhosa.

O humor – melhor nem comentar, ainda é terça, início de semana, vou

tentar não acumular estresse.

Tarefas do dia – impossível dar conta

Na primeira obra cheguei antes do mestre de obras, que estava atrasado trocando o pneu furado do carro (décimo terceiro pneu em 10 meses). “Coitado, seu trajeto é recheado de pregos e alfinetes tenebrosos que perseguem os pneus do seu carro. Muito triste.”

Quando no Rio de Janeiro não existia o helicóptero

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que fornece a situação real do trânsito, nem a internet mostrando tudo o que acontece na cidade, (o prédio que pega fogo, a piriguete que... Esquece...) o trajeto do meu mestre de obras era cheio de acidentes e engarrafamentos. Agora são os pregos e alfinetes tenebrosos.

A minha ideia era adiantar com ele um montão de tarefas, mas quem tem poder contra pregos e alfinetes tenebrosos? Vou embora para a segunda obra e o trânsito continua lindo.

Na segunda obra o estagiário passa alguns detalhes, tudo vai bem e na metade do relatório que ele faz (se sentindo o Lula no palanque) eu não ouço nada do que é dito, porque me incomodo com o peão pendurado no telhado, com o cinto desamarrado:

- Pescocinho! - Berro para ele (o peão, não o estagiário) - Ele sorri seu sorriso sem muitos dentes e estica seu pescoço nada discreto.

- Fala, doutora.

- Pescocinho, coloca o cinto.

- Eu tô com o cinto.

- Está com o cinto na cintura e ele não está preso a lugar algum.

O sorriso do Pescocinho transforma-se em

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segundos:

- Doutora, não dá para trabalhar tão amarrado assim.

“Não, realmente, tão amarrado é tudo o que você não está, você está nada amarrado”

- Pescocinho, sua vida é o mais importante. Amarra o cinto. Se você morrer como fica sua esposa?

- Doutora... O pior não é morrer, o pior é ficar aleijado e virar corno.

Com uma frase dessas eu fico sem argumentação.

No meio da tarde minha sobrinha de dezoito anos (um metro e setenta, olhos azuis, cabelos encaracolados loiros e andar de modelo) encontrou comigo trazendo uns documentos do meu irmão.

Ela encontrou comigo na terceira obra do dia.

A terceira obra estava com os serviços adiantados.

Serviços adiantados até minha sobrinha passar por lá e ficar dois minutos.

Atenção - Magia das loiras altas:

Os peões babam;

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as paredes não sobem;

a massa não fica pronta;

a pastilha não é colocada;

as placas de piso não vão para seu lugar no chão.

Nunca achei solução para o caso.

Fazer o quê, magia consegue ser pior que pregos e alfinetes tenebrosos!

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CAPÍTULO 3

Quarta-feira abafada, dia 04, três reuniões.

O trânsito – infernal

O humor – abraçando tentativas

Tarefas do dia – número interminável

Reuniões

A primeira reunião do dia é a que termina me presenteando com: dor de cabeça, mal estar, desconfiança da existência de algum vírus no meu corpo e finalmente, a certeza de que envelheci uns três anos em três horas.

Tive de explicar para meu cliente que o valor da obra estava fechado e sim, eu tinha dado um grande desconto (dei desconto três vezes, se desse mais desconto podia virar pipoqueiro, não ia ter lucro

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nem pagaria salário a ninguém).

Não pense que isso tudo aconteceu no primeiro dia ou primeira semana da obra. Segundo mês, parcelas definidas, projeto aprovado.

Ufa, a vida pode ser complicada em meio a cimento e tijolos.

A segunda reunião do dia era com o meu mestre de obras, o meu engenheiro e quatro empreiteiros. Nenhum empreiteiro chegou na hora, metade dos assuntos da reunião ficou para a próxima reunião. A data da próxima reunião não ficou definida, claro.

A terceira reunião era com um cliente que queria um orçamento urgentíssimo:

Ele queria orçar a mudança de todo o piso da varanda.

Ele queria orçar a retirada do jardim.

Ele queria orçar um novo e prático portão para a garagem.

Ele queria orçar a troca total do telhado da casa.

Ele queria orçar a cozinha nova.

Ele queria orçar tudo.

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Ele queria fazer obra, mas não definiu nada da obra.

Ele queria iniciar a obra, mas não decidiu quando iniciar.

A reunião durou duas horas e meia e foi feita no fim do mundo.

Peguei todos os engarrafamentos da noite e cheguei em casa uma hora da manhã. Com fome, calor, cansaço e nenhuma definição do cliente.

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Impresso pela Singular Digitalna primavera de 2012

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