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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DIREITO DE RECUSA A TRANSFUSÕES DE SANGUE POR MOTIVOS RELIGIOSOS: DIREITOS FUNDAMENTAIS E RESPONSABILIDADE MÉDICA SUÉLLEN ALMEIDA BATISTA Itajaí (SC), junho de 2011.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DIREITO DE RECUSA A TRANSFUSÕES DE SANGUE POR MOTIVOS RELIGIOSOS: DIREITOS FUNDAMENTAIS

E RESPONSABILIDADE MÉDICA

SUÉLLEN ALMEIDA BATISTA

Itajaí (SC), junho de 2011.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DIREITO DE RECUSA A TRANSFUSÕES DE SANGUE POR MOTIVOS RELIGIOSOS: DIREITOS FUNDAMENTAIS

E RESPONSABILIDADE MÉDICA

SUÉLLEN ALMEIDA BATISTA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Msc Andrietta Kretz

Itajaí (SC), junho de 2011.

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AGRADECIMENTO

À minha família, por todo o apoio que me deram

durante a minha trajetória acadêmica, sem o

apoio de vocês certamente não teria conseguido.

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DEDICATÓRIA

À Lucinéia, minha querida mãe, que sempre me

apoiou, e que fez o possível para que hoje eu

pudesse estar aqui realizando este sonho.

Aos meus irmãos, Anderson e Wilson, por tudo

que representam em minha vida, sem eles a vida

não teria a mínima graça.

Ao meu amor e grande companheiro Edson, por

toda paciência, compreensão e incentivo.

A Caroline Rossi, por sua eterna amizade.

A Adilson Batista, meu pai, o homem mais

determinado e corajoso que já conheci, a Wilson

Batista, meu avô, Testemunha de Jeová

exemplar, estudioso e dedicado aos assuntos

Bíblicos, sempre firme em seus propósitos e no

que acreditava. Tenho a certeza que mesmo não

estando mais entre nós, estarão felizes com a

realização desse sonho.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), junho de 2011.

Suéllen Almeida Batista Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Suéllen Almeida Batista, sob o

título DIREITO DE RECUSA A TRANSFUSÃO DE SANGUE POR MOTIVOS

RELIGIOSOS: DIREITOS FUNDAMENTAIS E RESPONSABILIDADE MÉDICA,

foi submetida em 07 de junho de 2011 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Msc. Andrietta Kretz, orientadora e presidente da Banca,

Msc. Caroline Ruschel e Msc. Gilson Amilton Sgrott, membros da banca,

aprovada com a nota [______] (__________________).

Itajaí (SC), junho de 2011.

Professora Mestra Andrietta Kretz Orientadora e Presidente da Banca

Professor Mestre Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Dignidade da Pessoa Humana

“[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e

distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo

respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,

neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que

assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e

desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas

para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa

e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão

com os demais seres humanos.”1

Direitos Fundamentais

“Direitos fundamentais são os indispensáveis à pessoa humana, necessários

para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao

Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los

no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes.”2

Direito Individual

“[...] inerente à pessoa natural, reconhecido e garantido pela C.F.; é direito

civil de caráter subjetivo, que diz respeito à vida, igualdade perante a lei,

liberdade de ir e vir, de exprimir o pensamento, de culto, de religião, de

segurança pessoal, inviolabilidade da propriedade, do domicílio, da honra etc.

1 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62.

2 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica: teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 17, p. 60.

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[...]”3

Liberdade Religiosa

“[...] compreende a liberdade de cada um ter sua religião e as suas

convicções e a liberdade de, em conjunto com os que professem a mesma

religião ou a mesma confissão, ter a correspondente vida comunitária [...]”4

Responsabilidade

“Dever jurídico a todos imposto de responder por ação ou omissão imputável

que signifique lesão ao direito de outrem, protegido por lei.”5

3 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2004, p. 260.

4 WEINGARTNER NETO, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 71.

5 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Rideel, 2004, p. 469.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... IX

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

Capítulo 1 .......................................................................................... 4

DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................. 4

1.1 ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .............................................................. 4 1.2 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS............................................................. 8 1.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................................... 10 1.4 GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................... 14 1.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......................................... 20

Capítulo 2 ........................................................................................ 25

OS DIREITOS DO PACIENTE.......................................................... 25

2.1 PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................... 25 2.2 DIREITO À VIDA ....................................................................................................... 28 2.3 DIREITO À LIBERDADE .......................................................................................... 32 2.3.1 DIREITO A LIBERDADE RELIGIOSA ............................................................................. 34 2.3.2 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA .............................................................. 36 2.4 DIREITO À AUTONOMIA E O CONSENTIMENTO INFORMADO ............................ 37 2.5 DIREITO DE RECUSA .............................................................................................. 41 2.5.1 A RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SEU FUNDAMENTO RELIGIOSO ...................... 44

Capítulo 3 ........................................................................................ 51

RESPONSABILIDADE MÉDICA ...................................................... 51

3.1 RESPONSABILIDADE MÉDICA DIANTE DA RECUSA DO PACIENTE A TRANSFUSÕES DE SANGUE ....................................................................................... 51 3.1.1 CONSEQÜÊNCIAS DA IMPOSIÇÃO MÉDICA A TRANSFUSÃO DE SANGUE ......................... 56 3.2 OS RISCOS INERENTES A TRANSFUSÃO DE SANGUE ...................................... 59 3.3 ALTERNATIVAS MÉDICAS ÀS TRANSFUSÕES DE SANGUE .............................. 65 3.3.1 COMPONENTES DO SANGUE ...................................................................................... 65 3.3.2 ALTERNATIVAS MÉDICAS .......................................................................................... 66 3.3.3 VANTAGENS DOS TRATAMENTOS SEM TRANSFUSÕES DE SANGUE ............................... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 73

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 78

ANEXOS........................................................................................... 82

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RESUMO

O presente trabalho faz uma abordagem, a respeito do

direito de recusa de pacientes maiores, capazes e conscientes de seus atos a

transfusão de sangue por convicções religiosas. Para tanto o trabalho aborda a

análise dos direitos fundamentais dispostos no art. 5ª da Constituição Federal de

1988, em especial o direito a vida e a liberdade religiosa, que se deparam com

uma questão polêmica e problemática ao se chocarem com algumas religiões que

são totalmente contrarias as transfusões de sangue, ou qualquer outro tratamento

com sangue. Que é o caso das Testemunhas de Jeová, que seguem o que diz a

Bíblia, e biblicamente, podemos dizer que é pecado comer sangue, por ser o

sangue a vida, embora permitido comer carne com algumas restrições, o sangue

é um alimento proibido na Bíblia. E sendo a liberdade religiosa um direito

fundamental como deve ficar a responsabilidade médica diante da recusa aos

tratamentos, já que para os médicos a vida vem acima de todas as coisas ?

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo abordar o tema do

direito de paciente religioso a recusar transfusões de sangue.

O objetivo institucional foi o de produzir a presente

monografia para obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí – Univali.

É muito comum médicos recorrerem ao Judiciário para

requererem autorização para realizarem transfusões de sangue em pacientes que

negão receber tal tratamento.

Assim o objetivo geral desta monografia foi de analisar os

Direitos do Paciente, sendo pessoa maior, capaz, e em plenas condições de

expressar sua vontade ou que a fez em quanto capacitado, a recusar transfusões

de sangue por motivos religiosos em especial à religião das Testemunhas de

Jeová.

Os objetivos específicos foram os seguintes:

a) Discorrer a respeito dos direitos fundamentais;

b) Pesquisar a cerca dos direitos do paciente, em especial o

de recusar transfusão com sangue;

c) Investigar a respeito da responsabilidade médica diante

da recusa do paciente em receber a transfusão sanguínea.

Trata-se sem dúvida de um assunto muito delicado na qual

envolve dois dos principais direitos fundamentais, direito à vida e a liberdade, que

será abordado como objeto de estudo dessa monografia.

Para tanto, no primeiro capítulo tratar-se-á a respeito dos

direitos fundamentais, analisando-se seu conceito, gerações e características.

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No segundo capítulo abordar-se-á acerca dos direitos do

paciente, em especial o direito à dignidade da pessoa humana, à vida, a liberdade

religiosa, e a autonomia e o consentimento informado. Também serão verificados

o direito de recusa, a religião Testemunha de Jeová suas crenças e princípios, e o

fundamento religioso no que tange à recusa ao sangue.

Por fim no terceiro e ultimo capítulo investigar-se-á a

responsabilidade médica diante da recusa, os riscos inerentes às transfusões de

sangue e as alternativas médicas as transfusões, que vem sendo cada vez mais

estudada por médicos que buscam alternativas para esses tipos de pacientes.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, e estabelecendo breve síntese dos principais pontos tratados.

Para a presente monografia foram levantados os seguintes

problemas:

1º O paciente tem o direito de recusar transfusão de

sangue?

2º Poderá o médico ser responsabilidade diante da recusa a

transfusão de sangue por pessoa maior, capaz e consciente de seus atos?

3º Existem soluções alternativas aos que recusam

transfusão sanguínea?

Foram levantadas as seguintes hipóteses relacionadas a

cada problema:

a) Conforme a Constituição Federativa da República do

Brasil, todos tem direito a dignidade, a autonomia, a liberdade religiosa, sendo

inviolável o direito de consciência e de crença, devendo esses direitos ser

respeitados e protegidos, sendo a pessoa maior e capaz terá pleno direito de

decidir se quer se submeter à transfusão de sangue ou não.

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b) O médico não deverá ser responsabilizado, pois conforme

já visto na hipótese anterior, sendo pessoa maior, capaz e consciente de seus

atos tem o direito de decidir o tratamento que pense ser o melhor para si, mesmo

sob iminente risco, conforme estabelece o art. 15 do Código Civil, deverá o

paciente ter sua escolha respeitada.

c) Sim, existem alternativas ao que recusam transfusão

sangüínea.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação6 foi utilizado o Método Indutivo7, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano8, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente9, da Categoria10, do Conceito Operacional11 e da Pesquisa

Bibliográfica12.

6 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

7 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

8 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

9 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

10 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

11 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

12 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

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Capítulo 1

DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Desde o terceiro milênio a.C., no antigo Egito e

Mesopotâmia, a origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada,

onde já eram previstas maneiras de proteção ao abuso do Estado.13

Segundo Alexandre de Moraes o Código de Hammurabi

pode ter sido o primeiro a consagrar um rol de direitos comuns a todos os

homens:

O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira

codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos

os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a

dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia

das leis em relação aos governantes. A influência filosófico-

religiosa nos direitos do homem pode ser sentida com a

propagação das idéias de Buda, basicamente sobre a

igualdade de todos os homens (500 a. C.).14

Os direitos fundamentais surgiram com as declarações de

direitos formuladas pelos Estados Americanos no século XVIII, com sua

independência com relação à Inglaterra.15

13

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos

arts.1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São

Paulo: Atlas, 1997, v. 3, p. 25.

14 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, p. 25.

15 PAULO, Vicente. Aulas de direito constitucional. Org. Juliana Maia. 9 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 101.

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Logo após veio a Revolução Francesa de 1789, com a

proclamação da liberdade, igualdade, propriedades e garantias individuais

liberais.16

Rodrigo César Rebello Pinho nos ensina que:

As primeiras limitações ao poder do Estado surgiram no final

da Idade Média. O antecedente mais importante apontado

pelos autores é a Magna Carta, na Inglaterra, em 1215,

reconhecendo direitos dos barões, com restrições ao poder

absoluto do monarca. Em seguida surgiram diversas outras

declarações limitando o poder do Estado. Contudo só no

século XVIII, com as Revoluções Francesa e Americana,

foram editados os primeiros enunciados de direitos

individuais.17

A Magna Carta outorgada por João Sem-Terra em 15-06-

1215 previa entre outras garantias a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições

tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção, previsão do devido processo

legal, livre acesso à Justiça, liberdade de locomoção e livre entrada e saída do

país.18

Conforme Rodrigo César Rebello Pinho:

A 1º Declaração foi a da Virgínia, em 1776, estabelecendo,

entre outros princípios fundamentais, igualdade de direitos,

divisão de poderes, eleição de representantes, direito de

defesa, liberdade de imprensa e liberdade religiosa. Em

seguida merece destaque a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, em 1789, após a Revolução

Francesa. Possuía um caráter de universalidade, pois se

considerava válida para toda humanidade. Após a 2ª Guerra

Mundial, em 1948, foi editada, pela ONU, a Declaração

16

PAULO, Vicente. Aulas de direito constitucional, 2007, p. 101.

17 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica: teoria geral da Constituição e direitos

fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 17, p. 63.

18 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, p. 26.

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Universal dos Direitos do Homem, realçando a preocupação

com o respeito aos direitos humanos em todos os países do

mundo.19

Os primeiros direitos fundamentais surgiram com a

necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e

suas autoridades constituídas. Assim os direitos fundamentais surgiram como

uma proteção ao indivíduo frente ao Estado.20

Conforme Carlos Alberto Marchi de Queiroz:

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

decorrente da Revolução Francesa, proclamou como direitos

naturais e imprescritíveis, a liberdade, a propriedade, a

segurança, e a resistência a opressão, negando o estado de

coisas que vigorava sob o domínio da realeza.21

Com o avanço da industrialização, os cidadãos percebiam

que não bastavam os direitos individuais, e passaram a reivindicar também os

direitos econômicos e sociais, como direito ao trabalho e a seguridade social.22

Andrietta Kretz leciona:

Em 1793, a Constituição Francesa, chamada de “jacobina”,

como resposta às manifestações dos cidadãos, enunciou um

catálogo de direitos do homem, de singular importância por

seu conteúdo democrático e por seu ineditismo de

reconhecer os direitos de trabalho e de proteção frente à

pobreza e à educação.23

19

PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2001, p. 63-64.

20 PAULO, Vicente. Aulas de direito constitucional, 2007, p. 101-102.

21 QUEIROZ. Carlos Alberto Marchi de. Resumo de direitos humanos e da cidadania. São Paulo: Iglu, 2001, p. 34.

22 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 55.

23 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, 2005, p. 55.

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Nota-se, portanto, que o surgimento dos direitos

fundamentais se deu para limitar o poder do Estado, e devido à necessidade de

implantar regras com relação às garantias individuais.

Norberto Bobbio enfatiza que:

Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter

a certeza histórica de que a humanidade – toda humanidade

– partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente,

crer na universalidade dos valores, no único sentido em que

tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em

que universal significa não algo dado objetivamente, mas

algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens.24

Ganharam destaque assim os seguintes direitos

fundamentais: Princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança,

resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, principio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da

inocência, liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento.25

Por fim conforme afirma Andrietta Kretz, “os direitos

fundamentais nascem e desenvolvem com as Constituições pelas quais foram

reconhecidas expressamente”.26

Assim surgiam os direitos fundamentais, direitos pela qual o

homem lutou para conquistar e serem reconhecidos, e que continua a lutar até os

dias de hoje.

24

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 15 ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p. 28.

25 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos

arts.1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 6 ed.

São Paulo: Atlas, 2005, p.10.

26 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, 2005, p. 51.

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1.2 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Todos já nascemos com direitos e garantias, algumas delas

criadas com a evolução histórica, outras pelo ordenamento jurídico entre eles os

direitos fundamentais que são reconhecidos mundialmente, também conhecidos

como direitos do homem.

Conforme conceitua Deocleciano Torrieri Guimarães direitos

do homem são aqueles:

[…] proclamados e assegurados pela Revolução Francesa,

garantem o direito à vida, à segurança pessoal, à

propriedade, à igualdade perante a lei e a Justiça, à

proteção legal, à liberdade de ir e vir, de consciência, de

pensar, de crença, de agir por meios lícitos, de opinar, de

reunir-se pacificamente, de ter seus direitos civis e políticos,

e outros.27

Os direitos fundamentais são conceituados por muitos

doutrinadores como conjuntos de direitos do ser humano, direitos estes

estabelecidos na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, sendo

dever do Estado reconhecer e proteger esses direitos.

Ingo Wolfgang Sarlet define direitos fundamentais:

[...] conjunto de direitos e liberdades institucionalmente

reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de

determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos

delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se

deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema

jurídico do Estado de Direito.28

27

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 6 ed. São Paulo: Rideel, 2004, p. 259.

28 SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32.

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Compete ao Poder Judiciário garantir e efetivar o pleno

respeito aos direitos humanos fundamentais, sem que possa a lei excluir de sua

apreciação qualquer lesão ou ameaça de direito (CF, art. 5º, XXXV).29

João Baptista Herkenhoff ensina que:

Por direitos humanos ou direitos do homem são,

modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais

que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua

própria natureza humana, pela dignidade que ela é inerente.

São direitos que não resultam de uma concessão da

sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a

sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.30

Os direitos humanos fundamentais são vistos como uma das

previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, e ele é

direcionado basicamente para a proteção à dignidade humana em sentido mais

amplo.31

Nesse mesmo sentido Alexandre de Moraes conceitua

direitos fundamentais:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser

humano que tem por finalidade básica o respeito a sua

dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do

poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de

vida e desenvolvimento da personalidade humano pode ser

definido como direitos humanos fundamentais.32

E ainda dispõem com relação aos conflitos entre dois ou

mais direitos:

29

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 40.

30 HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humanos: gênese dos direitos humanos. v. 1. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p.30-31.

31 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 2-4.

32 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 21.

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[...] quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou

garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do

princípio da concordância ou da harmonização, de forma a

coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando

o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando

uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um

(contradição dos princípios), sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto

constitucional com suas finalidades.33

Verifica-se assim que o conceito dos direitos humanos

fundamentais esta basicamente ligado a proteção da dignidade da pessoa

humana.

1.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 teve por base três características

marcantes a título de direitos fundamentais, seu caráter analítico, seu pluralismo e

seu forte cunho programático e dirigente.34

Conforme Ingo Wolfgang Sarlet:

No que concerne ao processo de elaboração da Constituição

de 1998, há que fazer referência, por sua umbilical

vinculação com a formação do catálogo dos direitos

fundamentais na nova ordem constitucional, à circunstância

de que esta foi resultado de um amplo processo de

discussão oportunizado com a redemocratização do País

após mais de vinte anos de ditadura militar.35

Um dos fatos de fundamental importância no que concerne

aos direitos fundamentais da Constituição de 1998, diz respeito ao fato de ter ela

33

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos, 2005, p. 28-29.

34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 75.

35 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 73.

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11

sido precedida de período marcado pelo autoritarismo da ditadura militar que

vigorou no país por 21 anos.36

Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli, “a Constituição de

1988 foi o marco fundamental para o processo da institucionalização dos direitos

humanos no Brasil. Erigindo a Dignidade da Pessoa Humana a princípio

fundamental”.37

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988

dividiu os direitos fundamentais em cinco capítulos, quais sejam: direitos

individuais e coletivos, direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos

políticos.

Os direitos individuais e coletivos são aqueles inerentes a

pessoa humana: direito a vida, liberdade, dignidade, previstos no art. 5º da

Constituição de 1988.

Alexandre de Moraes leciona a respeito dos direitos

individuais e coletivos, “correspondem aos direitos diretamente ligados ao

conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como por exemplo: a

vida, dignidade, honra, liberdade”.38

Ingo Wolfgang Sarlet dispõem:

Talvez a inovação mais significativa tenha sido a do art. 5º, §

1º, da CF, de acordo com o qual as normas definidoras dos

direitos e garantais fundamentais possuem aplicabilidade

imediata, excluindo, em princípio, o cunho programático

destes preceitos, conquanto não exista consenso a respeito

do alcance deste dispositivo.39

36

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 76.

37 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 233.

38 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, v. 3, p. 43.

39 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 77.

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12

Os direitos sociais são aqueles estabelecidos na

Constituição em seu artigo 6º, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância.

Alexandre de Moraes dispõem sobre direitos sociais:

[...] caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas,

de observância obrigatória em um Estado Social de Direito,

tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos

hipossuficientes, visando à concretização da igualdade

social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado

Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV. A

Constituição Federal consagra os direitos sociais a partir do

art. 6º.40

Nacionalidade para o direito é um vinculo de uma pessoa

com seu Estado, na qual vai acarretar determinados direitos e deveres de um

para o outro.

São direitos de nacionalidade conforme conceitua Alexandre

de Moraes:

[...] nacionalidade é o vinculo jurídico político que liga um

individuo a um certo e determinado Estado, fazendo deste

individuo um componente do povo, da dimensão pessoal

deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e

sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos.41

Os direitos políticos correspondem ao direito da população

em participar do processo político, como por exemplo, o direito ao voto através do

plebiscito, referendo e a iniciativa popular. Os direitos políticos estão

regulamentados no artigo 14.

40

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, v. 3, p. 43.

41 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 25.

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13

Com relação aos partidos políticos é livre o direito de

participação e organização na vida política nacional, observando alguns preceitos

estabelecidos no artigo 17 da Constituição de 1988.

Conforme Alexandre de Moraes sobre direitos políticos e

direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos

políticos:

[...] conjunto de regras que disciplina as formas de atuação

da soberania popular. [...] Tais normas constituem um

desdobramento do princípio democrático inscrito no art. 1º,

parágrafo único, da Constituição Federal, que afirma que

todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos diretamente. A Constituição

regulamenta os direitos políticos no art. 14.42

[...] a Constituição Federal regulamentou os partidos

políticos como instrumentos necessários e importantes para

preservação do Estado Democrático de Direito,

assegurando-lhes autonomia e plena liberdade de atuação,

para concretizar o sistema representativo.43

Ingo Wolfgang Sarlet dispõem que os direitos fundamentais

estão vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio,

com relação ao seu reconhecimento pela ordem jurídica positiva interna.44

Rogério Gesta Leal destaca:

Pode-se afirmar que, como referencial jurídico, a Carta de

1988 alargou significativamente a abrangência dos direitos e

garantias fundamentais, e, desde o seu preâmbulo, prevê a

edificação de um Estado Democrática de Direito no país,

com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais

e individuais, a liberdade, a segurança, o bem – estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores

42

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, v. 3, p. 43.

43 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 1997, v. 3, p. 43-44.

44 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 80.

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supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos.45

Assim, são objetivos fundamentais do Estado Brasileiro

construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento

nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades

sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça,

cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação.46

Verifica-se que a necessidade de construção da Constituição

de 1988 se deu com a necessidade de organizar, proteger e assegurar os direitos

fundamentais da sociedade.

1.4 GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais ao longo dos tempos desde seu

reconhecimento nas primeiras Constituições passaram por varias

transformações.47

Ingo Wolfgang Sarlet leciona com relação a gerações de

direitos fundamentais “somente a partir do reconhecimento e da consagração dos

direitos fundamentais pelas primeiras Constituições é que assume relevo a

problemática das assim denominadas “gerações” (ou dimensões) dos direitos

fundamentais”.48

Assim os direitos fundamentais foram divididos em

gerações, a maioria dos doutrinadores fala em direitos fundamentais de primeira,

segunda e terceira gerações, seguindo a ordem histórica em que foram sendo

45

LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 131.

46 LEAL, Rogério Gesta. Direitos humanos no Brasil: desafios à democracia, 1997, p. 131.

47 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 52.

48 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 43.

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reconhecidos. Essas gerações, também chamadas de dimensões são dividias em

“direitos individuais, direitos sociais e direitos de fraternidade.”49

Conforme nos ensina Ingo Wolfgang Sarlet:

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu

reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o

produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social

característico do constitucionalismo francês), do pensamento

liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho

individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do

indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como

direitos de defesa, demarcando uma zona de não-

intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual

em face de seu poder.50

Os direitos de primeira geração surgiram com o Estado

Liberal do século XVIII.51

É nesse conjunto de direitos que encontram-se os direitos

individuais e políticos. Os individuais englobam os direitos a liberdade, e a

inviolabilidade de domicilio, o político se refere a participação no processo político,

como o direito de participação em reuniões, na formação de partidos, de opinar,

de votar.52

São os direitos de primeira geração conforme destaca

Alexandre de Moraes: “assim, os direitos fundamentais de primeira geração são

os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas),

surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta”.53

49

PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica: teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 17, p. 61.

50 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 54.

51 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 456.

52 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 456.

53 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 26.

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São os direitos considerados indispensáveis à pessoa

humana, como a liberdade de locomoção e inviolabilidade e domicilio.

Paulo Afonso Linhares nos ensina que:

Os direitos fundamentais da primeira geração – direitos da

liberdade – têm como conteúdo direitos e garantias

oponíveis ao Estado, cuja interferência, de qualquer

natureza ou modalidade, lhe é vedada, no exercício de

certas faculdades ou atributos pelo indivíduo.54

Nesse mesmo sentido Carlos Alberto Marchi de Queiroz

enfatiza:

Os direitos fundamentais de primeira geração, ou direitos de

liberdade, são aqueles que têm por titulares o individuo. São

oponíveis ao Estado, e se traduzem como faculdades ou

atributos da pessoa, ostentando uma subjetividade que é o

seu traço mais característico. São, enfim, os direitos de

resistência ou de oposição perante o Estado e que valorizam

primeiro o homem singular, o homem das liberdades

abstratas, o homem da sociedade mecanicista, que compõe

a sociedade civil, tenso dominado o século XIX.55

Com o decorrer dos anos veio o impacto da industrialização

com ele os vários problemas sociais e econômicos surgiram.56

Nesse sentido leciona Ingo Wolfgang Sarlet:

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais

e econômicos que a acompanharem, as doutrinas socialistas

e a constatação de que a consagração formal de liberdade e

igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo

acabaram já no decorrer do século XIX, gerando amplos

54

LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida. São Paulo: Iglu, 2002, p. 72.

55 QUEIROZ. Carlos Alberto Marchi de. Resumo de direitos humanos e da cidadania. São Paulo: Iglu, 2001, p. 42.

56 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 55.

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movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo

de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na

realização da justiça social.57

Surgiram assim os direitos fundamentais de segunda

geração, são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos

coletivos.

Conforme esclarece Andrietta Kretz, “nos direitos

fundamentais de primeira dimensão, a liberdade encontra-se como direito de

defesa contra o Estado; já nos de segunda dimensão, aparece como forma de

fazer o Estado garantir certos direitos ao indivíduo”.58

Nos direitos fundamentais de segunda geração está

inserido, por exemplo, o direito ao trabalho, e à proteção em caso de

desemprego.

Alexandre de Moraes leciona, “direitos fundamentais de

segunda geração, que são os direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no

inicio do século [...]”.59

Os direitos fundamentais de segunda geração correspondem

aos direitos sociais, direitos de conteúdo econômico e social que visam melhorar

as condições de vida e de trabalho da população.60

Paulo Bonavides enfatiza que:

Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da

primeira geração dominaram o século passado. São os

direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos

coletivos ou de coletividade [...] Nasceram abraçados ao

principio da igualdade, do qual não se podem separar, pois

57

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 55.

58 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, 2005, p. 59.

59 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2006, p. 26.

60 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, v. 17, p. 61.

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fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os

ampara e estimula.61

Assim devido às reivindicações pelos direitos sociais no

início do século XX surgiram os direitos de segunda geração, são os direitos

conquistados pelos trabalhadores.

Segundo leciona Ingo Wolfgang Sarlet:

Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que

atentar para a circunstância de que estes não englobam

apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim

denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os

exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve,

bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos

trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso

semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a

limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns

dos mais representativos.62

Já os de terceira geração são os relacionados ao patrimônio

comum da humanidade, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade,

relacionados ao meio ambiente, à paz, à comunicação.63

Conforme Paulo Afonso Linhares:

Essa dimensão de direitos fundamentais, que não tem como

objeto imediato a proteção de interesses individuais e

coletivos, ou mesmo de algum Estado, mas,

substancialmente, é direcionada aos interesses

supraindividuais, tendo como destinatário a própria

humanidade e, sendo direitos com “altíssimo teor de

humanismo e universalidade”, é fruto da reflexão madura

sobre questões ligadas “ao desenvolvimento, à paz, ao

61

BONAVIDES, Paulo. Curso de direitos constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 564.

62 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 55.

63 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 27.

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equilíbrio do meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio

comum da humanidade” [...]64

Os direitos fundamentais da terceira geração, direito ao

desenvolvimento, direito ao meio ambiente, direito à comunicação, direito à

propriedade do patrimônio comum da humanidade e o direito à paz e à segurança

trazem a qualidade de vida, faculdade que tem as pessoas de fazer escolhas, de

viverem segundo aquilo que entendem e poderem desfrutar daquelas condições

essenciais que cada pessoa deve ter à sua disposição. 65

Sobre os direitos de terceira geração Ingo Wolfgang Sarlet

dispõe que:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também

denominados de direitos de fraternidade ou de

solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se

desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo

como seu titular, destinando-se à proteção de grupos

humanos (família, povo, nação). [...]66

Ainda conforme o autor:

Cuida-se na verdade, do resultado de novas reivindicações

fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros

fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de

beligerância, bem como pelo processo de descolonização do

segundo pós-guerra e suas contundentes conseqüências,

acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos

fundamentais.67

64

LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida, 2002, p. 89.

65 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida, 2002, p. 228.

66 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57.

67 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2008, p. 56.

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Assim os direitos de terceira geração são aqueles

caracterizados como sendo de fraternidade e solidariedade, tais como a paz, o

meio ambiente, a comunicação e o patrimônio comum da humanidade.

A ainda aqueles que falam em uma quarta geração de

direitos, que surgiram com a globalização, os direitos inerentes à democracia, à

informação, e ao pluralismo.68

Paulo Bonavides leciona que:

Os direitos da quarta geração não somente culminam a

objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes

como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade

dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira

geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas

sobrevivem, senão que ficam opulentos em sua dimensão

principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-

se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos

da sociedade e do ordenamento jurídico.69

A quarta geração de direitos, ainda nos dias hoje, continua a

ser objeto de discussões por muitos doutrinadores, até mesmo porque os direitos

fundamentais continuam a evoluir.

Os Direitos Fundamentais passaram por vários momentos

históricos, sempre evoluindo ao longo dos anos, conforme reivindicações e

conquistas da sociedade.

1.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais conforme já apresentado passou

por diversas modificações ao longo dos anos, sempre buscando melhorar os

68

PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, p. 63.

69 BONAVIDES, Paulo. Curso de direitos constitucional, 2005, p. 572.

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direitos humanos, assim os direitos fundamentais possuem algumas

características.

Norberto Bobbio leciona a cerca das características dos

direitos fundamentais:

Sabemos hoje que também os direitos fundamentais são o

produto não da natureza, mas da civilização humana;

enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja,

suscetíveis de transformação e ampliação. Basta examinar

os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver o quanto

se ampliou à lista de direitos [...]. Como todos sabem, o

desenvolvimento dos direitos do homem passou por três

fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de

liberdade, [...] num segundo momento, foram propugnados

os direitos políticos, [...] finalmente, foram proclamados os

direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas

exigências [...].70

Com relação à historicidade diz–se que são produtos da

evolução histórica.71

Já a respeito da imprescritibilidade, inalienabilidade e a

irrenunciabilidade, Alexandre de Moraes conceitua:

Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais não se

perdem no tempo; Inalienabilidade: não há possibilidade de

transferência dos direitos humanos fundamentais, seja a

título gratuito, seja a título oneroso; Irrenunciabilidade: os

direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de

renuncia.72

Assim os direitos fundamentais são imprescritíveis, não se

perdem com o passar do tempo, pois se prendem a natureza imutável do ser

humano; são inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria natureza; são

70

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 1992, p. 32-33.

71 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, v. 17, p. 66 e 67.

72 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 23.

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individuais, porque cada ser humano é ente perfeito e completo, mesmo se

considerado isoladamente, são universais; pois pertencem a todos os homens.73

São ainda invioláveis, pela impossibilidade de desrespeito

por determinações infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob

pena de responsabilização civil, administrativa e criminal; é efetivo, pois a atuação

do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e

garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que a

Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato.74

Interdependentes, as várias previsões constitucionais,

apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas

finalidades; complementares; os direitos humanos fundamentais não devem ser

interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de

alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte.75

Dispõem ainda Valério de Oliveira Mazzuoli acerca das

características básicas dos direitos humanos fundamentais:

1) são titulares dos direitos humanos todas as pessoas [...]

A titularidade dos direitos humanos vem, assim, despida

de qualquer condição desfavorável às pessoas

protegidas.

2) os direitos humanos são, por natureza, fundamentais,

tendo por conteúdo valores supremos do ser humano e

prevalência da dignidade humana, revelando-se

essencial também pela sua especial posição normativa, o

que permite a revelação de outros direitos fundamentais

fora do catálogo expresso na Constituição.

73

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 51.

74 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 23.

75 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 23.

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3) [...] a justificativa dos direitos humanos deve encontrar

seu sustento no universo jurídico, e não no da filosofia e

da metafísica.

4) os direitos humanos derivam de três princípios basilares:

a) o da inviolabilidade da pessoa, cujo significado traduz

a idéia de que não se pode impor sacrifícios a um

indivíduo em razão de que tais sacrifícios resultarão em

benefícios à outra pessoa; b) o da autonomia da pessoa,

pelo qual toda pessoa é livre para a realização de

qualquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem

terceiros, e, c) o da dignidade da pessoa, verdadeiro

núcleo de todos os demais direitos fundamentais.

5) [...] irrenunciabilidade.

6) [...] inalienáveis [...]. Imprescritível [...].

7) são os direitos humanos, por fim, inexauríveis, no sentido

de que tem a possibilidade de expansão, a eles podendo

sempre ser acrescidos novos direitos, a qualquer

tempo.76

Nota-se, por fim, que as características dos direitos

fundamentais giram em torno da dignidade da pessoa humana, buscando sempre

a sua proteção.

Neste capítulo inicial verificou-se a evolução histórica dos

direitos fundamentais, onde constatou-se que sua evolução vem desde o terceiro

milênio a.C., no antigo Egito e Mesopotâmia, e suas gerações e características

foram sempre voltadas à proteção do individuo.

Tendo os Direitos Fundamentais relação direta com os

Direitos do Paciente, faz-se necessário estudar sobre esses direitos, onde se

abordara no capítulo seguinte o direito de recusar transfusão de sangue, tendo

76

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais, 2002, p. 227 - 229.

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por base como direitos do paciente, entre eles, o princípio da dignidade da pessoa

humana, o direito a vida, a liberdade religiosa, a autonomia e o consentimento

informado e ainda verificar-se-á a cerca do direito da recusa a transfusão

sanguínea pelas Testemunhas de Jeová através de seu fundamento religioso.

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Capítulo 2

OS DIREITOS DO PACIENTE

2.1 PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Com certeza entre os principais princípios consagrados na

Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 é o da dignidade da

pessoa humana, encontrado no art. 1º, III.

Conforme art. 1º a República Federativa do Brasil, formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-

se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos em seu inciso III -

a dignidade da pessoa humana.77

O principal direito do paciente é o direito à dignidade, a

Constituição Federal, em seu art. 1º, proclama como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil, qual o Estado Democrático de Direito, a

“dignidade da pessoa humana”. A dignidade representa não somente um direito,

mas também um princípio na qual deve ser base para interpretação de toda Carta

Magna. Todos os demais direitos fundamentais, como a vida, a honra e a

liberdade, devem ser interpretados segundo princípio da dignidade da pessoa

humana.78

Alexandre de Moraes define o principio da dignidade da

pessoa humana como um valor espiritual e moral inerente à pessoa:

[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à

pessoa, que se manifesta singularmente na

autodeterminação consciente e responsável da própria vida

77

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010.p. 8.

78 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue. São Paulo: Nelpa, 2009, p. 152.

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e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das

demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável

que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,

somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao

exercício dor direitos fundamentais, mas sempre sem

menosprezar a necessária estima que merecem todas as

pessoas enquanto seres humanos.79

No direito à dignidade, está, o direito ao reconhecimento,

respeito, proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade,

podendo inclusive falar-se de um direito a uma existência digna, sem prejuízo de

outros sentidos que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à

dignidade da pessoa.80

O principio da dignidade da pessoa humana deve ser

respeitado por todos, sendo também obrigação do Estado respeitá-lo e protegê-lo.

Flademir J. B. Martins conceitua:

[...] em síntese, concluímos que a dignidade efetivamente

constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a

faz destinatária do respeito e proteção tanto do Estado,

quanto das demais pessoas, impedindo que ela seja alvo

não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes,

como também lhe garantindo o direito de acesso a

condições existenciais mínimas.81

A dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de

que o homem em virtude de sua condição humana é titular de direitos que devem

ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado.82

André Ramos Tavares nos ensina que:

79

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 48.

80 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 72.

81 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2009, p. 127.

82 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2007, p. 39.

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27

Dessa forma, a dignidade do Homem não abarcaria tão

somente a questão de o Homem não poder ser um

instrumento, mas também, em decorrência desse fato, de o

Homem ser capaz de escolher seu próprio caminho, efetuar

suas próprias decisões, sem que haja interferência direta de

terceiros em seu pensar e decidir, como as conhecidas

imposições de cunho político-eleitoral (voto de cabresto), ou

as de conotação econômica (baseada na hipossuficiência do

consumidor e das massas em geral), e sem que haja, até

mesmo, interferências internas, decorrentes dos,

infelizmente usuais, vícios.83

O princípio da dignidade da pessoa humana é direito do

cidadão viver de acordo com que acredita implica no direito que todo ser humano

possui de conduzir sua existência de acordo com seus próprios valores, desejos,

crenças e aspirações, a fim de buscar sua autorrealização como pessoa que

possui autonomia e merece ser tratado condignamente, de modo a se respeitar

seu modo de vida enquanto pessoa humana, livre e consciente de seus direitos e

obrigações.84

Obrigar alguém a receber tratamento é infringir na

dignidade da pessoa humana, violar sua consciência e moral.

André Ramos Tavares dispõe que “logo, qualquer causa que

venha a cercear sua capacidade de decidir, sua vontade racional, estará

vilipendiando o homem e, por conseguinte, a sua dignidade”.85

Assim respeitar a decisão do paciente é respeitar sua

dignidade e sua honra, sua autoestima, seu pudor, seus sentimentos de amor

próprio, suas crenças e seus valores. A dignidade da pessoa humana que

aparece já no primeiro artigo da Carta Magna, é um princípio que deve ser levado

em consideração na interpretação de todos os dispositivos constitucionais. O

83

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 2008, p. 541.

84 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 153.

85 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 542.

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respeito à dignidade do paciente, esta ligada à sua liberdade e autonomia, exige

uma atitude tolerante frente a diversidade de opiniões, valores e crenças, e

envolve a valorização do seu direito de escolher o tratamento médico que

entender ser melhor para si mesmo, impedindo-se qualquer tratamento médico

arbitrário que afronte sua condição de pessoa humana autônoma.86

Ingo Wolfgang Sarlet conclui:

[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade

física e moral do ser humano, onde as condições mínimas

para uma existência digna não forem asseguradas, onde

não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a

autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os

direitos fundamentais não forem reconhecidos e

minimamente assegurados, não haverá espaço para

dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez,

poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.87

Assim dignidade necessariamente é algo que pertence a

cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixado de existir,

não haveria mais limite a ser respeitado.88

2.2 DIREITO À VIDA

Afirma-se que é a vida o bem mais precioso que as pessoas

têm, pois sem ela ninguém existiria.89

86 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de

sangue, 2009, p.153. 87

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2007, p. 61.

88 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2007, p. 48.

89 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.15.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

assegura o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção,

sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter

vida digna quanto à subsistência.90

Conforme aduz José Afonso da Silva:

De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos

fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o

bem estar, se não erigisse a vida humana num desses

direitos. No conteúdo de seu conceito se envolvem os

direitos à dignidade da pessoa humana, à privacidade, à

integridade físico-corporal, à integridade moral e,

especificamente os direitos à existência.91

Em decorrência do direito à vida surgem ainda outros

direitos, como integridade física e moral. 92

Conforme nos ensina Rodrigo César Rebello Pinho:

A pessoa humana deve ser protegida em seus múltiplos

aspectos: vida, integridade física, honra e liberdade

individual. Não basta garantir um simples direito à vida, mas

assegurá-lo com o máximo de dignidade e qualidade na

existência do ser humano. A integridade física deve ser

entendida como absoluto respeito à integridade corporal e

psíquica de todo e qualquer ser humano.93

O direito a vida não é só no sentido de continuar vivo, mais

de também ter qualidade de vida, nesse sentido Paulo Afonso Linhares discorre:

Qualidade de vida é a faculdade que têm as pessoas de

fazer escolhas, das quais resultam um conjunto de

90

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2005, p. 76.

91 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 177.

92 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, v. 17, p. 74.

93 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, v. 17, p. 75.

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capacidades que, nos planos individual e coletivo, são

realizados por cada uma dessas pessoas segundo aquilo

que entendem ser a melhor forma do viver.94

O direito à vida assume duas vertentes, em primeiro lugar,

no direito de permanecer existente, e, em segundo lugar, no direito a um

adequado nível de vida. Assim, inicialmente, cumpre assegurar a todos o direito

de simplesmente continuar vivo, permanecer existindo até a interrupção da vida

por causas naturais.95

É preciso assegurar um nível mínimo de vida, compatível

com a dignidade humana.96 Nos casos das Testemunhas de Jeová violar aquilo

que acreditam seria estar violando a maneira com que elas entendem que seria a

melhor formar de viver, ou seja, violar seu direito a dignidade, a liberdade de

escolha a sua moral. Fazendo com que a vida não mais lhe seja agradável, e sim

uma tortura, pois não mais poderá viver com dignidade.

Wilson Ricardo Ligiera indaga:

Nos casos que envolvem a recusa de sangue por motivos

religiosos, normalmente há outros modos de se preservar a

vida do paciente, que não a transfusão. Nas situações mais

graves, em que a equipe médica afirma que não há mais

nada a fazer para evitar a morte, tampouco o sangue tem

tido êxito em recuperar a higidez do paciente. Se é assim há

que se indagar: é lícito fazê-lo sofre ainda mais, violando

seus mais profundos sentimentos e convicções nos últimos

momentos de vida?97

Wilson Ricardo Ligiera conclui:

94

LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida, 2002, p. 28.

95 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 527.

96 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 527.

97 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.157.

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De qualquer modo, o direito à vida não pode ser invocado

para que se viole, legitimamente, a dignidade do ser

humano. Não é esse o sentido da norma constitucional.

Em suma: a Constituição Federal assegura a inviolabilidade

do direito à vida, do mesmo modo que garante a

inviolabilidade do direito a liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade (art. 5.º, caput). Trata-se de

proteção conferida ao titular desses direitos, no sentido de

poder afastar intromissões alheias em seu modo de vida e

repelir qualquer ameaça de terceiros a seus direitos

fundamentais.98

Wilson Ricardo Ligiera explica ainda que a Constituição

refere-se a “inviolabilidade” do direito a vida, o que não é o mesmo que

indisponibilidade, e que em nenhum lugar ela se refere a essa característica como

se houvesse uma obrigação de viver.99

A inviolabilidade refere-se ao fato de que a vida pode ser

defendida contra terceiros que pretendam ameaçá-la, é a proteção do titular do

direito contra terceiros. Já a indisponibilidade significa que o seu próprio titular

não pode dela dispor, é a imposição da proteção dela contra o próprio titular.100

Assim, fica claro o direito das Testemunhas de Jeová, de

viverem da maneira com que acharem a melhor dentro de seus princípios, dentro

de sua religião, pois quando rejeitam determinado tratamento, não estão

desejando a morte, pelo contrário elas prezam muito pela vida, só estão

escolhendo o que acreditam que seja a melhor forma de viver, sem que isso fira

sua consciência.

98

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.157.

99 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.154.

100 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.154.

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2.3 DIREITO À LIBERDADE

Liberdade é a faculdade que uma pessoa tem de fazer ou

deixar de fazer alguma coisa, para que uma pessoa seja livre é fundamental que

as outras respeitem sua liberdade.101

Conforme conceito de Celso Ribeiro Bastos:

O vocábulo liberdade não comporta uma única

conceituação, é plurissignificativo. Num primeiro momento

pode-se definir como a faculdade que cada pessoa possui

de decidir ou agir segundo sua própria determinação. Sob o

prisma social jurídico, de outra parte, pode-se conceituar

como o poder de agir de cada pessoa dentro de uma

sociedade, segundo a sua própria determinação, desde que

respeitados os limites impostos pela lei. Também é possível

concebê-lo como a faculdade de fazer tudo aquilo que não é

proibido pela lei.102

Todo paciente tem a liberdade de escolher o tratamento que

pensa ser o melhor para si, nesse sentido dispõem Wilson Ricardo Ligiera:

No campo dos direitos do paciente, a liberdade implica na

faculdade, que cada ser humano possui, de fazer escolhas

responsáveis acerca do tipo de tratamento de saúde que

deseja, após ouvir do médico as devidas explicações sobre

cada uma das propostas terapêuticas, bem como seus

prováveis riscos e benefícios. Nesse sentido, a liberdade

relaciona-se com a própria autonomia do individuo [...].103

O direito a liberdade é tão importante quanto o direito a vida

e a dignidade, eles devem andar juntos, proporcionando ao paciente a liberdade

101

PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopse Jurídica, 2000, p. 77.

102 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.501.

103 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.162 – 163.

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de escolher aquilo que lhe pareça ser o melhor, sem que isso fira seus outros

direitos.

Com relação a um possível conflito de direito entre a vida e a

liberdade assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Num conflito, por exemplo, entre o direito à vida e o direito à

liberdade, o titular de ambos é que há de escolher o que há

de prevalecer. E este registro não teoriza senão o que na

história é freqüente: para manter a liberdade o indivíduo

corre o risco inexorável de morrer. Não renegue isto quem

não estiver disposto a, para ser coerente, lutar para que se

retirem das ruas as estátuas de incontáveis heróis, dos

altares da Igreja Católica numerosos santos. Nem se alegue

que este argumento levaria à admissão do suicídio. Não,

porque não há o direito à morte, embora haja o de preferir,

por paradoxal que seja para alguns, a morte à perda da

liberdade.104

Conforme Wilson Ricardo Ligiera compete ao paciente

conduzir sua vida da maneira que lhe pareça mais digna, sem que nada interfira

em sua liberdade individual:

A recusa a determinado procedimento médico constitui,

destarte, direito fundamental do paciente, que pode ser

exercido contra quem quer que seja, inclusive o Poder

Judiciário, no sentido de que não existe lei que obrigue uma

pessoa a se submeter a determinado tratamento médico. O

ser humano é, outrossim, se não o dono, pelo menos o

diretor de sua vida. A ele compete conduzi-la de modo a

poder alcançar sua realização pessoal e seu direito à

dignidade, afastando quaisquer intromissões atentatórias à

sua liberdade individual.105

104

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Questões constitucionais e legais referentes a tratamento médico sem transfusão de sangue: parecer. Cesário Lange, São Paulo: Sociedade Torre de Vigia, 1994, p.21.

105 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.252.

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Diante do exposto, percebe-se que não poderia o Estado

intervir nos direitos individuais do cidadão, pois respeitar e proteger esses direitos

é também uma obrigação dele.

O Estado deve respeitar os direitos fundamentais do

paciente.

2.3.1 Direito a Liberdade Religiosa

O art. 5º, inciso VIII da Constituição da República Federativa

de Brasil de 1988 dispõem que, “ninguém será privado de direitos por motivo de

crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para

eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa fixada em lei”.106

Acerca do assunto Celso Ribeiro Bastos leciona:

Cuida a Constituição, neste passo, da chamada escusa de

consciência. É o direito reconhecido ao objetor de não ser

compelido a abandonar suas crenças religiosas por

imposição estatal. Isto equivaleria, em última instância, a

atribuir ao Poder Público o direito de inviabilizar determinada

crença religiosa, minando seus fundamentos e

impossibilitando seu culto.107

O direito a liberdade religiosa é o direito ao pensamento e

manifestação religiosa, devendo esses direitos ser protegidos e respeitados, não

podendo a pessoa ser privada de nenhum direito por sua religião.

Conforme doutrina de Jayme Weingartner Neto,

“compreende a liberdade de cada um ter sua religião e as suas convicções e a

106

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010, p. 8.

107 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p. 499.

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liberdade de, em conjunto com os que professem a mesma religião ou a mesma

confissão, ter a correspondente vida comunitária”.108

Jayme Weingartner Neto leciona que:

Trata-se a religião de um fenômeno de massa, de notável

capacidade mobilizadora e de grande força aglutinadora.

Mais de três quartas partes da população mundial está

ligada a algum movimento religioso: cerca de 800 milhões ao

hinduísmo; um bilhão e 200 milhões ao Islã; mais ou menos

dois bilhões ao cristianismo; em torno de 350 milhões ao

budismo; 200 milhões seguem outras religiões asiáticas;

mais 200 milhões praticam religiões tradicionais; 16 milhões

professam o judaísmo. Aproximadamente um quarto dos

Estados do mundo mantém vínculos formais com alguma

religião.109

O direito a liberdade religiosa é o direito de a pessoa viver

de acordo com o que acredita, tendo o direito assim de manifestar a sua fé, e

tomar as sua decisões de acordo com suas crenças, e segundo as regras de sua

comunidade religiosa. Incluindo a escolha de seu tratamento médico para não

ferir seus princípios religiosos.

Assim afirma Wilson Ricardo Ligiera:

O direito a prática da religião professada envolve,

indubitavelmente, o direito de viver de acordo com seus

preceitos. Diante disso, por mais que não concordemos com

a crença de uma pessoa, temos que respeitar as suas

decisões embasadas na fé. Isso também se aplica nos

casos de escolha de tratamento médico.110

108

WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição: fundamentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 71.

109 WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição, 2007, p. 39.

110 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.168.

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Segundo doutrina de Jayme Weingartner Neto, “o direito à

liberdade religiosa visa a proteger o fórum internum, de modo a impedir qualquer

pressão, direta ou indireta, explícita ou implícita, às opções de fé”.111

Nota-se assim que as Testemunhas de Jeová tem seu

direito à liberdade religiosa protegidos, não podendo assim sofrer qualquer tipo de

discriminação por sua opção de fé. Devendo assim suas decisões baseadas na

religião ser respeitadas, isso inclui aceitar ou não determinado tratamento médico.

2.3.2 Liberdade de Consciência e de Crença

A liberdade de crença é a liberdade do ser humano de

escolher determinada religião ou não, mudar de religião, ou até mesmo não

adotar nenhuma religião.

Nesse sentido leciona Wilson Ricardo Ligiera:

A liberdade de crença compreende a liberdade de escolha

de religião, de aderir ou não a uma fé religiosa, de mudar de

religião, e até a liberdade de não adotar religião alguma.

Está ligada à liberdade de pensamento. Trata-se da

liberdade que cada ser humano possui de acreditar ou não

em uma divindade.112

Ainda nesse sentido segundo Jayme Weingartner Neto, “a

liberdade de religião, no acréscimo, refere não só a liberdade de escolha da

crença, mas, também, seu livre exercício e manifestação, o que inclui o direito de

mudar de religião e de manifestação por meio do ensino”.113

111

WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição, 2007, p. 113.

112 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.166.

113 WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição, 2007, p. 56.

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Cabe assim ao estado respeitar e proteger a liberdade de

consciência e crença, juntamente com todas as religiões existentes no Brasil, e

ainda assegurar o direito da manifestação religiosa.

Conforme Art. 5º, VI da Constituição do Brasil de 1988: “VI –

é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais

de culto e as suas liturgias”.114

Dispõem Wilson Ricardo Ligiera com relação à liberdade de

consciência: “além da liberdade de possuir ou não uma crença, a Constituição

confere ao indivíduo o direito de ter seus próprios valores e sentimentos não

religiosos, protegidos pelo direito a liberdade de consciência”.115

A liberdade de consciência se relaciona com as convicções

intimas de cada um, que podem ou não vincular-se ao aspecto religioso (e até

negá-lo – ateísmo), ao passo que a liberdade de crença “diz respeito ao aspecto

religioso” (à escolha de determina religião ou crença que se coadune com os

anseios espirituais de cada pessoa).116

Assim as Testemunhas de Jeová ao recusarem receber

transfusão de sangue estão apenas querendo que sua fé e sua liberdade de

consciência sejam respeitadas.

2.4 DIREITO À AUTONOMIA E O CONSENTIMENTO INFORMADO

Conforme artigo 5º inciso II da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

114

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010. p.8.

115 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.170.

116 WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição, 2007, p. 87.

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alguma coisa senão em virtude de lei.” E é nesse artigo que se encontra o direito

da autonomia.117

Andrietta Kretz esclarece:

[...] entendendo-se o princípio da autonomia da vontade

como uma manifestação ou exercício do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, da livre

iniciativa ou do direito fundamental da liberdade, estar-se-á

diante de um verdadeiro direito fundamental [...].118

O direito a autonomia com relação a um paciente, nada mais

é que o direito de saber quais os procedimentos que o médico pensa em tomar, e

poder discutir sobre esses procedimentos.

Conforme leciona Wilson Ricardo Ligiera:

Percebe-se, destarte, que o pleno exercício da autonomia

relaciona-se intrinsecamente com a doutrina do

“consentimento informado”. Afinal, para que o paciente

possa exercer validamente seu direito de escolha de

tratamento, antes deve ser suficientemente informado pelo

médico a respeito das diversas propostas terapêuticas,

juntamente com seus riscos e benefícios.119

O consentimento informado é um direito do paciente que

deve ser respeitado, já não mais se admite uma postura autoritária do profissional

de saúde. Qualquer intervenção só pode ser realizada após o consentimento do

paciente, que deve sempre ser informado de todos os riscos e benefícios de

determinado tratamento.120

117

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010. p.8.

118 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, 2005, p. 112.

119 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.158.

120 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.159.

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Segundo Wilson Ricardo Ligiera:

Quando médico e paciente estão conjuntamente

empenhados em buscar a preservação da vida com

dignidade, exercendo cada qual sua autonomia com respeito

e cooperação, as chances de êxito do tratamento são muito

melhores. Depreende-se, portanto, das considerações dos

insignes autores, que a autonomia do paciente não deve ser

encarada pelo médico como um aniquilamento da autonomia

do profissional, que ainda terá sua liberdade de ação, de

acordo com os ditames de sua consciência e os preceitos da

medicina. O pleno exercício da autonomia pelo paciente, na

verdade, pode contribuir para que o médico, ao tomar

conhecimento dos desejos do enfermo, tenha condições de

buscar aquilo que é melhor para ele, não apenas sob o

ponto de vista científico, mas também de acordo com o que

o próprio paciente entende ser bom para si mesmo.121

Andrietta Kretz em sua obra Autonomia da Vontade e

Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais esclarece acerca do princípio da

autonomia de vontade como direito fundamental nas relações jurídicas entre

particulares:

O dever de respeito ao princípio da dignidade da pessoa

humana e aos direitos fundamentais, por conseqüência,

pressupõe e exige um dever das pessoas para além de seus

semelhantes, para consigo mesmas. E isto faz com que,

mesmo por vontade própria, os particulares não possam

restringir de qualquer forma seus direitos fundamentais. O

núcleo essencial é irrenunciável e, por isso, jamais poderá

ser violado, mesmo que com a concordância do titular do

direito fundamental.122

121

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.160.

122 KRETZ, Andrietta. Autonomia de Vontade e Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, 2005, p. 113.

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Silvio Romero Beltrão conclui que a autonomia do paciente

deverá ser respeitada, mesmo que por razões religiosas, não podendo assim o

médico ir contra a sua vontade:

O propósito da obrigação de prestar informações e

esclarecer ao paciente é dotá-lo de autonomia para poder

tomar decisões com relação aos assuntos de saúde e seu

tratamento de forma consciente. Assim, para que o

consentimento e a recusa sejam válidos, ele deve ser

baseado na compreensão da situação que se apresenta e

deve ser voluntário, pois este direito está baseado no

princípio do respeito à autonomia.123

E ainda segundo o autor:

Diante do conflito entre a autonomia de vontade do paciente

e o dever de beneficência do médico, chega-se à conclusão

de que, mesmo por razões religiosas, deve-se respeitar a

autonomia do paciente. Não cabe ao leigo, mesmo que ele

seja profissional da área de saúde, desconsiderar ou

minimizar os valores de ordem religiosa do paciente, diante

dos mais elevados interesses profissionais.

A evolução da medicina deve, por sua vez, conhecendo a

existência de tais conflitos, especializar os seus

profissionais, a fim de prover aos seus pacientes um

tratamento alternativo e eficaz que mantenha o respeito às

crenças religiosas.124

Cabe ao médico por fim, buscar o bem do paciente

respeitando sempre as suas decisões, sua dignidade, crenças, valores e sua

autonomia.

123

BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas, 2005, p. 115.

124 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, 2005, p. 115.

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41

O paciente deve se sentir livre e seguro para poder tomar a

decisão que achar mais consciente, aceitar ou não determinado tratamento. E é

dever do médico respeitar e aceitar a decisão do paciente.

2.5 DIREITO DE RECUSA

Nos dias de hoje é muito comum médicos recorrerem ao

Judiciário para requererem autorização para realizarem transfusões de sangue

mesmo quando o paciente se nega a aceitar.

O Código Civil em seu artigo 15 estabelece que: “ninguém

pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou

a intervenção cirúrgica”.

Neste sentido segundo Wilson Ricardo Ligiera:

Percebe-se que as transfusões de sangue sempre

submetem o paciente a um risco presente. Se é assim, há

que se pensar seriamente acerca da licitude de submeter um

paciente ao procedimento hemoterápico contra sua vontade.

Com efeito, o artigo 15 é claro ao proibir que o médico

submeta uma pessoa a qualquer tratamento que apresente

risco contra sua vontade. Ademais, a menos que o doente

padeça, não de qualquer risco, mas de um iminente risco de

vida, o interventor poderá estar cometendo o crime de

constrangimento ilegal, previsto do artigo 146 do Código

Penal.125

O autor conclui ainda que:

Só poderá o médico agir, ademais, desde que não haja

outras opções de tratamento preferidas pelo paciente, pois

caso existam alternativas, terá o paciente o direito de optar

por elas, mesmo que também contenham certos riscos.

125

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.187.

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42

Afinal, risco por risco, ao titular do direito ameaçado é que

cabe decidir qual deles prefere correr.126

Conforme dispõem Silvio Romero Beltrão o paciente sempre

deverá ser informado de todos os passos a ser tomados pelo médico, e cabe a

ele decidir se aceita ou não as recomendações médicas:

Inicialmente, antes que o paciente tenha condições de

decidir se um tratamento médico lhe é aceitável, segundo

seu próprio plano de vida, segundo seus valores religiosos

ou não, deve o mesmo ser informado das possibilidades

médicas de intervenção, suas recomendações, além da

visão do próprio médico de como suas recomendações

afetam os valores do seu paciente.127

Ainda conforme o autor:

É dever do médico aconselhar o seu paciente, esclarecendo

as formas de tratamento e os ricos, e caso o mesmo não

queira se submeter ao tratamento indicado, por questões de

consciência religiosa, terá o médico cumprido o seu papel, e

ao respeitar a autonomia do paciente estará eticamente

protegido. Principalmente diante da determinação legal que

ninguém pode ser submetido, com risco de vida, a

tratamento médico ou intervenção cirúrgica.128

Ao se recusar tratamento com sangue não significa que a

pessoa não pretende mais viver, ela apenas esta querendo o que pensa ser a

melhor forma de tratamento de acordo com que acredita ser o melhor pra si. No

caso da Testemunhas de Jeová baseadas na religião, pois conforme sua religião

não é correto o uso do sangue, acreditam assim que estariam desrespeitando a

lei de Deus.

126

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.187.

127 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, 2005, p. 114.

128 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, 2005, p.116.

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43

Wilson Ricardo Ligiera dispõe acerca do assunto:

Há que se ressaltar, primeiramente, que a recusa de um

procedimento específico, como transfusão sanguínea, não

pode de modo algum ser equiparada à eutanásia. Há uma

grande diferença, por exemplo, entre o paciente Testemunha

de Jeová que recusa uma transfusão de sangue e o paciente

que luta pelo seu “direito de morrer”, (eutanásia, ou mesmo

suicídio), visto que se tratam de dois interesses antagônicos,

ou seja, um quer viver, o outro, morrer. A Testemunha de

Jeová está apenas requerendo exercer seu direito de

escolher qual o tratamento que ela acredita ser melhor para

salvar a sua vida, para continuar vivendo do modo mais

digno possível, inclusive de bem com sua consciência e em

perfeito estado psicológico e emocional, sem nada que a

aflija, especialmente no tocante à sua relação com Deus.129

Conclui-se assim, que tem as Testemunhas de Jeová o

direito de recusar transfusão de sangue, assim entende Celso Ribeiro Bastos:

[...] restou claro que o paciente tem o direito de recusar

determinado tratamento médico, no que se inclui a

transfusão de sangue, com fundamento no art. 5º, II, da CF.

Por este dispositivo, fica certo que ninguém é obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei (princípio da legalidade). Como não há lei obrigando o

médico a fazer a transfusão de sangue no paciente, todos

aqueles que sejam adeptos da religião “Testemunhas de

Jeová”, e que se encontrem nesta situação, certamente

poderão recusar-se a receber referido tratamento, não

podendo, por vontade médica, ser constrangidos a sofrerem

determinada intervenção. O seu consentimento, nesta

hipótese, é fundamental. Seria mesmo desarrazoado ter um

mandamento legal obrigando a certo tratamento, até porque

129

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 254 - 255.

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podem existir ou surgir meios alternativos para se chegar a

resultados idênticos.130

Não resta duvidas assim quanto ao direito da Testemunhas

de Jeová em recusar transfusão de sangue, essas baseadas em motivos

religiosos, protegidos pela nossa Constituição.

2.5.1 A Religião Testemunhas de Jeová e seu Fundamento Religioso

As Testemunhas de Jeová são cristãos que crêem

plenamente na Bíblia, e conduzem suas vidas de modo que manda a Bíblia para

que alcancem a salvação e a vida eterna.

Segundo Wilson Ricardo Ligiera:

As Testemunhas de Jeová constituem uma religião cristã

reconhecida internacionalmente, presente em mais de 230

países, com mais de sete milhões de instrutores ativos que

proferem palestras e administram cursos bíblicos gratuitos.

Embora esse número possa parecer modesto em relação as

grandes religiões existentes no mundo, o que o torna

significativo é que representa o número, não de

freqüentadores, mas sim de instrutores ativos.131

A origem das Testemunhas de Jeová se deu no século 19,

quando um grupo de estudantes começaram a se reunir para estudar a Bíblia.

Assim leciona Wilson Ricardo Ligiera:

Sua origem remonta ao século 19, quando um pequeno

grupo de estudantes da Bíblia começou a se reunir na

cidade de Allegheny, Pensilvânia, EUA, agora parte de

130

BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.505.

131 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 267.

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Pittsburgh. Em julho de 1879, iniciou-se a publicação de sua

principal revista, A Sentinela, publicada atualmente em 174

idiomas, numa tiragem média de cada número de mais de

37 milhões de exemplares. Por volta de 1880, já se haviam

constituído inúmeras congregações. Em 1881, formou-se

uma associação destinada a cuidar dos interesses da

religião, mais tarde denominada Sociedade Torre de Vigia

de Bíblias e Tratados, com sede em Blooklyn, Nova York,

desde 1909, quando então sua obra já se tornara

internacional. No Brasil, a principal entidade jurídica utilizada

pelas Testemunhas de Jeová é a Associação Torre de Vigia

de Bíblias e Tratados.132

Para algumas religiões, como a das Testemunhas de Jeová,

obedecer aos princípios bíblicos esta acima de todas as coisas, não se pode ver o

ato de recusar ao sangue como fanatismo ou suicídio, pois pelo contrario elas

prezam muito pela vida, condenam o aborto, o assassinato, e que a vida seja

vivida de forma descuidada. Apenas buscam alternativas médicas sem o uso de

sangue e que não fira suas convicções religiosas, pois ao recusarem determinado

tratamento com uso de sangue estão somente querendo viver de acordo com

suas crenças.

Segundo Silvio Romero Beltrão com relação às

Testemunhas de Jeová:

Nesse mesmo sentido, o fato mais comum envolvendo

valores religiosos é o caso das Testemunhas de Jeová, que

por uma questão de consciência religiosa recusam

transfusões de sangue alogênico (estrangeiro). Segundo as

crenças das Testemunhas de Jeová elas entendem que a

Bíblia proíbe os cristãos de manterem sua vida por meio da

utilização de transfusão de sangue, uma vez que sustentam

que o abster-se de sangue é moralmente tão importante

para o cristão quanto abster-se da idolatria ou da

imoralidade sexual.

132

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 268.

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Esse assunto, para os laicos, talvez não demonstre

nenhuma importância; contudo, para as Testemunhas de

Jeová esta questão envolve princípios mais fundamentais

sobre os quais baseiam sua vida e, segundo eles, a recusa

às transfusões constitui uma regra de conduta a ser

observada, ainda que a sociedade a ignore ou

menospreze.133

As Testemunhas de Jeová acreditam que nenhum sangue

deve ser derramado e que não devem comer ou transfundir sangue com base em

suas interpretações dos textos bíblicos.

Existem diversas passagens Bíblicas no livro de Gênesis

que fala sobre o respeito pelo sangue, conforme nos ensina o livro das

Testemunhas de Jeová “O que a Bíblia realmente Ensina?”:

Depois que Caim matou seu irmão, Abel, Jeová lhe disse: “O

sangue de teu irmão está clamando a mim desde o solo”.

(Gênesis 4:10) Quando Deus falou do sangue de Abel, ele

referia-se à vida de Abel, Caim havia tirado a vida se seu

irmão e tinha de ser punido. Era como se o sangue, ou vida,

de Abel clamasse a Jeová por justiça. A relação entre vida e

sangue ficou de novo evidente depois do Dilúvio dos dias de

Noé. Antes do Dilúvio, as pessoas comiam apenas frutas,

vegetais, cereais e nozes. Depois do Dilúvio, Jeová disse a

Noé e seus filhos: “Todo animal movente que esta vivo pode

servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde,

deveras vos dou tudo”. No entanto, Deus impôs esta

restrição: “Somente a carne com a sua alma (ou vida) - seu

sangue – não deveis comer”. (Gênesis 1:29; 9:3,4)

Obviamente, Jeová estabeleceu uma relação bem estreita

entre a vida e o sangue de uma criatura.134

133

BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, 2005, p. 115.

134 O que a Bíblia realmente ensina? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006, p. 128 – 129.

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Nesse sentido dispõem a revista das Testemunhas de Jeová

“Como pode o sangue salvar a sua vida?”:

Em uma das primeiras referências ao sangue, o Criador

declarou: “Tudo que vive e se move vos servira de

comida...Contudo não deveis comer a carne com a vida, isto

é o sangue.” Ele acrescentou: “ Pedirei conta de vosso

sangue que é vossa vida”, e então condenou o homicídio.(

Gênesis 9:3-6, Bíblia Vozes) [...].135

As testemunhas acreditam que todo sangue é sagrado,

inclusive o animal, e com isso para comerem carne animal deve ele ser sangrado

e seu sangue derramado em terra.

Segundo entendimento das Testemunhas de Jeová:

Mostramos respeito pelo sangue por não comê-lo. Na Lei de

Jeová aos israelitas, ele ordenou: “Quando a qualquer

homem...que caçando apanhe um animal selvático ou uma

ave que possa comer, neste caso tem de derramar seu

sangue e cobri-lo com pó...Eu disse aos filhos de Israel: „Não

deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne.‟” (Levítico

17:13,14) A ordem de Deus de não comer o sangue animal,

originalmente dada a Noé uns 800 anos antes, ainda

vigorava. O conceito de Jeová era claro: seus servos podiam

comer carne animal, mas não o sangue. Deviam derramar o

sangue no solo – como que devolvendo a Deus a vida

animal.136

Encontra-se também referência ao sangue em Atos, onde

menciona que para Testemunhas abster-se de sangue é tão importante quanto

evitar a idolatria e a imoralidade sexual.

Certa vez, os apóstolos e outros homens, que assumiam a

liderança entre os seguidores de Jesus no primeiro século,

135

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 3.

136 O que a Bíblia realmente ensina? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006, p.129.

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reuniram-se para decidir quais os mandamentos que tinham

de ser obedecidos por todos na congregação cristã. Eles

chegaram à seguinte conclusão: “Pareceu bem ao espírito

santo e a nós mesmos não vos acrescentar nenhum fardo

adicional, exceto as seguintes coisas necessárias: de

persistirdes em abster-vos de coisas sacrificadas a ídolos, e

de sangue, e de coisas estranguladas (carne sem ser

sangrada), e de fornicação” (Atos 15:28, 29; 21:25) Portanto,

temos de „persistir em abster-nos de sangue‟. Aos olhos de

Deus, fazer isso é tão importante como evitar a idolatria e a

imoralidade sexual.137

Sendo assim nota-se que para esses religiosos o respeito ao

sangue é sagrado, e acreditam que através de suas interpretações bíblicas é

correto abster-se de sangue, não o aceitando de nenhuma forma incluindo a

transfusão.

Da mesma forma, abster-se de sangue quer dizer não

introduzi-lo de modo algum no corpo. Ou seja, o

mandamento de abster-se de sangue significa que não

devemos permitir que ninguém injete sangue em nossas

veias.

Quer dizer se um cristão se ferir gravemente ou precisar de

uma grande cirurgia? Suponhamos que os médicos digam

que ele morrerá se não receber uma transfusão de sangue.

É óbvio que o cristão não deseja morrer, Num esforço de

preservar a preciosa dádiva de Deus, a vida, ele aceitaria

outros tipos de tratamento que não envolvessem o mau uso

do sangue. Assim, solicitaria esse tratamento médico, se

disponível, e aceitaria uma variedade de alternativas à

transfusão de sangue.138

137

O que a Bíblia realmente ensina? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006, p.129 - 130.

138 O que a Bíblia realmente ensina? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006, p.130.

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Por isso eles não devem ser considerados como suicidas,

pois apenas recusam a receber tratamentos com sangue, e não a todos os

tratamentos, não desejam morrer, e sim que suas crenças sejam respeitadas.

Será que o cristão desobedeceria à lei de Deus apenas para

viver um pouco mais neste sistema? Jesus disse: “Todo

aquele que quiser salvar a sua alma (ou vida), perdê-la-á;

mas todo aquele que perder a sua alma por minha causa,

achá-la-á.” (Mateus 16:25) Não queremos morrer. Mas, se

tentássemos salvar a nossa vida atual desobedecendo à lei

de Deus, correríamos o risco de perder a vida eterna.

Seremos sábios, portanto, se confiarmos na lei justa de

Deus, com plena certeza de que, se morrermos por qualquer

motivo, Aquele que nos deu a vida se lembrará de nós na

ressurreição e nos dará de volta a preciosa dádiva da vida. –

João 5:28,29; Hebreus 11:6.139

As Testemunhas de Jeová acreditam que ao receber sangue

estariam cometendo um sacrilégio, desobedecendo às ordens de Jeová, e seria

impossível viver dessa maneira com o peso desse pecado que resultaria a

condenação eterna.

Conclui-se em relação aos direitos fundamentais do paciente

que toda pessoa tem direito a dignidade, e sendo pessoa maior e capaz, pode

decidir acerca dos tratamentos médicos que deseja. Não podendo esses direitos

serem violados, devendo o médico informar ao paciente sobre qualquer conduta

que venha a ser realizada, sempre respeitando suas decisões com relação as

tratamentos, conforme verificou-se no direito da autonomia e o consentimento

informado. Pois ainda, conforme o direito a vida, não basta apenas ter vida, mais

sim poder vive-la com dignidade.

E sendo o direito a liberdade religiosa um direito

fundamental previsto na Constituição Federal, devem as Testemunhas de Jeová

ter sua opção religiosa respeitada por todos, incluindo o direito de viver conforme

139

O que a Bíblia realmente ensina? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2006, p.130 - 131.

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manda sua religião, pois para eles a sua convicção religiosa é mais importante

que a própria vida.

Agindo o médico conforme os direitos do paciente, não

deverá dessa maneira sofrer qualquer punição caso venha a acontecer algo com

o paciente, conforme se estudará no próximo capítulo.

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Capítulo 3

RESPONSABILIDADE MÉDICA

3.1 RESPONSABILIDADE MÉDICA DIANTE DA RECUSA DO PACIENTE A

TRANSFUSÕES DE SANGUE

No Brasil é grande o número de processos judiciais de

hospitais e médicos que buscam uma autorização judicial para poderem

transfundir sangue em pacientes Testemunhas de Jeová contra sua vontade.140

Muitas vezes o médico fica na dúvida sem saber o que fazer

se deve tratar o paciente mesmo sem seu consentimento, ou respeitar sua

vontade e correr o risco de ser processado caso venha o paciente a falecer.

Nesse sentido segundo Wilson Ricardo Ligiera:

Ao deixar de transfundir sangue no paciente Testemunha de

Jeová, o médico normalmente expressa seu receio de ser

condenado por seu Conselho Regional de Medicina, ou até

mesmo cassado. O temor, contudo, não se justifica, desde

que o médico não abandone o paciente e continue dele

tratando do melhor modo possível, com a utilização de

outros recursos terapêuticos.141

Quando o paciente discorda em receber a transfusão de

sangue deve o médico alertá-lo das conseqüências, mas nunca obrigá-lo. Sendo

140

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 304.

141 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 353.

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o interesse em jogo exclusivamente pessoal, a vontade do paciente prevalece,

desde que maior e capaz.142

O médico deve respeitar sempre a vontade do paciente, no

caso, não receber transfusão de sangue, não deve assim ser responsabilizado

criminalmente.143

No que se refere ao iminente risco de vida Wilson Ricardo

Ligiera esclarece:

No caso do atendimento a pacientes Testemunhas de

Jeová, o médico não age com dolo (nem de omitir

assistência, nem de colocar a vida do paciente em risco);

apenas respeita a decisão do doente de não aceitar esta

única forma de tratamento médico, aceitando quaisquer

outras. Não pratica, portanto, o crime.144

E acrescenta:

Diante do exposto, indaga-se: pode o médico ser condenado

pelo crime previsto no artigo 135 do Código Penal – omissão

de socorro – caso deixe de ministrar sangue ao paciente

Testemunha de Jeová?

Definitivamente, a resposta há que ser negativa. O crime de

omissão de socorro só se tipifica quando da presença do

dolo, vontade livre e consciente de omitir assistência ao

paciente. Tratando o paciente, mesmo que com terapia

distinta, descaracteriza-se o crime.

Assim, na hipótese de atendimento a paciente Testemunha

de Jeová que recusa transfusão de sangue, o crime não se

configura. Afinal, como já foi abordado, as Testemunhas de

142

SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica civil, criminal e ética: legislação positiva aplicável. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 74.

143 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 340.

144 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 345.

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Jeová não são contra tratamento médico em geral. Rejeitam

apenas um único suporte terapêutico: a transfusão de

sangue; em seu lugar, aceitam diversas alternativas médicas

substitutivas de sangue alogênico.145

Cada vez mais as Testemunhas de Jeová vem buscando

seus direitos através da lei, no que se refere ao sangue, já é comum as

Testemunhas portarem um cartão de identificação para uso médico autenticado

em cartório, inclusive assinado por testemunhas, com informações referentes ao

sangue, e aos tratamentos que por elas são aceitos.

Nesse sentido afirma Celso Ribeiro Bastos:

[...]. Note-se que aquela declaração formal feita pela

Testemunhas de Jeová, sob o prisma da legalidade,

constitui-se em ato jurídico plenamente válido, eis que

observa as condicionantes de agente capaz, objeto lícito e

forma prescrita ou não defesa em lei, nos termos do art. 82

do CC.[...]

O documento é tão lícito quanto legítimo. E o médico, ao se

deparar com ele, deve respeitar a vontade ali contida, que é

a de não receber sangue e, conseqüentemente, de o

paciente ser submetido a um tratamento alternativo [...].

Finalmente, é preciso sublinhar que esta declaração formal

isenta médicos de responsabilidade por quaisquer

resultados adversos causados pela recusa do paciente em

aceitar sangue.146

Assim para que os médicos não sejam responsabilizados

caso venha o paciente a sofre complicações ou até mesmos morrer, deve o

paciente fornecer uma declaração de que esta ciente de sua condição e das

145

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 346.

146 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.505.

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possíveis complicações que possam vir a acontecer mediante sua recusa à

transfusão de sangue.147

Sim, as Testemunhas de Jeová, a título de cooperação,

oferecem garantia legal de que um médico ou um hospital

não incorrerão em responsabilidade civil ao proverem o

solicitado tratamento isento de sangue. Conforme

recomendado por especialistas médicos, cada Testemunha

porta um cartão intitulado “Documento Para Uso Médico”.

Este é renovado anualmente e é assinado pela pessoa e por

testemunhas, com freqüência parentes próximos.148

Porem não deve o médico nunca realizar uma transfusão de

sangue sem o consentimento do paciente, pois estaria assim desrespeitando os

direitos individuais do paciente, o que poderia lhe acarretar um processo.

Nesse sentido leciona Wilson Ricardo Ligiera:

O médico que realiza uma transfusão de sangue contra a

vontade do paciente pode vir a responder civilmente pelos

danos causados. O fato de recorrer ao Judiciário em nada

modifica sua situação, visto que a obtenção de uma

autorização judicial não o livra de responsabilidade, nem

constitui validação do tratamento, mas apenas garantia de

sua efetiva realização.149

Conforme o Manual prático de transfusão sanguínea, de M.

Chassaigne citado por Wilson Ricardo Ligiera:

O Manual prático de transfusão sanguínea, de M.

Chassaigne, recomenda a seguinte conduta a ser seguida

perante um recusa de transfusão em caso de urgência: se o

147

BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.506.

148 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p.18.

149 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 359.

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médico é informado da recusa ou da religião, não pode

contrariar o paciente; se, ao contrário, o médico não tem

conhecimento, poderia realizá-la. Entretanto, no caso

específicos das Testemunhas de Jeová, dificilmente esta

última hipótese ocorrerá, visto que todas elas portam,

juntamente com seu documento de identidade, um cartão de

instruções para a equipe médica, declarando que recusam

sangue. No caso de estarem inconscientes, portanto, esse

documento revela claramente sua vontade aos que as

socorrem.150

Com a disposição das Testemunhas em assinarem

formulários hospitalares e portarem cartões de identificação para uso médico

estão assim isentando os médicos de sofrerem algum tipo de punição.

Do contrario quando o médico desrespeita a vontade do

paciente, assume todos os riscos que podem acarretar sua conduta, podendo

assim sofrer sanções penais.151

Assim diante da conduta do paciente civilmente capaz em

recusar a transfusão de sangue Wilson Ricardo Ligiera conclui:

Quando o paciente é civilmente capaz e se opõe firmemente

ao tratamento, entendemos que não deve o médico realizá-

la, tampouco ser responsabilizado por deixar de atuar.

Ninguém pode obrigar outrem a submeter-se a um

tratamento contra sua vontade. Há que se perquirir, é claro,

o motivo da recusa, certificando-se de que a recusa seja

feita em sã consciência.152

Não a que se falar dessa maneira em responsabilidade civil

ou penal médica caso o paciente venha a sofrer alguma complicação ou falecer,

150

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 358.

151 SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico e erro de diagnóstico. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 79.

152 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 367.

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sendo seu direito de recusa resguardado no artigo 5º inciso II da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, que estabelece que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” 153

Mesmo sob iminente risco de vida, tem o paciente o direito

de recusa, não devendo assim o médico ser responsabilizado, com amparo legal

no Código Civil artigo 15 onde dispõe que “ninguém pode ser constrangido a

submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

3.1.1 Conseqüências da imposição médica a transfusão de sangue

Como já comentado no tópico anterior, é grande o número

médicos que acabam recorrendo a Justiça em busca de mandado judicial para

ministrar sangue em paciente diante da negativa de tratamentos com sangue,

principalmente pelas Testemunhas de Jeová. Isso se dá devido o medo que eles

têm de sofrerem algum tipo de processo judicial caso o paciente venha a sofrer

alguma conseqüência ou até mesmo a falecer.

Com isso muitas vezes acabam até mesmo fazendo o

tratamento sem o consentimento do paciente, sem saber que isto sim poderia lhes

gerar um processo.

Celso Ribeiro Bastos leciona:

A primeira observação a ser feita é no sentido de que não

existe lei proibitiva, no sistema jurídico pátrio, da opção

individual em realizar transfusão de sangue. Nem há,

igualmente, legislação impondo aos médicos a

desconsideração da vontade individual do cidadão.

Também, nesta mesma linha é preciso considerar que o

suicídio (ou melhor, sua tentativa) não tem punição jurídica

alguma.

153

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010. p.8.

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57

Segue-se, deste quadro, que há de prevalecer a vontade

individual, como princípio existente na Constituição, não só

para o caso presente, mas também, como diretriz geral para

todas as situações nas quais possa incidir.154

O autor relata o exemplo de um indivíduo que por motivos

religiosos pode deixar de procurar o médico caso sua doença necessite de

tratamento com sangue. Assim conclui que não estará submetido à punição

jurídica em função da recusa, pois apenas esta usando do seu direito a liberdade

individual, pois ninguém pode ser obrigado a consultar um médico ou a se

submeter a um determinado tratamento contra sua vontade.155

Assim podem as pessoas deixar de procurar tratamento pela

imposição médica a transfusão de sangue sem seu consentimento, conforme

aduz Celso Ribeiro Bastos:

Assim, a posição daqueles que sustentam a possibilidade de

transfusão de sangue mesmo contra a vontade do paciente

estão, indiretamente, incitando as pessoas a deixarem de

procurar auxílio médico, do que pode resultar um problema

de saúde pública extremamente grave.156

Deve o Estado proteger os direitos individuais do cidadão,

respeitando todas as crenças e religiões.

Jayme Weingartner Neto leciona:

O Estado deve levar a sério o fato de que a religião ocupa

um lugar central na vida de muitas pessoas, devendo,

portanto, consideração e respeito por todas as formas de

154

BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.503.

155 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.503.

156 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.503.

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58

religiosidade, mesmo pelas mais inconvencionais [...]. O

Estado tem, neste contexto, um dever de abster-se de

perturbar; a adesão/abandono de uma confissão religiosa, a

educação religiosa de crianças por seus pais ou

responsáveis, o serviço religioso, o uso de indumentária

própria ou de símbolos religiosos, etc. [...].157

Respeitar a decisão do paciente Testemunha de Jeová é

fundamental para sua boa recuperação, uma transfusão forçada poderia causar

revolta ao paciente, e levá-lo a depressão, pois ele estaria abandonando tudo o

que acredita, a vida assim não mais teria sentido para esses religiosos, o que

prejudicaria muito seu estado de saúde já debilitado.

Segundo Wilson Ricardo Ligiera:

Ocorre que, se a equipe médica se nega a ouvir e

compreender as razões que fazem o paciente aceitar ou

rejeitar um procedimento supostamente de cura, baseado

em razões pessoais, religiosas ou outras, esta equipe fecha

as portas e os canais de comunicação existentes, agindo,

pois, com “violência” ao impor um tratamento, ou com

desumanidade ao abandonar o enfermo que necessita de

cuidados. Por outro lado, conduzir o paciente a um

profissional especializado em relações humanas para ouvi-lo

e “amansá-lo”, com o objetivo posterior de submetê-lo ao

tratamento com menor resistência, seria utilizar de

manipulação desonesta, que também feriria a ética

profissional e minaria completamente os últimos resquícios

de confiança do paciente na equipe médica – nas mãos de

quem ele depositara não apenas sua vida biológica, mas

também sua honra e sua dignidade como pessoa.158

157

WEINGARTNER Neto, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição, 2007, p. 116-117.

158 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 302.

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Não restam duvidas assim os problemas que podem causar

as transfusões de sangue forçadas por médicos, seja sem o consentimento do

médico, seja por via judicial.

3.2 OS RISCOS INERENTES A TRANSFUSÃO DE SANGUE

Já faz alguns anos que o sangue vem sendo usado em

diversos tratamentos, só que de uns tempos para cá com o aparecimento das

mais variadas doenças caudas pelo uso do sangue os médicos vêem se

perguntando o quão segura são as terapias baseadas no uso de sangue.

À base das informações precedentes, certos pontos tornam-

se bem claros. Embora muitos achem que as transfusões de

sangue salvem vidas, elas estão repletas de riscos. Todo

ano, milhares de pessoas morrem em resultado de

transfusões; um número ainda maior de outras pessoas

ficam muito doentes e enfrentam conseqüências a longo

prazo. Assim, mesmo do ponto de vista físico, é sábio acatar

agora mesmo a ordem da Bíblia de „abster-se do sangue‟. -

Atos 15:28, 29.

Os pacientes se protegem de muitos riscos quando solicitam

um tratamento médico sem sangue. Médicos peritos, que

aceitaram o desafio de aplicar tal método às Testemunhas

de Jeová, desenvolveram um padrão de tratamento médico

seguro e eficaz, segundo comprovado por numerosos

comunicados médicos. Os médicos que dão um tratamento

de qualidade, sem sangue, não estão transigindo quanto

valiosos princípios médicos. Antes, mostram respeito pelo

direito do paciente de conhecer os riscos e os benefícios, de

modo a pode fazer uma decisão conscientizada sobre o que

deverá ser feito com seu corpo e com sua vida.159

159

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 22 - 23.

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Os testes realizados pelos bancos de sangue não geram a

segurança que deveriam, o próprio diretor da Cruz Vermelha Americana, ao

mencionar sobre os custos dos testes relata que não podem continuar a adicionar

testes após testes para cada agente infeccioso que poderia ser desseminado.160

Uma das doenças que fez com que médicos e pacientes

mudassem sua maneira de pensar sobre o sangue nos anos 80 foi a AIDS:

A pandemia da AIDS (síndrome de imunodeficiência

adquirida) tem vigorosamente despertado as pessoas para o

perigo de contraírem doenças infecciosas através do

sangue. Milhões acham-se agora infectados. Ela se espalha

a ponto de fugir do controle. E sua taxa de mortes é

virtualmente de 100 por cento.161

Foi a partir do ano de 1985 começaram a ser feitos testes

que identificavam o sangue contaminado com o vírus HIV, mas isso não valia

para os produtos de sangue já estocados, e algum tempo depois foi descoberto

ainda que existe um período de latência da AIDS.162

Depois de uma pessoa ser infectada, podem decorrer meses

até que comece a produzir anticorpos detectáveis. Tal

pessoa, sem se dar conta de que abriga o vírus, poderia

doar sangue que daria resultado negativo nos testes. Isto já

tem acontecido. Houve pessoas que manifestaram a AIDS

depois de terem recebido uma transfusão de sangue!163

Ainda nesse sentido:

160

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 10.

161 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 11.

162 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 12.

163 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 12.

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Foi confirmado que pessoas podem abrigar o vírus da AIDS

durante anos, sem este ser detectado pelos atuais testes

indiretos.164

Wilson Ricardo Ligiera cita em sua obra o caso no Brasil, de

uma menina de dez anos que contraiu AIDS numa transfusão de sangue,

realizada em uma cirurgia no Hospital das Clínicas Ribeirão Preto. Os médicos

identificaram o doador, que fez 11 doações, e que só na 12º é que foi constatada

a presença do vírus HIV. Médicos afirmaram que a transfusão nem sempre é

segura e que o exame para detectar o vírus pode ser feito em um período que ele

ainda não se manifestou.165

Existem ainda outras doenças graves causadas através da

transfusão de sangue, conforme explica Wilson Ricardo Ligiera:

Os efeitos adversos das transfusões podem ser classificadas

em duas categorias: primeiro, as doenças infecciosas

transmitidas pelo sangue ou por hemoderivados; segundo,

as chamadas reações transfusionais, que podem ser de

natureza imunológica, imediatas ou tardias, e não

imunológicas, como reações febris ou reações hemolíticas.

Alguns exemplos de doenças infecciosas e parasitarias,

transmitidas por transfusões de sangue ou hemoderivados,

que podem ser muito graves ou até mesmo fatais, são a

AIDS (sigla, em inglês, para “síndrome da imunodeficiência

adquirida” causada pelo vírus HIV), algumas formas de

hepatite virais, como as causadas pelos vírus B ou C, a

tripanossomíase (Doença de Chagas), a malária, a

citomegalovirose e as infecções produzidas pelos vírus de

Epstein-Barr, HTLV-I e HTLV-II (vírus da leucemia e linfoma

164

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 12.

165 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 287.

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de células T humano) e por outros protozoários e

bactérias.166

Nesse sentido a revista das Testemunhas de Jeová, “Como

pode o sangue salvar a sua vida?”, cita também as doenças, como sífilis, a

infecção por citomegalovírus, a malária, infecções com o vírus da herpes, a

mononucleose infecciosa (vírus de Epstein-Barr), a toxoplasmose, a

tripanossomíase (doença do sono africana e a doença de Chagas), a

leishmaniose, a brucelose (febre ondulante), o tifo, a filariose, o sarampo, a

salmonelose, e a febre de carrapatos do Colorado.167

Nos dias de hoje é grande o número de processos contra

médicos e hospitais de pacientes que receberam sangue contaminado:168

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA

PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. SERVIÇO

MÉDICO MUNICIPAL. TRANSFUSÃO DE SANGUE

CONTAMINADO. AIDS. Ação indenizatória de danos

materiais e morais decorrentes da transmissão do vírus da

AIDS por transfusão de sangue em hospital público

municipal. [...]. Recursos providos em parte, mantida no mais

a sentença no reexame necessário. (TJRJ - APELACAO /

REEXAME NECESSARIO: REEX 1847350619998190001

RJ 0184735-06.1999.8.19.0001; Relator(a): Des. Henrique

de Andrade Figueira; Julgamento: 27/01/2010; Órgão

Julgador: Décima Sétima Câmara Civil; Publicação:

11/02/2010).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO

ORDINÁRIA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA

UNIÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA, MUNICÍPIO DE

166

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p. 285.

167 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 9 - 11.

168 A titulo ilustrativo traz-se alguns julgados contra médicos e hospitais de pacientes que receberam sangue contaminado, observar-se-á que alguns destes julgados foram com base no antigo Código de Ética Médica.

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63

CRICIÚMA E HOSPITAL SÃO JOSÉ AO PAGAMENTO DE

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS EM

DECORRÊNCIA DA AUSÊNCIA DE CONTROLE DA

QUALIDADE DO SANGUE OBJETO DE TRANSFUSÃO -

CONTAMINAÇÃO E POSTERIOR MORTE DO FILHO DA

PARTE AUTORA PELO VÍRUS HIV - SENTENÇA DE

PROCEDÊNCIA. [...]. (TRF4 - AGRAVO DE

INSTRUMENTO: AG 0 SC 0000283-25.2010.404.0000;

Relator(a): Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz;

Julgamento: 16/03/2010; Órgão Julgador: Terceira Turma;

Publicação: D.E. 07/04/2010).

AÇÃO ORDINÁRIA - CIRURGIA - TRANSFUSÃO DE

SANGUE - VÍRUS HIV - PESSOAS JURÍDICAS DE

DIREITO PRIVADO - RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

- SOLIDARIEDADE - PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO

PÚBLICO - RESPONSABILIDADE DO ESTADO - DANOS

MATERIAIS - LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS - JUROS DE

MORA. 1- São fatos fictamente demonstrados, a operação a

que se submeteu a Sra Irinita Santini Fernezlian, bem como

a transfusão de sangue nela aplicada e a contaminação pelo

vírus HIV.2- Responsabilidade contratual dos réus pessoas

jurídicas de direito privado. 3- Quanto aos réus pessoas

jurídicas de direito público, por força da responsabilidade

extracontratual ou aquiliana, tem o Estado a obrigação de

reparar danos causados a terceiros em decorrência de

comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos,

imputáveis aos agentes públicos. [...]. (TRF3 - APELAÇÃO

CÍVEL - 1353982: AC 47209 SP 2008.03.99.047209-4;

Relator (a): Desembargador Federal: Lazarano Neto;

Julgamento: 02/07/2009; Órgão Julgador: Sexta Turma).

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CONTAMINAÇÃO NA

TRANSFUSÃO DE SANGUE CONTAMINADO PELO VÍRUS

DA HEPATITE “C”, HIPÓTESE CLARA DE NEGIGÊNCIA

DO HOSPITAL COLETOR DA BOLSA DE SANGUE. Dano

moral configurado. [...]. (TJSP; APL-Rev 548.203.4/8; Ac.

2558132; Jaboticabal; Terceira Câmara de Direito Privado;

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Relator (a) Desembargadora: Beretta da Silveira;

Julgamento: 08/04/2008; DJESP 30/04/2008).

CIVIL E PROCESSUAL. ERRO MÉDICO.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO.

OBRIGAÇÃO DE MEIO. TRANSFUSÃO DE SANGUE

INCOMPATÍVEL. COMPLICAÇÕES. DANO MORAL. [...] É

de se presumir que as complicações decorrentes de conduta

culposa imputa à Ré, qual seja, a transfusão de sangue

incompatível ao do paciente, tenham causado o

agravamento da angústia e do sofrimento já experimentados

pelo mesmo por força de seu precário estado de saúde,

restando violado, de forma relevante, a sua integridade

física. [...] (TRF 2º R.; AC 385127; Proc. 1999.51.01.018487-

3; Oitava Turma Especializada; Relator Juiz Federal:

Marcelo Pereira; DJU 07/04/2009; p. 181).

Conforme a revista das Testemunhas de Jeová, pelo

fundamento Bíblico aqueles que desrespeitam as leis de Deus sobre o sangue

sofrem as conseqüências:

A evidência mostra que as pessoas que desconsideram a

lei de Deus sobre o sangue não raro sofrem danos imediatos

ou posteriores; algumas até mesmo morrem devido ao

sangue. As que sobrevivem não obtêm a vida infindável.

Assim, as transfusões de sangue não salvam vidas de modo

permanente.

A maioria das pessoas que, por motivos religiosos e/ou de

saúde, recusam sangue, mas aceitam tratamentos médicos

alternativos, passa muito bem. Elas, assim, podem estar

estendendo sua vida por anos. Mas não infindavelmente.169

E ainda existe o uso excessivo do sangue desnecessário,

médicos admitem terem utilizado tratamentos com sangue muitas vezes sem

necessidade, conforme pesquisa realizada nos Estados Unidos da America, dos

169

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 23 - 24.

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residentes entrevistados, 61% admitiram que pelo menos uma vez por mês,

prescreveram transfusões que consideravam desnecessárias pelo fato de outro

médico mais experiente sugerir que fosse feito. Desses um terço ainda informou

que isso ocorria mais duas ou mais vezes no mês.170

Nesse sentido conforme pesquisa realizada de setembro de

1998 a setembro de 2002, de 48 casos de autorizações judiciais para transfundir

sangue em paciente contra a sua vontade, rerificou-se que dos 48 casos apenas

14 dos que receberam a transfusão sobreviveram, em 13 casos mesmo com a

transfusão vieram a óbito. Em 21 casos que os médicos afirmaram que a

transfusão era necessária, mesmo com a autorização judicial, não a realizaram,

dos 21 quatro vieram a falecer. Nota-se que na maioria em 17 casos os pacientes

se recuperaram muito bem sem a realização da transfusão de sangue. O que

comprova em muitas vezes a desnecessidade da transfusão.171

Diante dos fatos apresentados não restam dúvidas quanto

aos riscos que a transfusão de sangue oferece aos pacientes.

3.3 ALTERNATIVAS MÉDICAS ÀS TRANSFUSÕES DE SANGUE

3.3.1 Componentes do sangue

Antes de falar das alternativas médicas às transfusões de

sangue, cabe estudar um pouco sobre os componentes sanguíneos, para melhor

compreensão futura.

O sangue é composto de quatro componentes principais,

plasma, plaquetas, glóbulos brancos e glóbulos vermelhos.

170

Porque respeitar a escolha de tratamento médico sem sangue. Dr. Philip Brumley, José Cláudio Del Claro e Miguel Grimaldi Cabral de Andrade, Julho de 1999, Cesário Lange, São Paulo, p.6.

171 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.306 - 310.

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Os três componentes celulares (glóbulos vermelhos,

glóbulos brancos e plaquetas) encontram-se suspensos em

uma parte líquida denominada plasma e desempenham,

cada qual, uma determinada função [...].172

Os glóbulos vermelhos ou hemácias são as células que dão

ao sangue a cor vermelha e são as mais numerosas em circulação, tem como

função transportar o oxigênio e o bióxido de carbono, os glóbulos brancos ou

leucócitos têm a função de combater as infecções, as plaquetas são responsáveis

pela coagulação do sangue, são elas as responsáveis por estancar

hemorragias.173

E por ultimo temos o plasma, que compõe a maior parte do

sangue composto de água e constituintes solúveis, onde temos proteínas, lipídios,

carboidratos, vitaminas e hormônios, ele é o responsável pela circulação das

células sanguíneas (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). Também

tem como função transportar as substancias nutritivas, minerais e anticorpos.174

3.3.2 Alternativas médicas

Hoje já existem meios de tratamentos eficazes sem o uso do

sangue. O aparecimento das mais variadas doenças vem levando cada vez mais

médicos a buscarem alternativas para os problemas de saúde sem precisar usar

o sangue.

Conforme Celso Ribeiros Bastos acerca dos tratamentos

alternativos sem o uso do sangue:

172

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.274.

173 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.274-278.

174 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.279.

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A transfusão de sangue não é o único meio de que pode se

valer o médico para salvar a vida ou a saúde de um adulto

ou de uma criança. Há sim outros tratamentos alternativos –

desenvolvidos e utilizados por médicos alopatas, e não por

sectários de uma religião especifica – que atingem o mesmo

resultado. São eles: os expansores do volume do plasma, os

fatores de crescimento hematopoiéticos, a recuperação

intra-operatória do sangue no campo cirúrgico, a hemostasia

meticulosa etc. O fato de se ter mais de um tratamento em

substituição à transfusão de sangue já nos leva logo a

concluir que este procedimento não é o único modo de

salvar a vida do paciente. Pode-se, portanto, prescindir dele

por outras formas alternativas de tratamento.175

Alguns exemplos de tratamentos citados através de

pesquisa feita pela revista das Testemunhas de Jeová, “Como pode o sangue

salvar a sua vida?”:

Médicos peritos podem ajudar a pessoa que perdeu sangue

e que, assim, dispõe de menos glóbulos vermelhos. Uma

vez restaurado o volume do plasma, os médicos podem

administrar oxigênio em alta concentração. Isto o torna

disponível em maior quantidade para o corpo e, muitas

vezes, tem dado notáveis resultados. [...].

Os médicos também podem ajudar seus pacientes a formar

mais glóbulos vermelhos. Como? Por lhes darem

concentrados de ferro (no músculo ou na veia), que podem

ajudar o corpo a produzir glóbulos vermelhos três a quatro

vezes mais rápido do que o normal. Recentemente, outra

ajuda tornou-se disponível. Seus rins produzem um

hormônio chamado eritropoietina (EPO), que estimula a

medula óssea a produzir hemácias. Acha-se agora

disponível a EPO sintética (recombinante). Os médicos

podem ministrá-la a alguns pacientes anêmicos, ajudando-

175

BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.494.

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68

os assim a produzir rapidamente os glóbulos vermelhos de

reposição.176

Médicos podem também durante uma cirurgia usar métodos

de conservação do sangue, usando bisturis elétricos ou a laser para minimizar a

hemorragia, filtrar o próprio sangue do paciente repondo-o depois em circulação,

resfriar um paciente, para reduzir a necessidade de oxigênio durante a cirurgia,

anestesia hipotensiva, terapia para melhor coagulação sanguínea, a

desmopressina (sigla em inglês, DDAVP) para reduzir o tempo de

sangramento.177

Uma alternativa muito interessante é a hemodiluição,

tratamento com o próprio sangue do paciente, evitando assim riscos de

contaminação e incompatibilidade.

A hemodiluição deliberada e controlada é uma técnica por

meio da qual o anestesiologista usa fluidos não sanguíneos

específicos para diluir o sangue do paciente. Quando a

hemorragia ocorre, menos células sanguíneas são

realmente perdidas, em vista do seu estado de diluição.

Existem dois modos de se fazer isso.

Num dos métodos, denominado “hemodiluição

hipervolêmica”, infundem-se fluidos no paciente

imediatamente antes da operação. A técnica tanto dilui o

sangue do paciente quanto expande os níveis de volume

acima do normal. Além disso, nenhum sangue é

removido.178

O outro processo é chamado “hemodiluição aguda

normovolêmica”, antes da cirurgia é retirado algum sangue do paciente e

substituído por fluidos não sanguíneos, assim se o paciente tiver uma hemorragia

176

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p. 14 - 15.

177 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p.15.

178 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.291.

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ira perder menos células sanguíneas por volume, e o sangue do paciente retirado

é devolvido no final da operação.179

Outro tratamento que vem sendo utilizado por médicos no

Brasil normalmente aceito pelas Testemunhas de Jeová é a recuperação

intraoperatório de sangue autólogo, consiste na coleta do sangue que é perdido

durante a cirurgia e adicionado de um anticoagulante que previne a coagulação

do sangue no equipamento, e é encaminhado a uma máquina denominada Cell

Saver, para que as células sanguíneas sejam lavadas.180

Com a lavagem das células vão sendo removidas

componentes não desejados, assim como gordura, tecido e até fragmentos de

ossos da cirurgia. Os componentes necessários e os glóbulos vermelhos, são

devolvidos ao paciente.181

Assim segundo pesquisas feitas por Wilson Ricardo Ligiera

tratamentos sem sangue envolvem combinações de:

Produtos Farmacêuticos:

- Agentes hemostáticos (para diminuir o sangramento),

Agentes hematopoéticos (para estimular a produção de

células), Expansores do volume do plasma (para repor o

volume perdido).

Equipamentos e instrumentos cirúrgicos:

- Bisturi elétrico (para reduzir o sangramento), Cell Saver

(máquinas que recuperam as células sanguíneas).

Técnicas cirúrgicas:

179

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.291.

180 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.292.

181 LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.293.

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- Hemostasia meticulosa (técnicas que estancam a

hemorragia), Hemodiluição Normovolêmica Aguda (para

conservar o sangue).182

Verifica-se as inúmeras alternativas para os mais diversos

tipos de tratamentos sem o uso do sangue, aceitos pelas Testemunhas de Jeová

e por aqueles que por algum outro motivo recusam a transfusão de sangue.

3.3.3 Vantagens dos tratamentos sem transfusões de sangue

Através de pesquisas feitas nota-se que os tratamentos sem

a transfusão de sangue acabam sendo mais bem sucedidos, pois ao escutar o

paciente a respeitar suas convicções religiosas, médico e paciente acabam

trabalhando juntos para descobrir a melhor maneira de tratar o paciente.

Quando médico e paciente trabalham juntos gera benefícios

a todos, conforme pesquisa médica:

Na realidade, o tratamento isento de sangue talvez

apresente menor risco. Mas o ponto aqui frisado é que

pacientes que são Testemunhas ficam contentes de dissipar

quaisquer preocupações desnecessárias, de modo que a

equipe médica possa ir em frente e realizar aquilo que se

compromete a fazer, ajudar as pessoas a ficarem boas. Esta

cooperação traz benefício a todos, conforme mostrado pelo

Dr. Angelos A. Kambouris em “Grandes Operações

Abdominais Feitas em Testemunhas de Jeová”.183

Feito acordo pré-operatório entre cirurgião e paciente, este

deve ser respeitado e mantido, não importa as complicações que possam surgir

após a operação. Com isso o paciente se sente seguro, isso o deixa

despreocupado com relação à cirurgia, o que se torna positivo para recuperação

182

LIGIERA, Wilson Ricardo. Responsabilidade Médica: diante da recusa de transfusão de sangue, 2009, p.296.

183 Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p.18.

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do paciente e despreocupa o médico com relação aos aspectos legais, fazendo

com que o cirurgião tenha melhor desempenho.184

O autor Silvio Romero Beltrão dispõe com relação à

experiência de Watts com as Testemunhas de Jeová:

Watts, que descreve suas experiências com as

Testemunhas de Jeová, declara: “Creio que tive benefícios

com a experiência e que talvez tenha me tornado um

cirurgião um pouco melhor”; explicitando que operou

centenas de Testemunhas de Jeová e que os mesmos têm

uma melhor recuperação do que aqueles que foram

transfundidos.185

As Testemunhas de Jeová são pessoas extremamentes

apegadas em seus valores religiosos e na sua forma de vida, elas prezam muito

pela vida, só que acreditam que a transfusão de sangue não é aceita na lei de

Deus, assim o médico ao respeitar sua decisão estará lhe fazendo um grande

bem. Elas não temem pela morte, e sim pela punição divina.

Nesse sentido:

Os cirurgiões têm observado que a boa atitude é outro fator

evidenciado pelas Testemunhas de Jeová. “A atitude destes

pacientes tem sido exemplar”, escreveu o Dr. Cooley em

outubro de 1989. “Eles não têm o medo de complicações,

nem mesmo da morte, como a maioria dos pacientes. Têm

profunda e duradoura fé em sua crença, e em seu Deus”.

Isto não significa que desejam asseverar o direito de morrer.

Buscam ativamente cuidados médicos de qualidade, porque

desejam ficar bons. Estão convictos de que é sábio

obedecer à lei de Deus sobre o sangue, conceito este que

184

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p.18.

185 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas, 2005, p. 115.

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exerce uma influência positiva na cirurgia que não utiliza

sangue.186

Portanto, percebe-se que o direito brasileiro permite ao

próprio paciente escolher seu tratamento, o médico não pode de maneira alguma

impor tratamento ao paciente, deve seus direitos fundamentais ser respeitados,

independente do que possa acarretar sua escolha, pois é um direito seu.

O risco que o paciente assume ao recusar transfusão

sanguínea optando por um tratamento alternativo, está ligado a sua liberdade

individual, não acarretando dessa forma nenhuma responsabilidade médica.

186

Como pode o sangue salvar sua vida? Cesário Lange, São Paulo, Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, p.17.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo investigar, através de

legislação, doutrinas e jurisprudências a possibilidade de religiosos sendo

pessoas maiores, capazes e conscientes de seus atos, recusarem tratamentos

com sangue, para isso o trabalho foi dividido em três capítulos, estudando os

direitos fundamentais, os direitos do paciente, e a responsabilidade médica diante

a recusa do paciente em receber transfusão de sangue.

O primeiro capítulo tratou da sua evolução histórica,

conceituação dos direitos fundamentais, sua aplicação na Constituição Federativa

do Brasil de 1988, suas gerações e características.

Verificou-se o quanto evoluiu os direitos fundamentais ao

longo dos anos, seu conceito e características estão basicamente ligados a

proteção da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido a necessidade de criar

uma Constituição se deu pelo fato de surgir à necessidade de proteger os direitos

dos cidadãos.

Nota-se que os Direitos Fundamentais ainda nos dias de

hoje, continuam a ser objeto de discussão devido suas constantes mutações, que

se dão em face dos momentos históricos vividos por uma sociedade, e conforme

seus interesses, conquistas e reivindicações.

O Segundo capítulo tratou a cerca dos direitos do paciente,

onde ficou claro que tem o paciente o direito de recusa, e que não pode o médico

impor tratamento ao paciente sem seu consentimento mesmo sob iminente risco

de vida, pois estaria ferindo os direitos do paciente, ou seja, o direito a dignidade,

de viver com dignidade ou ter uma morte digna, o direito a autonomia, a liberdade

de escolha e o direito a religião. Todos protegidos e assegurados pela

Constituição da Republica do Brasil de 1988.

Os motivos que levaram uma pessoa a aceitar determinado

tratamento ou não, diz respeito à própria pessoa, pois só ela sabe o que esta

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sentindo, o quanto esta sofrendo, não cabe assim as terceiros intervirem na sua

liberdade de escolha, na sua autonomia.

O terceiro e ultimo capítulo analisou-se a responsabilidade

médica diante da recusa aos tratamentos com sangue, onde ficou provado que

não deve o médico ser responsabilizado mediante ao direito do paciente em

recusar a transfusão de sangue.

Os riscos que as transfusões de sangue apresentam são

muitos, o mais temido deles o vírus da AIDS – HIV, onde muitas pessoas

encontram-se hoje contaminadas, devido transfusões de sangue. Comprovou-se

que muitas vezes as transfusões de sangue são desnecessárias.

Comprovou-se ainda, que são inúmeras as alternativas

médicas disponíveis aqueles que rejeitam a transfusões com sangue, e o quão

benéficas e vantajosas são para os pacientes.

Por fim, volta-se para as hipóteses levantadas na introdução,

a saber:

a) Conforme a Constituição Federativa da República do

Brasil, todos tem direito a dignidade, a autonomia, a liberdade religiosa, sendo

inviolável o direito de consciência e de crença, devendo esses direitos ser

respeitados e protegidos, sendo a pessoa maior e capaz terá pleno direito de

decidir se quer se submeter à transfusão de sangue ou não.

b) O médico não deverá ser responsabilizado, pois conforme

já visto na hipótese anterior, sendo pessoa maior, capaz e consciente de seus

atos tem o direito de decidir o tratamento que pense ser o melhor para si, mesmo

sob iminente risco, conforme estabelece o art. 15 do Código Civil, deverá o

paciente ter sua escolha respeitada.

c) Sim, existem alternativas ao que recusam transfusão

sangüínea.

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Como verificou-se no decorrer do presente trabalho todos

têm direito a dignidade, a autonomia, a liberdade religiosa, sendo inviolável o

direito de consciência e de crença, conforme a Constituição Federativa da

República do Brasil, assim restou claro que tem o paciente sendo pessoa maior,

capaz e consciente de seus atos o direito de recusar tratamentos com sangue,

fundamentado no art. 5º, II, da Constituição da Republica Federativa do Brasil,

que dispõe que ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa se

não em virtude de lei.187

E provou-se ainda que não pode o médico impor tratamento

ao paciente sem seu consentimento, mesmo sob iminente risco de vida, onde o

art. 15 do Código Civil dispõe que ninguém pode ser constrangido a submeter-se,

com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Celso Ribeiro Bastos conclui:

Não há amparo legal ou constitucional para impor a alguém

(capaz e consciente) determinado tratamento médico.188

Com relação à responsabilidade médica o que se pôde

perceber foi que médico não deverá ser responsabilizado, já que se trata de

pessoa maior, capaz e consciente de seus atos, que manifesta sua vontade de

reusar determinado tratamento, devendo assim ter seu direito respeitado, mesmo

sob iminente risco, conforme estabelece o art. 15 do Código Civil, deverá o

paciente ter sua escolha respeitada.

Conforme verificou-se ainda essa recusa também pode ser

através de declaração médica hospitalar ou através do cartão de identificação

para uso médico.

187

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Senado Federal, Brasília, 2010. p.8.

188 BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90, v. 787, p. 493 – 507, maio 2001, p.506.

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Assim fica o médico isento de qualquer ação civil ou penal

que possa vir a recair sobre ele, caso o paciente sofra alguma complicação

mediante a recusa da transfusão com sangue, ou até mesmo venha a falecer.

Por fim provou-se que existem muitas alternativas aqueles

que rejeitam a tratamentos sanguíneos, seja por motivos religiosos, científicos ou

de cunho pessoal, sejam através de alternativas farmacológicas, técnicas

médicas e cirúrgicas ou equipamentos para conservação do sangue.

O que se precisa realmente, é que médicos e suas equipes

se atualizem, é fato que muitos hoje recusam transfusões sanguíneas, e não só

por motivos religiosos, pois se comprovou o quão são perigosas, não existe

transfusão sanguínea segura no mundo. Os médicos não devem só pensar em

curar o paciente, devem buscar também o bem estar do paciente em seu todo,

para que após ser curado possa voltar para seu convívio social com dignidade.

O respeito às Testemunhas de Jeová as suas crenças e

valores é fundamental para o bom convívio médico e paciente, para que o

paciente possa durante e após o tratamento ter a certeza de poder ter uma vida

digna de volta ao seu convívio social. Os tratamentos médicos forçados em nada

ajudaram a estes pacientes pelo contrario, não é correto forçar uma pessoa a

receber algum tipo de tratamento, sendo que ela tem o direto de decidir, e

respeitar a sua escolha é de extrema importância para sua recuperação.

Forçar uma Testemunha de Jeová a receber transfusão de

sangue é violar sua consciência e moral, é tira – lá de sua religião de seu convívio

social, é obrigá-las a desobedecerem às ordens de Deus, pois o sangue é

sagrado para elas, sendo um pecado mortal ser transfundido, e fazendo-o serão

punidas eternamente pela lei divina, não mais alcançando a vida eterna,

consideram sua vida espiritual mais importante que a física, esse tipo de paciente

não é contra vida, não deseja morrer, sabe que necessitam de auxilio médico,

apenas busca que esse auxilio não fira suas convicções religiosas, busca que

seus direitos individuais sejam respeitados.

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E é dever do Estado respeitar e proteger esses pacientes e

seus direitos.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Parecer Penal: direito de recusa de pacientes

submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue, por razões

científicas e convicções religiosas. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 90,

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ANEXOS

Carteira de identificação das Testemunhas de Jeová como

documento com instruções e procuração para tratamento de saúde.

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