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581 DIMENSÕES DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: O DESAFIO DE GARANTIR O DIREITO À APRENDIZAGEM E À PARTICIPAÇÃO Angela Maria Venturini (ISERJ) Mylene Cristina Santiago (UFF) Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral Introdução A educação está fundamentada em legislações e marcos filosóficos que a destaca como direito no âmbito internacional: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Declaração da Educação para Todos (1990), Declaração de Salamanca (1994); e no âmbito nacional: Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN (1996). Partindo do pressuposto de que todas as pessoas têm direito à educação e que todas as pessoas podem aprender, envereda-se para uma assertiva que é: os preceitos legislativos de fato garantem a todos o direito de aprender? A aprendizagem é um conceito complexo de definir, pois está envolvida em dimensões socioculturais e políticas que a articulam com outros conceitos: culturas, currículo e conhecimento. Candau e Moreira (2007, p. 25) consideram que o conhecimento escolar seja um dos elementos centrais do currículo e que sua aprendizagem seja condição indispensável para que os conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e reconstruídos pelos estudantes. Assim justificam: “A necessidade de um ensino ativo e efetivo, com um/a professor/a comprometido (a), que conheça bem, escolha, organize e trabalhe os conhecimentos a serem aprendidos pelos(as) alunos(as). Daí a importância de selecionarmos, para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e significativos (CANDAU; MOREIRA, 2007, p. 21).” Desse modo compreende-se que conhecimentos relevantes e significativos possuem conexões com o mundo social no qual são produzidos e estão relacionados com saberes e

DIMENSÕES DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: O DESAFIO DE … · Moreira e Candau (2003) ressaltam que construir o currículo nessa perspectiva irá requerer do professor novas posturas,

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DIMENSÕES DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: O DESAFIO DE GARANTIR O

DIREITO À APRENDIZAGEM E À PARTICIPAÇÃO

Angela Maria Venturini (ISERJ) Mylene Cristina Santiago (UFF)

Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral

Introdução

A educação está fundamentada em legislações e marcos filosóficos que a destaca como

direito no âmbito internacional: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),

Declaração da Educação para Todos (1990), Declaração de Salamanca (1994); e no âmbito

nacional: Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, LDBEN (1996).

Partindo do pressuposto de que todas as pessoas têm direito à educação e que todas as

pessoas podem aprender, envereda-se para uma assertiva que é: os preceitos legislativos de

fato garantem a todos o direito de aprender?

A aprendizagem é um conceito complexo de definir, pois está envolvida em dimensões

socioculturais e políticas que a articulam com outros conceitos: culturas, currículo e

conhecimento. Candau e Moreira (2007, p. 25) consideram que o conhecimento escolar

seja um dos elementos centrais do currículo e que sua aprendizagem seja condição

indispensável para que os conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos,

criticados e reconstruídos pelos estudantes. Assim justificam:

“A necessidade de um ensino ativo e efetivo, com um/a professor/a comprometido (a), que conheça bem, escolha, organize e trabalhe os conhecimentos a serem aprendidos pelos(as) alunos(as). Daí a importância de selecionarmos, para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e significativos (CANDAU; MOREIRA, 2007, p. 21).”

Desse modo compreende-se que conhecimentos relevantes e significativos possuem

conexões com o mundo social no qual são produzidos e estão relacionados com saberes e

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práticas que envolvem questões de identidade social, interesses, relações de poder e

conflitos interpessoais, o que corresponde a dizer que conhecimentos descontextualizados

desfavorecem um ensino mais reflexivo e uma aprendizagem mais significativa.

O presente trabalho tem como objetivos apresentar os principais conceitos relacionados aos

processos de inclusão em educação; problematizar a relação entre escola, família e

culturas; e, discutir o processo de formação de professores no contexto da ‘participação-

reflexão-ação’.

Utilizar-se-á como estratégia metodológica revisão bibliográfica de autores que dialogam

com os processos de inclusão em educação, formação de professores, currículo e práticas

pedagógicas com o propósito de atingir os objetivos anunciados.

Formação de professores e dimensões de inclusão em educação

É frequente ouvir queixas de alunos a respeito da prática pedagógica de professores, ou

ainda, a respeito da forma excludente, preconceituosa e seletiva do sistema educacional no

que diz respeito a vários aspectos, como avaliação, cotidiano didático/pedagógico

propriamente dito, relação professor-aluno, relação entre profissionais, entre outros,

caracterizando práticas bastante desiguais.

Diante deste quadro, a atenção será direcionada no processo de formação docente,

enfatizando a relação professor-aluno e a contextualização sociocultural no processo de

ensino-aprendizagem. Para isso abordar-se-á questões sobre o currículo de formação

docente, em suas dimensões de cultura, política e prática de inclusão na formação inicial

do professor.

Em educação, a inclusão reafirma o maior princípio já proposto internacionalmente: o

princípio da educação de qualidade como um direito de todos, que foi oficialmente

formalizado na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, contemplando as

necessidades básicas de aprendizagem, na Conferência de Jomtiem, Tailândia, em 1990.

Desde então, o conceito de inclusão tem sido estudado e monitorado por Comissões

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Internacionais, sempre com o intuito de promover estudos que forneçam informações sobre

o estado de arte da educação nos países em geral, especialmente no que diz respeito à

garantia de participação e permanência de seus cidadãos nos sistemas educacionais.

Em outras palavras, o processo de inclusão se refere a quaisquer lutas nos diferentes

campos sociais, contra as exclusões, tanto as que se percebem com facilidade, como

aquelas mais sutis. Refere-se, ainda, em um nível mais preventivo, a todo e qualquer

esforço para evitar que alguém em risco de ser excluído de dado contexto, por qualquer

motivo que seja, acabe de fato excluído. Desse modo, uma instituição educacional com

orientação inclusiva é aquela que se preocupa com a transformação da estrutura, do

funcionamento e da resposta educacional que se deve dar a todas as diferenças individuais,

em qualquer instituição de ensino, de qualquer nível educacional (SANTOS, 2003).

O conceito de inclusão que será adotado envolve reduzir as pressões excludentes e

combater barreiras que impedem à participação e à aprendizagem. Nesse sentido, inclusão

significa colocar valores inclusivos em prática e para que tais valores sejam desenvolvidos

nos espaços e cotidianos escolares, é necessário articular três dimensões fundamentais para

a efetivação desse processo infindável: culturas, políticas e práticas de inclusão (BOOTH,

2012). De acordo com o referencial conceitual-analítico, do Index para a Inclusão, a

dimensão de culturas inclusivas refere-se,

À criação de comunidades seguras, acolhedoras, colaborativas, estimulantes, em que todos são valorizados. (...) Os valores inclusivos de cultura orientam decisões sobre políticas e a prática a cada momento, de modo que o desenvolvimento é coerente e contínuo. A incorporação de mudança dentro das culturas da escola assegura que ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianças e seja transmitida aos que estão chegando à escola. (BOOTH, 2012, p. 46)

A dimensão de políticas inclusivas garante,

que a inclusão permeie todos os planos da escola e envolva a todos. As políticas encorajam a participação das crianças e professores desde quando estes chegam à escola. (...) a política de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientação de responder à diversidade dos envolvidos nela, de forma a valorizar a todos igualmente. (BOOTH, 2012, p. 46)

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A dimensão de práticas inclusivas refere-se,

A desenvolver o que se ensina e aprende, e como se ensina e aprende, de forma a refletir valores e políticas inclusivos. (...) a aprendizagem é orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos à diversidade de jovens na escola. As crianças são encorajadas a ser ativas, reflexivas, aprendizes críticas e são vistas como um recurso para a aprendizagem uma das outras. Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianças. (BOOTH, 2012, p. 46)

Considera-se que a adoção de tais dimensões no processo de análise e desenvolvimento de

contextos escolares mais inclusivos seja um caminho bastante promissor para todos os

atores: estudantes, professores, gestores, pais e responsáveis e comunidade em geral.

O papel do currículo no processo de inclusão em educação

Que implicações têm os valores inclusivos sobre formas e conteúdos do que aprendemos e ensinamos Se os valores têm a ver com como devemos viver juntos, então os currículos têm a ver com o que devemos aprender para viver bem (BOOTH, 2012, p. 34)

Inicia-se a reflexão sobre o papel do currículo no processo de inclusão em educação com

uma problematização e sua respectiva resposta oferecida por Booth e percebe-se que o

autor nos provoca e encoraja a refletir sobre a experiência de estar na escola como pessoas

atuantes no processo ensino-aprendizagem.

Na condição de atuantes e diante das diversidades presentes nas escolas faz-se o convite

para posicionar a(s) cultura(s) como eixo central do currículo como um desafio para as

escolas. Moreira e Candau (2003) ressaltam que construir o currículo nessa perspectiva irá

requerer do professor novas posturas, novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos,

novas estratégias e novas formas de avaliação. Tais mudanças não se referem apenas aos

professores, mas a toda a comunidade escolar. Tais valores inclusivos orientam as decisões

sobre as políticas e as práticas diárias em sala de aula e na escola como um todo.

Entende-se por currículo “o conjunto de todas as experiências de conhecimento

proporcionadas aos/às estudantes” (SILVA, 1995, p. 184). Desta maneira, currículo diz

respeito não somente à organização de conteúdos a serem ensinados, como também

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engloba todas as relações que perpassam o processo dessa organização, desde a escolha

sobre o que priorizar a ser ensinado na escola até a decisão sobre quem determina esses – e

outros – aspectos que comporão o processo ensino-aprendizagem como um todo. Sobre

esse assunto, Silva declara que

o currículo (...) está no centro mesmo da atividade educacional. Afinal, a escola não está apenas histórica e socialmente montada para organizar as experiências de conhecimento de crianças e jovens com o objetivo de produzir uma determinada identidade individual e social. Ela, de fato (...) funciona dessa forma. Isto é, o currículo constitui o núcleo do processo institucionalizado de educação (1995, p.184)

Compreender o currículo escolar como um campo em que estão em jogo múltiplos

elementos, implicados em relações de poder, compondo um terreno privilegiado da política

cultural, é uma tarefa que busca analisar as escolas e seus currículos como territórios de

produção, circulação e consolidação de significados. (COSTA, 1998)

O currículo escolar tem sido considerado como um texto que deve contar histórias sobre

indivíduos, grupos, sociedades, culturas, tradições, que têm a pretensão de nos relatar

como as coisas são ou como deveriam ser. Costa (1998) assinala que na política cultural

essas representações construídas pelos discursos posicionam os indivíduos em certa

geografia e economia do poder, cujo objetivo é o governo, a regulação social.

Na perspectiva de redefinir o currículo como cultura, Macedo propõe pensar as relações

entre cultura e currículo para além das distinções binárias entre produção e reprodução

cultural, entendendo a necessidade de criar formas que permitam dialogar com o poder em

uma perspectiva menos hierárquica. Desse modo, esclarece:

Não vejo o currículo como um cenário em que as culturas lutam por legitimidade, um território contestado, mas como uma prática cultural que envolve, ela mesma, a negociação de posições ambivalentes de controle e resistência. O cultural não pode, na perspectiva que defendo, ser visto como fonte de conflito entre diversas culturas, mas como práticas discriminatórias em que a diferença é produzida. [...] o currículo é ele mesmo um híbrido, em que as culturas negociam com a diferença. (2006, p. 105)

A autora posiciona-se de forma favorável à negociação com a diferença cultural e critica os

projetos que não consideram a historicidade dessas diferenças, visando a domesticá-las e

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reduzi-las a iniciativas de discriminação positiva ou programas assistenciais e/ou

compensatórios, que tendem a fixar as diferenças, transformando-as em diversidade.

No que se refere à diferença cultural, no cenário escolar a relação família-escola tem sido

foco de tensões e expectativas frustradas que merecem nossa atenção.

Escola, família e culturas

O processo de inclusão envolvendo família-escola e suas respectivas culturas é de grande

relevância na proposição e no desenvolvimento das escolas em uma perspectiva inclusiva.

Assim, deter-se-á um pouco na discussão sobre os contraditórios processos de

inclusão/exclusão que envolvem a relação entre família e escola.

Em debates e reuniões escolares percebe-se que a teoria da carência cultural é uma

concepção que justifica as dificuldades dos estudantes em função do seu meio

sociocultural-familiar. Patto (2008) esclarece que essa “teoria‟ trata de uma explicação

engendrada pela psicologia educacional norte-americana nos anos 1960-1970, para o

problema das desigualdades sociais da escolarização, que sustenta a ideia de que nossos

estudantes pertencem a uma cultura deficitária ou diferente.

Esse processo consiste em etnocentrismo, que de acordo com Akkari (2010, p. 18):

“Permite a avaliação e a interpretação das diferentes culturas segundo um esquema específico da sua própria cultura. O etnocentrismo pode implicar julgamentos de valor relativos a outros indivíduos, possuidores de uma cultura cujas práticas são incompreensíveis porque são desconhecidas.”

O etnocentrismo consiste em um processo de hierarquização das práticas culturais de um

determinado grupo, que na maioria das vezes se converte em práticas discriminatórias nas

instituições educacionais. O grande desafio do processo educacional é reconhecer os

diferentes contextos dos estudantes, a partir de experiências que promovam perspectivas

diversas sobre o contexto sociocultural dos mesmos, descentrando as visões e perspectivas

únicas e totalizantes, enfrentando situações de discriminação e preconceitos presentes no

cotidiano escolar (SANTIAGO, 2011).

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A participação da família nas escolas é estabelecida através de uma relação tensa em que

não raras vezes, as famílias são consideradas desestruturadas e desprovidas de

possibilidade de auxiliar o processo de escolarização dos estudantes, sendo, portanto,

culpabilizadas pelas barreiras escolares enfrentadas pelos estudantes. Em uma perspectiva

de ruptura com tais situações, Candau (2008) aponta aos professores o desafio de conceber

a prática pedagógica como um processo de negociação cultural e a necessidade de

compreender a escola como espaço de crítica e produção cultural.

Oliveira e Marinho-Araújo (2010) destacam que no relato de muitos professores há a

afirmação de que, apesar de abrirem as portas da escola à participação dos pais, esses são

desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em que atribuem à escola

toda a responsabilidade pela educação. Esta argumentação dos professores promove a

“culpabilização das vítimas‟, e se fundamenta em uma perspectiva etnocêntrica, discutida

anteriormente, que representa uma visão distorcida sobre as famílias, rotulando-as de

forma negativa, e assim, criando barreiras que impedem a construção da relação família-

escola.

Para isso a escola e seus atores precisam compreender sua(s) própria(s) cultura(s) através

do reconhecimento de seus sujeitos, suas complexidades e rotinas e fazer as

problematizações sobre suas condições concretas, sua história e sua organização interna.

Esse reconhecimento ou reflexão poderia ser instaurado com a elaboração ou reavaliação

do projeto político pedagógico, que requer a participação de toda a comunidade escolar no

processo de identificação de suas próprias barreiras e possibilidades.

Formação de professores no contexto da ‘participação-reflexão-ação’.

As questões da diversidade, em suas múltiplas complexidades, reafirmam o papel dos

professores além da promoção das aprendizagens, mas também na construção de processos

inclusivos que permitam responder a esses desafios. Para que tais propostas sejam

viabilizadas, a formação de professores se torna um tema central. Nóvoa (2009, p. 13)

destaca que o consenso discursivo dominante na última década, para assegurar a

aprendizagem docente e o desenvolvimento profissional dos professores propõe:

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“Articulação da formação inicial, indução e formação em serviço numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida; atenção aos primeiros anos de exercício profissional e à inserção dos jovens professores nas escolas; valorização do professor reflexivo e de uma formação de professores baseada na investigação; importância das culturas colaborativas, do trabalho em equipe, do acompanhamento, da supervisão e da avaliação dos professores; etc.”

Considera que esse discurso foi produzido e vulgarizado por especialistas no âmbito

nacional e internacional promovendo uma inflação discursiva sobre os professores, sem

que os mesmos fossem autores destes discursos. Para Nóvoa (2009, p. 15-16):

“Devemos ter consciência deste problema se queremos compreender as razões que têm dificultado a concretização, na prática, de ideias e discursos que parecem tão óbvios e consensuais [...] O excesso dos discursos esconde, frequentemente, uma grande pobreza das práticas. Temos um discurso coerente, em muitos aspectos, consensual, mas raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer.”

Para superar parte dos dilemas atuais, o autor se alicerça em três medidas que mesmo

julgando que estão longe de esgotar as possíveis respostas, considera que devem ajudar,

são elas: 1ª) passar a formação de professores para dentro da profissão; 2ª) promover novos

modos de organização da profissão; 3ª) reforçar a dimensão pessoal e da presença pública

dos professores.

As duas primeiras medidas invocam uma reestruturação dos valores, políticas e práticas

que perpassam a formação docente no sentido de afirmarem que as propostas teóricas

adquirem mais sentido se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos professores sobre

sua própria prática, reforçando o sentimento de pertencimento e de identidade profissional,

pontos centrais para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os

transformem em práticas concretas de intervenção.

A última medida revela a importância de afirmar o prestígio e o estatuto social da profissão

docente, reforçando a presença e a visibilidade do professor no espaço público, no sentido

de dar-lhes voz, sem que outros falem por ele.

Nesta perspectiva, Contreras (2002) busca captar a significação do processo de autonomia

no contexto de diferentes concepções educacionais e sobre o papel daqueles que ensinam.

A proletarização dos professores, resultado da progressiva perda de autonomia intelectual

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gerada por projetos curriculares, textos e/ou manuais didáticos, nos quais se estipula passo

a passo as tarefas do professor, reflete a chamada tecnologização do aprendizado‟

(McLAREN, 1997). Esse processo conduz à degradação do trabalho, reduzindo as

possibilidades de articular um trabalho pedagógico, que seja fruto de decisões pensadas e

discutidas coletivamente, interferindo, assim, na autonomia docente.

Para romper com os mencionados processos, Santiago (2011) sugere contínuos processos

de participação-reflexão-ação envolvendo o coletivo de professores na própria escola, pois

acredita que a construção da teoria e a vivência do cotidiano didático por parte de cada

docente só é possível na medida em que ele se dispõe a questionar sua própria prática. O

ato de questionar a própria prática pode favorecer processo identitários e coletivos que

operem o compartilhamento de filosofias voltadas para valores inclusivos e que articulem

as dimensões de políticas, culturas e práticas de inclusão em toda a extensão de saberes-

fazeres necessárias à docência.

Considerações finais

Este artigo finaliza, recuperando a ideia inicial de se investir nas dimensões de culturas,

políticas e práticas de inclusão em educação no desenvolvimento de espaços escolares que

visam garantir o direito à aprendizagem e à participação. Cientes de que apenas legislações

e marcos filosóficos não são suficientes para transformar as práticas, ratifica-se que a

formação de professores precisa ser ancorada em valores inclusivos.

Tais valores devem favorecer a construção de espaços que valorize a diversidade e a

participação de todos, sustentando a ideia de que todos precisam ser valorizados no espaço

escolar. Sentir-se valorizado e aceito em um espaço é o primeiro passo para se tornar um

participante ativo e se envolver nas decisões de forma responsável e consciente.

As transformações no âmbito dos valores terão repercussões no currículo e na orquestração

de práticas voltadas para a valorização da diversidade de todos os estudantes e da

comunidade em geral. Os valores inclusivos favorecem também a superação de práticas

etnocêntricas em relação às diferenças familiares e culturais presentes no espaço escolar.

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Finalmente, partindo do pressuposto de que inclusão é um processo infindável e que exige

movimentos constantes, faz-se necessário oferecer oportunidades de formação permanente

aos professores, sendo a própria escola o lócus de formação indispensável ao processo de

participação-ação-reflexão, pois compreender a dinâmica de cada comunidade escolar é

ponto de partida para um processo de formação coletiva, que deverá resultar na ampliação

do compartilhamento de filosofias, incertezas e responsabilidades e na adoção de culturas,

políticas e práticas para superar as barreiras institucionais e atitudinais existentes nos

espaços escolares e na subjetividade de cada um.

Referências

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