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Dieta e nutrição em câncer de próstata Homero Oliveira de Arruda Renato Tardelli Urologistas Numeração de páginas na revista impressa: 82 à 84 Carcinogênese é um processo com múltiplas etapas, que se processa durante décadas, caracterizada por alterações nas vias reguladoras da multiplicação celular, na morte celular programada (apoptose) e na sua diferenciação. A administração de determinada substância que possa reverter, inibir ou retardar esse processo de transformação maligna é conhecida como quimioprevenção. Representa uma intervenção promissora em reduzir a morbidade e mortalidade pelo câncer da próstata. Sabe-se que o câncer de próstata pode desenvolver-se 20 ou mais anos antes de se tornar clinicamente evidente e muitos permanecerão latentes durante a vida. Um grande desafio atual é detectar biomarcadores mais eficientes, que possam detectar ou predizer melhor dentro do polimorfismo genético, os grupos de pior risco ou que apresentarão doença mais agressiva. Assim, também, poder identificar o paciente que se pode beneficiar de medidas preventivas e o momento adequado de implementar a quimioprevenção. Há numerosos levantamentos que indicam a associação da alta ingestão de gordura, carne vermelha ou processada com câncer de próstata. Mas, trabalhos ainda são necessários para esclarecer se é a gordura, outros componentes da dieta gordurosa ou os efeitos da dieta gordurosa, como a obesidade, ou outros etiologicamente relevantes. Dois nutrientes estão sendo averiguados seriamente, o selênio e a vitamina E. Há consideráveis evidências que suportam o valor do selênio como apropriado para se prevenir do câncer e da progressão da neoplasia de alto grau (NIP) para câncer. Estudos controlados indicaram haver um impacto potencial na incidência e mortalidade. Quando aos retinóides, embora modelos sugerem ter um papel com propriedades de quimioprevenção, têm alta toxicidade, o que o torna inapropriado para intervenção preventiva. O único carotenóide que se mostra promissor é o licopeno. No entanto, ainda são necessários estudos clínicos bem desenhados para esclarecer essa associação. Há uma série de trabalhos que tentam explicar uma conexão do processo inflamatório com o desenvolvimento do câncer de próstata. Um deles é a indução da cicloxigenase-2 (COX-2), nos macrófagos e células epiteliais, com uma regulação na atividade proliferativa nas lesões atróficas. Drogas que inibem a síntese das prostaglandinas induzem a apoptose de células tumorais. Dentre esses há estudos em andamento com rofecoxib e com exisulind, esta não inibe a COX-2. Uma variedade de agentes está sendo estudada em trabalhos clínicos, fase 2 e 3. Esses, que ainda estão em andamento, são patrocinados pelo National Cancer Institute (NCI) e são conduzidos pelo The Southwest Oncology Group. O "Prostate Cancer Prevention Trial" recrutou 18.882 homens randomizados para receber finasteride ou placebo, e o "Selênio and Vitamin E Cancer Prevention Trial -

Dieta e Nutrição Em Câncer de Próstata

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Dieta e nutrição em câncer de próstata

Homero Oliveira de ArrudaRenato Tardelli

Urologistas

Numeração de páginas na revista impressa: 82 à 84

Carcinogênese é um processo com múltiplas etapas, que se processa durantedécadas, caracterizada por alterações nas vias reguladoras da multiplicaçãocelular, na morte celular programada (apoptose) e na sua diferenciação. Aadministração de determinada substância que possa reverter, inibir ou retardaresse processo de transformação maligna é conhecida como quimioprevenção.Representa uma intervenção promissora em reduzir a morbidade e mortalidade pelocâncer da próstata.

Sabe-se que o câncer de próstata pode desenvolver-se 20 ou mais anos antes dese tornar clinicamente evidente e muitos permanecerão latentes durante a vida.Um grande desafio atual é detectar biomarcadores mais eficientes, que possamdetectar ou predizer melhor dentro do polimorfismo genético, os grupos de piorrisco ou que apresentarão doença mais agressiva. Assim, também, poderidentificar o paciente que se pode beneficiar de medidas preventivas e o momentoadequado de implementar a quimioprevenção.

Há numerosos levantamentos que indicam a associação da alta ingestão degordura, carne vermelha ou processada com câncer de próstata. Mas, trabalhosainda são necessários para esclarecer se é a gordura, outros componentes dadieta gordurosa ou os efeitos da dieta gordurosa, como a obesidade, ou outrosetiologicamente relevantes.

Dois nutrientes estão sendo averiguados seriamente, o selênio e a vitamina E. Háconsideráveis evidências que suportam o valor do selênio como apropriado para seprevenir do câncer e da progressão da neoplasia de alto grau (NIP) para câncer.Estudos controlados indicaram haver um impacto potencial na incidência emortalidade. Quando aos retinóides, embora modelos sugerem ter um papel compropriedades de quimioprevenção, têm alta toxicidade, o que o torna inapropriadopara intervenção preventiva. O único carotenóide que se mostra promissor é olicopeno. No entanto, ainda são necessários estudos clínicos bem desenhados paraesclarecer essa associação.

Há uma série de trabalhos que tentam explicar uma conexão do processoinflamatório com o desenvolvimento do câncer de próstata. Um deles é a induçãoda cicloxigenase-2 (COX-2), nos macrófagos e células epiteliais, com umaregulação na atividade proliferativa nas lesões atróficas. Drogas que inibem asíntese das prostaglandinas induzem a apoptose de células tumorais. Dentre esseshá estudos em andamento com rofecoxib e com exisulind, esta não inibe a COX-2.Uma variedade de agentes está sendo estudada em trabalhos clínicos, fase 2 e 3.Esses, que ainda estão em andamento, são patrocinados pelo National CancerInstitute (NCI) e são conduzidos pelo The Southwest Oncology Group. O "ProstateCancer Prevention Trial" recrutou 18.882 homens randomizados para receberfinasteride ou placebo, e o "Selênio and Vitamin E Cancer Prevention Trial -

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SELECT", iniciado em 2001, já recrutou mais da metade da sua meta até fevereirode 2004, de 32.400 homens, e apresentará seus resultados em 2013.

O interesse pelo selênio iniciou quando incidentalmente se observou, como efeitosecundário, a redução da ocorrência de câncer de próstata nos indivíduos comsuplementação de selênio, que participaram de um estudo para câncer de pele nãomelanoma em 1996. A seguir um levantamento do Health Professionals Folllow-upStudy, em 30.000 homens, analisou dosagens de selênio na unha a qual refletemelhor a condição média por meses e encontrou uma forte relação inversa com orisco de câncer avançado, num período de sete anos. Estudos epidemiológicossobre o consumo não foram elucidativos, mas recentemente Brooks de Stanford,numa pesquisa de 148 casos com controles, identificaram que nível baixo deselênio plasmático esteve associado com um risco maior de quatro a cinco vezesem apresentar câncer de próstata. Esses resultados suportam a hipótese quesuplementação de selênio poderia reduzir o risco de câncer de próstata. Visto queo nível plasmático de selênio diminui com a idade, a suplementação poderia ser útilno homem idoso.

Quanto à vitamina E as primeiras conclusões foram também obtidas comoresultados secundários em um estudo desenhado para se observar o efeito davitamina A, como prevenção para câncer de pulmão em homens fumantes naFinlândia. O "Alpha Tocopherol, Beta-Carotene Cancer Prevention Study" recrutou29.000 homens, distribuídos em quatro grupos: um recebeu apenas vitamina A,outro vitamina E. O terceiro ambas e o quarto, placebo. O estudo necessitou serinterrompido previamente, pois uma análise preliminar detectou aumento de 18%no câncer de pulmão em quem recebia vitamina A. E, quando foram cotejadas asdemais neoplasias, observou-se uma redução de 32% na taxa de câncer depróstata em quem recebia vitamina E. Um estudo semelhante de regressãologística em levantamento com 47780 profissionais de saúde Chan et al.encontraram um risco relativo de 0,44 em fumantes e 1,07 em não fumantes.Portanto, embora alguns trabalhos em fase I e II sejam favoráveis à vitamina E, aepidemiologia ainda não conseguiu apresentar evidências suficientes ou determinarqual o seu real papel.

Esses são os motivos da grande apreensão pelos resultados do NCI. Estes doisestudos responderão definitivamente as três mais importantes intervençõespreventivas: finasteride, vitamina E e selênio. Espera-se que dentre um curtoperíodo de tempo o clínico possa dispor de uma estratégia para reduzir os riscosda doença.

Os estudos com vitamina A e dieta também são intrigantes, os resultadosconflitantes e alguns com efeitos não bem explicáveis. Há várias limitações nosestudos com dieta, pois, por exemplo, o nível sangüíneo do retinol não reflete areal ingestão, além de haver várias formas de vitamina A presente na dieta. Avitamina A pré-formada normalmente é ingerida de produtos animais como fígado,ovos e leite. As outras formas mais comuns são a pró-vitamina A ou oscarotenóides, encontrados em frutas e vegetais. Há mais de 50 formasbiologicamente ativas, dentre os quais o beta-caroteno e o licopeno, que são osmais intensamente investigados. O licopeno é um carotenóide que não éconvertido em vitamina. A e mais de 80% da sua fonte é representada pelotomate e seus derivados. Alguns estudos indicam que são excelentesantioxidantes, outros sugerem que os carotenóides poderiam apresentar um efeitoprotetor apenas em certas situações, como em idosos ou em determinadosestágios da doença. Há dois grandes estudos a respeito do licopeno: The Healthprofessionals Follow-up Study que investigou 47.000 homens com questionárioalimentar, por um seguimento de seis anos e com os Adventistas do Sétimo Diaque recrutou 14.000 homens e relacionou entre outros alimentos, o tomate, comoassociado a diminuição do risco de câncer da próstata.

No entanto, os mesmos autores, em estudo recente com 450 casos de câncerversus 450 controles encontraram apenas uma associação inversa entre alto nível

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plasmático de licopeno e baixo risco de câncer, restrita a pacientes com mais de65 anos e naqueles sem história familiar da neoplasia. Esse resultado, portantoindica que ainda não se pode oferecer à maioria orientações de suplementação,enquanto não houver estudos prospectivos mais consistentes. Será que em jovensteria algum efeito protetor da carcinogênese? Em relação à doença avançada, olicopeno associado a orquiectomia versus apenas orquiectomia produziu resultadossurpreendentes, num tempo de seguimento de dois anos. Houve aumento efetivoda taxa de resposta completa do PSA, de 40% para 78% e, da resposta nacintilografia óssea de 15% para 30%, além de melhora dos sintomas miccionais.

Para complicar o leitor, sabe-se que o consumo de frutas e vegetais reduz o riscopara a maioria das doenças crônicas e degenerativas, embora o mecanismo exatoenvolvido neste efeito protetor ainda não seja bem definido. Svilaas determinou acontribuição dos vários alimentos no total ingerido de antioxidantes e estabeleceua correlação dos vários grupos ingeridos com o seu nível plasmático. Concluiu quea principal ingestão de antioxidantes foi representada pela luteína, a zeaxantina eo licopeno. Entre os grupos de alimentos, o café, o vinho e os vegetais foram osque significantemente estiveram relacionados com a zeaxantina, beta-caroteno ealfa-caroteno. Os resultados indicaram, portanto, que outros antioxidantes dadieta, além dos bem conhecidos, contribuem para a nossa defesa esurpreendentemente a maior contribuição dentre eles, naquela população, foi ocafé.

Portanto, apesar de grandes estudos observacionais, de coorte, indicarem fortesassociações entre esse câncer e dieta, atualmente ainda são fracas ouinconclusivas as evidências científicas que suportam como agentesquimiopreventivos, a maioria das vitaminas e outros elementos.

Na ausência de trabalhos mais consistentes podemos e devemos recomendar aospacientes o que sabemos com absoluta certeza. Que é necessário manter umestilo de vida saudável, envolvendo exercícios regulares e redução do estresse,para se obter o máximo resultado do tratamento utilizado. Com todas essasressalvas e ainda sem evidências de Nível I, a conduta mais adequada, quandopossível, é ponderar com o paciente, explicando os eventuais benefícios e riscosda suplementação. Àqueles que nos solicitam, deve-se recomendar de modo maisabrangente:

· reduzir ingestão de gordura animal a 20% do TC;· aumentar ingestão de produtos de soja 20-40 g/d;· selenium 200 mg/d;· vit E - 400 - 800 U/d;· controle do sobrepeso - alterar estilo de vida.

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