12
49 RBCE - 117 DEFINIÇÃO DE DIPLOMACIA ECONÔMICA O Brasil e a Holanda mantêm excelentes relações bilaterais, sendo desnecessário dizer que laços econômicos mútuos compõem uma parcela essencial dessa parceria. Todavia, há espaço para a expansão e para a intensificação desse relacionamento econômico. Devido a isso, a diplomacia econômica está se tornando uma parte cada vez mais importante de nossas relações com o Brasil, e de nossas relações internacionais em geral. Porém, o que exatamente significa diplomacia econômica? Neste artigo vamos discorrer sobre sua definição, a política holandesa em termos de política econômica, sua estrutura institucional, parcerias público- privadas e a relevância da diplomacia econômica. Em harmonia com a política holandesa, diplomacia econômica é definida nesse caso como o uso das relações e influências do governo para promover os interesses comerciais de uma empresa holandesa, ou de um grupo delas, em um país estrangeiro. Essa é uma interpretação limitada da diplomacia econômica, mais comumente chamada de diplomacia comercial. A diplomacia econômica é normalmente interpretada em termos mais amplos, abrangendo não apenas “fins comerciais”, mas também “fins políticos”, que incluem o uso de instrumentos econômicos (ex.: sanções, controles de Kees Rade é embaixador do Reino dos Países Baixos no Brasil. Diplomacia econômica: elemento essencial da política externa holandesa Kees Rade diplomacia no século XXI

Diplomacia econômica: elemento essencial da política ... · 52 RBCE - 117 4. Estabelecer presença holandesa mais forte em mercados emergentes ou em expansão; 5. Facilitar o acesso

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

49RBCE - 117

DEFINIÇÃO DE DIPLOMACIA ECONÔMICA

O Brasil e a Holanda mantêm excelentes relações bilaterais, sendo desnecessário dizer que laços econômicos mútuos compõem uma parcela essencial dessa parceria. Todavia, há espaço para a expansão e para a intensificação desse relacionamento econômico. Devido a isso, a diplomacia econômica está se tornando uma parte cada vez mais importante de nossas relações com o Brasil, e de nossas relações internacionais em geral.

Porém, o que exatamente significa diplomacia econômica? Neste artigo vamos discorrer sobre sua definição, a política holandesa em termos de política econômica, sua estrutura

institucional, parcerias público-privadas e a relevância da diplomacia econômica.

Em harmonia com a política holandesa, diplomacia econômica é definida nesse caso como o uso das relações e influências do governo para promover os interesses comerciais de uma empresa holandesa, ou de um grupo delas, em um país estrangeiro.

Essa é uma interpretação limitada da diplomacia econômica, mais comumente chamada de diplomacia comercial. A diplomacia econômica é normalmente interpretada em termos mais amplos, abrangendo não apenas “fins comerciais”, mas também “fins políticos”, que incluem o uso de instrumentos econômicos (ex.: sanções, controles de

Kees Rade é embaixador do Reino dos Países Baixos no Brasil.

Diplomacia econômica: elemento essencial da política externa holandesa Kees Rade

diplomacia no século XXI

50 RBCE - 117

capital) para fins políticos (ex.: segurança, alianças) ao invés de metas puramente econômicas (promoção de comércio internacional e de investimentos). Porém, a diplomacia econômica não é praticada isoladamente, ela faz parte de uma coletânea de relações bilaterais e multilaterais entre os países, como as culturais, históricas e políticas. Dentro de uma definição mais ampla, incluímos também a diplomacia do comércio internacional, que se refere a negociações e tomadas de decisão em relações de comércio internacional (ex.: Organização Mundial de Comércio, acordos de comércio bilaterais ou com a UE). Apesar de isso certamente influenciar os interesses comerciais de empresas holandesas no exterior (ex.: tarifas/impostos de importação), estes não serão abordados neste artigo. Outros elementos importantes abrangidos pela definição mais ampla de diplomacia econômica que, nesse caso, serão apenas tocados e não tratados de forma extensiva incluem a atração de investimentos estrangeiros para a Holanda e a promoção do país no exterior (ex.: “Holland Branding” [gestão da marca ‘Holanda’] ou diplomacia pública).

Este artigo se concentra em apoio não financeiro para empresas, mais especificamente no fornecimento de informação, missões comerciais lideradas pelo governo ou por representações diplomáticas holandesas no exterior, deixando

de cobrir o apoio financeiro fornecido, como nos casos de seguro exportação e de subsídios para novos exportadores.

O Brasil apresenta muitas oportunidades para empresas holandesas. Mesmo assim, somente oportunidades não são suficientes para o governo intervir na forma de diplomacia econômica. Por natureza, as próprias empresas estão na melhor posição para identificar e aproveitar oportunidades. A diplomacia econômica será mais efetiva se for direcionada a barreiras específicas para as empresas holandesas que necessitem de intervenção governamental para suprir falhas de mercado, o que pode reduzir o comércio e investimento internacionais e, portanto, a prosperidade nacional. Nessas situações, a intervenção do governo pode ser assegurada, desde que os benefícios superarem os custos.

De acordo com a literatura sobre a diplomacia econômica, a intervenção do governo pode ser necessária para:

1. Distribuir o conhecimento: governos podem proporcionar informação específica, imparcial e confiável com origem em sua rede ímpar e não comercial, por exemplo, por meio do diálogo político;

2. Sinalizar: pelo lado da oferta, o comércio e o investimento em determinados produtos exigem a necessidade de

envolvimento do governo (ex.: garantias no caso de bens de mais de uma utilidade e outros bens e serviços politicamente sensíveis); pelo lado da demanda, pode surgir a necessidade de envolvimento do governo quando os próprios governos de outras nações forem os clientes ou quando desempenharem um papel importante na atividade (ex.: obras de infraestrutura do setor hídrico, empresas estatais do setor de petróleo e gás). O governo holandês também pode agir como garantia de qualidade para empresas holandesas e auxiliar na promoção dos Países Baixos e dos produtos e serviços holandeses (ex.: “Holland Branding” e missões comerciais);

3. Melhorar o acesso ao mercado: por intermédio de sua rede ímpar de relacionamentos e sua influência, o governo holandês pode facilitar o acesso ao mercado para empresas holandesas que, de outra maneira, poderiam encontrar dificuldades devido a regulamentos ou outras atividades de governos estrangeiros (ex.: ao fornecer acordos de proteção de investimentos, apoio em requisitos fitossanitários e auxílio em questões legais).

A árvore de decisão abaixo fornece uma visão geral dos casos em que a intervenção de governos pode agregar valor.

51RBCE - 117

POLÍTICA HOLANDESA SOBRE A DIPLOMACIA ECONÔMICA

Apesar de a diplomacia econômica não ser nova, recentemente esta vem recebendo atenção muito mais explícita na Holanda, acompanhando a tendência internacional. No acordo de coalizão do governo de 2010, a promoção dos interesses econômicos holandeses foi mencionada explicitamente como um dos três pilares da política de relações internacionais da Holanda.

Mais especificamente em relação à política holandesa para a América Latina, somente recentemente a diplomacia econômica passou a ser incluída em documentos de políticas oficiais. Por exemplo, na política de 2004 para a região, a cooperação para o desenvolvimento foi o foco principal (ex.: desenvolvimento do setor da iniciativa privada e da responsabilidade social empresarial por meio de ONGs). Enquanto a promoção do comércio e de investimentos holandeses na região recebeu

mais atenção em 2009, com uma extensa descrição da estratégia para o setor portuário brasileiro, por exemplo, a diplomacia econômica somente passou a ser prioridade para a região em 2011, com a gradual desaceleração da cooperação para o desenvolvimento. Em nível de países, a estratégia para a aplicação da diplomacia econômica é descrita pelos planos de ação plurianuais elaborados pelas embaixadas.

Em carta ao Parlamento, com o título “Mercados Estrangeiros, Oportunidades Holandesas” (2011), o governo estabeleceu quatro metas para sua política econômica internacional cobrindo diferentes aspectos da diplomacia econômica:

1. Aprimorar a livre movimentação de comércio e de investimentos, inclusive fortalecer o mercado comum europeu;

2. Posicionar empresas holandesas em países com grande potencial para comércio internacional, investimentos e inovação,

e limitar a interferência de governos estrangeiros nesses negócios internacionais;

3. Aumentar o número de pequenas e médias empresas (PMEs) que atuam em nível internacional;

4. Aumentar e consolidar o número de investimentos por empresas estrangeiras na Holanda.

Em 2012, na “Carta sobre Exportações”, as principais atividades da diplomacia econômica — tanto em nível multilateral quanto bilateral — foram definidas claramente:

1. A remoção de barreiras comerciais por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o estabelecimento de mais acordos comerciais regionais;

2. Uma política ativa de reforço aos acordos existentes em comércio e investimentos;

3. Consulta bilateral sobre barreiras de comércio específicas;

O mercado necessita de informações específicas que somente o governo pode fornecer?

SIM NÃO

O mercado exige envolvimento do governo para sinalizar a qualidade dos produtos e das empresas Diplomacia econômica (função de conhecimento)

SIM NÃO

A natureza do produto requer o envolvimento do governo? Diplomacia econômica (função de sinalização e acesso ao mercado)

SIM NÃO

Existem dificuldades com a regulamentação (ou interpretação da mesma)

Diplomacia econômica (função de acesso ao mercado)

SIM NÃO

Os interesses de empresas holandesas são prejudicados por (in) atividade de governo estrangeiro?

Diplomacia econômica(função de acesso ao mercado, resolução de problemas)

SIM NÃO

52 RBCE - 117

4. Estabelecer presença holandesa mais forte em mercados emergentes ou em expansão;

5. Facilitar o acesso a mercados fechados por meio de missões econômicas, pelo uso de redes e por lobbies da rede diplomática.

Outras atividades incluem:

6. Promover os Países Baixos ou “Holland Branding”;

7. Prover informação, aconselhamento e apoio para promoção coletiva;

8. Resolução de problemas para empresas holandesas e apoio para grandes empresas multinacionais holandesas;

9. Prover garantias de crédito de exportação;

10. Apoiar projetos para desenvolvimento sustentável e empreendedorismo socialmente responsável;

11. Atrair investimento estrangeiro — por exemplo, ao melhorar o clima de investimentos na Europa.

Nos últimos anos, a política em diplomacia econômica holandesa vem focando, cada vez mais, países, setores e programas específicos. Existem expectativas muito altas sobre os efeitos no longo prazo do posicionamento oportuno em mercados emergentes, com o Brasil sendo um dos países prioritários e o único na

América Latina visado nesse aspecto. Consequentemente, tem havido uma expansão da rede econômica no Brasil, com as embaixadas em alguns outros países da América Latina sendo fechadas. A divisão das responsabilidades públicas e privadas também recebeu mais atenção nos últimos anos, ao mesmo tempo em que foi enfatizada a necessidade de cooperação próxima.

Isso levou a uma redução no número de instrumentos, programas e subsídios empregados na diplomacia econômica. Por exemplo, em 2012 vários programas foram reunidos no programa Parceiros para Negócios Internacionais (Partners for International Business — PIB), com a contribuição financeira do governo sendo significativamente reduzida em função do foco em suporte não financeiro por meio da diplomacia econômica (ou seja, redes e missões econômicas). As parcerias público-privadas do governo holandês variam de país para país na América Latina — por exemplo, em relação à cooperação com a Câmara Holandesa de Comércio no Exterior (ex.: Argentina) ou o uso de eventos para “Holland Branding” (ex.: Ano da Holanda no Brasil, 2011).

A atração de investimentos estrangeiros permanece como uma atividade importante. Para tanto, o atual Rei da Holanda — naquela época, Sua Alteza Real, o Príncipe de Orange — inaugurou oficialmente o

Em outubro 2012, a responsabilidade pela política econômica internacional, incluindo a diplomacia econômica, foi transferida para o Ministério de Relações Internacionais

53RBCE - 117

escritório da Agência Holandesa de Investimentos Estrangeiros (Netherlands Foreign Investment Agency — NFIA) em São Paulo, em novembro do ano passado. A cooperação entre a NFIA e a APEX recebeu um impulso adicional com a assinatura de um Memorando de Entendimento em outubro deste ano, com a presença do senhor André Alvim e da ministra holandesa para o Comércio Exterior e o Desenvolvimento de Cooperação, Lilianne Ploumen.

Ademais, desde 2004 tem havido um esforço para uma cooperação aprimorada entre as diferentes partes da rede econômica, tanto em Haia — entre os diferentes ministérios — , quanto no exterior — entre embaixadas, consulados e outros atores. Por exemplo, em 2011 foi introduzida a Agenda Estratégica de Viagens, pela qual o Ministério de Relações Exteriores busca coordenar as missões econômicas de alto nível para países prioritários, como o Brasil, envolvendo diferentes ministérios. De forma semelhante, agora temos uma maior cooperação em nível nacional (ex.: ao integrar especialistas em agricultura e em inovação no setor econômico, mas também empregando a cooperação cultural para a diplomacia econômica).

Além disso, a política de diplomacia econômica holandesa busca a coerência com outros aspectos da política de relações exteriores, incluindo o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social

empresarial (RSE). Não obstante, mesmo nas mais recentes políticas para a América Latina (2011), a RSE é mencionada como “apoio para a liberdade” (o que inclui os direitos humanos e a segurança) ao invés de “riqueza e crescimento econômico” (o que inclui a diplomacia econômica). Durante a anteriormente referida visita da ministra Ploumen, a embaixada da Holanda, em cooperação com a CNI, organizou um seminário com mesa-redonda sobre a RSE com CEOs de empresas brasileiras e holandesas, para troca de opiniões e possibilidades para ampliar a implementação de RSE como parte central de modelos de negócios.

ESTRUTURA INSTITUCIONAL

Até o ano passado, o Ministério de Relações Exteriores (Ministry of Foreign Affairs — MFA) e o Ministério da Economia (Ministry of Economic Affairs — MEA) eram conjuntamente responsáveis pela diplomacia econômica multilateral e bilateral. O MEA assumiu a liderança, sendo responsável por questões de natureza econômica e, portanto, pelo desenvolvimento da política em diplomacia econômica, bem como dos respectivos instrumentos a serem usados. Enquanto isso, o MFA ficou responsável pela rede diplomática holandesa no exterior e pelas relações bilaterais em geral (ex.: políticas culturais). Também é importante observar que o MFA holandês atende outras partes do Reino

da Holanda, como Curaçao, Sint Maarten e Aruba, e que a delegação holandesa no Brasil auxilia as missões comerciais oficiais desses países. Devido à sua posição geográfica, isso se torna particularmente relevante para a diplomacia econômica na América Latina.

Em outubro 2012, a responsabilidade pela política econômica internacional, incluindo a diplomacia econômica, foi transferida para o Ministério de Relações Internacionais, sob a liderança do ministro do Comércio e do Desenvolvimento. Isso resultou em uma mudança fundamental nas responsabilidades de ambos os ministérios, com impacto sobre a política e a prática da diplomacia econômica ainda por ser observado.

Outros ministérios também estão envolvidos em aspectos específicos da diplomacia econômica. Por exemplo, o Ministério das Finanças está envolvido nas garantias de créditos de exportação e acordos fiscais bilaterais. O Ministério da Infraestrutura e Meio Ambiente fornece auxílio para atividades internacionais no setor de infraestrutura (ex.: setores hídrico, portuário), o Ministério da Defesa apoia a indústria da construção naval, e o Ministério da Educação, Cultura e Ciência trata de intercâmbios estudantis e da promoção de inovações holandesas. Ademais, governos locais também se engajam na diplomacia comercial como forma de atrair investimentos e apoiar as empresas locais no exterior.

54 RBCE - 117

Isso inclui as províncias, as grandes cidades como Amsterdã, Roterdã e Eindhoven, e, às vezes, os municípios menores.

Até o ano passado, a divisão de tarefas entre o MFA e o MEA era a seguinte.

Ministério das Relações Exteriores

Coordenação em Haia:● Agenda Estratégica de

Viagens (desde 2011).

● Coordenação de todas as missões de funcionários de alto nível do governo (ministros holandeses e prefeitos das cinco maiores cidades) para os 13 destinos mais importantes (incluindo o Brasil).

Gestão da rede diplomática:● Coordenação da rede

econômica (embaixadas, consulados, NBSO, NFIA, cônsules honorários).

● Representação política (incluindo cooperação econômica, política e cultural, contribuições para negociações comerciais, coordenação junto à UE).

● Diplomacia pública (parte da qual baseada nas campanhas de “Holland Branding” da Agency NL [Agência de Promoção das Exportações da Holanda]).

Ministério da Economia

Política:● Preparo da posição oficial

holandesa para negociações

de comércio internacional (UE, OMC).

● Desenvolvimento de acordos bilaterais de comércio e investimento.

Monitoramento das barreiras comerciais.

Gestão da Agency NL:● Ponto de contato na

Holanda para informação e aconselhamento em questões de cunho internacional.

● Gestão de programas e subsídios na promoção do comércio e de negócios internacionais (ex.: 2g@there [pronuncia-se: “to-get-there” = chegar lá]).

● Rede holandesa de escritórios de apoio a negócios [Netherlands Business Support Offices — NBSO].

● Apoio na atração de investimentos estrangeiros para a Holanda (Netherlands Foreign Investment Agency — NFIA).

● Estratégia de posicionamento da Holanda em mercados no exterior (campanhas de “Holland Branding”).

COOPERAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA

As empresas holandesas, obviamente, não dependem apenas da representação oficial holandesa para promover suas atividades no exterior. Uma ampla gama de empresas com

O governo deve prover informações privilegiadas, não divulgadas e precisas/neutras, às quais ele tem acesso por sua própria posição privilegiada.

55RBCE - 117

e sem fins lucrativos apoia as atividades comerciais no exterior. Quando comparado com outros países, até certo ponto o governo holandês trabalha de forma pontual com o setor da iniciativa privada, ao invés de, sistematicamente, dividir as tarefas e alocá-las.

Apesar de parecer haver certo nível de sobreposição nas atividades (ex.: fornecimento de informação geral de mercado ou aproximação de parceiros comerciais), o apoio do setor privado para os negócios difere por natureza da diplomacia econômica, que é uma função inerente do governo por envolver o “uso de relações e influências governamentais”. Porém, a oferta de serviços pela iniciativa privada tem condições de ir além dos serviços oferecidos pelo governo holandês. Esses negócios são geralmente conhecidos como serviços comerciais “post-match” (“pós-combinação de parceiros comerciais”) (ou “atuação secundária”), incluindo suporte por meio de planos de negócios, serviços de auditoria, aconselhamento legal e parecer sobre transações de financiamento de empresas e gestão fiscal. O governo holandês, via de regra, não oferece esses tipos de serviços comerciais. O que o governo tem condições de fazer pelas empresas holandesas é:

1. Acesso a mercados e remoção de barreiras comerciais

O governo deve se esforçar para remover as barreiras comerciais pela discussão de

legislação e regulamentação com suas contrapartes nos governos envolvidos. O governo deve intervir onde houver distorções de mercado e tratar de práticas injustas de concorrência;

2. Facilitação de acesso a funcionários de alto nível

O governo deve facilitar o acesso aos funcionários-chave, tanto em governos quanto em grandes empresas estatais. O governo também pode prover suporte adicional para empresas em áreas em que governos estrangeiros desempenham papéis importantes — por exemplo, ao fazer lobby, organizar reuniões, acompanhar empresas em visitas, ou oferecer cartas de recomendação. O envolvimento do governo oferece um endosso oficial para as empresas holandesas. Esse papel parece ser mais importante para PMEs do que para as grandes corporações holandesas que, com frequência, dispõem de suas próprias redes. Porém, mesmo as maiores empresas podem, às vezes, ser beneficiadas por uma associação com o governo;

3. O fornecimento de informação privilegiada

O governo deve prover informações privilegiadas, não divulgadas e precisas/neutras, às quais ele tem acesso por sua própria posição privilegiada. Deve, também, observar e acompanhar as oportunidades em mercados

no exterior, uma vez que a maioria das PMEs não tem capacidade de fazê-lo individualmente;

4. Promoção e coordenação Espera-se que o governo

posicione e promova setores da economia holandesa como um todo e possa desempenhar um papel específico na coordenação dos atores e atividades holandeses (ex.: empresas concorrentes ou setores com menores níveis de organização). Isso inclui a coordenação de missões comerciais.

INSTRUMENTOS E PROGRAMAS

Os instrumentos não financeiros mais visíveis são os serviços de informação e consultoria e as missões comerciais oficiais, que dependem do conhecimento, da experiência e das relações com governos e empresas construídas pela delegação holandesa na América Latina. Além disso, a Holanda investe em diplomacia pública no exterior, ou seja, a promoção da Holanda (e, dessa forma, das empresas holandesas) para a população do país anfitrião. Isso pode também influenciar as oportunidades para empresas e investidores holandeses.

Instrumentos empregados pela rede econômica:

Representações mantidas no exterior, incluindo:● Contatos com governos em

nível central e descentralizado

56 RBCE - 117

(redes, cooperação bilateral, diálogo político).

● Contatos com atores não governamentais (ex.: universidades, institutos de conhecimento, organizações culturais).

● Contatos com instituições governamentais, empresas estatais e setor privado (incluindo empresas holandesas estabelecidas).

● Contatos com outras delegações estrangeiras e a Comissão Europeia.

● Contatos com a população em geral (ex.: diplomacia pública, serviços consulares).

Informação e consultoria: Fornecimento de informação

e aconselhamento sobre os desenvolvimentos macroeconômicos, sociais e políticos, normas e regulamentação, atores principais para o governo e empresas holandeses. A informação fornecida pode variar em profundidade e abrangência:

● Informação exploratória sobre o clima comercial, cultura, regras gerais, oportunidades futuras (ex.: em websites de embaixadas).

● Informação com base na solicitação feita por empresas (frequentemente por meio de Serviço de Promoção e Orientação para Exportações do governo) a respeito de produtos ou setores

específicos e potenciais parceiros (ex.: o “levantamento de empresa parceira [partner business scan]“ fornecido em 24 horas para Brasil, Colômbia e México).

● Informação e aconselhamento em profundidade com base em solicitação específica, (ex.: resolução de problemas para empresas holandesas, apoio com a alfândega).

Missões comerciais: Suporte para visitas oficiais

de membros da Família Real acompanhando missões e/ou delegações comerciais lideradas por ministros ou oficiais de alto escalão. O programa inclui debates em mesas-redondas com funcionários públicos holandeses e locais, autoridades e empresários, seminários e participação em feiras para promoção do conhecimento e da capacidade técnica dos holandeses e outras oportunidades de trabalho em rede (ex.: receptivo, visitas a empresas, eventos).

Em novembro do ano passado, ocorreu a visita da maior missão comercial holandesa ao Brasil. Liderada pelo atual rei, na época S.A.R. o Príncipe de Orange, foram assinados mais de 20 Memorandos de Entendimento, declarações conjuntas e outras formas de acordos sobre o fortalecimento da cooperação mútua. Estes cobriram uma ampla

Nos termos do MdE, foi estabelecido um grupo de trabalho que, até o momento, já se reuniu três vezes no Brasil e três vezes na Holanda

57RBCE - 117

gama de B2B (Business-to-Business), G2G (Government-to-Government) e G2B (Government-to-Business) em muitos campos.

As empresas também organizam suas próprias missões comerciais sem a participação do governo, algumas vezes individualmente e, em outras, por meio de associações comerciais ou organizações privadas de promoção da exportação. Desde 2012, o subsídio do governo holandês para essas missões (Atividades de Promoção Coletivas (Collective Promotional Activities — CPA]) foi abolido, apesar de a rede econômica no exterior ainda fornecer apoio não financeiro (ex.: recepcionando eventos).

Esses instrumentos são usados mais frequentemente em combinação com programas específicos de setores. O programa conhecido como “2g@there”, gerenciado pela Agency NL, é um bom exemplo. Esse programa apoiou vários consórcios de empresas de setores específicos (ex.: portuário ou horticultura) em seu posicionamento em países da América Latina, com as empresas holandesas recebendo suporte financeiro para diferentes atividades — tais como a organização de missões comerciais ou estandes conjuntos “Pavilhão da Holanda” em feiras —, para o comissionamento de estudos de viabilidade ou para remunerar outras formas de aconselhamento, bem como

para o estabelecimento de representações em nível local (“Holland House”, como no Brasil). Além do componente de subsídio, o auxílio do governo holandês inclui a diplomacia econômica na forma de participação de alto escalão de governo em missões comerciais e suporte por meio de redes diplomáticas.

Outros programas de apoio a grupos de empresas para se posicionarem em mercados estrangeiros incluem Government-to-Government (G2G), Knowledge-to-Knowledge (K2K) e Partners for Water [Parceiros pela Água]. Esses programas facilitaram a troca de conhecimento e de experiência com governos locais, institutos de conhecimento e empresas em setores específicos.

A partir de 2012, todos esses programas foram substituídos pelo novo programa Parceiros para Negócios Internacionais (Partners for International Business — PIB), que coloca mais ênfase nos nove setores principais e requer um compromisso financeiro maior das empresas participantes (ou seja, um componente menor de subsídio).

A primeira vez que um conjunto diferente de instrumentos em diplomacia econômica foi aplicado no Brasil ocorreu no setor de logística. Em reconhecimento ao desejo mútuo de aprofundar e expandir a cooperação bilateral nos campos de portos, transportes e logística marítimos, foi assinado um

Memorando de Entendimento (MdE) durante a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Holanda, em 2008. Nos termos do MdE, foi estabelecido um grupo de trabalho que, até o momento, já se reuniu três vezes no Brasil e três vezes na Holanda. A implantação da cooperação entre os países foi baseada em um plano de ação conjunto redigido na primeira reunião desse grupo de trabalho. Durante a visita do secretário de Assuntos Econômicos da Holanda, em 2011, foi anunciado um programa 2g@there, que estabelece uma parceria público-privada de longo prazo nos campos de portos, transportes e logística marítimos. Recentemente, foi iniciado um novo programa PIB: Corredores de Transporte Multi e Sincromodais no Brasil.

Essa abordagem integrada e de longo prazo, usando diferentes instrumentos ao abrigo do MdE, resultou no estabelecimento de uma relação de longo prazo entre o governo holandês e as autoridades brasileiras relevantes do setor (Ministério dos Transportes, Secretaria Especial dos Portos, ANTAQ e governos estaduais). Por meio do MdE e do programa 2g@there, empresas e institutos holandeses participaram no planejamento do sistema portuário e de navegação fluvial, o que gerou conhecimento profundo e detalhado do setor para o benefício de ambos os países.

Outro exemplo é em relação ao setor de recursos hídricos.

58 RBCE - 117

No início de 2012, foi iniciado o programa G2G “Intercâmbio de boas práticas na gestão do risco de enchentes”. O programa visa aprimorar a cooperação em relação a aviso precoce de enchente e cooperação interinstitucional entre os diferentes órgãos de governo envolvidos: ANA, CEMADEN (Centro para Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), CENAD (Centro Nacional de Risco e Gestão de Desastres), Defesa Civil Nacional (Ministério da Integração Nacional — MI), CPRM (Pesquisa Geológica), bem como as empresas estaduais de recursos e agências de defesa civil em duas áreas-piloto prioritárias: o Rio Doce (Minas Gerais e Espírito Santo) e as bacias do Rio Mundaú (Pernambuco e Alagoas). Os participantes holandeses são o Ministério de Infraestrutura e Meio Ambiente, o Deltares (instituto independente em pesquisa aplicada no campo de recursos hídricos, subsolo e infraestrutura) e o Project 13 (agência de consultoria em gestão de c rise e mudanças).

Diferentes atividades foram realizadas ao abrigo do programa G2G: duas oficinas em Brasília e um Programa de Treinamento para Executivos na Holanda. No encerramento da oficina em Brasília, o presidente da ANA e o ministro de Comércio Internacional e Desenvolvimento de Cooperação assinaram uma Carta de Intenção, que definiu as bases para um novo e mais amplo programa para reforçar a troca de experiências

sobre a gestão integrada de recursos hídricos entre o Brasil e a Holanda. As instituições brasileiras, tanto em nível federal quanto estadual, aperfeiçoaram o uso do conhecimento e da tecnologia holandeses, bem como as soluções inovadoras nesse campo.

RELEVÂNCIA DA DIPLOMACIA ECONÔMICA NA AMÉRICA LATINA

A América Latina ganhou peso econômico significativo na última década, conforme ilustra sua crescente participação na produção global, indo de cerca de 5% em 2002 para 8% em 2011. Esse desempenho reflete tanto as sólidas políticas macroeconômicas aplicadas na maioria dos países da América Latina quanto a recuperação nos preços de produtos primários, além do forte impacto negativo da crise econômico-financeira na região da OECD. Essa tendência é espelhada no crescimento na participação das importações/exportações da América Latina para a Holanda e FDI, além do crescente deficit na balança comercial entre a Holanda e a América Latina.

Em 2011, o Brasil foi o principal parceiro comercial da Holanda na América Latina, respondendo por 30% do total de exportações e 45% do total de importações na região, com o comércio bilateral com o Brasil totalizando US$ 18,4 bilhões em 2012.

Em geral, os países da América Latina têm uma vantagem

A mera existência de oportunidades para empresas holandesas na América Latina não basta para ter o apoio do governo. As próprias empresas estão na melhor posição para agarrar as oportunidades

59RBCE - 117

clara em relação aos produtos primários e a produtos com consumo intensivo de recursos naturais (apesar de isso ser aplicável em menor extensão ao México). A vantagem comparativa da Holanda em termos de produtos com consumo intensivo de capital humano vem caindo gradualmente nos últimos anos, não tendo mais a mesma força para todos os países latino-americanos (ex.: sendo menor em relação ao México e ao Brasil). Essa é uma tendência esperada para o comércio com países emergentes e industrializados que já alcançaram ou estão em vias de alcançar os requisitos para se filiarem à OECD e, assim, aumentar sua exportação de produtos com consumo intensivo de tecnologia e/ou capital humano. Isso traz uma indicação do ambiente competitivo em que as empresas holandesas estão tendo de se posicionar na América Latina (que pode ser apoiado por meio da diplomacia econômica).

A importância da América Latina enquanto destino para os investimentos estrangeiros diretos da Holanda (Dutch Foreign Direct Investment — FDI) permaneceu estável no período 2002-2011, respondendo por cerca de 3% do total em FDI da Holanda. Em 2012, o FDI da Holanda no Brasil totalizou US$ 12,2 bilhões (o segundo maior, atrás dos EUA). Todas as principais empresas holandesas na América Latina estão representadas no Brasil, e empresas como KLM Royal Dutch Airlines, Philips, Unilever e Shell estabeleceram sua

presença no Brasil há décadas.Em relação a investimentos, a Holanda está muito mais envolvida na América Latina do que o contrário. Em 2009, 16 empresas da América Latina, empregando um total de 305 pessoas e com um faturamento de EUR 127 milhões, foram cadastradas na Holanda. Nove dessas 16 empresas estrangeiras eram brasileiras. Investidores bem conhecidos na Holanda incluem a Petrobras, que abriu um escritório em Roterdã em 2010, e a América Móvil.

A mera existência de oportunidades para empresas holandesas na América Latina não basta para ter o apoio do governo. As próprias empresas estão na melhor posição para agarrar as oportunidades. Porém, a diplomacia econômica pode ser mais efetiva onde houver barreiras específicas que necessitem de intervenção do governo. Essas avaliações específicas de cada país devem focar no valor agregado pela intervenção do governo ao invés de apenas nas oportunidades comerciais. De qualquer forma, os benefícios do envolvimento do governo devem ser pesados em relação aos custos da remoção das barreiras. A árvore de decisão mencionada anteriormente pode ajudar a visualizar as diferentes maneiras em que a diplomacia econômica poderia ser usada para ajudar a promover o comércio e os investimentos no Brasil (pela sinalização, conhecimento e acesso ao mercado).

As características do mercado da América Latina poderiam, a

priori, justificar o envolvimento do governo holandês por meio da diplomacia econômica, incluindo tanto o comércio quanto a diplomacia de negócios. Em países sem barreiras tarifárias ao comércio ou regulamentação complexa, o governo holandês pode apoiar empresas pelo compartilhamento de suas experiências no país e ao usar seus contatos junto ao governo — por exemplo, com agências regulatórias (função de conhecimento). Além disso, o governo holandês está bem posicionado para oferecer um “selo de qualidade” ao associar-se a consórcios de empresas (ex.: missões comerciais, apresentações), de forma a melhorar sua posição em mercados de crescimento rápido (ou seja, função de sinalização). Com base nos indicadores de “facilidade de fazer negócios”, o caso da diplomacia econômica em melhorar o acesso ao mercado pode parecer menos convincente em países como o Chile e o México quando comparados com a Argentina e o Brasil. A natureza do produto ou setor em que existem oportunidades para as empresas holandesas poderia sinalizar a necessidade de apoio do governo em função do envolvimento dos governos latino-americanos nos diferentes setores (acesso ao mercado e sinalização).

AVALIAÇÃO COMPARATIVA

A forma em que a diplomacia econômica será implementada está enraizada na história e na cultura dos diferentes países, sua

60 RBCE - 117

tradição em parcerias público-privadas e na organização de seu setor público. Infelizmente, a disponibilidade de informação em domínio público para fins de comparar a efetividade dos diferentes sistemas de promoção de comércio e investimentos é escassa. Porém, ao comparar a Holanda com países vizinhos, surgem algumas características interessantes da abordagem holandesa:

● Política A prosperidade nacional se

tornou uma meta explícita na política de relações estrangeiras da maioria dos governos ocidentais, incluindo a Holanda. Em outros países europeus, a diplomacia econômica se concentra no estabelecimento de regras e instituições multilaterais, além de promover as atividades econômicas internacionais de empresas localizadas dentro de suas fronteiras (incluindo a atração de investimentos para o próprio país). A Holanda se destaca em termos da modernização do serviço diplomático, o que deve ser obtido apesar da redução da rede e das despesas desta.

● Serviços Cada vez mais os interesses

econômicos são buscados pela facilitação dos governos e pela prestação de serviços pré-negócios (ex.: gestão da marca do país, cooperação bilateral no campo da ciência e tecnologia etc.), ao invés dos serviços mais tradicionais de promoção de exportação (ex.:

informações gerais, encontro de parcerias adequadas). Apesar de a Holanda oferecer somente serviços de “atuação primária”, alguns outros países europeus trabalham junto com suas empresas nos seus planos de negócios, e um governo contratou suas Câmaras de Comércio no Exterior para a prestação de serviços de aconselhamento legal. Além disso, as empresas holandesas têm reclamado de financiamentos para exportação oferecidos por outros governos, o que consideram ser prejudicial à competitividade holandesa.

● Taxas Em geral, as tarifas ou taxas

cobradas pelo governo servem mais para assegurar o compromisso das empresas participantes do que para cobertura de custos. A Holanda efetivamente vivenciou uma queda significativa na demanda por pesquisas ou levantamentos de mercado após a introdução de uma pequena taxa (EUR 500). Porém, as taxas cobradas pelos serviços oferecidos por algumas Câmaras de Comércio no Exterior, em geral, cobrem as despesas incorridas. Poucos países cobram taxas por serviços de aconselhamento (ex.: pesquisas de mercado, apresentações) com base no tempo investido por seus funcionários. Isso requer uma abordagem diferente, incluindo o registro do tempo gasto pelos funcionários na execução dos serviços e seus

resultados, o que não existe no sistema holandês.

● Especialização Mais do que em outros países,

a abordagem holandesa combina funções políticas e comerciais usando os mesmos funcionários e a mesma rede. Diplomatas de carreira holandeses oferecem serviços que, em outros países, são de responsabilidade de funcionários especializados contratados para tal (seja na embaixada ou em escritórios separados). Apesar de alguns diplomatas terem históricos no setor privado, até o momento este não tem sido um critério de seleção automático para uma posição ou cargo econômico. Outros países fazem uso de jornalistas recrutados localmente com experiência em setores-chave.

● Divisão de trabalho entre os setores público e privado

A política holandesa para a diplomacia econômica enfatiza a separação das responsabilidades pública e privada. Porém, em comparação com outros países, ainda parece haver espaço para uma definição mais clara da divisão de tarefas na diplomacia econômica holandesa. Sendo assim, a iniciativa privada é uma parte integrante da rede econômica do país e a abordagem em que a empresa é preparada para ajudar a si mesma pode se encaixar muito bem com os objetivos declarados na política holandesa (2011). ■