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Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 O POEMA NO POEMA: a metalinguagem em procura da poesia e em catar feijão Caroline Bento de OLIVEIRA 1 Lanaíza do Nascimento Silva ARAÚJO 2 RESUMO Este trabalho tem como objetivo expor e analisar duas formas distintas de usar a metalinguagem no gênero poema. Comparar Procura da poesia e Catar feijão, poemas de grandes escritores com estilos diferentes, esclarece e abrange o recurso escolhido no caso, a metalinguagem por demonstrar o que seria aquilo que eles fazem. A fundamentação teórica embasa-se, primordialmente, nos estudos de Antonio Candido, Affonso Romano de Sant’Anna e nas funções da linguagem propostas por Roman Jakobson. Analisar esses poemas faz perceber que João Cabral de Melo Neto permanece distante daquele que “ouve” seus conselhos sobre a construção poética, ao passo que Drummond conversa, envolve-se mais intensamente com o leitor, deixando aparecer a função conativa. Palavras-chaves: Literatura comparada. Metalinguagem. Drummond. Melo Neto. 1. INTRODUÇÃO Esse artigo tem como objetivo comparar a metalinguagem no poema Procura da poesia, de Carlos Drummond de Andrade, e Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto. Cada autor tem sua forma particular de desenvolver um recurso estilístico na obra, e, esses dois expoentes máximos da literatura nacional constroem, de maneira diferente, o fazer poético sobre a própria poesia. 1 Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]. 2 Professora orientadora. E-mail: [email protected]. Trabalho não relacionado com projetos da universidade.

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O POEMA NO POEMA: a metalinguagem em procura da poesia e em catar feijão

Caroline Bento de OLIVEIRA1 Lanaíza do Nascimento Silva ARAÚJO2

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo expor e analisar duas formas distintas de usar a metalinguagem no gênero poema. Comparar Procura da poesia e Catar feijão, poemas de grandes escritores com estilos diferentes, esclarece e abrange o recurso escolhido – no caso, a metalinguagem – por demonstrar o que seria aquilo que eles fazem. A fundamentação teórica embasa-se, primordialmente, nos estudos de Antonio Candido, Affonso Romano de Sant’Anna e nas funções da linguagem propostas por Roman Jakobson. Analisar esses poemas faz perceber que João Cabral de Melo Neto permanece distante daquele que “ouve” seus conselhos sobre a construção poética, ao passo que Drummond conversa, envolve-se mais intensamente com o leitor, deixando aparecer a função conativa. Palavras-chaves: Literatura comparada. Metalinguagem. Drummond. Melo Neto.

1. INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo comparar a metalinguagem no poema Procura

da poesia, de Carlos Drummond de Andrade, e Catar Feijão, de João Cabral de Melo

Neto. Cada autor tem sua forma particular de desenvolver um recurso estilístico na

obra, e, esses dois expoentes máximos da literatura nacional constroem, de maneira

diferente, o fazer poético sobre a própria poesia.

1 Estudante da graduação de Letras Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]. 2 Professora orientadora. E-mail: [email protected]. Trabalho não relacionado com projetos da universidade.

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Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto são classificados,

ainda que em gerações diferentes – aquele de 30 e este de 45, como poetas

modernistas, pois fizeram uma obra que rompia com o padrão estético vigente. Ou

seja, ambos os artistas são adeptos a lírica anticonvencional que promove a reflexão

crítica levantando questionamentos acerca das coisas do mundo e da própria poesia.

A rosa do Povo (1945), livro no qual Procura da poesia foi publicado, aponta

para uma simbologia inconformada e revoltada. O próprio título anuncia essa

simbologia, o povo relaciona-se com a problemática da Segunda Guerra Mundial, e a

rosa representa sucesso e renascimento. Apresenta com ênfase o choque social, a

reflexão metapoética, a negação ao contexto político-social e a indignação. É um

exemplo claro de poesia engajada e participante seguindo os moldes da poesia “de

resistência”, marca da Modernidade.

O escritor recifense também produziu esse tipo de poesia, que caracteriza sua

“fase” participante. Nesse estilo, O Cão sem Plumas, Morte e Vida Severina e O Rio ou

Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife são os

grandes destaques. Na sua “fase” metalinguística, João Cabral tem uma produção na

qual precisão linguística e metáforas, formadas por substantivos concretos, se fundem.

A linguagem enxuta e, aparentemente, sem sentimentalismo marcam a mudança de

paradigma com a tradição parnasiana e romântica, porém, as quadras e a estrofação

regular são vestígios dessa tradição.

2. LINGUÍSTICA E LITERATURA

Um texto não prototípico e bem escrito merece atenção dos estudantes de

Letras por fornecer subsídio para explanações em diferentes perspectivas e áreas. Por

isso, esses dois poemas são o tema desse trabalho. Segundo Roman Jakobson, a

“linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções” (JAKOBSON,

1977, p.122) e um texto deve ser estudado além da superfície, atentando para todas as

funções presentes nele, pois, como o linguista deixa claro “embora distingamos seis

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aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar

mensagens verbais que preenchessem uma única função.” (JAKOBSON, 1977, p. 123).

Sendo assim, tanto no poema de Drummond quanto no de Melo Neto,

percebemos o entendimento de Jakobson, ao afirmar que “qualquer tentativa de

reduzir a esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à função poética

seria uma simplificação excessiva e enganadora” (JAKOBSON, 1977, p.128, grifo meu),

da mesma forma que, “o escrutínio linguístico da poesia não se pode limitar à função

poética” (JAKOBSON, 1977, p. 129). Devido a essa pluralidade de funções, notamos,

nos dois poemas estudados, a metalinguagem, tema do trabalho, e a conativa, no caso

de A procura da poesia, que serão discutidas posteriormente.

3. OS POETAS E AS OBRAS

Os dois poetas tinham visões diferentes acerca da poesia. “Não estou de

acordo com a acepção de João Cabral de uma poesia formal. Para mim, poesia é

sentimento, expressão de uma emoção”, disse Drummond em entrevista3. Melo Neto,

embora admirador confesso do mineiro, discordava dessa visão que poesia é

sentimento e expressão da emoção, uma vez que era avesso à subjetividade, mas

achava impossível não expressá-la, mesmo indiretamente e, de preferência, por meio

de palavras concretas, como pedra, faca ou maçã4. Mesmo com essas acepções

diferentes, Drummond serviu de inspiração para Cabral devido ao antilirismo, como

está explícito na última entrevista concedida por ele5:

O Carlos Drummond era o menos lírico [dos poetas da época]. Mas

assim mesmo tem momentos de lirismo. Por isso é que a influência

maior que eu tive foi de Carlos Drummond. Na literatura brasileira

Carlos Drummond foi meu grande mestre. Aquela poesia prosaica,

3 Presente no livro Dossiê Drummond, encontrada na tese A tradição da negatividade na modernidade brasileira, de Carla da Silveira Mano. 4 Entrevista concedida em 04 de novembro de 1980, no Rio de Janeiro. Retirada do livro João Cabral: a poesia do menos e outros ensaios cabralinos. 5 CONVERSAS COM O POETA JOÃO CABRAL DE MELO NETO. São Paulo: Sibila, n.13, ago. 2009.

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direta, compreende? Só que ele de vez em quando cai no discursivo,

cai na prosa discursiva. Eu nunca caí no discursivo.

3.1 ANÁLISE DO POEMA “PROCURA DA POESIA”

No livro “Carlos Drummond de Andrade: análise da obra”, Affonso Romano de

Sant’Anna ao abordar o tema viagem nas poesias de Drummond, percebe que sujeito e

objeto são inseparáveis colocando, assim, “poeta-poesia no mesmo complexo, poesia

como transporte e poesia como caminho” (SANT’ANNA, 1980, p.137). Então, a poesia

e o poeta são conduzidos simultaneamente, por isso, temos uma construção como

“Estes poemas são meus. É minha terra/ e é ainda mais do que ela” em outro poema

metalinguístico, Consideração do Poema. Em Procura da Poesia, somos envolvidos

pelas palavras que se referem à própria criação, na busca de ser um poema. A poesia,

assim, parece um ser vivo que o poeta tem de imaginar, criar, alimentar, apaziguar.

Isso ficará mais claro com o texto na íntegra:

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.

Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,

esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro

são indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.

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O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de

espuma.

O canto não é a natureza

nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.

A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,

não indagues. Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família

desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e a

memória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

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Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intacta.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada

no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

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Considerando a poesia de Drummond como sujeito-objeto, Procura da Poesia a

primeira vista parece ser contraditória por indicar várias ações que não devem ser

feitas: “Não faças versos sobre acontecimentos./ Não há criação nem morte perante a

poesia.”, “Não faças poesia com o corpo,”, “Nem me reveles teus sentimentos,”, “O

que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.”, “Não cantes tua cidade, deixa-a em

paz./ O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.”, “Não

dramatizes, não invoques, não indagues./ Não percas tempo em mentir./ Não te

aborreças.”. No entanto, justamente, os acontecimentos, o corpo, a cidade, os

sentimentos, a infância, a memória entre outros temas negados são os assuntos

encontrados em suas produções poéticas. Essas “instruções” apontam para o caminho

do contato com a linguagem, “Penetra surdamente no reino das palavras”. A “chave”,

então, está relacionada à linguagem, “reino das palavras”, onde só entra aqueles que

têm a chave, ou seja, a consciência estética.

Segundo Affonso Romano, esse paradoxo – dizer para não fazer, mas fazê-lo – é

um pensamento dialético buscando extinguir a lógica que separa sujeito e objeto, “o

que pratica é a definição de poesia como algo que é aquilo mesmo sobre o que está

versando” (p. 1980). Então, poesia não seria falar sobre qualquer tema, mas sim:

“uma forma que é ela mesma, aquilo sobre a qual ela versa. Poesia

não como uma forma dentro da qual se derrama um conteúdo,

poesia que não se limita a ser um eventual ‘instrumento’ ou ‘meio’

para comunicar alguma coisa”. ( grifo do autor) (SANT’ANNA, 1980.

p.195).

A percepção de Drummond sobre poesia como meio de comunicação, era de

que não via a poesia como meio para se comunicar algo, mas ela mesma é algo que se

comunica. Os versos “A poesia (não tires poesia das coisas) / elide sujeito e objeto” nos

mostra que poesia é um misto da criação com a coisa criada, elimina sujeito e objeto.

Com algo que ao sair de você, lhe arranca um pedaço que será sufocado em alguns ou

cultivado por outros. Conforme Affonso Romano (1980), poesia é uma procura que se

realiza no ato de procurar, é uma união do sujeito-objeto resultado da inconformidade

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do Eu versus Mundo. E como tal, ela se forma como um resultado autônomo, válido

por si mesmo.

Para Antonio Candido, os cinquenta e oito versos do poema aconselham o

leitor, e futuro escritor, “para concluírem que em si eles nada são [...]” (p. 90, 1977).

Além disso, a “poesia está escondida, agarrada nas palavras; o trabalho poético

permitirá arranjá-las de tal maneira que elas a libertem, pois a poesia não é a arte do

objeto, [...] mas do nome do objeto, para construir uma realidade nova.” (p. 91, 1977).

Ao chegar a essa conclusão, o poeta para de pontuar ações e se entrega a palavra

poética:

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intacta.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Essa palavra poética ainda precisa do trato estético, pois se encontram em

estado de dicionário, isto é, no sentido denotativo. Cabe ao poeta perceber a

musicalidade, a forma, o sabor das palavras. Por isso é importante que:

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.

Embora seja um poema, portanto, a função da linguagem, de acordo com

Roman Jakobson, é poética, há similaridade com a função conativa ou apelativa no

momento em que se utiliza do modo imperativo dos verbos em demasia, explicitando

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contato com leitor, “orientação para o DESTINATÁRIO, a função CONATIVA, encontra

sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no imperativo” (JAKOBSON, 1977, p.

125). Ainda de acordo com o linguista, “a poesia da segunda pessoa está imbuída de

função conativa” (JAKOBSON, 1977, p. 129).

3.2 ANÁLISE DO POEMA “CATAR FEIJÃO”

Para o poeta pernambucano, poesia é a maneira de tratar a linguagem,

corporificar aquilo que está na mente: a reflexão. Por isso sua produção é vista como

um esforço quase matemático de um engenheiro e nunca inspiração sem

conhecimento. Em “Catar feijão”, essa reflexão está presente a partir do primeiro

verso, pois ele aproxima duas ideias aparentemente antitéticas: o ato de catar feijão –

algo corriqueiro e concreto, com o ato de escrever – rebuscado e abstrato:

Catar Feijão

1.Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de que entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:

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a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a como o risco.

O pensamento de João Alexandre Barbosa6 sobre Educação pela pedra, livro no

qual o poema foi publicado, expõe essa aproximação de ideias ao mencionar dois

elementos primordiais para uma definição da obra:

“De um lado, é a indagação acerca da realidade [...], em que as

palavras são redefinidas a partir de seu próprio estabelecimento no

corpo do poema, dando como consequência uma das primeiras lições

a serem extraídas do poema: ‘a pedra dá à frase seu grão mais vivo:/

obstrui a leitura fluviante, flutual,/ açula a atenção, isca-a como o

risco’ (‘Catar feijão’). Por outro lado, este processo de redefinição

não se limita ao interior de um ou outro texto mas se transfere [...]

através de um jogo permutacional de algumas de suas partes”. (grifo

meu) (BARBOSA, 1975, p. 211 – 212).

Dessa forma, o poema redefine as palavras já no primeiro verso, no qual a

comparação está evidente e, na primeira parte do poema, não são feitas distinções

entre as práticas, ao contrário, ocorre uma mescla “toda palavra boiará no papel”,

percebe-se que os termos ligados à escrita, palavra e papel, são separados por um

termo relacionado com o grão a ser catado, boiará.

Portanto, associar o campo lexical de escrever com o de escolher feijões é

redefinir palavras. Entre essas palavras redefinidas, a palavra “pedra” é a que ganha

duas conotações distintas. De acordo com Antonio Carlos Secchin, se “há uma zona de

aproximação (consubstanciada, por exemplo, no jogar feijão-palavra no alguidar-

papel), existem também irredutibilidades, campos de significados infensos a dupla

apropriação” (SECCHIN, 1999, p. 232), então “desfaz-se a corresporidência (sic)

quando se introduzem as relações conflitantes que o risco gerou. O desejo do risco –

6 Barbosa, João Alexandre. In: A imitação da forma: uma leitura da João Cabral de Melo Neto.

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materializado em pedra – é o traço que distingue criar e catar” (SECCHIN, 1999, p.

233).

Enquanto na seleção de grãos, a presença de uma pedra significa “um risco [...]

um grão imastigável, de quebrar dente”, no poema “dá à frase seu grão mais vivo”,

assim, confirma a ideia de uma poesia produto de muita reflexão e raciocínio, e não

mera fruição e encantamento, bem como desautomatização de tudo aquilo é comum.

Esse é o desejo do risco para “acordar” o leitor e colocá-lo reflexivo diante de um

poema que exigiu tanto trabalho do autor. Esse grão rejeitado no feijão é a palavra

que “açula a atenção, isca-a como o risco”.

Nessa última passagem, Melo Neto também está remetendo a pedra de suas

próprias criações, como o poema “A educação pela pedra” e tantos outros que

destacavam a pedra, o mineral, palavra concreta significativa para várias

interpretações de força e resistência.

Com relação à tradição poética seguida até antes do Modernismo, há

preocupação formal, não só na estrofação, com o domínio de quartetos, e na

metrificação regulares, mas também no modo de tratamento de um determinado

assunto. Distante da musicalidade, João Cabral disse em entrevista que música

favorecia ao sono, e por preferia “viver no extremo da consciência e não no embalo”

defende o uso de um “ritmo sintático” produzido pelas raras rimas toantes.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a comparação desses grandes autores percebe-se que uma mesma

temática assume diferentes formas dependendo do escritor. A poeticidade de

Drummond começa seguindo um caminho aparentemente contraditório, se

comparado aos outros textos dele, para depois unir sujeito e objeto, encontrando nas

próprias palavras motivo e tema para escrever um poema. Já Melo Neto une ações

distintas valorizando a construção de ambas as ações e resignificando os termos.

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O trato com o leitor também é traço distinto nesses poemas. Por um lado,

Drummond usa a segunda pessoa do plural repetidas vezes, e, consequentemente,

notamos a função conativa, que, por sua vez leva em consideração o destinatário, ou

seja, o ouvinte/leitor. Em contrapartida, a flexão verbal escolhida minuciosamente por

Melo Neto é impessoal. Isso é evidente pelo “se” partícula apassivadora que funciona

para distanciar qualquer destinatário.

Por mais que ambos estejam inseridos na mesma escola literária, o

modernismo, essas diferenças enriquece a multiplicidade das composições literárias

nacionais, pois mostra como existem olhares críticos e sensatos para a criação poética

do período. Vemos, ainda, que uma mesma escola literária abarca não só

características de ruptura, como a estrofação irregular e versos livres de Drummond,

mas também de conservação como a estrofação e metrificação regular de Cabral.

REFERÊNCIAS

MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra: 1962-1965. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 92p. (LeRelendo) ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 40.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. 238 p. MANO, Carla da Silveira. A tradição da negatividade na modernidade brasileira. 2006. 273 f. Tese (doutorado em Letras) – Pontifícia Universitária Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Carlos Drummond de Andrade: análise da obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. CANDIDO, Antonio. Inquietudes na poesia de Drummond. In:______.Vários escritos. 2ed. São Paulo: Duas cidades, 1977. BARBOSA, João Alexandre. A imitação da forma: uma leitura de João Cabral de Melo Neto. SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos e outros ensaios cabralinos. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1977. 162p. CONVERSAS COM O POETA JOÃO CABRAL DE MELO NETO. SIBILA: Revista de Poesia e Cultura. São Paulo: Sibila, n.13, ago. 2009. Disponível em: <http://sibila.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2009/04/Joao_cabral_revista.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2015.