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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
UMA ANÁLISE DA OBRA CHAPEUZINHO AMARELO: DA TEORIA À PRÁTICA PEDAGÓGICA
Norma Lee Pereira de Farias (PPGFP-UEPB)1 Prof.ª Dr.ª Kalina Naro Guimarães (PPGFP-UEPB)2
RESUMO
Este artigo discute a relevância da literatura infantil na formação leitora das crianças na Educação Infantil. Ele aborda os resultados parciais de uma pesquisa documental e bibliográfica, a partir da análise da obra Chapeuzinho Amarelo (1979), de Chico Buarque, um dos textos de nosso corpus, em estudo desenvolvido no Mestrado de Formação de Professores, da UEPB. Além dessa leitura crítica, cujo foco recai na representação do medo e da resistência infantil, apresentamos uma proposta de trabalho relacionada à obra analisada, possível de ser executada em instituições de Educação Infantil. Para debatermos a literatura infantil, enquanto produção literária destinada inicialmente às crianças, e os usos que dela se faz na escola, nos respaldamos nos estudos de Aguiar (2001), Coelho (2012), Abramovich (1991), Novaes (2007) e Bettelheim (2014). Ao final, nosso trabalho possibilitou compreender a importância da literatura infantil como recurso didático-pedagógico eficaz para que as crianças, reagindo à representação literária e considerando a mediação do professor no processo de leitura, possam ser encorajadas a enfrentar seus medos e seus conflitos interiores, tal como ocorre com a personagem Chapeuzinho Amarelo na obra citada, numa educação voltada, portanto, para a autonomia, inclusive leitora.
Palavras-Chave: Literatura Infantil. Contos de Fadas. Chapeuzinho Amarelo. Educação Infantil.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB;Especialista em Docência na
Educação Infantil, pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG; Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores – UEPB. Professora efetiva da Rede Municipal de Ensino de Campina Grande – PB. 2 Professora de Literatura Brasileira e Prática de ensino de Literatura, na Universidade Estadual da Paraíba. Colabora com o Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores, na mesma universidade.
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Introdução
A literatura infantil é uma das múltiplas linguagens a serem inseridas nas
instituições de Educação Infantil, no sentido de promover o desenvolvimento
intelectual, emocional e social da criança, bem como a sua sensibilidade e
competência leitora. No processo de educação, o texto literário é fundamental, pois,
por um lado, é capaz de provocar a imaginação e o deleite da criança, aguçando sua
sensibilidade; e, por outro, sendo um objeto simbólico, possibilita a subjetivação e a
construção de sentidos, ajudando os pequenos a também desenvolverem sua
habilidade intelectiva.
Segundo Coelho (2012), a partir da década de 70, ocorreu no Brasil o “boom”
da literatura infantil. Desse modo, a produção de obras literárias destinadas ao público
infantil tomou grandes proporções, com a diversificação e o surgimento de novos
autores, que introduziram o humor, a ironia, a crítica social e a cultura popular nas
obras, dentre estas, algumas reatualizações dos contos clássicos, o que permitiu o
resgate do passado, acomodando-o a uma mentalidade mais atual, despertando,
mediante uma transposição temporal bem sucedida,o interesse das crianças e adultos.
É nesse cenário de efervescência e produção de obras destinadas às crianças
que Chico Buarque escreveu, em 1979, o livro Chapeuzinho Amarelo, objeto de análise
neste artigo. Primeiramente, efetuamos uma leitura crítica voltada para os aspectos
textuais e gráficos da obra de Chapeuzinho Amarelo, cujo arcabouço implica na
representação do medo e da criança, como espaço de resistência e autonomia. Finda a
leitura crítica desta obra, seguimos com a apresentação de uma proposta de trabalho
com o livro em perspectiva, possível de ser executada por professores da Educação
Infantil.
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1. Análise dos aspectos textuais e gráficos da obra Chapeuzinho Amarelo, de
Chico Buarque
Em 1979, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque se insere no âmbito da
literatura infantil através da produção da obra Chapeuzinho Amarelo, publicado pela
editora José Olympio, com ilustrações de Ziraldo. Esse texto possui um caráter lúdico e
poético, e é sustentado por uma linguagem que anima, com bastante verossimilhança,
as personagens e as ações narradas. Não raro, a obra apresenta trechos em que o
narrador brinca com a linguagem, criando, pelas palavras que inventa, novos seres e
sentimentos, como indicaremos no decorrer deste trabalho.
Ao ouvir o título “Chapeuzinho Amarelo”, a criança, talvez, imaginará: “Eu
conheço essa história!”, atualizando, no novo contexto de leitura, uma referência já
conhecida: a personagem Chapeuzinho Vermelho. Entretanto, ao acompanhar a leitura
do texto do Chico Buarque, ela se depara com uma história totalmente diferente dos
contos clássicos produzidos por Perrault e os Irmãos Grimm, pois, nesta versão e em
outras produzidas na contemporaneidade, no lugar de uma menina ingênua e
temerosa, a mercê da maldade do lobo, há uma garota corajosa e audaciosa, capaz de
enfrentar e vencer seus conflitos, refletindo, possivelmente, um tempo situado no
contemporâneo, no qual as crianças, bombardeadas por informações e estímulos
diversos, têm muito mais acesso a recursos que lhes garantem adquirir maior
autonomia, o que favorece a tomada de decisões. O novo, para grande parte das
crianças na contemporaneidade, se tornou um desafio, pelo qual elas buscam a
superação, rumo à descoberta de si e à auto-afirmação social. Observemos a primeira
parte do texto:
Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo,
aquela Chapeuzinho.
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Já não ria.
Em festa não aparecia.
Não subia escada
nem descia.
Não estava resfriada
mas tossia.
Ouvia conto de fada
e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem de amarelinha.
Percebemos que o autor inicia o texto com a apresentação da personagem,
sem nenhuma informação acerca do espaço em que ocorre a história e de seus
familiares, diferentemente do que ocorre no conto tradicional, em que a presença da
figura materna é relevante para aconselhar e orientar a menina sobre as possíveis
situações de conflitos vivenciadas no contexto social. Nessa perspectiva, verifica-se, na
obra analisada, que a ausência do adulto possibilita à personagem o empreendimento
de, a partir de seus próprios meios, apropriar-se e vencer seus medos, refletindo,
nesse processo, sobre a vida. O narrador apresenta Chapeuzinho Amarelo segundo a
indicação de seus temores, configurados, no campo formal, pela presença repetitiva
dos advérbios de negação (não, nem), e, no campo semântico, pelo exagero e
contradições das (não)ações da personagem. Outra observação importante nesse
trecho, do ponto de vista da estrutura, é a justaposição das ações que denotam a
paralisia da personagem, por meio de frases curtas, cuja pontuação constitui, na
linguagem, a ausência de um prosseguimento da ação, tendo em vista que o medo
barrava qualquer possibilidade de movimento da Chapeuzinho.
O texto prossegue descrevendo que o medo da menina era tão intenso que a
impedia de fazer as coisas mais simples que qualquer criança de sua idade faria no seu
cotidiano. Chapeuzinho tinha medo de trovão, de tomar sol, de se sujar, de tomar
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sopa, ou banho, de até mesmo ficar em pé, por isso vivia acuada, como podemos ler
na imagem da Chapeuzinho deitada, com seu corpo encolhido e em preto em branco,
olhando, assustada, os bichos que, no seu medo, tomavam forma (são grandes e
assustadores) e cor.
Segundo Abramovich (1991), o medo faz parte da vida das pessoas. É comum
encontrarmos crianças e adultos que tem medo de escuro, de injeção, de alguns
animais, de lobisomem, de dentista. Cotidianamente, convivemos com o medo, em
pequena ou grande escala de intensidade, porém, à medida que nos tornamos mais
seguros e confiantes adquirimos coragem para conviver, enfrentar ou superar nossos
temores.
Comungando com esse pensamento, Novaes (2007, p. 9-10) afirma que o
“medo é cúmplice da razão [...], o medo é o princípio natural das sociedades, hábil e
grosseiramente usado pelo poder em busca da obediência civil”. O autor afirma ainda
que o medo é um sentimento natural, que resulta da tomada de consciência de um
risco. Assim sendo, o medo é decorrente da fragilidade do ser humano diante dos
empecilhos da vida. Dialogando com tal perspectiva, Chapeuzinho, no início da
narrativa, mostra-se frágil frente aos monstros que cria, colocando-se numa posição de
vulnerabilidade contra a qual só a fuga dos perigos da vida pode, em sua visão, lhe
salvar.
Na sequência, o narrador repete a frase “Era a Chapeuzinho Amarelo”, escrita
em letras grandes, ocupando metade da página do livro. Ao lado, o ilustrador traz um
desenho semelhante ao da capa, só que a menina está como dedo na boca, denotando
uma fisionomia assustada, que parece avaliar apreensivamente o que olha.
Na página seguinte, o possível objeto desse olhar não aparece por meio de uma
ilustração ou por uma linguagem que capture, com precisão, seus contornos e o situe
no tempo e espaço, mas por meio do modo como o medo da menina vê o lobo. Tal
configuração é importante porque flagra menos o lobo, enquanto figura concreta de
traços, do que o medo da personagem, cuja existência, pela imprecisão da linguagem
que a figura e de uma racionalidade que a sustente, é finamente ironizada. Percebe-se,
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então, que “o lobo” que amedronta Chapeuzinho Amarelo existia apenas em sua
imaginação, pois jamais ela tinha se deparado com ele:
E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho
Era o medo do tal do LOBO.
Um lobo que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.
Nesse trecho, fica evidente a musicalidade do texto poético, que atrai o
pequeno leitor por meio das rimas e aliterações, especificamente das letras m e n.
Assim, a magia das palavras pode despertar o prazer pela leitura, porque, conforme
Parreiras (2009), no texto poético, mais importante que o conteúdo é a sua forma,
pela qual a emoção proporcionada pela poesia é ativada. Vejamos, agora, outro
fragmento:
Mesmo assim a Chapeuzinho
tinha cada vez mais medo
do medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.
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Nesse trecho da narrativa, percebemos certo tom de humor, pois a repetição
da palavra “medo” sugere a intensificação do medo e, simultaneamente, denota o
quanto ele pode ser cômico, visto que o lobo poderia não existir. Nesse sentido,
compreendemos que a história articula discursos distintos: um que realça a
representação do medo que a menina sentia (e a repetição da expressão “do medo”,
como se o medo fosse efeito de outro indefinidamente, sugere, no nível formal, a
acentuação e o despropósito deste temor), e um outro que tenta desmitificá-lo,
mostrando que a narrativa é permeada por um viés crítico advindo do humor que o
desnuda, colocando em xeque a seriedade, ou melhor, a lógica desse medo.
Assim sendo, de tanto mentalizar a existência do lobo, a menina se depara com
tal fera, com carão, olhão, jeitão e bocão de lobo, conforme descrição bem humorada
do narrador.A partir daí, a garotinha, que morria de medo só de pensar no lobo, foi
perdendo o medo dele, abrindo caminho para superar seu drama e passar a agir
diferentemente. Sobre isso, Bettelheim (2014, p. 37) adverte que “uma história de
fadas pode expressar um conflito interior de forma simbólica e sugerir como pode ser
resolvido”. As personagens e situações dos contos de fadas, portanto, personificam e
ilustram conflitos íntimos, mas, ao mesmo tempo, pela trajetória existencial que
cumprem, elas também sugerem uma solução, desencadeando um processo de
intensa humanização (BETTELHEIM, 2104).
O encontro com o lobo permitiu a Chapeuzinho Amarelo a condição de
liberdade, de se desprender do medo que a perseguiu a vida inteira. O narrador não
explica o porquê da perda do medo do lobo pela menina, inserindo tal fato na ordem
natural das coisas, como se, da mesma forma irracional com que vingou o medo, ele
fosse desfeito. Tal processo é realizado por meio de uma gradação – “Foi passando
aquele medo/ do medo que tinha do LOBO. / Foi ficando só com um pouco/ de medo
daquele lobo./ Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.” – a partir da qual o
temor vai sendo extinto. A frase “e ela ficou só como lobo” demonstra esse encontro,
agora não mais com o intermédio de um imaginário fertilizado pelo medo.
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O filósofo inglês Thomas Hobbes afirma que: “O homem é o lobo do homem”.
Este pensamento nos permite entender que pode existir certo estado natural no
homem que gera o conflito, duelo consigo mesmo, como se fosse um instinto de
autopreservação. Trazendo esta ideia para a interpretação da narrativa em questão,
poderíamos entender o lobo como a personificação do conflito interno vivenciado pela
menina, uma vez que o “lobo”, na perspectiva filosófica de Hobbes, pode corresponder
a um estado natural (levando em consideração tempo-espaço) do próprio “ser” em
conflito.
De todo modo, a história prossegue animando o lobo, como se ele fosse de
carne e osso. Ao perceber que Chapeuzinho não o temia, “O lobo ficou chateado”,
“envergonhado”, “triste”, “murcho”, “branco-azedo”, pois não estava mais
conseguindo cumprir o seu papel: meter medo em crianças. Para representar a
vergonha e o descontentamento do lobo, o ilustrador representa-o sentado no chão
com a cabeça baixa e vestido com roupas coloridas e bastante elegantes,
aproximando-o, todavia, da imagem de um verdadeiro bobo. Em seguida, o lobo abre
o bocão e grita “Eu sou um lobo”, frase esta escrita com letras em caixa alta, em
tamanho maior do que o restante do texto na página e em negrito, mimetizando a
força do grito no sentido de impressionar a menina, para, com isso, retomar um lugar
que foi seu.
Diante de tal comportamento do lobo, a menina fica irritada com os seus
berros e decide mudar a brincadeira. A ilustração, nesta página, retrata uma
Chapeuzinho sorridente, feliz, segura de si, capaz de enfrentar qualquer obstáculo que
surgisse a partir daquele momento, porque, agora sabia, aquele medo não tinha mais
razão de ser, pois o lobo passou a ser percebido sem os traços de crueldade que lhes
era característico, aproximando-se, inclusive, da forma de um inofensivo bolo.
Isso foi possível devido à persistência do lobo em tentar reafirmar sua
identidade perante a menina, berrando por vinte e cinco vezes: “LO BO LOBO LOBO
LOBO LOBO LOBO LOBO LOBO LOBO LOBO”. A disposição gráfica da repetição da
palavra lobo, com espaço entre as duas sílabas que a constituem, unida à
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transformação do modo de representar, na ilustração, o lobo – de um animal com
dentes salientes a, a partir de modificações na geometria do corpo do lobo, um bolo –
retira do bicho qualquer possibilidade de reaver o medo da menina. Aliás,
transformado em bolo fofo pela linguagem que acompanha a subjetividade de
Chapeuzinho, é o lobo que agora se treme de medo da menina, invertendo, assim, os
papéis.
Nesse instante, o “LOBO” vira um “bolo” em cima de uma mesa decorado pela
imaginação de Chapeuzinho, que até poderia prová-lo, mas não demonstrou interesse
pelo “lobo bolo”, pois sua preferência era por bolo de chocolate. A partir dessa
percepção de que teria derrotado o medo, Chapeuzinho, por meio do poder mágico da
palavra, passa a fazer tudo que não fazia antes, demonstrando, agora, ser uma menina
independente e segura. Isto fica evidente na ilustração que mostra a garota feliz
brincando de amarelinha com alguns colegas, transformando em companheiros todos
os seus medos.
Na parte inferior da página, aparece a palavra fim, em letras de imprensa,
dando a impressão de que a estória havia encerrado. No entanto, o narrador continua
a narrativa na página seguinte, como se ele tivesse se esquecido de algo importante e
que, agora, gostaria de dizer. Manipulada a palavra, a partir da inversão de suas
sílabas, recriando, nesse processo, os seres que, antes, provocavam pânico na
Chapeuzinho, são dispostos os novos companheiros da menina: o Gãodra, a Jacoru, o
Barão-tu, o PaõBichôpa. Desse modo, com bastante humor e trabalho com a
linguagem, o narrador trata da superação do medo pela menina, transformando-a em
espaço de resistência e de autonomia infantil, flagrado no e pela ação de nomear. É
justamente quando Chapeuzinho fala diferentemente dos objetos de seu medo,
acionando novas analogias e linguagem, que o temor é superado.
Por fim, pelo contexto de publicação da obra e pelo tema que ela desenvolve, é
possível que Chapeuzinho Amarelo esteja relacionado ao medo da violência, à
repressão e à falta de liberdade, vividos pela sociedade, quando o país enfrentava a
ditadura militar. Chico Buarque, em seus textos, dialoga com esse período, e,
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certamente, nesta obra infantil, tal vinculação está presente, mostrando que as
pessoas podem lutar contra a submissão, a opressão, vencendo, sobretudo, os seus
temores.
1.2 Com uma Chapeuzinho na sala de aula: uma proposta
No exercício da docência, a literatura sempre foi minha parceira. As obras
literárias estão inseridas no cotidiano das minhas aulas, porque acredito que é
indiscutível a importância da leitura de histórias para a formação leitora das crianças.
Ouvir muitas e muitas histórias é fundamental para que elas adquiram o gosto pela
leitura dos diversos gêneros textuais que circulam na sociedade. Escutar essas histórias
é o início da aprendizagem para ser um leitor competente e reflexivo, e ser leitor é ter
um caminho absolutamente infinito de descobertas e de compreensão do mundo. Na
prática, ao abordar um livro de literatura infantil, as crianças, encantadas, geralmente
falam: “tia, conta de novo, conta... Sempre que é possível e oportuno, leio outra vez.
Nesse sentido, interessa-nos apresentar uma proposta de trabalho com a
narrativa “Chapeuzinho Amarelo”, de Chico Buarque, possível de ser executada em
salas de Educação Infantil, através da realização de atividades orais, escritas e artísticas
executadas pelas crianças, expressando suas formas de ser e pensar acerca da magia e
encanto que a história provoca em cada leitor. O objetivo da proposta é possibilitar às
crianças a utilização da linguagem como elemento articulador das situações sociais e
cotidianas, de modo que elas possam ampliar seu vocabulário, superar seus conflitos
interiores, favorecendo a imaginação, a criatividade, a leitura lúdica no espaço escolar
e a formação de leitores.
Tal proposta dialoga com a posição de Aguiar (2001, p. 136) segundo a qual os
interesses dos leitores iniciantes estão voltados para histórias curtas e que possuem
rimas, para livros com muitas gravuras e pouco texto escrito, que “permitem a
descoberta do sentido muito mais através da linguagem visual do que da verbal”. Por
meio de ilustrações e de um enredo interessante relacionados à vivência da criança,
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bem como de uma abordagem lúdica da obra, os pequenos poderão interagir com os
personagens, conviver com o mundo das letras e ter condições de se tornarem
leitores.
Iniciando a descrição de nossa proposta, a ideia é convidar as crianças para
participarem de uma “Roda de leitura”, a ser executada no pátio da instituição, no qual
é possível organizar as crianças em círculo para a apresentação da obra “Chapeuzinho
Amarelo”, despertando a atenção delas para a capa e para as possíveis relações entre
as ilustrações e o título da história. A finalidade não é que as crianças falem a resposta
certa, mas que relacionem pistas oferecidas a partir dos seus conhecimentos prévios.
Para isto, podemos questionar: Ao olhar a capa do livro, o que observamos? Essa
menina lembra alguém que vocês conhecem? Por que ela está com esse chapéu
admirável? O que leva vocês a chegarem a essa conclusão? Será que essa menina faz
parte da narrativa? Será que está escrito no título o nome dela? Uma história, para ser
escrita, precisa de pessoas que a escrevam, quem será que escreveu essa história? E
quem fez as ilustrações? Será que foram as mesmas pessoas? Logo após, far-se-á
leitura do título e do autor. Esse momento é relevante na formação do leitor, uma vez
que o aproxima da leitura chamando-o ao contato com a capa do livro, aprendendo
que os dados nela contidos darão condições para as informações sobre o enredo, a
autoria, ilustração e texto, sendo uma oportunidade de organizar ideias que serão
testadas e comparadas em um dado momento da leitura, constituindo-se o processo
fundamental para o letramento das crianças.
Antes de iniciar a leitura, é relevante convidar as crianças para observarem as
ilustrações internas do livro em suas primeiras páginas, ajudando-as a pensar sobre
essas imagens à medida que as observam. Além disso, é proeminente sugerir atenção
à fisionomia e ao comportamento de Chapeuzinho Amarelo, fazendo alguns
questionamentos que podem ajudá-las na leitura: A menina parece assustada? Por que
o rosto e os cabelos dela estão amarelos? Por que ela está retraída na cama? Será que
ela está com medo de alguma coisa?
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Prosseguindo, as crianças devem ser convidadas a conhecer a trama pelo
professor que tenta, pela mediação que efetua, situá-las em cada parte da narrativa,
explorando as páginas e as gravuras, e encorajando as crianças a observar os
movimentos, reações faciais, o cenário, as tonalidades da folha, a posição das imagens
que envolvem a trama, entre outras questões que abranjam a compreensão texto.
Esse trabalho é necessário para situar os pequenos desde cedo no mundo da escrita,
como também dar-lhes condições para familiarizar-se, de maneira lúdica, com o
gênero em estudo.
No decorrer da leitura, sinalizaremos a parte escrita apontando com o dedo
para as palavras, para que a turma compreenda que a estória lida está escrita. Em
seguida, podemos convidar as crianças para fazerem intervenções durante a leitura, de
modo que elas se posicionem na estória que ouvem: Se vocês fossem Chapeuzinho
Amarelo teriam medo de tudo? Por que de todos os medos que ela tinha o medo mais
medonho era do tal lobo? Por que Chapeuzinho ao encontrar o lobo foi perdendo o
medo que sentia dele? E vocês se encontrassem com um lobo como reagiriam? Vocês
gostaram do final da história? Que outro final poderíamos criar para a história?
Dependendo das reações e questionamentos que aparecerem no momento da
intervenção, as perguntas serão (re)construídas, procurando explorar ao máximo a
história, desenvolvendo, assim, a capacidade de inferir, levantar hipóteses e de tirar
conclusões.
Na sequência do trabalho, proporemos aos pequenos leitores que enunciem as
partes de que mais gostaram na narrativa e pensem sobre as relações com outras
versões do conto –que já terão sido lidas anteriormente à abordagem de Chapeuzinho
Amarelo, em sala. A partir de uma releitura da obra em perspectiva, ampliaremos a
discussão acerca dos elementos que compõem a narrativa, a fim de consolidar melhor
a sequência em que os fatos aconteceram, estimulando a observação de detalhes que,
de início, passaram despercebidos. Após os relatos, sugeriremos a produção de um
texto não verbal relacionado às partes que as crianças acharam mais relevantes,
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alertando-as para o fato de que os trabalhos serão expostos nas paredes da sala, para
que os colegas possam apreciá-los e recontá-los.
Numa etapa seguinte, consideramos importante reler as duas primeiras páginas
da história e sugerir que algumas crianças continuem a leitura. Após isso,
conversaremos acerca da experiência de ler trechos da história sozinhas, solicitando a
elas que compartilhem as estratégias que usaram. Retomaremos a conversa sobre a
história fazendo a listagem dos nomes dos personagens, tendo o professor como
escriba. Esse momento é significativo, porque elas têm a oportunidade de pensar
sobre a escrita, uma vez que podem participar ativamente da listagem.
Posteriormente, o professor pode organizar as crianças em grupos, distribuir
letras do alfabeto móvel e sugerir que formem os nomes dos personagens, usando as
letras. Elas podem ser motivadas a ler os nomes que formaram apontando com o dedo
o que está escrito. Essa atividade será desafiadora, porque exige um processo
metalinguístico por meio de uma atividade lúdica que permite a reflexão da língua.
A linguagem poética do texto permite a realização de um trabalho voltado para
a compreensão fonológica, dando ênfase às palavras que rimam. Por isto, é sugestivo
apresentar um cartaz com algumas palavras do texto para as crianças identificarem a
presença de rimas. Antes da identificação, faz-se, obviamente, necessário que o
docente explore as palavras oralmente com as crianças, facilitando a apropriação dos
jogos sonoros, situando-os no contexto semântico da obra.
No sentido de despertar a criatividade e o interesse das crianças pelas artes
plásticas, podemos convidá-las a participar de uma oficina na sala de artes, cuja
finalidade é confeccionar manualmente, em parceria com a professora de Artes, os
personagens principais da história, usando materiais diversificados, e, aliado a isto,
produzir um cenário que poderá ser utilizado para o reconto e a dramatização da
narrativa. Tais atividades são importantes na Educação Infantil, por que estimula a
interação, a imaginação, a expressão artística e o desenvolvimento da linguagem oral.
Além disso, acreditamos que a sala de leitura constitui-se um espaço adequado
para incentivar o prazer e o hábito de ler, por isso pode ser contemplada para
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proporcionar o contato com outras narrativas, bem como oportunizar o empréstimo
de livros para serem lidos em casa com os pais. Ao retornar a sala de aula, as crianças
poderão ter a oportunidade de expressar oralmente acerca da experiência vivenciada
em família. Nesse momento, o professor pode propor a leitura de uma narrativa por
dia, contemplando todas as obras que foram escolhidas pela turma.
Finalmente, entendemos que é relevante preparar um espaço atrativo na sala
de aula intitulado “Cantinho da leitura” para que, frequentemente, as crianças sejam
estimuladas a ler outros contos tradicionais e modernos, mesmo sem dominar o
código escrito. É imprescindível que os pequenos possam ser inseridos no mundo
mágico das narrativas, que são“formas vivas”, significativas e prazerosas, servindo
como elemento importante, no contexto da Educação Infantil, para a formação de
sujeitos leitores, capazes de enxergar o mundo de maneira diferente, respeitar o
próximo, as diferenças e buscar soluções que garantam a superação dos seus conflitos
interiores, angústias, inseguranças, fobias, a exemplo do que foi evidenciado na obra
“Chapeuzinho Amarelo”, em que a menina venceu o medo e passou a demonstrar
alegria pela vida.
Considerações finais
A apreciação do livro de Chapeuzinho Amarelo nos permitiu concluir que o
autor recorreu a uma obra clássica para produzir um conto inovador mediante uma
linguagem lúdica, metafórica e plurissignificativa, capaz de provocar múltiplas
interpretações, o que instiga a criança a protestar sobre os porquês da vida e seus
medos, garantindo, assim, o caráter de experiência humana preservado no texto
literário.
Acreditamos que a proposta didática desenvolvida poderá servir como ponto
de partida para o trabalho com a obra analisada, contribuindo para a presença, de
forma crítica, dos contos de fadas nas turmas de Educação Infantil, mediante a leitura
de viés comparativo com outros textos publicados na contemporaneidade. Para tanto,
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faz-se necessário um trabalho sistemático, dinâmico e comprometido com a formação
de sujeitos leitores autônomos, na perspectiva de que as crianças possam participar da
tomada de decisões em relação às atividades desenvolvidas coletivamente, dando-lhes
condições para que elas criem com liberdade suas interpretações sobre o escrito,
assegurando, assim, um trabalho que seja comprometido com a observação sobre o
que os textos lidos materializam em termos de linguagem e representação de mundo,
mas, também e principalmente, que saiba garantir um amplo espaço para que as
crianças movimentem sua leitura e organizem os sentidos sobre o mundo do texto e o
mundo de sua própria vida.
Referências
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