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107 O papel do dicionário no ensino e aprendizagem das línguas A C T A S D O I E I E L P O papel do dicionário no ensino e aprendizagem das línguas Ignacio Vázquez Universitat de Barcelona Gostaria de apresentar nas seguintes linhas o dicionário como elemento impor- tante – e sob a minha opinião indispensável – na aprendizagem de línguas. Fá-lo-ei nos seus dois aspectos mais importantes, na aprendizagem da língua ma- terna e na aprendizagem de uma língua estrangeira. No que diz respeito à aprendizagem da língua materna tem um duplo valor: o primeiro deles vem apoiado hoje pela Sociologia, o segundo contribui para que o aluno aprenda o uso do vocabulário. Os dois valores estão unidos indissociavelmente e respondem claramente à aquisição da língua materna dentro de parâmetros sociais mínimos considerados necessários para conviver numa dada sociedade. Um dos grandes problemas que apresenta hoje a educação nos nossos países é a falta de um critério claro quando não se considera que os aspectos formais da educa- ção são importantes. Mas, na realidade, sem forma não há fundo e se há mas não se sabe controlá-la é como se não houvesse. Não se trata do debate entre os conteúdos ou o aprender a aprender, mas de con- seguir uma cabeça bem pensante graças ao domínio das formas. Como afirma o já clássico pressuposto, sem linguagem não há pensamento. Trata-se, enfim, e utilizando terminologia pedagógica, de adquirir as “competências básicas” estabelecidas na Ley Orgánica de Educación (espanhola) [L.O.E.] de 2006: competência em comunicação linguística, competência para aprender a aprender, autonomia e iniciativa pessoal, aprender a tratar a informação, ter competência social e cidadã, competência no conhecimento de interacção com o mundo físico, competência artística e cultural e competência matemática.

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    O papel do dicionrio no ensino e aprendizagem das lnguas

    A C T A S D O I E I E L P

    O papel do dicionrio no ensino e aprendizagem das lnguas

    Ignacio VzquezUniversitat de Barcelona

    Gostaria de apresentar nas seguintes linhas o dicionrio como elemento impor-tante e sob a minha opinio indispensvel na aprendizagem de lnguas.

    F-lo-ei nos seus dois aspectos mais importantes, na aprendizagem da lngua ma-terna e na aprendizagem de uma lngua estrangeira.

    No que diz respeito aprendizagem da lngua materna tem um duplo valor:o primeiro deles vem apoiado hoje pela Sociologia,o segundo contribui para que o aluno aprenda o uso do vocabulrio.

    Os dois valores esto unidos indissociavelmente e respondem claramente aquisio da lngua materna dentro de parmetros sociais mnimos considerados necessrios para conviver numa dada sociedade.

    Um dos grandes problemas que apresenta hoje a educao nos nossos pases a falta de um critrio claro quando no se considera que os aspectos formais da educa-o so importantes. Mas, na realidade, sem forma no h fundo e se h mas no se sabe control-la como se no houvesse.

    No se trata do debate entre os contedos ou o aprender a aprender, mas de con-seguirumacabeabempensantegraasaodomniodasformas.Comoafirmao jclssicopressuposto,semlinguagemnohpensamento.Trata-se,enfim,eutilizandoterminologia pedaggica, de adquirir as competncias bsicas estabelecidas na Ley Orgnica de Educacin (espanhola) [L.O.E.] de 2006:

    competncia em comunicao lingustica,competncia para aprender a aprender,autonomia e iniciativa pessoal,aprender a tratar a informao,ter competncia social e cidad,competncia no conhecimento de interaco com o mundo fsico,competncia artstica e cultural ecompetncia matemtica.

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    Para conseguir esse estado aceitvel de indivduo bem pensante segundo as linhas sociais marcadas e eu acrescentaria tambm, segundo o senso comum e prtico a pessoa tem de comear desde uma idade precoce a utilizar elementos de consulta. Desde o incio da sua educao que o aluno deveria de mostrar curiosidade pelas coi-sas e ser ciente de que est a aprender tudo acerca do mundo em que vive. Se essa ca-pacidade no aparece de motu proprio pode ser fomentada pelo professor. Seja como for, o dicionrio a ferramenta ideal para aprender o procedimento da consulta. o primeiro professor que os alunos vo ter na longa etapa da aprendizagem. A consulta a procura de dados, de informao sobre qualquer assunto ou matria que os vai conformar como seres humanos pensantes.

    O uso desse livro normalmente alfabtico pode supor o descobrimento das estrat-gias adequadas para tirar as dvidas que se lhes apresentam, e para adquirir conscin-cia da necessidade de um uso responsvel da lngua.

    Torna-se necessrio, pois, que os alunos conheam as possibilidades que lhes

    oferece esta ferramenta de consulta. um instrumento imprescindvel para a apren-dizagem do lxico e da lngua em geral. Deveria estar presente em todas as aulas. Os programas actuais lembremos o Real Decreto de Mnimos da ESO (Real Decreto 3473/2000, de 29 de Dezembro) outorgam-lhe uma importncia especial juntamente com as novas tecnologias (a Internet). O conhecimento das informaes que oferecem os dicionrios e a sua utilizao proporcionam ao aluno um grau de autonomia muito elevado.

    Todo esse processo se baseia, fundamentalmente e de maneira inequvoca, na aquisio e no uso do lxico. Atravs dele que se forma a lngua e atravs dele que funciona toda a estrutura da lngua (gramtica e sintaxe).

    No que diz respeito aprendizagem e mesmo ao ensino de uma lngua es-trangeira, sabido que o dicionrio actualmente um instrumento essencial: nos primeiros tempos, quando o aprendiz est a conhecer a lngua; e quando j a conhece e precisa de aperfeioar a linguagem. Se a pessoa se dedica traduo, ento a im-portncia do dicionrio fundamental.

    Mas esta situao assim apenas no presente, desde h muito poucos anos. No incio, o dicionrio, esse livro por todos conhecido, servia basicamente para a descodificaodeumtextoescrito,umaobraaoserviodaliteratura.Noesquea-mos que antes de Saussure a lngua por excelncia era a escrita. A oral no se tinha em conta. Nesse aspecto, Bally j em 1925 criticava a tendncia anacrnica e pr-saussureanadeestudaralnguacomodefiniodenormaslingusticasaimitardosclssicos. Dizia Bally:

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    Valeria a pena mostrar a que excessos e a que erros conduziu esta falsa con-cepo. Em primeiro lugar, o fetichismo da lngua escrita, acompanhado evi-dentemente de um menosprezo soberano para a lngua falada, qualificada de reles, que no obstante a nica verdadeira, j que a nica original1

    a partir dessa altura que o dicionrio atinge a importncia que hoje tem em qualquer nvel da lngua. Surgem ento dicionrios de dvidas, de erros, de sinnimos e, sobre tudo, de uso, para alm dos histricos, normativos, monolingues, multilingues e bilingues j existentes. Estes ltimos, iniciadores verdadeiros h 4.000 anos da lexi-cografianaantigaSumria,soconstrudosagoraparaserviremnaaprendizagemdalngua B partindo da lngua A, e aperfeioam a tcnica da traduo.

    A aprendizagem e o ensino de vocabulrio foram durante anos os grandes esque-cidos em qualquer aula de lnguas estrangeiras. Erroneamente considerava-se que um enfoque meramente gramatical era prioritariamente necessrio, quando hoje sabemos que uma maior profundidade no conhecimento do vocabulrio facilita o processo de aprendizagemgramaticaleajudaoalunoaidentificarestruturasmaisfacilmente,queosalunosganhamconfianaquandoescrevemoulemsetmmaislxico.

    Aestruturaeanormaestavamporcimadacomunicaoque,emdefinitiva,ofimbsicodeumalngua.

    A falta de concordncia entre distintas disciplinas lingusticas no mbito da peda-gogiadovocabulrio,talcomoaausnciadeumametodologiaclaraparadefiniredelimitar a aquisio do mesmo contriburam para ignorar os dicionrios como fer-ramentas indispensveis na aprendizagem e ensino de lnguas estrangeiras.

    Se considerarmos que um estudante aprende vocabulrio com a leitura e v no dicionrio uma ferramenta de apoio, esse livro converte-se num ponto de referncia absolutamente necessrio no mbito educativo de uma segunda lngua.

    O lxico foi ignorado durante dcadas na sua aplicao didctica dado que os mtodos lingusticos que marcaram durante anos a investigao, o estudo e a metod-ologia da lngua (estruturalismo e generativismo) preferiram estudar a fontica e a gramtica porque o vocabulrio parece menos proclive a ser generalizado do que um sistema fechado como a fontica ou a gramtica2.

    Mas no s os novos mtodos didcticos, tambm os recentes estudos levados a caboeaexperinciadocentedeprofessoresdeL2levamaafirmaraimportnciadolxico no ensino e aprendizagem de uma lngua. Diz Laufer que o vocabulrio hoje

    1 Bally, Charles (1925), Le langage et la vie, Droz, Genve.2 Laufer, B. (1997), Whats in a word that makes it hard or easy: Some intralexical factors that affect the learning of words. en N. Schmitt y M. McCarthy (eds.) 1997: Vocabu-lary: Description, acquisition and pedagogy. Cambridge: Cambridge University Press. Cap-tulo 2.3.

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    reconhecido como o ponto central no processo da aquisio da lngua, nativa ou no nativa3.

    Quasetodososinvestigadoresconcordamemafirmaraimportnciadodicionriona aprendizagem de uma lngua e caberia dizer no seu aperfeioamento. juntamente com a gramtica um dos elementos imprescindveis nesse processo. Mas os investi-gadores assinalam nessa sequncia uma necessidade que afecta a um dos elementos fundamentais do ensino: o professor que no deve supor nenhum conhecimento no uso do dicionrio por parte do aluno, porque ainda que conhea a ordem alfabtica, odicionriotemumasriedecodificaes,abreviaturas,informaesqueprecisosaber para lhe tirar o mximo rendimento e, por isso, o docente tem de explicar ao aluno esses procedimentos. O professor tem de ensinar o aluno a manejar o dicionrio etemdelhemostrarasuautilidade.Nofim,utilizandocadadocenteomtodoqueachar adequado, como interpretar um dicionrio ajuda a melhorar o uso da lngua pelo aluno.

    Se as suas possibilidades so infinitas, destacam-se, porm, as seguintes comoprincipais:

    descodificaoescrita(leitura)codificaoescrita(escrita)descodificaooral(compreensooral)codificaooral(expressooral)descodificaodeL1(traduodeL2aL1)ecodificaodeL2(traduodeL1aL2).

    Leitura, escrita, compreenso, expresso, traduo... o dicionrio parece cobrir inmeras necessidades no processo da aprendizagem do aluno.

    Mas, para alm disso, o dicionrio um elemento divulgador de cultura, seja o dicionriomonolingue,sejaobilingue.JosefinaPradoAragons4 diz que o dicionrio no s uma obra lingustica, mas tambm um instrumento cultural que inclui in-formaoextra-lingustica(enciclopdica,etnogrfica,antropolgicaeideolgica)etransmiteedifundesocialmente,confirmadascomonormadeuso,palavrascominfor-mao sobre o mundo e sobre a cultura da comunidade que fala essa lngua. Essa in-formaoculturaleenciclopdicaapresenta-senodicionrio,porvezesnadefinio,mas fundamentalmente nos exemplos de uso nos quais se mostram contextualizados os modelos de uso da lngua. Quer dizer, a informao contida num dicionrio outro modo de explicar a cultura.

    Consideramos que apesar das possveis limitaes do dicionrio, este uma ex-celente ferramenta de trabalho e de consulta quer para professores, quer para alunos, tanto de uma lngua materna como de uma segunda lngua.

    3 Laufer, op. cit., p.140.4 PradoAragons,Josefina(2004),Elejemplolexicogrficocomoreferenteculturalen la enseanza del espaol como lengua extranjera en Prado Aragons y Galloso Camacho, Diccionario, lxico y cultura, Huelva, Universidad de Huelva (pgs. 157-173).

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