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1 DIREITO DO TRABALHO INTRODUÇÃO - Preocupação da ramificação Proteger juridicamente as relações trabalhistas que se desenvolvem no meio social, dispensando atenção ao trabalhador (em especial, ao empregado) e ao contexto socioeconômico no qual ele está inserido - Mera regulamentação jurídica das relações de trabalho Buscando uma visão além desta, traremos também ao nosso estudo os reflexos sociais dessa ramificação na contemporaneidade - Normas juslaborais Quando corretamente aplicadas, evitam ou minimizam as repercussões do conflito capital versus trabalho, estabilizando as relações sociais e contribuindo para um mundo mais justo 1. HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO: PRINCÍPIOS E SUJEITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO - Neste tópico Vamos entender como surgiu a ramificação, conhecer seus princípios norteadores e os atores diretamente envolvidas em uma relação de emprego 1.1 O mundo do trabalho - Vários foram os conceitos atribuídos ao trabalho ao longo da história da humanidade Para as primeiras civilizações, o trabalho tinha a conotação de atividade degradante e, por isso, competia aos escravos A própria origem da palavra trabalho demonstra essa situação: do termo tripalium, vocábulo latino que nomeia um instrumento de tortura - Idade Média Nela também encontramos a figura do escravo e, ainda, dos servos da gleba, pessoas que, embora consideradas livres, estavam intrinsecamente ligadas ao seu local de nascimento, cabendo-lhes realizar serviços para os senhores feudais - Corporações de ofício

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    DIREITO DO TRABALHO

    INTRODUO

    - Preocupao da ramificao

    Proteger juridicamente as relaes trabalhistas que se desenvolvem no meio social,

    dispensando ateno ao trabalhador (em especial, ao empregado) e ao contexto

    socioeconmico no qual ele est inserido

    - Mera regulamentao jurdica das relaes de trabalho

    Buscando uma viso alm desta, traremos tambm ao nosso estudo os reflexos sociais dessa

    ramificao na contemporaneidade

    - Normas juslaborais

    Quando corretamente aplicadas, evitam ou minimizam as repercusses do conflito capital

    versus trabalho, estabilizando as relaes sociais e contribuindo para um mundo mais justo

    1. HISTRICO DO DIREITO DO TRABALHO: PRINCPIOS E SUJEITOS DA RELAO DE

    EMPREGO

    - Neste tpico

    Vamos entender como surgiu a ramificao, conhecer seus princpios norteadores e os atores

    diretamente envolvidas em uma relao de emprego

    1.1 O mundo do trabalho

    - Vrios foram os conceitos atribudos ao trabalho ao longo da histria da humanidade

    Para as primeiras civilizaes, o trabalho tinha a conotao de atividade degradante e, por isso,

    competia aos escravos

    A prpria origem da palavra trabalho demonstra essa situao: do termo tripalium, vocbulo

    latino que nomeia um instrumento de tortura

    - Idade Mdia

    Nela tambm encontramos a figura do escravo e, ainda, dos servos da gleba, pessoas que,

    embora consideradas livres, estavam intrinsecamente ligadas ao seu local de nascimento,

    cabendo-lhes realizar servios para os senhores feudais

    - Corporaes de ofcio

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    Agrupamentos de artesos de um mesmo ramo, numa mesma cidade

    Com o surgimento delas tornou-se possvel, ainda que de forma incipiente, uma maior liberdade

    para o trabalhador

    - Nas corporaes havia trs categorias de membros

    Os mestres, os companheiros e os aprendizes. Os primeiros eram os proprietrios do negcio;

    os companheiros eram trabalhadores livres que recebiam salrio dos mestres

    Os aprendizes eram aqueles trabalhadores que se iniciavam na atividade, sendo instrudos e

    orientados pelos mestres. As corporaes possuam estatutos e regulamentos prprios

    - Expanso mercantilista e incio das grandes navegaes intercontinentais

    Apesar delas, a escravido permaneceu sendo a principal fora produtiva, o que foi exportado

    para os continentes alcanados pelos povos europeus

    - Ramificao

    Originou-se a partir da Revoluo Industrial, durante o sculo XVIII, quando tambm nasceram

    a sociedade industrial, a produo em srie e o trabalho assalariado

    - Sculo XVIII

    Foi nele, com a surgimento da sociedade industrial, que os trabalhadores tiveram acesso aos

    primeiros direitos trabalhistas

    - Primeiras normas trabalhistas

    Buscavam proibir o trabalho em condies desfavorveis s crianas, adolescentes e mulheres

    Alm de coibir condies incompatveis sade e segurana dos trabalhadores, como o

    trabalho em locais insalubres ou perigosos

    - A ramificao na atualidade

    Alm de tutelar o trabalhador, desempenha funo coordenadora dos interesses entre o capital

    e o trabalho

    Essa uma viso crtica que interessante ser colocada, uma vez que esse ramo do Direito

    no corresponde exatamente ideia de protetor dos trabalhadores

    Mas sim noo de que necessrio ceder um pouco para que a estrutura de produo seja

    mantida, como ocorreu na poca da revoluo industrial, com as revoltas dos proletrios, em

    funo das condies de trabalho degradantes

    - Legislao trabalhista brasileira calcada em trs diferentes grupos de lei

    Constituio Federal/1988

    Consolidao das Leis do Trabalho (CLT)

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    Legislao esparsa (leis que tratam de temas trabalhistas, mas suas normas no esto

    presentes na CF/88 nem na CLT, a exemplo da Lei de estgio Lei n 11.788/08)

    - Emenda Constitucional n 45/2004

    Ampliou a competncia da Justia do Trabalho, alterando o art. 114 da CF, para que ela se

    torne apta a processar e julgar no apenas os dissdios oriundos da relao de emprego, mas

    tambm toda e qualquer demanda oriunda de relaes de trabalho

    1.2 O Direito do Trabalho e seus princpios

    - Nascimento da ramificao

    A partir do reconhecimento, por parte da sociedade, da necessidade de uma regulamentao

    pblica do uso da fora de trabalho pelos detentores dos meios de produo

    Garantindo certas condies para os trabalhadores, alm de um ambiente de segurana para o

    investimento do capital na produo

    - Conceito

    Corresponde, portanto, a uma regulamentao que reconhece a desigualdade inerente

    relao entre o capital e o trabalho, e procura, com um tratamento jurdico diferenciado,

    compensar, juridicamente, a notvel vulnerabilidade econmica do trabalhador

    - Referidas condies

    Foram alcanadas atravs de uma legislao estatal limitadora da vontade das partes e

    estabelecerem, livremente, as clusulas do contrato de trabalho

    - Legislao que procurou garantir ao trabalhador:

    Continuidade, estabilidade e segurana no emprego

    Contratao direta com o empregador, sem a intermediao de terceiros

    Iseno do empregado quanto responsabilidade sobre o risco do negcio

    Limites para as jornadas de trabalho e determinao de descansos obrigatrios

    Remunerao digna e protegida contra redues

    Limites ao poder diretivo do empregador e s possibilidades de alteraes das clusulas do

    contrato

    - Regulamentao da relao de trabalho

    Foi afastada do mbito do Direito Civil, no qual se supe a igualdade jurdica dos contratantes

    (ao contrrio do que se verifica nessa ramificao, justamente em funo da vulnerabilidade e

    hipossuficincia do trabalhador), ficando reconhecida a necessidade de se conferir proteo

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    social ao trabalhador subordinado e assalariado, impedindo, dessa maneira, o livre

    estabelecimento de clusulas do contrato de trabalho nos seus mais variados aspectos

    - Ramificao ocupa-se de um tipo especfico de relao entre PF ou PJ

    Que diz respeito s relaes que so travadas em funo da prestao e contraprestao de

    trabalho subordinado, no qual o prestador sujeita a sua energia pessoal direo do tomador,

    que obtm o resultado

    - Relao de trabalho

    Nem toda ela, entretanto, penetra na rea de especulao da ramificao, mas apenas aquela

    em que o trabalho subordinado ao tomador (relao de emprego)

    - Sistematizados pela doutrina

    E em completa harmonia com as diretrizes constitucionais, os princpios especficos da

    ramificao so os seguintes:

    - Princpio da proteo do trabalhador

    Resulta das normas imperativas de ordem pblica e est expresso na interveno do Estado

    nas relaes de trabalho

    Tem como objetivo opor obstculos ao exerccio da autonomia da vontade na formao do

    contrato de trabalho, de forma a proteger o trabalhador. Conforme Amrico Pl Rodriguez

    (2000), so regras de aplicao desse princpio:

    - Regra do in dubio pro misero ou in dubio pro operrio

    Diz respeito interpretao da norma (seja ela uma lei, sentena normativa, conveno

    coletiva, acordo coletivo, regulamento de empresa, contrato individual de trabalho etc.)

    Estabelece que sempre que uma norma permitir mais de uma interpretao, deve-se preferir a

    que mais favorea o empregado

    - Regra da aplicao da norma mais favorvel

    Estabelece que, havendo mais de uma norma, de sentidos diversos, aplicveis a uma situao

    jurdica, deve-se preferir a que favorea o empregado

    Havendo pluralidade de normas, com vigncias simultneas, aplicveis mesma situao

    jurdica, prevalece a norma que mais beneficia o trabalhador, ainda quando inserta em regra de

    Direito hierarquicamente inferior.

    - Regra da observncia da condio mais benfica

    Tambm diz respeito aplicao da norma e estabelece que, havendo uma situao j

    concretamente estabelecida pela norma preexistente, esta deve prevalecer sobre a que vier a

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    ser criada pela nova norma, desde que a situao anterior j tenha sido reconhecida e se

    mostre mais favorvel ao empregado

    - Princpio da irrenunciabilidade de direitos

    Em razo desse princpio, no se reconhece validade ao ato voluntrio pelo qual o empregado

    renuncia ao direito reconhecido em seu favor

    Assim, inverte o princpio da renunciabilidade, do direito comum, firmado como regra de respeito

    liberdade individual e autonomia da vontade, uma vez que se reconhece o poder econmico

    do empregador de pressionar o empregado no sentido de renunciar a seus direitos

    - Princpio da primazia da realidade

    Em razo desse princpio, a relao objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relao

    jurdica estipulada pelos contratantes, ainda que os elementos que so objeto do contrato de

    trabalho no correspondam realidade

    Isso significa que, em caso de discordncia entre o que ocorre na prtica e o que sugere os

    documentos e acordos, deve-se dar preferncia ao que ocorre de fato

    - Princpio da continuidade da relao de emprego

    Nas palavras de Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 144), aquele em virtude do qual o

    contrato de trabalho perdura at que sobrevenham circunstncias previstas pelas partes ou em

    lei como idneas para faz-lo cessar, por exemplo, um pedido de demisso, uma despedida,

    um termo.

    - So esses os princpios que conferem especificidade a nossa ramificao

    Constituindo-o como ramo autnomo do Direito e norteando toda a legislao trabalhista

    - Plano do direito material individual

    Nele a relao de trabalho est sujeita a inmeras normas, reunidas na CLT

    Essas normas concretizam, em certa medida, os princpios dessa ramificao, e regulamentam

    a relao trabalhista, reconhecendo a desigualdade econmica existente entre as duas partes

    que firmam esse contrato: o empregado e o empregador. Vamos agora observar quem so

    esses sujeitos.

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    Texto de Leitura Complementar: Propedutica do direito do trabalho: definio, natureza jurdica e fontes, de autoria de Ricardo Rocha Viola,

    Mestre em Direito Pblico pela Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis da UFU - Universidade Federal de Uberlndia, Minas Gerais.

    Especialista em Direito Tributrio pelo IBET Instituto Brasileiro de Estudos Tributrios. Professor universitrio em cursos de graduao e ps-

    graduao. Advogado.

    PROPEDUTICA DO DIREITO DO TRABALHO: DEFINIO, NATUREZA JURDICA E FONTES

    Introduo

    Propedutica pode ser compreendida enquanto o estudo preparatrio ou introdutrio que serve de iniciao a uma cincia (JAPIASSU E

    MARCONDES, 2001:157). Reside na propedutica do direito do trabalho a massa de observao do presente escrito, cujo propsito esboar

    uma breve incurso sobre alguns temas fundamentais para o direito do trabalho, isto , temas que se mostram basilares para a compreenso

    deste segmento do sistema jurdico do direito positivo brasileiro.

    Advirta-se de antemo, que no h a inteno de exaurir o enfrentamento dos temas escolhidos, nem tampouco a de reduzir a propedutica do

    direito do trabalho aos temas aqui enfocados. Assim, o texto est organizado em trs tpicos. No primeiro buscar-se- definir um significado

    possvel e consistente para a expresso direito do trabalho. No segundo, os esforos tericos concentram-se na investigao dos vrios

    posicionamentos acerca da natureza jurdica do direito do trabalho. Por fim, ser enfrentada a teoria das fontes do direito aplicada ao direito do

    trabalho.

    1. O que o direito do trabalho?

    Obviamente existem inmeras definies quanto ao direito do trabalho. Eis a definio de Amauri Mascaro do Nascimento (2009:59):

    O ramo da cincia jurdica que tem por objeto as normas, as instituies jurdicas e os princpios que disciplinam as relaes do trabalho,

    determinam os sujeitos e as organizaes destinadas proteo desse trabalho em sua estrutura e atividade.

    Para Ives Gandra da Silva Martins Filho (2006:7), o direito do trabalho o ramo do Direito que disciplina as relaes de trabalho, tanto

    individuais como coletivas. Fincado no entendimento de que o direito do trabalho restringe-se apenas e to somente ao direito individual das

    relaes do trabalho, Francisco Tavares Noronha Neto, define o direito do trabalho como:

    Como conhecimento humano, o Direito do Trabalho o ramo da cincia jurdica que tem por objeto de estudo os princpios e normas que

    regulam as relaes de emprego, as relaes de trabalho temporrio e as relaes de trabalho avulso.

    Como direito objetivo, o Direito do Trabalho o conjunto de princpios e normas que regulam as relaes de emprego, as relaes de trabalho

    temporrio e as relaes de trabalho avulso.

    Estas definies foram formuladas com apoio no critrio objetivista. Verifica-se que debilidade econmica do trabalhador foi um fenmeno

    indispensvel para a formao do direito laboral e que a proteo que ser humano que trabalha recebe da legislao trabalhista caracterstica

    marcante deste ramo do Direito, mas estes fatos no integram sua estrutura essencial.

    As relaes coletivas de trabalho no foram contempladas nas supra-expostas definies, pois o autor entende, em dissonncia com a maioria

    dos doutrinadores brasileiros, que estas relaes constituem objeto de um ramo jurdico autnomo, conhecido como "Direito Coletivo do

    Trabalho" ou "Direito Sindical".

    Passar-se- ao enfrentamento do tema.

    H que se definir que o direito trata-se de objeto cultural, e como tal dever estudado, no sendo adequado, portanto, aplicar-lhe, sem a

    adequada reflexo, os postulados cientficos de outras reas do conhecimento humano, como, por exemplo, os das cincias naturais ou exatas.

    So de Amauri Mascaro (2009:60) as seguintes consideraes:

    O Direito no pertence natureza fsica. No uma lei qumica ou uma lei biolgica que o produz, muito menos uma lei mecnica prpria do

    mundo no cultural e dentro de uma infalvel inelutabilidade. O Direito, ao contrrio, apresenta-se-nos, como frisa Recasns Siches, pleno de

    sentido, de significao, como expresso de uma estrutura de fins e de meios congruentes, como intencionalidade. Nada h na natureza que se

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    nos aparea como um elemento jurdico. Ao contrrio, existe o Direito porque o homem procura ordenar sua coexistncia com outros homens,

    pautando-a por meio de determinadas normas, por ele dispostas, no sentido de evitar um conflito de interesses e realizar um ideal de justia.

    Como objeto cultural que , apresenta-se multifacetrio, permitindo assim inmeras abordagens considerando as variadas possibilidades de

    seus mltiplos pontos de observao. Assim, o direito admite aproximaes e abordagens de carter filosfico, antropolgico, histrico,

    sociolgico, poltico, e, no que interessa a este estudo, uma abordagem terico-jurdica propriamente dita, sendo esta lastreada numa postura

    analtico-hermenutica, que adota como ponto de observao e partida, o texto do direito posto em sua acepo mais ampla.

    Outro aspecto importante que nas definies havero de ser esclarecido em que nvel de linguagem a definio est sendo proposta. Explica-

    se.

    Admite-se o direito como um fenmeno comunicacional. Assim, neste ambiente podem ser encontradas comunicaes em diferentes nveis. Em

    direito ento, existe um primeiro nvel de linguagem, a linguagem do direito positivo, estruturada no modo prescritivo e possuidora de carter

    tcnico. Acima desta tem-se a linguagem cientfica do direito, que toma o direito como seu objeto e vazada em termos cientficos.

    Prosseguindo na estratificao da linguagem chega-se linguagem da Teoria Geral do Direito, descritiva dos pontos de interseo dos vrios

    segmentos da cincia jurdica. Assim como no estrato antecedente, a linguagem da Teoria Geral do Direito descritiva e submetida ao

    rigorismo cientfico. Por fim, chega-se ao patamar da lgica jurdica, um espectro de linguagem unvoca e livre de polissemias (CARVALHO,

    2005:7).

    Diante do exposto, para definir de maneira adequada o direito do trabalho, parece til que antes aponte-se em que estrato da linguagem jurdica

    estar tal definio. Assim, indica-se que a definio aqui adotada encontra-se no plano da cincia do direito que adota o direito do trabalho

    como sua linguagem-objeto.

    Distinguindo a linguagem do direito positivo da linguagem da cincia do direito, assevera Tarek Moyss Moussallem (2005:98):

    Direito positivo e Cincia do Direito so dois fatos dependentes da linguagem com as seguintes caractersticas: (a) direito positivo (1) posto

    em linguagem na sua funo prescritiva; (2) so enunciados so vlidos ou no-vlidos; (3) a lgica aplicvel a lgica dentica; (4) isento de

    contradio no plano sinttico, mas passvel de incoerncia nos planos semntico e pragmtico; (5) dotado de unidade; (b) Cincia do Direito:

    (1) vertida em linguagem na sua funo descritiva; (2) seus enunciados so verdadeiros ou falsos; (3) a lgica aplicvel a altica ou

    apofntica; (4) deve ser isento de contradio em todos os planos e, por fim, (5) tambm dotado de unidade.

    O sistema jurdico congrega enunciados prescritivos das mais variadas materialidades. Existem enunciados que dispem acerca de aspectos

    relacionados com a tributao, com o processo civil, com o processo penal, com o processo do trabalho, com a administrao pblica, com a

    proteo do meio ambiente, etc. Enfim, inmeros so os aspectos da vida que esto alcanados por enunciados prescritivos.

    Assim, se a pretenso estudar um dado seguimento desta vastido de enunciados, indispensvel que neste universo seja identificado o

    acervo de enunciados que se pretende adotar como objeto da investigao que se pretende iniciar, pois, assim no procedendo, corre-se o

    risco de envidar esforos hermenuticos acerca de objetos que no mereceriam a ateno do intrprete.

    Para a segmentao deste objeto, parece seguro o critrio da materialidade imediatamente subjacente ao enunciado. Deste modo, e no que

    interessa a este escrito, integram o direito do trabalho apenas e to somente os enunciados prescritivos que dirijam-se material e imediatamente

    (i) s relaes jurdicas de trabalho, isto , os vnculos jurdicos havidos entre sujeitos de direito que gravitaro em torno de bens jurdicos

    perinealmente vinculados a aspectos da vida laboral; bem como aos (ii) elementos sem os quais no se pode conceber um relacionamento que

    ostente potencial subsuno a modelos enunciados pelo sistema jurdico, tais como os sujeitos de direito da relao em questo, e que assim

    estejam habilitados a titularizar direitos subjetivos e deveres jurdicos naquele ambiente da experincia jurdica; os bens jurdicos que so

    alcanados pela tutela do sistema de direito e funcionam como foco de convergncia tanto dos direitos subjetivos como dos deveres jurdicos de

    que so titulares os sujeitos da relao laboral; e, por fim, aos elementos catalisadores das relaes que se formaro entre os sujeitos em torno

    dos tais objetos, tais como os contratos de trabalho, os contratos de representao comercial autnoma, etc.

    Destarte, aqui, o direito do trabalho definido como o conjunto de todos os enunciados prescritivos alocados no sistema jurdico de um dado

    povo, em um dado territrio e num dado tempo histrico, e que tenha por matria de fundo imediata as relaes do trabalho e seus elementos

    essenciais, tais como os sujeitos, os bens jurdicos tutelados e os elementos catalisadores das referidas relaes.

    2. Natureza jurdica do direito do trabalho

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    A teoria rica em classificaes para o direito. H quem adote a unicidade do direito, e, portanto, as parties do objeto seriam inadequadas.

    H quem admita a dicotomia direito pblico e direito privado e que promoveria a mais aguda ciso no objeto cultural que o direito. Existe ainda

    a diviso tripartite que agrega quelas duas, uma terceira categoria, a dos direitos difusos. Diante destas divises acadmicas, mostra-se

    importante tentar definir, se isto for possvel, em que quadrante do vasto sistema jurdico ptrio esto alocados os enunciados prescritivos

    veiculadores do direito do trabalho.

    O primeiro debate sobre o tema a que sero dedicadas algumas linhas diz respeito a ser do direito do trabalho, um ramo do direito pblico ou do

    direito privado. Para tanto, til inauguralmente compreender o que se entende por direito pblico e por direito privado.

    No intento de definir o que vem a ser o direito pblico e o direito privado, trs so as principais linhas tericas dedicadas ao tema (MASCARO,

    2004:224):

    a) Teoria dos interesses;

    b) Teoria da natureza das relaes;

    c) Teoria da natureza dos sujeitos.

    Segundo a teoria dos interesses, o direito pblico tem por objeto a regulao dos interesses imediatos do estado, ao passo que o direito privado

    voltado aos interesses imediatos dos particulares.

    Para a teoria da natureza das relaes, em direito pblico o que se tem so relaes subordinadas entre o estado e o particular, ao passo que

    no direito privado as relaes so de paridade entre os envolvidos.

    Por fim, para a teoria da natureza dos sujeitos, tem-se que figurando numa relao jurdica o estado ou seus desdobramentos organizacionais

    teremos direito pblico. Fora disso, isto , quando se tem o particular no seio de uma relao jurdica tem-se direito privado.

    possvel agregar ainda uma quarta linha terica para a classificao em anlise, qual seja, o da cogncia normativa. Integram o ramo do

    direito pblico aquelas normas que so de aplicao cogente, isto , que no podem ter sua aplicao afastada pela disposio prpria de seus

    destinatrios. Esto no mbito do direito privado as normas que podem ser afastadas pela manifestao volitiva dos destinatrios. Existem

    segmentos jurdico-positivos que estampam regras claras quanto cogncia, como por exemplo, o direito tributrio, que no art. 123 do CTN

    estatui que salvo disposies de lei em contrrio, as convenes particulares, relativas responsabilidade pelo pagamento de tributos, no

    podem ser opostas Fazenda Pblica, para modificar a definio legal do sujeito passivo das obrigaes tributrias correspondentes. Neste

    cenrio, por exemplo, em um contrato de locao, ainda que os particulares ajustem que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU do

    inquilino, o proprietrio permanece como sujeito passivo da obrigao tributria perante o fisco municipal.

    Fixadas ento estas classificaes, passa-se investigao de como a teoria situa sistemicamente o direito do trabalho, quando ento

    perceber-se- que no h uniformidade de entendimentos.

    Alguns entendem que este debate estril na medida em que o direito apresentar-se-ia como uno, e assim, o direito do trabalho

    simplesmente direito. Outros, admitindo subdivises no sistema jurdico, situam o direito do trabalho como ramo do direito pblico, outros no

    direito privado. H ainda quem o identifique como direito social.

    Quem entende que o direito do trabalho ramo do direito pblico, assenta o entendimento em quatro argumentos a seguir delineados

    (MASCARO, 2004:223).

    Inaugurando a teia argumentativa, afirma-se que os enunciados prescritivos do direito do trabalho apresentam carter estatutrio, na medida em

    que os contornos da relao jurdica laboral so fortemente delineados pela lei, no sendo deixado ao pleno alvedrio das partes ajustantes. As

    margens de conformao das partes relacionadas so mnimas e demandam invariavelmente a presena de terceiros, tais como, os sindicatos

    ou mesmo o juiz.

    O segundo argumento o carter administrativo das normas laborais. As normas de direito do trabalho tratariam de aspectos

    preponderantemente administrativos, tais como higiene, medicina e segurana do trabalho, previdncia social, fiscalizao e questes sindicais.

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    O fundamento jurdico-filosfico prprio do direito do trabalho seria o terceiro argumento. Enquanto o direito privado tem seu fundamento

    jurdico-filosfico no individualismo e na autonomia da vontade, o direito do trabalho tem aquela inspirao no intervencionismo estatal sobre a

    liberdade volitiva dos contratantes.

    O argumento final o da irrenunciabilidade das normas de direito do trabalho. Entende-se que essas so irrenunciveis, dizer, no esto no

    mbito da disponibilidade plena de seus destinatrios, e isto tem razo em funo da necessria proteo ao trabalhador, sabidamente

    hipossuficiente na relao laboral. De nada adiantaria instituir direitos para o trabalhador, se no fossem criados mecanismos adjacentes de

    proteo e blindagem queles direitos, que seriam facilmente ultrapassados pelo poderia econmico do empregador. Da a irrenunciabilidade,

    que, contudo, no importa na impossibilidade de transao. A renncia unilateral. O trabalhador abre mo de seus direitos sem que tenha

    nada de vantajoso em troca. J a transao bilateral. As partes relacionadas abrem mo de direitos e vantagens para favorecer uma a outra e

    tornar a relao mais vantajosa, duradoura e confortvel para todos os envolvidos.

    Fundamentando seu entendimento justamente no aspecto da irrenunciabilidade das normas do direito do trabalho, o Ministro do Tribunal

    Superior do Trabalho, Ives Gandra da Silva Martins Filho (2006:8) v o direito do trabalho como ramo do direito pblico. Eis as suas palavras:

    No obstante regular o contrato de trabalho, firmado entre particulares, o Direito do Trabalho ramo de Direito Pblico, em face da

    indisponibilidade da maior parte de suas normas, passveis apenas de flexibilizao atravs de negociao coletiva com o sindicato, uma vez

    que o trabalhador individual a parte mais fraca no contrato, e o ordenamento jurdico trabalhista protege no apenas o trabalhador, mas o

    prprio bem-estar social como um todo.

    Abrindo a divergncia, Amauri Mascaro Nascimento (2004:229) aloca o direito do trabalho como direito privado. Fundamenta seu entendimento

    na idia de que o contrato de trabalho tem particulares como partcipes, sendo que estes agem na busca da do interesse prprio. Demais disso

    a origem histrica do direito do trabalho repousa na locao de servios do direito civil. Para finalizar, a interveno estatal no capaz de

    desnaturar o direito do trabalho, sendo esta uma situao natural e tambm verificada ao longo do tempo em diversos mbitos do direito

    privado, como o direito de famlia, o direito de sucesses, o direito comercial, etc. A existncia de normas relacionadas estruturao,

    funcionamento, competncias e procedimentos do Ministrio do Trabalho e Emprego no so capazes de retirar a natureza privatstica do

    direito do trabalho, uma vez que so de carter meramente instrumental, e em essncia, de direito administrativo, tendo como fundo as relaes

    de trabalho.

    Assim como Srgio Pinto Martins (2004:59), o magistrado mineiro Csar Pereira Silva Machado Jnior (1999:35), citando Ruggiero com base

    em Caio Mrio da Silva Pereira, alinha-se a este modo de pensar. So suas as seguintes palavras:

    Atravs desse conceito, temos de definir a natureza de direito privado do direito do trabalho, j que visa a regulamentao do contrato de

    emprego, pactuado entre particulares; o empregado de um lado, e seu empregador de outro.

    H ainda a vertente ecltica do debate, a de que o direito do trabalho seria um direito misto, e assim so perceptveis no direito do trabalho,

    tanto aspectos do direito pblico, como do direito privado. Nuances de direito pblico tem-se, p.e., com as regras que disciplinam as

    competncias e os procedimentos de fiscalizao por parte do Ministrio do Trabalho. J o direito privado percebido no direito do trabalho nas

    questes do contrato de trabalho e na formao das convenes e acordos coletivos de trabalho.

    Divergindo das ideias anteriormente expostas, h aqueles que entendem que sendo impossvel distinguir uma caracterstica preponderante em

    dado objeto, fica patente a indicao da inutilidade de levar a efeito uma classificao, e, portanto, o objeto apresenta-se unitrio, incindvel.

    Trata-se de um pensamento de matriz terica kelseniana. Deste modo, considerando que impraticvel a dicotomizao do direito em direito

    pblico e direito privado, atribuir ao direito do trabalho uma alocao peremptria traduziria um esforo intil, estril. So partidrios deste

    entendimento Arnaldo Sussekind e Evaristo de Moraes Filho (Apud MASCARO, 2004:225).

    Por fim, h quem entenda que o direito do trabalho um direito social. Subjaz a esta noo a idia de que o direito do trabalho tem por

    finalidade proteger o hipossuficiente da relao jurdica tpica, e assim, proteger a maioria da populao, preservando assim a sociedade. Entre

    ns defendem este entendimento Antnio Ferreira Cesarino Jnior (Apud MASCARO, 2004:226) e Francisco Meton Marques de Lima (Apud

    NORONHA NETO, 2005:3).

    Talvez seja possvel definir a natureza jurdica do direito do trabalho a partir da definio do critrio adequado a ser utilizado na interpretao de

    seu acervo enunciativo. sabido que em direito pblico tudo o que no est permitido, encontra-se proibido, e em direito privado, ao contrrio,

    tudo o que no est proibido, est permitido. Subjaz a este entendimento a necessidade de garantir a liberdade dos indivduos em face do poder

    de imprio de que o Estado portador. Pelo modelo interpretativo imposto ao direito pblico limita-se a atuao estatal e garante-se a liberdade

  • 10

    individual e social, pelo modelo interpretativo adotado para o direito privado, garante-se a ampla liberdade individual e social em face de

    ingerncias exorbitantes do Estado. adequado ento afirmar que em direito pblico a constrio jurdica dirige-se ao que o destinatrio pode

    fazer, enquanto que em direito privado a constrio jurdica direcionada ao no se pode fazer. Este o enredo.

    Com base neste entendimento, o direito do trabalho deve ser investigado a fim de aquilatar-se qual o modelo interpretativo mais adequado ao

    seu feitio. Para tanto sero aleatoriamente eleitos alguns enunciados prescritivos de direito do trabalho, para em seguida analis-los com base

    no que foi acima delineado.

    O primeiro enunciado escolhido 4 do art. 29 da CLT. Eis a redao legal:

    Art. 29. A Carteira de Trabalho e Previdncia Social ser obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o

    admitir, o qual ter o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para nela anotar, especificamente, a data de admisso, a remunerao e as condies

    especiais, se houver, sendo facultada a adoo de sistema manual, mecnico ou eletrnico, conforme instrues a serem expedidas pelo

    Ministrio do Trabalho. (Redao dada ao caput pela Lei n 7.855, de 24.10.1989, DOU 25.10.1989) (...)

    4 vedado ao empregador efetuar anotaes desabonadoras conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdncia Social.

    (Pargrafo acrescentado pela Lei n 10.270, de 29.08.2001, DOU 30.08.2001)

    O modal dentico ali lanado o da proibio. Esta proibio direciona-se a algo que o legislador previu que o empregador poderia desejar

    fazer uma anotao desabonadora na CTPS do empregado. Diante desta possibilidade, que certamente traria problemas para o trabalhador

    quanto sua reinsero no mercado de trabalho, o legislador decidiu impor uma constrio liberdade do empregador, proibindo-lhe uma

    conduta especfica. Assim que o empregador est autorizado a lanar na CTPS qualquer anotao, desde que esta no detenha carter

    desabonador. Portanto, em matria de anotao em CTPS, o empregador pode fazer tudo o que no lhe estiver proibido, observadas,

    evidentemente, as regras expedidas pelo Ministrio do Trabalho e Emprego quanto s anotaes essenciais do referido documento. Esta lgica

    tpica do direito privado.

    Prosseguindo na investigao do direito positivo do trabalho, a vez de analisar o art. 70 da CLT, segundo o qual, salvo o disposto nos artigos

    68 e 69 do mesmo diploma, vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislao prpria.

    Mais uma vez perceber-se- que o legislador previu que poderia habitar os desejos do empregador a exigncia direcionada ao empregado no

    sentido de que este venha a entregar sua fora de trabalho em dias de feriados nacionais e religiosos. Considerando que tais dias devem ser

    dedicados, por exemplo, ao descanso, famlia, ao exerccio do patriotismo ou f professada pelo trabalhador e sua famlia, novamente o

    legislador do trabalho lanou no ambiente do direito positivo do trabalho uma constrio liberdade do empregador, proibindo-lhe de exigir tal

    entrega ao trabalhador. Fora dessas hipteses e observadas as demais condicionantes legais aplicveis jornada de trabalho, o empregador

    poder exigir de seu colaborador a entrega de sua fora de trabalho.

    Novamente tem-se uma situao com a mesma estrutura lgica, sendo que em matria de jornada de trabalho, o empregador pode fazer tudo o

    que no lhe estiver proibido. Esta lgica tpica do direito privado.

    E quanto s frias? A sua concesso direito ou dever do empregador? Por bvio, nos termos do art. 130 da CLT, cumprido o perodo

    aquisitivo pelo empregado, dever do empregador a concesso de frias como ali determinado. O modal dentico da regra em questo o da

    obrigao. Mas pergunta-se se estaria o empregador autorizado a conceder frias ao empregado, mesmo que o perodo aquisitivo ainda no

    esteja cumprido pelo obreiro? A resposta positiva, porque antes de cumprido o perodo aquisitivo, inexiste dever jurdico atribudo ao

    empregador, e se este desejar conceder frias ao empregado pode faz-lo, desde que a concesso seja aceita pelo empregado e previamente

    ajustada com este.

    Em outras palavras, no proibido ao empregador conceder frias fora do esquadrinhamento legal, mas uma vez verificado faticamente aquele

    modelo, as frias havero de ser concedidas como determina a lei, ou seja, cabe ao empregador fazer exatamente o que a lei obriga, e,

    inexistindo proibio expressa de outra conduta em relao concesso de frias, o empregador goza de liberdade condicionada ao ajuste

    prvio com o empregado. Assim, em matria de frias, o empregador pode fazer tudo o que no lhe esteja proibido pelo sistema jurdico do

    direito do trabalho.

    Veja-se agora a questo da resciso do contrato de trabalho. No sistema brasileiro atual, nem empregador, nem empregado esto obrigados a

    permanecer vinculado um ao outro ad eternum. Assim, no est proibido ao empregado e nem ao empregador tomar a iniciativa de rescindir o

  • 11

    pacto laboral, e, no lhes estando proibida a referida conduta, h que se entender que existe autorizao. Outra vez o raciocnio tpico do

    direito privado.

    Analisando detidamente o Texto Consolidado, concluir-se- que l existem lanadas 16 (dezesseis) vedaes expressas ao empregador. No

    mais, em primeiro plano a CLT consagra direitos do empregado. dizer que o direito do trabalho se ocupa muito mais de instituir e garantir

    direitos subjetivos do empregado e correspondentes deveres jurdicos do empregador, do que de propriamente instituir vedaes de condutas

    direcionadas ao empregador. Este tipo de construo legislativa tpico de textos do direito privado, em que as limitaes direcionam-se ao que

    no se pode fazer.

    No caso do CTN, por exemplo, texto legislativo tpico de direito pblico, a situao outra bem diferente. Ao invs de em primeira linha se

    ocupar de instituir direitos subjetivos do contribuinte, o CTN se ocupa em larga escala de instituir deveres positivos e de absteno direcionados

    ao Estado, que deve observ-los peremptoriamente, sob pena de no o fazendo, ver o seu ato tributante eivado de nulidade e no poder ser

    conduzido s ltimas consequncias em face do contribuinte.

    Neste sentido, que se pode aqui concluir e optar por situar o direito do trabalho no quadrante do direito privado.

    3. Fontes do direito do trabalho

    Rizzatto Nunes (2006: 85) assevera poeticamente em seu tradicional Manual de Introduo ao Estudo do Direito que fonte do direito o local

    de origem do Direito; , na verdade, j o prprio Direito, mas sado do oculto e revelado ao mundo. Ives Gandra da Silva Martins Filho

    (2006:21) entende as fontes do direito do trabalho traduzem a ideia de origem: de onde brota o Direito. Amauri Mascaro Nascimento

    (2004:230) prefere tratar o tema pela denominao de centros de positivao, referindo-se ento s pessoas, rgos, instituies e

    organizaes portadoras de competncia e legitimidade para inovar o direito do trabalho. Para Luciano Amaro (2005:165) as fontes do direito

    correspondem aos seus modos de expresso. Estas referncias tericas representam o enfrentamento tradicional do tema das fontes do direito.

    Neste escrito discorda-se do consenso terico acerca da temtica das fontes do direito, pelo que se entende que a questo merece adequado

    tratamento terico ante a sua importncia capital para o desvendamento do objeto da anlise. Este adequado tratamento encontrado na

    escola do construtivismo lgico-semntico capitaneada pelo Professor Paulo de Barros Carvalho e que encontra importante repercusso

    nacional e internacional.

    O problema enfrentado singra por desvendar uma questo que passa despercebida para muitos, qual seja, a utilizao do termo direito dentro

    da expresso fontes do direito. J foi ressaltado que o direito objeto cultural multifacetrio pode ser definido a partir de diversos prismas,

    dependendo do ponto de observao do sujeito cognoscente que se ocupa de observ-lo.

    Atento ao problema apontado, Tarek Moyss Moussallem (2005:99) assevera:

    Apenas para exemplificar: o socilogo no enxerga outra origem para o direito que no a prpria sociedade, ou melhor, o fato social, entre

    eles o costume. Para a Histria, o direito no seno, fruto de conquistas ao longo do tempo. Assim, diz-se que so produtos histricos, a

    democracia, a liberdade, a igualdade, etc. Por sua vez a Psicologia vislumbra na mente humana a fora motriz para a criao do direito,

    campo frtil s suas investigaes os motivos psicolgicos que levaram o legislador a produzir uma lei (reduzir a criminalidade, diminuir a

    sonegao, amenizar os delitos de trnsito, etc.), ou um juiz a proferir uma sentena x, em virtude de tal ou qual doutrinador, citado em uma

    petio, t-lo influenciado. Do ponto de vista poltico, perguntar-se-ia qual fonte deveria ter determinado ordenamento ou que fonte seria a mais

    conveniente.

    Srgio Pinto Martins (2004:71) relembra a lio de Jos de Oliveira Ascenso:

    Jos de Oliveira Ascenso menciona que fonte tem diferentes significados: (a) histrico: considera as fontes histricas do sistema, como o

    direito romano; (b) instrumental: so os documentos que contm as regras jurdicas, como cdigos, leis, etc.; (c) sociolgico ou material: so os

    condicionamentos sociais que produzem determinada norma; (d) orgnico: so os rgos de produo das normas jurdicas; (e) tcnico-jurdico

    ou dogmtico: so os modos de formao ou revelao das regras jurdicas.

    Neste ensejo, para que se possa edificar uma teoria adequada acerca das fontes do direito, primeiro importante definir em que sentido a

    palavra direito ser utilizada na expresso em anlise, para, a sim, empreender especulaes sobre o tema.

  • 12

    Neste sentido, no item n 1 deste escrito definiu-se o direito do trabalho como o conjunto de todos os enunciados prescritivos alocados no

    sistema jurdico de um dado povo, em um dado territrio e num dado tempo histrico, e que tenha por matria de fundo imediata as relaes do

    trabalho e seus elementos essenciais, tais como os sujeitos, os bens jurdicos tutelados e os elementos catalisadores das referidas relaes.

    Com esta definio crava-se o vis terico-jurdico da presente investigao, apartando-a de marcas extrajurdicas, mas advirta-se desde j,

    sem neg-las em absoluto, mas apenas separando-as momentaneamente da massa de anlise, para em seguida ao fechamento terico de

    seus postulados essenciais novamente adicion-las ao enredo investigativo, sob pena de assim no o fazendo, empobrecer o estudo e estanc-

    lo da realidade subjacente ao fenmeno, aniquilando assim, qualquer possibilidade de sua utilidade prtica.

    Diante de tal assertiva terica, o direito do trabalho , antes de tudo, direito positivo, e assim devero ser analisadas suas fontes. Tratando-se

    assim de uma investigao de vis hermenutico-analtico de carter estritamente jurdico, no se pode admitir que as fontes do direito sejam

    extrajurdicas, isto , que sejam categorias habitantes do entorno do sistema jurdico.

    Assim sendo, as fontes do direito devem ser observadas na prpria ambincia jurdica, isto , dentro dos quadrantes do prprio sistema do

    direito positivo. No que no existam fontes verificveis na experincia colateral ao jurdico, mas que se quer manter a coerncia com a

    proposta metodolgica j anunciada linhas acima.

    Diante do exposto, aqui entende-se como fontes do direito do trabalho, aqueles fatos produtores dos enunciados prescritivos do direito do

    trabalho, isto , os acontecimentos verificados no plano fenomnico cujo resultado para a experincia seja a entrega do direito do trabalho,

    sendo que estes fatos so transportados para a ambincia do sistema do direito positivo por intermdio daquilo que em teoria da linguagem se

    convencionou denominar enunciao-enunciada, que so as marcas histricas lanadas no texto do direito posto, indicando o tempo, o espao,

    a autoria e a procedimentalidade dos textos do direito posto (MOUSSALEM, 2005:111).

    Os referidos fatos, em princpio, so extrajurdicos, mas adquirem juridicidade em funo de sua converso em linguagem jurdica competente.

    Fonte no o acontecimento extrajurdico em si considerado, mas o seu registro jurdico. Fatos ocorridos na fase pr-jurdica do fenmeno e

    que no so traduzidos em linguagem jurdica competente, no se transformam em direito, ou seja, permanecem s margens do ambiente

    jurdico, sem, contudo, deter qualquer possibilidade de adentrar aos portes do universo do direito. Em sntese, so um nada jurdico, simples

    acontecimentos histricos despidos de qualquer juridicidade e, portanto, irrelevantes para o direito, ao menos no que pertine ao estudo de suas

    fontes.

    Assim, por exemplo, no a lei a fonte do direito do trabalho. Mas na lei, tem-se registrada a sua enunciao-enunciada, a sua fonte. Veja-se o

    texto da Consolidao das Leis do Trabalho. Nele podero ser encontradas as marcas de tempo, espao, pessoa e procedimento que

    caracterizam a enunciao-enunciada em questo, e que registram juridicamente a fonte produtora daquele diploma.

    Neste sentido, perceber-se que a CLT foi criada como Decreto-lei, e, portanto, a procedimentalidade, at prova em contrrio, foi aquela

    instituda e utilizada para a produo daquela espcie normativa (marca de procedimento). Verificar-se- tambm que o encarregado por sua

    edio foi o Presidente da Repblica, Getlio Vargas (marca de pessoa/rgo). O texto indica que foi produzido ou anunciado na cidade do Rio

    de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, ento sede do Governo Federal (marca de lugar/espao). O texto foi ento datado de 1 de maio de

    1943. Eis a sua marca de tempo.

    Ressalte-se mais uma vez. Os fatos histricos so efmeros, e se perdem no tempo se no captados pelas teias incindveis dos textos jurdicos.

    Ainda no existem mecanismos capazes de apreender os fatos pretritos em receptculos que possibilitem a sua revisitao a qualquer tempo

    no futuro. Os fatos ou so registrados em nossa memria, ou so convertidos em linguagem hbil, uma fotografia, um filme ou um registro

    documental. Estes registros que podem ser considerados como as fontes do direito, uma vez que, por fazerem parte de textos jurdicos,

    encontram-se alocados dentro do sistema jurdico.

    Mas, e o que fazer com toda a teoria tradicional edificada acerca das fontes do direito? Descart-la? Obviamente que no. No obstante todas

    as crticas dirigidas a esta teoria tradicional, mostra-se til uma breve investigao daquelas categorias elevadas por ela ao patamar de fontes

    do direito do trabalho ante a sua homogeneidade e franca desenvoltura no ambiente jurdico geral.

    Para o jurista mineiro Csar Pereira Silva Machado Jnior (1999:95) as fontes podem ser heternomas ou autnomas. So fontes heternomas,

    isto , cuja origem exterior vontade dos partcipes da relao jurdica: (i) a lei e a (ii) sentena normativa prolatada em dissdio coletivo.

    Fontes autnomas seriam aquelas cuja origem repousa na vontade das prprias partes que criam as normas. Neste sentido, o autor aponta

    como tal as (iii) convenes e (iv) acordos coletivos, bem como os (v) usos e costumes (1999:96).

  • 13

    Passando por inmeras classificaes das fontes do direito, o magistrado paulista Srgio Pinto Martins (2004:73) aponta como tais: (i) a

    Constituio; (ii) as leis; (iii) os decretos; (iv) os costumes; (v) as sentenas normativas; (vi) os acordos; (vii) as convenes; (viii) os

    regulamentos de empresa; e (ix) os contratos de trabalho.

    Amauri Mascaro Nascimento (2004:230) prefere a expresso centros de positivao expresso fontes do direito. Para o autor paulista so

    centros de positivao do direito: (i) as instituies sociais, por exemplo, a OIT - Organizao Internacional do Trabalho; (ii) o Estado, em sua

    trplice manifestao orgnica pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio; (iii) As comunidades internacionais organizadas, como, por

    exemplo, o MERCOSUL; (iv) as organizaes sindicais; (v) as empresas; (vi) os sujeitos da relao laboral; e, por fim, (vii) a sociedade, por

    meio dos costumes.

    Como visto, bastante comum na teoria dominante a afirmao de que so fontes do direito a legislao, a jurisprudncia, a doutrina e os

    costumes. Neste sentido posiciona-se, por exemplo, o j mencionado Rizzatto Nunes (2005:85). Mas este consenso terico traz em si graves

    problemas lgicos que merecem o adequado tratamento.

    Ao afirmar que a legislao fonte do direito est-se afirmando que a legislao, que direito, produz direito, como se fosse possvel ao direito

    este movimento automtico de produo independente de intervenes humanas que visem mover a dinmica sistmica do prprio direito.

    Colocar a legislao como fonte do direito dizer que o produtor e produto se confundem. Traduz verdadeira e irretorquvel tautologia.

    Jurisprudncia termo polissmico que pode ser compreendido enquanto atividade jurisdicional e como o produto desta mesma atividade

    jurisdicional. Atividade jurisdicional corresponde execuo das funes ordinrias das pessoas e rgos encarregados de dizer o direito no

    caso concreto, em outras palavras, de aplicar os enunciados prescritivos habitantes do sistema jurdico aos fatos da experincia, dirimindo

    conflitos de interesses no seio das relaes intersubjetivas. No que toca ao produto da atividade jurisdicional tem-se que ao exercer a atividade

    jurisdicional, este exerccio invariavelmente dar-se- pela entrega s partes litigantes de um enunciado prescritivo vertido em linguagem

    competente, dizer, construdo dentro do acordo lingustico prprio da lngua oficial adotada e alinhado aos ajustes sintticos, semnticos e

    pragmticos do prprio sistema jurdico, no existindo a possibilidade existir um produto da atividade jurisdicional que no seja adequadamente

    formalizado, isto , materializado em documento escrito. Diante destas consideraes, na verdade a jurisprudncia se mostra muito mais como

    produto do direito, que propriamente uma fonte do direito.

    Entende-se por costume jurdico aquelas prticas sociais reiteradas portadoras de convico geral de imperatividade. Os costumes jurdicos so

    admitidos como fontes do direito por estarem habilitados a serem convocados como fundamentos de decises judiciais, normalmente por fora

    de enunciados prescritivos de funo integradora, a teor do art. 8 da Legislao Consolidada. Assim, no so os costumes verdadeiras fontes

    do direito, j que no produzem direito. Na verdade, pela via da fora normativa das regras integradoras acima mencionadas, os costumes

    adentram ao sistema jurdico ocupando o mesmo patamar da legislao, pelo que cabem aos costumes as mesmas crticas dirigidas ao

    entendimento de que a legislao seria fonte do direito.

    Por fim, merece ateno a afirmao terica tradicional de que a doutrina seria fonte do direito. No se pode concordar com tal consenso

    terico. A doutrina no tem funo imediatamente normativa. Ao contrrio, a doutrina plexo de linguagem jurdica, na medida em que tem por

    objeto a linguagem do direito positivo, ocupando-se de descrever este mesmo direito positivo. A doutrina vertida no modo descritivo de

    linguagem, enquanto o direito positivo vertido no modo prescritivo de linguagem. O direito direciona-se maciamente ao universo das condutas

    humanas no seio das relaes intersubjetivas, determinando-lhe um de trs modais denticos possveis proibido, permitido, obrigatrio ,

    enquanto a doutrina ocupa-se de descrever com foros de cientificidade esta massa de enunciados, mas no se submete lgica dentica, mas

    sim lgica altica ou apofntica. certo que a doutrina influencia a interpretao e aplicao do direito, mas da a afirmar que esta influncia

    repercute em produo de direito h uma diferena muito grande.

    Concluses

    Com as investigaes lanadas neste texto espera-se haver disponibilizado singela contribuio sobre temas fundamentais para a adequada

    compreenso do direito do trabalho. No comum verificar-se a utilizao desvelada dos aportes hermenutico-analticos do construtivismo

    lgico-semntico em sede de direito do trabalho. Fica aqui consignado que entende-se de extrema utilidade aquele ferramental que possibilita a

    formulao de conceitos e definies inaugurais do tema investigado, proporcionando assim, segura investida por segmento jurdico de

    tamanha envergadura como o o direito do trabalho, essencial para a efetivao dos fundamentos republicanos brasileiros.

    Referncias:

    AMARO, Luciano. Direito tributrio brasileiro. 11. ed. So Paulo: Saraiva, 2005.

  • 14

    CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributrio. 17. ed. So Paulo: Saraiva, 2005.

    JAPIASS, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionrio bsico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

    MACHADO JNIOR, Csar Pereira Silva. Direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1999.

    MARTINS, Srgio Pinto. Direito do trabalho. 19. ed. So Paulo: Atlas, 2004.

    MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemtico de direito e processo do trabalho. 14. ed. So Paulo: Saraiva, 2006.

    MOUSALLEM, Tarek Moyss. Fontes do direito tributrio in Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a

    Paulo de Barros Carvalho. Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

    NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: histria e teoria geral do direito do trabalho: relaes individuais e coletivas do

    trabalho. 19 ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2004.

    __________. Iniciao ao direito do trabalho. 34. ed. So Paulo: LTr, 2009.

    NORONHA NETO, Francisco Tavares. Noes fundamentais de Direito do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 904, 24 dez. 2005.

    Disponvel em: . Acesso em: 2 nov. 2011.

    NUNES, Rizzatto. Manual de introduo ao estudo do direito: com exerccios para sala de aula e lies de casa. 6. ed. So Paulo: Saraiva,

    2006.

  • 15

    Texto de Leitura Complementar: Os princpios do Direito do Trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador, de autoria de Patrcia Tuma

    Martins Bertolin, Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo e Professora dos Cursos de

    Graduao em Direito e de Ps-Graduao em Direito Poltico e Econmico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

    em So Paulo.

    OS PRINCPIOS DO DIREITO DO TRABALHO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

    1.Os Princpios do Direito do Trabalho[1]

    Inexiste unanimidade doutrinria sobre o que e quais so os Princpios do Direito do Trabalho, sendo suficiente uma breve investigao para

    que se verifiquem as diversas concepes sobre o assunto. H autores que adotam enfoques metajurdicos, fundados na tica, compreendendo

    os princpios como postulados gerais que devem orientar a produo normativa. Outros estudiosos, de perspectiva jusnaturalista,

    compreendem-nos como idias fundantes de um sistema de conhecimento[2], situadas na natureza das coisas. Outros, ainda, os encontram

    no prprio ordenamento jurdico, em uma perspectiva francamente positivista.

    Importa observar que, no obstante as divergncias doutrinrias, o tema se reveste da maior importncia, sobretudo em um momento marcado

    por grandes transformaes nos cenrios econmico, poltico e social: globalizao da economia, implicando em uma produo principalmente

    voltada para o mercado internacional e, portanto, em um modelo de Estado descomprometido com o padro de vida dos trabalhadores

    nacionais; submisso dos pases em desenvolvimento s instituies financeiras internacionais, que passaram, sobretudo a partir do

    Consenso de Washington[3], a ditar as regras do jogo, sob a forma de polticas Neoliberais, incluindo medidas como as privatizaes,

    flexibilizao e at desregulamentao do Direito do Trabalho, alm do enfraquecimento da ao sindical; a insero de novas tecnologias,

    agravando o fenmeno do desemprego...

    Amrico Pl Rodriguez, em obra clssica sobre o assunto, constata a existncia de uma trplice funo para os Princpios:

    Um princpio algo mais geral do que uma norma porque serve para inspir-la, para entend-la, para supri-la. E cumpre essa misso

    relativamente a um nmero indeterminado de normas. [4]

    Destarte, os princpios so dotados de uma fora normativa, pois do sentido norma positivada, ou atuam na lacuna da lei, orientando, tanto a

    integrao, quanto a interpretao das normas jurdicas.

    Alguns princpios, por serem considerados de grande importncia para o ordenamento jurdico, so legislados. Outros, menos relevantes e que

    constituem a maioria deles, so meros modelos doutrinrios. A insero desses princpios no ordenamento jurdico, a ponto de adquirirem fora

    coercitiva, pode acontecer por meio do processo legislativo, mas, com maior freqncia, ocorre pela atividade jurisdicional.

    2. Os Princpios do Direito do Trabalho, segundo Pl Rodriguez

    So variadas as classificaes acerca dos Princpios do Direito do Trabalho. Utilizaremos, em linhas gerais, a formulao de Pl Rodriguez,

    segundo o qual tais princpios so: o Princpio Protetor, o Princpio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas, o Princpio da Continuidade

    do Contrato de Trabalho, o Princpio da Primazia da Realidade e o Princpio da Boa-F.

    2.1. O Princpio da Proteo e seus desdobramentos

    O Princpio da Proteo se refere ao critrio fundamental que orienta o Direito Trabalhista: o objetivo de contrapor uma desigualdade jurdica

    desigualdade econmica que marca a relao de emprego, amparando o trabalhador. Objetiva, assim, o Direito Laboral, nivelar desigualdades.

    A Proteo o princpio por excelncia do Direito do Trabalho, desdobrando-se em trs diferentes regras:

    a. a regra da aplicao da norma mais favorvel;

    b. a regra da condio mais benfica;

    c. o critrio in dubio pro operario

  • 16

    Segundo a regra da aplicao da norma mais favorvel, havendo duas ou mais normas vigentes, aplicveis ao mesmo contrato de trabalho,

    utilizar-se- a que for mais favorvel ao trabalhador. Esta regra justifica at mesmo a inverso da hierarquia das normas jurdicas trabalhistas,

    possibilitando que a lei trabalhista seja vislumbrada como um rol mnimo de direitos, a ser ampliado por outras fontes de Direito do Trabalho.

    A regra da condio mais benfica est consagrada na atual Constituio Brasileira, nos termos seguintes:

    Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas

    a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

    ...

    XXXVI a lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada.

    Trata-se do direito adquirido. Pl Rodriguez afirma que a regra da condio mais benfica pressupe a existncia de uma situao concreta,

    anteriormente reconhecida, que dever ser respeitada, na medida em que a nova norma aplicvel menos favorvel ao trabalhador. H que se

    dizer, ainda, que, para que a regra da condio mais benfica seja respeitada, a norma deve ter um carter permanente, j que, muitas vezes,

    as condies mais favorveis so provisrias, decorrendo do desempenho interino de um cargo ou de algum acontecimento extraordinrio, que

    tenha onerado o trabalhador.

    Podemos citar, como exemplo prtico da aplicao desta regra, o que orienta o Enunciado n 51, do Tribunal Superior do Trabalho:

    As clusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, s atingiro os trabalhadores admitidos aps a

    revogao ou alterao do regulamento.

    A seu turno, o critrio in dubio pro operario a garantia de que, sendo possvel atribuio de vrios sentidos a uma norma, seja aplicado o

    mais benfico ao trabalhador. Vale ressaltar, contudo, que a utilizao desta regra no se faz livremente, vinculando-se presena de duas

    condies: a existncia de dvida real quanto possibilidade de uma norma ser interpretada de diversas maneiras; a inexistncia de violao a

    disposio legal expressa, pois no possvel se levar a efeito uma interpretao diante do que claro.

    2.2.O Princpio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas

    O Princpio da Irrenunciabilidade dos direitos consiste na impossibilidade jurdica de o trabalhador privar-se voluntariamente de vantagens a ele

    conferidas pela lei trabalhista.

    De fato, se tal Princpio no existisse, os direitos dos trabalhadores poderiam ser facilmente reduzidos, dada a sua situao econmica e social

    menos privilegiada, presente na grande maioria dos casos. Seria muito fcil para o empregador eximir-se de cumprir suas obrigaes legais,

    pois, para tanto, bastar-lhe-ia obter um documento por meio do qual o trabalhador renunciasse a determinados direitos, para no precisar

    satisfaz-los e que empregado no faria tal declarao em nome da obteno ou manuteno de um emprego?

    Devemos observar que, aqui, h a inverso do princpio da renunciabilidade, do Direito Comum, marcado pela idia de que a autonomia da

    vontade deve prevalecer.

    Existem divergncias doutrinrias, no que diz respeito aos fundamentos do Princpio da Irrenunciabilidade: alguns o baseiam no Princpio da

    Indisponibilidade, segundo o qual o Direito se utiliza de normas para proteger quem social e economicamente dbil, no podendo permitir que

    tais benefcios sejam anulados; outros o relacionam com o carter imperativo das normas trabalhistas; outros o vinculam noo de ordem

    pblica; havendo, ainda, aqueles que o concebem como forma de limitao da autonomia da vontade.

    H juslaboralistas que entendem ser o Direito do Trabalho de todo irrenuncivel, como Mario De La Cueva, que o justifica nos termos seguintes:

    Es fcilmente comprensible la imperatividad absoluta del derecho del trabajo: la existencia de las relaciones entre el Capital y el Trabajo no

    depende de la voluntad de trabajadores y patronos, sino que tiene carcter de necesidad: En la vida social han existido y existirn siempre las

    relaciones de produccin y de ah la urgencia de que el derecho las regule.... La injusticia y desigualdad sociales que produjo el principio formal

    de la autonoma de la voluntad, obligaron al Estado a intervenir en el proceso econmico, para asegurar a los trabajadores un nivel mnimo de

    vida.[5]

  • 17

    Contudo, hoje a maioria da doutrina no entende assim, acreditando que as leis trabalhistas, enquanto concedentes de garantias mnimas aos

    trabalhadores, no podem ser modificadas in pejus dos mesmos, nem mesmo com o seu consentimento expresso. Em todos os demais casos,

    ou quando superado o limite mnimo, caberia a renncia, desde que por mtuo acordo. Registre-se que a irrenunciabilidade, ao contrrio do que

    possa parecer, no tem carter absoluto, pois a prpria legislao pode autorizar a conciliao, a transao, a prescrio, a desistncia, etc.

    2.3.O Princpio da Continuidade da Relao de Emprego

    O fundamento do Princpio da Continuidade da Relao de Emprego a natureza alimentar do salrio, j que o trabalhador subordinado

    jurdica e economicamente ao empregador e, do seu trabalho, retira o seu sustento.

    O objetivo do Princpio da Continuidade do vnculo empregatcio deve ser assegurar maior possibilidade de permanncia do trabalhador em seu

    emprego, podendo ser traduzido em algumas medidas concretas, tais como a preferncia pelos contratos de durao indeterminada, a proibio

    de sucessivas prorrogaes dos contratos a prazo e a adoo do critrio da despersonalizao do empregador, que visa a manuteno do

    contrato nos casos de substituio do empregador.

    Note-se que o Princpio da Continuidade vem sendo relativizado entre ns, h muito tempo, precisamente a partir da edio da Lei n 5.107/66,

    que criou a opo entre o FGTS e a estabilidade decenal, regime anterior quele. Seguiram-se diversas medidas, tais como a Lei n 9.601/98,

    permitindo os contratos a prazo, independentemente das restries impostas pelo art. 443 da CLT[6], desde que tais contratos sejam

    celebrados, mediante previso no acordo coletivo da empresa ou na conveno coletiva da categoria, para admisses que signifiquem aumento

    do nmero de empregados da empresa.

    Essas medidas encontram-se dentro do que se tem chamado de Flexibilizao do Direito do Trabalho, ou Direito do Trabalho do sculo novo,

    ou ainda Direito do Trabalho da emergncia, tema que, visto com bastante objetividade, renderia facilmente um ensaio. Nossa compreenso

    do fenmeno a de que se deve objetivar uma adequao do Direito do Trabalho aos imperativos econmicos da era globalizada, sem, no

    entanto, desvirtu-lo. Em um contexto em que se verificam altos ndices de desemprego e o crescimento da economia informal, no nos parece

    razovel que o Direito do Trabalho recue, deixando de proteger a relao de emprego.

    2.4.O Princpio da Primazia da Realidade

    A Primazia da Realidade, erigida a Princpio do Direito do Trabalho, significa que, em caso de dissonncia entre o que ocorre na realidade dos

    fatos e o que emerge de documentos, deve-se privilegiar a verdade real.

    Criou-se a fico de que o contrato de trabalho um contrato-realidade, expresso to criticada pela doutrina, assim como o prprio Princpio.

    Consideramos justificvel a compreenso da Primazia da Realidade como Princpio do Direito do Trabalho, embora este, assim como todos os

    outros Princpios especficos da nossa cincia sejam decorrentes do Princpio-Maior: a Proteo.

    A Primazia da Realidade emerge, por exemplo, da regra do art. 9, da CLT:

    Sero nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na presente

    Consolidao.

    Sua repercusso to grande, entre ns, a ponto de o Estatuto Consolidado ter admitido a possibilidade de um contrato tcito, com os mesmos

    efeitos dos demais:

    Art. 442. Contrato individual de trabalho o acordo tcito ou expresso, correspondente relao de emprego.

    Importa considerar que muitas so as crticas possveis, no s Primazia da Realidade, como tambm aos Princpios analisados a seguir.

    2.5.Os Princpios da Razoabilidade e da Boa-F

    A Razoabilidade, que Pl Rodriguez considera um Princpio especificamente trabalhista, enquanto a grande maioria dos autores compreende

    como um critrio, aplicado no Direito (e mesmo fora dele), consiste na seguinte orientao: nas relaes de trabalho, as partes, os

    administradores e juzes devem conduzir-se de uma maneira razovel na soluo de problemas ou conflitos delas decorrentes. A esse respeito,

    Pedro Vidal Neto observa, com muita pertinncia, que toda conduta humana deve ser razovel e que, portanto, tal princpio, assim como a boa-

  • 18

    f (que diz respeito a toda e qualquer contratao e no apenas aos contratos de trabalho) no pode ser considerado como especfico deste

    ramo do conhecimento humano.[7]

    Pl Rodriguez faz a distino entre boa-f-crena e boa-f-lealdade:

    A primeira a posio de quem ignora determinados fatos e pensa, portanto, que sua conduta perfeitamente legtima e no causa prejuzos a

    ningum (...) A boa-f-lealdade se refere conduta da pessoa que considera cumprir realmente o seu dever.(...) ...contm implicitamente a

    plena conscincia de no enganar, no prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convico de que as transaes so cumpridas

    normalmente, sem trapaas, sem abusos ou desvirtuamentos. [8]

    Cumpre esclarecer que a boa-f que deveria vigorar como Princpio do Direito do Trabalho a boa-f-lealdade, ou seja, que se refere a um

    comportamento e no a uma simples convico.

    2.6. Outros Princpios

    Optamos por utilizar a classificao mais aceita pela doutrina e a que nos parece mais adequada a do uruguaio Amrico Pl Rodriguez

    mas precisamos considerar que h expressiva divergncia doutrinria acerca de quais seriam os princpios do Direito do Trabalho.

    O argentino Alfredo Ruprecht, por exemplo, enuncia a colaborao e a dignidade humana como Princpios do Direito Laboral.[9] Observa que o

    princpio da colaborao se revela, principalmente, pelas negociaes coletivas realizadas entre os sindicatos de trabalhadores e de

    empregadores, orientados para o progresso social, mas reconhece que a colaborao ainda no nem total e nem geral.

    O princpio da dignidade humana consiste da busca da humanizao do trabalho, considerando o trabalhador como ser humano e no como

    mercadoria ou fator da produo. De acordo com o princpio da dignidade humana, toda mudana que se introduza no trabalho, por qualquer

    razo que seja, e principalmente se ela ocorrer em benefcio do capital, deve considerar o trabalhador em sua dignidade e necessidade de

    subsistncia.

    Outro princpio considerado pela doutrina a igualdade (ou isonomia), que leva a ter que conceder a todo trabalhador a mesma vantagem que

    percebe um companheiro que execute trabalho equivalente ou do mesmo valor. Consagrado pela Constituio da Organizao Internacional do

    Trabalho, j em 1919, encontrou espao em nosso texto Constitucional de 1988:

    Art. 7. So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alem de outros que visem melhoria de sua condio social:

    ...

    XXX - proibio de diferena de salrios, de exerccio de funes e de critrio de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

    XXXI - proibio de qualquer discriminao no tocante salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia;

    XXXII - proibio de distino entre trabalho manual, tcnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.

    A verso moderna da igualdade a no discriminao, consagrada nos mais importantes documentos internacionais e tratada pelo art. 3,

    inciso IV, da Constituio Brasileira de 1988 como um Princpio Fundamental: promover o bem de todos, sem preconceitos de or igem, raa,

    sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    Sem que pretendamos esgotar as possibilidades doutrinrias, passamos a apreciar os Princpios do Direito do Trabalho, na perspectiva da

    Organizao Internacional do Trabalho.

    3.Os Princpios Fundamentais no Trabalho, segundo a OIT

    Diante das mudanas que a conjuntura econmica imps s relaes de trabalho, sobretudo na dcada passada (anos 90), a Organizao

    Internacional do Trabalho tem mudado de postura, sem dvida. Ela que, desde a sua criao, em 1919, pautou a sua atividade normativa em

    torno de muitos postulados[10] previstos na sua Constituio, em 1998, por ocasio do cinqentenrio da sua Conveno n 87 (sobre

    Liberdade Sindical e Proteo do Direito Sindical), reafirmou alguns princpios e direitos fundamentais, editando a Declarao da OIT sobre os

    Princpios e Direitos Fundamentais no Trabalho, obrigatria para todos os Estados-membros.

  • 19

    Declarou, naquela ocasio, o que considera serem os princpios relativos aos direitos fundamentais:

    a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociao coletiva; a eliminao de todas as formas de trabalho forado ou

    obrigatrio; a abolio efetiva do trabalho infantil; e a eliminao da discriminao em matria de emprego e ocupao.

    Esses quatros direitos esto expressos em oito convenes, sujeitas a um procedimento de superviso e controle diferenciado. Ao contrrio do

    modelo regular de controle exercido no tocante s demais convenes, no caso da Declarao ora em anlise, so os Estados que no

    ratificaram alguma das normas internacionais que devem enviar anualmente um relatrio esclarecendo questes de ordem formal a

    incompatibilidade da conveno com o ordenamento jurdico interno e questes de fato, relativas observncia daquele princpio no pas. A

    cada ano, o Diretor Geral da OIT divulga um relatrio global sobre um direito especfico, retratando a observncia daquele princpio em todo o

    mundo e ressaltando os casos mais graves de violaes ou recorrentes. A Declarao, portanto, no conta com nenhum instrumento para impor

    o cumprimento desses princpios. Como se esclarece no Anexo da Declarao, a natureza desse procedimento de controle estritamente

    promocional, permitindo a identificao das reas nas quais a assistncia da OIT, por meio de atividades de cooperao tcnica, pode se

    revelar importante na implementao dos direitos fundamentais.

    4. Os direitos fundamentais do trabalhador

    Os direitos fundamentais do trabalhador podem ser diferenciados dos princpios, que, como vimos, so idias que definem padres a serem

    adotados pelo Direito do Trabalho, tanto na legislao, quanto na atividade interpretativa e integradora. Os direitos fundamentais, por sua vez,

    dirigem-se ao trabalhador em sua relao de emprego.

    H um equvoco em se entender, de uma forma absoluta, direitos fundamentais como direitos constitucionais. De fato, muitas vezes os direitos

    fundamentais encontram-se reconhecidos constitucionalmente, mas nem sempre. Nas palavras do Professor Amauri Mascaro Nascimento, h

    direitos infraconstitucionais fundamentais, embora formalmente constitucionais.[11]

    Dentre os direitos fundamentais do trabalhador, temos os direitos da personalidade, tutelados em razo da necessidade de interferncia estatal

    no mbito da autonomia da vontade, em questes pessoais do empregado. Destacamos, pois, alguns aspectos ilustrativos: a limitao ao poder

    de fiscalizar a atividade do empregado (a revista do empregado), a liberdade de pensamento, de convico filosfica e poltica (a livre filiao

    sindical).

    H direitos fundamentais por meio dos quais se objetiva defender a dignidade moral do empregado, como o dano moral, o assdio moral e o

    assdio sexual.

    Existe, ainda, consoante dito retro, o direito de no ser discriminado; direito que resguarda a mulher trabalhadora, o trabalhador estrangeiro, o

    trabalhador portador de necessidades especiais, o trabalhador portador do vrus HIV, dentre outros.

    Cada um desses temas comportaria um ensaio especfico. Ante essa impossibilidade, concentremo-nos na proteo jurdica da vida, da sade,

    da integridade fsica do trabalhador e do meio-ambiente do trabalho, direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente ao trabalhador

    brasileiro.

    Tais preocupaes justificaram o surgimento do Direito do Trabalho, no sculo XVIII, marcado pela Revoluo Industrial e suas conseqncias,

    ao mesmo tempo, importantssimas e desastrosas: a mesma mquina, que possibilitou a produo em srie e a instaurao de um novo modo

    de produo, trouxe doenas, acidentes e invalidez; em suma: a necessidade de um aparato de proteo social.

    Hoje, no Brasil, o Texto Constitucional esboou preocupao com a reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade,

    higiene e segurana.[12] Tais normas tomam a forma de NRs (Normas Regulamentadoras do Ministrio do Trabalho), sobre os mais variados

    assuntos: Inspeo Prvia, CIPAs, Edificaes, Instalaes e Servios de Eletricidade, Insalubridade, Periculosidade...

    Caso no seja possvel a reduo do risco a nveis aceitveis, o Constituinte previu, no inciso XXIII, do art. 7:

    Adicional de remunerao para as atividades penosas, insalubres e perigosas, na forma da lei.

  • 20

    Entretanto, a disciplina infraconstitucional da matria nos parece problemtica, uma vez que os adicionais previstos para compensar o

    trabalhador pela exposio ao risco, que, muitas vezes, lhe custa a sade e mesmo a vida, so de valores nfimos: o adicional de insalubridade,

    por exemplo, ser de 10, 20 ou 40% do salrio mnimo, consoante se verifique grau mnimo, mdio ou mximo de insalubridade.[13]

    Muito ainda poderia ser dito sobre isso ou sobre a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrtico de Direito

    brasileiro, nos termos do art. 1 de nossa Constituio, valor maior que cabe aos Princpios do Direito do Trabalho tentar preservar.

    Notas:

    [1] Artigo publicado na obra coletiva Princpios Constitucionais Fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva

    Martins, coordenada por Carlos Mrio da Silva Velloso, Roberto Rosas e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e publicada pela Lex Editora, em

    2005.

    [2] REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. S.P.: Saraiva, 1988, p. 312.

    [3] Concluses do encontro entre representantes do governo norte-americano, organismos internacionais e economistas latino-americanos

    ocorrido em 1989, consistentes em um conjunto de medidas tcnicas em favor da economia de mercado, objetivando, em tese, a recuperao

    dos pases da Amrica Latina.

    [4] PL RODRIGUEZ, Amrico. Princpios de Direito do Trabalho. S.P.: LTr., 3 ed. Atual., 2000, p..37.

    [5] DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano Del Trabajo. 4 ed. Mxico: Editorial Porrua S. A., 1959, tomo I, p. 254.

    [6] CLT, Art. 443, 2: O contrato por prazo determinado s ser valido em se tratando:

    a)de servio cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminao do prazo;

    b)de atividades empresariais de carter transitrio;

    c)de contrato de experincia.

    [7] VIDAL Neto, Pedro. Estudo sobre a Interpretao e a Aplicao do Direito do Trabalho. Tese para Concurso Livre Docncia de Direito do

    Trabalho. S.P.:FADUSP, 1985, pp. 79-80.

    [8] Op. Cit, p.425.

    [9] RUPRECHT, Alfredo. Os Princpios do Direito do Trabalho. S.P: LTr, 1995.

    [10] Considerando que existen condiciones de trabajo que entraan tal grado de injusticia, miseria y privaciones para gran nmero de seres

    humanos, que el descontento causado constituye una amenaza para la paz y armona universales; y considerando que es urgente mejorar

    dichas condiciones, por ejemplo, en lo concerniente a reglamentacin de las horas de trabajo, fijacin de la duracin mxima de la jornada y de

    la semana de trabajo, contratacin de la mano de obra ,lucha contra el desempleo, garanta de un salario vital adecuado proteccin del

    trabajador contra las enfermedades, sean o no profesionales, y contra los accidentes del trabajo, proteccin de los nios, de los adolescentes y

    de las mujeres, pensiones de vejez y de invalidez, proteccin de los intereses de los trabajadores ocupados en el extranjero, reconocimiento del

    principio de salario igual por un trabajo de igual valor y del principio de libertad sindical, organizacin de la enseanza profesional y tcnica y

    otras medidas anlogas (...) Prembulo da Constituio da OIT (url:http//www.ilo.org/ilolex, acesso em 20/04/2005).

    [11] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princpios do Direito do Trabalho e Direitos Fundamentais do Trabalhador. in Revista LTr, vol. 67, n 8, p.

    26.

    [12] CF/88, art. 7, XXII.

    [13] Art. 192 da CLT.

  • 21

    Texto de Leitura Complementar: Principiologia da proteo aplicada realidade do Direito do Trabalho, de autoria de Halley Lino de Souza.

    PRINCIPIOLOGIA DA PROTEO APLICADA REALIDADE DO DIREITO DO TRABALHO

    Introduo:

    O presente trabalho monogrfico tem por objetivo estabelecer uma anlise da influncia exercida pelo princpio da proteo no Direito do

    Trabalho.

    Em um primeiro momento, busca-se trabalhar com a concepo jurdica do princpio, enfocando as espcies gerais e especiais, delimitando a

    formao, tipologia e funo, bem como os demais elementos inseridos no postulado principiologico.

    Ainda, dentro da primeira parte, o estudo adentra na teoria geral dos princpios afetos ao Direito do Trabalho, trabalhando com os componentes

    essncias do tema e, fundamentalmente, com o iderio da proteo.

    Posteriormente, apresenta-se um estudo detalhado do princpio da proteo, delimitando seus fundamentos, tcnicas e importncia,

    considerando a histria e os seus fatos sobre a evoluo mundial e nacional do prprio Direito do Trabalho.

    As regras que compem o princpio da proteo (in dubio pro operario, norma mais benfica e condio mais benfica) so abordadas sobre o

    enfoque que objetiva explicitar os seus elementos constitutivos, descritivos e funcionais. Tais regras tambm so analisadas em relao a

    funo jurdica que desempenham no ramo juslaboral.

    Na ltima parte elaborada uma relao entre as concepes flexibilizadores e desregulamentadoras e o fundamento protetivo do Direito do

    Trabalho. Esta anlise considera a ideologia poltica do neoliberalismo, o atual estgio do trabalho e a globalizao, apresentando, tambm,

    uma amostragem da realidade brasileira em face s concepes de contraposio a idia da proteo ao trabalhador.

    Por fim, fundamental salientar que o presente trabalho monogrfico no tem a pretenso de esgotar o assunto que se propem, at porque

    analisar o princpio da proteo deparar-se com a complexa e insupervel tarefa de abordar todo o Direito do Trabalho, fato que foge a

    capacidade do autor.

    Portanto, este trabalho no quer exaurir o tema, mas materializar um estudo centrado nos principais elementos do princpio da proteo,

    justificando a sua existncia, importncia, bem como a sua funo na constituio do ramo jurdico que melhor efetiva a busca da dignidade

    humana: Direito do Trabalho.

    Captulo I: Os princpios no Direito do Trabalho

    1.1 Noes gerais sobre princpios

    Ao se iniciar o estudo da complexa matria jurdica que envolve os princpios, em especial, os do Direito do Trabalho, necessrio buscarmos

    elementos que demonstrem o significado desta matria.

    importe considerar que o Direito o conjunto de princpios, regras e institutos voltados a organizar situaes ou instituies e criar

    vantagens, obrigaes e deveres no contexto social.[1]

    A importncia do estudo dos princpios na ordem jurdica bem definida por Celso Antonio Bandeira de Mello:

    Princpio j averbamos alhures , por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio que se irradia

    sobre diferentes normas, compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia exatamente por definir a

    lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico. do conhecimento dos princpios que

    preside a inteleco das diferentes partes componentes do todo unitrio que h por nome sistema jurdico positivo.[2]

    Nesse mesmo sentido, a melhor noo apresentada pela doutrina advm de Miguel Reale:

    Um edifcio tem sempre suas vigas mestras, suas colunas primeiras, que so o ponto de referncia e, ao mesmo tempo, elementos que do

    unidade ao todo. Uma cincia como um grande edifcio que possui tambm colunas mestras. A tais elementos bsicos, que servem de apoio

  • 22

    lgico ao edifcio cientfico, que chamamos de princpios, havendo entre eles diferenas de distino e de ndices, na estrutura geral do

    conhecimento humano.[3]

    Destarte, os princpios podem ser considerados como juzos fundamentais, que embasam e solidificam um conjunto de juzos, ordenado em um

    sistema de conceitos relativos a dada poro do mundo jurdico.

    Os princpios podem ser comuns a todo o fenmeno jurdico, ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, sendo que os

    princpios jurdicos gerais so preposies informadoras da noo estrutura e dinmica essenciais do direito, ao passo que os princpios

    especiais de determinado ramo do direito so proposies gerais informadoras da noo, estrutura e dinmica essencial de certo ramo

    jurdico.[4]

    A compreenso dos princpios fica clara ao considerarmos a sua atuao ao longo da construo jurdica, pois de acordo com a concepo

    liberal-individualista da primeira metade do sculo XIX predominava, em relao aos direitos de contratos e obrigaes, o princpio da

    autonomia da vontade individual. Mas atualmente, os Direitos Fundamentais e as garantias sociais, vm se sobrepondo autonomia da

    vontade.[5]

    O estudo sobre a noo de princpio fica consubstanciado com o seguinte ensinamento: Em concluso, para a Cincia do Direito os princpios

    conceituam-se como proposies gerais que informam a compreenso e aplicao do fenmeno jurdico e que, aps inferidas, a ele se

    reportam, informando-o.[6]

    1.1.1 Funes

    As funes dos princpios so abordadas pela doutrina atravs das mais variadas matizes sendo apropriado os conceitos elaborados por

    Mauricio Godinho Delgado, afirmando que existem duas fases prprias do fenmeno jurdico. [7]

    A primeira fase denominada pr-jurdica, onde seria, na concepo do autor, um estgio histrico de elaborao das regras jurdicas. Nesse

    momento os princpios atuam como verdadeiras fontes materiais do direito. Trata-se fundamentalmente das foras econmicas, dos

    movimentos sociopolticos e das correntes poltico-filosficas que instigam e condicionam a elaborao normativa.

    Posteriormente, temos a segunda fase com a denominao jurdica tpica, onde o direito j esta construdo, reservando aos princpios o papel

    mais importante, pois desempenham mltiplas funes, muitas vezes, combinadamente, de modo simultneo.

    Adentrando na conceituao atinente as funes do princpio no mundo jurdico a doutrina apresenta uma infindvel variedade de funes.

    A mais corriqueira das funes denominada descritiva ou interpretativa ou, ainda, informativa, ligada compreenso do prprio direito. Esta

    a funo clssica, balizando a essncia do conjunto jurdico, propiciando uma leitura reveladora das direes essenciais do ordenamento

    analisado. So instrumentos de auxlio na interpretao jurdica.

    Nesse sentido, cumpre lembrarmos os ensinamentos de Hans Kelsen sobre a funo descrita: A interpretao , portanto, uma operao

    mental que acompanha o processo de aplicao do Direito no seu progredir de um escalo superior para um escalo inferior.[8]

    Outra funo exercida pelos princpios a de serem fontes formais supletivas na falta de outra regra jurdica aplicvel ao caso concreto. Sua

    aplicao se faz como se o princpio fosse norma jurdica. Esta funo denominada funo normativa supletiva; ocorrendo a chamada

    integrao jurdica quando da ausncia de lei aplicvel ao caso concreto.

    No Brasil a funo normativa supletiva est positivada no artigo 8o da CLT[9], no artigo 4o da Lei de introduo do Cdigo Civil[10] e no artigo

    126 do CPC.[11]

    Sobre a positivao da utilizao dos princpios comenta o mestre Miguel Reale:

    Na realidade, no precisava diz-lo, porque uma verdade implcita e necessria. O jurista no precisaria estar autorizado pelo legislador a

    invocar princpios gerais, aos quais deve recorrer sempre at mesmo quando encontra a lei prpria ou adequada ao caso. No h cincia sem

    princpios, que so verdades vlidas para um determinado campo do saber, ou para um sistema de enunciados lgicos. Prive-se um cincia de

    seus princpios, e t-la-emos privado de sua substncia lgica, pois o Direito no se funda sobre normas, mas sobre os princpios que as

    consolidam e as tornam significantes.[12]

  • 23

    Entretanto, modernamente a doutrina apresenta um novo papel para os princpios: trata-se da efetiva funo normativa prpria, resultante de

    sua dimenso fundamental a toda a ordem jurdica.

    Sobre esta classificao comenta Mauricio Godinho Delgado:

    A funo fundamentadora dos princpios (ou funo normativa prpria) passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinrio de sua

    natureza norma jurdica efetiva e no simples enunciado programtico no vinculante. Isso significa que o carter normativo contido nas regras

    jurdicas integrantes dos clssicos diplomas jurdicos (constituies, leis e diplomas correlatos) estaria tambm presente nos princpios gerais de

    direito. Ambos seriam, pois, norma jurdica, adotados da mesma natureza normativa.[13]

    Os ensinamentos de Norberto Bobbio nos solidificam a funo normativa supletiva dos princpios:

    Os princpios gerais so apenas, a meu ver, norma fundamentais ou generalssima do sistema, as normas mais gerais. A palavra princpios

    leva a engano tanto que velha questo entre os juristas se os princpios gerais so normas. Para mim no h dvida: os princpios gerais so

    normas como todas as outras. E esta tambm a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princpios gerais so normas, os

    argumentos so dois, e ambos vlidos: antes de mais nada so extrados, atravs de um procedimento de generalizao sucessiva, no se v

    por que no devam ser normas tambm eles: se abstraio da espcie animal obtenho sempre animais, e no flores ou estrelas. Em segundo

    lugar, a funo para qual so extrados e empregados a mesma cumprida por todas as normas, isto a funo de regular um caso.[14]

    Portanto, fica claro que os princpios, alm da funo interpretativa e supletiva, possuem uma funo normativa concorrente, mas no

    autnoma, apartada do conjunto jurdico geral e a ele contraposto.

    Vale dizer que estas funes no so inerentes a determinado princpio A ou B, pois um princpio, seja geral ou especial, cumpre o seu clssico

    papel interpretativo, podendo tambm, em casos de integrao jurdica cumprir a funo normativa subsidiria, bem como, conforme a doutrina

    constitucionalista e jusfilosfica, pode exercer a funo normativa concorrente fundamentando a ordem jurdica com eficcia limitadora e ao

    mesmo tempo diretiva da ordem jurdica, harmonizando a aplicao ao caso concreto.

    1.2 Tipologia dos princpios

    Ao tentarmos classificar os princpios, vastas so as possibilidades de abordagem da matria.

    Poderamos afirmar que em relao forma, os princpios podem ser expressos no ordenamento, como j foi coment