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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 11 DIREITO E ECONOMIA Coordenadores PROF. DR. GIOVANI CLARK PROF. DR. FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO PROF. DR. PAULO RICARDO OPUSZKA 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Organizadores

Prof. Dr. oriDes Mezzaroba

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Vol. 11

DIREITO E ECONOMIA

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Nossos Contatos

São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.brRedes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

Equipe Editorial

EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Conselho Editorial

D597Direito e economia

Coleção Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Giovani Clark / Felipe Chiarello de Souza Pinto / Paulo Ricardo Opuszka.Título independente - Curitiba - PR . : vol.11 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.491p. :

ISBN 978-85-99651-99-5

1. Direito econômico - constituição.I. Título. CDD 341.378

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

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MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

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Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................

A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO MERCADO DE COMMODITIES AGRÍCOLAS FRENTE À SECA E SEUS REFLEXOS NA ECONOMIA BRASILEIRA (José Valdês Góis Júnior e Lucas Cardinali Pacheco)

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA .........................................................................................

A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO MERCADO DE COMMODITIES AGRÍCOLAS FRENTE À SECA ...........................................................................................................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A CULTURA BUROCRÁTICA E O PREJUÍZO AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (Edimur Ferreira de Faria e Renato Horta Rezende) ....................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA E DO MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .....................................................................................................................................................

AS DIMENSÕES DO MODELO ADMINISTRATIVO GERENCIAL E A CULTURAL BUROCRÁTICA ................

OS CUSTOS ECONÔMICOS DA CULTURA BUROCRÁTICA PARA O PAÍS ..................................................

CONCLUSÃO E PERSPECTIVA PARA O GERENCIALISMO DIANTE DA CULTURA BUROCRÁTICA PERSISTENTE .............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A DEFESA DA CONCORRÊNCIA E A CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL (João Bosco Leopoldino da Fonseca e Aendria de Souza do Carmo) ...............................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA .............................................

DECISÕES DO CADE E A PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A INTERVENÇÃO MUNICIPAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO: O CASO DOS PREÇOS ABUSIVOS PRATICADOS PELOS ESTACIONAMENTOS PRIVADOS EM BELO HORIZONTE (Giovani Clark e Rodrigo de Castro Lucas) ..........................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

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O PAPEL DO MUNICÍPIO NO DOMÍNIO ECONÔMICO .............................................................................

A DEFESA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .....................................................................

DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ..........................................................................................................

OS ABUSOS DOS PREÇOS COBRADOS PELOS ESTACIONAMENTOS DE BELO HORIZONTE ......................

AS POSSÍVEIS INTERVENÇÕES DO MUNICÍPIO NO DOMÍNIO ECONÔMICO .........................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A RESPONSABILIDADE MÉDICA, HOSPITALAR E O ÔNUS DA PROVA SOB A ÓTICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO (João Carlos Adalberto Zolandeck) .................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE NA RELAÇÃO JURÍDICA MÉDICO-PACIENTE ................................

ÔNUS DA PROVA, INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, CARGAS DINÂMICAS PROBATÓRIAS, A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO, ATIVISMO E PROTAGONISMO JUDICIÁRIO SOB A ÓTICA DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA DO DIREITO ...............................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ABUSO DE PODER DE MERCADO E MERCADO RELEVANTE NA NOVA ECONOMIA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CASO GOOGLE (Fabiano Teodoro de Rezende Lara e Isabella Luiza Alonso Bittencourt) ....

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A NOVA ECONOMIA ..................................................................................................................................

O CASO GOOGLE .......................................................................................................................................

INVESTIGAÇÕES DO GOOGLE POR AUTORIDADES CONCORRENCIAIS .................................................

O GOOGLE TEM PODER DE MERCADO OU EXERCE PODERES MONOPOLÍSTICOS? ...............................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ANÁLISE ECONÔMICA E PONDERAÇÃO NORMATIVA: LIMITES E POTENCIALIDADES DO DIÁLOGO LAW & ECONOMICS (GUSTAVO ADOLFO MENEZES VIEIRA) ......................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

OS INEXORÁVEIS CUSTOS DO DIREITO ....................................................................................................

A TECNOLOGIA DECISÓRIA DA PONDERAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA ........................................................

LAW & ECONOMICS: ESSES (DES) CONHECIDOS .....................................................................................

HOMO JURIDICUS E ECONOMICUS: IN MEDIO STAT VIRTVS .................................................................

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CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

AS REFORMAS NEOLIBERAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A CONFORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO APÓS AS MUDANÇAS (José Mauro Luizão) .......................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

POLÍTICAS ECONÔMICAS .........................................................................................................................

CRISE DO ESTADO SOCIAL E ONDA NEOLIBERAL ...................................................................................

CARACTERÍSTICAS DA POLÍTICA ECONÔMICA BRASILEIRA ATÉ A REDEMOCRATIZAÇÃO ......................

A CONFORMAÇÃO DA POLÍTICA ECONÔMICO-SOCIAL DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ...............................

AS REFORMAS NEOLIBERAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ....................................................................

O MODELO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 APÓS AS REFORMAS ............................................................

A RELATIVIDADE DOS CONCEITOS E O APARENTE PARADOXO DE LULA À DIREITA DE FHC ....................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

CIDE COMBUSTÍVEL: REFLEXÕES APÓS A ADI 2925/DF (Paulo Antonio Brizzi Andreotti e Jonathan Barros Vita) .................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ÀS FORMAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E ÀS CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ............................................................................................

O PERFIL CONSTITUCIONAL DA CIDE COMBUSTÍVEL .............................................................................

CIDE COMBUSTÍVEL E VINCULAÇÃO DE RECEITA ...................................................................................

A INCONSTITUCIONALIDADE DO DESVIO DE FINALIDADE: ADI 2925/DF .............................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES NA NOVA LEI DE CONCORRÊNCIA (Fabio Queiroz Pereira e Sarah Cristina Souza Guimarães) ...............................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

PROCESSO E PROCEDIMENTO .................................................................................................................

DAS TIPOLOGIAS RELATIVAS AOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS ............................................

DO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA .............

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES POR INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA ..............................................................................................................................................

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CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

DEMOCRACIA, MERCADO E ESTADO: UMA RELAÇÃO SIMBIÓTICA (Orides Mezzaroba e Nathalie de Paula Carvalho) ...........................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A COMPLEXIDADE DO CENÁRIO ECONÔMICO INTERNACIONAL ..........................................................

A BIOGRAFIA DAS IDEIAS E DOS FENÔMENOS ECONÔMICOS ..............................................................

O PAPEL DA REGULAÇÃO ECONÔMICA – NECESSIDADE OU UTILIDADE ...............................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CONCEITO HISTÓRICO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA (Hertha Urquiza Baracho e Thiago A. Fauvrelle) ..........................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CONCEITUAÇÃO ........................................................................................................................................

O SURGIMENTO DO DESENVOLVIMENTO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ....................................

REVOLUÇÃO KEYNESIANA E A INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO ...............................

ESTRUTURALISMO, DESENVOLVIMENTO E CONSTITUIÇÃO ..................................................................

A CONTRARREVOLUÇÃO ..........................................................................................................................

REFLEXOS DA CONTRARREFORMA NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL ................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

EFICIÊNCIA ECONÔMICA E O INCREMENTO DO MERCADO DE CRÉDITO: OBJETIVOS DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE EMPRESAS (Renata Albuquerque Lima e Átila de Alencar Araripe Magalhães)

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DIREITO E ECONOMIA: UMA APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA ...................................................................

A BUSCA PELA EFICIÊNCIA ECONÔMICA E O INCREMENTO DO MERCADO DE CRÉDITO PELA LEI NO. 11.101/2005 ........................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

FERRAMENTAS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO PARA COMPREENSÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS (Giovani Ribeiro Rodrigues Alves e Renata Carvalho Kobus) ............................................

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................

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A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ......................................................................................................

A TEORIA DOS JOGOS ...............................................................................................................................

CONTRATOS EMPRESARIAIS E A SUA INTERPRETAÇÃO A PARTIR DA TEORIA DOS JOGOS ......................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

GOVERNANÇA CORPORATIVA: OBJETIVO EMPRESARIAL, FUNDAMENTOS E APLICAÇÃO NAS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS (NARA FERNANDES BORDIGNON) .......................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

OBJETIVO DA EMPRESA NUM CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO ..............................................................

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ........................................

GOVERNANÇA EM MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS ...............................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

MERCADO: INTERAÇÃO DA ECONOMIA COM O DIREITO (André Vinícius da Silva Machado) ................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ATUAÇÃO DO MERCADO ..........................................................................................................................

ABUSOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA, DESTACANDO A UTILIZAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS COM “PERSONALIDADE JURÍDICA” – “PEJOTIZAÇÃO” ..................................................

RESPONSABILIDADE SOCIAL DO MERCADO ...........................................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O COMÉRCIO JUSTO E O CONSUMO ÉTICO: A VISÃO ECONÔMICO-JURÍDICA DO FAIR TRADE (Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves e Profa. Dra. Joana Stelzer) ............................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

FAIR TRADE, O COMÉRCIO JUSTO E O CONSUMO ÉTICO: APRECIAÇÃO CONCEITUAL .............................

FAIR TRADE NO BRASIL: DECRETO N°7.358, DE 17/11/201 ...................................................................

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICO-SOCIAL – PEES E O MÍNIMO ÉTICO LEGAL – MEL ...............

IMPLICAÇÕES ECONÔMICO-JURÍDICAS DO FAIR TRADE .......................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O NEOLIBERALISMO E A PRIVATIZAÇÃO DOS BANCOS ESTADUAIS NO BRASIL: ALTERAÇÕES NAS DIRETRIZES GOVERNAMENTAIS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO (Abili

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Lázaro Castro de Lima e Yuri Gabriel Campagnaro) ...................................................................................

A REVOLUÇÃO MONETARISTA E A DOUTRINA NEOLIBERAL ..................................................................

ACUMULAÇÃO POR ESPOLIAÇÃO: O NEOLIBERALISMO E SUAS PRÁTICAS ..........................................

O NEOLIBERALISMO NO BRASIL: DO CONSENSO DE WASHINGTON AO PLANO REAL ..............................

A PRIVATIZAÇÃO DOS BANCOS ESTADUAIS DO BRASIL ..........................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA E DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA E O PRINCÍPIO DA GARANTIA DA APLICAÇÃO DOS MEIOS FINANCEIROS NECESSÁRIOS AO DESENVOLVIMENTO (Vinicius Figueiredo Chaves) .....................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................

SURGIMENTO, SENTIDOS E CONCEITOS DA EXPRESSÃO “ORDEM ECONÔMICA” E A SUA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO À “CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA” .....................................................................................

ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ........................................................

ESTADO BRASILEIRO E ATIVIDADE ECONÔMICA ....................................................................................

A CONSAGRAÇÃO DA LIVRE INICIATIVA E O PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA ..................................................................................

O FINANCIAMENTO COMO INSTRUMENTO DE VIABILIZAÇÃO DA PROMOÇÃO DO DESENVOLVI-MENTO E CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA .................................

O PRINCÍPIO DA GARANTIA DA APLICAÇÃO DOS MEIOS FINANCEIROS NECESSÁRIOS AO DESEN-VOLVIMENTO E A INCUMBÊNCIA PRIORITÁRIA DO ESTADO DE ASSEGURAR O FUNCIONAMENTO EFICIENTE DOS MERCADOS .....................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

OS CUSTOS DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA EFICIÊNCIA E DO ACESSO À JUSTIÇA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (Sônia Barroso Brandão Soares)

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DESCREVENDO ABORDAGENS E CONSTRUINDO MODELOS .................................................................

MATERIALIZANDO MODELOS: AMBIENTE DO PROCESSO ELETRÔNICO ..............................................

A EFICIÊNCIA DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E O ACESSO À JUSTIÇA .......................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

PLANEJAMENTO ENERGÉTICO E ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL COMO DESAFIOS DO DIREITO E DA ECONOMIA PARA O DESENVOLVIMENTO (José Osório do Nascimento Neto) .................................

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INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E ECONOMIA NOS 25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ .................

PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NACIONAL: AÇÕES DETERMINANTES E ORIENTAÇÕES INDICATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................................

ANÁLISE CRÍTICA INSTITUCIONAL DO SETOR ENERGÉTICO BRASILEIRO: UM APROFUNDAMENTO NECESSÁRIO AO DEBATE ..........................................................................................................................

PLANEJAMENTO E AÇÕES INSTITUCIONAIS A PARTIR DO DIREITO ECONÔMICO DA ENERGIA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A ATUALIDADE .....................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

POLÍTICA ECONÔMICA, CRISE E DEMOCRACIA: PROPOSTA DE UMA ABORDAGEM PROCEDI-MENTAL DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA (Marcelo Valença-Ramos) ................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

RAZÃO PÚBLICA E POLÍTICA ECONÔMICA ..............................................................................................

O CARÁTER CÍCLICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL ....................................................................................

DISCRICIONARIEDADE ESTATAL ...............................................................................................................

ECONOMIA E DEMOCRACIA: UMA RELAÇÃO COMPLICADA .................................................................

CRISES ECONÔMICAS E LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO ESTATAL .....................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

TRIBUTAÇÃO, MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA POLÍTICA FISCAL DE DESONERAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS SOBRE AS POLÍTICAS DE MOBILIDADE URBANA E SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (Thiago Penido Martins e Leandro Henrique da Silva Alves) .......................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI .....................................................................

A EXTRAFISCALIDADE DO IPI ....................................................................................................................

AS POLÍTICAS FISCAIS ANTICÍCLICAS NO BRASIL ....................................................................................

MOBILIDADE URBANA ..............................................................................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito e Economia, do XXII Encontro

Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),

realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º

de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 11 - Direito e Economia

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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Apresentação

A Economia na sociedade contemporânea, dadas características e complexidades

deste estágio civilizatório, vem ganhando centralidade nas decisões políticas e sociais.

No campo científico, o aspecto econômico acaba por invadir ou porque não

colonizar a seara da reflexão teórica tornando impossível a não inclusão do referido fator

nas análises oriundas do conhecimento acadêmico.

No Direito não é diferente. A Economia, principalmente em sua versão política

econômica, ganha centralidade ou participação relevante na reflexão e no tratamento

jurídico.

Neste sentido, com muito orgulho apresentamos o livro Direito e Economia

decorrente das apresentações de trabalho ocorridas no GT – Grupo de Trabalho – do

mesmo nome, durante o XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Direito (Conpedi), realizado na Universidade de Curitiba, no primeiro

semestre de 2013, na capital do Paraná. As apresentações orais dos artigos foram

coordenadas pelos Professores Doutores: Felipe Chiarello de Souza Pinto

(MACKENZIE/SP), Paulo Ricardo Opuszka (UNICURITIBA/PR) e Giovani Clark (PUC

MINAS e UFMG).

Os trabalhos selecionados para publicação foram divididos em três grandes

temáticas:

1) Constituição Econômica e Desenvolvimento;

2) As Políticas Econômicas Setoriais e o Direito Econômico;

3) Poder Econômico e Analise Econômica do Direito.

O primeiro bloco de artigos – Constituição Econômica e Desenvolvimento - abrange

artigos que analisam a relação da economia e do direito, especialmente sob a ótica da

Constituição Federal, formando o que denominamos Direito Constitucional Econômico.

Dentro desta temática também foram incluídos, devido ao modelo desenvolvimentista da

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Constituição brasileira, os artigos que tratam do planejamento e do desenvolvimento

econômico.

Já o segundo bloco de artigos, versa sobre temas específicos da economia, as

denominadas políticas econômica setoriais. Embora seja um tema, ou melhor, uma divisão

recorrente na economia, as “políticas setoriais” aparecem cada vez mais na Ciência do

Direito, fato que permite a criação de bloco denominado “As Políticas Econômicas

Setoriais e o Direito Econômico”.

Por fim, o último bloco de artigos trata de um tema que vem ganhando espaço nas

discussões acadêmicas entre Direito e Economia, ou melhor, as contribuições teóricas da

denominada Escola da Análise Econômica do Direito. Nesse bloco vários artigos trazem à

visão econômica das relações jurídicas, ou ainda, as contribuições da Ciência Econômica,

principalmente dos autores neoclássicos, as limitações do Direito positivo ao poder

econômico, estabelecendo um interessante diálogo entre as duas ciências.

Os artigos são frutos de pesquisas cientificas realizadas nos Programas de Pós-

Graduação em Direito pelo Brasil e procuram contribuir na efetivação da nossa

Constituição Econômica e do Direito Econômico positivo nacional. Eles apresentam,

também, uma relevante bibliográfica.

Desejamos uma boa leitura.

Coordenadoras do Grupo de Trabalho

Professor Doutor Giovani Clarck – PUC MG

Professor Doutor Felipe Chiarello de Souza Pinto – MACK

Professor Doutor Paulo Ricardo Opuszka – UNICURITIBA

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A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO MERCADO DE COMMODITIES

AGRÍCOLAS FRENTE À SECA E SEUS REFLEXOS NA ECONOMIA

BRASILEIRA.

THE ABSENCE OF PUBLIC POLICIES ON THE AGRICULTURAL

COMMODITIES MARKET FACING DROUGHT AND ITS REFLEXES IN THE

BRAZILIAN ECONOMY.

José Valdês Góis Júnior1

Lucas Cardinali Pacheco2

RESUMO

O estudo apresentado tem por finalidade explanar acerca da ausência de políticas públicas no mercado de commodities agrícolas e o importante papel do governo brasileiro em criar políticas públicas capazes de eliminar as restrições de mercado existentes, as quais foram ainda mais agravadas com os eventos climatológicos registrados no ano de 2012 nos principais países produtores de grãos. A ausência de políticas públicas brasileiras favorecem o fortalecimento das indústrias de outros países, havendo necessidade de políticas intervencionistas capazes de proteger o mercado interno e seu abastecimento; a exemplo da criação de um estoque regulador ou da limitação da exportação em favor do mercado interno. PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas; commodities; economia brasileira.

ABSTRACT

The study presented is intended to explain about the absence of public policies on the agricultural commodities market in Brazil and the important role of the brazilian government to create public policies to eliminate existing market restrictions, which have been further aggravated with the recorded weather events in the year 2012 in major grain-producing countries. The absence of Brazilian public policies favor the strengthening of industries of other countries, there is need for interventionist policies able to protect the internal market and

1Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT (2010/2015). Estagiário do Escritório de Advocacia Cardinali Sena – Advocacia e Consultoria. E-mail: [email protected] 2 Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR (2012/2014) em Direito Econômico e Sócio Ambiental. Tem pós-graduação pela Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul Virtual (2009). Graduou-se em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas - UNIFEMM (2007). Professor Assistente da Universidade Tiradentes - UNIT. Palestrante e professor de cursinho preparatório e pós-graduação. Advogado OAB/SE, Advogado Geral do Município e Sócio do Escritório Cardinali Sena, no Município de Itabaiana/SE. E-mail: [email protected]

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its supply; the example of creating a stock regulator or export restriction in favour of the internal market. KEYWORDS: public policy; commodities; Brazilian economy.

1. INTRODUÇÃO

A produção de grãos sofre grande influência do clima. Estudos mostram que o

aumento de gás carbônico na atmosfera tem elevado temperatura do planeta e afetado o

regime e a distribuição das chuvas e o desempenho das lavouras, diminuindo a produção de

alimentos.

A seca nos Estados Unidos no ano de 2012 fez com que os produtores brasileiros

exportassem grãos em detrimento do mercado interno.

Com isso, como de se esperar pela lei do mercado, houve diminuição da oferta de

grãos no mercado mundial e consequente aumento de preço.

Dessa forma, há um efeito cascata já que grande parte da produção de grãos é

destinada ao consumo de animais para engorda, refletindo em todos os seus derivados. Com

efeito, houve aumento no preço da ração e, por conseguinte, da carne, do leite e seus

derivados; fazendo com que diversos produtos se tornassem menos acessíveis no Brasil.

Chama-nos atenção o fato de que o governo brasileiro não possui políticas

econômicas eficazes que possam inibir tal ação, no sentido de proteger as commodities

agrícolas por meio de políticas públicas capazes de proteger o mercado interno; a exemplo da

criação de um estoque regulador ou da limitação da exportação em favor do mercado interno.

Imperioso observar que em outras situações o governo intervém no mercado,

como é o caso de remédios e carros, com a diminuição de impostos ou políticas de incentivo.

No caso dos grãos, quem mais sofre são o pequeno agricultor e o consumidor

final. Os grandes produtores, que dominam o mercado, no chamado agronegócio, só ganham

com esse cenário cujo cambio favorece à exportação, somada à alta procura devido aos

eventos climáticos que assolaram grandes produtores de grãos no ano de 2012.

Ademais, é preciso considerar ainda que parte dos grãos é usada para consumo

humano, que acaba sendo afetado, de qualquer forma, pelo aumento do preço dos derivados

de animais.

A partir do momento em que se compreende que a ausência de políticas públicas

no Brasil têm favorecido o fortalecimento das indústrias de outros países, chega-se à indelével

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conclusão da necessidade de intervenção estratégica por parte do Estado por meio de políticas

públicas capazes de proteger o mercado interno e seu abastecimento.

Partindo dessa premissa, o presente estudo tem por objetivo demonstrar que a

ausência de políticas públicas no mercado de commodities agrícolas tem interferido

negativamente na economia brasileira, o que se agravou ainda mais com os eventos

climatológicos registrados no ano de 2012 nos principais países produtores de grãos.

Dessa forma, confrontaremos a postura do governo brasileiro que insiste em não

criar mecanismos eficazes capazes de proteger o mercado interno, só se preocupando com

políticas pontuais e não sustentáveis, que nenhum resultado pragmático trazem aos diversos

setores de produção industrial.

Por fim, demonstraremos que, com respaldo da Constituição da República de

1988, a ordem pública econômica deve sofrer intervenções a fim de proteger o mercado

interno, sem que isso seja considerado prática protecionista, já que distinta da política

mercadológica e comercial internacional.

2. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA

A ordem econômica na Constituição de 1988, segundo Eros Grau (2008, p 59-89

e 336-347) enquadra a ordem econômica dentro da ordem jurídica. A expressão ordem indica

o conjunto de situações já instaladas e/ou estruturadas. Em seu modelo atual, a ordem pública

econômica tem noção funcional, mediante técnicas de intervenção.

Assim sendo, não é preciso romper com as estruturas de uma ordem econômica

para passar para outra, uma vez que a segunda ordem seria um aperfeiçoamento da primeira,

de forma a contemplar a implementação de políticas públicas, instrumentando uma

transformação da ordem econômica.

A evolução neo-liberal decorreu da necessidade do Estado refinar o desempenho

das funções de integração, modernização e legitimação capitalista; exigindo a implementação

de políticas públicas. Ou seja, além das normas anteriormente vigentes, foram acrescidas

normas de intervenção, tornando-se o modelo constitucional dirigente.

A intervenção do Estado na vida econômica é um aspecto marcante do direito

econômico. O fator determinante é o modo de produção; devendo estabelecer regras jurídicas

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que disciplinam a intervenção do Estado na economia, o que se dá, predominantemente na

esfera de direito público.

O direito econômico é um fenômeno permanente, modificando-se em seu

conteúdo conforme o modelo estatal. No modelo jurídico do Estado liberal, foi fundamentado

em dois postulados: O primeiro trata da separação absoluta entre direito publico e o direito

privado; enquanto o segundo traz o predomínio da autonomia da vontade.

Neste último, o interesse geral da comunidade não é considerado numa

perspectiva transindividual, mas na soma dos interesses particulares, assumindo o liberalismo

econômico como agente civilizador de grande alcance.

O contrato afigura-se como fonte da legitimidade do poder do Estado. Assim, todo

o direito passa a ser entendido como um prolongamento da relação contratual e a situação das

partes contratantes como a situação típica e característica da vida jurídica.

A intervenção dos poderes públicos na economia redefiniu o conceito de estado de

direito, que se tornou permeável a conteúdos socioeconômicos, assumido natureza positiva,

no sentido de passar a incorporar uma ação estadual que não é apenas subsidiaria, mas

conformadora do modelo socioeconômico, passando a chamar-se Estado social de direito.

O Art. 170 do texto Constitucional3, traz em seus incisos, além da livre

concorrência (inciso IV), os princípios da defesa do consumidor (inciso V), da busca do

pleno emprego (inciso VIII); quando devemos hierarquizar os valores socioeconômicos mais

relevantes, de forma que uma intervenção estratégica não pode ser considerada prática

protecionista, já que distinta da política mercadológica e comercial internacional.

Nesse sentido, nos remetemos ao art. 177, §4º da Constituição da República pelo

qual poderá haver intervenção econômica relativa às atividades de importação ou

comercialização de petróleo, mostrando-se medida capaz de proteger a ordem econômica.

O artigo 173 define os limites da intervenção do Estado nos setores econômicos.

Vejamos:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.4

3 Art. 177, CF: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] omissis. 4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Artigo 149.

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O mercado, por sua vez, é caracterizado pelo conflito permanente e anárquico de

todos contra todos, conforme nos explica Luís Moncada (2003, p. 9-46). Logo, a intervenção,

fomento, correção e controle da decisão econômica privada nada mais é do que mecanismo

para perpetrar o mercado.

Por que se diz que o mercado é resultado da vontade do legislador? Nem sempre a

intervenção estatal na economia é orientada por semelhantes, pois deriva muitas vezes de

motivações puramente políticas, ou alheias à racionalidade que caracteriza o mercado, mas

deve ser ditada por considerações de justiça distributiva ou mesmo social numa tentativa de

controle evada conformação dos resultados da atividade privada necessária à consolidação do

mercado.

Os valores perseguidos pelo Estado na sua tarefa de conformador da vida social e

econômica devem exprimir as preferencia coletivas manifestas no texto constitucional.

Sucede que a escala de valores não é estática, diante da conjuntura politica e sociológica que a

embasa, não podendo a escolhas coletivas serem apreciadas do ponto de vista racional e ético,

por não haver uma opinião coletiva objetivamente determinável.

Os valores em causa flutuam consoante a conjuntura, esperando-se ao final de um

acordo de representantes estabeleçam as preferencias, a estabelecer no quadro constitucional e

legislativo, dai a necessidade de se estabelecer uma hierarquia rígida entre os valores

socioeconômicos mais relevantes.

Quanto à tipologia da intervenção, tem-se: o intervencionismo como a adoção de

medidas esporádicas de controle econômico para fins específicos; o dirigismo como a

atividade coordenada em prol da obtenção de um certo fim (objetivos determinados); e a

planificação como a analise global.

No caso em análise, o intervencionismo Estatal por meio de adoção de medidas

esporádicas de controle econômico para o fim de proteger o mercado e o abastecimento

interno se mostram medida adequada, sendo uma forma do estado exprimir as preferencias

coletivas manifestas no texto constitucional.

Quanto ao conteúdo da intervenção dos poderes públicos, pode-se adotar

intervenções globais, quando a adoção de normas gerais de intervenção relacionam-se com a

economia no seu conjunto; ou até mesmo a setorial, por meio de uma intervenção direcionada

às grandes empresas produtoras de tecnologia agrícola, a exemplo da Monsanto. Tais

intervenções teriam efeito imediato, à medida que a intervenção estaria diretamente

relacionada com objetivos econômicos de proteção do mercado brasileiro; e também efeitos

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mediatos, com objetivos além do econômico, como o de fortalecimento da indústria interna,

ou controle de inflação.

Nesse contexto de regulação da atividade econômica, a regulação e o antitruste

tratar-se-iam de instrumentos de política econômica, ou seja, sujeitos a variações decorrentes

de conjunturas econômicas e políticas que poderiam, inclusive, desaplicá-los; ou se seriam

garantias sistêmicas/institucionais com conformação básica necessária. Salomão Filho (2001,

p. 102), indaga se

[...] seriam o antitruste e a regulação concorrencial instrumentos de desenvolvimento econômico ou formas de se obter o equilíbrio nas relações econômicas?

Além disso, questiona se estes instrumentos de regulação da atividade econômica

são formas de desenvolvimento econômico ou de equilíbrio das relações econômicas, não

podendo constituir entrave para o desenvolvimento nacional e, ao contrário, devem incentivá-

lo.

Assim, essa regulação deve buscar o equilíbrio entre os agentes econômicos e

entre eles e os consumidores.

Segundo o mesmo autor, por meio de uma análise genérica e resumida de como

têm sido aplicado o direito antitruste e a regulação nos países que os utilizam como forma

principal de controle dos agentes privados no mercado, com o intuito de descobrir as razões

que levaram a sua adoção.

Analisando o direito antitruste no caso norte americano, por exemplo, percebemos

a transição de garantia fundamental do cidadão na ordem econômica, estabelecida pelo

Sherman Act, cuja função reequilibradora das relações econômicas, no sentido de garantir a

concorrência e a diluição do poder dos participantes no mercado e a proteção do consumidor,

para uma concepção baseada na união de objetivos de política econômica, como a defesa de

competitividade das empresas norte americanas e defesa do consumidor, estabelecendo a ideia

de eficiência econômica.

Nesse sentido, trazemos dizeres de Salomão Filho (2001, p. 103-104), in litteris:

[...] No sistema americano, desde a promulgação do Sherman Act em 1890, o direito antitruste foi sempre tido como garantia básica do sistema econômico e até mesmo como garantia fundamental do cidadão na ordem econômica. Essa função reequilibradora das relações econômicas fica particularmente clara nos anos 50 e 60,

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quando se identifica como função do antitruste a existência da concorrência em si e a diluição de poder nos participantes do mercado.

Dessa forma, a disciplina norte americana nasce e se desenvolve a partir da

concepção clássica de regulação dos monopólios, não procurando desmontá-los ou criar

condições para que a concorrência apareça, mas recriando condições de mercado, substituindo

todas as variáveis concorrenciais.

Com base nesses exemplos históricos conclui que a regulação parece estar ligada

à garantia do equilíbrio entre os agentes econômicos e não à busca de objetivos prévios de

política econômica, o que não significa dizer que a regulação institucionalizada desconsidere

objetivos de política econômica.

3. A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO MERCADO DE COMMODITIES

AGRÍCOLAS FRENTE À SECA

3.1. O fenômeno da seca e seus impactos econômicos

O fenômeno pluviométrico de ausência de precipitações e elevada temperatura,

também chamado de seca, afeta o setor econômico como um todo, principalmente o setor

agropecuário, cuja eficiência depende de condições especiais de temperatura e precipitação.

Com o processo de industrialização houve significante aumento de emissão dos

gases causadores do efeito estufa na atmosfera; o que, segundo alguns estudos, aumentou a

temperatura da terra, no chamado aquecimento global. Com isso, a incidência de eventos

extremos vem aumentando com o passar dos anos, tendo como consequência verões muito

quentes e secos, ou invernos muito frios e chuvosos.

Ambas as consequências são devastadoras. No contexto desse estudo a seca

chama atenção já que tem atingido vários países das mais variadas regiões do planeta,

colocando o mundo em situação de alerta devido ao comprometimento de lavouras e

consequente risco de uma nova crise alimentar.

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Os Estados Unidos da América, que é um dos grandes exportadores de alimentos

do mundo, sofreu a maior seca dos últimos cinquenta anos5. Com isso, houve considerável

aumento de preços dos cereais no ano de 2012, o que reflete em toda cadeia produtiva e de

consumo.

Segundo o Drought Monitor6, níveis moderados de seca atingiram mais de 64%

da área continental dos Estados Unidos na seca do ano de 20127.

O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estimou que a safra de milho

no ano de 2012 foi a menor em 6 anos, e que a de soja foi a mais baixa em 9 anos8.

Dessa forma, houve uma quebra na produção de 27% do total da produção norte

americana. Nesse cenário, a quebra da safra norte americana culminou na redução das

exportações daquele país, abrindo o mercado externo para outros países, a exemplo do Brasil.

Devido a situação do cambio, grande parte da produção brasileira no ano de 2012

escoou para fora do Brasil, o que traz uma série de consequências econômicas. Essa situação

poderá ser ainda mais agravada no ano de 2013, quando a expectativa de exportação é ainda

maior.

Com a redução dos estoques mundiais, os preços globais dos alimentos tendem a

subir no ano de 2013, podendo atingir níveis recordes em caso de ocorrer seca em áreas

produtoras ao redor do mundo, que afetariam diretamente os estoques de culturas intensivas

de alimentação, como a dos grãos.

O efeito disso é sentido nas economias mundiais, uma vez que, como dito, os

grãos são largamente utilizados na alimentação de animais, cujos produtos derivados

terminam por sofrer grande reajuste de preço.

No Brasil, a cada 10% de aumento no preço das commodities agrícolas, o IPCA

sofre um impacto de 0,8%, segundo cálculo do economista Affonso Pastore9. Isso impacta

diretamente na taxa Selic que, em 2012, ficou acumulada em 7,2%.10

5 SEAB – Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do estado do Paraná. “Milho - Análise da Conjuntura Agropecuária”. Disponível em http://www.agricultura.pr.gov.br/arquivos/File/deral/Prognosticos/milho_12_13.pdf. Acesso em 17 mar. 2013 6 Compilação semanal de dados recolhidos por cientistas federais e acadêmicos dos Estados Unidos. 7 IG. “Área seca aumenta nos EUA e atinge recorde neste verão”. Disponível em: http://economia.ig.com.br/empresas/agronegocio/2012-09-13/area-seca-aumenta-nos-eua-e-atinge-recorde-neste-verao.html. Acesso em 17 mar. 2013 8 Abramilho. “Milho: EUA exportam o menor volume em 30 anos”. Disponível em: http://www.abramilho.org.br/noticias.php?cod=2369. Acesso em 17 mar. 2013. 9 PASTORE, Afonso. Does The Central Bank Want To End The Easing Cycle?. Global Source Partners. 24 de julho de 2012. 10 IG. “Quebra da safra de grãos nos Estados Unidos vai impactar inflação no Brasil”. Disponível em: http://economia.ig.com.br/empresas/agronegocio/2012-08-22/quebra-da-safra-de-graos-nos-estados-unidos-vai-impactar-inflacao-no-brasil.html. Acesso em 15 mar. 2013.

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O IPCA, em contra partida, teve um aumento de 5,6%11, influenciado pela alta no

preço do milho, que motivou a alta do preço de rações; que, por conseguinte, justificou a alta

no preço de aves e suínos.

No ano de 2012, o preço do milho subiu 33% no mercado internacional12, o que

terminou por pressionar ainda mais o mercado mundial.

O reflexo econômico da seca de 2012 será ainda mais sentido em economias

desenvolvidas, como a dos Estados Unidos e da Europa, uma vez que a elasticidade de preços

entre carne e milho é baixa13.

Devemos observar que em um curto período da história, já houveram três crises

alimentares no mundo, havendo receio por parte dos organismos internacionais que ocorra a

quarta crise, isso em menos de quatro anos14.

Preocupada com esse cenário e com a ausência de políticas públicas por parte dos

Estados, a Organização das Nações Unidas – ONU realizará no mês de março de 2013 a

conferência ministerial, com o fito de impulsionar os países a se prepararem melhor contra os

efeitos da seca, sobretudo na agricultura.

Nós queremos estimular todos os países do mundo a criar um plano de política nacional contra a seca. Há 204 países no mundo, e apenas um tem um programa nacional: a Austrália”, argumentou. “Se existe um plano, cada governo será obrigado a tomar atitudes sobre o que deve ser feito, em cada região do país. A falta de políticas adaptadas é a única causa dos impactos que estamos vendo hoje.”. 15

3.2. A ausência de políticas públicas no Brasil e a alta do preço das commodities

agrícolas

11 Abramilho.: “Exportação de soja e milho pode ser taxada por governo”. http://www.abramilho.org.br/noticias.php?cod=2454. Acesso em 15 mar. 2013. 12 O índice de preços de alimentos das Nações Unidas, que mede a variação mensal dos preços internacionais de uma cesta de commodities alimentares, pode subir 15% e atingir 243 pontos até o fim de junho de 2013. Esse número seria superior ao recorde de 238 pontos verificado em fevereiro de 2011. 13 O Rabobank disse ainda que a pressão inflacionária sobre os alimentos só não é maior por conta do fraco crescimento econômico mundial, dos preços mais baixos para a energia e dos custos reduzidos com frete. Produtores de carne ao redor do mundo foram prejudicados neste ano pela escalada dos preços dos grãos, em especial milho e farelo de soja, dois dos insumos mais utilizados em ração animal. As informações são da Dow Jones. 14 Agência Brasil. “ONU alerta para risco de crise alimentar mundial se preços não baixarem”. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-04/onu-alerta-para-risco-de-crise-alimentar-mundial-se-precos-nao-baixarem. Acesso em 13 mar. 2013.

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A grande maioria de cultivo das sementes de cereais provêm de organismos

geneticamente modificados – OGM cuja patente pertence à empresas privadas.

No caso do Milho, esse mercado é liderado pela Monsanto, que exige a assinatura

anual de um contrato antes do plantio, pelo qual o agricultor paga royalties.16

Segundo o Ministério da Agricultura Norte Americano, 88% do milho plantado

nos Estados Unidos em 2012 eram geneticamente modificados. No Brasil, esse número chega

a 67%.17

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, a produção

nacional de grãos, como um todo, deve chegar a 180,41 milhões de toneladas na safra

2012/201318, 14,23 milhões de toneladas a mais do que a safra 2011/2012.

Seria lógico dizer que o aumento da produção resultaria na baixa do preço do

grão. Porém não foi isso que aconteceu.

Nessa conjuntura de grande produção nacional, surgiu a inesperada, ou pelo

menos não prevenida seca, a qual assolou grandes produtores mundiais a exemplo de Estados

Unidos, Argentina, China e países do bloco Europeu; fazendo com que houvesse grande

procura e consequente aumento de preços nas commodities agrícolas, de forma que, em

especial, as commodities de milho e soja têm se transformado em um grande negócio.

Nesse contexto, grande parte da produção nacional tem escoado para países como

Estados Unidos e o bloco da União Europeia19, que tiveram quebra da safra pela seca, o que

aumentou a procura por esses grãos e consequentemente aumentou o preço, torando o

exportação um mercado atraente para os grande produtores, devido ao câmbio favorável às

vendas.

15 RFI Português. “Seca nos EUA é efeito das mudanças climáticas, diz especialista da ONU”. Disponível em: http://www.portugues.rfi.fr/geral/20120816-seca-nos-eua-e-efeito-das-mudancas-climaticas-diz-especialista-da-onu. Acesso em 15 mar. 2013. 16 Monsanto. “Híbridos transgênicos devem liderar mercado”. http://www.monsanto.com.br/sala_imprensa/includes/template_sala_imprensa.asp?noticiaId=73433343324434233342343423434344344437D114476115967D1769D5084D1763D05225354BC2. Acesso em 13 mar. 2013. 17 Globo.com. “Patentes de transgênicos da Monsanto no banco dos réus nos EUA”. Disponível em http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/01/patentes-de-transgenicos-da-monsanto-no-banco-dos-reus-nos-eua.html. Acesso em 15 mar. 2013. 18: BRASIL: Ministério da Agricultura. “Projeção da safra de grãos 2012/13 é de 180,41 milhões de toneladas”. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2013/01/projecao-da-safra-de-graos-201213-e-de-180-milhoes-de-toneladas. Acesso em 13 mar. 2013. 19 Prova disso é que os europeus, em geral contrários a produtos transgênicos, derrubaram no dia 28 de janeiro de 2013 barreiras a uma variedade geneticamente modificada semeada no Brasil.

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Prova disso é que a produção total de milho no Brasil, por exemplo, bateram um

recorde no ano de 2012, atingindo expressivos 72,98 milhões de toneladas20; dos quais 11,87

milhões de toneladas foram exportadas21, ou seja, 16,26 por cento, números que tendem a ser

ainda mais expressivos em 2013 diante da crescente demanda internacional, e podem colocar

o Brasil à frente da Argentina, segunda maior produtora, atrás somente dos Estados Unidos.

O problema maior está no fato de que não existe limitação por parte do governo

brasileiro, que não estabelece um teto para exportação, como acontece na Argentina e na

China.

Com efeito, sem esse controle sobre os embarques, não há garantia da oferta

interna, o que pressiona o mercado e o inflaciona.

O efeito disso é sentido com o aumento do preço das commodities no mercado

interno, o que termina por refletir em toda cadeira produtiva. Um bom exemplo foi o

noticiado caso dos 114 mil pintos enterrados vivos em Santa Catarina22, causado pela escassez

de milho no mercado, cujo valor da tonelada chega a U$ 275,00 dólares23.

Essa escalada de preço pode ter impactos ainda mais graves no mercado de

alimentos, gerada até mesmo pela falta das commodities no mercado interno, o que levaria a

um aumento nos preços dos produtos que possuem os grãos como base.

À par dessa situação, o governo brasileiro nada, ou muito pouco tem feito, no

sentido de garantir o abastecimento interno. A única política pública que podemos destacar é

o estoque criado pela CONAB a fim de garantir o chamado “milho de balcão”, que abastece

programas governamentais muito específicos e voltados somente para as regiões mais

afetadas, como é o caso do Nordeste brasileiro.

Assim, se mostra cada vez mais necessária uma intervenção por parte do governo

brasileiro por meio de políticas públicas capazes de assegurar o abastecimento interno.

Enquanto o governo não se movimenta, existe apreensão em várias áreas da

economia, que vão desde o agronegócio até a indústria.

20 BRASIL. Ministério da Agricultura. “Valor de produção do milho bate recorde em 2012”. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2013/01/valor-de-producao-do-milho-bate-recorde-em-2012. Acesso em 13 mar. 2013. 21Abramilho. “Rentabilidade da safrinha de milho: balanço de 2012” Disponível em: http://www.abramilho.org.br/noticias.php?cod=2345. Acesso em 17 mar. 2013 22 Globo.com. “Milhares de pintos são enterrados vivos em vala na Grande Florianópolis”. Disponível em: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2012/08/milhares-de-pintos-sao-enterrados-vivos-em-vala-na-grande-florianopolis.html.Acesso em 15 mar. 2013. 23 Globo.com. “Exportação de milho do Brasil bate recorde anual”. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/10/exportacao-de-milho-do-brasil-bate-recorde-seguira-forte-em-2013-1.html. Acesso em 15 mar. 2013.

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O milho traz a situação mais preocupante, pois embora tenha tido safra recorde no

ano de 2012, aproximadamente 70% da produção já estava comercializada no mês de julho24.

No ano de 2012 o preços do grão aumentou cerca de 17,24%, passando da média

de U$ 14,50 para R$ 17,0025 por bushel26. Esses valores podem ser ainda mais expressivos

caso ocorra outro evento climatológico no ano de 2013, sendo pertinente indagar: será que o

mundo está preparado para mais uma seca, como a que ocorreu no ano de 2012? Não

buscaremos responder a essa pergunta, embora acreditemos que não exista estoque de reserva

suficiente no mundo para manter a população alimentada por longos períodos.

Com base nessa premissa, podemos concluir que a produção anual de grãos e, em

sua maioria, consumida dentro daquele mesmo período em que é produzida, sendo esse um

problema ainda mais grave, para o qual não temos conhecimento da existência de políticas

públicas mundiais, muito menos brasileira.

De acordo com o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de

Brasil (Aprosoja Brasil), Glauber Silveira,

[...] o problema é que frente aos preços internacionais atraentes a tendência é um direcionamento natural da produção para mercado externo. A preocupação motivou uma reunião essa semana entre o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Homero Pereira, com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro, e entidades do setor do agronegócio. Conforme Glauber, se o governo adquirisse cerca de 2 milhões/t de milho seriam suficientes para minimizar a pressão sobre o preço local e o desabastecimento. Segundo o vice-presidente da Aprosoja MT, Naildo Lopes, as compras do grão já acontecem ainda na lavoura, até mesmo como forma de fugir dos aumentos semanais que vem acontecendo.27

24 Sistema FAEP: “Custo de produção de grãos em Guarapuava-PR”. Disponível em http://www.sistemafaep.org.br/arquivos/safra%202011.2012/Gr%C3%A3os%20Guarapuava%20PR%202011.2012.pdf. Acesso em 17 mar. 2013 25 Revista Globo Rural. “2013: Safra de R$ 300 bilhões”. Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/Revista/Common/0,,ERT328046-18282,00.html. Acesso em 17 de mar. 2013 26 Um bushel tem cerca de 25 Kg. 27 Centro Grãos. “Pode faltar milho no mercado”. Disponível em: http://www.centrograos.com.br/site/noticias2007.php?id=5826&mod=1&origem=2&estado=ypvvgijix. Acesso em 17 mar. 2013 “A alta é motivada principalmente pela quebra de safra das duas culturas nos Estados Unidos. Em razão desse cenário o governo deveria ter comprado o milho para garantir estoque de passagem, contendo assim a alta da commoditie aos consumidores internos”, “Segundo Lopes, as exportações aquecidas colaboram com a pressão de alta no mercado e a possível falta do produto futuramente. Na comparação com o mesmo período do ano de 2011, as exportações foram 6,3 vezes maiores. Em julho de 2011, o Brasil embarcou 271,6 mil toneladas de milho. O faturamento em julho deste ano chegou a US$ 423 milhões. O valor é 12 vezes maior que os US$ 35,2 milhões faturados em junho. Em relação a julho de 2011, o número é 5,2 vezes maior”. Explica Glauber Silveira, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Brasil (Aprosoja Brasil).

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Para o milho não foi diferente. No Brasil, a saca de 60 quilos de milho hoje varia

seu preço entre R$ 18 a R$ 30 reais, dependendo da região28.

4. CONCLUSÕES

O governo brasileiro tem importante papel na eliminação das restrições de

mercado existentes, principalmente, pela falta de políticas públicas. Assim, medidas de

intervenção estatal simples podem trazer grandes resultados econômicos.

À partir do momento que o governo cria políticas de controle de estoque; ou de

limitação da exportação de determinadas commodities; de controle de risco de preços e de

clima; de difusão do acesso à tecnologia moderna e acesso de infraestrutura de transporte,

portos e aeroportos; enfim, de estruturação da indústria nacional; o governo a prepara para

concorrência internacional, sem deixar de lado o mercado interno, conforme nos explica o Dr.

Eliseu Alves (2012).

No modelo atual de Estado social, o Estado surge como um agente de realizações

que se reportam principalmente ao domínio da economia, na qualidade de responsável pela

condução e operatividade das forças econômicas, antes relegadas ao talante individual.

As atividades privadas devem ser desenvolvidas de forma livre, desde que não

interfiram na ordem econômica. Contudo terminam por gerar problemas econômicos em

razão da concentração de capital, surgindo a necessidade de intervenção do Estado.

Essa intervenção direta também pode se dar de forma a incentivar ou estimular

determinado setor econômico que, por ventura, esteja em desequilíbrio. Para tanto, são

preciso investimentos, incentivos e planejamentos que estimulem sua evolução.

Assim, o direito passa a intervir no sentido de condicionar o exercício da vontade

privada a interesses condizentes com os princípios sociais, como a solidariedade, atribuindo

ao Estado papel de árbitro dos interesses econômicos e sociais e constituindo-o como um

agente de realizações por via normativa e administrativa, tendo, portanto, natureza positiva,

incorporando uma ação não subsidiária, mas conformadora do sistema socioeconômico.

Nessa concepção, há um entendimento do mercado não como uma situação

irracional de conflito permanente e anárquico de todos contra todos ao talante do

individualismo, mas como um sistema que resulte numa situação materialmente adequada

28 Notícias Agrícolas. “Indicador Cepea/Esalq - Milho” em 15.03.2013. Disponível em: http://www.noticiasagricolas.com.br/cotacoes/milho. Acesso em 17 mar. 2013.

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para cada um, ou seja, baseada em critérios da justiça social que se concretiza na melhoria da

situação dos mais desfavorecidos.

A norma jurídica surge aqui como o instrumento de correção e/ou controle da

atividade privada com vistas a garantir aquele mister.

Nesse modelo há uma escala de valores socioeconômicos próprios da intervenção

dos poderes públicos que variam de acordo com a conjuntura de dado momento histórico e

com expressão de uma decisão legislativa majoritária.

Contudo, é preciso reconhecer que se poderá arriscar uma tipologia

intervencionista oscilando entre a produção e distribuição de bens e serviços essenciais aos

consumidores/utentes, o desenvolvimento econômico e social de regiões mais atrasadas e o

benefício equitativo de certos estratos sociais.

Se a lei constitucional não fixa uma hierarquia rígida entre os valores

socioeconômicos mais relevantes, só se pode esperar respostas provisórias aos conflitos

socioeconômicos mais relevantes, sendo uma certa flutuação característica da intervenção na

economia.

Dessa forma, o modelo jurídico do Estado liberal traz o predomínio da autonomia

da vontade, na qual o interesse geral da comunidade não pode ser considerado numa

perspectiva transindividual, mas na soma dos interesses particulares, assumindo o liberalismo

econômico como agente civilizador.

A ordem pública econômica deve sofrer intervenções, legalmente previstas pela

Constituição da República de 1988, a fim de proteger o mercado interno.

Com efeito, resta necessário a intervenção estratégica do Estado na ordem

econômica com base no texto constitucional, a fim de proteger o mercado interno e

reequilibrar a economia do setor; sem, contudo, criar barreiras instransponíveis à livre

iniciativa.

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A CULTURA BUROCRÁTICA E O PREJUÍZO AO DESENVOLVIMENTO

NACIONAL

THE BUREAUCRATIC CULTURE AND NATIONAL DEVELOPMENT LOSS

Edimur Ferreira de Faria1

Renato Horta Rezende2

RESUMO

O presente artigo busca relacionar os modelos político-econômicos e os modelos de

Administração experimentados pelo País, traçando marcos políticos e temporais às tentativas

de reforma do aparelho estatal. Apesar da evidente evolução da filosofia Administrativa, este

trabalho examina a hipótese de, ainda hoje, haver resquícios dos modelos anteriores de

Administração convivendo dentro e fora da atual Administração Pública, fato este que

repercute em batalhas travadas entre práticas Patrimonialistas, e filosofias de cunho

Burocrático e Gerencial, causando prejuízos ao desenvolvimento nacional. O universo

observado para demonstrar a hipótese foi o confronto entre a Lei nº 12.462, de 04 de agosto

de 2.011, que, além de organizar os ministérios, também instituiu o RDC (Regime

Diferenciado de Contratação), objetivando maior eficiência e governança; e a Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 4.655/2.011, promovida pelo Procurador Geral da República,

Roberto Monteiro Gurgel Santos, que além de apontar supostas inconstitucionalidades é,

flagrantemente, contrário à redução do controle de procedimentos burocráticos.

Palavras chave: Lei 12.462/11; Gerencialismo; Burocracia; Governança; Controle; RDC

(Regime Diferenciado de Contratação).

ABSTRACT

This article seeks to relate the political-economic models and the Administration models

experienced by the country, delineating political and historical facts in which it is possible to

notice the attempts to reform the state apparatus. Despite the obvious evolution of

Administrative philosophy, this research works on the hypothesis that, even today, there are

still remnants of previous models inside an outside the Public, a fact that arises from

battlesconflicts between patrimonial practices, and Managerial and Bureaucratic philosophies,

causing losses to national development. The observed universe to demonstrate the hypothesis

the confrontation between the Brazilian Law 12462 of August 4, 2011, which, organizes

1 Mestre e Doutor, Professor da Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC Minas. 2 Advogado e pesquisador extensionista do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas - NUJUP.

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States Ministries and also establishe the DHR (Differential Hiring Regime), aiming to

increase efficiency and governance, and the Direct Action Unconstitutionality (ADI)

4655/2011, promoted by Brazilian’s Republic Prosecutor General Roberto Gurgel Monteiro

Santos, who points out the allegedsupposed unconstitutionality in addition to be deliberately

contrary to the control reduction of bureaucratic procedures.

Keywords: Law 12.462/11; Managerialism; Bureaucracy; Governance; Control; DHR

(Differential Hiring Regime).

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A evolução da organização político-econômica e do modelo de

Administração Pública. 3 As dimensões do modelo administrativo gerencial e a cultural

burocrática. 4 Os custos econômicos da cultura burocrática para o País. 5 Conclusão e

perspectiva para o gerencialismo diante da cultura burocrática persistente.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1.988, em seu art. 3º elencou quatro objetivos

fundamentais à República, que impõem ao Estado o dever de executar tarefas orientadas à

consecução de fins constitucionalmente fixados. Dentre os objetivos fundamentais destaca-se

a garantia do desenvolvimento nacional com foco primariamente econômico3, no sentido de

engrandecer o País para que o mesmo seja pólo industrial, comercial, tecnológico e

financeiro. Contudo o desenvolvimento não está isoladamente restrito a concepções

econômicas, sendo a esta conjugada também o desenvolvimento social, cultural e intelectual4.

A garantia do desenvolvimento nacional exige do Estado ações positivas capazes de

promover esse objetivo fundamental da República, tais ações poderão ser executadas

diretamente ou indiretamente, por meio de incentivos sociais e/ou econômicos,

regulamentação e promoção.

As ações positivas em prol do desenvolvimento somente despertaram no Brasil após

3 Bastos e Martins (1.988, p. 445) argumentam que os Estados Modernos estão constantemente em processo de desenvolvimento de suas forças, não havendo dúvidas que a ênfase costuma ser colocada no desenvolvimento econômico, apesar de não ser o único buscado, porque, sem recursos materiais não é possível manter-se escolas, hospitais, centro de lazer e cultura. 4 Congresso Pan-Americano de serviço social (1965, p. 17) Manoel Francisco Lopes Meirelles, chefe da delegação brasileira argumenta que “o crescimento econômico não é tudo e que o desenvolvimento, se há, inclui tanto o aumento com a diversificação do produto nacional bruto, e, concomitantemente, em situação de contexto, o progresso social, cultural e político de um povo”.

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a queda do Estado Liberal5, o início do desenvolvimento industrial e a instauração do modelo

Burocrático de Administração Pública. O intervencionismo6 desenvolvimentista que sucedeu

o Liberalismo tinha o Estado como principal agente direto de promoção social da econômica.

O modelo Burocrático possuía como objetivo a contenção de práticas Patrimonialistas7,

estabelecendo a dicotomia entre bens públicos e privados, essencial ao sistema capitalista.

O modelo político-econômico e o modelo de Administração Pública, acima

mencionados, conduziram o País à crise fiscal (1.979-1.994) e financeira em razão do

excessivo crescimento da máquina estatal, infindáveis investimentos financeiros em

atividades não monopolizadas, políticas protecionistas, assim como intervenção econômica

que não incentivavam a concorrência, exagerada burocracia arraigada em procedimentos que

dificultavam ou impediam o desenvolvimento industrial, comercial e econômico somada a

ineficiência administrativa financeira do Estado, e também ao seu elevado custo de

manutenção e distorções do modelo burocrático.

A Crise enfrentada pelo País possuía dimensões amplas e profundas, pois o Brasil

enfrentava, concomitantemente, a crise fiscal e financeira; a crise do modo de intervenção do

Estado; a crise burocrática; além do rompimento com o regime autoritário e a construção da

atual ordem democrática.

Para enfrentar a Crise (1.994-1.998), o país promoveu a refundação do Estado

reformulando políticas fiscais, econômicas, promovendo a reformulação do modelo de

Administração Pública e iniciando a transição do Estado intervencionista desenvolvimentista

para um Estado social-liberal (BRESSER-PEREIRA, 2.002, p. 39).

A transição do Estado intervencionista desenvolvimentista para o Estado social-

liberal era inevitável, pois o primeiro exigia recursos financeiros o qual o Estado não

dispunha, incorrendo em consequente inação da Administrativa frente às necessidades sociais.

Diante dessa consolidada situação político-econômica, a transição pretendia a reorganização

capaz de permitir o máximo de benefícios individuais e coletivos com a renda disponível,

imputando à Administração Pública o dever de agir com eficiência.

Apesar do sucesso dos ajustes que trouxeram estabilidade econômica ao País, a

cultura burocrática, ainda muito presente dentro e fora da Administração Pública, repercute

em prejuízo a governança, causando embates que também prejudicam o desenvolvimento

5 A referência do fim do Estado Liberal, neste texto é o crack da bolsa de Nova Iorque, em 1.929. 6 Fundamentado na escola Keynesiana que defende o fato de que o mercado não é capaz de se auto regulamentar e que o sistema capitalista também não é capaz de absorver toda a mão-de-obra disponível, sendo então imprescindível a intervenção econômica estatal através de políticas públicas ou integração ao mercado. 7 As principais práticas Patrimonialistas são: nepotismos, corrupção e corporativismo.

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nacional e o crescimento econômico do País, não sendo capaz de cumprir com seu objetivo de

afastar práticas Patrimonialistas, conforme se verá adiante.

2 A EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA E DO MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Welfare State brasileiro, iniciado em 1.930, é diferente do experimentado na

Europa8 e nos Estados Unidos da América9, primeiramente em razão do abismo econômico

que separavam essas economias da economia nacional, assim como os acontecimentos

políticos e sociais internos da europeia e americana no período entre Guerras, e em segundo

lugar, por ausência da homogeneidade dos setores de produção brasileiros.

O Estado do bem estar social nacional tinha como objetivo intervir na economia,

principalmente, por meio de controle de preços e proteção alfandegária do mercado

doméstico. Soma-se ao intervencionismo, a política desenvolvimentista em que o Estado

passou a ocupar parcela determinante do mercado com o fim de fomentar o desenvolvimento

nacional.

O modelo político-econômico intervencionista desenvolvimentista brasileiro exigia

clareza e aprofundamento na separação entre patrimônio público e privado, separação esta

determinante para a reorganização capitalista. Contudo, a filosofia Administrativa vigente

conservava o modelo Administrativo anterior, modelo este que não estabelecia, de forma

cristalina, a dicotomia entre patrimônio público e privado, pois, ainda na época colonial

(1.500–1.822) todo o território pertencia à Coroa Portuguesa, não sendo, portanto público; já

no Brasil Império (1.822-1.889) o patrimônio colonial brasileiro foi transferido para as mãos

do Imperador, inexistindo também bens públicos; com a instauração da Primeira República

(1.889-1.930) o patrimônio antes concentrado junto ao Imperador, passou ao controle das

Oligarquias, permanecendo inalterada a forma de Administração fundamentada no nepotismo,

na corrupção e no corporativismo, elementos que compõem o Patrimonialismo.

Em 1.930, com o início da Era Vargas (1.930-1.945) iniciou-se a implantação do

8 A Europa vivenciava o período entre guerras, que gerou grande instabilidade política, social e econômica, sendo alguns países como Alemanha e Itália tomados pelo radicalismo de extrema direita e outros países como França e Inglaterra influenciados por ideologias sociais. Porém, independentemente da ideologia política, o Estado passou a intervir diretamente na economia. 9 New Deal foi o nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depressão. Os principais itens do projeto político eram: investimento maciço em obras públicas, destruição dos estoques de gêneros agrícolas, controle sobre os preços e a produção e redução da jornada de trabalho.

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modelo Burocrático de Administração Pública10 que possuía como principal meta a

sobreposição ao modelo de Administração de Estado Patrimonialista.

O modelo Burocrático da Administração Pública brasileiro teve inspiração na teoria

formulada por Max Weber11 (1.922), construída em meio a um Estado liberal europeu e tendo

como parâmetro as principais organizações de sua época, e também a Igreja e o Exército.

O referido modelo weberiano foi idealizado para que sua implantação ocorresse em

um Estado Liberal, cujas atribuições Administrativas são reduzidas, e não um Estado

intervencionista desenvolvimentista, como o que se iniciava em terras brasileiras após 1.930.

Apesar do anacronismo, o modelo de Administração Pública Burocrática foi

implantado, objetivando extirpar as práticas patrimonialistas, propondo para tanto: a

impessoalidade, a racionalidade, o rígido controle dos procedimentos e a estrita obediência às

regras no âmbito da Administração Pública.

Fundamentado na teoria weberiana, a Burocracia Administrativa então hasteou a

bandeira contra o nepotismo e corrupção, reconhecendo a separação entre patrimônio público

e privado e estabelecendo controle passo-a-passo das atividades executivas com intuito de

evitar corrupção e nepotismo.

Buscando a implantação do modelo político-econômico intervencionista, já alinhado

ao modelo Burocrático que surgia, forma publicadas normas jurídicas que pretendiam

organizar os institutos de aposentadorias e pensões, e regularizar o trabalho, consolidado em

1.943, o Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio (DRAIBE, 1.989. p. 08).

Outra medida de destaque, de cunho intervencionista foi a criação da

Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), por meio do Decreto-lei nº 7.293, de 02 de

fevereiro de 1945, que recebeu as funções imediatas de exercer o controle sobre o conturbado

mercado financeiro e de combater a inflação que ameaçava o País, bem como preparar o

cenário para a criação de um banco central.

Entretanto, como aduz GOULDNER (1.945 apud BRESSER-PEREIRA, 2.002, p.

49), o pressuposto da eficiência e da racionalidade instrumental do modelo Burocrático não se

revelou real, pois o Estado Social e Econômico que se desenvolveu no século XX exigia mais

que o Estado Liberal, ideologicamente.

10 Bresser-Pereira (2002, p.164-165) Esclarece que a reforma burocrática teve início na Europa no século XIX fruto de um regime autoritário liberal, enquanto a reforma burocrática brasileira ocorreu no século XX em um regime autoritário intervencionista. 11 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do Capitalismo. 2ª Edição revisada. São Paulo: Cengage Learning. 1.999.

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As atribuições estatais intervencionistas foram agigantando, contudo o rigor

burocrático excessivo comprometia o desenvolvimento nacional pretendido, fato este que

culminou com a edição do Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1.967, cujo objetivo era a

criar uma Administração Pública indireta mais flexível e capaz de viabilizar a governança12.

O referido Decreto-lei, divisor de águas no Direito administrativo, além do caráter

desenvolvimentista também visava responder a crescente demanda de atividades sociais

atribuídas ao Estado, que exigiam maior especialidade, agilidade e flexibilidade.

Nesse momento o Brasil abandonava o modelo Administrativo burocrático ortodoxo

(BATISTA JÚNIOR, 2.004, p.76) e passava a adotar como princípios básicos, a

descentralização, planejamento, coordenação e delegação de competência fundada na

autonomia da Administração Pública Indireta, sem perder, contudo o foco burocrático no

desejado controle das atividades desenvolvidas e na autorreferência.

O Decreto-lei nº 200/67, ao estabelecer princípios basilares da Administração

Pública Federal, criou novos instrumentos gerenciadores, porém, não conseguiu alforriar a

Administração Pública da essência burocrática, como se pode apontar na análise da estrutura

fundada na rigidez hierárquica (arts. 8º e 9º), a consagração rígida e inflexível da forma (arts.

15 a 18) e do processo (art. 13), que predominava sobre o resultado objeto da norma.

O governo militar, verificando a maior viabilidade de gerenciamento da

Administração indireta, que antes da atual Constituição Federal de 1.988, era mais articulada

e menos presa às amarras burocráticas, passou a contratar funcionários sem a realização de

concursos públicos facilitando a sobrevivência de práticas patrimonialistas (nepotismo e

corrupção), direcionando grande parte dos recursos financeiros do Estado para o

desenvolvimento da Administração Pública indireta ao passo que a Administração Pública

direta foi sendo sucateada (BRESSER-PEREIRA, 2.002, p. 172-173).

Porém, no final da década de setenta, o País atravessou a segunda crise do petróleo,

caracterizado pela perda de capacidade do Estado de coordenar o sistema econômico de forma

a complementar o mercado (Ibidem, p. 40), principal modus operandi em um Estado

intervencionista desenvolvimentista. A partir de então inúmeras críticas surgiram ao Estado

social-burocrático desenvolvimentista em razão do desequilíbrio econômico e social,

associada à crônica crise fiscal que culminou com a instituição do Programa Nacional da

Desburocratização da Administração Pública, Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1.979,

12 Segundo Diniz (1.997, p. 196), a governabilidade refere-se às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício do poder em uma dada sociedade relacionando-se a legitimidade, enquanto Governance diz respeito a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas.

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destinado a dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública Federal.

Inexistindo, verdadeiramente, um Plano Diretor de Reforma que compreendesse o

aparelhamento Administrativo, bem como instituísse o novo modelo político-econômico, o

isolado Programa Nacional da Desburocratização da Administração Pública não conseguiu

superar a crise que possuía múltiplas razões, vindo o Brasil a vivenciar um período de quinze

anos (1.979-1.994) de estagnação da renda per capita e de assustadora inflação.

Durante o longo período de estagnação, vários planos econômicos13 tentaram, em

vão, inçar o País. Contudo, sem grande sucesso já que não possuíam estratégias eficazes de

combate amplo aos aspectos que desencadearam a crise.

Os ajustes de ordem econômica foram iniciados no governo Itamar Franco, com a

implantação do Plano Real, por meio da Medida Provisória nº 434, de 23 de fevereiro de

1.994, que dispunha sobre o Programa de Estabilização Econômica, o Sistema Monetário

Nacional, a instituição da Unidade Real de Valor (URV), além de outras providências.

O governo seguinte, Fernando Henrique Cardoso, deu prosseguimento ao Plano

econômico vigente, procedendo reformas profundas por meio do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado que compreendia ajustes fiscais, alteração da política monetária,

desvalorização cambial, implantação de políticas compensatórias, Reforma Administrativa,

além de iniciar a transição de um Estado intervencionista que realiza diretamente o

desenvolvimento econômico-social, para um Estado Liberal-social14 que atua indiretamente

regulando e facilitando do desenvolvimento econômico e social, de forma eficiente e

gerencial.

Os ajustes econômicos realizados com êxito compreendem comportamentos perenes,

como os desenvolvidos ainda hoje pelo governo federal, possuindo como grande aliada a Lei

Complementar nº 101, de 4 de maio de 2.000, Lei de Responsabilidade Fiscal. Apesar do

êxito das políticas econômicas e do modelo político-econômico, social-liberal, o mesmo não

ocorreu com a Reforma do Aparelho do Estado, iniciada com a edição da Emenda

constitucional nº 19, de 04 de junho de 1.998.

A reforma administrativa pretendia maior flexibilidade da Administração Pública que

se daria com a ampliação da discricionariedade; o combate às práticas patrimonialistas por

meio da transparência administrativa e participação social; o combate à ineficiência por meio

13 Plano cruzado (decreto-lei nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1.986); Plano Bresser (Decretos-Lei 2.335/87, 2.336/87 e 2.337/87); Plano Verão (Medida Provisória nº 32/89, convertida na lei 7.730, de 31 de janeiro de 1.989); Plano Collor (Medida Provisória nº 168/90, convertida na Lei 8.024, de 12 de abril de 1.990). 14 Existem autores como Diniz (1.997) que entendem que a reforma do parelho estatal promovida em 1995 compreende uma nova forma de Liberalismo, denominada neoliberalismo.

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do controle de resultados; combate a inação com a criação de quase mercados em que haveria

concorrência funcional e premiação à versatilidade; redução do Estado à prestação direta de

determinados serviços e atribuições de Estado, bem como à promoção e financiamento de

serviços sociais e científicos, devendo a Administração afastar-se da participação no mercado

de demais bens e serviços.

A Reforma Administrativa possui três dimensões (BRESSER-PEREIRA, 2.002, p.

217), sendo elas: institucional, cultural e de gestão, não estando concluída nenhuma de suas

dimensões, fato este que, justifica embates prejudiciais ao desenvolvimento nacional de

ordem cultural e de gestão frente à cultura burocrática arraigada dentro e fora da

Administração Pública.

3 AS DIMENSÕES DO MODELO ADMINISTRATIVO GERENCIAL E A CULTURAL BUROCRÁTICA

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado apresentado pelo então Ministro

Luiz Carlos Bresser-Pereira, no Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), define três

dimensões que compreendem a Reforma Gerencial: institucional, de gestão e cultural.

A dimensão institucional abrange a regulamentação constitucional,

infraconstitucional e infralegal objetivando alcançar as pretensões gerenciais por meio de

normas que atendam a parâmetros de eficiência financeira, flexibilidade, controle de

resultados, orientação pelo cidadão, participação social e a criatividade.

A reforma de gestão tem como objetivo reduzir o tamanho do Estado no sentido de

estabelecer setores cuja participação é efetiva e direta, setores em que a participação é indireta

alcançando financiamento ou promoção, e setores reservados, exclusivamente, ao mercado.

Outra face importante da dimensão de gestão relaciona-se a ampliação da qualidade

dos serviços postos a disposição, assim como as ações vinculadas e destinadas a atender as

necessidades sociais.

Contudo, para a instalação efetiva e eficaz da Reforma é necessário que a cultura

gerencial substitua a cultura burocrática pulverizada e cada vez maior15 dentro e fora da

Administração Pública.

Como apresentado anteriormente, o modelo Burocrático foi introduzido no Brasil

visando conter o modelo Patrimonialista de Administração de Estado, pretendendo afastar

15 Segundo o Relatório de Burocracia: custos econômicos e propostas de combate (DECOMTEC, 2010, p. 7-8), no período compreendido entre 2008 a 2010 houve um crescimento da burocracia em países como Brasil, Venezuela, Argentina, Índia e Rússia.

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práticas contrárias aos princípios republicanos, principalmente a corrupção e o nepotismo.

Entretanto, segundo dados da Organização Transparency International publicados

em 2012, é grande o índice de percepção pela população brasileira da corrupção e da

impunidade16 no setor público, tanto Administrativo quanto político. Esse sentimento

demonstra que o modelo Burocrático jamais conseguiu, efetivamente, realizar o seu intento

principal.

A relevante relação entre corrupção e impunidade no País força a outra conclusão

antagônica à primeira, também presente na opinião pública, qual seja, necessidade de maior

rigor no controle dos procedimentos, instrumento burocrático, para se evitar a corrupção, pois,

ocorrido o fato, os autores estariam protegidos pelo manto da impunidade.

Nesse sentido, segundo BRESSER-PEREIRA (2.002:335) a cultura burocrática está

profundamente instalada no Brasil, sendo para muitos, equivocadamente, tratada como

sinônimo de administração profissional e controle de moralidade.

Todavia, apesar do modelo Burocrático ser “em si, de família boa” (SUNDFELD,

2.012, p. 87), frise-se mais uma vez que, esta não foi capaz de impedir a corrupção, muito

antes pelo contrário, pois o enrijecimento de procedimentos acabou criando um ambiente

propício para a corrupção, decorrente das inúmeras exigências formais e da complexidade dos

procedimentos que estimulam tanto tentativas diretas de subornos e propinas, a fim

desobstruir os negócios, como a inserção das empresas na economia informal (DECOMTEC,

2.010, p. 14-15), estabelecendo assim uma espécie de simbiose entre as práticas

patrimonialistas e o modelo burocrático.

Apesar de contrariar os fatos, a cultura burocrática arrimada sobre uma desconfiança

total possui repercussão que extrapolam os limites da Administração Pública alcançando o

Poder Judiciário, como se pode perceber dos fundamentos da ADI 4.655/2.011 proposta pelo

Procurador Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, em face da Lei nº 12.462,

de 04 de agosto de 2.011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas

(RDC) e reestruturou os ministérios do governo federal, arguindo inconstitucionalidades

formais e materiais.

Em que pese acreditar na inconstitucionalidade formal da norma impugnada,

verifica-se, como pano de fundo, a batalha travada entre a tentativa governamental de

16 O Índice de Percepção da Corrupção classifica os países e territórios com base em quão corrupto seu setor público é percebido pela população em geral. A pontuação de um país ou território indica o nível de percepção de corrupção no setor público em uma escala de zero a cem, em que zero significa que um país é percebido como meio altamente corruptos. A classificação de um país indica a sua posição em relação aos outros países e territórios incluídos no índice. Índice deste ano inclui 176 países e territórios, estando o Brasil na posição de nº 69º.

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implantação institucional do modelo Gerencial visando a governança e a resistência cultural

burocrática que pretende o maior controle sobre os procedimentos.

O modelo Gerencial defendido pelo governo exige maior atribuição discricionária à

autoridade Administrativa trazendo dinamismo e agilidade à atividade executiva, sendo

necessária a confiança limitada administrativa, a eficiência financeira e o controle de

resultados.

Independente da suposta inconstitucionalidade atribuída à Lei nº 12.462/2.011, certo

é que a norma pretende conceber ao administrador a discricionariedade necessária para

execução, em tempo hábil, dos objetivos pretendidos com a consagração do RDC.

Contudo, não se verifica na ADI apenas o posicionamento contrário à suposta

inconstitucionalidade da norma objeto, mas também a resistência a maior discricionariedade

atribuída ao administrador fundado na desconfiança total, sentimento que compõe a cultura

burocrática17.

A desconfiança total apresentada tem fundamento nas experiências de

(des)organizações experimentadas como, por exemplo, nos Jogos Pan-Americanos de 2.007,

realizado na Cidade do Rio de Janeiro18, experiências essas desenvolvidas sob a égide de um

rígido controle de procedimentos burocráticos, não gerenciais.

A crítica à contratação integrada é outro bom exemplo contido na ADI 4.655/2.011

da batalha cultural, pois são apresentados argumentos contrários à contratação integrada

regulada pelo art. 9º da Lei nº 12.462/11 que disciplina a possibilidade de contratação

conjunta de projeto básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a

montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e

suficientes para a entrega final do objeto.

A crítica contraria a contratação integrada do RDC é contraditória, pois tem como

premissa a condição de que é mais adequado19 o procedimento contido na Lei Geral de

Licitações, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1.993, apesar do diagnóstico conclusivo que atenta

17 “Não há, reitere-se, qualquer parâmetro legal sobre o que seja uma licitação ou contratação necessária aos eventos previstos na lei, outorgando-se desproporcional poder de decisão ao Poder Executivo.” (ADI nº 4.655, 2.011, p.13-14) 18 “A experiência, de resto, mostra o risco que essa delegação representa para o patrimônio público. Por ocasião dos Jogos Pan-Americanos de 2007, a União, Estado e Município do Rio de Janeiro não conseguiram organizar-se e identificar as obras e serviços que deveriam ser realizados. Essa foi uma das razões para que o orçamento inicial do evento, de 300 milhões de reais, tenha sido absurdamente ultrapassado, com um gasto final na ordem de 3 bilhões de reais.” (Ibidem, p.14) 19 “Se assim o é em relação a um projeto básico de baixa qualidade com muito mais razão se justifica tal entendimento quando a contratação da obra e/ou serviço não se faz preceder de projeto básico, tal como se dá na empreitada global da Lei nº 12.462.” (Ibidem, p. 40-41)

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para o fato corriqueiro20 da existência de projetos básicos de má qualidade que ao serem

executados causam prejuízos ao erário, pressupondo que mesmo inábil, a desconfiança total

ainda seria o melhor meio de se evitar a dilapidação do patrimônio público21 (sic).

Ocorre que, se o prejuízo ao erário decorre da deficiência do projeto básico que

orienta a execução, a solução certamente não estaria na desconfiança total, mas sim na

condição do criador do projeto conseguir executar o que criou, sendo vedada adesão a aditivos

complementares, fórmula esta encampada pela contratação integrada do RDC, conforme art.

9º, §4º da Lei nº 12.462/11, fato este que trará economia ao erário e rapidez no

desenvolvimento da atividade, consagrando a economia financeira.

Mantendo-se inalterado o projeto básico quando da formulação do projeto de

execução, excetuando os casos previstos em lei, em regra, não haveria surpresas decorrentes,

tornando a atividade financeiramente eficiente em atenção ao princípio Republicano.

O mesmo raciocínio22 também é desenvolvido quando abordado o tema sobre a pré-

qualificação permanente23 em que experiências burocráticas24 servem como fundamento para

desqualificar o modelo gerencial, perpetuando um sentimento de temor ao novo e manutenção

de um modelo burocrático cujos seus próprios exemplos não o sustentam.

Uma das relevantes críticas ao modelo Burocrático é o exagerado apego ao controle

de procedimentos independentemente do alcance do objetivo que justifica a própria existência

do procedimento controlado. Esse posicionamento estabelece uma dicotomia entre a

governança e o controle.

O controle pretendido pela Procuradoria da República25 restringe ao controle de

procedimentos, controle burocrático, que distingue o processo de seu objetivo, criando dois

mundos que não se comunicariam juridicamente quando de fato são indissociáveis, causando

prejuízos financeiros que reduzem a capacidade de governança e redunda em inação de

políticas sociais.

20 REsp 1.057.539/RS; REsp 585.113/PE. 21 A Advocacia Geral da União (2.011, p. 21), em manifestação sobre a ADI nº 4.655/2011, questiona o falso êxito atribuído a Lei n° 8.666/93 no atendimento ao seu desiderato e que as mudanças em sua estrutura seriam desnecessárias, mesmo em face dos eventos esportivos de grande porte a serem realizados no país. 22 “O Tribunal de Contas da União já constatou, nesse modelo de pré-qualificação, inúmeras, tais como, direcionamento de certames, conluio entre os participantes e sobrepreços, dentre outras. (ADI nº 655, 2.011, p.27) 23 Vide art. 29 da Lei nº 12.462/11. 24 “Observa-se que essa análise do TCU foi feita em face de pré-qualificação disciplinada pela Lei nº 8.666, que, em seu art. 114, a admite apenas quando ‘o objeto da licitação recomende análise mais detida de qualificação técnica dos interessados’” (ADI nº 4.655, 2.011, p. 29) 25 “Como está fora de discussão a relevância de ambos os eventos [Copa da FIFA e Olimpíadas], a mera referencia a necessidade a eles vinculadas não oferece limitação alguma ao exercício da competência administrativa.” (Ibidem, p. 14)

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O questionamento judicial que extrapola questões tecnicamente afetas à

constitucionalidade da norma, pretendendo a avaliação jurídica sobre tema filosófico-

administrativo, não entregue, legitimamente, à jurisdição, atinge a filosofia da Administração

por não estar adstrita apenas à adequação legal, mas por pretender também a declaração

jurisdicional do retorno à filosofia cultural burocrática por acreditar ser melhor a cultura

burocrática, ainda que, fracassada em razão da sua ineficiência financeira e insucesso em

conter práticas Patrimonialistas que o modelo instituído em 1.998 por meio da EC nº 19.

O Governo de Dilma Vana Rousseff (PT), assim como de seu antecessor, Luiz Inácio

Lula da Silva (PT), apesar das críticas ao Governo de Fernando Henrique Cardoso, dá

prosseguimento ao Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado desenvolvido no

governo do PSDB mantendo rígido o controle fiscal e monetário restritivo, flexibilizando a

Administração Pública, reduzindo o Estado e o afastando da produção de bens e serviços para

o mercado, conforme verificado no RDC e também na terceirização dos aeroportos26 e

portos27 brasileiros, em prol da governança.

4 OS CUSTOS ECONÔMICOS DA CULTURA BUROCRÁTICA PARA O PAÍS

A cultura burocrática influente e muito presente no país opõe resistência à edição

legislativa e interpretações gerenciais mantendo acesas duas chamas, uma gerencial, formal e

institucionalmente inicialmente implantada com a Reforma Administrativa de 1.998 e outra,

burocrática que sobrevive em razão da crença cultural inconsciente de seus defensores28.

A cultura burocrática impede a construção dimensional da gestão, da produção

legislativa gerencial e compromete o desenvolvimento econômico e social da nação na

medida em que os custos decorrentes do excessivo processo de controle e exigência reduzem

a capacidade do mercado de se desenvolver na velocidade mundial e da Administração de

gerir a res pública, ocasionando como consequência menor PIB per capita, desincentivo ao

setor de produção, crescimento da economia informal, perda da capacidade de

competitividade no mercado e perda social em razão do dispêndio decorrente do

comprometimento do erário com procedimentos inúteis.

Segundo o Departamento de Competitividade e Tecnologia (2.010, p.33) –

26 Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1.986 (Código Brasileiro da Aeronáutica); Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2.005 (Lei de criação da ANAC); Lei nº 11.079, de 30 d dezembro de 2.004 (Lei das PPP – Parceria Público Privado) e Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1.995 (Lei de Concessões). 27 Medida Provisória nº 595, de 06 de dezembro de 2012. 28 Sundfeld (2.012, p.90) atribui a esta dicotomia fática à qualidade “bipolar” ao Direito Administrativo.

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DECOMTEC – da FIESP o custo médio da burocracia no Brasil era estimado, em 2009, entre

1,47% a 2,76% do PIB, isto correspondia a R$46,3 bilhões e R$86,7 bilhões.

Além do custo governamental direto para manutenção da burocrática, esta também

possui efeito cascata atingindo o mercado, o Estado e a sociedade em virtude da rigidez e

complexidade dos procedimentos que incentiva a informalidade causando minimizando o

crescimento econômico devido ao receio da fiscalização, que por sua vez provoca a perda da

arrecadação tributária, redução da oferta de emprego, estímulo à corrupção e a sobrecarga

tributária aos formalmente constituídos a fim de manter a burocracia e seus instrumentos.

A alta carga tributária e a lentidão29 nas decisões administrativas comprometem o

poder de competitividade da produção interna frente ao mercado exterior e investimentos em

inovação, pesquisa e tecnologia, diminuindo a eficiência da produção de conhecimento no

país.

As ramificações burocráticas são tão vastas que atingem até mesmo a gestão do

ensino escolar, já que os diretores de escolas públicas de ensino dispensam diariamente

parcela de seu tempo para tratar de assuntos burocráticos e burocratizados, consumindo

também recursos públicos que poderiam ser mais bem empregados em prol da educação

(DECOMTEC, 2010, p.24).

Assim além do procedimento burocrático reduzir o gerenciamento Administrativo

em razão das amarras provenientes da desconfiança total, rigidez dos procedimentos e

controle passo-a-passo, também reduz a governança e o desenvolvimento nacional, pois a

burocracia não tem compromisso com os objetivos Administrativo, sendo em si,

autorreferente e descompromissada com a economicidade, com os resultados e com o

atendimento adequado as demandas sociais.

5 CONCLUSÃO E PERSPECTIVA PARA O GERENCIALISMO DIANTE DA CULTURA BUROCRÁTICA PERSISTENTE

Constitui objetivo fundamental da República de 1.988 a garantia do desenvolvimento

nacional, desenvolvimento esse que abraça concepções distintas relacionando-se com o

desenvolvimento, social, cultural e político, possuindo, entretanto, o desenvolvimento

econômico como principal elo instituidor.

Em virtude da crise econômica de 1.929, o Brasil rompeu com o Estado Liberal e

com o modelo de Administração de Estado Patrimonialista, tendo iniciado na Era Vargas

29 O Brasil ocupa a 130º posição, em um universo de 185 países, no ranking da pesquisa Doing Business 2.013, que avalia a facilidade de se realizar negócios em vários países do mundo (easy of Doing Bussiness).

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(1.930-1.945) a implantação do Estado do bem estar social brasileiro, bem como a

implantação do modelo de Administração Pública Burocrática, inspirada nas lições de Marx

Weber (1.922).

Contudo, frente ao anacronismo tanto da organização política econômica como do

modelo burocrático de Administração Pública, no final da década de 1.970, a Crise

generalizada instaurou-se no país vindo a estagnar o desenvolvimento nacional por quinze

anos (1.979-1.994).

Novamente frente à outra crise econômica, neste momento também fiscal e

financeiro, o País transitou do modelo político-econômico intervencionista

desenvolvimentista, que buscava o desenvolvimento por meio de ações diretas do Estado na

economia, para o atual modelo social-liberal, ao qual o Estado reduziu suas atribuições

estabelecendo níveis de intervenção estatal na economia, elencando setores em que a

intervenção se daria de forma direta e monopolizada, outros em que a intervenção possuiria

características de fomento e uma terceira em que não haveria intervenção direta do Estado;

além de um rígido controle da economia de mercado e a implantação do atual Plano

econômico, o Plano Real (1.994).

O modelo político-econômico desenvolvido necessitava de instrumentos para

efetivar suas propostas, sendo promovida a Reforma Administrativa com intuito de viabilizar

a implantação do estado Liberal-social, consonante aos objetivos de uma administração

responsável financeiramente, flexível e voltada a atender as necessidades sociais.

Em 1.998, foi publicado a EC nº 19 que introduziu a Reforma do aparelho do Estado

e a implantação institucional do modelo Administrativo Gerencial, que nos termos do Plano

de Diretor compreendiam três dimensões: A institucional iniciada com a Emenda

Constitucional, a de gestão que compreende ações governamentais voltadas a gerencia, e a

cultural que compreende a internalização dos conceitos e objetivos a guiar as anteriores

dimensões.

Após quase quinze anos da publicação da EC nº 19/98, a cultura burocrática

permanece latente e crescente produzindo embates dentro e fora da Administração Pública,

repercutindo em entrave a expansão da cultura Gerencial, ampliação da normatização e

gestão.

Esta condição mantém formalmente uma Administração Pública Gerencial instituída

pela referida emenda constitucional e outra que compõe e expande a cultura Burocrática.

Esta batalha travada mantém uma Burocracia perversamente onerosa ao país capaz

de comprometer diretamente entre 1% a 2% do PIB, além de prejuízos indiretos ao próprio

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Estado e, também, ao desenvolvimento nacional em sentido amplo.

As culturas Burocráticas assim como as práticas Patrimonialistas

permanecerão vivas na Administração Pública. Contudo, para que o Gerencialismo continue

sua jornada é necessário que a sociedade compreenda os prejuízos que a burocracia causa ao

desenvolvimento nacional e passem a inadmitir procedimentos burocráticos exagerados e

inúteis, assim como inadmite a corrupção, o nepotismo e corporativismo, passando a exigir do

administrador e do representante político uma Administração Pública eficiente, responsável e

comprometida com o desenvolvimento nacional.

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A DEFESA DA CONCORRÊNCIA E A CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

THE DEFENCE OF COMPETITION AND THE CONCRETION OF THE PRINCIPLES OF CONSTITUTIONAL ECONOMIC ORDER

João Bosco Leopoldino da Fonseca*

Aendria de Souza do Carmo**

RESUMO: Os princípios da Ordem Econômica Constitucional, como integrantes de um

sistema, se compatibilizam e interagem com os fundamentos e objetivos da Constituição

Política. A livre concorrência contribui para a garantia desses fundamentos, objetivos e

princípios. Proteger a livre concorrência significa proteger tais princípios, objetivos e

fundamentos, função essencial dos órgãos de defesa da concorrência. O presente artigo tem

por finalidade demonstrar que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),

órgão de defesa da concorrência no Brasil, no desempenho de suas funções tem cumprido tal

mister. A análise de julgados do CADE, tanto na atuação preventiva como na repressiva,

permitiu concluir que esse órgão vem cumprindo essa missão.

PALAVRAS-CHAVE: Defesa da Concorrência; Princípios da Ordem Econômica;

Concretização; Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE.

ABSTRACT: The Constitutional Economic Order principles, as a system, are consistent and

interact with the fundamentals and objectives of the Constitution. The free competition

contributes to the fulfillment of these fundamentals, objectives and principles. Thus,

protecting the free competition ensures that such principles, objectives and fundamentals be

pursued by antitrust agencies. This article aims to make evident that the Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE), the antitrust agency in Brazil, has fulfilled

such a task. According to the analysis of cases decided by CADE, both in preventive action as

in the repressive, we may say that this organ has been performing his duty.

KEY WORDS: Defence of Competition; Principles of Economic Order; Concretion; Administrative Council for Economic Defense-CADE.

* Professor Titular aposentado na UFMG, Ex-Conselheiro do CADE, Juiz Federal aposentado, Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Membro do Brasilcom, Membro do IBRAC, Professor voluntário na UFMG, Advogado. ** Mestranda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Advogada.

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1

2. ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA ...... 2

3. DECISÕES DO CADE E A PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ...................................................................................... 18

3.1. Processos Administrativos ............................................................................................. 19

3.1.1. O Cartel de Britas ...................................................................................................... 20

3.1.2. Abuso de posição dominante – Caso UNIMED ......................................................... 22

3.2. Atos de Concentração .................................................................................................... 23

3.2.1. Fusão Antárctica e Brahma - AMBEV ...................................................................... 23

3.2.2. Aquisição da Man pela Volkswagen .......................................................................... 25

4. CONCLUSÃO .................................................................................................................. 26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 27

1. INTRODUÇÃO

O disciplinamento da Ordem Econômica constitucional brasileira é objeto do título

VII, denominado “Da Ordem Econômica e Financeira” no art. 170 e seguintes da Constituição

da República de 1988, destacando-se os princípios ali previstos, aos quais estão submetidos

todos os destinatários da Ordem Econômica.

Os destinatários dos preceitos da Ordem Econômica são os sujeitos de Direito

Econômico, quais sejam: todos os que participem de relações econômicas, como o Estado, as

empresas, os indivíduos, os organismos nacionais, internacionais e comunitários, públicos ou

privados e os representantes de interesses coletivos.

A atuação do Estado como agente Econômico pode dar-se nas formas previstas nos

arts. 173 e 174 da Constituição da República, dentre as quais tem relevo a regulação da

atividade econômica realizada por meio de órgãos competentes.

Os órgãos encarregados de regular a atividade econômica e assim concretizar os

princípios expressos e implícitos da Ordem Econômica constitucional, dentre os quais a livre

concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico, devem observar os demais

princípios e fundamentos constitucionais, já que a Constituição é um sistema harmônico.

Na regulação da atividade econômica tem destaque o Conselho Administrativo de

Defesa Econômica – CADE, órgão instituído há mais de 50 anos e integrante do Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência, hoje disciplinado pela Lei nº 12.529/2011. Partindo-se

do pressuposto de uma economia de mercado, tem esse órgão a missão de exercer a regulação

econômica, atuando na prevenção e repressão ao abuso do poder econômico, visando à

garantia da livre concorrência.

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Será objeto do presente estudo a defesa da concorrência em face da concretização

dos Princípios da Ordem Econômica Constitucional, bem como dos fundamentos

constitucionais contidos no art. 1º do texto constitucional. Para tanto será analisada a Ordem

Econômica Constitucional, o surgimento e a implementação da proteção da livre concorrência

no Brasil. Em seguida serão analisadas decisões do CADE a fim de averiguar se de fato esse

órgão tem pautado sua atuação com vistas à garantia e concretização dos princípios da Ordem

Econômica Constitucional e dos fundamentos constitucionais contidos no art. 1º da

Constituição de 1988.

2. ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA

O termo ordem traz em seu cerne o sentido de organização, de ordenação, ou seja,

seleção de elementos compatíveis e direcionados a uma finalidade.

A Ordem Jurídica e a Ordem Econômica, como se depreende dos ensinamentos de

Max Weber,1 são distinguidas com base na diferença do que deve ser e do que de fato ocorre,

sendo que para esse autor a Ordem Jurídica é a esfera do ideal, do dever ser e a Ordem

Econômica está na esfera dos acontecimentos reais, na esfera do ser.

A diferença entre Ordem Jurídica e Ordem Econômica assemelha-se à diferença

entre a Economia e o Direito, qual seja: a força cogente do direito, estranha à economia, bem

como a finalidade, o objeto e o ramo da ciência do qual se ocupam economia e direito.

A Ordem Econômica compõe-se de princípios harmônicos fornecidos pela Ciência

Econômica; funda-se na explicação dos fatos econômicos, tanto teóricos como práticos;

dirige-se aos acontecimentos econômicos e traduz o sistema e o regime econômico;

transparece a forma e o regime de produção, distribuição e circulação dos bens econômicos,

tratando das relações de mercado; não é cogente. Registre-se que o termo Ordem Econômica,

passou a ser utilizado pelos juristas após a segunda metade do século XX, quando da

juridicização do fato econômico.

A Ordem Jurídica, por sua vez, é o conjunto harmônico de normas coercitivas

orientadoras da conduta humana e social. Sendo ordenadora da vida social a Ordem Jurídica é

também Ordem Política.

1 Sobre a abordagem de Max Weber relativa a Ordem econômica e a Ordem Jurídica confira: FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 83-89 e GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 58-88.

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A vida social e política não estão apartadas da vida econômica, isso porque o fato

econômico é também social e político, pois floresce e se desenvolve no seio de determinada

sociedade e traduz a ideologia dessa sociedade. Entretanto, os textos jurídicos somente se

ocuparam do fenômeno econômico a partir da metade do século XX.

Uma vez juridicizado o fato econômico, a Ordem Econômica torna-se integrante da

Ordem Jurídica e a partir daí o Direito passa a reger a Ordem Econômica nos termos,

princípios e fins por ele regulados.

A Ordem Econômica Constitucional é, assim, uma parcela da Ordem Jurídica e

muito se aproxima do conceito de Constituição Econômica.

A previsão de normas de natureza econômica nos textos constitucionais estrangeiros

surgiu, especialmente em decorrência da concentração capitalista e após o advento da

Primeira Guerra mundial, quando se tem o marco da juridicização do fato econômico, com o

surgimento do ramo do Direito denominado Direito Econômico.

O disciplinamento econômico no texto constitucional deu origem à chamada

Constituição Econômica. A Constituição Econômica não é constituição nova e também não

implica rompimento ou decomposição em núcleos isolados e autônomos da Constituição

política, isso porque a Constituição econômica se enquadra dentro da reunião de valores

jurídicos, políticos e econômicos do texto constitucional, sendo também produto da ideologia

constitucional2.

Assim, a Constituição Econômica integra-se no contexto da Constituição e

caracteriza-se pela presença do econômico no texto constitucional. A partir da ideologia

constitucionalmente definida é que se devem estabelecer as bases para a política econômica

do Estado na legislação infraconstitucional3.

Nesse passo, os princípios gerais da Constituição política passam a limitar e a

orientar a ação econômica.

A primeira Constituição a disciplinar o fenômeno econômico foi a Constituição

Mexicana de 5 de fevereiro de 1917, fruto da Revolução Mexicana que se iniciou em 1910.

Essa constituição inseriu no debate constitucional as questões relativas aos direitos sociais e à

2 Como adverte SOUZA (2005, p. 9-13), esse entendimento, embora majoritário, não é unânime existindo uma gama de doutrinadores que sustentam ser a Constituição Econômica estanque e autônoma do texto constitucional. 3 Nesse sentido veja: SOUZA, Washington Peluso Albino de Souza. Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

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função social da propriedade, tratando com destaque os direitos dos trabalhadores e a reforma

agrária.

Em 1919 após o conflito da primeira grande guerra, sob a influência das lutas por

direitos sociais e trabalhistas, surgiu a Constituição de Weimar, constituição alemã que tinha o

claro propósito de buscar a transformação social. Composta por duas partes, na primeira, era

disciplinada a organização do Estado e na segunda parte encontravam-se prescritos os direitos

fundamentais, sociais e econômicos, como o direito ao trabalho (art. 163), a proteção ao

trabalho (art. 157), o direito à assistência social (art. 161), o direito de sindicalização (art.

159), o direito à educação e à cultura (arts. 142 a 150). Disciplinava e controlava a vida

econômica, por meio da função social da propriedade (arts. 151 a 165) (BERCOVICI, 2005,

p. 14-15). Os preceitos dessa Constituição foram inseridos nos textos constitucionais de

diversos países.

Seguindo o exemplo internacional, o Brasil, que também sofria os efeitos da ausência

de regulamentação jurídica da economia, teve sua primeira constituição econômica em 1934,

inserindo no texto constitucional de 1934, no titulo IV, arts. 115 a 143, o disciplinamento da

Ordem Econômica e Social, sendo previstos: a) os direitos trabalhistas, b) a limitação da

liberdade econômica, que a partir de então somente poderia ser exercida dentro dos limites da

justiça e da dignidade, c) o fomento da economia popular e a vedação à usura4.

A Constituição de 19375, seguindo a ideologia econômica contida na Constituição

imediatamente anterior, em seu artigo 141, determinou o fomento da economia popular por

meio de lei, equiparou os crimes contra a economia popular a crimes contra o Estado e previu

punição pela prática de usura.

O art. 141 da Constituição de 1934 foi regulado pelo Decreto – Lei 869/19386, de

autoria do criminalista Nelson Hungria, considerado a primeira legislação brasileira de

4 Registre-se que antes da inserção do fomento da economia popular e da vedação da usura na Constituição de1934 havia sido editado no Brasil o Decreto nº. 22.626/1933 - Denominado Lei de Usura, que enfrentou a questão crítica das exorbitantes taxas de juros praticadas pela desapiedada agiotagem praticada especialmente por particulares, pois ainda era precária a atuação de Bancos. Assim, foi tipificado como crime a cobrança de taxas de juros superiores ao percentual de 12% ao ano. Nesse período, de economia predominantemente agrária, verificou-se perda de imensas propriedades por conta de juros altíssimos. 5 Considerando o objeto do presente estudo, não será aqui tratado todo o conteúdo de todas as constituições econômicas brasileiras, limitando-se a apenas declinar os preceitos constitucionais e infraconstitucionais que estão ligados à instituição e modificação da defesa da concorrência voltada para seu órgão eminente: o CADE, bem como aos princípios da Ordem Econômica previstos na Constituição de 1988. 6 O Decreto 869/1938, no que se refere à defesa da Concorrência, não teve ampla aplicabilidade, como relata FONSECA (2007, p. 51): “Malgrado a amplitude destes dispositivos, eles não foram executados. Um exame da jurisprudência e de livros de doutrina revelou só um caso em que os dispositivos antitruste do decreto-lei foram executados, e isto ocorreu não em um processo judicial, mas em um parecer do Consultor-Geral da República respondendo a uma consulta da Standard Oil Company of Brazil. No parecer, o então consultor-Geral da República, Dr. Aníbal Freire, opinou que algumas cláusulas no contrato que a Standard Oil celebrou com

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proteção da concorrência, no qual foram enumerados os crimes contra a economia popular,

quais sejam: açambarcamento de mercadorias (art. 2º, IV), manipulação da oferta e da procura

(art. 2º, I e II), fixação de preços mediante acordo entre empresas (art. 3º, I), dentre outros.

Adite-se que tais ilícitos permanecem na legislação brasileira vigente de defesa da

concorrência, Lei nº 12.529/2011, art. 36, sendo, no entanto infrações contra a Ordem

Econômica e não tipos penais, à exceção da prática de cartel que continua sendo tipificada

como crime na lei nº. 8.137/1990.

A proteção da concorrência no Brasil, assim, surgiu em razão do fomento à economia

popular. Ou seja, o fundamento do surgimento da proteção da concorrência no Brasil não se

assemelha ao fundamento geral do surgimento da proteção da concorrência nos demais

Estados, qual seja: o liberalismo econômico e a concentração empresarial que gerou os

trustes.

Em 22 de junho de 1945 foi promulgado o Decreto-Lei nº 7.666, de 22 de junho de

1945, chamado Lei Malaia, de exígua duração, já que revogado em 29 de outubro de 1945,

poucos dias após a deposição de Getúlio Vargas.

Esse instrumento normativo, de autoria do Ministro da Justiça Agamemnon

Magalhães, representou grande avanço na sistematização e técnica jurídica da matéria

concorrencial no Brasil, já que definia de maneira firme, técnica e sistemática institutos

concorrências e conceitos até à época imprecisos, como o conceito de empresa. Característica

marcante do Decreto Lei nº 7.666/1945 foi a alteração da repressão penal dos ilícitos

econômicos para a repressão administrativa, tratando a questão não mais como ilícitos

contrários à economia popular, mas à economia nacional (FORGIONI, 2012, p. 101-106).

A mudança de foco da repressão penal para repressão administrativa teve como

consequência a previsão, no Decreto-Lei nº 7.666/1945, de criação de um órgão específico

para cuidar da defesa da concorrência no Brasil, a Comissão Administrativa de Defesa

Econômica (CADE), subordinada ao presidente da república, composta pelo Ministro da

Justiça, que a presidia, pelo Procurador-Geral da República, pelo Diretor-Geral da CADE,

pelos representantes dos Ministérios do Trabalho e da Fazenda, pelos representantes das

classes produtoras e por um técnico em economia e finanças.

proprietários de postos de gasolina foram ilícitas. O Presidente Getúlio aprovou o parecer e despachou: Aprovado. A consulente deve modificar seus contratos e instruções no sentido de submeter-se à lei que define os crimes contra a economia popular (Vide 20 de março de 1939, Diário Oficial da União, Sec. I, pp. 6276-6277). O Decreto-Lei nº 869 teve repercussão no campo de regulamentação dos preços e supressão dos artifícios e fraudes na venda de mercadorias, mas não a teve no campo dos abusos de natureza antitruste. A nosso ver um fator que contribuiu sensivelmente para este desuso encontra-se no fato de que não se cuidou de criar um órgão especializado com competência para executar os dispositivos antitruste do Decreto-Lei nº 869”.

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A CADE tinha a incumbência de verificar a existência de atos contrários aos

interesses da economia nacional, notificar as empresas para a cessação de atos ilícitos e, em

caso de não cumprimento das suas determinações, aplicar a intervenção nas empresas.

Cumpre registrar ainda, que o nacionalismo e o protecionismo à empresa nacional

foram características marcantes do Decreto-Lei nº 7.666/1945, que teve inspiração em caso

concreto de ataque desleal e predador à empresa brasileira e à concorrência nacional por

empresa internacional.

A doutrina especializada recorrentemente atribui ao episódio ocorrido com o

industrial cearense Delmiro Gouveia a motivação do Ministro da Justiça Agamemnon

Magalhães para propor o projeto que culminou com a edição do Decreto-Lei nº 7.666/1945

por Getúlio Vargas.

Delmiro Gouveia é considerado um grande industrial e progressista brasileiro, que

idealizou um cenário no qual a agricultura combinada com a tecnologia poderiam transformar

a realidade econômica e social, como o fez na localidade de Pedra, região situada na

confluência de quatro estados (Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco), servida por ferrovia e

banhada pelo rio São Francisco, que contava com apenas 5 casas modestas e nenhuma

indústria quando ele lá chegou.

Delmiro Gouveia, a partir de um fio d’água da Cachoeira de Paulo Afonso criou uma

verdadeira civilização no sertão, impulsionando o desenvolvimento econômico e social, com

preservação ambiental e valorização do trabalho humano. A história revela que, em sua época

(1893-1917) sua indústria mantinha creche, educação formal a seus funcionários, manutenção

de energia elétrica em todas as residências do Distrito de Pedra e eram respeitadas as jornadas

de trabalho de 8 horas diárias com descanso semanal, dentre outros feitos. No que tange à

questão concorrencial formadora do pensamento de Agamemnon Magalhães, os registros

históricos retratam que Delmiro Gouveia construiu uma fábrica de algodão, fabricando linhas

de costura, as linhas Estrela.

As empresas Estrela, da a sua qualidade e resistência, imediatamente se expandiram

e conquistaram o mercado brasileiro e latino-americano, até então dominado pela empresa

britânica Machine Cotton e suas controladas (atual Linhas Corrente).

A Machine Cotton tentou de todas as formas adquirir a empresa Estrela. Entretanto,

enquanto esteve vivo Delmiro Gouveia resistiu a todas as investidas. Em razão dessa

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resistência a Machine Cotton empreendeu diversos ataques7 para eliminar a concorrente

(empresa Estrela), não logrando, contudo, êxito.

Com a morte misteriosa de Delmiro Gouveia, que teve seu corpo jogado no rio São

Francisco, seus herdeiros venderam a empresa Estrela à Machine Cotton. Essa, tão logo

adquiriu a empresa Estrela, determinou a destruição de todos os equipamentos e o descarte

desses no rio São Francisco. Essa prática de adquirir empresas para depois destruí-las ou

sucateá-las e assim absorver sua participação no mercado foi vedada no art. 1º e incisos do

Decreto-Lei nº 7.666/1945 e ainda é objeto de dispositivo específico da legislação brasileira

como se verifica da Lei nº 6.404/1976, bem como se depreende da atual lei de concorrência

brasileira.

Adveio a Constituição de 1946, cujo texto repetia termos do Decreto-Lei nº

7.666/1945. Esse texto constitucional ao disciplinar a Ordem Econômica e Social,

condicionou a liberdade de iniciativa à valorização do trabalho humano, determinando que a

Ordem Econômica fosse organizada conforme os princípios da justiça social (art. 145).

A Constituição de 1946 consolidou a intervenção estatal na economia como forma de

corrigir os desequilíbrios causados pelo mercado e como alternativa para desenvolver os

setores que não interessavam à iniciativa privada. Foi modificado o foco da proteção da

economia popular para assumir um compromisso com a ordem econômica nacional,

inaugurando uma nova fase no direito da concorrência brasileiro partindo-se do texto

constitucional (BERCOVICI, 2005, p. 25).

A Constituição de 1946 referiu-se expressamente à coibição de ajustes empresariais

ilegítimos e danosos ao mercado e à reprimenda do abuso do poder econômico, contendo a

noção de proteção ao consumidor. Em seu art. 148 previa que: “A lei reprimirá toda e

qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de

empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os

mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”.

Esse dispositivo, associado aos princípios da ordem econômica, contidos no art. 145

resultaria numa legislação de cunho não apenas repressivo, mas também preventivo e de

orientação dos agentes econômicos, como de fato constou no Projeto de lei nº 122/48, de

autoria de Agamenon Magalhães e que se tornou a Lei nº 4.137/628.

7 Sobre os ataques empreendidos pela Machine Cotton contra a empresa Estrela confira-se o estudo realizado pela FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO relativo a Delmiro Gouveia disponível em www.fundaj.gov.br. Acesso em 04 mar. 2013. 8 Durante a longa tramitação do projeto de Lei nº 122/48 foram promulgadas as Leis nº 1.521 e 1.522 de 26 de dezembro de 1951, que qualificavam os crimes contra a economia popular e criavam a Comissão Federal de

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A lei nº 4.137/1962, que regulamentou o art. 148 da Constituição de 1946, enumerou,

em extenso rol, as formas de abuso do poder econômico. O âmbito de aplicação dessa lei era

amplo, vez que estavam submetidos a seus preceitos todos os agentes que explorassem

atividades econômicas com fins lucrativas (art. 6º). Registre-se que a lei vigente de

concorrência, lei nº 12.529/2011, é ainda mais ampla, no que tange aos sujeitos a ela

submetidos, vez que a ela se submete também os agentes sem finalidade lucrativa, fundações

e órgãos públicos.

Objetivando concretizar a promoção e defesa da concorrência, foi criado no cap. II,

art. 8º e seguintes, da Lei nº 4.137/1962, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica –

CADE, com sede no Distrito Federal e com jurisdição em todo o território nacional,

diretamente vinculado à Presidência do Conselho de Ministros, com a incumbência de apurar

e reprimir os abusos do poder econômico e composto por um presidente e quatro conselheiros.

Entretanto, à época da vigência da Lei nº 4.137/1962, não existia cenário político,

econômico e social propício a livre atuação da iniciativa privada, o que é imprescindível para

a efetiva implementação da promoção e defesa da concorrência.

Ademais, a existência de uma lei de concorrência não se traduz necessariamente em

um regime de concorrência efetiva, ela é apenas um elemento da política de concorrência.

Com efeito, quando da promulgação da Lei nº 4.137/1962 o Brasil estava sob a forte

influência da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que estava

voltada para o desenvolvimentismo e a industrialização da América Latina.

Sob influência da CEPAL, o Estado passa a ser o agente responsável pelo

desenvolvimento econômico e social, ou seja, incorpora o pensamento social reformador,

passando, ainda, a ser ele, o Estado, o agente responsável pela transformação das estruturas

econômicas e pela promoção da industrialização.

Com o advento do golpe militar de 1964 e com a promulgação da Constituição de

1967, o desenvolvimento econômico foi erigido a fundamento da Ordem Econômica

Constitucional, sendo também prevista a repressão ao abuso do poder econômico, com a

recepção da Lei nº 4.137/1962.

A grande preocupação estatal durante o regime militar foi a segurança nacional, o

aperfeiçoamento das condições de funcionamento e a expansão da empresa privada nacional e

Abastecimento e Preços (COFAP). A promulgação dessas leis teve como efeito o entendimento de muitos no sentido de que o artigo 148 da constituição já estava regulamentado. Entendimento esse que implicava em retrocesso da finalidade contida no texto constitucional voltado à higidez da ordem econômica e não apenas destinada a proteger a economia popular. Esse entendimento foi superado e aprovado o Projeto de Lei nº 122/48, com a promulgação da Lei nº 4.137/1962.

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internacional, o que levou a evidente favorecimento estatal à concentração empresarial e à

formação de conglomerados. Aliás, era de interesse do Estado a concentração empresarial,

para concorrer no mercado internacional, onde já avultavam grandes grupos econômicos.

Esse período foi marcado pelo financiamento estatal da empresa privada, pela

constituição de monopólios estatais e pela presença de grandes empresas públicas voltadas a

desenvolver atividades típicas de mercado. Também foi caraterística desse período a ampla

intervenção do Estado na economia por meio de forte controle de preços e o combate à

inflação que assolava o país.

Diante desse cenário a defesa da concorrência não tinha elementos para se

desenvolver, pois estavam ausentes pressupostos mínimos que permitissem o livre jogo das

forças de mercado na disputa pela clientela, pois não havia: a) multiplicidade de agentes

econômicos disputando o mercado de forma livre e desembaraçada, b) livre formação do

preço pelo agente privado; c) estabilidade econômica que possibilitasse ao órgão de

concorrência averiguar a oscilação do preço; d) enfim, faltava a efetiva economia de mercado.

Assim, a Lei nº 4.137/1962, teve sua eficácia reduzida. Em seu período de vigência a

atuação do CADE foi de pouca relevância. Veja-se que ao largo de 13 anos (1962 a 1975) o

CADE julgou somente 11 processos (FORGIONI, 2010, p. 112-124).

A inibir a ação eficiente do CADE sob a regência da Lei nº 4.137/1962, soma-se ao

cenário político e econômico da época a submissão do órgão de defesa concorrencial ao chefe

do Executivo e aos ministros de Estado, vez que seu presidente era exonerável ad nutum e

suas decisões estavam submetidas ao Ministro da Justiça, comprometendo assim a

imparcialidade nos julgamentos, principalmente quando na análise de condutas ilícitas em

estivessem presentes empresas integrantes da Administração Pública.

O cenário político, econômico e social, internacional e nacional, começou a se

modificar, tanto pela convicção de que a maciça presença do Estado na economia era

prejudicial ao desenvolvimento tecnológico, econômico e social, ou por restar constatada a

ineficiência do Estado como agente econômico direto e como provedor social.

Voltou-se a atenção para estudos direcionados aos meios e modos de se

desburocratizar a Administração Pública e devolver à iniciativa privada as atividades

impropriamente exercidas pelo Estado, clamando-se nacional e internacionalmente por uma

economia de mercado9.

9 Sobre atividades próprias e impróprias do Estado ver a obra de: MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 322 e seguintes.

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Assim, iniciou-se o plano nacional de desburocratização pelo Decreto nº. 8.340/79 e

por uma diversidade de atos normativos de incentivos à pequena e micro empresa10.

Estava assim aberto o caminho para as mudanças constitucionais e

infraconstitucionais do papel do Estado na economia que possibilitassem a economia de

mercado, com a previsão constitucional dos princípios da livre iniciativa, livre concorrência,

defesa do consumidor, repressão ao abuso do poder econômico, valorização do trabalho

humano, pleno emprego, dentre outros.

Foi então promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que

traz em seu bojo toda uma gama de disposições que redefinem o papel do Estado, deixando

ele de ser o grande empreendedor econômico para ser o fomentador, fiscalizador, e planejador

da economia, intervindo somente em situações excepcionais de imperativos de segurança

nacional ou relevante interesse coletivo, art. 173 e 174 da CR/88.

A Livre Concorrência que pela primeira vez tornou-se princípio expresso da Ordem

Econômica Constitucional, art. 170, IV, foi claramente prevista como instrumento para

garantir a todos existência digna, como ensina Paula Forgioni (2012, p. 186):

O texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato de a concorrência ser, entre nós, meio, instrumento para o alcance de outro bem maior, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. José Alexandre Tavares Guerreiro, mesmo antes do advento da Constituição de 1988, já via a proteção da concorrência como serviçal de um bem maior, o interesse coletivo, de ordem pública. A disciplina da concorrência, no Brasil, surge, como anotamos no segundo capítulo, em contexto de proteção da economia popular (cf. Decreto-lei 869, de 1938, e Decreto-lei 7.666, de 1945), o que, sem sombra de dúvidas, já lhe atribui caráter instrumental, ainda que vinculado à economia popular e ao consumidor. O caráter instrumental da proteção da concorrência permanece na atual Constituição, que manda reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art. 173, § 4º), em atenção ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV). Ordena, também, que seja reprimido o aumento arbitrário de lucros (art. 173, §4 ), conforme o princípio da defesa do consumidor (art. 170, V). Essa proteção, entretanto, vai inserta no fim geral e maior, em obediência ao caput do art. 170 e ao art. 3º.

Instaura-se se assim a economia de mercado que está imbricada no ordenamento

jurídico e econômico, influenciando e sendo influenciada por todos os agentes econômicos e

princípios e fundamentos contidos na Constituição da República, sendo correto o seguinte

desenho da relação constitucional dos sujeitos ou atores sociais em face da Ordem Econômica

Constitucional:

10 Sobre o papel das micro e pequenas empresas na desburocratização ver a obra: REQUIÃO, Rubens. Direito Comercial, v I, p. 86 e seguintes.

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A concorrência, de fato, é instrumento para assegurar a existência digna, nos ditames

da justiça social, a proteção dos interesses da coletividade e da ordem pública e acarreta a

proteção dos demais princípios da Constituição Econômica, objetivos e fundamentos da

Constituição Política.

Pois bem, instaurada a nova Ordem Constitucional restava concretizar seus ditames.

Entretanto, à época da promulgação da Constituição de 1988, o CADE era integrante

da Administração Publica Direta Federal, sem autonomia e pouco eficiente, pois o órgão não

possuía ferramentas para garantir a concretização dos princípios da nova Ordem Econômica,

que também recepcionou a nº Lei nº 4.137/1962.

Incentivava-se a abertura do mercado brasileiro com clara intenção de deixar o

mercado livre e autorregulador.

Entretanto, o liberalismo absoluto do mercado também é nocivo (HUNT, 2001), pois

os agentes econômicos tenderão sempre a perseguir o lucro de forma egoística e ilimitada,

sendo imprescindível a efetiva atuação do Estado fiscalizando-os, regulando-os e punindo-os

quando abusarem de seu poder econômico e/ou quando lesionarem o consumidor no

desempenho de sua atividade. Ademais, o mercado sofre crises cíclicas, não sendo crível o

afastamento integral do Estado que tem o dever de garantir a sobrevivência dignidade de seus

cidadãos.

Assim eram necessárias medidas urgentes para dar efetividade à defesa e promoção

da concorrência no Brasil. Promoção essa que, por si, é um meio de controlar o mercado e

seus agentes.

MERCADO

Normas de direito

econômico - Direito da

Concorrência - arts.

1º, 3º, 170 e

seguintes da

Constituição.

Consumidores

Empresas

Meio Ambiente

Estado

Cidadãos

Trabalhadores

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Em 10 de maio de 1990, com a publicação do Decreto nº 99.244, foi criada a

Secretaria Nacional de Direito Econômico, que tinha como competência apurar, prevenir e

reprimir o abuso do poder econômico, por intermédio do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica CADE.

Em 08 de janeiro de 1991, por meio da Lei nº 8.158/1991, objetivou-se dar maior

celeridade ao processo administrativo de apuração das práticas que violassem a Ordem

Econômica atribuindo à Secretaria Nacional de Direito Econômico do Ministério da Justiça,

competência para apurar e propor as medidas cabíveis para defesa da concorrência.

A partir de então existia a dualidade de órgãos para garantir a defesa da concorrência,

já que a Lei nº 8.158/1991 não revogou a Lei nº 4.137/1962. O CADE, que passou a funcionar

junto à SNDE, em seu papel preventivo julgava os atos de concentração e em seu papel

repressivo julgava as condutas anticompetitivas, enquanto a SNDE instaurava e instruía os

processos a serem julgados pelo CADE.

A SNDE dava ao CADE pessoal técnico e suporte administrativo, percebendo-se um

melhoramento técnico nas decisões de relevância nacional emanadas pelo CADE a partir de

então.

A falta de autonomia do CADE continuava sendo um entrave ao pleno

desenvolvimento de suas competências legais, impossibilitando a plena defesa da

concorrência e viabilizando o uso político do órgão. Isso ficou evidente quando, em 1992,

ocorreu a mudança de governo e “não obstante o CADE continue sua atuação destinada a

coibir o abuso do poder econômico, esta acaba sendo sufocada, na imprensa, pelo triste papel

que a Lei Antitruste passa a desempenhar no contexto econômico brasileiro: instrumento de

ameaça de retaliação por parte do governo federal contra determinados setores da economia”.

Demais disso, alguns julgados do CADE relativos a atos de concentração deixaram a pecha de

“tribunal político” corroendo a credibilidade do tribunal de concorrência (FORGIONI, 2012,

p. 120).

Em 11 de junho de 1994 foi promulgada a Lei nº 8.884/94 que revogou os demais

diplomas relativos à defesa da concorrência, convivendo com ela somente a Lei nº 8.137/1990

que prevê os ilícitos concorrenciais penais. Registre-se que a previsão da prática de cartel,

como ilícito penal, prevista na lei 8.137/1990 permanece em vigência, já que não foi revogada

pela vigente lei de concorrência de nº 12.529/2011.

A Lei nº 8.884/94 reformulou por completo o sistema de defesa da concorrência, vez

que: a) transformou o CADE em autarquia; b) atribuiu-lhe destinação orçamentária específica;

c) deu estabilidade aos conselheiros e ao procurador geral do CADE, atribuindo-lhes

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mandatos e determinando a exoneração somente nos termos autorizados pela lei de

concorrência; d) embora não tenha utilizado o termo SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência), a Lei nº 8.884/94 criou um verdadeiro sistema de Defesa da Concorrência,

tanto sob o ponto de vista material como instrumental, prevendo de forma sistematizada e

coordenada os princípios, as condutas vedadas, e os órgãos integrantes do Sistema de Defesa

da Concorrência; e) estabeleceu a coexistência de três órgãos na defesa da concorrência

atribuindo competência a cada um, quais sejam: o CADE (Conselho Administrativo de Defesa

Econômica) continuava como tribunal administrativo julgando os processos administrativos

relativos às condutas anticompetitivas e os atos de concentração, a SDE (Secretaria de Direito

Econômico) vinculada ao Ministério da Justiça com funções de instaurar e instruir o processo

administrativo, e a SEAE (Secretaria de Acompanhamento econômico), vinculada ao

Ministério da Fazenda, com a função de emitir parecer em atos de concentração.

Antecedente e simultaneamente à promulgação e vigência da lei nº 8.884/94 o Estado

brasileiro buscava a estabilização econômica, com o combate à inflação e estabilização da

moeda, bem como a fixação e regulação de preços pelas regras de mercado, pondo fim, regra

geral, ao tabelamento de preços e à intervenção do Estado em sua formação. Objetivos esses

alcançados somente após 1994, mediante a edição do Plano Real, objeto da Medida Provisória

nº 434, de 27 de fevereiro de 1994.

A redução do papel do Estado na atividade econômica empresarial foi gradativa, e

somente com o advento das privatizações foi possível perceber um real afastamento do Estado

da vida empresarial. Privatizações essas iniciadas após a criação do Plano Geral de

desestatização, instituído pela Lei nº 8.130/1990, revogada pela Lei nº 9.491/97 que

modificou o procedimento a ser aplicado nas privatizações.

Com esse afastamento o Estado, regra geral, passou a fiscalizar, regular e fomentar a

economia. A regulação foi percebida com o advento das agências reguladoras, autarquias

especiais, instituídas pelo ente político competente, com atribuições de regular e fiscalizar a

prestação de serviços públicos, sendo que a primeira agência reguladora federal foi criada em

26 de dezembro de 1996, pela Lei nº 9.427, destinada a regular o serviço de energia elétrica

(ANEEL).

A regulação da atividade econômica, independentemente do setor ou da atividade, se

privada ou relativa aos serviços públicos, desde a promulgação da carta de 1988, é de

competência dos órgãos de defesa da concorrência, no qual se enquadra o CADE. Em razão

do novo cenário econômico e da promulgação da Lei nº 8.884/94 percebeu-se a efetiva

competição e a efetiva defesa da concorrência.

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As decisões do CADE se aprimoraram sob o ponto de vista técnico e o sistema

ganhou credibilidade perante a sociedade, tanto pelo reconhecimento social, advindo

principalmente pela promoção e educação da concorrência realizada pelos órgãos de defesa

econômica, quanto por seu rigor técnico reconhecido, inclusive quando da apreciação dos

julgados do CADE pelo Poder Judiciário.

Um exemplo do aumento significante da quantidade de julgados pode ser observado

se comparados os quantitativos dos julgados desde a criação do CADE:

Tabela 1 - Casos Julgados pelo CADE de 1963 a 2004

JULGADOS 1963-1990 1991-1994 1994 - 2004

Atos de Concentração 0 30 3200

Processos Administrativos 117 128 230

Total 117 158 4.130

Fonte: Elaborado pelos autores com dados extraídos dos relatórios divulgados pelo CADE nas revistas de Defesa da Concorrência e nos relatórios anuais. Tabela 2 – Casos julgados pelo CADE de 2000 a 2012

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Fonte: CADE. Cade em números. Disponível em http://www.cade.gov.br. Acesso em 1º fev. de 2013.

A defesa da concorrência no Brasil assim foi amadurecendo e se aprimorando, como

reconhecido inclusive pelos organismos internacionais como ficou consignado nos estudos da

OCDE publicados em 2005 e 2010, relativos à lei de defesa da concorrência brasileira e a

atuação dos respectivos órgãos.

Considerando os benefícios de uma eficiente defesa da concorrência, e buscando

aprimorar essa defesa, a prática demonstrou necessidades de alterações da Lei nº 8.884/94,

que foram efetivadas. Alterações essas que alcançaram seus objetivos, vez que geraram

efeitos concretos, como a celebração de acordos de leniência; apuração e punição de cartéis,

aprimoramento na análise de atos de concentração, dentre outros (OCDE, 2010, p. 80).

Nos estudos publicados pela OCDE em 2005 e 2010, relativos à aplicabilidade da lei

de defesa da concorrência brasileira, foram efetuadas sugestões de modificação legislativa

inerentes, especialmente, à estrutura e às competências de cada órgão do SBDC, a fim de

liminar a sobreposição de funções, a onerosidade e a demora na apuração e no julgamento.

A demora da resposta do CADE gerava, ano a ano, um indesejável estoque de casos.

Esse estoque, em razão do efeito negativo gerado pela demora no posicionamento

administrativo, era nocivo ao sistema, principalmente se estando sob análise relações de

mercado que não ficam imutáveis sem causar efeitos, sociais e mercadológicos, enquanto o

órgão não se posiciona.

A OCDE (2010) quantificou os atos do SBDC no período de 2004 a 2009 a fim de

demonstrar a necessidade de modificação da legislação com o objetivo de atribuir celeridade

ao SBDC.

As tabelas abaixo, extraídas do estudo da OCDE (2010, p. 45-46) demonstram os

casos a cargo da SDE, já que ela era a competente, na vigência da Lei nº 8.884/94, para apurar

e instruir os processos administrativos. Esses dados permitem concluir que ocorreu acúmulo

de casos sem conclusão na SDE, que congestiona e prejudica o Sistema.

Tabela 3 – Procedimentos Administrativos

2004 2005 2006 2007 2008 2009*

Recebidos 163 154 172 120 181 146

Concluídos 60 128 131 126 186 143

*Até setembro Fonte: OCDE, 2010, p. 45-46.

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Tabela 4 - Averiguações Preliminares

2004 2005 2006 2007 2008 2009*

Instauradas 33 32 10 19 76 85

Concluídas 15 29 11 50 76 41

*Até setembro Fonte: OCDE, 2010, p. 45-46.

Tabela 5 - Processos Administrativos

2004 2005 2006 2007 2008 2009*

Instaurados 36 18 17 16 18 36

Concluídos 29 37 8 34 58 19

*Até setembro

Tabela 6 - Casos enviados ao CADE e estoques de 2006-2008

2006 2007 2008

Casos enviados ao CADE* 21 90 134

Estoque* 396 341 300

*Inclui tanto as averiguações preliminares quanto os processos administrativos Fonte: OCDE, 2010, p. 45-46.

Recebidos os atos no CADE, também foi constatada demora significante no

julgamento e aumento de estoque de casos que, segundo o órgão foi decorrente, dentre outros

motivos, do aumento da quantidade e da complexidade dos casos submetidos ao Conselho

(OCDE, p. 47). As tabelas abaixo demonstram, em números a atuação do CADE e a atuação

conjunta CADE e SDE (OCDE, 2010, p. 47).

Tabela 7 - Tempo médio de tramitação dos casos no CADE (em dias)

2005 2006 2007 2008 2009

453 423 261 268 409

Fonte: OCDE, 2010, p. 47.

Tabela 8 - Tempo de tramitação dos casos na SDE e no CADE

Tempo na SDE

(em dias)

Tempo no CADE

(em dias)

Total

Areia para a construção 479 359 838

Serviços de Segurança 1.066 355 1.421

Britas 493 230 723

Ambev (programa de fidelidade) 1.031 861 1.892

Fonte: OCDE, 2010, p. 47.

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Também apurou a quantidade de atos de concentração analisados pelo CADE, e a

atuação da SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) que tinha a função de emitir

pareceres em atos de concentração, função exercida também pela SDE.

Tabela – 9 Atos de concentração analisados sob o procedimento sumário no

SBDC

2005 2006 2007 2008 2009*

Porcentagem de procedimentos sumários

em relação ao total

n/a 68% 68% 65% 63%

Dias na SEAE n/a 17 15 20 21

Dias no CADE 56 45 43 42 35

Fonte: OCDE, 2010, p. 49.

Observe-se que no que tange aos procedimentos sumários ocorreu uma redução no

tempo de análise o que gera uma redução para o tempo de análise para os demais atos de

concentração.

Tabela 10 - Tempo médio de análise – Todos os atos de concentração

2005 2006 2007 2008 2009*

Dias na SEAE/SDE 161 120 105 104 135

Dias no CADE 81 64 48 50 45

Total 242 184 153 154 180

*Até outubro Fonte: OCDE, 2010, p. 49.

Analisar os dados constantes das tabelas transcritas e os estudos da OCDE é

relevante, haja vista que as alterações contidas na Lei nº 12.529/2011, em larga medida,

seguiram as sugestões daquele órgão, inclusive em relação a mais expressiva mudança legal

atinente à estrutura da defesa da concorrência no Brasil.

Com efeito, a mais proeminente mudança do SBDC é estrutural, pois foi extinta a

SDE. A SEAE se tornou competente para a promoção da concorrência, sendo-lhe retirada a

competência para atuar em atos de concentração. A competência para instaurar, instruir, e

julgar os atos e condutas inerentes à defesa e promoção da concorrência concentra-se no novo

CADE, composto pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (TADE, com a função

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judicante), pela Superintendência-Geral (instaurar e instruir dos processos administrativos e

opinar nos Atos de Concentração), basicamente as competências da SDE foram transferidas

para a Superintendência-Geral. Foi criado o Departamento de Estudos Econômicos - DPEE,

com a competência de elaborar estudos econômicos e emitir pareceres sobre as matérias a

cargos do TADE e da Superintendência. Enfim, como a estrutura anterior, repartida em três

órgãos distintos causava morosidade e onerosidade, pois o postulante tinha que recolher uma

taxa para cada órgão na apresentação dos Atos de Concentração, espera-se mais eficiência

com a nova estrutura.

A Lei nº 12.529/2011, objetivando atribuir maior eficiência à defesa da concorrência

levada a efeito pelo SBDC, também estabeleceu proibição cuja ausência na Lei nº 8.884/94

era demasiadamente criticada, como é o caso da proibição, pelo presidente e conselheiros, de

advocacia perante o SBDC no prazo de 120 dias após o encerramento do mandato, do

aumento do tempo dos mandatos para quatro anos, vedando a recondução, e, assim tentando

evitar a captura política possível na forma contida na lei nº 8.884/94.

A Lei nº 12.529/2011 implementou outras modificações, algumas veementemente

criticadas, que não serão aqui abordadas, uma vez que o presente estudo não é relativo a uma

análise de cada artigo da Lei de Concorrência e sim à verificação da defesa efetiva defesa e

promoção da concorrência concretizadora dos princípios da Ordem Econômica e dos

fundamentos da República.

Abordado o surgimento da proteção da concorrência no Estado brasileiro, bem como

a criação, evolução do CADE e a atual estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência, resta analisar, por amostragem, algumas decisões do CADE para avaliar se em

relação ao seu conteúdo, tais decisões de fato tem se preocupado com a garantia da

concretização dos princípios da Ordem Econômica Constitucional e com os objetivos gerais

constitucionais.

3. DECISÕES DO CADE E A PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM

ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

Não se fará neste tópico uma análise crítica dos julgados do CADE com vistas a seus

acertos ou desacertos, sendo a apresentação eminentemente descritiva e voltada a analisar a

concretização das garantias constitucionais insculpidas no art. 1, 3º e 170 e seguintes da

Constituição da República pelo órgão competente para promover a defesa da concorrência no

Brasil.

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Considerando o extenso número de julgados, serão abordados aqueles já concluídos e

que tiveram grande repercussão concorrencial, social, econômica e/ou tecnológica. Para tanto

foram selecionados quatro casos: 1º - Processo Administrativo nº 08012.002127/2002-14

relativo ao delito de cartel – Cartel das Britas; 2º - Processo Administrativo nº.

08000.014608/95-86 relativo à exclusividade de contratação - restrições no setor de serviços

de saúde – Caso UNIMED; 3º - Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12 - Caso AMBEV

e, 4º - Ato de Concentração nº. 08012.006704/2011-20 – aquisição da Man pela Volkswagen.

3.1. Processos Administrativos

O Processo Administrativo é o instrumento mediante o qual o SBDC instaura, instrui

e julgada todas as condutas lesivas ou tendentes a lesionar a livre concorrência.

O Processo Administrativo desenrolado no SBDC está submetido ao princípio do

devido processo legal e aos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa contidos no art. 5º,

LIV e LV da CR/88. Aliás, esses preceitos também são de observância obrigatória também na

análise dos Atos de Concentração.

Além dos preceitos constitucionais, os processos e atos de concentração no CADE

são julgados nos termos da Lei nº 12.529/2011, e seu decreto regulamentador e da Lei Federal

de Processo Administrativo nº 9.784/99.

A análise dos julgados do CADE e da apreciação desses pelo Poder Judiciário

permite afirmar que os preceitos constitucionais relativos ao julgamento com vistas ao Devido

Processo Legal tem sido observados pelo CADE.

Quanto às condutas objeto de Processos Administrativos de competência do CADE a

legislação se caracteriza por um tipo aberto, ou seja, qualquer conduta lesiva ou tendente a

lesar a livre concorrência poderá ser submetida ao conselho. A despeito desse tipo aberto a Lei

nº 12.529/2011 relaciona no art. 36, as infrações contra a Ordem Econômica, dentre as quais o

cartel e o abuso de posição dominante.

Consistentes estudos da OCDE demonstram que os acordos de cartel (fixação de

preços, partilha de mercado, manipulação de propostas, dentre outras) e o abuso de posição

dominante são considerados, por seus próprios efeitos, as práticas mais nocivas à livre

concorrência e mais prejudiciais aos consumidores.

Nos termos da Lei nº 12.529/2011, § 2º, “Presume-se posição dominante sempre que

uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as

condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado

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relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da

economia”. A maioria dos casos de abuso de posição dominante no Brasil envolve algum tipo

de conduta cujo efeito ou objetivo é excluir concorrentes do mercado ou impedir que outras

empresas entrem em concorrência com a empresa dominante. Todavia, a prática de abuso de

posição dominante que tenha unicamente o escopo de explorar posição de relativa fragilidade

de parceiros comerciais ou consumidores também pode ser punida, como será demonstrado na

análise do caso da UNIMED.

Adite-se que a nova lei de concorrência, Lei nº 12.529/2011 estampou a opção para

um combate mais eficiente às condutas anticompetitivas, invertendo o foco dado pelos órgãos

de defesa da concorrência na vigência da legislação pretérita que se referia à análise de atos

de concentração.

3.1.1. O Cartel de Britas

O Cartel de Britas é um caso paradigmático de cartel em razão a) da duração da

prática, b) da quantidade de envolvidos (18 empresas condenadas), c) da junção de esforços

de autoridades na busca de provas da formação do cartel (Polícia Federal - PF, Secretaria de

Direito Econômico - SDE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, por meio

de sua procuradoria (AGU) e o Poder Judiciário), d) da organização e estruturação do cartel,

e) das punições dentro do próprio cartel e, e) das punições impostas pelo CADE aos

participantes da prática delitiva que foram as mais severas da história do órgão, como passe-se

à análise:

Processo Administrativo n° 08012.002127/2002-14.

Julgamento 07/07/2005. DOU de 1º/08/2005.

Julgamento dos recursos para minoração das multas:

DOU 17/10/2006.

Conselheiro Relator: Luiz Carlos

Thadeu Delorme Prado.

Representante: Secretaria de

Direito Econômico

Ementa da Decisão:

O Plenário, por unanimidade, condenou as Representadas Basalto Pedreira e Pavimentação Ltda., Embu S.A. Engenharia e Comércio, Geocal Mineração Ltda., Holcim S.A./Cantareira, Itapiserra Mineração Ltda., Iudice Mineração Ltda., Lafarge Brasil S.A./Brita Brás, Indústria e Comércio de Extração de Areia Khouri Ltda., Mineradora Pedrix Ltda., Panorama Industrial de Granitos S.A., Pedreira Cachoeira S.A., Pedreira Dutra Ltda., Pedreira Mariutti Ltda., Pedreira Santa Isabel Ltda., Pedreiras São Matheus - Lageado S.A., Pedreira Sargon Ltda., Reago Indústria e Comércio S.A. e Sarpav Mineradora Ltda., considerando as condutas como infrações contra a ordem econômica previstas nos arts. 20, incisos I, II, e IV e 21, incisos I, III, VIII, X, XI, XII, XIII, XIV da Lei nº 8.884/94 e, no que diz respeito ao Sindicato da Indústria de

Dados constantes dos autos:

Esclarecimentos do Relator: “uma das

empresas envolvidas possuía uma

"bíblia", nome da lista em que eram

elencados os clientes a que cada uma

teria prioridade nos contratos. As

empresas também se submetiam a

"cursos" para não descumprirem o

combinado nos cartéis. As vendas de

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Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo, considerou suas condutas incursas nos artigos 20, inciso I e 21, inciso II, vencido o Conselheiro Luiz Fernando Rigato Vasconcellos quanto à caracterização da conduta do Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo, enquadrando-a também no inciso IV do art. 20 da Lei n 8884/94, ademais, por unanimidade determinou o arquivamento do processo em relação às Representadas Mendes Júnior Engenharia S.A. e Paupedra - Pedreiras, Pavimentações e Construções Ltda. e a exclusão do pólo passivo da empresa Constran S.A. e sua inclusão no pólo passivo da Averiguação Preliminar n 08012.005370/2003-67. Quanto às penalidades, por maioria, determinou a imputação de multa pecuniária de 20% do faturamento bruto no exercício de 2002 às Representadas Embu S.A. Engenharia e Comércio, Holcim S.A., Lafarge Brasil S.A., Pedreira Cachoeira S.A., Pedreira Sargon Ltda. e Sarpav Mineradora Ltda. e 15% do faturamento bruto no exercício de 2002 às Representadas Geocal Mineração Ltda., Itapiserra Mineração Ltda., Iudice Mineração Ltda., Indústria e Comércio de Extração de Areia Khouri Ltda., Mineradora Pedrix Ltda., Pedreira Dutra Ltda., Pedreira Mariutti Ltda., Pedreira Santa Isabel Ltda., Reago Indústria e Comércio S.A., Basalto Pedreira e Pavimentação Ltda., Panorama Industrial de Granitos, Pedreiras São Matheus - Lageado S.A., e 300.000 UFIR's ao Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator, vencido o Conselheiro Luiz Alberto Esteves Scaloppe que determinava como base para a imputação da multa o ano de 2001. Ademais, o Plenário, por unanimidade, determinou a publicação de extrato da decisão em meia página de um dos dois jornais de maior circulação no estado de São Paulo por dois dias seguidos em duas semanas consecutivas, às expensas do Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo, assim como recomendou aos órgãos públicos que não realizem o parcelamento de tributos federais e que sejam cancelados incentivos fiscais ou subsídios públicos concedidos às Representadas. Vencido o Conselheiro Roberto Pfeiffer que recomendou, além das determinações acima expostas, a instauração de Processo Administrativo em face dos administradores e dirigentes das representadas condenadas, nos termos do art. 16 da Lei n 8.884/94. O Plenário, por unanimidade, determinou a remessa de cópias da decisão ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público de São Paulo.

cada empresa participante do cartel eram

monitoradas. Quem descumprisse as

regras do cartel virava "bola preta" e teria

que ressarcir os demais.

Os primeiros encontros dos integrantes

do "cartel das britas" foram realizados em

1994, mas o acordo entre as empresas do

setor só começou a ser institucionalizado

a partir de 1999. Entre 2000 e 2003, o

cartel viveu o seu apogeu.

Hipóteses do Ministério da Justiça:

o "cartel das britas" pode ter atuado na

construção do Rodoanel em São Paulo.

As empresas envolvidas faturam cerca de

R$ 150 milhões por ano e representam

55% do fornecimento de britas à região

metropolitana de São Paulo.

Comentários dos autores deste estudo: O efeito natural do Cartel é lesionar o mercado,

mas com ele toda a sociedade e mais especificamente o consumidor é lesionado, seja pela

impossibilidade de escolha de menor preço ou pela impossibilidade de escolha de melhor

produto. No presente caso, no qual o produto é pedra britada, foram afetados diversos

mercados ligados ao setor de construção civil, o setor público e o setor privado, sendo

prejudicado o desenvolvimento da infraestrutura nacional e regional, bem como o acesso de

todos à moradia, que é direito social básico (art. 6º, CR/88). Isso porque, a pedra britada é

matéria prima essencial ao setor de construção civil que se refere à construção de estradas,

portos, aeroportos, edifícios públicos, imóveis residenciais e comerciais, dentre outros.

Assim, reprimir a conduta cartelizada nesse setor possibilita à obtenção geral dos benefícios

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advindos da concorrência de forma generalizada, o que acarreta imediata aplicabilidade dos

preceitos constitucionais, tanto previstos nos fundamentos, quanto nos preceitos da Ordem

Econômica da Constituição de 1988, como o acesso à moradia, o desenvolvimento regional e

nacional, o desenvolvimento da indústria de base, o pleno emprego e à justiça social.

Esse julgado estampa a concretização da garantia dos princípios da Ordem

Econômica por meio da defesa da concorrência, seja decorrente dos efeitos gerados pela livre

concorrência, seja ponderação do CADE dos demais preceitos constitucionais.

3.1.2. Abuso de posição dominante – Caso UNIMED

Questão de difícil análise pelo CADE foi a conduta imposta por associação médica a

seus associados, como foi a exigência de exclusividade imposta pela UNIMED a seus

cooperados.

Essa exigência, permitida pela lei das cooperativas, à época, era regra no setor de

planos de saúde, mas causava sérias lesões à concorrência e principalmente à dignidade e à

vida do consumidor, pois esse, muitas vezes, não tinha acesso à profissional habilitado para

prestar serviço essencial à vida, conforme consta do voto do Conselheiro Relator Ruy

Santacruz, nos autos do Processo Administrativo nº. 08000.014608/95-86, julgado em 03

fevereiro de 1999, em que foi representada a Unimed – Cooperativa de Trabalho Médico de

Ponta Grossa- PR.

Nos autos do Processo Administrativo restou apurado que a UNIMED congregava a

quase totalidade dos médicos registrados no CRM/PR da localidade e que, em certas

habilitações médicas, detinha 100% dos médicos daquela região.

A Procuradoria do CADE emitiu parecer no sentido de que a cláusula estatutária

proibitiva da dupla militância, ainda que seja permitida pela lei das cooperativas, gera efeitos

nocivos à coletividade, o que não é admissível do ponto de vista do interesse público, que

deve prevalecer sobre o particular.

Diante das provas produzidas nos autos o CADE concluiu que a exclusividade

exigida pelos estatutos sociais da UNIMED prejudicava a concorrência no mercado relevante

e reforçava o domínio de mercado por ela conquistado, decidindo pela existência de infração à

Ordem Econômica.

Assim, foi determinado o seguinte: cessação imediata da prática, alteração dos

estatutos sociais para excluir a cláusula de exclusividade, comunicação pela UNIMED a todos

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os seus associados e cooperados do teor da decisão, aplicada multa em razão da prática ilícita,

aplicada multa diária por descumprimento e, por fim, determinado o encaminhamento dos

autos ao Ministério Público Estadual e/ou Federal.

Essa decisão estampa a preservação de fundamentos e objetivos da Constituição da República

e, ainda, efetiva garantia do respeito aos princípios da Ordem Econômica Constitucional.

3.2. Atos de Concentração

A atuação preventiva do CADE refere-se basicamente à análise de atos de

concentração empresarial, mediante os quais o Conselho deve resguardar o mercado e a

sociedade.

Nesse tipo de processo são verificados, nos termos da Lei vigente, a melhora das

eficiências competitivas e mercadológicas, o repasse ao consumidor das eficiências obtidas

com a concentração, como a melhora no preço e na qualidade dos produtos ou serviços, a

preservação e melhoria e/ou manutenção do trabalho e emprego.

Assim, evidente a concretização da garantia dos princípios da Ordem Econômica por

meio das análises de Atos de Concentração.

3.2.1. Fusão Antárctica e Brahma - AMBEV

Caso dos mais polêmicos em atos de concentração decididos pelo CADE foi a fusão

das três maiores empresas do setor de bebidas do Brasil, Skol, Antártica e Brahma, da qual

resultaria a 3ª maior cervejaria do mundo.

Essa fusão afetaria diversos mercados, centros de distribuição, empresas dos mais

diversificados portes.

A preocupação com a preservação dos postos de trabalho nas indústrias que seriam

fundidas, bem como nas diversas empresas existentes na cadeia de distribuição e revenda foi

imensa.

A preservação da concorrência no setor de fabricação, distribuição, transporte,

revenda de bebidas e a manutenção do preço, da qualidade e da variedade do produto foi outro

ponto sensível.

A extensão dos efeitos dessa fusão repercutiria, como repercutiu, em todo o território

brasileiro e no exterior.

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Esse ato era de extrema complexidade e, por conseguinte, de demora na solução,

tanto que levou 1.892 dias para ser decidido, 861 dias no CADE e 1.031 na SEAE, como se

confere da tabela constante no tópico anterior desse estudo.

Considerando tudo o que envolvia a fusão e buscando evitar prejuízos ao mercado e

à sociedade, o CADE com fundamento na então vigente lei nº 8.884/94, determinou a

suspensão de qualquer operação das duas empresas, proibindo-as de desativar fábricas,

demitir pessoal ou unificar suas estruturas, antes da avaliação das consequências da formação

da AmBev no mercado brasileiro de cervejas e refrigerantes.

Em 29 de março de 2000, nos autos do Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12

o CADE, decidiu pela aprovação da fusão entre a Antárctica e a Brahma, sendo constituída a

AmBev.

Contudo, a provação foi condicionada à celebração de Termo de Compromisso de

Desempenho contendo metas de redução de custos e ganhos de eficiência que deveriam ser

cumpridas por um período de cinco anos.

O Compromisso de Desempenho, previsto no artigo 58 da Lei nº 8.884/94, emerge

quando é necessária a garantia de realização de eficiências para a compensação da redução do

grau de concorrência do mercado.

A autorização de atos potencialmente prejudiciais à concorrência, fica condicionada

à assinatura de um termo, pelo qual assegurar-se-á ao mercado e à coletividade a obtenção de

benefícios compensatórios. As cláusulas do Termo de Compromisso de Desempenho devem

ser factíveis e objetivas, não podendo ultrapassar o limite necessário para o alcance das

eficiências e da preservação dos níveis de concorrência no mercado.

As principais condições impostas pelo CADE para a aprovação da fusão, que foram

aceitas pela AmBev na celebração do Compromisso de Desempenho foram as seguintes:

Venda da marca Bavaria no prazo de oito meses, com a transferência dos contatos de

fornecimento e distribuição da cervejaria. O comprador não poder ter participação acima de

5% do mercado de cerveja.

Venda de cinco fábricas da Antarctica e da Brahma com capacidade total de 709

milhões de litros, também no prazo de oito meses, localizadas em Getúlio Vargas (RS),

Ribeirão Preto (SP), Cuiabá (MT), Salvador (BA) e Manaus (AM).

A AmBev deveria compartilhar, por quatro anos, sua rede de distribuição com cinco

pequenas empresas (com até 5% de participação no mercado), uma em cada região.

A nova empresa ficou proibida de desativar fábricas por um período de quatro anos.

Se quisesse se desfazer de uma unidade durante este prazo, terá de vendê-la a terceiros.

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Deveria ser mantido o nível de emprego anterior à fusão. Em caso de demissão

consequente de programas de reestruturação, a AmBev teria de oferecer cursos de

qualificação e realocação profissional aos trabalhadores.

A fábrica da Antárctica de Ribeirão Preto deveria ser equipada antes da venda,

passando a oferecer também envasamento em latas.

A AmBev teria de compartilhar sua rede de distribuição com os compradores da

Bavaria e das outras cinco fábricas por um período de quatro anos, renovável por mais dois

anos.

A Ambev não poderia obrigar a venda exclusiva de seus produtos nos pontos-de-

venda.

Da decisão do CADE constata-se a efetiva garantia da concretização dos princípios

da Ordem Econômica, como a Livre Concorrência, a garantia do pleno emprego e da

formação do trabalhador, que implica na valorização do trabalho humano, a redução de preços

gerada pela fusão das empresas fundidas e maior possibilidade de escolhas ao consumidor

decorrentes do aumento de empresas no setor, derivada da venda obrigatória de fábricas em

locais estratégicos e da obrigatoriedade de compartilhamento de canais de distribuição.

3.2.2. Aquisição da Man pela Volkswagen

Relevante, ainda mencionar o julgamento, em 30/01/2013, do Ato de Concentração

nº 08012.006704/2011-20, no qual o CADE autorizou a aquisição pela Volkswagen de

55,90% da participação do capital social da MAN SE. A duas empresas são sociedades

alemãs que atuam no mercado automotivo brasileiro.

O conselheiro relator, Alessandro Serafin Octaviani Luis, ponderou que no mercado

nacional de caminhões semipesados e na oferta de chassis de ônibus, a participação da Scania

(controlada pela Volkswagen) “é pouco representativa, não resultando em impactos

anticompetitivos no setor”.

O relator destacou que, no mercado de caminhões pesados, apesar de as requerentes

possuírem cerca de 41% de participação, os outros grandes concorrentes exercem suficiente

pressão competitiva, detendo know-how, portfólio de produtos e possibilidade de expandir a

capacidade produtiva.

Na análise do caso foi destacada a compatibilidade do Ato de Concentração com o

Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de

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Veículos Automotores - INOVAR-AUTO, instituído pela Lei nº. 12.715, de 17 de setembro

de 2012.

O novo regime automotivo denominado INOVAR-AUTO objetiva valorizar a

produção nacional, estimulando a inovação e o desenvolvimento tecnológico, bem como o

incremento de investimentos na indústria automobilística brasileira.

Para o conselheiro relator, a rivalidade nos setores automotivos tende a ser

intensificada com o novo regime, principalmente em razão dos incentivos à pesquisa e

desenvolvimento e à busca do aumento da oferta.

Veja-se que o CADE, além da concretização da concorrência no setor de caminhões

pesados e semipesados, pautou seu entendimento na promoção do desenvolvimento

econômico, tecnológico e industrial, e ainda, na aplicabilidade da legislação

infraconstitucional.

Assim, essa decisão retrata a preocupação do CADE em garantir a concretização do

Princípio da Livre Concorrência e dos demais princípios da Ordem Econômica Constitucional

e da Constituição como um todo, vez que se pautou pela preocupação com o desenvolvimento

tecnológico, industrial e na viabilização da concretização de normas voltadas ao

desenvolvimento econômico e industrial do Estado.

4. CONCLUSÃO

A concorrência contribui para assegurar a existência digna, de acordo com os

ditames da justiça social, a proteção dos interesses da coletividade e da ordem pública.

A garantia de livre concorrência tem como consequência viabilizar a proteção dos

demais princípios da Ordem Econômica Constitucional, bem como dos demais fundamentos e

objetivos da Constituição política.

Dessa forma, proteger a concorrência significa proteger os objetivos e fundamentos

da República Federativa do Brasil e os princípios da Ordem Econômica Constitucional

vigente.

O órgão competente para concretizar a garantia constitucional da livre concorrência,

por sua vez, se torna garantidor dos princípios da Ordem Econômica Constitucional e dos

objetivos e fundamentos da República, daí a sua grande importância no cenário político,

econômico e jurídico nacional.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, criado em 10 de

setembro de 1962, transformado em autarquia federal em 11 de junho de 1994, com a

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estrutura que lhe deu a vigente Lei nº 12.529/2011, possui competência para instruir, apurar e

julgar as condutas e os atos que afetem ou possam afetar a Concorrência.

Embora a defesa da concorrência no Brasil já estivesse prevista desde 1962, sua

eficácia não se fez sentir desde então, sendo induvidoso que a existência de uma lei da

concorrência não se traduz necessariamente em um regime de concorrência efetiva, pois ela é

apenas um elemento da política de concorrência.

Assim, a efetiva atuação do CADE na defesa e promoção da concorrência ocorreu

somente quando passou a existir no Brasil a efetiva economia de mercado, instituída pela

Constituição de 1988 e concretizada ao longo da década de 1990, com a presença de

condições econômicas, sociais e políticas propícias.

No desempenho de suas funções o CADE, efetivamente, garante a concretização da

defesa e promoção da concorrência, bem como dos valores máximos insculpidos na

Constituição da República de 1988, quais sejam: a dignidade humana e a justiça social como

se pode observar da análise de seus julgados empreendida no presente estudo.

Toda a coletividade é afetada direta ou indiretamente pelas decisões do CADE, já que

os efeitos de suas decições alcançam o mercado com um todo e assim afetam trabalhadores,

consumidores, empresas e Estado.

Desde sua criação o CADE se modificou bastante. Essa modificação decorreu

basicamente da necessidade de se alcançar eficiência na defesa da concorrência no Brasil. A

eficiente defesa da concorrência ocasiona uma consequente efetividade dos objetivos,

fundamentos e princípios constitucionais, e, especificamente, a concretização dos princípios

da Ordem Econômica Constitucional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAGÃO, Alexandre Santos. Agências Reguladoras e a evolução do Direito Administrativo

e Econômico. São Paulo: Forense, 2003. BENECKE, Dieter W; NASCIMENTO, Renata (org.) Opções de Política Econômica para o

Brasil. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2003. BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: Uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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A Intervenção Municipal no Domínio Econômico: o caso dos preços abusivos praticados pelos Estacionamentos Privados em Belo Horizonte

The Municipal Intervention in the Economic Domain: the case of abusive prices

charged by Private Parking in Belo Horizonte

Giovani Clark Rodrigo de Castro Lucas

Giovani Clark Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Rodrigo de Castro Lucas Mestrando em Direito Público no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Universidade de Itaúna. Advogado.

RESUMO

Com o aumento expressivo da frota de veículos nos grandes centros urbanos, além da

nítida opção da União em fomentar a indústria automobilística, aliado à ausência de

investimentos em sistemas coletivos de transporte, encontrar uma vaga para estacionar nas

grandes cidades, dentre elas Belo Horizonte, tem sido um grande desafio para os motoristas.

O excesso de veículos tem acarretado um desequilíbrio entre a oferta de vagas e a

crescente procura por estacionamentos privados.

Em face da desproporcionalidade entre oferta e demanda, observa-se, via de

consequência, um aumento abusivo dos valores cobrados pelos estacionamentos privados de

seus usuários, revelando-se, assim, por outro lado, a violação dos comandos constitucionais

de defesa do consumidor e da função social das propriedades privadas.

O presente artigo defende a possibilidade de intervenção dos municípios no domínio

econômico a fim de controlar os preços abusivos praticados pelos estacionamentos privados,

analisando-se as questões sob a ótica do Direito Econômico e da Constituição brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Intervenção no Domínio Econômico; Municípios; Estacionamentos;

Controle de Preços; Constituição Econômica.

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ABSTRACT

With the significant increase of the fleet of vehicles in major urban centers, in addition

to the clear option Union to encourage the auto industry, coupled with the lack of investment

in collective transport systems, find a parking in big cities, among them Belo Horizonte, has

been a major challenge for the drivers.

Excess vehicles has caused an imbalance between the number of vacancies and the

growing demand for private parking.

Given the disparity between supply and demand, there is, as a consequence, an

increase of abusive amounts charged by private parking their users, revealing, well, on the

other hand, the violation of constitutional provisions for consumer protection and the social

function of private property.

This article argues the possibility of intervention in the economic domain of

municipalities to control the prices charged by private parking abusive, analyzing the issues

from the perspective of Economic Law and the Brazilian Constitution.

KEYWORDS: Intervention in the Economy; Cities; Parking; Price Controls; Economic

Constitution.

1. INTRODUÇÃO

Os problemas relativos ao trânsito nas grandes cidades têm se avolumado e as

soluções – quando apresentadas – não se mostram suficientes a amainar ou resolver os efeitos

do crescente aumento do número de veículos nos centros urbanos.

Na capital do Estado de Minas Gerais o aumento da frota na última década foi de 88%,

e segundo dados estatísticos veiculados pela imprensa mineira1, em 2001 eram 706,4 mil

veículos cadastrados, número esse elevado a 1,32 milhão de veículos em 2010.

Não obstante o vertiginoso crescimento da frota, o poder executivo federal não tem

medido esforços para fomentar a indústria automobilística nacional, sendo recorrentes as

concessões de benefícios fiscais às montadoras, como, por exemplo, os decretos presidenciais

que sazonalmente reduzem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)2, estimulando

uma busca desenfreada de consumidores às concessionárias de veículos, ávidos pela aquisição

1 <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2011/02/23/internas_economia,211572/estacionamentos-de-bh-cobram-ate-r-10-a-hora.shtml> Acesso em 10 mar. 2013 2 Por exemplos: os Decretos nº 7.567 de15/09/ 2011 e n. 7.725 de 21/05/2012.

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de um automóvel novo. Tal política econômica indutora, repetida há décadas, agora foi

motivada pela mais recente crise do sistema capitalista regido pelo nefasto neoliberalismo

regulador.

Não bastasse o relevo acidentado do município de Belo Horizonte, que em nada

contribui para que os cidadãos se desloquem a pé ou mesmo em bicicletas, merece ser

salientado ainda o fato de que a capital mineira não investiu de forma adequada nos sistemas

de transporte coletivo.

Dentre as principais grandes cidades do país, Belo Horizonte é conhecida pelo

reduzido número de trens urbanos e pela inexistência de metrô subterrâneo, o que tem

sobrecarregado o sistema de transporte por ônibus, resultando em deficiências e desconfortos

aos seus usuários.

Igualmente os serviços de táxi, além de cobrarem tarifas entre as mais elevadas da

Nação, não são suficientes para atender a grande demanda, já que Belo Horizonte é a capital

com o menor número de táxi por habitante3.

A alternativa de locomoção, portanto, mais utilizada por significativa parte dos

moradores, tem sido a de transitar pelas ruas das capitais em seus próprios veículos,

repercutindo, não só na crescente lentidão do trânsito, como também na maior dificuldade de

se encontrar uma vaga para estacionar os carros.

Diante do citado quadro de caos urbano, o motorista, também trabalhador e

consumidor, acaba sendo conduzido à utilização das vagas oferecidas pelos estacionamentos

privados.

A escassez de vagas e a crescente procura tem sido fator determinante ao desequilíbrio

da clássica lição de Adam Smith (lei da oferta e da procura), recomendando a intervenção do

Estado nessa atividade econômica. Aliás, o próprio Smith admitia a necessária ação estatal na

vida econômica, contudo tal fato sempre é omitido pelos fundamentalistas da economia

clássica e por certos autores da escola da análise econômica do direito.

A questão que se apresenta refere-se aos mecanismos de que dispõe o Poder Local

para intervir e regular o espaço urbano, zelando pelo bem-estar de seus habitantes e pela

defesa do consumidor, atuando contra o aumento abusivo dos preços cobrados pelos

estacionamentos privados.

Surge, pois, a indagação: É lícito ao município controlar os preços cobrados pelos

estacionamentos particulares?

3 http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/11/13/interna_gerais,329421/novos-taxis-em-bh-so-no-ano-que-vem.shtml

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Para darmos resposta à indagação proposta analisaremos os princípios que regulam a

Ordem Econômica Constitucional (Constituição Econômica – arts. 170 a 192 da CR), a

competência e autonomia dos Municípios para legislar em matéria de Direito Econômico e do

Consumo, bem como as possíveis e necessárias intervenções do Poder Local no domínio

econômico, voltadas à melhoria do espaço e da vida urbana, atendendo-se ao comando

constitucional que tutela o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e de defesa

do consumidor.

Como marco teórico serão trabalhadas a doutrina de Washington Peluso Albino de

Souza (introdutor do Direito Econômico no Brasil) nas obras: “Primeiras Linhas de Direito

Econômico” e “Teoria da Constituição Econômica”, bem como a difundida por Eros Roberto

Grau em seu livro “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, além da doutrina de

Giovani Clark, onde em sua obra “O Município em Face do Direito Econômico” apresenta os

fundamentos da autonomia municipal para a intervenção no domínio econômico.

A justificativa do presente trabalho decorre também da experiência cotidiana dos

cidadãos do Município de Belo Horizonte, que são surpreendidos com o aumento abusivo, em

índices bem superiores aos da inflação, dos preços cobrados pelos estacionamentos privados,

dilatando assim extraordinariamente suas margens de lucro.

Será também feita uma análise específica acerca do aumento dos preços cobrados pelo

estacionamento dos frequentadores de uma rede Shopping Centers em Belo Horizonte, nos

últimos dois anos, comprovando-se a abusividade desse aumento, e o desrespeito aos direitos

dos próprios lojistas que celebram o contrato de locação com os Shoppings, dada a natureza

específica do contrato (atípica).

2. O PAPEL DO MUNICÍPIO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

O Texto Constitucional, além de determinar já em seu artigo 1º que o Brasil adotará a

estrutura de um Estado Federal, estabeleceu em seus dispositivos seguintes a autonomia dos

entes que compõem a federação (art. 18), assegurando-lhes o direito de regular os interesses

próprios, conferindo-lhes competência legislativa e política privativa, conforme previsto no

Título III da Constituição Federal de 1988, que trata da organização do Estado.

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Dentre as atribuições conferidas também aos municípios está assegurado o direito de

legislar supletivamente sobre Direito Econômico e do Consumidor, conforme art. 24, I e V4 e

art. 30, I e II5, da CF/88.

Esse é o posicionamento defendido por Giovani Clark (2001) que encontra

fundamento na conjugação dos dois dispositivos constitucionais supra citados para a

intervenção do Município no domínio econômico: As competências concorrentes, isto é, legislativas, previstas pela Carta Política de 1988, também abrem caminho para o intervencionismo econômico municipal. Isso acontece quando a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 24, permite à União e aos Estados-membros legislar sobre certas matérias – à primeira, editar as normas gerais; aos outros, suplementá-las para atender às suas peculiaridades – e ainda, em seu artigo 30, incisos, I e II, quando prevê a competência municipal para suplementar a legislação estadual e a federal no que couber, para atender aos interesses locais. Assim sendo, o Município pode legislar sobre as matérias do artigo 24 da CF para atender ao interesse local. (CLARK, 2001, p. 94/95)

Dentre as competências municipais, e para melhor compreensão do objeto do presente

trabalho, há que se destacar ainda aquelas voltadas às intervenções: direta (via empresas

estatais), indireta (por intermédio da legislação de controle de preços e sua aplicação com

punição administrativa dos infratores) e intermediária (criação agências reguladoras para

regular os serviços públicos locais), conforme os arts. 173, 174, 175 da Constituição

Econômica, bem como regular o espaço urbano, conforme previsão constante do art. 182 da

Constituição Federal. Confira-se:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que regulamentou o disposto

no art. 182 da Constituição Federal, determina a justa distribuição dos benefícios e ônus

decorrentes do processo de urbanização, e também a adequação dos instrumentos de política

4 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

V – produção e consumo; 5 Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e estadual no que couber;

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econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento

urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos

bens pelos diferentes segmentos sociais.

A doutrina defendida por SOUZA (2002), em sua obra Teoria da Constituição

Econômica, elucida ainda a interpretação do artigo 182 da Constituição Federal para o

presente estudo:

Assim, o objetivo definido de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade” já a desvincula da visão urbanística simplesmente material para atribuir-lhe sentido e dimensões mais altas. A “garantia do bem-estar de seus habitantes”, situando o homem na cidade e nas funções sociais desta, dá-nos a dimensão pretendida. (SOUZA, 2002, p. 129)

Já de início, percebe-se que ao município - enquanto ente integrante da República

Federativa do Brasil - é atribuída competência que lhe confere o poder/dever de ordenar o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, podendo, para tanto, valer-se da

competência legislativa em matéria de Direito Econômico (incluída a consumerista) conferida

pelo Texto Constitucional.

Assim sendo, pela combinação dos artigos 24, I e V, 30 I e II, e 182 caput, todos da

Constituição de 1988, fica claro que ao Município compete a regulação do espaço urbano,

competindo-lhe, inclusive, a concessão de alvará para o regular funcionamento da atividade

econômica objeto do presente estudo, bem como o direito de intervir no domínio econômico,

sobretudo com políticas econômicas de indução ou limitação voltadas para as atividades

privadas locais de produção e serviços e de proteção ao consumidor.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou o poder/dever dos poderes

locais de legislarem sobre Direito Econômico e logicamente agirem na vida econômica,

conforme a ADI nº 1.9506 relatada pelo então Ministro Eros Roberto Grau. Vide parte do voto

do relatador que reconhece a autonomia municipal no caso em exame:

Afasto desde logo a alegação de inconstitucionalidade formal. Bem ao contrário do que sustenta a requerente, não apenas a União pode atuar sobre o domínio econômico, isto é, na linguagem corrente, intervir na economia. Não somente a União, mas também os Estados-membros e o Distrito Federal, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I, da Constituição do Brasil, detêm competência concorrente para legislar sobre direito econômico. Também podem fazê-lo os Municípios, que, além de disporem normas de ordem pública que alcançam o exercício da atividade econômica, legislam sobre assuntos de interesse local, aí abrangidos os atinentes à sua economia, na forma do artigo 30, inciso I, da CB/88.

6 STF – Pleno - ADI 1950/SP, Rel. Min. Eros Grau, Diário de Justiça, 2 de jun. de 2006, p. 4.

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Permitida e necessária, portanto, a intervenção municipal nos preços praticados pelos

estabelecimentos particulares, sempre que verificada a abusividade, violadora dos comandos

constitucionais, dentre outros, de defesa do consumidor, da livre concorrência, da função

social das propriedades. (art. 170 da CR)

A título ilustrativo destaca-se a própria dessacralização do conceito de propriedade

(RIBEIRO, 2002), ultrapassando a concepção meramente individualista do instituto difundida

no século XVIII (CARVALHO, 2001), assegurando, portanto, aos cidadãos o cumprimento

da função social das propriedades (de produção e prestação de serviços), sendo esse mais um

dos elementos norteadores do modelo social propagado pela Constituição Federal de 1988, a

partir do momento que busca desestimular condutas contrárias ao interesse coletivo e social,

tais como o aumento abusivo de preços e a prática de atividade econômica dissociada do bem-

estar geral.

Ademais, em nome da defesa do consumidor, o Supremo Tribunal Federal em

manifestação recente, novamente se posicionou pela autonomia dos Municípios para legislar

sobre assunto de interesse local, envolvendo relação de consumo. Vejamos7: O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes." (AI 347.717-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 31-5-2005, Segunda Turma, DJ de 5-8-2005.) No mesmo sentido: RE 266.536-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17-4-2012, Primeira Turma, DJE de 11-5-2012.

Digna de destaque, ainda, a fim de que não restem dúvidas sobre a competência

municipal para legislar em matéria de interesse local tutelada pelo Direito do Consumidor, a

menção à Súmula nº 6458 do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, cumpre destacar a doutrina de Giovani Clark (2001) que demonstra a

importância dos Municípios exercerem suas competências como forma de garantia do

desenvolvimento das funções sociais das cidades: Pela Constituição Federal, os poderes para o Município intervir no domínio econômico são acanhados. Apesar disso, temos um campo fértil de ações possíveis, bastando apenas despirmo-nos de nosso conservadorismo jurídico e interpretamos o Texto Constitucional de forma lógica.

7 <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=446> Acesso em 13 mar 2013. 8 Súmula nº 645: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

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Em análise mais detida da Carta Magna de 1988, percebemos que o legislador constituinte buscou a quebra da eterna centralização de poderes nas mãos da União, distribuindo-os entre os Estados-membros e os Municípios. Objetivou, assim, a democratização das relações entre eles e a racionalização e coordenação de suas políticas públicas em prol da sociedade. Então, qualquer interpretação constitucional deve ser criativa para atender ao norteamento ‘descentralizador’dos constituintes. Quanto, ainda, à competência do Município no domínio econômico, não podemos nos limitar à análise das competências constitucionais da União, Estados-membros e Municípios. É importante, também, tratarmos o tema de forma integrada com a Constituição Econômica de 1988, já que ela, implicitamente, ainda impõe comandos de competência, quando estipula o poder/dever do Estado (Comuna) em sua efetivação, determinando a sua intervenção na vida econômica para tal fim, Analisando-a, ficará, ainda mais límpida com a competência do Município para agir na vida econômica. (CLARK, 2001, p. 102).

Como demonstrado, a Constituição de 1988 conferiu ao Poder Local importante papel

na implantação de ações voltadas à efetivação do bem-estar dos munícipes.

Lado outro, a questão da interferência da União no domínio econômico também já foi

enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade da Lei

Delegada nº 04/1962, sendo, pois, recepcionada pela Constituição de 1988, conforme decisão

de Agravo de Instrumento nº 268.857-0/Rio de Janeiro, relatado pelo Ministro Marco Aurélio

Melo, e aquela a seu turno, ao prever o modelo federativo de Estado, permite também aos

municípios intervir na atividade econômica através de legislações específicas (intervenção

indireta – 174, caput da CR).

3. A DEFESA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Perto de se comemorar os 25 anos da Constituição Cidadã, celebra-se também a

autonomia conferida pela Constituição Federal de 1988 ao Direito do Consumidor, que no

próprio texto constitucional reconheceu a vulnerabilidade (art. 5º, XXXII) dos indivíduos em

suas relações de consumo. Ademais, é dever do Estado (União, Estados-Membros,

Municípios) atuar na defesa do consumidor produzindo leis, fiscalizando/punindo os

fornecedores infratores, além de julgar os conflitos de consumo.

Com efeito, com a regulamentação do inciso XXXII do art. 5º da CR, enquanto Direito

Fundamental, principalmente por via da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),

ficou patente a preocupação do legislador com os destinatários finais dos produtos e serviços

oferecidos no mercado e a tutela dos direitos dos consumidores.

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A conjugação do disposto no art. 39, V e X do CDC9, com o art. 173, § 4º10 da CR,

dentre outros comandos legais, impõe ao Estado a intervenção no domínio econômico, sempre

que verificada a abusividade dos preços praticados pelos prestadores de serviços, como no

caso em análise, e, ainda, na hipótese de aumento arbitrários dos lucros dos fornecedores de

serviços e mercadorias.

Mais adiante do artigo, serão também abordados, exemplificativamente, os preços

praticados pelos estacionamentos dos Shoppings da Rede Multiplan na capital mineira (BH

Shopping, Diamond Mall e Pátio Savassi), grupo privado que ocupa posição relevante de

mercado, enquadrando-se, portanto, nas hipóteses previstas no art. 36, da Lei nº 12.529/2011,

que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo sobre a prevenção e

a repressão às infrações à ordem econômica, dentre elas, novamente, o aumento arbitrário dos

lucros (art. 36, III). Em nome da defesa concorrência e da proteção do consumidor pode o

Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE), enquanto autarquia federal,

instaurar processo administrativo para punir os abusos praticados.

Conforme demonstrado nos diversos diplomas legislativos acima referenciados, há

grande preocupação do legislador em tutelar a defesa e a proteção do consumidor, de tal

forma que dele não sejam exigidos preços abusivos, tampouco que o fornecedor realize o

aumento arbitrário dos lucros.

Adiante analisaremos, ainda, os preços praticados pelas empresas privadas

administradoras dos estacionamentos em Belo Horizonte desobedecendo a ordem jurídica

nacional.

4. DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Como já verificado no presente estudo, a política de desenvolvimento urbano

executada pelos poderes da municipalidade deve ter por norte o desenvolvimento pleno das

funções sociais da cidade para a garantia do bem-estar dos seus habitantes.

Levando-se em consideração que atualmente no Brasil a intervenção do Estado na

atividade econômica ocorre de forma indireta e intermediária (SOUZA, 2005), dada a

9 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços, 10 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

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desestatização e as questionáveis privatizações ocorridas no início da década de 90 com a

implantação do caótico neoliberalismo de regulação (CLARK, 2009), há uma nítida relação

de dependência entre as funções sociais da cidade e a função social da empresa.

Com o avanço da iniciativa privada na vida econômica, incluindo os serviços públicos,

as empresas privadas passaram a assumir importante papel para que o Estado aufira suas

receitas e possa, via de consequência, atender às necessidades públicas e cumprir a Lei Maior

brasileira, inclusive a sua Constituição Econômica.

Como efeito, a partir do forte movimento de privatização das empresas estatais, as

receitas públicas originárias foram substituídas pelas receitas públicas derivadas.

Nesse contexto, aumentou-se a relação de dependência entre o Estado e a iniciativa

privada, na medida em que os cofres públicos passaram a ser abastecidos com as receitas

tributárias (derivadas), em substituição daquelas receitas originárias da exploração do próprio

patrimônio estatal.

Tal mudança em um primeiro momento fortaleceu o discurso do setor empresarial, que

passou a defender uma maior liberdade de atuação, dado o fato de que o abastecimento dos

cofres públicos passou a relacionar-se intimamente com o sucesso da iniciativa privada.

Paralelamente ao movimento de maior dependência do Estado em relação ao setor

empresarial, a doutrina que passou a defender a função social da empresa ganhou espaço.

Se por um lado, no modelo de Estado regulador, a atividade empresária passa a ser

imprescindível para o desenvolvimento econômico, por outro essa mesma atividade passa a

assumir responsabilidades outras que extrapolam os interesses privados de lucro ampliando os

ganhos da sociedade a fim de efetivar os mandamentos da nossa Constituição Econômica e

viabilizar uma vida digna a todos residentes no território brasileiro.

Segundo MAMEDE (2012), o Texto Constitucional de 1988 caminhou no sentido da

publicização das próprias relações privadas, que também passam a ser delimitadas pelo

interesse público. A Constituição da República de 1988 consolidou no Direito Brasileiro uma tendência jurídica contemporânea, qual seja a afirmação do interesse público como referência e baliza que definem limite às faculdades individuais. Em suma, recusa-se o abuso do Direito e impede-se que o arbítrio individual possa subverter a razão de ser de uma faculdade jurídica. A função social, portanto, é elemento inerente a cada faculdade jurídica, e, portanto, sua adequada compreensão exige considerar seus fins econômico e social. Há um interesse da coletividade na existência e no exercício das faculdades privadas: a cada faculdade, mesmo individual, corresponde uma razão de ser (uma função) dentro da sociedade. Na interpretação jurídica de tal direito e para a solução dos conflitos que lhe dizem respeito, o exegeta deve estar atento à respectiva função social. Isso implica, obrigatoriamente, na redução extremada do arbítrio privado, embora não seja hipótese de extinção do poder discricionário

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privado. A submissão das faculdades jurídicas privadas aos limites de sua razão de ser no funcionamento da sociedade traduz-se como definição de um conjunto de padrões mínimos que atendem à coletividade, limitando o arbítrio individual. Todavia, a preservação dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e de seus fundamentos, contemplados pelo artigo 1º e incisos da Constituição, além de seus objetivos fundamentais, conforme artigo 3º e incisos da mesma Carta Política, exige a preservação de um equilíbrio e de uma razoabilidade, preservando e protegendo as faculdades individuais, devidamente contempladas por diversas garantias fundamentais, algumas delas já contempladas nos princípios anteriores, designadamente a proteção ao direito de propriedade e à livre iniciativa, pois tais referências trabalham a favor das ações e dos empreendimentos privados, estimulando-os. (MAMEDE, 2012, p. 48).

Como verificado na doutrina de Gladston Mamede, o exercício do direito de

propriedade e da livre iniciativa não podem ser analisados de forma isolada, o limite ao

exercício desses direitos pelo particular (limitação do arbítrio individual) será o atendimento

da função social da atividade levada a cabo pelo empresário.

Nesse contexto, cumprem as indagações: Há abuso de direito na cobrança dos preços

pelos estacionamentos privados? Tal atividade vem cumprindo sua função social e

respeitando os consumidores? É o que será respondido adiante.

5. OS ABUSOS DOS PREÇOS COBRADOS PELOS ESTACIONAMENTOS DE

BELO HORIZONTE

Para fins de análise quanto à abusividade do direito de cobrar pelo estacionamento em

suas dependências, cumpre-nos recorrer à recente pesquisa de preços praticados pelas

empresas do setor, conforme levantamento realizado pelo Procon da Assembleia Legislativa

de Minas Gerais, amplamente noticiado pela imprensa mineira.

Rotulando o ramo de atividade como “mina de dinheiro”, a reportagem referenciada11,

baseada na citada pesquisa, narra ainda que dada a inexistência de concorrência no setor, em

razão da demanda maior que a oferta, os proprietários desses estabelecimentos “cobram os

preços que querem”, com a tendência de piora, “uma vez que o transporte coletivo é um

caos”.

Citando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais

precisamente o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), informa a pesquisa que

somente em 2010 o valor dos estacionamentos em Belo Horizonte aumentou 18,58%, sendo o

maior índice entre as cinco capitais pesquisadas. Já no período compreendido entre os meses

11 <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2011/02/23/internas_economia,211572/estacionamentos-de-bh-cobram-ate-r-10-a-hora.shtml> Acesso em 10 mar. 2013

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de abril de 2011 a fevereiro de 2012, o preço cobrado pelos estacionamentos da capital

mineira aumentou mais de 16%12.

Em outra reportagem do mesmo veículo de comunicação, intitulada Estacionar em BH

dói no bolso13, há a divulgação de pesquisa da Fundação IPEAD/UFMG que constata o

aumento do valor médio cobrado pela hora estacionada, passando de R$ 3,93 em agosto de

2007, para R$ 8,30 em agosto de 2012, resultando, portanto, em um aumento abusivo de

111,2% para o período de cinco anos. No mesmo intervalo, a inflação na cidade, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e elaborada pela Fundação Ipead/UFMG, foi de “apenas” 30,36%. A comparação mostra que abrir um estacionamento particular em BH é sinônimo de lucro garantido. Primeiro, porque a demanda pelo serviço não para de crescer. O melhor indício para isso é a evolução da frota, que aumentou 51,5% entre agosto de 2007 e o mês passado, de 977.305 unidades para 1.480.690 carros, motos, caminhões ônibus e outros, segundo balanço do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Apenas a quantidade de carros cresceu 46,5% em igual intervalo, de 701,7 mil para 1,029 milhão. Resultado: todas as cobranças feitas pelos estacionamentos privados subiram bem mais que a inflação do período. Além do salto de 111,2% no valor médio da hora, houve aumento significativo na fração de 15 minutos (82,44%), de R$ 1,31 para R$ 2,39. Para estacionar o veículo por meia hora, o valor subiu 94,27%, de R$ 2,27 para R$ 4,41. O gasto com a diária cresceu 96,97%, de R$ 14,83 para R$ 29,21. O da mensalidade atingiu percentual semelhante (96,28%), de R$ 133,93 para R$ 262,88. (LOBATO, 2012)

Como demonstrado pelas pesquisas, os aumentos nos últimos cinco anos dos preços

cobrados pelos estacionamentos foi quase três vezes superior ao índice da inflação para o

período.

Resta-nos, pois, a indagação: diante desse aumento abusivo dos estacionamentos

particulares, as empresas privadas, enquanto propriedades privadas destinadas às atividades

produtivas de prestação de serviços cumprem suas funções sociais? Há abuso cometido pelo

mercado que autorize a intervenção estatal no domínio econômico?

5.1. O Caso Específico dos Estacionamentos em Shopping Centers

Causa ainda mais espécie a análise dos aumentos dos preços dos estacionamentos

geridos em Belo Horizonte pela Rede Multiplan, administradora dos principais shopping

centers do país, dentre eles três dos principais shoppings de Belo Horizonte.

12 http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/03/16/internas_economia,283752/projeto-que-quer-tabelar-estacionamento-em-bh-e-inconstitucional.shtml. Acesso em 13 mar. 2013. 13 http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/09/09/internas_economia,316426/estacionar-em-bh-doi-no-bolso.shtml

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Como cediço, toda a organização do shopping (mall) é voltada para atrair a clientela,

com o estímulo ao consumo, dadas as facilidades oferecidas pelas estruturas, dentre elas: o

conforto de suas instalações, a segurança, facilidade de estacionamento, diversidade de

opções de compras e de lazer além de demais comodidades.

Dadas as particularidades desse tipo de empreendimento, o próprio legislador cuidou

de tratar as locações dos espaços de forma diferenciada, denominando de locação atípica,

conforme CERVEIRA FILHO (2003) e o disposto no artigo 54 da Lei de Locações (Lei nº

8.245/91), deixando claro não tratar-se de mera locação comercial.

Assim, além do aluguel mínimo, os lojistas, via contrato de adesão com o

administrador do empreendimento, estão obrigados ainda ao pagamento de percentual sobre

suas vendas, além do aporte nos fundos de promoção e publicidade, dentre outras obrigações

de cunho pecuniário.

Como visto, é o próprio lojista quem arca, em um primeiro momento, com os elevados

custos para o oferecimento das inúmeras facilidades disponibilizadas aos frequentadores dos

malls. Imperativa, portanto, a presença maciça de pessoas nesses estabelecimentos, a fim que

esses custos sejam repassados aos consumidores finais.

Contudo, a política praticada pelos shopping centers administrados pela Rede

Multiplan em Belo Horizonte tem caminhado em sentido diametralmente oposto aos

pretendidos pelos lojistas e pelos consumidores.

Isso porque, dentre as principais comodidades oferecidas pelos malls, sempre se

destacou a facilidade de estacionamento, contudo, diante do aumento abusivo dos preços

praticados nesses estacionamentos, o desejado fomento ao consumo (com o qual os lojistas

arcam) acaba não produzindo os efeitos esperados.

Para melhor entendimento da questão posta, cumpre trazer à discussão os seguintes

dados estatísticos, que demonstram a evolução dos preços cobrados nos estacionamentos dos

shoppings administrados pela Rede Multiplan14:

Em junho de 2012 o preço aumentou de R$ 5,00 para R$ 5,60, correspondendo

a uma alta de 12%;

Em fevereiro de 2013 o preço aumentou de R$ 5,60 para R$ 7,00, implicando

em uma alta de mais 25%.

14 <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2013/02/15/internas_economia,350565/estacionar-em-shoppings-de-bh-fica-25-mais-caro.shtml> Acesso em 13 mar 2013.

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Como verificado, em um período de 8 (oito) meses o aumento chegou próximo aos

40%. Esse percentual é seis vezes maior que o IPCA do período em Belo Horizonte, conforme

os índices divulgados pelo IBGE.

Não passou desapercebida a justificativa da empresa para o aumento abusivo do preço,

segundo a qual a alteração se deve em função de reajuste nos custos operacionais e

melhorias em equipamentos e novas tecnologias10.

Ora, não há como mascarar que se trata de aumento abusivo, recomendando a pronta

intervenção do Poder Local no domínio econômico, vez que o Relatório de resultados do

segundo trimestre de 2012 da Multiplan15 traz informações bem distintas daquelas

apresentadas como justificativa para o absurdo aumento.

Isso porque, entre o segundo trimestre de 2011 e o segundo trimestre de 2012, houve

um aumento de 32,4% das receitas de estacionamento. Já no período compreendido entre o

terceiro trimestre de 2011 e o terceiro trimestre de 2012, o aumento foi de 29,4%, também

conforme dados fornecidos pela própria Multiplan16.

Finalmente, pela análise do Relatório de resultados do quarto trimestre de 2012 da

Multiplan verifica-se que o aumento da receita auferida com o serviço de estacionamento foi

de 30,2% se comparado com o quarto trimestre de 2011.

Ora, pelo visto a justificativa apresentada não se sustenta, não há que se falar em

aumento dos custos operacionais quando as informações financeiras apresentadas atestam o

contrário. Essas receitas aumentaram em média 30% no último ano, caracterizando assim a

abusividade de preços (configurando prática abusiva vedada pelo art. 39, V e X do CDC) e

dilatação injustificada das margens de lucro.

O que causa espécie também, como já dito, é que as mercadorias e os serviços

oferecidos nos shopping centers, tendem a ter preços superiores àqueles oferecidos por

estabelecimentos similares localizados fora desses empreendimentos, justamente porque o

lojista já arca com o custo dos atrativos oferecidos aos consumidores, dentre eles o do

estacionamento.

Como visto, não bastasse a abusividade dos preços cobrados, por si só justificadora da

intervenção municipal, tanto o consumidor quanto o lojista estão sendo prejudicados pela

política econômica privada adotada pela Multiplan na administração dos seus negócios na

capital mineira.

15 <multiplan.infoinvest.com.br/ptb/1235/Multiplan2T12Port.pdf> Acesso em 13 mar 2013. 16 <multiplan.infoinvest.com.br/ptb/1268/Multiplan3T12PORT.pdf> Acesso em 13 mar 2013.

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Lado outro, pouco seduz o argumento dos administradores desses malls no sentido de

que tal cobrança deve-se ao fato de que não frequentadores dos shoppings têm se utilizado das

vagas de estacionamento por ele oferecidas. Ora, o consumidor não pode ser penalizado. A ele

não pode ser imputada a responsabilidade e o custo financeiro pela prática acima que pode ser

desestimulada a partir da gratuidade ou descontos no preço dos estacionamentos para aqueles

que efetivamente consumam. O consumidor deve ser prestigiado, não punido.

Demonstrada a abusividade na situação acima analisada, é o caso de se discutir quais

as intervenções possíveis e necessárias de competência dos Municípios.

6. AS POSSÍVEIS INTERVENÇÕES DO MUNICÍPIO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

Como demonstrado anteriormente no artigo a questão dos preços cobrados pelos

estacionamentos em Belo Horizonte é assunto de interesse local dos seus habitantes.

Conjugando-se, pois, os dispositivos constantes dos arts. 24, incisos I e V, e art. 30,

incisos I e II, da CR e dada a natureza jurídica da relação econômica em exame (relação de

consumo) surge então ao Município o poder/dever de intervir no domínio econômico.

Ademais, a Lei Maior brasileira também impõe aos poderes locais agirem na vida

econômica para normatizar o processo produtivo local a fim regrá-lo, induzi-lo ou de inibir as

práticas abusivas nas relações de consumo (por exemplo); criar empresas estatais objetivando

exercer atividade econômica; realizar ou conceder serviços públicos municipais; e, ainda,

criar suas agências reguladoras, conforme os arts. 174, caput; 173, caput e 175 da CR. Tudo

no intuito de cumprir o objetivo (existência digna) e dos princípios (defesa do consumidor,

função social das propriedades, livre concorrência, etc) da nossa Constituição Econômica.

Ora, se é certo que não há um regime geral de controle de preços no Brasil para

estacionamentos, também é correto dizer que nos casos de abusos ou excessos, ou seja,

existindo interesse público e social, a intervenção do Estado não é só desejável, como possível

e necessária.

Dentre as modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico, destacam-se

três:

Intervenção Direta: por meio das empresas estatais ou sociedades de economia

mista;

Intervenção Indireta: através de legislação que venha estabelecer, por exemplo,

uma política de controle de preços/tarifas (via congelamento, tabelamento,

preço mínimo ou máximo); e

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Intervenção Intermediária: praticada pelas Agências de Regulação na

normatização de serviços públicos ou/e atividades econômicas privadas.

No caso da atividade econômica privada, a fim de reprimir os abusos dos

estacionamentos (empresas), objeto do presente estudo, pode o Poder Municipal atuar das três

modalidades acima elencadas.

Inicialmente pode criar-se uma empresa estatal com base no art. 173, caput da CR com

fins de explorar serviços de estacionamento e a longo prazo aumentar a concorrência no setor

e o número de vagas disponíveis. Assim atuaria em favor do consumidor, intervindo

diretamente no domínio econômico, na disputa do mercado, forçando os concorrentes a

reduzir os preços. Solução demorada em face da necessidade da autorização legal para

instituição da empresa, da criação de sua infraestrutura administrativa e da implantação dos

futuros estacionamentos pela cidade.

Outra hipótese, prevista na solução do problema levantando no presente estudo,

adviria da própria legislação consumerista (CDC e Decreto 8.197/97) e do órgão local de

defesa do consumidor (PROCON) punindo administrativamente a referida prática de abuso

nas relações de consumo (art. 39, V e X do CDC) e aplicando as sanções previstas como a

multa. Contudo o órgão local de defesa do consumidor deve estar estruturado legalmente

(legislação municipal) para exercer a dita competência punitiva, podendo as sanções ser

suspensas ou anuladas pelo Judiciário, além de não se ter a obrigatoriedade, nem a garantia,

de se cobrar preço justo pelo serviço de estacionamento. Aliás, Belo Horizonte pode e deve

assim agir por possuir os requisitos legais mencionados.

Pode ainda ser criada uma agência de regulação com base nos arts. 174 e 182 da CR a

fim de normatizar um dos serviços decorrentes da vida urbana (guarda de carros), fixando

comodidade, segurança, espaço mínimo, índices e periodicidade de reajuste, preços máximo,

etc. Tal solução seria a médio prazo, posto que demandaria a criação da agência, contratação

dos servidores e estruturação das suas atividades institucionais.

Por fim, dentre as soluções possíveis para se reprimir os abusos cometidos pelas

empresas de estacionamento privado, caberia ao Município estabelecer por lei o controle de

preço, via preço máximo, logicamente respeitados os custos e possibilitando uma margem de

lucro, a fim de não inviabilizar o setor, com base, dentre outros comandos legais já citados,

nos art. 174, caput e 170, III, IV, V da CR (função social da propriedade, livre concorrência e

defesa do consumidor).

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Tal solução poderia ser implementada de forma célere, posto que dependente apenas

de Lei Municipal (sugerida na capital mineira) ou de Medida Provisória local - desde que

esteja prevista no processo legislativo da Lei Orgânica do Município (Belo Horizonte não

existe), conforme já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça17.

Cumpre por fim registrar que não passou desapercebido o conteúdo da recente decisão

proferida pelo STF na ADI 1.623/RJ18, relatada pelo Min. Joaquim Barbosa, na qual fora

reconhecida a inconstitucionalidade da Lei Fluminense nº 2.050/92 que proibia a cobrança de

qualquer quantia dos usuários dos estacionamentos oferecidos.

Dois foram os fundamentos apresentados para a inconstitucionalidade da norma: (i)

invasão da competência da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, CF) e (ii) a ofensa

ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF).

Contudo, os argumentos apresentados no citado acórdão do STF não são capazes de

ilidir as conclusões constantes do presente trabalho. Isso porque, conforme demonstrado, não

há que se falar em vício formal, posto que a relação usuário e fornecedor de estacionamento

privado insere-se no âmbito do direito do consumidor (art. 24, V da CR), ramo no qual o

município detém competência para legislar (decisões citadas acima), além de encaixar-se em

assunto de interesse local (art. 30, I da CR).

Igualmente improsperável o argumento de violação do direito de propriedade, haja

vista que o conceito de propriedade deve ser analisado em consonância com a própria função

social a ela exigida e com o direito do consumidor, enquanto direito fundamental.

Cumpre frisar, por derradeiro, que a proposta apresentada para o problema apontado

no presente trabalho, ao contrário da inconstitucional Lei Fluminense, não é a utilização

gratuita dos espaços privados de estacionamento, e sim a justa remuneração pela “ocupação”

dos espaços pelos particulares/consumidores estabelecendo preço máximo.

7. CONCLUSÃO

O presente estudo objetivou demonstrar que os moradores das grandes metrópoles,

dentre elas Belo Horizonte, vêm sofrendo com o grande aumento da frota de veículos

particulares, e os decorrentes problemas com o deslocamento e estacionamento de

automóveis.

17 STJ – 6ª T. – Resp nº 78.425/RS – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1997, p. 42.611. 18 STF – Pleno – ADI 1.623/RJ – Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ-e, 15 abr. 2011, p. 11.

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As políticas econômicas públicas sazonalmente estimulam a indústria automobilística,

mas, aliada à falta de infraestrutura e investimento nos sistemas de transporte público

agravam o problema apontado, que em Belo Horizonte é sentido com intensidade, dada a

exígua frota de táxi e o elevado custo do serviço público, quando disponível.

Diante desse caos, as empresas de estacionamento privado de veículos são rotuladas

como detentoras de verdadeiras “minas de dinheiro”, e vêm fazendo jus a esse rótulo, na

medida em que praticam preços abusivos, com vistas ao aumento arbitrário dos seus lucros,

implicando no distanciamento dos comandos constitucionais de função social da empresa e de

defesa do consumidor.

Apontado o problema, e demonstrado o interesse local dos munícipes na utilização dos

serviços privados de estacionamento e, sobretudo, na justa remuneração por sua utilização,

analisamos a competência do município para intervir no domínio econômico.

Pela análise conjugada dos artigos 24, incisos I e V e 30 incisos I e II, e ainda do art.

174, caput da CR/88, análise essa referendada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento

da ADI nº 1.950, ao Município é garantido não somente o direito, como também o dever de

intervir na vida econômica local fixando controle de preços (por exemplo), com vistas a

assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades, com a garantia do bem-

estar de seus moradores (art. 182 CR) e consumidores (art. 170, V da CR).

Os dados constantes das pesquisas utilizadas nesse estudo comprovaram o aumento

abusivo dos preços praticados pelos estacionamentos privados, sobretudo aqueles localizados

nos Shopping Centers administrados pela Rede Multiplan, a título de exemplificação, ficando

patente o desrespeito à ordem jurídica.

Considerando-se, portanto, tratar-se de assunto de interesse local envolvendo relação

de consumo, e delineada a competência municipal para intervir na busca de solução jurídica

para o problema apontado, concluímos que dentre as diversas modalidades de intervenção

possíveis, a que melhor atende aos anseios dos munícipes será a política de controle de preços

(fixação de preço máximo).

Tal apontamento deve-se ao fato de que referida intervenção é capaz de produzir

efeitos imediatos, dada a possibilidade inclusive de ser implementada mediante a utilização de

Lei Municipal ou Medida Provisória Local (quando prevista na Lei Orgânica municipal).

Logicamente, na estipulação pelo Poder Local de preço máximo (espécie do gênero controle

de preço) a ser praticado pelos prestadores dos serviços privados de estacionamento, observar-

se-ão os custos diferenciados na manutenção desses serviços, o que justificaria, inclusive, a

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determinação de preço máximo distinto por região, além de manter uma margem justa de

lucro e não abusiva.

Por fim, reafirmamos a possibilidade jurídica de intervenção indireta do Município no

domínio econômico, no caso em tela poder/dever, a fim de regular os preços cobrados pelos

estacionamentos privados, assegurando-se, por um lado a justa remuneração dos prestadores

de serviço, e por outro, o desenvolvimento das funções sociais da cidades, da empresa e a

proteção do consumidor, com vistas ao bem-estar geral de seus habitantes, na medida em que

coibida a prática abusiva de preços.

8. REFERÊNCIAS

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edição, São Paulo: Editora Rideel, 2009.

BRASIL, Lei n. 8.078, 11 setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor

e dá outras providências.

BRASIL, Lei n. 10.257, 10 julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

BRASIL, Lei n. 12.529, 30 novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de

Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem

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CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers – Direito dos Lojistas. 3ª edição, São

Paulo: Saraiva: 2003.

CLARK, Giovani. O Município em Face do Direito Econômico. Belo Horizonte:

Del Rey: 2001.

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GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª edição

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A RESPONSABILIDADE MÉDICA, HOSPITALAR E O ÔNUS DA PROVA SOB A ÓTICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

RESPONSABILITÀ MEDICA, OSPEDALE E L'ONERE DELLA PROVA DAL PUNTO DI VISTA DI ANALISI ECONOMICA DEL DIRITTO

João Carlos Adalberto Zolandeck1 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Obrigação e responsabilidade na relação jurídica médico-paciente. 3. Ônus da Prova, inversão do ônus da prova, cargas dinâmicas probatórias, a instrumentalidade do processo, ativismo e protagonismo judiciário sob a ótica da repercussão econômica do direito. 4. Conclusão. Referências. RESUMO Ao relacionar o direito material, processual e a visão econômica do direito, este estudo busca constatar a quebra da rigidez do sistema legal de distribuição do ônus da prova, nas questões que se relacionam com responsabilidade civil do médico. Para tanto, buscou-se a uniformidade do texto sem esgotar conceitos, tratando, apenas, questões interativas ao tema: “ônus da prova”, “a inversão do ônus da prova”, a interpretação das “cargas probatórias dinâmicas”, o “ativismo”, o “protagonismo judicial” e a “análise econômica do direito”, que em conjunto interferem positivamente nas situações jurídicas que envolvem a relação médico-paciente. O direito como movimento, ação e reação social, o bem-estar e o atendimento do princípio da dignidade da pessoa humana também interagem com o tema proposto.

PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade; ônus da prova; inversão; cargas probatórias dinâmicas; ativismo; protagonismo judicial; análise econômica do direito. RIASSUNTO Collegando il diritto sostanziale, diritto processuale e visione economica, questo studio cerca di costatare Il rompimento della rigidezza del sistema legale di distribuzione dell’onere della prova, nelle questioni riguardanti le responsabilità del medico. Per tanto, si è cercata l’uniformità del testo senza esaurire concetti, trattando, soltanto, di questione per quanto riguarda Il tema: “onere della prova”, “ l´inversione dell’onere della prova”, l’interpretazione delle “probatorie cariche dinamiche”, “l´attivismo”, Il “protagonismo giudiziale” e l'analisi economica del diritto, che nell'insieme interferiscono positivamente nelle situazioni giuridiche che coinvolgono Il rapporto medico-paziente. Il diritto alla reazione di movimento, azione e sociale, il benessere e la cura del principio della dignità umana anche interagire con il tema. PAROLE-CHIAVE : Responsabilità; Onere della prova; inversione; delle probatorie cariche dinamiche; attivismo; protagonismo giudiziale; l'analisi economica del diritto.

1 Professor de Processo Civil da FAMEC. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Coordenador do Curso de Direito das Faculdades da Indústria/FAMEC e do LLM em Direito Empresarial Aplicado da FIEP. Avaliador ad hoc do Ministério da Educação (INEP-BASis). Advogado do Escritório Zolandeck Advogados Associados.

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1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil foi construído para resolver conflitos individuais, não

respondendo adequadamente às demandas coletivas. De forma integrativa, o Código de

Defesa do Consumidor passou a interferir em diversas relações jurídicas, especialmente

aquelas relacionadas aos direitos emergentes, à proteção dos direitos difusos, coletivos e do

interesse público.

Parte da doutrina chega a mencionar que o CDC se constitui em base para o Código

de Processo Civil Coletivo.

Estas poucas linhas têm por objetivo demonstrar que outros institutos de construção

legal, doutrinária ou jurisprudencial interferem na rigidez do CPC, especialmente no que

interessa ao sistema legal de distribuição do ônus da prova e como é possível quebrar o rigor,

adotando alternativas mais atraentes e justas do ponto de vista do “processo justo” e da “justa

decisão”. Até que ponto aplica-se a este raciocínio o ativismo judicial e até que ponto o

dinamismo das cargas probatórias dinâmicas interfere na relação jurídica médico-paciente.

Para dar coerência ao raciocínio, a argumentação foi construída em dois tópicos,

iniciando-se pela contextualização da responsabilidade civil e das obrigações de meio e de

resultado. A partir daí, as implicações processuais quando da ausência de prova para a solução

da demanda, oportunidade em que o juiz se socorrerá das regras relativas ao “ônus da prova”.

A visão instrumental do processo também se materializa no contexto desse estudo,

partindo-se do princípio e da necessidade da aderência do processo ao direito material, para

que o espírito colaborativo das partes e do juiz, vinculado ao princípio da boa fé, possa

produzir os resultados esperados pelo processo civil contemporâneo, na esteira do processo

justo, equânime e da justa decisão.

A atuação do magistrado deslocando-se da neutralidade e preocupado com a análise

econômica do direito, repercute na responsabilidade do médico e das entidades de direito

público e privado responsáveis pelo oferecimento de serviços na área de saúde, de natureza

compulsória ou contratual. Isto quer dizer que a decisão do magistrado e o seu

comportamento, quando as partes isoladamente não conseguem resolver o problema no

âmbito da consensualidade, têm efeito imediato na gestão, na sustentabilidade dos serviços de

saúde e na continuidade laboral do profissional isoladamente considerado. A partir daí

procura-se dar equilíbrio a essa relação pelo grau de risco e pelos custos da transação.

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2. OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE NA RELAÇÃO JURÍDICA MÉDICO-

PACIENTE

Todo cuidado é pouco quando se discute a responsabilidade civil do médico, diante

das regras de direito material e processual que se relacionam. A responsabilidade do médico

como profissional liberal é apurada mediante culpa, no entanto, a prova e o ônus da prova dos

fatos relevantes para a solução do litígio sofrem interferências, notadas a partir do avanço

significativo dos estudos que cercam o direito constitucional processual civil.

Há, igualmente, interferência do contrato e o objeto do contrato de prestação de

serviços médicos. Como regra, a obrigação2 do médico, assim como a do advogado e demais

profissionais liberais é de meio e não de resultado. Isto quer dizer que o médico não se

compromete com a cura do paciente, mas a empregar todos os meios e a técnica disponível

para tal mister.

Como bem destaca Venosa,

essa distinção, obrigações de meio e obrigações de resultado, relaciona-se com a aferição do descumprimento das obrigações. Para algumas obrigações, basta ao credor provar que houve inexecução da obrigação, sem ter que se provar culpa do devedor. Para outras obrigações, no entanto, cumpre ao credor provar que o devedor não se comportou bem no cumprimento da obrigação. (2011, p. 56)

Para o autor citado, nas obrigações de resultado “o que importa é a aferição se o

resultado colimado foi alcançado. Só assim a obrigação será tida como cumprida”. Enquanto

que nas obrigações de meio “deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no

cumprimento da obrigação” (VENOSA, 2011, p. 56).

A exceção da regra segundo uma boa parte da doutrina diz respeito à cirurgia estética

ou de embelezamento, onde o paciente busca modificar seu estado físico e sua aparência para

melhor, segundo o seu critério de subjetividade. Não pode ser qualificada como obrigação de

resultado, a cirurgia estética reparadora, pois nesta hipótese o médico não tem o compromisso

com o resultado, mas os serviços estão destinados a reparação de traumas decorrentes de

acidentes, doenças ou outras situações de necessária intervenção.

Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 334-338) ao tratar da responsabilidade civil dos

profissionais da saúde, escolhe o médico como exemplo imediato e afirma que todos os

2 Para Orlando Gomes, “obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito da outra”. (GOMES, 2000, p. 9)

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profissionais desta área assumem obrigação de meio e a responsabilidade por danos causados

se dá por imperícia, apurada mediante culpa, mesmo na cirurgia estética de embelezamento.

O referido autor diferencia a cirurgia estética reparadora da cirurgia estética de

embelezamento e critica a jurisprudência dominante ao mencionar que “ao contrário do que

entende a jurisprudência ao realizar cirurgia plástica de razões puramente estéticas, o médico

assume também obrigação de meio, e não de resultado. A medicina de embelezamento está

sujeita aos mesmos limites das demais áreas da especialidade médica” (COELHO, 2010, p.

334-338).

O seu posicionamento é ainda mais contundente ao discordar de Lopes, e afirma que

o argumento a favor da obrigação de resultado não procede, lançando as seguintes razões:

em primeiro lugar, porque nada há de específico nas expectativas do paciente por ter a cirurgia razões puramente estéticas. Sempre que alguém procura um médico quer alcançar um objetivo específico: a cura de uma doença, melhoria do estado geral de saúde, controles preventivos etc. Deste fato, porém, não decorre seja a obrigação do médico de resultado. Em segundo lugar, porque não é possível mesmo na cirurgia de motivos puramente estéticos, garantir de forma absoluta o resultado satisfatório. Em outros termos, a questão não pode ser resolvida pelo que deseja o cliente, mas sim pelo que é objetivamente factível (COELHO, 2010, p. 334-338).

Uma posição intermediária a estes dois extremos parece mais adequada3. A

determinação da modalidade de obrigação, se de meio e de resultado, dependerá do pacto

entre médico e paciente, pois estará vinculada a promessa feita pelo profissional, por mais que

não tenha ele o controle sobre o organismo do paciente.

Esse raciocínio se aplica nas cirurgias estéticas destinadas ao embelezamento, pois se

o profissional promove sua imagem a partir da utilização de mídias que estampam o “antes” e

o “depois” do procedimento médico, inclusive com a utilização de imagens, e estas foram

determinantes para a escolha do paciente, a obrigação será de resultado. Nestas hipóteses,

entende-se que o médico assumiu o compromisso pelo resultado e a mesma habilidade para

seduzir o paciente deverá ser utilizada para produzir o resultado provocado e prometido.

Essas ponderações estarão presentes em todas as demandas que objetivem a

reparação de danos causados por imperícia médica. A imperícia marcará a culpa e por conta

3 “Note que a obrigação do médico é de meio e não de resultado em função de sua própria natureza, em razão da grande complexidade do funcionamento do organismo humano e dos limites da ciência. Não decorre do contrato entre o profissional e o paciente. É claro que, se o médico está bastante seguro de sua competência – ou é um tolo irresponsável - e assume contratualmente obrigação de resultado (a cura), não obtido este pode o paciente reclamar a indenização por inadimplemento de contrato. Não existindo, porém, específica combinação neste sentido entre as partes, a responsabilidade do profissional será necessariamente de meio. Adotando com perícia os procedimentos recomendados para o caso do paciente, o médico não responderá se, no final, mostrarem-se estes insuficientes à cura. (COELHO, 2010, p. 335)

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disso o dever de indenizar, como regra. Por outro lado, caso a hipótese assuma contornos de

obrigação de resultado, por mais contestável que seja e respeitada à posição de Fabio Ulhoa

Coelho, o dever de indenizar decorre da não concretização do resultado. Por mais que o

médico possa não ter controle sobre o organismo do paciente, espera-se dele, então, deixe

como ressalva que o resultado poderá variar de paciente a paciente.

Sem as considerações emprestadas do direito civil, não seria possível, em um

momento que se fala da relativização do binômio direito e processo, falar sobre o ônus da

prova na responsabilidade civil do médico.

3. ÔNUS DA PROVA, INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, CARGAS DINÂMICAS

PROBATÓRIAS, A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO, ATIVISMO E

PROTAGONISMO JUDICIÁRIO SOB A ÓTICA DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA

DO DIREITO

Pretende-se demonstrar que as peculiaridades da relação médico-paciente quebram a

rigidez do sistema legal de distribuição do ônus da prova.

Para relembrar o conceito de ônus, empresta-se a definição de Wambier: “o ônus

consiste na atribuição de determinada incumbência a um sujeito no interesse desse próprio

sujeito. Ou seja, prescreve-se ao onerado uma conduta a adotar, pela qual ele poderá obter

uma vantagem ou impedir uma situação que lhe seja desfavorável” (WAMBIER, 2010, p.

483).

Como se sabe, ao autor cabe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu,

fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, segundo a regra do artigo

333 do CPC. Ocorre que a prova médica é complexa e difícil para o autor, que,

invariavelmente, não detém o prontuário médico e não sabe descrever minimamente o

contexto do atendimento médico que experimentou.

O médico deve se preocupar com a relação jurídica de direito processual e com a

instrução probatória, produzindo todas as provas que estiverem ao seu alcance para formar o

convencimento do magistrado. Confiar absolutamente na rigidez do sistema legal e dificultar,

apenas, a interpretação e a prova da culpa que caberia ao autor, já não cabe no atual contexto

dos julgados que se apresentam.

É bom lembrar e ressalvar que a prova sobre as excludentes de responsabilidade

caberá sempre ao médico (inexistência de defeito ou de dano, culpa exclusiva do paciente ou

culpa exclusiva de terceiro).

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Por meio de um trabalho consciente do advogado, na defesa dos interesses do

médico, seria importante e agregador laborar já no início e desde a apresentação da defesa

com a idéia de que mais vale provar o atendimento adequado segundo as técnicas vigentes,

do que confiar na má formação da prova pelo autor. Razão disso é que o juiz, nesta relação,

poderá entender que o ônus cabe àquele que tem maior facilidade e condições mais favoráveis

para produzir a prova e, na ausência ou ineficiência desta, julgar em desfavor daquele.

Isto quer dizer que, pela teoria das cargas dinâmicas, o médico deve ser orientado a

se comportar ativamente na relação jurídica processual, esclarecendo, pontuando e

comprovando que não fez nada mais que outro médico, em igual situação, condição e com os

mesmos meios também faria.

A partir deste contexto, cabe refletir sobre o “ônus da prova”, “a inversão do ônus

da prova” e a interpretação da “teoria da carga dinâmica da prova”.

Como já foi visto, como regra se aplica o sistema legal de distribuição do ônus da

prova na relação médico-paciente (CPC, artigo 333). Ainda, como exceção, mas dependente

de prova indiciária de verossimilhança ou da hipossuficiência (CDC, artigo 6º VIII), cabível,

igualmente, a inversão do ônus da prova, que no Brasil é regra de convencimento (regra de

juízo)4. Cabe ressalvar, porém, que antes da inversão do ônus da prova, passa a ser regra,

nesses tipos de conflitos, a utilização da teoria dinâmica da prova, como fator preponderante

para a solução do litígio.

A doutrina já tem condições de dar a essa relação alternativas melhores do que no

passado, como se pode notar, objetivando o justo processo (equilíbrio de forças) e a justa

decisão (entrega tempestiva da tutela jurisdicional de acordo com o senso comum de

“justiça”).

Miguel Kfouri Neto traz uma abordagem muito interessante e inteligente sobre o

tema, até porque tem, ao seu lado, vasta experiência na judicatura. Diz que:

é dado ao juiz recorrer às presunções, para esclarecer os acontecimentos. Na prova de presunções, alivia-se o ônus probandi que recai sobre o paciente, quase se eliminando a necessidade de se provar a culpabilidade. Bastaria esclarecer efetivamente o nexo causal entre o evento danoso e o tratamento anterior. Tal formulação suaviza o rigorismo probatório atribuído ao paciente - para que, produzindo um dano em conseqüência do tratamento médico, deva o profissional

4“A possibilidade de inversão do ônus da prova é instrumental importante de que dispõe o magistrado para compensar as desigualdades existentes entre os consumidores e fornecedores que litigam em juízo. Trata-se de instrumental robusto e de caráter excepcional e, como tal, deve ser manejado sem prodigalidade. É fundamental que o magistrado tenha sabedoria ao conciliar a prudência para utilizá-lo como sobriedade e a ousadia para utilizá-lo com vigor. É preciso uma conduta eminentemente moderada: nem pródigo nem parcimonioso deve ser o magistrado”. (GIDI, 1995, n. 13, jan./mar)

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provar que atuou de forma diligente, com perícia e segundo regras técnicas da profissão (lex artis) (KFOURI NETO, 2010, p. 78-79).

O raciocínio de Kfouri Neto é bem interessante na medida em que afasta a

neutralidade e atribui ao juiz grande responsabilidade na condução e na solução do litígio.

Exigi-se um juiz mais participativo nas demandas reparatórias que se relacionem com a

atividade da medicina, pois

incumbe ao magistrado adentrar ao cerne da fundamentação, examinar detidamente os subsídios colacionados pelos demandantes e respectivos assistentes técnicos, assimilar com proficiência a dinâmica dos acontecimentos, preocupar-se com os mínimos detalhes do caso concreto, interferir incisamente na produção da prova pericial, a fim de que o labor do perito judicial resulte profícuo e ilumine a justa composição do litígio (KFOURI NETO, 2010, p. 78).

Socorrer-se do ônus da prova neste tipo de relação só se justifica quando inexistir

prova suficiente, ou seja, excepcionalmente. Deste modo, desde o início deste pequeno

estudo, a consciência já apontava para o entendimento de que não cabe pura e simplesmente a

distribuição do ônus da prova segundo a rigidez do sistema, aplicando-se a teoria da carga

dinâmica. Aplicar a teoria em referência não significa adotar a inversão do ônus da prova,

mas atribuir responsabilidade probatória para aquele que tem melhores condições de provar o

alegado ou o contrário do que contra ele se alegou.

Para se contrapor a idéia de mera inversão, cabe sustentar, inicialmente, o

posicionamento de Hildegard Taggesell Giostri em sua tese de doutorado, que ao citar

Zuccherino, esclarece que:

a inversão do ônus da carga probatória (do paciente para o médico) se justificaria em situações extremas, tais quais: a falta aos deveres essenciais (atendimento emergencial, risco de vida) à omissão de diligência correspondente à natureza de sua prestação assistencial e, também, nos casos de notória imperícia, imprudência ou negligência, quando se concretize o res ipsa loquitur (GIOSTRI, 2000, p. 191).

Vázquez Ferreyra, igualmente citado na obra anotada, acrescenta que:

não só não se trata de uma inversão do ônus da prova, como tampouco significa que o paciente possa adotar uma posição mais cômoda na demanda, pois a ele corresponde provar todos os fatos indiciários. Entende o autor que são justamente essas provas que levarão o julgador a uma convicção − por presunção hominis − da culpa do profissional médico (GIOSTRI, 2000, p. 191).

Neste sentido, cabe destacar, ainda, que:

Peyrano, a quem Vázquez Ferreyra atribui a paternidade da doutrina das cargas probatórias dinâmicas (ao menos na sua exposição de maneira orgânica), expressa a expectativa no sentido de que os juristas e os julgadores saibam rechaçar a tentação

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de considerar a doutrina das cargas dinâmicas como uma regra de inversão da carga da prova (o que não é), mas qualificá-la como uma regra não apriorística que impõe um tipo de colaboração entre autor e demandado na coleta do material probatório (GIOSTRI, 2000, p. 196).

Assim, contrapondo-se à idéia de mera inversão, pois se entende que as cargas

dinâmicas dependem da situação em concreto e da verificação das melhores oportunidades de

provar, cabe reforçar que, invariavelmente, é o médico que tem maior responsabilidade na

relação processual, eliminando-se, como diz Kfouri Neto, a necessidade de se provar a

culpabilidade pelo paciente em certas e determinadas hipóteses. Se isso ocorre e passa a ser

regra no contexto desta reflexão, o sistema torna-se flexível modificando o seu núcleo e

dispensando o autor de provar alguns fatos constitutivos de seu direito e relevantes para a

solução da demanda, ônus que lhe competiria considerando a rigidez do sistema processual.

Percebe-se que Kfouri Neto (2010, p. 80) tem razão na sua linha de raciocínio, o que

se coaduna com o entendimento de Giostri, no sentido de que, ao invés de tornar regra a

inversão do ônus da prova na responsabilidade civil do médico, seria mais prudente e razoável

se utilizar das técnicas relacionadas às cargas probatórias dinâmicas, evitando a postura

estática e censurável das partes.

Como contraponto, há quem sustente, em uma postura mais radical, a culpa

presumida do profissional liberal, impondo-lhe, desde o início, a demonstração da

inexistência da culpa. Assim, o sistema protecionista do consumidor não poderia impor a ele a

demonstração de conduta culposa do profissional liberal com fundamento nos art. 4º e 14, do

CDC. Isto significa que a verificação de culpa do profissional liberal não é ônus que se atribui

ao consumidor; pelo contrário, caberia ao profissional a prova da não-culpa, sem prejuízo da

inversão do ônus da prova quando presentes os pressupostos legais (NETTO LOBO, 1998, p.

162-165).

Acredita-se que este posicionamento já não cabe no atual contexto e diante da

sustentável teoria da carga dinâmica da prova, “não se há de exigir do autor, que se afirma

vítima de erro médico, que prove a culpa do cirurgião, senão que a este cumprirá demonstrar

de que se utilizou de todos os meios adequados da técnica e da ciência, no momento de

relevo” (DALL’AGNOL JUNIOR, 2001, p. 97).

Optando-se pelas cargas dinâmicas probatórias para a solução dos tipos de conflitos

aqui qualificados, resta:

a) inaceitável o estabelecimento prévio do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distribuição tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Revela, isto sim, a) o caso em sua concretude e b) a 'natureza' do fato

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a provar − imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo (DALL’AGNOL JUNIOR, 2001, p. 97).

A título ilustrativo, cabe citar um julgado do STJ, que amplia a utilização da teoria

dinâmica para outras relações de natureza jurídica diversa da responsabilidade médica, como

se pontua a partir da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. DEPÓSITOS EM CONTAS CORRENTES. NATUREZA SALARIAL. IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA QUE CABE AO TITULAR. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo. 2. Ademais, à luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (BRASIL. STJ, 2012).

Nota-se, assim, que a teoria da carga dinâmica5 tem interferido positivamente no

sistema processual de divisão do ônus da prova, deixando o processo mais vivo e

democrático, na medida em que a coleta da prova será destinada, de forma colaborativa, para

o autor ou réu, segundo o grau de facilidade e de comprometimento de cada um.

Apenas para ressalvar, o instituto da inversão pelo CDC permanece, mesmo em se

tratando de responsabilidade subjetiva, de forma não automática, pois depende das

circunstâncias concretas da causa e do cumprimento dos requisitos (hipossuficiência ou

verossimilhança). Na responsabilidade subjetiva, portanto, caso o juiz determine a inversão do

ônus da prova, caberá ao profissional liberal provar a inexistência de culpa, ao invés do

contrário, sem olvidar pela ideal utilização do sistema da carga dinâmica que aqui se defende.

A aplicação da “teoria da carga dinâmica da prova” é mais adequada na

responsabilidade civil do médico, merecendo aplicação pelos juízes e tribunais e franca

discussão doutrinária sobre as lides que envolvem este tema.

O profissional médico ao ser instado a integrar, como réu, uma relação jurídica

processual, especialmente nas demandas indenizatórias, deve ter preocupação redobrada, pois

5 “O critério tem sido aplicado 'com frequência' pela jurisprudência, 'é importante que o juiz valore as circunstâncias particulares de cada caso, apreciando quem se encontrava em melhores condições para comprovar o fato controvertido, assim como as razões pelas quais quem tinha o ônus de provar não produziu a prova. Mais adiante, o mesmo jurista registra que se denominou 'dinâmica' a esta concepção 'por sua mobilidade para adaptar-se aos casos particulares, a fim de opô-la a uma idéia estática igual para todos os supostos sem atender às circunstâncias especiais. O que ocorre, pelo visto, é uma flexibilização da doutrina tradicional, em homenagem ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional, na medida em que essa objetiva, sem dúvida, garantir o direito a quem realmente o titule”. (DALL'AGNOL JUNIOR, 2001 p.98)

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deverá estar ciente do dever processual de demonstrar o cuidado, o zelo, a diligência, o

tratamento dispensado ao paciente e as conseqüências favoráveis do atendimento. Esta

demonstração deve se dar através de documentos que ilustrem todo o relacionamento médico-

paciente, a principiar por um bem elaborado prontuário médico.

Isto se justifica porque o paciente/consumidor não detém elementos técnicos

científicos e nem mesmo informações suficientes sobre as anotações médicas, para que possa

equilibrar a relação jurídica processual. Enquanto nossos Tribunais não passem a aplicar a

tese da carga dinâmica de forma franca e automática, deve o médico ter ciência de que o ônus

da prova pode ser invertido, com o objetivo de facilitar a defesa do paciente, pois nem sempre

este tem condições adequadas para fazer a demonstração dos fatos constitutivos de seu direito,

segundo as regras de distribuição do onus probandi.

Por isso passa a ser importante a adoção das cargas dinâmicas probatórias, pois o

médico teria o dever de demonstrar que realizou o tratamento adequado, conforme os meios

de que dispunha, ou seja, não se trata de inversão do ônus, mas, de definição sobre quem deve

produzir a prova. No caso o “médico” estará isento de responsabilidade se utilizou todos os

meios disponíveis para a verificação diagnóstica, bem como, quando necessário, fez revisão

diagnóstica e diagnóstico diferencial, em conformidade com as técnicas conhecidas e

acessíveis.

O tempo da não responsabilização ou da responsabilização apenas por erro médico

grosseiro, já não tem mais espaço na moderna teoria da responsabilidade civil. Presume-se,

relativamente, a culpa médica, se o médico não apresenta o prontuário de atendimento em sua

defesa, cabendo prova em contrário.

Ao contrário do que entende boa parte da doutrina e cabe neste contesto apenas uma

breve reflexão, partilha-se da compreensão de que o erro de diagnóstico não é escusável

quando há insistência no diagnóstico equivocado, especialmente em tratamentos prolongados

com o uso de imunossupressores, como, por exemplo, os corticóides. Todo tratamento

prolongado exige revisão diagnóstica e diagnóstico diferencial, segundo os critérios

científicos de identificação de cada doença, justamente porque muitas vezes há identidade de

sintomas para vários tipos de moléstias.

É a cautela, a diligência, a existência de rotina e prontuário bem elaborado que se

exige do médico, cabendo sempre a ele o encargo de apontar que fez o que podia, segundo os

meios disponíveis, isentando-se de responsabilidade quando comprovar que outros médicos,

com especialidade equiparada e nas mesmas condições também poderiam optar pelo

tratamento médico escolhido e dispensado ao paciente (ZOLANDECK, 2009, p. 151).

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O destinatário das provas é o juiz. É ele que precisa formar o convencimento

adequado, cabendo valorar6 e se utilizar do poder instrutório que detém. Dentro do que lhe

cabe como iniciativa deverá interferir positivamente na relação processual exigindo das partes

ou formulando quesitos, que tragam informações e dados científicos sobre as características

da moléstia, problemas de saúde ou critérios de definição de diagnóstico segundo a atribuição

científica de importantes órgãos reguladores, como por exemplo, o “American College”. Esse

comportamento do juiz tem norteado as discussões sobre o ativismo judicial . Sobre este

assunto, ao comentarem sobre os princípios gerais que regem o processo coletivo, Didier

Junior e Zaneti Junior, esclarecem que:

entra em cena com uma maior participação do juiz nos processos coletivos – judicial activism – resultante da presença da ‘defining function’ do juiz, de que fala o direito norte-americano para as class actions.(...) O princípio revela-se também no controle judicial de políticas públicas, os exemplos recentes estão se multiplicando, existindo precedentes, já nos tribunais superiores, confirmando decisões que ordenam a execução de atividades essenciais pelo administrador (2008, p. 123-124).

O ativismo7 e o protagonismo judiciário caminham ao lado da garantia constitucional

do processo, cabendo mencionar a preocupação de Artur César de Souza, no texto intitulado

“justo processo ou justa decisão”. Ao fazer um paralelo esclarece que não basta que o

processo seja justo, há que haver justiça da decisão. “A injustiça da decisão, por mais que o

processo tenha sido justo em razão de sua agilidade e celeridade, é causa de insatisfação

popular tanto quanto a morosidade na prestação da tutela jurisdicional” (SOUZA, 2001, p.

471).

O justo processo é público e regulado por lei, propicia a igualdade das partes, o

respeito ao juiz natural e a imparcialidade, enquanto que a justa decisão pressupõe a boa fé

objetiva, a colaboração das partes e do juiz, na busca da verdade dos fatos. Em síntese este é o

entendimento do autor, que tem sérias preocupações com o instrumento processual, para que

ele não se torne um fim em si mesmo, mas sirva de instrumento para realizar o direito

substancial (SOUZA, 2001, p. 470-491).

6 “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formam o convencimento” (BRASIL, 1973, art. 131) 7“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de aparente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (BARROZO, 2011, p. 6)

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O tema deste estudo científico compartilha elementos importantes para dar

efetividade à tutela jurisdicional. Fala-se em processo justo, justa decisão, protagonismo

judiciário, ativismo, prova, ônus da prova, elementos de direito substancial, obrigações e

responsabilidade. Esse percurso aumenta o ponto de encontro e estreita à relação existente

entre o direito material e o processual. Assim, não poderia faltar, ao menos, um destaque e

posicionamento importante sobre a instrumentalidade do processo, pois é com a cooperação

das partes, do juiz e dos institutos que a jurisdição será efetiva e justa.

Nesse sentido, Canotilho estreita com muita propriedade a relação existente entre o

direito substancial e o processual ao declarar que:

o direito processual é tradicionalmente entendido como direito adjectivo ou direito formal, em contraposição com o direito substantivo ou direito material, porque a sua missão é servir de instrumento à efectivação de pretensões fundadas em normas de vários ramos do direito substantivo (civil, penal, administrativo, constitucional). Qualquer que seja o rigor da consideração do direito processual como direito secundário, aqui refere-se o seu carácter instrumental para salientar o fim do processo constitucional: servir de instrumento à realização do direito constitucional material, permitindo a solução dos vários tipos de questões jurídico-constitucionais: (1) litígios de competëncia ou interorgânicos; (2) controle abstracto e concreto da constitucionalidade dos actos normativos; (3) proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos; (4) controle da legitimação dos órgãos do Estado e dos seus titulares através do contencioso eleitoral (e referendário) (1998, p 907).

Nesse contexto e como última análise, não poderia faltar o posicionamento de

Cambi, que ao tratar do protagonismo judiciário, esclarece que para o direito pós-moderno a

passividade jurisdicional já não tem espaço, especialmente quando se busca a efetivação de

direitos humanos fundamentais, exigindo-se pró-atividade na tutela dos interesses sociais

relevantes (CAMBI, 2009, p. 245-246).

Admite o autor citado que a intervenção jurisdicional não é ampla e ilimitada e

estaria condicionada a violação dos direitos fundamentais ou a iminente probabilidade de que

isso ocorresse. A postura ativa do magistrado ou o que se tem denominado de protagonismo

judiciário, quando se busca a tutela dos direitos em referência, estaria justificado. No entanto,

a legitimação do exercício do Poder Jurisdicional está vinculada à argumentação jurídica, seus

parâmetros e a motivação das decisões (CAMBI, 2009, p. 247).

É justamente aqui, na consciência de que a intervenção jurisdicional não é ilimitada,

que cabe ressalvar a perspectiva da visão econômica do direito, sem descuidar do fato de que

o legislador, ao elaborar o ordenamento, necessário pelo prisma da preservação do direito à

vida, à integridade e à saúde, desloca-se, em muitos casos da realidade sócio-econômica e dos

cenários sociais que se apresentam em cada ano ou década, para uma ordenação intangível,

cabendo a equalização jurisdicional.

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Por esta visão, o magistrado ao se deparar com a responsabilidade civil decorrente da

falha no serviço de saúde, seja em que grau for, deve ponderar sobre o risco que envolve a

atividade e o potencial divisor deste risco, no sentido de diluí-lo.

Se por um lado na relação médico-paciente, encontrar-se o médico isoladamente,

cabe ao magistrado refletir não só sobre a responsabilidade civil, invariavelmente apurada

mediante culpa, mas também o panorama econômico de sua decisão, pois o médico assim

considerado tem dificuldade de diluir o risco de sua atividade, esperando-se, desta forma, uma

decisão mais ponderada do ponto de vista da solução justa.

Por outro lado, quando na relação jurídica de direito material envolvendo questões

médico-hospitalares, encontrar-se o hospital e ou o município, o magistrado e sua intervenção

se ocupará de parâmetros diferentes, seja para definir a responsabilidade, invariavelmente

objetiva, com as ressalvas acima, seja para definir as medidas inibidoras e ou reparadoras do

dano experimentado, neste ponto, com uma visão mais acurada sobre o potencial de diluição

dos riscos da atividade, ante o número expressivo de pacientes que são atendidos por estes

órgãos de direito público ou privado e o volume de contribuições ativas.

O mesmo raciocínio se aplica as empresas que administram seguros ou planos de

saúde, pois materialmente e segundo parâmetros de mercado, objetivamente já diluíram o

risco da atividade no custo do produto, cabendo a devida atenção ao magistrado, sobre estes

fatores.

A responsabilidade médica, invariavelmente, quando há problemas na relação

médico-paciente, esbarra nos direitos humanos fundamentais, pois as discussões mais comuns

estão relacionadas à dignidade da pessoa humana, à vida, à integridade física, psíquica e

motora, à saúde, ao bem estar entre outros direitos de grande valor. Por isso o posicionamento

de Eduardo Cambi é muito apropriado, com as ressalvas do pondo de vista da análise

econômica do direito, cabendo, aí sim, conclui com ele ao mencionar que:

compete ao judiciário velar pela integridade dos direitos fundamentais, repelir condutas governamentais abusivas, conferir prevalência a dignidade da pessoa humana, fazer cumprir as normas que protegem os grupos mais vulneráveis e neutralizar todo e qualquer ensaio de opressão estatal. A prática da jurisdição, para a efetivação da jurisdição não é interferência indevida do judiciário na esfera orgânica dos demais poderes da República. Não é censurável o protagonismo judiciário quando, diante da inércia e da omissão estatais, a sociedade exige posicionamento jurisprudencial criativo e positivo, para que se faça prevalecer a primazia da constituição (CAMBI, 2009, p. 248).

Pelo raciocínio acima é possível compreender a importância da atenção do juiz e das

partes nas demandas que envolvem a responsabilidade médica, pois a pró-atividade refletirá

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positivamente na fase instrutória do processo, atraindo expectativas e a forte tendência pela

solução justa do caso concreto, mas com a ressalva de que a intervenção do juiz não pode ser

ilimitada.

Para Coase (1960), diante da perspectiva de sustentação econômica das decisões

judiciais, no seu texto sobre “o problema do custo social”, apesar de admitir a intervenção do

Estado nos domínios econômicos, sociais e culturais, esclarece que a intervenção deve se

limitar a diminuir os custos de transação, dialogando sempre com a solução negociada.

O problema do custo social, cujo conteúdo abordado pelo autor citado, cabe sempre

em qualquer situação que leve em consideração a intervenção do Estado, no caso aqui

peculiar, pelo Estado-juiz. Coase (1960) pressupõe que a economia leve em consideração as

instituições (consumidor, empresas, mercado, organizações etc) e as externalidades

decorrentes, sempre com o foco na livre iniciativa e na concorrência perfeita, no sentido de

equilibrar o custo privado e o custo social.

Toda a perspectiva econômica para análise do direito e das decisões judiciais, se

permeada com a interpretação da nova economia defendida por Coase (nova economia

institucionalista), daria maior equilíbrio nas relações jurídicas de direito material e processual.

Por isso é que se propõe ponderar sobre a efetivação dos direitos e garantias fundamentais,

sem menosprezar o mercado, o equilíbrio das relações jurídicas entre os iguais e a proteção do

hipossuficiente.

Cristiane Derani (2008, p. 4-36) ao interagir o direito com a economia e o meio

ambiente, sustenta como tríade fundamental do desenvolvimento econômico, o capital,

trabalho e a natureza e de modo indissociável, o direito econômico e o ambiental, sempre com

a finalidade do aumento do bem-estar e da qualidade de vida individual e coletiva.

Nessas relações entre médicos, hospitais e pacientes, o bem-estar e a qualidade de

vida, devem permear todo o atendimento e o tratamento, seja ambulatorial, médico e humano.

Assim, como o direito está comprometido como o desenvolvimento sustentável, as

decisões judiciais que o aplicam e realizam, também deveriam estar alinhadas com estes

pressupostos.

O ativismo judicial está temperado pelo tipo de relação jurídica material e jurídica

processual, não podendo ser amplo e irrestrito, sob pena de caracterizar ofensa a liberdade

entre os poderes e prejuízos aos jurisdicionados que ficariam a mercê de tão amplos poderes

conferidos ao magistrado.

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Bem como diz Derani (2008, p. 4-36), o direito é visto como movimento, como ação

e reação social, que visa o bem comum. É isso que se espera das partes e do juiz nessa

discussão que tem como pano de fundo a proteção da dignidade da pessoa humana.

4. CONCLUSÃO

Trata-se, aqui, de uma especial visão sobre as lides que envolvem a relação

médico-paciente, um pouco diferente da tradicional maneira de direcionar o encargo

probatório ou de invertê-lo, mas que se apresenta mais razoável para a solução da lide

qualificada pelos interesses acima expostos, que passa, sem dúvida alguma, pela

necessidade de um juiz imparcial, mas não neutro, pró-ativo e protagonista do Poder

Jurisdicional, atento para a teoria da carga dinâmica, pois ela é capaz de equilibrar a

relação jurídica em questão e quebrar a rigidez do sistema legal de distribuição do ônus

probatório.

Toda a demanda encerra com a perspectiva do processo justo e da justa decisão,

conseqüência do trabalho do juiz e das partes no sentido colaborativo8. Assim, utilizando-

se da potência máxima das regras de direito material, processual e dos grandes temas de

direito processual encartados na Constituição da República, é possível solucionar o caso

submetido à jurisdição, segundo os preceitos da ética, da razoabilidade e

proporcionalidade, capazes de dar a resposta apropriada nas relações jurídicas que

envolvam médicos, hospitais e pacientes, não devendo o processo se tornar um fim a si

mesmo, como referido acima, mas ser o instrumento de realização do direito substancial.

O texto relaciona o tema proposto com a análise econômica do direito,

especialmente porque o ativismo judicial tem lugar para preservar princípios fundamentais

ao hipossuficiente. No entanto, sua aplicação tem um espaço menor nas relações

comerciais e empresariais, onde se deve ponderar sobre a interferência ativa do

magistrado, pois nestas hipóteses o juiz não deve substituir as partes na iniciativa ou

interferir nos contratos realizados em simetria ou igualdade, sob pena de ingerência na

ordem econômica e insegurança nas relações jurídicas empresariais.

Nessa relação tão peculiar entre médico, paciente, entidades de serviços públicos

e hospitalar, enquanto o direito for bem compreendido como movimento, como ação e

8 O princípio da cooperação segundo Didier Junior, citado por Mitidiero, convida pensar o processo cooperativo a partir do princípio da boa fé. Teria força de norma jurídica com eficácia vinculante direta e indireta, “da qual ressaem deveres de conduta para o órgão jurisdicional para a adequada condução do processo (deveres de esclarecimento, de consulta, de prevenção e de auxílio)”. (MITIDIERO, 2011, p. 495).

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reação social, sem descuidar da visão econômica para a sustentabilidade e aumento do

bem-estar, estar-se-á mais perto do atendimento do princípio da dignidade da pessoa

humana.

REFERÊNCIAS

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ABUSO DE PODER DE MERCADO E MERCADO RELEVANTE NA NOVA

ECONOMIA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CASO GOOGLE.

ABUSE OF MARKET POWER AND RELEVANT MARKET IN THE NEW ECONOMY:

DERIVATIONS FROM THE GOOGLE CASE.

Fabiano Teodoro de Rezende Lara*1

Isabella Luiza Alonso Bittencourt**

RESUMO A intensificação das transações feitas pela internet ocasionou o surgimento de um novo fenômeno econômico, que clama por mudanças na teoria concorrencial, na medida em que a tradicional análise não é suficiente para lidar com essa nova realidade. O antigo conceito de abuso de poder dominante e as antigas ferramentas antitrustes necessárias para o seu combate devem ser questionadas quando utilizadas no setor da nova economia. Ao se analisar o caso Google e a decisão do caso Microsoft, ambas as empresas investigadas por exercer o poder dominante na nova economia, pode se perceber um impasse existente entre políticas antitruste e inovação tecnológica, que deve ser solucionado sobre a perspectiva de que as políticas antitrustes não devem interferir desnecessariamente no avanço tecnológico. As conclusões apontam no sentido de que a solução encontrada pelas autoridades concorrenciais deve ser cautelosa e benéfica para os consumidores e para o mercado, não os privando da inovação tecnológica. PALAVRAS-CHAVE: poder de mercado; poder monopolístico; abuso; concorrência; nova economia. ABSTRACT The increment of transactions over the internet has caused the emergence of a new economic phenomenon, which calls for changes in the antitrust theory, because traditional analysis is not sufficient to deal with this new reality. The old concept of abuse of dominant power and the old antitrust tools necessary to prevent monopolistic powers should be questioned when used in the new economy sector. When analyzing Google's case investigation and Microsoft´s case decision, both companies investigated by exercising the dominant power in the new economy, we can identify a standoff between antitrust policy and technological innovation, which should be solved on the view that policies antitrust should not interfere unnecessarily in technological advancement. The conclusions point in the sense that the solution found by the competition authorities should be cautious and beneficial for consumers and the market, not depriving them of technological innovation. KEYWORDS: market power; monopoly power; abuse; competition; new economy.

1*Professor Adjunto de Direito Econômico dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG e do IBMEC. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito Econômico (GPDE) da FDUFMG.

** Bacharelanda em Direito da Faculdade de Direito da UFMG e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito Econômico (GPDE) da FDUFMG.

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1. INTRODUÇÃO

A economia, como a “filosofia da política concorrencial moderna” (BITETTI e

CARLI, 2012), exerce influência direta sobre a política e as leis que regulam o mercado

competitivo. A partir de novos paradigmas criados pela realidade econômica criam-se

mudanças na teoria e nas ferramentas econômicas, que influenciam alterações nas regras

que disciplinam a concorrência. Por sua vez, a norma concorrencial altera a realidade

econômica, que se readapta, recria-se, ensejando o surgimento de novas teorias e novas

ferramentas econômicas. No âmbito concorrencial pode-se observar um mecanismo

dinâmico de retroalimentação entre realidade, ciência e norma, que desafiam constante

reflexão acadêmica. A política de competição muda devido às evoluções da sociedade e da

própria história da humanidade. Nesse sentido, definições da concorrência e seu

funcionamento, bem como seus instrumentos, sofrem alterações de acordo com a evolução

da ciência econômica.

Atualmente, com a intensificação das transações feitas pela internet, surge uma

nova economia, que desafia o surgimento de uma nova teoria econômica, na medida em que

a tradicional analise econômica não é suficiente para explicar esse novo fenômeno do

mundo das negociações. Na verdade, para uma adequada analise teórica, são necessárias

observações dos comportamentos econômicos, a fim de identificar o que possivelmente

poderia ser considerado abuso concorrencial.

Propõe-se o exame do caso Google, que tem sido alvo de autoridades econômicas

para a discussão do seu monopólio, para reflexão acerca da nova economia e da proteção da

concorrência.

2. A NOVA ECONOMIA

A definição do que seria o novo fenômeno econômico é objeto de diversos entraves

acadêmicos ao redor do mundo.

Para Richard Posner (2000), a nova economia é definida pela união de três setores:

o software de computadores, as negociações realizadas através da internet e os serviços de

comunicações e equipamentos. Posner entende que as leis tradicionais de competição

podem ser utilizadas pela nova economia, não havendo qualquer incompatibilidade.

Entretanto, os tribunais se mostram inadequados para atuar nesse complexo mercado,

devido à incapacidade técnica de conferir respostas rápidas e satisfatórias. Por isso, Posner

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conclui afirmando que “é evidente, porém, que a palavra de ordem de uma agência de

aplicação prudente e um tribunal sensível será: cautela”2 (POSNER, 2000, p. 11).

Devido à quantidade de informações que podem ser intermediadas pelo

computador, Hal Varian (2010) defende que na nova economia há a possibilidade de criação

de contratos mais efetivos, uma vez que os aspectos das transações econômicas são mais

difundidos e observados ao redor do mundo.

De fato, a internet e a comunicação tecnológica representam a nova revolução

econômica. Por não ser tão bem definida, por ainda estar no seu início, não é possível prever

com exatidão os efeitos de tal revolução. Entretanto, algumas características podem ser

esboçadas.

Uma mudança ocasionada pelo uso da comunicação tecnológica é a quantidade de

informação que pode ser conferida e compartilhada do redor do mundo, proporcionando

conhecimento e produto de inovação. Ora, o custo da informação se tornou um bom negócio

da tecnologia, na medida em que permitiu ter acesso, em tempo real, a dados que

representam as preferências de um determinado mercado. Soma-se a tal inovação, a

descentralização física do mercado de websites, alcançando consumidores até então

inatingíveis, em função da barreira física.

Dessa maneira, com o aumento das informações sobre o mercado consumidor, bem

como com a intensificação desse mercado, por causa da diminuição das barreiras físicas,

surge uma nova estratégia de negociação, que é marcada pelo oferecimento de produtos a

custo zero para o consumidor. Paralelamente a tais produtos grátis, são oferecidos e

cobrados serviços especializados e avançados, direcionado a outro público. E ainda que não

oferecidos serviços cobrados, pelo menos se aproveita a grande gama de consumidores que

se utilizam dos serviços grátis por meio da publicidade (BITETTI e CARLI, 2012).

Em ambos os casos, ocorre uma substituição, na qual alguns consumidores pagam

pelo desfrute de serviços por outros consumidores. Esse modelo de mercado ficou definido

por two-sided market: “mercado de dois lados” ou “mercado dupla-face”.

Entende-se por “mercado de dois lados” um tipo de mercado em que há dois ou

mais grupos de consumidores, organizados em uma mesma plataforma, a qual promove a

2 “Cleary, though, the byword of a prudent enforcement agency and a sensible court will be: caution.” (POSNER, 2000, p. 11).

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conexão e a coordenação desses grupos distintos. Nesse sentido, esse fenômeno econômico

é marcado por diferentes usuários que estabelecem relação com uma mesma plataforma,

sendo que para a cada grupo de interesses se estabelece um tipo de relação, que reflete na

relação desenvolvida pelo grupo distinto do seu. O exemplo clássico de “mercado de dois

lados” é o mercado de cartões de crédito: esse mercado só existe porque congloba em uma

mesma plataforma consumidores e lojistas, que têm interesses distintos e relações distintas

com as administradoras de cartões de crédito. No caso da3 Google, que será visto com mais

detalhes, são oferecidos para os usuários serviços grátis de pesquisa. Na outra ponta, há a

possibilidade de se pagar uma quantia para a empresa, a fim de anunciar seu produto.

Quanto mais pessoas se conectam à pagina do Google, mais atrativa ela se torna para os

anunciantes que ali ofertaram sua mercadoria, havendo uma relação direta das

externalidades (consequências externas) entre os distintos grupos que possuem relação com

a empresa Google.

No caso da empresa estabelecer um mercado que ofereça produtos a custo zero para

qualquer usuários e produtos especiais direcionados para uma certa classe de consumidores,

a lógica das externalidades de cada relação influenciará a outra. Ora, em um mercado em

que a competição é mais acirrada, a plataforma sempre tem que incrementar os seus

produtos básicos, a fim de obter uma grande gama de consumidores básicos e,

consequentemente, um maior mercado consumidor potencial. Ademais, é necessário que

essa mesma plataforma incremente seus produtos especiais, para motivar aqueles

consumidores que a sustentam. Posteriormente, ela poderá transferir aos serviços básicos

aquelas características especiais ofertadas anteriormente aos usuários especiais, na medida

em que esses são a base de sua popularidade.

3. O CASO GOOGLE

Conforme definido pela Google, o Google objetiva organizar as informações do

mundo e torná-las acessíveis e úteis a qualquer pessoa4. Nesse sentido, a fim de exibir os

mais relevantes resultados para cada consulta, o Google possui um índice de pesquisa

conectado ao conteúdo da web. De se ressaltar que esse conteúdo está em constante

evolução, de acordo com as inclusões e modificações ocorridas na própria web.

3 Usaremos a Google para nos referirmos à empresa que faz a gestão do produto Google, que nos referiremos como o Google. No caso, a distinção de gênero marcará a distinção entre a empresa (feminino) e o produto (masculino) que partilham o mesmo nome. 4 http://www.google.com.br/intl/pt-BR/about/company/

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Inicialmente, o Google faz uma varredura na internet, armazenando tudo em um

índice. Posteriormente, um programa procura relacionar as pesquisas realizadas pelos

usuários com as páginas indexadas, oferecendo os resultados mais relevantes.

Para estar presente em um índice do Google, basta estar ligado por qualquer outra

página que, automaticamente, passa a fazer parte da “biblioteca Google”. Lado outro, para

encontrar o resultado relevante, o Google procura observar qual é a força das palavras de

pesquisa com a sua página, por meio da observância do endereço, o título e a frequência das

palavras no conteúdo da página, bem como os títulos de link recebidos.

Em outras palavras, o Google adota o sistema PageRank. Trata-se de algoritmo que

atribui uma pontuação (um PageRank) a páginas da web, de acordo com a quantidade e a

qualidade das ligações (externos ou internos) que apontem para ela. Quanto mais ligações

existirem apontando para uma página, maior é seu grau de importância no PageRank

Google. Dessa maneira, essa página tem maior probabilidade de obter um bom

posicionamento nas buscas, pois o PageRank indica que a comunidade da Web (por meio de

ligações) elegeu aquela página como de maior relevância o assunto pesquisado. Além disso,

o Google analisa os assuntos mais pesquisados e verifica quais sites tratam aquele tema de

maneira significativa. Assim, ele checa a quantidade de vezes que o termo pesquisado

apareceu naquela página, por exemplo.

Sabe-se que por a internet possuir uma grande quantidade e diversidade de

informações, é impossível encontrar tudo o que se precisa sem um mecanismo de busca.

Para isso, existem ferramentas como o Google, o Yahoo, o MSN, o Bing. Entretanto, o

Google se destaca de seus concorrentes por algumas razões. Podemos apontar como uma

das características do sucesso do Google a atualização constante de sua base de

informações. Existe uma espécie de “robô” do Google que busca por informações novas em

todos os endereços possíveis da internet. A partir disso, logo depois de uma matéria ser

publicada em um site, já é possível encontrá-la no Google.

Há ainda que se considerar que o Google, além do seu tradicional mecanismo de

busca, oferece outros serviços como o Google News, o Orkut, o Froogle, o Gmail, o Google

Talk, o Google Map, entre outros. Entretanto, para se utilizar dos serviços de busca do

Google, não é necessário acessar nenhuma outra conta do Google, bem como os outros

serviços podem ser utilizados independentemente de ser utilizado o serviço de busca.

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Quanto aos serviços oferecidos pela Google, no outro lado do mercado, pode se

falar que a empresa oferece uma plataforma, a qual possui dois tipos de usuários: os

anunciantes e as pessoas que buscam informações. Essas acessam o Google na busca de

resultados que respondam suas dúvidas, que lhe agreguem conhecimentos. Dentre tais

resultados, o próprio Google confere respostas advindas de serviços por ele mesmo

ofertado, como mapas, vídeos. Já aqueles, os anunciantes, compram espaços para terem seus

anúncios divulgados. Na verdade, os anunciantes participam de leilão de palavras-chaves,

que são baseados na qualidade da pontuação definida pela Google. Ademais, os anunciantes

pagam por cada clique que as pessoas realizam nos seus links, o que confere maior precisão

da publicidade.

4. INVESTIGAÇÕES DO GOOGLE POR AUTORIDADES CONCORRENCIAIS

Em 2010, após as reclamações de diversas empresas, a Comissão Europeia iniciou

uma investigação formal contra a Google. Posteriormente, em junho de 2011, a Federal

Trade Commission (FTC) dos EUA deu início às investigações para saber se o Google

exerce poderes monopolistas sobre parcela do mercado.

Essas Comissões investigam algumas possíveis condutas anticoncorrenciais da

Google, como por exemplo, abuso na posição dominante que ocupa, por conferir baixa

pontuação aos resultados que não foram pagos. Alegam que isso representa uma conduta do

Google de manipular as pesquisas de resultado e, consequentemente, o acesso à

informação5.

Ademais, investigam a alegação de que a Google impõe obrigações exclusivas a

determinados anunciantes, prevenindo os mesmos de participar de algumas concorrências

de espaços publicitários ofertadas. Há, ainda, a investigação da acusação de que a Google

teria abaixado o índice de qualidade, por meio dos links patrocinados inseridos na

competição da busca de resultados. De se ressaltar que esse índice de qualidade, conhecido

como “Quality Score”, é o responsável por determinar o preço que os anunciantes devem

pagar por seus anúncios à Google.

5 Nesse sentido, conferir PASQUALE, Frank A. and Bracha, Oren, Federal Search Commission? Access, Fairness and Accountability in the Law of Search. Cornell Law Review, September 2008. Disponível em SSRN: http :// ssrn . com / abstract =1002453, acesso em 17/03/2013; VAIDHYANATHAN, Siva. The Googlization of Everything: (and Why We Should Worry). Berkeley: University of California, 2011; AULETTA, Ken. Googled: The End of the World as We Know It. New York: Penguin, 2009.

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Em janeiro de 2013, após 19 meses de investigação, a FTC concluiu o seu inquérito

da Google6 com um termo de acordo. Entretanto, a Google firmou um compromisso com a

FTC, em que se estabeleceu a permissão da Google de acesso dos seus concorrentes, em

termos justos, razoáveis e não discriminatórios, às patentes de tecnologias padronizadas e

necessárias para a produção dos dispositivos populares, como laptop, smartphones e jogos.

Ademais, o Google assumiu o compromisso de conferir aos anunciantes maior flexibilidade

para gerenciar, simultaneamente, publicidade online em plataforma da empresa e em

plataforma de anúncios concorrentes. Por fim, o Google assumiu o compromisso de se

abster de apropriar indevidamente de conteúdos de websites que são destinados a categorias

específicas, tais como compras e viagens, na medida em que se utiliza de tais informações

para promover ofertas como que de sua propriedade fossem.

Note-se que a FTC, em seu inquérito, chegou à conclusão de que os mecanismos de

busca Bing e Yahoo adotam o mesmo comportamento que é objeto de crítica, qual seja, a

apresentação de conteúdos especializados na pesquisa em detrimento dos resultados

orgânicos. Em síntese, a FTC enfatizou que as leis protegem a competição e não os

competidores, sendo que o compromisso firmado com o Google será monitorado e caso o

mesmo descumpra, ela estará sujeito a sanções.

Posteriormente a decisão concedida pela FTC, as atenções se voltaram para a

Comissão Europeia, na esperança, para alguns, de que fossem impostas restrições mais

severas. Há suspeitas que a Corte Europeia irá impor mudanças mais consideráveis a

respeito das pesquisas realizadas pelo Google. Em entrevista ao Financial Times a

BARKER e WATERS (2013), Joaquin Almunia, membro da Comissão Europeia da

Concorrência, declarou que embora as investigações continuem, ele está convencido que o

Google ocasiona desvirtuamento no tráfego de internet, e que haveria não apenas o

exercício da posição dominante, mas abuso da posição dominante. Almunia acrescenta que,

provavelmente, antes de agosto de 2013, não haverá uma decisão da Comissão Europeia.

5. O GOOGLE TEM PODER DE MERCADO OU EXERCE PODERES

MONOPOLÍSTICOS?

A definição de se uma determinada empresa tem poder de mercado ou exerce o

poder de monopólio sobre parcela do mercado é um desafio. Inicialmente, é necessária a

6 Texto integral do acordo celebrado está disponível em http://www.ftc.gov/os/caselist/1210120/130103googlemotorolaagree.pdf. Acessado em 17/03/2013.

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construção do conceito do que seria o mercado relevante. Posteriormente, deve se fazer a

análise se aquela empresa tem uma parcela substancial daquele mercado, bem como se há o

exercício de poder sobre o mesmo. Há, ainda, que se analisar as eficiências que são geradas

pela detenção de uma parcela considerável desse mercado relevante, assim como se tais

eficiências são maiores pelos custos gerados pelo exercício de poder.

A Google é, com certeza, uma empresa de grande relevância no mercado. Mas isso

não implica necessariamente que ela tenha domínio desse mercado, ou que esse domínio se

converta em poder de mercado ou em exercício de poderes monopolísticos.

Quando uma pessoa acessa o Google para realizar uma pesquisa, não se sabe ao

certo o que está sendo vendido para ela, se são as informações a custo zero ou se são os

anúncios exibidos na página.

Para Giacomo Luchetta (2012), em perspicaz análise, o Google não atuaria em um

mercado de dois lados, mas em dois tipos de mercados distintos. O primeiro, como acima

exposto, consiste na venda de espaços para que empresas promovam os seus anúncios. O

segundo, parte inovadora de sua teoria, é a comercialização de pesquisas em troca de

informações pessoais recebidas dos seus usuários (LUCHETTA, 2012). Os que consideram

que o Google é uma plataforma, que conecta dois usuários e mercados distintos, os

anunciantes e as pessoas que buscam informações, entendem também que o mercado em

que ela atua é substituível e requer constantes investimentos para que isso não ocorra.

Ora há um variado número de sites de busca pela internet. Soma-se a tal fator que o

usuário não depende inteiramente desses sites para achar o que precisa; basta estar

conectado à internet e saber o endereço do destino para ter acesso ao que busca.

Pode-se considerar, ainda, que os anúncios promovidos pelo Google não disputam

apenas com os outros sites de busca, mas também com qualquer outro site que exiba

publicidade de algo, não importando se seja um site de relacionamento pessoal, tal como

Facebook, ou ainda um endereço eletrônico de entretenimento. Ainda mais além, o Google

disputa também com as publicidades offline, uma vez que o objetivo de qualquer anúncio

publicitário é informar o consumidor, não importando a forma como a publicidade é

exibida.

Outra questão que dificulta a definir o mercado, e a responder a questão de o

Google exercer poderes monopolísticos, está relacionado com o custo zero para os

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consumidores dos serviços oferecidos no mercado de busca. Ora, inexistência de cobrança

para se obter informações pelo site Google faz com que não sejam completamente

adequadas as ferramentas teóricas desenvolvidas para analisar os comportamentos dos

consumidores, se eles são realmente dominados por um produto que detém poder de

mercado.

Após a tentativa de se definir qual seria o mercado relevante em que o Google atua

e quais seriam os seus concorrentes, é que se poderia passar ao exame da existência da sua

possível posição de dominação.

Para elucidar os efeitos sobre o possível monopólio exercido pelo Google, também

é necessário saber se sua atuação no mercado provoca efeitos positivos, numa perspectiva

schumpeteriana. Para Schumpeter, há um fluxo circular da vida econômica, sendo

importante para o entendimento desse fluxo, as mudanças ocorridas na economia que não

lhe foram impostas de fora, mas que surjam de dentro por sua própria iniciativa. Nesse

sentido, afirma que o desenvolvimento supera a ideia de crescimento econômico, na medida

em que seria uma perturbação no equilíbrio, estabelecendo uma nova forma de organização.

Ainda em Schumpeter (1982), o monopólio, a partir de uma visão dinâmica da economia, se

justifica pela inovação econômica e teria duração limitada no tempo, em função das

adequações posteriores do mercado. O preço monopolista decorre do uso exclusivo da

inovação – do desenvolvimento - tendente a desaparecer com o ingresso de novos

competidores. Ou seja, conforme Schumpeter, a inovação tecnológica, provocadora do

rompimento do ciclo econômico, e, por consequência, promotora do desenvolvimento

econômico, causaria uma “destruição criadora” (SCHUMPETER, 1982). A inovação

tecnológica promove desenvolvimento destruindo setores inteiros da economia e criando um

novo e superior patamar de organização econômica.

Nesse sentido, com razão Adam Thierer (2011), também mencionado por Bitetti

(2012), que afirma que a nova economia seria marcada por uma realidade

hiperschumpeteriana. Literalmente, afirma Thierer que “nos mercados construídos em

grande parte código binário, o ritmo e a natureza da mudança tornou-se

hiperschumpeteriana: implacável e absolutamente imprevisível”7 (THIERER, 2011, p. 2).

7 “In markets built largely upon binary code, the pace and nature of change has become hyper-Schumpeterian: unrelenting and utterly unpredictable” (THIERER, 2011, p. 2).

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Na nova economia, os benefícios digitais têm custo de produção muito baixos, com

retornos crescentes na escala. Isto é, o custo de produção da primeira unidade não é muito

alto e a cada operação, ele se torna proporcionalmente mais barato e proporciona maior

rentabilidade. Essa característica facilita que os pequenos empreendedores rapidamente

cresçam diante do abuso de um monopolista. Com efeito, a diferença fundamental na nova

economia é a facilidade que um competidor tem de entrar nesse mercado, ao contrário das

demais tecnologias, em que a inovação necessita de grandes investimentos e a entrada de

novos competidores se torna comprometida, razão pela qual devem os agentes econômicos

intervir no monopólio exercido por uma empresa.

Atualmente, o Google detém 83,10% do mercado global de pesquisas na internet,

tendo 95% do mercado europeu, 74% dos EUA e 49% da China8, conforme estudos da

Netmarketshare.

8 Pesquisa customizada em <http://www.netmarketshare.com> referente ao período de 2012. Acesso em 17/03/2013.

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Gráfico 01 Desktop Search Engine Market Share - February, 2013

Search Engine Total Market Share Google - Global 83.10% Yahoo - Global 7.90% Bing 5.27% Baidu 1.81% Ask - Global 0.62% AOL – Global 0.37% Excite – Global 0.01%

Fonte: <http://www.netmarketshare.com> referente a fevereiro de 2013.

Entretanto, caso o Google diminua a qualidade dos seus serviços ofertados aos seus

usuários ou aumente abusivamente os seus preços de anúncios, logicamente, sua

participação de mercado será imediatamente tomada por seus competidores. Aliás, para que

isso aconteça, nem mesmo o abuso de poder de mercado é necessário: basta que um dos

competidores consiga, de forma mais eficiente, entregar aos consumidores dos dois lados do

mercado uma forma mais adequada de conseguirem o que querem. Ora, o conhecimento

continuará sendo buscado pelas pessoas, assim como os anunciantes continuarão pagando

para que suas publicidades sejam transmitidas, mas o Google não é a única forma disso

ocorrer, haverá outras maneiras que serão incorporadas pelo mercado.

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Há, ainda que se considerar que produtos alternativos aos ofertados pelo Google já

existem no mercado. Nesse mercado a competição se resume em um clique do usuário na

página desejada. Assim, não se pode falar que o Google possui mais acessos por ele

influenciar os usuários, na medida em que essa é uma escolha dos usuários, mas por sua

superioridade tecnológica quanto à prestação de serviços de busca. Ora, esses investimentos

do Google para aprimorar a sua qualidade, não podem representar uma penalidade para a

empresa.

É de se considerar, ainda, que nesses tipos de mercado há um evidente efeito de

rede (network effect). Os mercados com efeito de rede são aqueles em que quanto mais

consumidores existem, mais atrativo se torna o produto. Um bom exemplo desse tipo de

mercado é o de telefonia: quanto mais pessoas tem telefone, melhor o telefone para a

comunicação interpessoal. Imagine, para esse efeito, o desenvolvimento do mercado de

telefonia na sua origem: os primeiros aparelhos instalados não resolviam a necessidade de

comunicação da maioria das pessoas. À medida que foram sendo instalados mais aparelhos,

mais útil se tornou a telefonia. Da mesma forma, o que faz com que os resultados do Google

sejam os mais adequados é o seu mecanismo de PageRank, que tem como base também o

acesso de outros usuários. Quanto mais pessoas usam a plataforma para pesquisa, mais

precisos, em média, são os resultados.

Todavia, mercados com esse efeito de rede tendem a ter resultantes de dominação.

Ocorre, nesses mercados, a “guerra dos campos de batata” referida por Machado de Assis

em Quincas Borba (1892). Àquele que desenvolve a melhor tecnologia é entregue a maior e

melhor parte do mercado: “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”

(MACHADO DE ASSIS, p. 5).

Quanto à alegação do monopólio exercido pelo Google dados aos demais serviços

por ele ofertados, como Orkut, Google Map, Gmail, tem-se que fazer uma breve análise

histórica do ocorrido nesse novo mercado. Em 2004-2009, a Microsoft foi condenada pela

Comissão Europeia, por ilegalmente incorporar em sua operação de sistema o Windows

Media Player e o navegador Internet Explorer, mesmo que tais serviços sejam

disponibilizados aos usuários sem qualquer custo adicional. Foi imposta à Microsoft a

obrigação de, durante cinco anos, exibir uma tela de votação aos consumidores europeus

perguntando qual navegador eles gostariam de utilizar. Passado dois anos, pode se perceber

a redução do mercado alcançado pela Internet Explorer, não só na Europa, mas ao redor do

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mundo9. Ora, tal fato não ocorreu simplesmente pelas políticas antitrustes, já que essas

apenas foram implementadas no mercado europeu, mas por outros navegadores, como

Firefox e Chrome, que oferecerem internet mais rápida. Com efeito, segundo dados da

Netmarketshare.com o Internet Explorer saiu da participação de 78,42% em janeiro de 2008

para 49,17% em março de 2013, enquanto o Chrome inicia atividades em setembro de 2008

com 1,1% de participação de mercado para 26,44% em março de 201310. O mesmo pode se

falar que ocorreu com o Windows Media Player, uma vez que mesmo não tendo existido

políticas antitrustes, perdeu grande parte do seu espaço no mercado com o surgimento do

Itunes, com maior inovação tecnológica. Ou seja, as intervenções antitruste na outrora

temível Microsoft não causaram nenhum efeito. Ainda assim, por causa das reações dos

outros competidores no mercado, houve novo rearranjo do que era sua posição dominante.

A competição, na nova economia, advêm muito mais das políticas de inovação

implementadas do que das atitudes das autoridades regulatórias. Observe-se o recente caso

do Google Buzz e o Google Waves, nos anos de 2011 e 2012, que foram duas tentativas de

adentrar no mercado de rede social da internet. O Google Buzz foi adicionado

impositivamente ao Gmail, não podendo o consumidor optar por não ser assinante, numa

conduta que poderia ser considerada “venda casada” na visão antitruste tradicional. O

próprio mercado consumidor reagiu negativamente a tal entrelaçamento, demonstrando que

o uso de facilitadores da internet não é uma questão de tendência, mas de escolha. Lado

outro, a criação do Google Map e do Gmail ganhou rapidamente o mercado, tornando-se os

produtos mais populares da empresa. Ora, o sucesso de tais criações está no fato deles

levarem serviços inovadores aos consumidores e não no poder de influência exercido pela

companhia. Se fosse verdade que a influência do Google era a grande razão do seu sucesso,

não haveria fracassos, como o Google Buzz e o Google Waves. Quanto ao Google Plus

integrado na página do Google para adquirir informações pessoais dos seus usuários, há que

se fazer uma análise do mercado. Atualmente, a maioria das informações pessoais, as quais

são de grande valia para os resultados das pesquisas, são adquiridas em sites destinados ao

relacionamento, como o Facebook. Essa empresa inclusive se associou ao Bing, um dos

maiores competidores do Google, a fim de disponibilizar todas as informações necessárias

sobre as preferências sociais de busca. Dessa maneira, sabendo que futuramente ter acesso a

9 Conforme dados customizados da Stat Counter Global Stats – Top 5 Browser In Europe From Jan 2010 to May 2012. Disponível em http://gs.statcounter.com/#browser-ww-monthly-201202-201302. Acesso em 17/03/2013. 10 Pesquisa customizada em <http://www.netmarketshare.com> referente ao período de janeiro de 2008 a março de 2013. Acesso em 17/03/2013.

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essas informações será quase que vital para se manter no mercado, impedir o Google de se

capacitar para tanto, é tornar a empresa totalmente obsoleta, é utilizar a política antitruste

para proteger os competidores e não a competição.

6. CONCLUSÃO

Pode-se dizer que a nova economia é caracterizada por uma grande complexidade

de modelos de negociação, avançados conhecimentos tecnológicos, características essas que

dificultam a implementação de políticas antitruste. Ainda mais quando se considera que

estamos no início dessa fase, não se sabe ao certo quais serão as reais consequências e

efeitos desse novo fenômeno econômico.

Sabe-se que na nova economia, a opção desejada pelos consumidores advém

daquela que melhor oferta inovação e capacidade técnica. Dessa maneira, políticas

econômicas que se baseiam na imposição de restrições de avanços tecnológicos por parte de

uma grande empresa, a fim de uniformizar o mercado, ao invés de trazer benefícios para os

consumidores e para o próprio mercado, tende a se tornar contraproducente.

Pode ser que exista um conflito existente entre inovação e políticas antitruste,

quando pensadas com ferramentas da economia tradicional. Para que uma restrição

econômica seja efetiva, ela necessita trazer benefícios aos consumidores. Entretanto, a

maioria dos benefícios advindos para os consumidores se relaciona com a inovação

tecnológica, ainda mais em um mercado que os produtos ofertados possuem custo zero ou

similar.

Isso posto, mesmo tendo a FTC encerrado o seu julgamento, o impasse do caso

Google ainda continua. Não é certo se essa companhia exerce poder monopolístico de

mercado e, se exercendo, quais serão as efetivas políticas antitrustes para o combate dessa

eventual prática ilegal. Mas se sabe que a vulnerabilidade do Google, quando comparado ao

mercado tradicional, é muito grande, na medida em que novos concorrentes poderão

adentrar na economia sem grandes custos, bem como os próprios produtos oferecidos

possuem custo zero. Na verdade, o que se preocupa é que a solução encontrada pelas

autoridades seja benéfica para os consumidores e para o mercado, não os privando da

inovação tecnológica.

Em síntese, pode-se perceber que a nova economia exige o desenvolvimento de

novas ferramentas para intervenção do Estado com políticas concorrenciais, que sejam

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capazes de coibir de maneira eficiente e tempestiva o exercício de poderes monopolistas

sem, entretanto, coibir o desenvolvimento.

7. REFERÊNCIAS

AULETTA, Ken. Googled: The End of the World as We Know It. New York: Penguin, 2009.

BARKER, Alex e WATERS, Richard. Brussels takes tough stance on Google. Financial Times, London, Companies, Tech, 10 de jan. de 2013. Disponível em <http://www.ft.com/intl/cms/s/0/2b5bead6-5b3c-11e2-8d06-00144feab49a.html#axzz2Hb2xk4PZ>. Acesso em 17/03/2013.

BITETTI, Rosamaria e CARLI, Luiss Guido. Google, Competition Policy and the Hegel's Owl. In: SIDE - ISLE 2012 - Eight Annual Conference, 2012, Roma. Anais. Disponível em <http://www.side-isle.it/ocs2/index.php/SIDE/SIDE2012/schedConf/presentations>. Acesso em 17/03/2013.

LUCHETTA, Giacomo. Is the Google Platform a Two-Sided Market? (April 30, 2012). Disponível em SSRN: <http://ssrn.com/abstract=2048683> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2048683>. Acesso em 17/03/2013.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Editora Livraria Garnier, 1892. PASQUALE, Frank A. and Bracha, Oren, Federal Search Commission? Access, Fairness and Accountability in the Law of Search. Cornell Law Review, September 2008. Disponível em SSRN: http :// ssrn . com / abstract =1002453, acesso em 17/03/2013.

POSNER, Richard A., Antitrust in the New Economy (November 2000). U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper No. 106. Disponível em SSRN: <http://ssrn.com/abstract=249316> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.24931>. Acesso em 17/03/2013.

SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

THIERER, Adam. "Of ‘Tech Titans’ and Schumpeter's Vision". Forbes, 22 Aug. 2011.Disponível em <http://www.forbes.com/sites/adamthierer/2011/08/22/of-tech-titans-and-schumpeters-vision>. Acesso em 17/03/2013.

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ANÁLISE ECONÔMICA E PONDERAÇÃO NORMATIVA: LIMITES E POTENCIALIDADES DO DIÁLOGO LAW & ECONOMICS

ECONOMIC ANALYSES AND NORMATIVE PONDERATION: LIMITS AND POTENCIALITIES OF LAW & ECONOMICS DIALOGUE

AUTOR:

GUSTAVO ADOLFO MENEZES VIEIRA

RESUMO

O presente artigo insere-se no campo epistemológico Law & Ecnomics, tendo como objetivo traçar uma reflexão crítica acerca dos custos intrínsecos de realização dos direitos fundamentais, de modo a buscar respostas dogmaticamente mais adequadas aos dilemas de decidibilidade constitucional. Nesse sentido, mediante pesquisa qualitativa exploratória predominantemente bibliográfica, este trabalho visa estabelecer um diálogo metodológico entre análise econômica e ponderação normativa, sob o leitmotiv da proporcionalidade e da eficiência. Ao avalizar as relações entre Direito e Economia, constata-se a existência de fatores em comum favoráveis a essa interação interdisciplinar, bem como as inconsistências tanto de um modelo normativo-decisório não consequencialista quanto de um padrão de decidibilidade excessivamente economicista. Destarte, conclui-se pelas insuficiências teóricas de posicionamentos autistas (seja jurídico, seja econômico), propugnando-se a consecução de um diálogo construtivo de ambas as áreas do conhecimento sob a égide de um sopesamento deontológico. Palavras-chave: Law & Economics; direitos fundamentais; custos do direito; análise econômica; ponderação normativa.

ABSTRACT

The following article is inserted on the Law & Ecnomics epistemological field. It aims to draw a critical reflection about the intrinsically costs of implementation of fundamentals rights, thus seeking to propose more appropriate answers to the dilemmas of constitutional decidability. In this sense, through predominantly bibliographic exploratory qualitative research, this work intends to establish a methodological dialog between economic analysis and normative balancing, under the leitmotiv of proportionality and efficiency. The evaluation of the relationship between law and economics evidences the existence of favorable common factors to this interdisciplinary interaction, in so far as the inconsistencies of a no consequencialist normative decision-making model, or a pattern of juridical decidability exclusively economic-based. Therefore, this paper concludes the theoretical insufficiency of an autistic position (either juridical, either economical), proposing the achievement of a constructive dialogue of both areas of knowledge, under the aegis of a deontological weighing. Key-Words: Law & Economics; fundamental rights; costs of rights; economic analyses; normative balancing.

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1 INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios do direito, enquanto ordem normativa que se queira

vinculante, é a problemática da fundamentação racional das decisões judiciais. A esse mister, a

tradição jurídica volta-se em geral ao passado. Deveras, seja na observância do stare decisis do

Common Law, seja na deferência legislativa de seu homólogo continental, a Ciência do Direito

decide o presente com base em posições pretéritas e com isso, por vezes, descura do futuro.

Em que pese a irrefragável necessidade de estipulação de amarras normativas que

impeçam os efeitos nefastos de um voluntarismo judicial sem limites, deve-se ter cautela com

uma interpretação constitucional pautada exclusivamente por um marco normativista. O culto

inconsequente à norma pode ensejar efeito diametralmente opostos aos fins a que a aplicação

desta se propõe. Nesse orbe, a análise econômica do direito, integrada à técnica de ponderação

principiológica, lança novas luzes acerca da decidibilidade dos direitos fundamentais. O diálogo

Law & Economics engendra um efeito imunizador à hipertrofia de um padrão decisório

monolítico, impingindo uma conformação conglobante à realização do Direito.

Nesse quando, em um primeiro momento, o presente artigo analisará a relevância de

uma interpretação pragmática dos direitos fundamentais. Em seguida, será analisada a estrutura

dogmática desses direitos, nos moldes de um modelo normativo misto de regras e princípios. A

partir da própria dinâmica decisória principiológica serão traçados os elementos de concordância

e potencialidades reflexivas entre Direito e Economia. Por fim, em um último momento, avalizar-

se-á os limites dessa interação, ressaltando-se a importância de consecução de um quid

arquimediano entre ambos os campos epistemológicos.

2 OS INEXORÁVEIS CUSTOS DO DIREITO

2.1 PRODIGALIDADE E PRAGMATICIDADE

Decerto, todos os direitos fundamentais envolvem custos a sua realização, nesse sentido,

todos são direitos são positivos, no sentido que envolvem custos intrínsecos e, obviamente, não

apenas na acepção comum de direito vigente. O direito ao voto não pode ser desempenhado sem

verbas destinadas à realização dos procedimentos eleitorais. Tampouco a liberdade pode ser

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exercida sem a garantia de um custoso aparato de segurança pública. O próprio acesso à justiça

imprescinde de recursos suficientes à criação e manutenção dos tribunais.

Com argúcia, Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) apontam que, à construção

kelseniana que a dado direito do cidadão corresponde a uma obrigação do funcionário estatal,

deveria ser acrescentado que esse funcionário deve, necessariamente, ser pago. Do mesmo modo,

o clássico posicionamento de Norberto Bobbio (2004, p.23) de que “o problema fundamental em

relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los”, poder-se-

ia acrescentar a necessidade de custeá-los. Além de político, a tutela de direitos é, deveras, um

problema econômico.

Isso implica tratar com ressalvas a “prodigalidade textual da Constituição” (GALDINO,

2005, p. 338), ser pragmático (não no sentido semiótico ou pejorativo), mas em seu aspecto

cotidiano. Desse modo, antes de afirmar que uma pessoa tem dado direito fundamental

(definitivo), deve-se analisar antes seus custos, de modo a evitar que a faticidade sucumba a uma

validade descolada da realidade. Com isso não se quer dizer que a configuração de dado direito in

abstrato seja determinado pelo aspecto econômico, mas sim que este in concreto é passível de

restrições, em vista das possibilidades fáticas e jurídicas de sua realização (ALEXY, 2008).

Nesse mesmo sentido seguem tanto Ingo Sarlet (2011) como Gustavo Amaral (2010) e Gomes

Canotilho (2008, p.108) que assenta: “o recorte jurídico-estrutural de um direito não pode nem

deve confundir-se com a questão de seu financiamento”. Diferencia-se, desse modo, o direito

“garantido constitucionalmente ao cidadão que preencha os pressupostos subjetivos de

admissão”, da “reserva do possível, aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da

sociedade” (ALEXY, 2008, p.439).

2.2 NORMATIVISMO E CONSEQUENCIALISMO

Desse modo, para além do plano estritamente normativo, uma interpretação

constitucional consequencialista, que leve em conta os custos dos direitos fundamentais, figura

instrumento imprescindível à manutenção de integridade do sistema jurídico. Pode-se dizer que o

Direito é um “servo de dois senhores”, da lei e da realidade (AMARAL, 2010). O nó górdio,

nesse contexto, é definir o conteúdo dessa relação bifronte no campo da Lex Legum.

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Nesse aspecto, Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) destacam a “futilidade” de

discussões interpretativas com alto teor de abstração. Pode-se dizer que tergiversações teóricas

perdem-se nas brumas do “mundo dos conceitos” (GALDINO, 2005).

Se em casos simples há possibilidade de justificação interna mediante lógica dedutiva e

inferências, os “casos difíceis” (hard cases), nos termos de Ronald Dworkin (2002),

especialmente os que encerram “escolhas trágicas” (tragical choices), na expressão de Guido

Calabresi (1978), demandam justificativa mais complexas. Nesses termos, não se pode perder de

vista que decisões jurídicas implicam (re) alocação de recursos, portanto, envolvem escolhas de

“primeira ordem” (first order) sobre o que atender e de “segunda ordem” (second order choices)

sobre a quem atender (CALABRESI, 1978). Supor que os custos de realização de direitos não

serão arcados por outras pessoas em situações concretas, seus “financiadores ocultos”, resta uma

“profissão de fé” (AMARAL, 2010).

Afinal, “levar os direitos a sério significa também levar a escassez a sério1”

(HOLMES;SUSTEIN, 1999, p. 94), pois “direitos não nascem em árvores”. (GALDINO, 2005,

p.347). A interpretação constitucional, portanto, não deve ser pautada por um fetiche normativo,

sob o risco de sua reificação do Direito. Em uma visão estritamente normativista, nos termos de

Flávio Galdino (2005, p.114), o cogito ergo sum torna-se um ilusório cogito ergo est: trata-se da

nefasta “expropriação dos fatos pelo direito” que pode ensejar uma “esquizofrenia jurídica”

(GALDINO, 2005, p.334).

A Constituição não se duvida, há de ser cumprida. Porém, deveras, à mesma não cabe

normatizar o infactível. O culto à norma, à fetichização do positivo, tem como objeto “afastar

nossos olhares de horror das trevas e poupar ao ‘sujeito’ pelo bálsamo salutar da aparência”

(NIETZSCHE, 2004, p.121). Acostumamo-nos, portanto, a uma genealogia positivista acrítica,

rendemo-nos aos monumentos legislativos de uma “cultura bacharelesca”, esse interesse quase

que bizantino pelos livros (HOLANDA, 1995). Ao renegar-se o aspecto consequencial do

fenômeno jurídico, opera-se uma “décalage regulativa [...] o modo normativo-intervencionista

descura a necessidade de informação, quer no momento do impulso regulativo, quer na fase de

controlo” (CANOTILHO, 2008, p. 258).

1 Tradução livre do original: “taking rights seriously means taking scarcity seriously”.

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Esse gap informativo “mutila o conflito social, reduzindo-o ao caso legal e desse modo

exclui a possibilidade de uma adequada pró-futuro resolução socialmente compensadora2”

(TEUBNER, 1987, p.8). Logo, torna-se necessária uma virada hermenêutica na interpretação

constitucional, com vistas a tornar operacionais os direitos fundamentais. Deve-se afastar-se a

ingenuidade/ ideologia de que os custos do direito não devem ser levados em consideração em

sua aplicação. Torna-se necessário superar a ilusão de que a resolução de problemas concretos

esteja adstrita meramente a penadas em uma folha de papel. Nos dizeres de Stephen Holmes e

Cass Sustein (1999), portanto, à visão em “retrospectiva” (backward looking), típica dos juristas,

voltada ao aspecto normativo-procedimental, mister se faz necessário analisar os problemas

jurídicos sob um viés “prospectivo” (forward looking), característico dos economistas, voltado às

consequências da aplicação do direito no caso concreto. Afinal, ao abordarmos o ‘direito à universidade’, teremos nós, constitucionalistas, alguma ideia sobre a estrutura de trabalho e da bolsa de emprego? Ao insistirmos nos novos direitos sociais de minorias populacionais, como, por exemplo, os indivíduos soropositivos, saberemos que cada indivíduo gasta nos últimos dois anos terminais da doença alguma coisa em torno de dois milhões de escudos por ano, o equivalente a um apartamento de duas assoalhadas? Ao proclamarmos o indeclinável direito à segurança social, teremos nós as noções mínimas sobre regimes pessimísticos e sobre a distribuição do financiamento por várias gerações? (CANOTILHO, 2008, p.99-100).

O jurista afinal “ignora muitos dos problemas econômicos e cai na convicção legal de

que todos os problemas do mundo podem ser solucionados, desde que apenas de disponha de

uma legislação apropriada” (VELJANOWSKI, 1994, p.20). Nada mais equivocado. Faz-se

premente, portanto, integrar ao processo interpretativo dos direitos fundamentais a pragmática

consequencialista. Nesse plano que se revela de especial relevância o diálogo entre análise

econômica do direito e a tecnologia decisória da ponderação de princípios, como se verá a seguir.

3 A TECNOLOGIA DECISÓRIA DA PONDERAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA

3.2 REGRAS E PRINCÍPIOS: POR UM MODELO NORMATIVO-ESTRUTURAL MISTO

Sabe-se bem que um modelo normativo puro de regras, tal como proposto por Herbert

Hart (2007), relega a elementos extrassistêmicos a discricionariedade do intérprete quando da

decisão de casos de maior complexidade.

2 Tradução livre do original: “It mutilates the social conflict, reducing it to a legal case and thereby excludes the possibility of an adequate future orientated, socially rewarding resolution”.

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Contraponde-se a esse modelo, Ronald Dworkin (2002) aduz que, para além de regras,

dirigidas por uma lógica de “tudo ou nada” (all or nothing), a Ciência do Direito é regida por

princípios, preceitos normativos que, para além da validade, incorporam a dimensão de

sopesamento. Desse modo, a atribuição argumentativa de maior peso a um dado princípio em

detrimento de outro em certo caso concreto, não afeta sua dimensão de validade. Ou seja, o

afastamento de um princípio operacionaliza-se mediante “ponderação” (Abwägung), de maneira

ad hoc, não sendo excluído do ordenamento do qual decorre. As decisões jurídicas, mesmo em

hard cases operam-se, portanto, mediante critérios jurídicos. Esse modelo normativo misto de

regras e princípios parece ser um instrumental mais adequado para analisar a decidibilidade

constitucional.

Nos termos da “Teoria dos Direitos Fundamentais” (Theorie der Grundrechte) de

Robert Alexy (2008), adotada como referencial neste artigo3, o quid diferencial entre ambas as

espécies normativas é eminentemente lógico-estrutural. De acordo com essa distinção, princípios

são mandados de otimização dentro de possibilidades fático-jurídicas existentes, ao passo que

regras são determinações de âmbito fático-jurídico possível. Um conflito entre regras, nesse

diapasão, apenas pode ser resolvido mediante adoção de uma cláusula de exceção ou se uma

delas for considerada inválida (como através do critério de especialidade e/ou temporalidade). Ou

seja, a impossibilidade de aplicação normativa de regras no caso concreto corresponde a sua

própria invalidade sistêmica.

O nível de princípios, por seu turno, reflete um dever ser ideal, cuja passagem ao dever

ser real envolve necessariamente tensões, conflitos e colisões entre valores4. A não aplicação de

um princípio no caso concreto não ilide sua validade. O que ocorre é seu afastamento sistêmico

pontual, a partir de uma lógica de precedência deontológica no caso concreto. Por ser uma

diferenciação lógico-estrutural e não axiológico-material, a distinção entre princípios e regras,

nada diz sobre a fundamentalidade de cada preceito normativo no interior do sistema jurídico.

Destarte, o brocardo latino nullum crimen nulla poena sine lege praevia, mesmo sendo de

extrema relevância sistêmica, encerra estruturalmente regras e não princípios (SILVA V, 2003). 3 Desse modo, em que pese as percucientes observações desenvolvidas por Humberto Ávila (2004) acerca da Teoria dos Princípios, as mesmas não serão objeto de análise no presente trabalho, o que, pela riqueza teórica, demandaria uma investigação própria. 4 Apesar de semelhantes, princípio e valor não se identificam. De acordo com a divisão de conceitos práticos, podemos identificar princípios enquanto preceitos que possuem caráter deontológico (que remetem à modalidades deônticas básicas do dever ser). Princípios expressam juízos de valor; eles têm valor, mas não são, em si, valor (ALEXY, 2008).

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No mesmo sentido, a concepção de princípio aqui trabalhada não se confunde com sua

acepção jusfilosófica de causa primeira (nos moldes do cogito cartesiano), ou com a concepção

oitocentista que atribui à sua função mero caráter integrativo-interpretativo (como se depreende

do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Igualmente não prospera, à luz

do presente referencial, intelecções que distinguem ambas as espécies normativas por mero grau

de abstração, segundo propugnam vg Raul Machado Horta (1997) e Humberto Ávila (2004).

3.2 COLISÃO E PRECEDÊNCIA: O ESCRUTÍNIO DA PROPORCIONALIDADE

O espectro de incidência principiológica resta terreno fértil a albergar a dimensão

econômica da consecução de direitos fundamentais. Segundo estrutura de decidibilidade

normativa proposta por Robert Alexy (2008), no caso de colisão entre dois princípios

abstratamente no mesmo nível, (P1) e (P2), ambos devem ser sopesados, de modo a estabelecer

uma relação de precedência (P), de acordo com as circunstâncias de dado caso concreto (C).

Desse modo, podem-se aduzir as seguintes fórmulas: (P1 P P2)C ou (P2 P P1)C. A questão

decisiva é, portanto, estabelecer sob quais condições (C) dado princípio deve ceder em face do

outro. Nesses termos, pode-se deduzir a lei de colisão (k) nos seguintes termos: se do princípio

P1, sob as condições C, decorre a consequência jurídica R, então, há uma regra que tem C como

suporte fático e R como consequência jurídica: C→R.

Essa “regra de precedência” possui tantos atributos de suporte fático quanto o princípio

prevalecente possui condicionantes de precedência. Logo, o caminho que vai do princípio ao

direito definitivo passa por uma necessária relação de preferência que fundamenta um sistema

diferenciado de regras. A fundamentação racional dessa preferência é passível de todos os

argumentos disponíveis na argumentação constitucional como: vontade do constituinte,

consensos dogmáticos, precedentes jurisprudenciais e, especialmente para os fins deste artigo,

análises econômicas e argumentos consequencialistas. Desse modo, não se pode ilidir a

racionalidade dessa operação sem acometer à pecha de irracional grande parte do que se entende

como Ciência do Direito. Tal procedimento, não é diferente da fundamentação de regras

semânticas criadas para tornar conceitos vagos precisos. Seu resultado é um enunciado de

preferências condicionadas, o qual, de acordo com a lei de colisão já descrita, corresponde a uma

regra de decisão diferenciada.

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Associa-se, portanto, a lei de colisão tanto à teoria da argumentação jurídica como à

análise econômica do direito. A lei de colisão é permeada pela noção de proporcionalidade. De

natureza polêmica, sua natureza é divergente na doutrina. Robert Alexy (2008) a considera ora

como regra, ora como princípio. Já Humberto Ávila (2004) a reputa como postulado normativo

específico. Há quem defenda ainda sua identidade com o princípio da igualdade (AMARAL,

2010) e outros que a assemelham à razoabilidade (BARROSO, 2009). Considera-se aqui mais

pertinente reputar à proporcionalidade a conceituação de postulado sistêmico, tendo em vista sua

posição privilegiada na construção do raciocínio jurídico. A proporcionalidade não está sujeita à

ponderação, ela a envolve; não possui conteúdo material, antes o possibilita. Não há de se falar

em Direito desproporcional.

Independente da corrente adotada (postulado, princípio ou regra), entrementes, todas

fazem uso da construção conceitual moderna do termo pela jurisprudência alemã que subdivide a

proporcionalidade em três elementos: (a) adequação - compatibilidade entre meios e fins

(idoneidade da medida); (b) necessidade - escolha do meio de realização mais suave (vedação ao

excesso); e (c) proporcionalidade em sentido estrito - sopesamento custo-benefício (ponderação

entre ônus e proveito). Pode-se dizer que a máxima da proporcionalidade decorre da própria

natureza da teoria dos princípios e sua conceituação enquanto mandatos de otimização em face

das possibilidades fáticas (de onde decorrem as máximas parciais de necessidade e adequação) e

jurídicas (de onde decorre a máxima da proporcionalidade stricto sensu ou de sopesamento).

Nesses termos, no plano fático, um princípio de proteção P1 pode ser satisfeito mediante

várias medidas de M1 a M5 (todas elas, portanto, “adequadas” à sua consecução). Dentre essas, as

mais efetivas, ou eficientes economicamente, são M1 e M2 (ou seja, são de fato, “necessárias” à

sua realização). Nesse caso, do ponto de vista estrito de P1, exige-se a adoção discricionária de

M1 ou M2. Entretanto, a análise não se limita a considerações fáticas, mas deve ser analisada

sobre o ponto de vista de possibilidades jurídicas. Logo, é possível haver um princípio colidente

P2, sendo imprescindível o sopesamento jurídico entre ambos (proporcionalidade em sentido

estrito). Esse exame pode levar à conclusão de que as medidas M1 e M2 afetam o campo de

proteção de P2 de forma mais intensa que tutelam o bem jurídico almejado por P1. Logo, o campo

de discricionariedade para realização de P1 desloca-se para a utilização justificada de M3 ou M4.

Porém, ainda aqui, M4 pode afetar P2 de forma mais intensa que M3, de modo que deixe apenas a

adoção de M3 justificada.

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Desse modo, de um campo de cinco medidas a priori efetivas, o campo de

discricionariedade exaure-se em apenas uma alternativa viável.A tecnologia de ponderação tal

como exposta fora alvo de diversas críticas, entre as quais a que o caráter principiológico

derrubaria o “muro de proteção” em torno dos direitos fundamentais (HABERMAS, 2003). Ou

seja, a ponderação de valores, mesmo que estribada sob da tecnologia decisória da

proporcionalidade, mascararia um decisionismo voluntarista, insuscetível de controle de

racionalidade (STRECK, 2007). Robert Alexy (2008) refuta esses argumentos ao aduzir ser

possível auferir uma escala racional de afetação dos direitos fundamentais em três níveis: leve (l),

sério (s) e moderado (m).

Nesses termos, uma intensidade (I) de afetação moderada (m) de um dado princípio (P1),

sobre as condições fáticas C, pode ser descrito por: IP1C (m). No caso de colisão, prevalece o

preceito cujo grau de afetação seja in concreto maior que seu análogo contraposto. Entrementes,

podem ocorrer situações em que o grau de afetação entre dois princípios seja de igual

intensidade. É o que sucede quando, em dado caso de colisão, a realização de um princípio (P1),

enseja lesão tão séria (s) a outro princípio contraposto (P2), quanto a lesão que seria acometida a

P1 no caso de realização de P2. Essa situação pode ser descrita pela seguinte fórmula: IP1C (s) /

IP2C (s). Nesses casos, a decisão favorável a um ou outro princípio será, deveras, indiferente no

plano normativo.

Entrementes, a impossibilidade de uma ordenação rígida não ilide uma ordenação

flexível que pode ser dada pela precedência prima facie (ônus argumentativo não definitivo) aos

standards jurisprudenciais de um Tribunal Constitucional (ALEXY, 2008). Em busca de

operacionalizar esses standards, a questão fundamental é estabelecer quais elementos

justificadores capazes de engendrar uma racionalidade decisória consistente. Nesse contexto que

a análise econômica torna-se instrumento analítico propenso a auxiliar o plano de decidibilidade

jurídica dos direitos fundamentais, como será analisado a seguir.

4 LAW & ECONOMICS: ESSES (DES) CONHECIDOS

4.1 COMMON GROUND: EM BUSCA DE UM DENOMINADOR COMUM

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A análise econômica do direito configura subsídio de extrema utilidade para mensuração

da intensidade de afetação de determinados princípios e, por conseguinte, identificar qual direito

fundamental deve prevalecer no caso concreto5. Se de um lado, no nível alto de generalidade, é

relativamente mais fácil de ser identificado um conjunto fechado de princípios, resta mais difícil

sua hierarquização. No plano mais concreto ocorre o inverso, torna-se mais fácil a

hierarquização, porém mais difícil identificar o repertório em sua totalidade (ALEXY, 2008).

Nesse cotejo, ordenações cardinais ou ordinais são inaceitáveis por implicar em uma precedência

totalitária abstrata. Nas escalas cardinais, esse resultado pode ser mitigado se, além da hierarquia

de valor, haver uma escala de intensidade na sua realização. Porém, ainda aqui, os parâmetros de

metrificação seriam em grande medida arbitrários. Nesse cotejo, a análise econômica do direito

dá subsídio à superação das objeções que reputam ser a subjetividade de uma cognição moral

estranha a percepções empíricas ou ao pensamento analítico. Nesse quadro, além de ser possível

sustentar uma teoria dos valores não intuicionista, é possível mensurá-los economicamente. Para

desenvolver esse entendimento, resta fundamental assentar duas premissas essenciais.

A primeira delas é reconhecer que tanto o direito como a economia trabalham sobre

pressupostos comuns: a distribuição de recursos finitos em meio a infinitas pretensões humanas.

Nesse prisma, uma decisão jurídica sobre determinado direito fundamental aloca recursos

escassos em benefício de alguma (s) pessoa (s), em detrimento a outra (s). Em suma, sem

recursos, o direito não se realiza. Não se pode tirar conclusões normativas exclusivamente

abstratas. Cada decisão judicial gera inexoráveis trade-offs. Ou seja, há um custo de

oportunidade, no qual o benefício auferido por um deixa de ser usufruído por outrem. O problema

que se coloca é que, no mais das vezes, oblivia-se essas externalidades quando da tutela de

direitos fundamentais. Isso acarreta uma ponderação viciada e assimétrica em prol de dado valor,

sem sopesar seu devido contraponto principiológico. A crença na ausência de custos de alguns

direitos permite justificar sua tutela preferencial, mascarando-se uma determinada lógica

distributiva sob a falsa aparência de neutralidade; uma espécie de status quo neutrality

(GALDINO, 2005).

5 Como bem demonstra Richard Posner (2010), a análise econômica não deve ser confundida com o utilitarismo clássico de Jeremy Bentham. Voltado à promoção da “felicidade”, o modelo ético-jurídico utilitarista padece de um inafastável subjetivismo em sua mensuração, que pode gerar “monstruosidades morais”. Por uma perspectiva estritamente utilitarista, na ponderação de valores, haveria de se levar em consideração a felicidade de quem quer que seja, inclusive o prazer sádico de um assassino serial. Nos dizeres de Friedrich Hayek (1985a) o utilitarismo se resume a uma “falácia construtivista”.

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A segunda premissa refere-se à possibilidade da afetação de determinado princípio ter

seu “valor” mensurado economicamente (POSNER, 2010). Esse quantum, longe de ser algo

abstrato, pode, muitas vezes, ser encontrado no repertório de “preços” de um ambiente

mercadológico. “Valor”, em termos econômicos, equivale à medida de troca no âmbito de um

mercado; a quanto as pessoas estão dispostas a pagar por determinada mercadoria. “Preço”

corresponde ao valor de dada mercadoria para um consumidor marginal. Embora a atribuição

valorativa em geral encerre considerações não monetárias, em termos pragmáticos, sua

monetarização é uma práxis social, haja vista, vg a transação do risco de morte em atividades

perigosas por benefícios materiais maiores (vide os adicionais contidos no art. 192 e seguintes da

Consolidação das Leis do Trabalho - CLT).

Desse modo, à luz da análise econômica, a ponderação de princípios colidentes pode ser

realizada à luz do critério de “maximização de riqueza” (increase of wealth), correspondente ao

valor (preço) de todas as mercadorias e serviços de uma dada sociedade, além dos superávits de

consumidores e produtores; ou seja, a satisfação de preferências totais financeiramente

sustentadas por um dado mercado (POSNER, 2010). De acordo com esse critério, a

decidibilidade jurídica deve ser pautada por uma lógica de eficiência econômica que maximize os

benefícios de dada decisão em detrimento de seus custos sociais; o que corresponde à otimização

da aplicação dos recursos em vista dos fins reputados essenciais à ordem constitucional.

Nessa seara, instrumentos analíticos da análise econômica como o critério de eficiência

de Pareto e o de Kaldor-Hicks são passíveis de utilização na ponderação de valores. No método

de mensuração de Pareto, pode-se considerar determinada conduta lícita quando beneficia ao

menos uma pessoa sem prejudicar ninguém. No método de Kaldor-Hicks ou “superioridade

potencial de Pareto”, em vista das dificuldades de não afetação de terceiros, estabelece-se que o

aumento de proveito de dado indivíduo seja suficiente para compensar eventuais prejuízos de

terceiros. Para além desses critérios, a análise econômica volta-se à análise da utilidade marginal,

a partir de transações voluntárias, em um ambiente de livre mercado (POSNER, 2010).

Nesse diapasão, no campo da responsabilidade civil, de acordo com a Fórmula de Hand6

(VELJANOVSKI, 1994), a culpabilidade pode ser medida através da possibilidade de ocorrência

6 Refere-se a raciocínio esposado pelo juiz americano Learned Hand no caso “Halley v London Eletrcity Board” (1964). Nesse caso, um cego ao chocar-se com um obstáculo, perdeu igualmente a audição. Vale dizer que, apesar do grande aporte teórico atual da Escola de Chicago sobre a matéria, Richard Posner (2010) atenta para o fato de que a análise econômica do direito é derivada, ainda que intuitivamente, da própria práxis jurisprudencial do Common

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do sinistro (P) multiplicada pelo prejuízo material efetivamente auferida pela vítima (L). O ônus

das precauções (B) deve ser, portanto, inferior à culpabilidade (P.L); ou seja: B < (P.L). Tome-se

como exemplo o caso hipotético de um sinistro marítimo na qual um navio a fundear no porto

tenha a proa danificada pela ausência de defensas no cais. Sendo a probabilidade de

acontecimento desse acidente 1/100 e o valor de reparação do casco do navio em R$100.000,00,

tem-se o montante de custo estimado do acidente em R$10.000,00. Ou seja, se os custos

estimados para a Companhia das Docas reparar as defensas do atracadouro for inferior ao

montante do acidente, resta patente seu comportamento negligente. Entretanto, se a prevenção do

sinistro demandar expensas superiores às suportadas pelo armador do navio, esse ônus de

precauções seria inexigível. O modelo econômico formal de negligência pode ser mais bem

analisado a partir de um continumm, com base em seu custo marginal e não nos custos totais.

Percebe-se, pois, como a análise econômica permite oferecer certo grau de objetividade na

decisão jurídica.

De igual modo, é possível estabelecer uma relação construtiva entre o sopesamento de

princípios e o célebre Teorema de Coase7 (COASE, 1960). Esse teorema toma como base caso do

Common Law (case Sturges v Bridgman) que se refere ao conflito entre duas atividades

econômicas exercidas contiguamente: a de um médico, que precisa de silêncio para realizar seu

mister e, do outro, um confeiteiro cuja atividade provoca considerável ruído. Se, de um lado, o

ruído impede o exercício profissional do médico, impossibilitando-o de atender seus pacientes e

auferir uma renda de $600,00 mensais, a suspensão da atividade da confeitaria ocasionaria a

falência do estabelecimento contíguo com a perda da renda de $300,00 mensais a seu

proprietário. Desde já se torna patente a dimensão de trade-off na relação entre ambos os

profissionais. Nessa perspectiva, o valor agregado da renda do médico comporta um poder de

compensação da atividade do confeiteiro. Nesse plano, sendo o direito de propriedade do

confeiteiro, a solução adequada não seria o médico ser proibido de exercer seu métier (possível

solução aplicável por um tribunal sem levar em consideração a análise econômica do direito).

Law. Este, porém, não é um entendimento pacífico. Em sentido contrário, Ronald Dworkin (1980) e Guido Calabresi (1980). 7 Em que pese levar seu nome, não fora Ronald Coase (1960) em seu célebre artigo “The Social Cost” que cunhara a expressão, mas outro economista, George J. Stiglerm, a partir do citado artigo (COASE, 1997). Situação por sinal análoga a experimentada pela metáfora arquitetônica “Pirâmide de Kelsen” que apesar de levar o nome do fundador da Escola de Viena, fora concebida por um de seus discípulos, Adolf Merkl (DOMINGO, 2009).

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A alternativa ótima negociada seria a livre compensação pelo médico ao confeiteiro para

que este não faça barulho. Se com o silêncio necessário, o médico perfaz a renda de $600,00, é

possível ao mesmo destinar $350,00 à confeitaria e manter uma renda de $250, 00. Desse modo,

tanto o confeiteiro passaria a ganhar mais do que os $ 300,00 originários como o médico, com

essa “barganha” (bargain) evitaria de ficar sem renda alguma. Destarte, de acordo com a análise

econômica, a ponderação valorativa entre direitos de vizinhança, de um lado, e livre exercício da

atividade econômica, de outro, pode ser objetivamente mensurada.

4.2 SIDE EFFECTS: OS EFEITOS COLATERAIS DAS DECISÕES JUDICIAIS

Assentadas as bases supradelineadas das relações entre Direito e Economia, outros

exemplos de diálogo entre análise econômica e ponderação normativa podem ser perlustrados a

seguir:

No caso da transação penal, podemos elencar como princípios princípio colidentes, de

um lado, a presunção de inocência e, de outro, a celeridade processual. Pela análise econômica,

pode-se constatar que a negociação prévia é menos custosa, por oferecer ganhos relativos tanto ao

promotor como ao acusado (POSNER, 2010). Estimula-se admitir a culpabilidade, angariando

uma sanção mais suave, de modo a reduzir os riscos diante das incertezas de um julgamento.

Evita-se assim, os custos dos desgastantes trâmites processuais. Decerto, essa relação

está sujeita a variáveis diversas como a gravidade do crime; tendo o delito alto impacto social,

seus custos tornam-se por demasiado elevados para permitir uma dissociação transacional.

Entrementes, a análise econômica permite fundamentar uma ponderação valorativa que enseja

uma concepção de devido processo legal mais flexível em crimes de menor potencial ofensivo.

Essa mesma lógica pode ser aplicada no caso de uma ação promovida por uma

associação de moradores contra a instalação de uma fábrica de insumos agrícola em dada

localidade. Nessa hipótese, a emissão de efluentes levaria à depreciação imobiliária no entorno do

empreendimento. Nesse prisma, sopesam-se, de um lado, os custos de transferência da fábrica em

face do custo total de depreciação imobiliário decorrente de sua instalação na localidade

promotora da ação judicial (POSNER, 2010). É importante salientar que a análise econômica tem

como variável a posição jurídica do sujeito (consumidor ou proprietário).

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Nesse orbe, quando os custos são proibitivos, as transações voluntárias não constituem

meios idôneos à alocação de recursos (POSNER, 2010). Esse é o caso da aplicação do princípio

da bagatela. Nessa hipótese, os valores envolvidos não encontram correspondência no mercado

real. É o que ocorre, por exemplo, no furto famélico. A utilidade marginal desse bem para aquele

que furta seria tão elevado que o valor econômico para este seria muito superior ao do

proprietário. Desse modo, essas circunstâncias são, economicamente, excludentes de ilicitude.

No que tange ao direito fundamental à moradia, imagine-se, pois, um posicionamento

jurisprudencial que, com o intuito de sufragar o preceito instituído no art. 6º CF, interpretasse

restritivamente o art. 9º, III da Lei 8245/91, limitando o escopo da ação de despejo. A análise

econômica do direito permite elucidar como esse tipo de posicionamento proativo, pretensamente

provedor de justiça social, tem como consequência resultado antagônico ao que se pretende

(VELJANOWSKI, 1994). Ao obstacularizar que o legítimo proprietário do imóvel possa exercer

seu direto de reaver sua rés a despeito da ausência de contraprestação sinalagmática de haveres

de aluguel o Tribunal (Estado) interfere no livre fluxo do mercado. Decerto, outros proprietários,

cientes desse posicionamento jurisprudencial (e ciosos da conservação de seu patrimônio)

tomarão certas medidas para resguardar seus bens. O aumento do risco do negócio é evidente e

isso repercute no incremento do custo da prestação

. Em outras palavras, haverá um aumento generalizado dos valores locatícios no

mercado imobiliário, de modo a compensar o risco de ter de sustentar eventual inquilino

inadimplente. Muitos investidores deixarão de reverter capital em bens imóveis em busca de

outros tipos de investimentos mais lucrativos ou seguros. A escassez de investimento constrange

a oferta que, mantida a demanda estável ou crescente, pressiona ainda mais valor dos aluguéis.

Sucede que essa pressão inflacionária não é acompanhada necessariamente de aumento de renda

da população em geral, que necessita de imóveis para alugar. Ao final e ao cabo, portanto, ao

adotar uma postura interventiva no mercado imobiliário, supostamente em prol do direito

fundamental à moradia, o tribunal aumenta seus custos gerais de transação. A Corte está, em

verdade, afastando uma quantidade indeterminável de pessoas do acesso a esse direito. Os efeitos

são justamente o inverso do que se pretende: o tiro sai pela culatra. Afinal, os direitos têm custos;

alguém há de pagar por eles. Não despejar alguns acaba por levar outros tantos a ficarem sem

teto. Escolhas trágicas são, por vezes, inevitáveis.

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Por fim , suponha-se que um tribunal passe a restringir a possibilidade de suspensão de

serviços apesar do inadimplemento da respectiva contraprestação à luz do direito fundamental à

continuidade do serviço público. Para suprir o déficit da demanda a concessionária redirecionará

o prejuízo aos demais consumidores através de um aumento tarifário generalizado (GALDINO,

2005). A retórica da gratuidade acaba por premiar maus usuários em detrimento coletivo,

inclusive usuários hipossuficientes que, com aqueles, não se confunde.

Em suma, sob essa perspectiva, análise econômica, ao levar em consideração as

externalidades da realização de diretos a outros titulares que não os expressamente consignados

em dada relação jurídico-processual, pode ser utilizado como critério de decidibilidade jurídica,

no sentido de promoção do bem-estar geral da sociedade. Este critério tenta situar-se entre as

tradições filosóficas kantianas e as utilitaristas. Ao mesmo tempo em que não se petrifica um

modelo normativo em torno de um imperativo categórico estanque insuscetível de ponderação

(Kant), tampouco se encontra submetido ao subjetivismo de conceitos por demais fluídos como a

felicidade utilitária (Bentham). A riqueza vincula-se à utilidade, porém ao corresponder a

transações voluntárias de mercado, respeita escolhas individuais mensuráveis economicamente.

5 HOMO JURIDICUS E ECONOMICUS: IN MEDIO STAT VIRTVS

5.1 VEXATA QUAESTIO: AS DESINTELIGÊNCIAS DO CAMPO EPISTÊMICO

Em que pese as inegáveis contribuições da análise econômica à Ciência do Direito, não

há de se perder de vista que a primazia de aspectos econômicos em detrimento de conteúdos

éticos pode acabar por ensejar práticas totalitárias, uma espécie de “fascismo societal”

(SANTOS, 1998). Nesse plano, a ênfase no ganho agregado pode ocasionar uma nefasta

“ditadura econômica da maioria”; a tutela de direitos em uma ordem democrática não pode se

realizar sem levar em consideração a tutela de interesses contramajoritários. Com efeito, a análise

econômica corre o risco de descurar do elemento gregário, reduzindo o corpo social a mero

repertório transacional (LUHMANN, 2012), ou “colonizar” o “mundo da vida” mediante uma

racionalidade estratégica eminentemente econômica, em detrimento da esfera comunicativa

(HABERMAS, 2003).

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As pretensões de mensuração economicista envolvem severos riscos, entre os quais, a

propensão à totalização da razão científica sobre o agir humano. Em suma, os direitos

fundamentais não podem se resumir ao “caráter destruidor do cálculo” (HEIDEGGER, 1969).

Richard Posner (2010), responde às críticas salientando que a acepção de “riqueza”

(wealth) com que trabalha traz ínsito um conjunto de objetivos desejáveis socialmente, que a

análise econômica logra alcançar de maneira mais adequada que outros modelos normativos. Na

célebre polêmica que travou com Richard Posner na Cornell-Chicago Conference, Ronald

Dworkin às testilhas afirma que “uma teoria que faz o valor moral da escravidão depender de

custos transacionais é grotesca8” (DWORKIN, 1980, p. 211). Em que pese a virulência da crítica,

o asserto feito tangencia uma questão curial: sujeitar o âmbito de proteção dos direitos

fundamentais exclusivamente à análise econômica pode levar a resultados teratológicos.

Deveras, esse descolamento entre análise econômica e padrões morais vigentes é

reconhecido pelo próprio Richard Posner (2010). Como exemplo desse descompasso citado pelo

autor, os argumentos puramente economicistas tendem a considerar que os deficientes, caso não

sejam socialmente produtivos (ou parte da utilidade de alguém), não teriam direito a benefícios

sociais para seu sustento. Em outra vereda, se o custo estimado de cem mil carneiros fosse

superior ao que pudesse ser atribuído a uma criança, a proteção do rebanho prevaleceria em

detrimento da pessoa humana (a “dificuldade” seria apenas como “mensurar” o valor desta). Da

mesma forma, seria lícito um branco negar negros como sócios ou clientes por considerar que os

custos excedem os benefícios, ou os judeus poderiam ser livremente expulsos da Alemanha

nazista, desde que devidamente compensados economicamente.

Guido Calabresi (1980) enfrenta a questão com parcimônia. Em sua célebre análise

acerca da responsabilidade civil por dano (Tort Law) este autor elenca que a finalidade do direito

deve possuir dois objetivos principais que não se confundem entre si: em primeiro lugar a justiça

e, em segundo, a redução de custos transacionais. A justiça atua, nesse diapasão, como “veto ou

constrangimento sobre aquilo que pode ser feito para reduzir os custos9” (CALABRESI, 1980, p.

558). Ou seja, reconhece-se a eficiência econômica como parâmetro prático-jurídico, mas seu

conceito não é totalmente intercambiável à noção de justo. Nesse diapasão, a justiça age antes

como temperamento à análise econômica.

8 Tradução livre do original: “a theory that makes the moral value of slavery depend on transaction costs is grotesque”. 9 Tradução livre do original: “veto or constraint on what can be done to achieve cost reduction”.

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Nessa senda, para Calabresi (1980), o sentido último do que seja justo refoge à análise

do jurista; sua atividade encontra-se voltada mais aos “sinais indicativos” da direção a seguir em

uma estrada (Road signs) do que à determinação de seu destino final (end point). Em última

instância, esse fim de caminho queda inalcançável, pois depende permanentemente de aspectos

contextuais: aquilo que pode parece correto em dado momento, em outro pode ser considerado

uma injustiça histórica (CALABRESI, 1980). A função do direito, portanto, passa pela

capacidade de lidar com decisões alocativas em direção à dada concepção de justiça.

O que se põe à pauta é que o próprio conceito de “maximização de riqueza”, enquanto

critério reitor da aplicação do direito, não é pacífica no campo da análise econômica.

Particularmente, Calabresi (1980) aponta a dificuldade de delimitação semântica do termo, sem

um ponto de partida de configuração social. O professor de Yale considera que o aumento da

riqueza em si, não tem o condão de melhorar o proveito da sociedade em geral, sem considerar

como plano de fundo algum tipo de objetivo social, como utilidade ou igualdade. A riqueza ou a

própria eficiência, como aduz igualmente Ronald Dworkin (1980) consiste, portanto, em valor

instrumental.

Não se pode perder de vista que o próprio paradigma econômico encontra-se às voltas de

disputas teóricas. Ora, apenas de caráter ilustrativo sobre a complexidade da questão, podemos

apontar as disputas entre a teoria (neo) clássica10 e a escola keynesiana11 (PAIVA, 2008). Ambas

as concepções econômicas repercutiram em outros sistemas sociais como o Direito. O paradigma

keynesiano contribuiu, no âmbito do New Deal americano, ao fomento do Critical Law Studies.

O paradigma (neo) clássico, por seu turno, tem inegável aporte na Análise Econômica do

Direito da Escola de Chicago. No primeiro, o papel redistributivo do estado favorece a eficiência,

ao passo que no outro esse mesmo papel a ela se contrapõe. A depender do paradigma adotado,

logo, decisões econômicas (e jurídicas) serão diametralmente opostas. Vexata quaestio; essa

discussão põe a relevo as desinteligências do campo epistêmico.

10 A premissa basilar do pensamento (neo) clássico é que o mundo, em sua essência, é ordenado e racional. O desequilíbrio econômico, portanto, resta apenas uma ilusão, ou, quando muito, de natureza espasmódica, circunstancial. As forças do mercado tendem a um ponto ótimo de equilíbrio, logo, fatores externos, como a intervenção estatal na alocação de recursos deve ser, ao máximo, evitada. 11 O keynesianismo parte de uma premissa diametralmente oposta à teoria (neo) clássica: o sistema de mercado não tende ao equilíbrio; o desemprego estrutural é a regra, e não exceção passageira em uma perspectiva de longo prazo. Logo, o paradigma keynesiano considera imprescindível a intervenção do Estado na Economia (via políticas fiscais e monetárias), de modo a garantir o equilíbrio de mercado.

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Retrata bem essas posições inconciliáveis a satírica citação atribuída a George Bernard

Shaw que aduz: “se todos os economistas fossem postos lado a lado, eles nunca chegariam a uma

conclusão12”.

5.2 CUM GRANO SALIS: NECESSIDADE DE TRANSAÇÕES RECÍPROCAS

Parece correto assentar, portanto, o caráter descritivo-normativo da economia longe de

trazer verdades absolutas, desvela mais um campo de reflexões críticas. Nesse prisma, há de ser

vista com ressalvas alusões a supostas “leis universais” (VELJANOVSKI, 1994), ou de que o

princípio de maximização de riquezas resolve “automaticamente” aspectos redistributivas, como

professa Friedrich Hayek (1985). Para o citado autor, a economia13 envolve alocações

distributivas ótimas sem a necessidade de intervenção do Estado. Nessa senda, “a solução do

governo para um problema é geralmente tão mal como o problema e muito frequentemente torna

o problema ainda pior14” (FRIEDMAN, 1975, p.6). As tentativas de implementar justiça social,

nesse prisma, tornam-se uma “força destrutiva” para a sociedade em geral (HAYEK, 1985b).

Contudo, não parece adequado considerar a dinâmica competitiva do livre mercado per

se como melhor maneira de alcançar objetivos constitucionalmente colimados, inclusive os

distributivos, como propugna tanto a Escola Austríaca (HAYEK, 1985) como a Escola de

Chicago (POSNER, 2010). Como bem observa Gunther Teubner (1987) esse posicionamento

reflete uma “hipostatização normativa” (normative hipostatization). Parece assistir sim razão a

Mario Cappelletti (1999, p.38) quando afirma que “os modernos sistemas de governo não podem

confiar exclusivamente na ‘invisible hand’ de Adam Smith, ditada pela maximização do lucro”.

12 Tradução livre de: “If all the economists were laid end to end, they would not reach a conclusion”. 13 Hayek, em verdade, utiliza o termo “catalaxia”. Em sua raiz grega, o vocábulo significa “intercâmbio”, ingresso em uma comunidade (HAYEK, 1985b). O termo é empregado no sentido de ajuste reciprocamente condicionado de diferentes interesses econômicos individuais em um mercado. O citado autor prefere usar esse termo a “economia” por este último, em sua raiz etimológica depreender uma relação de fim comum, não comportada em uma dinâmica mercadológica. Para se evitar maiores tergiversações e manter o fluxo do texto, optou-se pela manutenção do uso da expressão “economia”, embora por questão de fidelidade ao pensamento do autor, essa consideração se fizesse necessária. 14 Tradução livre do original: “I think the government solution to a problem is usually as bad as the problem and very often makes the problem worse”. Nessa esteira, Milton Friedman (1975) recomenda que a organização da atividade econômica seja subtraída do controle da autoridade política. Esse entendimento é, contudo contrariado por Kenneth Arrow, economista igualmente laureado com o nobel (CAPPELLETTI, 1999).

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A situação não se situa, logo, nem tanto ao mar (identificação tout court entre livre-

mercado e bem-estar social, na figura de um Leviatã-ausente), nem tanto a terra (redução do

conceito de justiça social a um Leviatã-providente).

A quaestio debeatur, como bem pontua Ronald Dworkin (1980), não é se a realização de

direitos fundamentais através da atuação estatal ilide a eficiência econômica (assim afetando

reflexamente o todo social), mas em que medida a justiça, fim último do direito, é servida por

elementos redistributivos, ainda que ao custo da eficiência. A rigor, economia de mercado

perfeita, alheia ao Estado de Direito não há. Ambos são conceitos coconstitutivos e

indissociáveis. A regulação é onerosa porque os resultados sempre serão subótimos. O preço da

democracia é a perda de rendimentos econômicos da comunidade. Este é um preço que, a

despeito dos custos, decerto, vale a pena ser pago.

Além da alocação eficiente de recursos, a lógica de sopesamento dos direitos

fundamentais deve levar em conta aspectos redistributivos e de solidariedade social. Deveras, “a

democracia só é um processo ou procedimento justo de participação política se existir uma justiça

distributiva no plano dos bens sociais” (CANOTILHO, 2008, p. 252). Afinal, “os direitos

fundamentais consagrados como vitais, sejam os direitos de liberdade que os direitos sociais, são,

em suma, um fator e um motor do desenvolvimento, não apenas civil, mas também econômico”

(FERRAJIOLI, 2009, p.6). O nó górdio é a “combinação” (blend) entre os imperativos de

eficiência e redistribuição de recursos no seio social (CALEBRESI, 1980). Portanto, a “análise de

custo-benefício econômico deve ser tratado com cautela e usado somente como um critério de

decisão entre outros” (TEUBNER, 1987, p. 30). A ponderação principiológica deve abrir-se à

análise econômica, não sucumbir a ela.

Caso contrário, constituir-se-ia a tirania de um modelo decisório monolítico, na qual a

Verdade, muito citada, pouco encontrada, estaria em cálculos matemáticos e cédulas de papel.

Seguir esse reducionismo consiste exercício de autoilusão situacional. Uma miragem no “deserto

do real”, para fazer alusão a Zygmunt Bauman (2008). De tanto percorrer os caminhos

metodológicos da Jurisprudência, o operador do direito, esse eterno “arrivista”, quer acreditar que

a miragem que vê é a solução de seus problemas. Nesse orbe, há de se dosar prudência ao afã de

trazer a discussão sobre custos do direito à práxis judicial, para não obscurecer as efetivas

contribuições da análise econômica à ponderação de valores normativos.

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O jurista, em busca de maior consistência e adequação à Ciência do Direito, encontra na

análise econômica um importante auxiliar, mas não a solução definitiva para os problemas

concretos de decidibilidade jurídica.

CONCLUSÃO

O que impende destacar no presente trabalho é que, a realizabilidade dos direitos

fundamentais implica necessariamente em custos. A análise econômica permite um vislumbre

acerca de sua mensuração, mas (e isso é fundamental) não esgota per se as discussões alocativas,

servindo precipuamente enquanto instrumento de uma lógica de ponderação axiológica mais

ampla. Ademais, a construção de um homo economicus, alheio a nuances políticas e morais

consiste em uma visão autista. Esse tipo de viés purista empobrece a análise econômica, sendo

necessário, portanto, uma leitura jurídica da eficiência.

Critica-se, outrossim, o modus de (não) aplicação de elementos dogmáticos do campo

Law & Economics no plano da decidibilidade jurídica. Mais precisamente, a crítica ora realizada

incide sobre duas formas de monólogo. O primeiro envolve uma concepção de Direito voltada ao

normativismo extremo, que despreza os aspectos consequenciais das decisões jurídicas: os custos

por vezes trágicos de realização de direitos. O segundo envolve uma práxis economicista que

reduz a complexidade do fenômeno jurídico a cálculos e transações de mercado: que intercambia

economia e justiça.

Em síntese, como toda perspectiva unilateralmente considerada, a economia é

insuficiente para, de per si, servir de critério singular a dada decisão jurídica, porém, resta,

deveras, um indicativo inescusável. Em outras palavras, a análise econômica do direito, no

particular, dever ser aplicada cum grano salis; deve ser integrada à análise ponderativa de

valores, não substituí-la. Antes do cálculo, Direito é, sobretudo, diálogo. Nesse âmbito,

propugna-se a adoção de um procedimentalismo atento aos pressupostos pragmáticos de

realização do direito, que possibilite uma posição de equilíbrio entre direito e economia.

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AS REFORMAS NEOLIBERAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A CONFORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO APÓS AS MUDANÇAS

NEOLIBERAL REFORMS OF THE FEDERAL CONSTITUTION AND THE CONFORMATION OF THE BRAZILIAN STATE AFTER SUCH CHANGES

José Mauro Luizão**

RESUMO: Trata das reformas de perfil neoliberal procedidas na Constituição Federal desde o final dos anos 80 e da conformação do Estado Brasileiro após as mudanças. Aborda os modelos de políticas econômicas liberais, sociais e neoliberais e a crise do Estado de Bem Estar Social ocorrida a partir dos anos 70 do último século. Menciona as reformas de perfil neoliberal procedidas na Constituição ao longo das duas últimas décadas e considera se elas teriam sido suficientes para retirar do Estado brasileiro a conformação de Estado Social. Conclui que definição da conformação da política econômica não pode ser efetuada mediante parâmetros insuscetíveis de conteúdo ideológico, mas pondera que a moderna interpretação principiológica da Constituição brasileira deu maior eficácia à rede de proteção social nela inserida. Acentuado o caráter social da Constituição, o modelo do Governo Lula, ainda que com viés mais social que o de FHC, poderia ser considerado comparativamente mais neoliberal, o que paradoxalmente situaria Lula à esquerda de FHC. Conclui que se trata de possibilidade teórica insuscetível de verificação e que a percepção possível é que o Estado brasileiro permanece em trajetória ascendente rumo ao Estado de Bem Estar Social. Palavras-chave: Neoliberalismo; Estado Social; Reformas constitucionais; Esquerda; Direita. ABSTRACT: This paper is about the reforms of neoliberal nature carried out in the Constitution since the late 1980s and the conformation of the Brazilian State after such changes. It addresses the models of liberal, social and neoliberal economic policies as well as the Welfare State crisis taken place in the 1970s. It refers to the reforms of neoliberal nature carried out in the Constitution over the past two decades and ponders on whether they would have been enough to take out the conformation of Brazil as a Welfare State. It concludes that the definition of the conformation of the economic policy cannot take effect by means of parameters insusceptible of ideological content, but considers that the modern principled interpretation of the Brazilian Constitution has given greater effectiveness to the social security network inserted therein. Stressed the social character of the Constitution, the model of Lula’s Government, albeit endowed with more social bias than that of FHC’s, could be considered comparatively more neoliberal, which would paradoxically place Lula to the left of FHC. All this implies that is a theoretical possibility which cannot be verified and that the possible perception is that the Brazilian State remains on an upward trend towards the Welfare State. Keywords: Neoliberalism; Welfare State; Constitutional reforms; Left wing; Right wing.

* Mestrando em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina

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1. Introdução

O Estado Brasileiro sempre teve perfil intervencionista, caráter que se aprofundou a

partir da Era Vargas e chegou ao paroxismo durante o regime militar, período em que

governos essencialmente de direita levaram o Estado a intervir em variados setores da

economia, muitos deles sem qualquer referência com atividades típicas estatais. Este perfil

não foi alterado na essência pela Constituição de 1988, que manteve a possibilidade do Estado

intervir subsidiariamente na economia, além de preservar vários monopólios estatais.

Adicionalmente, a Constituição estabeleceu uma ampla rede de proteção social que, se

devidamente implementada, seria suficiente para caracterizar o Brasil como Estado Social.

A partir do final dos anos 80 e nas décadas seguintes, a Constituição foi reformada

por meio de emendas constitucionais de perfil liberal. Estas reformas efetuadas durante os

governos Collor, Itamar e FHC e ao longo dos seis primeiros anos do governo Lula, malgrado

as diferenças de profundidade e abrangência, amoldam-se todas elas à doutrina neoliberal, na

medida em que tiveram por pressuposto. Isolada ou cumulativamente, a exoneração do Estado

de alguns encargos sociais e o equilíbrio das contas públicas.

O artigo analisa se é possível concluir que o Estado que emergiu do novo texto

constitucional assumiu as características de um Estado neoliberal, ou se teria sido mantida na

essência a rede de proteção social construída na redação original da Constituição. Considera

ainda se a Constituição, após as reformas, teria paradoxalmente aprofundado as características

de Estado Social, em razão especialmente da nova interpretação conferida ao seu texto,

porque princípios que amparam direitos fundamentais e sociais, e que teriam sido inseridos

originariamente com natureza meramente programática, passaram a ser admitidos com caráter

vinculante, demandando do Estado uma atuação efetiva.

Acentuado o caráter social da Constituição, inclusive após as reformas, o modelo

adotado pelo Governo Lula, especialmente durante seus seis primeiros anos, ainda que com

viés mais social que o de FHC, poderia ser considerado comparativamente mais neoliberal,

adotando-se como paradigma o modelo constitucional vigente ao tempo de seus respectivos

mandatos, o que paradoxalmente poderia situar Lula à esquerda de FHC.

2. Políticas econômicas

A política econômica é caracterizada pelo conjunto de diretrizes e medidas adotadas

por um determinado Estado com a finalidade de atingir seus objetivos econômicos e sociais.

Abstraídas algumas experiências extremadas, como a política econômica marxista do regime

soviético e as políticas econômicas corporativistas dos regimes fascista e nazista, os estados

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modernos adotam variações que os aproximam ou afastam de modelos opostos definidos

como Estado Liberal, ou sua vertente Neoliberal, e Estado Social.

Todavia, conforme refere Bastos (2000, p. 28), toda teoria econômica se insere

necessariamente em um contexto social determinado, sem, todavia, reproduzi-lo fielmente.

Assim, “cada sistema econômico deve ser considerado como a representação limitada de uma

determinada realidade social”. Acrescenta o autor que mesmo nos países que se afirmam

neoliberais, como os Estados Unidos e a Inglaterra, continuam a existir as atividades sociais

exercidas pelo Estado, daí concluir-se que “não se pode ver no pensamento neoliberal um

modelo passível, dentro de um horizonte previsível, de ser aplicado na sua totalidade”. Assim,

nenhum Estado poderá reduzir-se ao mínimo postulado pelo pensamento neoliberal, porque

não conseguirá desvincular-se totalmente de seus encargos sociais.

Noutro aspecto, a política econômica não é marcada por uma única característica e,

em certo sentido, nem mesmo pela somatória de suas características, afigurando-se necessário

ainda considerar as finalidades que preordenam a adoção de determinadas políticas. Assim,

até mesmo a intervenção do Estado na Economia, elemento classicamente utilizado para

rotular as políticas econômicas, não pode ser isoladamente considerada. Como refere Tavares

(2011, p. 45-46), “todo e qualquer Estado é e terá sido interventor na economia”, razão pela

qual o critério "intervenção" para classificação das tipologias de Estado somente será útil se

considerados os diferentes graus de intervenção. Além do mais, o que define o Estado do

bem-estar social, por exemplo, não é o fato de promover ele a intervenção na economia, mas

uma modalidade de intervenção qualificada pela “busca de um bem social com prestações

econômicas positivas do Estado” orientadas para a obtenção desse bem estar. Por sua vez, o

denominado Estado neoliberal é igualmente interventor, mas se caracteriza precisamente pela

sua orientação para a finalidade de reduzir os níveis de intervenção vigentes, sem regredir

para a fórmula de um Estado puramente liberal. Como observa ainda Eros Grau (2012, p. 21-

36), o próprio capitalismo liberal clássico era inteiramente dependente da ação estatal, por

meio de “vigorosa atividade econômica, no campo dos serviços públicos”, além de sua

atuação normativa, que se revelou imprescindível para a autonomia contratual e para a

manutenção do mercado como instituição jurídica, insuscetível de subsitência sem a

previsibilidade e calculabilidade que lhe confere o Direito liberal.

2.1. Política econômica liberal

O Liberalismo clássico deve sua concepção essencialmente a Adam Smith, autor de a

Riqueza das Nações, e desenvolveu-se após a Revolução Industrial, período marcado por

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fortes transformações sociais, com a ascensão da burguesia, a mutação da sociedade rural para

a urbana e a substituição do trabalho manual pelo automatizado. Tinha por principal postulado

a não-intervenção do Estado na economia, cuja regulação deveria ser procedida pelas leis

naturais. As funções do Estado deveriam ficar restritas à segurança pública e à manutenção da

ordem e da propriedade. A economia seria regida especialmente pelas leis da Oferta e Da

Procura, da Renda e dos Lucros Decrescentes. Igualmente pressupunha que cada pessoa tem o

direito de dispor da sua propriedade, desde que adquirida por meios lícitos e não afete o

direito de outrem, porque a sociedade é beneficiada quando cada indivíduo defende seus

próprios interesses, sem a ingerência do Estado. Fundava-se ainda na liberdade contratual e na

livre concorrência, reputada como eficaz para obter a baixa dos preços e a qualidade dos

produtos. Rejeitava assim a possibilidade de qualquer monopólio, situação que mantém no

mercado produtores inaptos e prejudica a concorrência (BASTOS, 2000, p. 19-20).

A partir da doutrina liberal clássica, surgiram outras correntes como a de Thomas

Malthus, autor de Ensaio Sobre a População, responsável pela introdução do elemento

pessimista na Ciência Econômica, porque o aumento da população seria sempre maior do que

o crescimento da produção, razão pela qual seria necessário um controle de natalidade. A

corrente de Stuart Mill afastou-se da escola clássica liberal, ao postular que a distribuição da

riqueza deveria ser feita pela sociedade, por meio da tributação das heranças e da apropriação

da valorização indébita da terra, além de defender a criação de leis trabalhistas para diminuir a

jornada de trabalho. Por fim, a corrente de Friedrich List se opôs à política do laissez faire e

da liberdade do comércio internacional, postulando que o Estado deveria assumir o papel de

protetor da produção e da distribuição da riqueza, mediante imposição de tarifas e

planejamento do desenvolvimento industrial (BASTOS, 2000, p. 21-22).

O processo de formação do Estado liberal identifica-se com o progressivo

alargamento da esfera de liberdade do indivíduo em face dos poderes públicos, com a gradual

emancipação da sociedade em relação ao Estado. O jusnaturalismo foi invocado como seu

pressuposto filosófico, porque se presta para justificar os limites do poder em uma concepção

geral e hipotética da natureza do homem insuscetível de verificação empírica e de

comprovação histórica. Esta doutrina dos direitos naturais fundamentou todas as declarações

liberais, inclusive as americanas e as da França revolucionária (BOBBIO, 2000, p. 12-13).

Bobbio anota que o liberalismo nasceu primeiro “com uma forte carga ética, com a

crítica do paternalismo, tendo a sua principal razão de ser na defesa da autonomia da pessoa

humana”. A concepção liberal contrapõe-se assim às várias formas de paternalismo, segundo

as quais o Estado deve tomar conta de seus súditos tal como o pai de seus filhos, simetria

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criticada por Locke e por Kant. Ao lado da defesa da liberdade como finalidade do Estado, a

doutrina liberal acrescenta “o elogio da variedade", virtude sufocada pela intervenção do

governo para além das tarefas que lhe cabem e que cria na sociedade comportamentos

uniformes. A “fecundidade do antagonismo” é outro tema característico e inovador do

pensamento liberal. Ao contrário da concepção orgânica da sociedade, que cultua a harmonia,

mesmo que forçada, e a subordinação controlada das partes ao todo, condenando o conflito

como elemento de desordem e de desagregação social, o pensamento liberal postula que o

contraste é benéfico ao progresso técnico e moral da humanidade. Assim, para Mill,

“nenhuma comunidade jamais conseguiu progredir senão aquelas em que se desenvolveu um

conflito entre o poder mais forte e alguns poderes rivais” (BOBBIO, 2000, p. 26-28).

2.2. Política econômica keynesiana

A Política Econômica fundada nas concepções de Keynes (1883-1946), expostas na

obra Teoria geral do emprego, juros e capital, desenvolveu-se nos anos trinta, após a grave

crise econômica e social que atingiu as democracias ocidentais em razão da Primeira Guerra e

da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. O Keynesianismo considera os princípios

econômicos liberais, como o livre mercado, incapazes de assegurar o crescimento econômico,

de garantir o pleno emprego e de evitar crises de superprodução. Defende a intervenção do

Estado para regular o sistema econômico e orientar a riqueza nacional, inclusive com medidas

fiscais, como a redução de impostos. Segundo Keynes, em épocas de recessão deve-se

aumentar a renda, o que leva à recuperação da economia. A redução de impostos é também

meio de acréscimo na renda disponível e consequentes aumentos do consumo, dos

investimentos e do emprego (BASTOS, 2000, p. 35).

2.3. Política econômica social

Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países da Europa Ocidental adotou

uma política econômica fundada em intervenção do Estado na economia, com a finalidade de

assegurar prestações sociais, como a previdência e a assistência social, caracterizando o que

se denominou de Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). O estado passou a ser o maior

responsável pelo progresso social, buscando por meio dos gastos públicos favorecer a

adaptação do consumo de massas ao incremento da produtividade (BASTOS, 2000, p. 36). O

impulso fundamental para a disseminação do Estado Social foi o temor da expansão da

concepção comunista, ameaça caracterizada pela sua capacidade de atrair massas insatisfeitas

e alimentar os ativistas que as mobilizavam (MELLO, 2007, p. 14).

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O Estado Social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, requerendo

a atuação positiva do poder político nas esferas sociais para a satisfação das necessidades

mínimas existenciais do indivíduo (BONAVIDES, 2007, p. 200). O intervencionismo é um

sistema intermediário entre o liberalismo e o Marxismo, concebido em razão do fracasso do

Estado Liberal frente aos problemas sociais do pós-guerras e como alternativa ao Estado

Socialista titular exclusivo da atividade econômica. Ao Estado é atribuída a função de

incentivar e regular a economia, com o intuito de manter o bom funcionamento do mercado e

dos mecanismos de concorrência. Embora a propriedade e a atividade econômica sejam

reservadas especialmente à iniciativa privada, o Estado passa a intervir na economia, atuando

como empresário, por meio de empresas públicas que concorrem com a iniciativa privada, ao

mesmo tempo em que fomenta a economia por meio de incentivos fiscais, empréstimos e

subsídios. Assume assim a dupla função de suprir as deficiências do mercado e de

implementar objetivos de política econômica (BASTOS, 2000, p. 84-85).

Diversamente do Estado Social, que é realidade nascida no século vinte, o Estado

intervencionista é fenômeno antigo e recorrente. Conforme Bresser-Pereira (2005, p. 5-6), nos

séculos que antecederam o aparecimento da teoria econômica liberal de Adam Smith, a

estratégia inglesa de desenvolvimento “que transformou uma região atrasada da Europa em

seu país mais rico baseara-se em forte intervenção do Estado na economia”.

O Estado Social pode ser caracterizado por privilegiar a sociedade em face do

indivíduo ou pela tentativa de compatibilizar os valores liberdade e igualdade. Todavia,

“enquanto puro Estado Social, sua feição democrática se faz irrelevante, podendo-se atribuir

essa qualificação a toda e qualquer forma de autocracia com vocação social” (PASSOS, 2007,

p. 6-7). Para Bonavides (2007, p. 184), embora o Estado Social represente uma transformação

superestrutural do Estado Liberal, distingue-se substancialmente do Estado-proletário

postulado pelo socialismo, porque permanece adstrito à ordem capitalista, “princípio cardial a

que não renuncia”. Esta é a razão pela qual o Estado Social no capitalismo amolda-se aos

mais díspares sistemas políticos, desde que informados por certos postulados econômicos e

sociais, “inclusive a Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, o Portugal

salazarista. Da mesma forma, a Inglaterra de Churchil e Atltlee, os EUA de Roosevelt e o

Brasil desde a Revolução de 30”.

Entre as principais conquistas do Estado Social podem ser apontadas a ampliação do

acesso à educação e à moradia, a universalização do direito à saúde e a luta contra as

desigualdades, avanços que deslocaram a concepção de cidadania individual, típica do Estado

Liberal, para uma cidadania econômica e social, origem das políticas de pleno emprego e de

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renda mínima. A institucionalização deste novo Estado foi fundamental para o surgimento de

políticas sociais compensatórias e redes de proteção social, configurando uma política de

seguro, com financiamento coletivo. Esta atuação, paralelamente à forte presença do Estado

na economia, produziu profundas mudanças no funcionamento do sistema capitalista, alçando

o Estado a uma destacada atuação na concretização da justiça social, na proteção dos

vulneráveis e no fomento de práticas inclusivas, quadro designado por Zymunt Bauman de

modernidade sólida (BEDIN, 2008, p. 2). Para Sarlet (2001, p. 39-40), a difusão dos modelos

de Estado Social foi um efeito positivo do processo de globalização, porque a comunicação

globalizada permite a veiculação universal da agenda da defesa dos direitos fundamentais,

facilita a denúncia de violações e dificulta a censura sobre os meios de comunicação.

2.4. Política econômica neoliberal

O neoliberalismo tem como texto de origem O Caminho da Servidão, de Friederich

Hayek (1944) e surgiu com a crise do Estado do Bem-Estar Social. Busca a eliminação de

limites aos mercados e defende a livre iniciativa, a livre concorrência e a não-intervenção do

Estado na economia. Tem por pressuposto desonerar o Estado de funções sociais e postula a

liberdade essencialmente em relação ao comércio e à circulação de capital, no que se

diferencia do liberalismo clássico, que cultuava a supremacia do valor liberdade a toda e

qualquer manifestação da vida humana (BASTOS, 2000, p. 26-37). Afasta do mercado todos

os obstáculos à competição e à livre concorrência, reservando-se exclusivamente as tarefas

inerentes à educação, saúde, cultura e lazer, e administração da justiça, mas mesmo nesses

setores é sua característica estimular iniciativas empresariais (COELHO, 2010, p. 7). É

também referido como “a articulação das teorias econômicas e sociais do liberalismo clássico,

em um período histórico diferente” (O' CONNEL, 2008, p. 187-188).

O pensamento neoliberal dirige-se especificamente contra todos os modelos de

superplanificação econômica, porque a ânsia pelo planejamento estatal suscitaria um desejo

pelos ditadores, fato comprovado pelos regimes totalitários envolvidos na 2ª Guerra, que

haviam exacerbado a intervenção econômica e o dirigismo estatal (GODOY, 2004, p. 30-34).

3. Crise do Estado Social e onda neoliberal

O modelo econômico keynesiano, valendo-se de instrumentos fiscais, taxas de juros,

oferta de crédito e gastos públicos utilizados para incrementar o consumo e o crescimento,

conseguiu neutralizar fatores geradores de crises cíclicas no capitalismo. Paralelamente,

viabilizou a acumulação privada, possibilitando investimentos produtivos que reduziram os

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níveis de desemprego. A conjugação de aumento real de salários com aumento de receitas e

lucros assegurou acordos para elevação de produtividade e converteu políticas sociais e

redistributivistas em fator de alargamento do mercado de consumo. Estas medidas foram

complementadas por programas sociais em saúde, educação, moradia, previdência e

treinamento profissional (FARIA, 2002, p. 114-115).

Esta conjugação de elevadas taxas de crescimento com programas sociais permitiu

aos estados keynesianos criar um contraponto aos regimes totalitários estabelecidos na Europa

nos anos 20 e 30. Propiciando aumentos reais de salários e a redução de desigualdades, criou

um clima de confiança nas formas de regulação, gestão e planejamento estatais, especialmente

nos anos 50 e 60. Estas políticas permitiram condições para amenizar ou neutralizar tensões e

ameaças à legitimidade institucional, ao mesmo tempo em que tinham suficiente flexibilidade

para planejar, estimular e promover o crescimento (FARIA, 2002, p. 115-116).

A partir das crises geradas nos anos 70, todavia, essas ameaças passaram a ocorrer

em ritmo mais intenso, de sorte que os ciclos de prosperidade e estagnação tornaram-se mais

curtos, comprometendo as fontes de financiamento dos gastos sociais. Sucederam-se

processos inflacionários, desequilíbrios financeiros causados pelo decréscimo das receitas e

do aumento das despesas públicas. A elevação das taxas de desemprego levou à ampliação

das tensões trabalhistas e pressões sindicais. Deste confronto entre as políticas econômica e

social decorreu forte abalo no consenso sobre o "círculo virtuoso" entre crescimento e

correção de desigualdades e esgotaram as virtudes do Estado keynesiano, porque já não eram

suficientes seus métodos, estratégias e instrumentos. Desde então, o Estado Keynesiano

mostrou-se incapaz de lidar com os novos problemas decorrentes das transformações da

ordem econômica internacional e mesmo com os mais antigos, agora mais complexos e

específicos e que não mais se amoldavam aos padrões estabelecidos (FARIA, 2002, p. 116).

Para Mahnkopf (2005, p. 50), “desde as profundas transformações dos anos 70 e mais

fortemente após o colapso do socialismo real existente depois de 1989, ficou claro que o nexo

entre crescimento econômico e a ampliação da seguridade sócio-econômica não é uma relação

intrínseca e sinérgica”. A rede de seguridade social que se apresentava como fenômeno

paralelo e necessário ao crescimento econômico passou a ser percebida como obstáculo.

O Estado Social teria passado ainda a desempenhar um papel ambíguo, porque

voltado para implementação do bem estar e da seguridade social, precisou manter-se

comprometido com o denominado capitalismo tardio, incapaz de sobreviver sem estar

intimamente aliado ao poder político institucionalizado e vice-versa. As demandas sociais têm

um custo e esse custo só pode ser assumido pelo setor produtivo da sociedade. Estando ele

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inserido num sistema internacionalmente predominante de produção para o lucro e para o

reinvestimento, a competição obriga a limitações que vão significando restrições à vocação de

justiça social do Estado Social (PASSOS, 2007, p. 26).

Essas crises do Estado Social demonstram que o modelo tem suas limitações

internas, próprias de sua estrutura onerosa, que demanda investimentos crescentes.

Paralelamente, o grande avanço científico e tecnológico acarretou significativo aumento

populacional, contraposto a uma diminuição dos postos de trabalhos, conjugação que gerou

uma maior demanda de benefícios sociais por parte do Welfare State (GAMEIRO e

BONOMO, 2006, p. 18). Os efeitos dos sistemas previdenciários, ainda que com sólidos

fundamentos atuariais e boas condições econômicas e financeiras do momento da instituição,

sentirão seus efeitos após décadas, quando se intensifica o pagamento da maior parte dos

benefícios. Nesse interregno, as condições sociais podem sofrer alterações cada vez mais

frequentes e profundas, como “a queda da taxa de natalidade, o aumento da expectativa de

vida, o desemprego, a volatilização do capital, a globalização da economia, a migração de

trabalhadores de um para outro país conservando seus direitos previdenciários, o surgimento

de novas necessidades, o aumento do custo das políticas públicas” (SIMM, 2004, p.12).

4. Características da política econômica brasileira até a redemocratização

A natureza intervencionista do Estado Brasileiro intensificou-se durante o século XX

e somente alcançou significativo refluxo com as reformas procedidas ao final dos anos 1980 e

durante as duas décadas seguintes.

Desde os anos 1920 e durante a era Vargas, intensificou-se um processo de

fortalecimento da presença do Estado no domínio econômico, com a criação de autarquias

com funções administrativas e também de natureza industrial ou comercial, processo que se

prolongou após a II Guerra Mundial (COSTA PINTO, 2010, p. 7).

A Constituição de 1946, embora identificada com um certo liberalismo econômico,

permitiu uma forte ingerência do Estado no setor econômico, em caso de interesse público,

por meio de monopólios de indústrias ou atividades (BASTOS, 2000, p. 98).

A Constituição outorgada pelo regime militar em 1967 igualmente conferia ao

Estado um papel supletivo na economia, estabelecendo que a atividade econômica era

atribuída à iniciativa privada, mas legitimava o Estado a uma participação intensa na

economia, justificada em situações em que houvesse a insuficiência do setor privado

(BASTOS, 2000, p. 99). Mas o governo militar instaurado em 1964, ainda na vigência da

Constituição de 1946, foi marcadamente intervencionista. Neste ponto, a política econômica

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adotada pelo regime militar diferia das aplicadas pelos demais regimes autoritários do

continente nos anos 60 e 70 (GROSS, 2003, p. 47). Naquele período foram realizadas grandes

obras de infraestrutura, ampliando-se intervenção do Estado na economia, com a criação de

grande número de entidades de administração indireta destinadas a desempenhar papéis de

agentes econômicos. O modelo de crescimento adotado no País associava o setor produtivo à

presença do Estado, a quem cabia a responsabilidade pelos investimentos necessários para a

ampliação da infraestrutura necessária ao crescimento. A dependência da iniciativa privada

revelava-se ainda por meio do fomento público ou crédito concedidos pelo Banco do Brasil e

pelo BNDES. Muitos destes créditos não foram adimplidos, o que levou a União a tornar-se

sócia das empresas devedoras em uma variedade de empreendimentos privados, os quais

frequentemente não apresentavam qualquer vinculação ao interesse público. “Este quadro

resultou em um agigantamento do Estado, excessivamente controlador e burocrático”

(COSTA PINTO, 2010, p. 7). Especialmente os anos 70 foram caracterizados por uma

permissividade constitucional, que resultou na criação de inúmeras empresas públicas e

sociedades de economia mista, que passaram a assumir atividades econômicas tipicamente

atribuíveis a particulares. “Era forte o dirigismo estatal, embora praticado em nome da

economia de mercado e da livre iniciativa” (BASTOS, 2000, p. 102).

A partir dos anos 70, por conhecidas razões, inclusive e especialmente o choque do

petróleo de 1973 e o endividamento crescente decorrente do aumento da taxa de juros da

dívida externa, procedeu-se inicialmente a uma redução do ritmo de crescimento do Estado,

com um subsequente processo de redução da sua atuação na atividade econômica.

5. A conformação da política econômico-social da Constituição de 1988

A ordem econômica da Constituição vigente, desde a sua redação original de 1988, é

fundada na livre iniciativa e na livre concorrência. A livre iniciativa não obsta a intervenção

do Estado, permitindo-se a exploração direta da atividade econômica, quando presentes

motivos de segurança nacional e relevantes interesses coletivos. No entanto, a Carta de 1988

continha contradições internas, porque as expressões principiológicas indicadoras do seu

perfil liberal, como livre iniciativa e livre concorrência, eram contrastadas pelo grande

número de serviços públicos atribuídos aos Estado. Noutro vértice, o texto original da

Constituição conferia às empresas brasileiras de capital nacional vantagens não acessíveis às

meramente brasileiras, controladas pelo capital externo (BASTOS, 2000, p. 103-104).

Antes do advento das reformas de perfil neoliberal, a Constituição de 1988 reafirmou

o papel dirigente do Estado, estabelecendo um profundo programa de ações sociais e

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econômicas e indicando a realização de atividades dirigidas à erradicação da pobreza e da

marginalização, com redução das desigualdades sociais e regionais, bem como de atividades

dirigidas ao fim de desenvolver o parque produtivo brasileiro e valorizar o mercado interno.

Ficou assim expressa a determinação político de intervir ativamente na Ordem Econômica,

caracterizada por graves assimetrias sociais e regionais (CASTRO, 2009, p. 77-78).

A conformação de Estado Social na Constituição de 1988 exulta especialmente da

rede de proteção social nela estabelecida, que se estende pelas vertentes da saúde, da

previdência e da assistência sociais. Estas prestações de natureza positiva são consideradas

fatores de implementação da justiça social, “por se encontrarem vinculados à obrigação

comunitária para com o fomento integral da pessoa humana”, constituindo expressão direta do

Estado Social (SARLET, 2001, p. 19).

A previdência social básica é consubstanciada no Regime Geral de Previdência

Social, sistema público, de repartição simples e base de financiamento mista (contribuições

das empresas e segurados), regida pelo princípio da solidariedade e de inclusão obrigatória,

abrigando grande parte da população economicamente ativa do setor privado. Paralelamente,

existem os regimes próprios de previdência, que compreendem militares e servidores públicos

e é um sistema público, em regime de repartição, com filiação e contribuição obrigatórias e de

financiamento misto (contribuição dos servidores e do órgão público). Por fim, a previdência

complementar, pública ou privada, é um regime de capitalização, de adesão voluntária. A

Constituição, ademais, assegurou a igualdade de direitos previdenciários entre a população

urbana e a rural, inobstante os trabalhadores rurais nunca tivessem contribuído para a

seguridade social, o que configura uma das causas de seu desajuste (SIMM, 2004, p. 14).

A assistência social, por sua vez, é um sistema público de atendimento assistencial a

idosos e deficientes incapazes de prover à sua própria manutenção, independentemente de

filiação e contribuição, e consiste no pagamento mensal do valor de um salário mínimo.

Conforme Zeno Simm (2004, p. 16), a Constituição de 1988, ao assegurar diversas

formas de proteção social, acarretou o germe da sua insubsistência, porque é um estatuto

promulgado numa época antissocial, atrasado no tempo ao instituir um Estado Social quando

este modelo já estava em crise em todo o mundo. Trata-se do fenômeno que Passos (2007, p.

8-9) denominou “o ônus da nossa redemocratização tardia”, porque almejamos reproduzir ao

final dos anos 80 a experiência que os países do Ocidente realizaram no apogeu da expansão

econômica dos anos 60 e 70. Estes processos de redemocratização, como os de Portugal e da

Espanha, almejando reproduzir experiências democráticas europeias mais antigas, teriam

resultado em uma “ambiguidade de um sistema econômico capitalista, subjacente a uma

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organização política com marcada vocação 'redentora' de matiz socialista”. A

redemocratização brasileira teria colhido esta inspiração, espelhada em uma constituição

dirigente, plena de “formulação prolixa e quase casuística dos direitos sociais merecedores de

constitucionalização”, construída, todavia, em uma sociedade politicamente frágil. O Brasil

aproximava-se assim de um modelo que os portugueses estavam prestes a abandonar, como

condição para entrada na comunidade europeia (GODOY, 2004, p. 63).

Percebe-se que o texto original da Constituição de 1988 assumiu, ainda que não

deliberadamente, uma concepção keynesiana, na medida em que o eventual déficit público

decorrente da implementação das medidas de construção da rede de proteção social não foi

reputado obstáculo à atribuição dos direitos e garantias.

A Constituição recebeu acerbas críticas especialmente dos representantes do

liberalismo, porque teria provocado insegurança jurídica, dificultado a governabilidade,

gerado conflitos sociais e inibido investimentos. A Constituição, além de conter contradições

que desfiguram o conjunto, seria fortemente dirigista, privilegiando o ideologismo antes do

pragmatismo. A intenção individualista seria anulada pelo forte intervencionismo, o que

ficaria evidente na regulamentação da relação capital-trabalho. A Constituição seria utópica,

porque pretende que a realidade seja modificada por atos de vontade contidos em suas

disposições. A sua tendência estatizante ficaria evidente na manutenção da intervenção do

Estado em setores da vida econômica que deveriam ser responsabilidade privada. Seria

paternalista, porque não confia na capacidade da sociedade de resolver seus assuntos, e

assistencialista, porque promete por generosidade, demagogia ou utopia, o que não pode

concretizar, gerando na sociedade uma ilusão perversa. Os cidadãos terminariam pagando por

serviços que não recebem. A Constituição incentivaria ainda um fiscalismo exagerado para

fazer frente a todos os compromissos que assume (GROSS, 2003, p. 212).

Godoy (2004, p. 63) anota com precisão as críticas do deputado constituinte de perfil

liberal Roberto Campos ao texto em construção na Constituinte de 1987/1988. Citando o

primeiro-ministro inglês James Calaghan, afirmava o parlamentar que a feitura das

constituições desperta o instinto utópico adormecido em cada um e somos tentados a nelas

inscrever nossa utopia particular, tentação à qual teriam sucumbido os constituintes.

Evidentemente, estas avaliações provenientes de representantes liberais não foram

corroboradas por aqueles que pugnavam pela elaboração de uma Constituição de perfil ainda

mais social. Neste aspecto, é suficiente lembrar que o Partido dos Trabalhadores, inclusive o

ex-presidente Lula, repudiaram o texto promulgado em 1988, em razão de atribuir-lhe perfil

excessivamente liberal.

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6. As reformas neoliberais na Constituição de 1988

A partir do final dos anos 90 e nas duas décadas que se sucederam, o Estado

brasileiro foi sucessivamente reformado por Emendas Constitucionais de perfil liberalizante.

No que pertine mais diretamente ao objeto deste estudo, interessa a análise das mudanças

procedidas nos Capítulos da Ordem Econômica Financeira e da Seguridade Social. Conforme

Costa Pinto (2010, p. 7-8), partindo de iniciativas tímidas já no Governo de Figueiredo (1981-

1984), passando pelos Governos de José Sarney (1985-1989), Fernando Collor (1990-1992),

Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique (1994-2002), o Estado brasileiro passou por

significativa redução, com a venda de diversas empresas públicas.

A venda de empresas públicas, porém, é apenas o aspecto emblemático e mais

visível das reformas procedidas no Estado nas últimas décadas. Outras medidas alteraram o

perfil da política econômica, invariavelmente sob o pressuposto do controle de gastos,

equilíbrio orçamentário, controle da inflação, ou seja, de acordo com uma agenda neoliberal.

No governo Sarney, a mais importante medida com vistas ao equilíbrio orçamentário

foi a eliminação da “conta movimento”, uma conta conjunta entre o Banco do Brasil e o

Banco Central, que era utilizada pelo governo para custear gastos diversos, inclusive grandes

investimentos, sem qualquer previsão orçamentária. Esta conta espelhava a ausência de

controle das contas públicas durante os governos militares (LEITÃO, 2011, p. 100-102).

Ao Governo Collor é atribuída a mudança da agenda da economia brasileira, o que

caracterizaria a guinada neoliberal intensificada nas gestões de Itamar, FHC e Lula, em

diferentes intensidades. Em seu governo, foi procedida a abertura da economia, eliminando-se

barreiras para importações de bens de consumo e capital, especialmente para automóveis e

informática. No período também foram privatizadas algumas estatais, como a Usiminas.

Durante o Governo Itamar igualmente foram privatizadas estatais, como a

Companhia Siderúrgica Nacional. Entretanto, o seu mandato notabilizou-se pela

implementação do Plano Real, conduzido pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique

Cardoso, e que conseguiu estancar um processo inflacionário que se estendia por décadas e

havia chegado à hiperinflação ao final do governo Sarney. Tratou-se de um plano de perfil

neoliberal, porque se fundavae em política de controle de gastos, desestatização e

estabilização monetária.

Foi na gestão de Fernando Henrique que ocorreu o auge do processo de privatização,

mediante a quebra de monopólios, a delegação de serviços públicos a particulares, mediante

autorização, permissão e concessão e parcerias com entidades públicas e privadas.

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Conforme Godoy (2004, p, 51-59), as reformas do Governo FHC consistiram

inicialmente em um processo de estabilização econômica seguido por reformas estruturais,

segundo o que preconiza o Consenso de Washington, ou seja, acabar com a inflação,

privatizar e deixar o mercado regular a sociedade, por meio da redução do papel do Estado.

Assim, no direito previdenciário, procedeu-se a uma releitura do princípio da solidariedade e

um redimensionamento do sistema, com um movimento de substituição do direito de feição

estatal, impulsionado por uma exagerada previsão dos efeitos do crescimento e do

envelhecimento da população, o que levou a uma dilação de prazos de aposentadorias. No

entender do autor, as reformas caracterizam ameaça de relegar-se a Constituição a “mero

documento simbólico, intimidada por um reducionismo que a equipolaria ao hino nacional ou

à bandeira”.

No que tange à Ordem Econômica, as alterações procedidas basicamente consistiram

em eliminar a distinção prevista na Carta de 1988 entre empresa brasileira e empresa

brasileira de capital nacional, à qual o texto original conferia vantagens não acessíveis às

empresas meramente brasileiras, ou seja, as estabelecidas no Brasil, mas controladas pelo

capital externo, bem como permitir que atividades como de telecomunicações, distribuição de

gás e exploração de recursos minerais e de hidrocarbonetos passassem a ser executadas,

mediante concessão da União ou dos Estados, por empresas públicas ou privadas

estabelecidas no País. Estas reformas permitiram a intensificação do processo de privatização

de empresas estatais.

Conforme Carvalho (2008, p. 9), embora o processo tenha ganhado notoriedade pelo

aspecto da privatização, a ênfase deve ser atribuída à desestatização, porque os serviços

públicos objeto de transferência ao setor privado não se converteram em atividades privadas,

mantendo sua natureza pública. A privatização propriamente apenas se verificou no que

concerne às empresas administrativas que antes exploravam as atividades econômicas. Assim,

a desestatização consistiu no conjunto de medidas destinadas a afastar o Estado de

determinadas atividades que presumivelmente seriam melhor desempenhadas pelo setor

privado. Paralelamente, procedeu-se à uma desregulamentação, reduzindo-se a normatização

da atividade econômica, além de transferir-se o controle de algumas entidades administrativas

à iniciativa privada.

No que se refere à desregulamentação da economia, a medida mais significativa

consistiu na criação das Agências Reguladoras, como Aneel, Anatel e ANP, cuja atribuição é

a regulamentação do mercado e fiscalização das empresas do respectivo setor. Para Godoy

(2004, p. 77-82), a regulação que enseja a proliferação das aludidas agências é mecanismo de

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desestatização e sua criação funda-se em nova concepção de Estado, de modo que a

autonomia a elas outorgada decorre de tentativa de obtenção de eficiência na gestão da coisa

pública. Para o autor, trata-se de mais uma estratégia de miniaturização do Estado, que

transfere para a iniciativa privada funções ordinariamente públicas.

No plano infraconstitucional, foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que

definiu responsabilidades ao administrador público, como limites de gastos com pessoal e

proibição de criação de despesas sem contrapartida de receitas, e estabeleceu parâmetros no

que tange à transparência e controle da gestão pública (COSTA PINTO, 2010, p. 7-8).

O capítulo da Seguridade Social foi objeto de reformas liberalizantes durante os

governos FHC, pela Emenda Constitucional nº 20, e Lula, pela Emenda Constitucional nº 40.

A EC nº 20 promoveu alterações nos regimes de previdência dos trabalhadores do

setor privado e dos servidores públicos. O principal critério para a aposentadoria passou ser o

tempo de contribuição para a Previdência, em substituição ao tempo de serviço. Foi extinta a

aposentadoria proporcional para ambos os regimes (ARAUJO, 2010, p. 35). Especificamente

no que se refere aos servidores públicos, a aposentadoria voluntária passou a exigir tempo

mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a

aposentadoria, além de idade de 60 anos e de 35 anos de contribuição para os homens e 55

anos de idade e 30 de contribuição para as mulheres. Anteriormente não havia restrições de

idade e aposentava-se voluntariamente aos 35 anos de serviço se homem e aos 30, se mulher.

A EC nº 40 aprofundou a reforma da Previdência dos servidores públicos. Eliminou

o direito à integralidade e à paridade entre os reajustes dos servidores ativos e dos inativos,

criou um teto para o valor dos benefícios para os novos servidores e estabeleceu um redutor

para as novas pensões, além de introduzir a taxação dos servidores inativos e dos pensionistas.

Conforme Araujo (2010, p. 37-38), embora as reformas da Previdência tenham

caracterizado o principal marco no processo de “desconstrução do sistema brasileiro de

proteção social, em estrita conformidade com o ataque neoliberal generalizado às instituições

de bem-estar”, o processo no Brasil teve um início relativamente tardio e não promoveu um

desmonte das dimensões observadas em outros países latino-americanos. Anota que as

reformas não eliminaram a natureza pública do sistema e o seu caráter solidário, que

permanece no regime de repartição simples. Conclui que as reformas ficaram a meio caminho

entre a privatização total e um modelo de proteção previdenciária pública e solidária. Cita

como exemplo da subsistência da rede de proteção após as reformas a constatação de que em

mais de 90% dos municípios brasileiros o valor do pagamento dos benefícios da Previdência

supera a arrecadação municipal.

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Ademais da constatação de que a reforma da Previdência não atingiu a profundidade

daquelas realizadas em outros países, durante os governos FHC e Lula foram implementadas

medidas que se inserem no contexto de proteção social, compensando, em certa medida, a

inflexão neoliberal procedida pelas reformas. Assim, conforme Burlandy e Azevedo (2010, p.

204), em 1995 foi criado o programa Comunidade Solidária, que procurava articular outros

programas já existentes em diferentes ministérios para enfrentar a fome e a miséria e,

especificamente no que se refere à transferência de renda, foram criados o Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil e instituídos os programas federais Bolsa Escola, Bolsa

Alimentação e Auxílio Gás. Estes programas foram mantidos e bastante ampliados no

governo Lula, a partir de 2003, cujo destaque é a unificação dos programas de transferência

de renda federais no Programa Bolsa Família, o que viabilizou sua expansão nacional para

alcançar todas as famílias abaixo da linha de pobreza. Graças a estas medidas, uma

significativa parcela da população mais pobre foi incorporada ao sistema de proteção e ao

mercado de consumo.

Paralelamente, foi mantida a vertente assistencial, cujo principal programa é

consubstanciado pelo Benefício Assistencial de Prestação Continuada. A saúde continuou

universalizada, independentemente de contribuição.

7. O modelo da Constituição de 1988 após as reformas

A definição do perfil da Constituição Federal após as reformas parece configurar-se

tarefa desprovida de um padrão de medida ou de uma regra de avaliação insuscetíveis de

críticas, porque é manifesto e insuperável o componente ideológico que permeia avaliações

desta espécie. A Consituição que resultou das reformas neoliberais é assim insuscetível de

uma qualificação que não esteja impregnada de ideologia. Pouco acrescentaria ainda a

eventual comparação com a conformação socio-econômica de outros Estados, porque é

igualmente a ideologia que escolhe ou repudia os paradigmas.

Conforme Bobbio (2000, p. 87), o termo "liberalismo", como todos da linguagem

política, manifesta significados diversos na amplitude, mantido o seu núcleo originário

caracterizado por uma teoria dos limites do poder do Estado, fundados na pressuposição de

direitos do indivíduo precedentes à formação do poder político, entre os quais o direito de

propriedade individual. A estipulação destes limites não pode ser procedida definitivamente,

mas é princípio constante e característico da doutrina liberal que o Estado é mais liberal

quanto mais reduzidos são seus poderes e mais ampla a esfera da liberdade dos indivíduos.

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Embora certamente mais liberal do que o Estado que nasceu com o texto originário

da Constituição de 1988, não se afigura possível, exceto para quem não se furta aos rótulos

que impõe a irredutível ideologia, afirmar que o Estado brasileiro resultante das reformas

reduziu-se ao ponto suficiente para caracterizar o mítico e ameaçador “estado mínimo”.

A qualificação como Estado Social da nação construída pela Constituição de 1988,

antes ou depois das reformas, é igualmente sujeita a ressalvas ideologicamente insuperáveis.

Para ilustrar essa assertiva, confira-se a definição que Bonavides (2007, p. 186) atribui ao

“Estado Social”, com o escopo de diferenciá-lo do Estado de perfil socialista:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social. Quando a presença do Estado, porém, se faz ainda mais imediata e ele se põe a concorrer com a iniciativa privada, nacionalizando e dirigindo indústrias, nesse momento, sim, ingressados na senda da socialização parcial. E à medida que o Estado produtor puder remover o Estado capitalista, dilatando-lhe a esfera de ação, alargando o número das empresas sob seu poder e controle, suprimindo ou estorvando a iniciativa privada, aí então ocorrerá grave perigo a toda a economia do Estado burguês, porquanto, na consecução desse processo, já estaremos assistindo a outra transição mais séria, que seria a passagem do Estado social ao Estado socialista.

Para um ideólogo liberal, a definição de estado social estaria superada já ao terceiro

verbo do primeiro parágrafo, enquanto um pensador de perfil socialista não aceitaria menos

que todas as atividades referidas até o final do segundo parágrafo como condição mínima para

abster-se de qualificar o Estado hipoteticamente referido como neoliberal.

8. A relatividade dos conceitos e o aparente paradoxo de Lula à direita de FHC

Em entrevista publicada pelo jornal Valor de 27-05-2009, o sociólogo Francisco de

Oliveira, historicamente identificado com o presidente Lula e com o Partido dos

Trabalhadores, afirmou que Lula estava à direita de FHC, ao não recompor as estruturas do

Estado e não avançar na ampliação de direitos. Malgrado tenha nítida intenção provocativa e

se afigure desprovida de consistência, a assertiva permite uma reflexão acerca da relatividade

dos conceitos de esquerda e direita e, obliquamente, de Estado Social e Estado Liberal.

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Conforme Bobbio (1995, p. 33), as ideologias do passado foram substituídas por

outras novas ou que pretendem ser novas, mas direita e esquerda não traduzem apenas

ideologias, indicam programas antagônicos em diversos âmbitos, implicando contrastes de

interesses e valorações a respeito da conformação a ser adotada pela sociedade.

O critério mais aceito para a distinção entre esquerda e direita é o juízo positivo ou

negativo assumido diante do ideal de igualdade. A esquerda credita a maior parte das

desigualdades a fatores sociais elimináveis. Para a direita, grande parte das desigualdades

decorre de causas naturais inelimináveis. Mas o próprio conceito de igualdade é também

relativo, o que permite o estabelecimento de um espectro de posicionamentos no espaço

político, que parte da mera tendência à redução de desigualdades e pode chegar à pretensão da

igualdade absoluta postulada pelas utopias (BOBBIO, 2001, p. 95-98 e 105-107).

As experiências históricas indicam que a esquerda, em regra, identifica-se com o

intervencionismo econômico, com a socialização da economia, com o nacionalismo, com a

presença de um Estado forte e onipresente e com a igualdade entre os indivíduos, cabendo em

regra à direita as posições opostas. A preservação ambiental já foi uma bandeira da esquerda,

mas atualmente a distinção já não parece evidente.

Como se percebe, é nítida a maior identificação da esquerda com o Estado Social,

contrastada com a afinidade da direita com o Estado Liberal. Conforme Bobbio (1995, p.

109), funda-se no ideal de igualdade atribuível à esquerda a conquista de direitos sociais

incorporados às Constituições dos modernos Estados Sociais.

Adverte Bobbio (1995, p. 33 e 91-92), no entanto, que esquerda e direita não são

conceitos substantivos ou ontológicos ou qualidades intrínsecas ao universo político. São

conceitos relativos que exprimem lugares do espaço político que nenhuma relação guardam

com a ontologia política e “não designam conteúdos fixados de uma vez para sempre”.

Colhe-se dessas precisas considerações que o enquadramento nos campos políticos

somente pode ser procedido a partir de pontos de referência.

Conforme anota ainda Bobbio(1995, 35-36), é a existência de uma linha contínua

composta de posições intermediárias, conhecida pelo nome de “centro” e que pode ser

denominada “terceiro incluído”, que permite a compreensão do sistema e a distinção das

posições que ocupam cada um dos espaços opostos.

Para os fins do exercício a que se propõe este trabalho, somente se justifica adotar-se

como ponto de referência para o enquadramento do presidente Lula nos campos políticos o

modelo constitucional vigente ao tempo de seu governo.

Como antes se referiu, a inexistência de parâmetros incontestáveis não permite

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afirmar taxativamente que a Constituição resultante das reformas de perfil neoliberal nela

procedidas retiraram do País a conformação de um Estado Social.

Parece aceitável, entretanto, que as características de Estado Social remanescentes

tenham se aprofundado ao longo da última década, em razão especialmente da nova

interpretação conferida ao texto da Constituição em face da atribuição de carga normativa aos

princípios nela inseridos. Conforme refere Barroso (2001, p. 20), a novidade das últimas

décadas não está propriamente na existência de princípios e no seu reconhecimento pela

ordem jurídica, mas no reconhecimento de sua normatividade. Assim, alguns princípios que

amparam direitos fundamentais e sociais, como a saúde, a educação e a seguridade social, e

que teriam sido inseridos na Constituição com natureza meramente programática passaram a

ser interpretados com caráter vinculante.

Trata-se do processo de mutação constitucional, que se caracteriza pela

concretização do conteúdo das normas constitucionais, passíveis de mudança de interpretação

em face de seu caráter aberto, que se opera no conteúdo das constituições, sem que se proceda

a alterações no seu texto. É fenômeno passível de ocorrência nos modelos de constituição que

permanecem abertas ao tempo, porque contém suficientes abertura e amplitude necessárias

para permitir as mudanças históricas, assim como albergar as diversidades das situações

verificáveis na sociedade (HESSE, 1992, p. 38-43).

A Constituição de 1988 foi concebida com esta plasticidade e este caráter aberto

permitido pelos princípios, canal que foi utilizado pelos seus intérpretes, especialmente pelo

Poder Judiciário, cuja passividade antes criticada foi sucedida por uma postura ativa que

igualmente já começa a receber acerba contestação.

Paralelamente, institutos como a tutela de interesses coletivos e difusos facilitaram o

acesso à Justiça e permitiram que questões sociais relevantes fossem resolvidas de forma mais

adequada e rápida. Neste processo teve relevância a atuação do Ministério Público por meio

de inquérito civil, de compromisso de ajustamento de conduta e do ajuizamento das ações

civis coletivas. Essas demandas coletivas têm possibilitado ao Judiciário dar efetividade aos

direitos fundamentais, sobretudo os de caráter social (CAMBI, 2007, p. 8).

Assim, o Estado passou a ver-se frequentemente obrigado a implementar políticas

públicas relacionadas com a Seguridade Social, como, por exemplo, o fornecimento de

medicamentos não incluídos no programa básico do SUS.

Noutro vértice, como adverte Faria (2002, p. 119-120), as despesas nos programas de

bem-estar nas áreas da saúde, previdência, saneamento básico, moradia e educação, “uma vez

efetivadas, convertem-se em direitos sociais que acabam não podendo mais ser suprimidos

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sem o risco de grandes tensões - sob a forma de greves por vezes selvagens, protestos por

vezes violentos e grandes mobilizações - para a sustentação dos governos e para a

legitimidade do próprio sistema político”. A partir do momento em que o orçamento social é

ampliado, cada programa de bem estar passa a ser considerado direito adquirido por seus

destinatários, razão pela qual sua manutenção pouco acrescenta à legitimidade do Estado,

enquanto sua eventual redução ou supressão leva à inevitável perda de legitimidade.

A confluência da mutação constitucional com a incorporação dos benefícios

resultantes dos programas sociais implementados nas duas últimas décadas determinou uma

nova conformação do Estado e é esta nova configuração que passa a delimitar o parâmetro

para a comparação doa modelos de gestão dos governantes.

Acentuado assim o caráter social da Constituição, inclusive após as reformas de

perfil neoliberal, o modelo adotado pelo Governo Lula, ainda que com viés mais social que o

de FHC, poderia ser considerado de perfil comparativamente mais neoliberal, fato que

paradoxalmente situaria Lula à esquerda de FHC, dando razão à assertiva do sociólogo

Francisco de Oliveria, ainda que com fundamentos distintos.

Em outros termos, ainda que Lula tenha se situado à esquerda de FHC, a

Constituição vigente ao longo de seu mandato poderia ter sofrido mutação ainda mais à

esquerda, ou no sentido do Estado Social.

Trata-se, entretanto, de possibilidade teórica insuscetível de verificação, somente de

percepção.

A julgar pelos elevados índices de popularidade do presidente Lula e de sua

sucessora, a percepção acerca da sua gestão lhe é inteiramente favorável, o que permite

também concluir que a atual conformação do Estado brasileiro transmite a sensação de que as

demandas sociais são satisfatoriamente atendidas. Assim, o jovem Estado Social brasileiro, ao

menos pela percepção dominante, teria mantido satisfatórias características atribuíveis ao

Estado de Bem Estar Social.

Igualmente o Poder Público, e o presidente Lula em particular, não teriam se

desprendido de suas bases sociais, fenômeno que, segundo Habermas (1985, p. 108), levaria

parcela da sociedade beneficiada diretamente pelo Estado de bem-estar a desenvolver uma

mentalidade de conservação da situação alcançada e unir-se com a antiga classe média,

formando um bloco defensivo contra os estratos menos favorecidos ou marginalizados.

Ausente igualmente qualquer cenário de risco à governabilidade, definida como Faria (2002,

p.118-119) como a capacidade de um governo de formular e tomar decisões e de implementá-

las de modo efetivo, para fazer face a uma “crescente sobrecarga de expectativas, de

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problemas institucionais, de clivagens políticas, de conflitos sociais e de demandas

econômicas”, crise que aflora no momento em que as despesas sociais passam a crescer mais

rapidamente do que as fontes de seu financiamento.

Mantidas por ora as energias utópicas referidas por Habermas (1985, p. 105), é

meramente especulativo cogitar das razões pelas quais nosso Estado Social permanece

aparentemente incólume. Diriam os liberais que as reformas procedidas no Estado ao longo

das duas últimas décadas permitiram o crescimento País e a construção da rede de proteção

social. Socialistas moderados sustentariam que a adoção ou incremento das políticas sociais é

que geraram o círculo virtuoso, enquanto os radicais acreditariam que esta é uma falsa

questão, porque o Estado brasileiro é absolutamente neoliberal.

De qualquer sorte, as experiências de Estados Sociais mais antigos demonstram que

se trata de uma trajetória que ainda não percorrermos inteiramente.

9. Conclusões

Ainda que as reformas procedidas na Constituição de 1988 tenham todas elas

inspiração e conteúdo neoliberal, não parece possível atribuir-se, sem contestações, esta

natureza ao Estado que resultou do estatuto reformado. O afastamento do Estado de uma

razoável variedade de atividades econômicas e a eliminação de monopólios estatais

inequivocamente lhe conferiram um perfil mais liberal que aquele construído pelo texto

original de 1988. A qualificação a lhe ser atribuída, no entanto, não pode ser efetuada sem o

amparo de ideologias, especialmente porque a escolha de qualquer paradigma para

comparação também seria igualmente ideologicamente impregnada. No que tange às reformas

no capítulo da Seguridade Social, igualmente não parece haver parâmetro seguro para

amparar a conclusão de que a rede de proteção social construída pelo texto de 1988 e

complementada pelas políticas públicas das últimas décadas foi suficientemente reduzida a

ponto de afastar do Estado brasileiro a qualificação de Estado Social.

Noutro vértice, nos últimos anos, a Constituição parece ter aprofundado as suas

características de Estado Social, em razão especialmente do fenômeno da mutação

constitucional, que possibilitou a concretização do conteúdo de suas normas, especialmente

em face da nova interpretação procedida a partir da consideração da plena normatividade dos

princípios. Acentuado o carater social da Constituição, qualquer modelo de governo, inclusive

o do ex-presidente Lula, sujeita-se ao ônus da comparação com um Estado provido de uma

ampla rede social incorporada ao patrimônio da sociedade e insuscetível de retirada sem perda

de legitimidade. A mutação constitucional rumo ao fortalecimento do Estado Social, no

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entanto, a julgar pelos seus índices de popularidade, não parece ter sido suficiente para revelar

um perfil mais liberal, ou à direita, do governo Lula. Ainda que o fenômeno tenha ocorrido,

não foi assim percebido.

O Estado brasileiro não parece sentir a crise que frustrou nas últimas décadas as

melhores experiências do Estado de Bem Estar Social. Cumpre, no entanto, verificar se de

fato a crise não se instalou, ou se apenas não foi percebida, especialmente porque a trajetória

brasileira rumo ao Estado Social parece ser ainda ascendente.

Todavia, conforme Habermas (1987, p. 106), ainda que evidentes os limites do

projeto do Estado social, porque “o capitalismo desenvolvido nem pode viver sem o Estado

social nem coexistir com sua expansão contínua”, não se vislumbram alternativas. Embora o

Estado social bem sucedido tenha posto obstáculos em seu próprio caminho, não há razão

para dele se desviar, sobretudo nos países em que o processo está ainda em desenvolvimento.

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CIDE COMBUSTÍVEL: REFLEXÕES APÓS A ADI 2925/DF CIDE FUEL: REFLECTIONS AFTER THE ADI 2925/DF

Paulo Antonio Brizzi Andreotti1

Jonathan Barros Vita2 Resumo Este artigo objetiva analisar o perfil constitucional da CIDE Combustível como instrumento de intervenção do Estado na econômia e sua ligação com os objetivos de mitigação das externalidades causadas pelo comércio de combustíveis. Partindo da premissa de que existe comunicação sistêmica entre o direito e a economia, será feita ainda uma análise dos aspectos positivos e negativos da CIDE Combustível para a concretização dos princípios da ordem econômica previstos no Art. 170 da Constituição Federal. Ao final, será demonstrada a importância da vinculação da receita da CIDE Combustível com os objetivos previstos no Art. 177, §4º, da Constituição e a inconstitucionalidade da tredestinação de sua receita através da lei orçamentária, conforme declarado pela ADI 2925/DF. Palavras-chave: CIDE Combustível; Tredestinação; ADI 2925/DF Abstract The article aims to analyze the constitutional profile of CIDE Fuel as instrument of the State intervention in the economy and its link with the objective of externality mitigation caused by the fuel trading. From the premise that exists systemic communication between the law and economy, it will be also developed an analysis of positive and negative aspects of CIDE Fuel to the implementation of the principles of economical order provided for Article 170 th of Federal Constitution. At the end it will be showed the importance of linking revenue of CIDE Fuel to the objectives provided for Article 177th §4 of the constitution and the unconstitutionality of deviation from purpose of its revenue through the budget law, according to what stated by ADI 2925/DF. Key Words: CIDE Fuel; Deviation from purpose; ADI 2925/DF 1Advogado. Mestrando em direito pela Universidade de Marília - UNIMAR. Pós-graduado em direito do Estado, com concentração em direito administrativo pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Graduado em Direito pela Universidade Eurípides de Marília - UNIVEM. E-mail: [email protected] 2Advogado, Consultor Jurídico e Contador. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET-SP, Mestre e Doutor em Direito do Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e Mestre em Segundo Nível em Direito Tributário da Empresa pela Universidade Comercial Luigi Bocconi – Milão – Itália. Professor do Mestrado em Segundo nível em Direito Tributário da Empresa na Universidade Comercial Luigi Bocconi, do Mestrado e da Graduação da UNIMAR e das especializações em Direito Tributário da PUC-SP/COGEAE, IBET, FAAP e EPD, em Direito Internacional da EPD e de arbitragem e mediação no curso de psicologia do EPSI. Conselheiro do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB. Participa como Coach e árbitro do Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot desde 2009. Sócio do IBDT, da ABDF, IFA, IASP, CBAr e CONPEDI.

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Introdução

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico do setor petrolífero,

conhecida por CIDE Combustível, é assunto bastante atual e polêmico, pois trata da

intervenção do Estado no domínio econômico. Destaca-se que o julgamento da ADI 2925/DF

pelo Supremo Tribunal Federal reacendeu a discussão dessa espécie tributária como

instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico, em razão da deturpação de sua

finalidade interventiva.

A competência tributária da União para a instituição da CIDE Combustível está

atrelada à alocação de recursos para a correção das falhas de mercado, contribuindo para a

manutenção dos fundamentos da ordem econômica prescritos no Art. 170 da Constituição

Federal. Porém, até o julgamento da ADI 2925/DF, a União vinha utilizando a CIDE

Combustível como mera fonte arrecadatória, tanto para a formação de caixa, buscando atingir

um superávit, como para custear despesas gerais, o que inviabiliza a consecução das

finalidades interventivas, em patente afronta ao texto constitucional.

Com a tredestinação dos recursos da CIDE Combustível, a União desconsiderou a

finalidade interventiva prevista no Art. 149 da Constituição Federal que, cumulada com o Art.

177, §4º, I e II, também da Constituição Federal, justifica a instituição do referido tributo e

determina a vinculação dos recursos arrecadados às seguintes finalidades: (I) pagamento de

subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados, e

derivados de petróleo; (II) financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria

do petróleo de gás; (III) financiamento de programas de infraestrutura de transportes.

Embasado nesse delineamento Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar

a ADI 2925/DF, outorgou importante precedente em matéria tributária e financeira ao

albergar a possibilidade de controle judicial da tredestinação da receita das contribuições de

intervenção no domínio econômico. Com isso, o Supremo Tribunal Federal abriu espaço para

uma análise funcional das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, permitindo

que pontos de conexão existentes entre direito tributário, direito econômico e direito

financeiro sejam utilizados, tanto para fundamentar como para delimitar a competência

tributária da União, quando da instituição das CIDEs.

A partir dessa nova premissa, o artigo pretende analisar a utilização da tributação

como instrumento de intervenção do Estado na ordem econômica, vinculada à correção das

falhas de mercado, construindo com isso uma nova dimensão do direito tributário, pautada na

intertextualidade e interdisciplinaridade do direito tributário com o direito econômico e a

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economia. Através dessa nova chave de leitura será possível identificar os fundamentos e os

limites impostos à União no que se refere à instituição das Contribuições de Intervenção no

Domínio Econômico.

1. Introdução às formas de intervenção no domínio econômico e às Contribuições de

Intervenção no Domínio Econômico

Estando as CIDEs diretamente relacionadas à intervenção do Estado no domínio

econômico, deve-se observar, preliminarmente, como essa intervenção na ordem econômica

está juridicamente estruturada em cada Estado. É que, com a Constituição Federal de 1988, o

"Estado assume a importante função de zelar e garantir, por meio da fiscalização, incentivo e

planejamento, a eficácia dos princípios da ordem econômica, disposto no Art. 170 da CF/88"

(NUNES, 2011, p. 85).

Portanto, embora a atual Constituição brasileira tenha consagrado uma economia de

livre mercado, não se concebe mais no Estado Brasileiro uma ordem econômica totalmente

livre. Com isso, a ordem econômica deixou de ser ordenada apenas pelos princípios do livre

mercado, passando a ser objeto de regulação estatal (VAZ, 2011, p. 53), ao estar vinculada a

programas e fins estabelecidos pela Constituição Federal, em torno de objetivos econômicos,

sociais e ambientais, simultaneamente.

Dessa forma, a Constituição Federal introduziu na ordem econômica uma

complementaridade entre a intervenção pública e o livre mercado (BOYER, 2013, p. 8),

permitindo que a liberdade econômica caminhe junto com a intervenção do Estado, a fim de

que se alcancem os objetivos Constitucionais. Essa demanda pelo Estado interventor decorre

da necessidade de se alcançar uma alocação eficiente de recursos e redistribuir a renda de

maneira mais equitativa entre os fatores de produção, a fim de garantir o funcionamento do

sistema capitalista (OMAR, 2012, p. 232), tendo em vista que a economia de livre mercado

apresenta falhas, conforme pontuou André Ramos Tavares: A concepção de Estado liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista, passou-se a admitir a necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na econômia, ainda que extremamente restrita ou em setores específicos e predeterminados. A demanda por um Estado interventor, desta feita decorre da existência de falhas na concepção - utópica - liberal da econômia. (TAVARES, 2011, p. 49)

Nessa linha, o principal fundamento para a intervenção do Estado na economia de

livre mercado é a convicção de que a ordem econômica, quando entregue aos mecanismos de

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funcionamento do livre mercado, apresenta imperfeições (PEREIRA, 2012, p. 122),

mostrando-se ineficiente. Essas imperfeições, conhecidas como falhas de mercado, que

podem ser catalogadas em cinco espécies, quais sejam: (I) Rigidez de Fatores: ausência de

mobilidade dos fatores; (II) Acesso às Informações Relevantes: falha de transparência; (III)

Falha de Estrutura: concentração econômica; (IV) Falha de Sinalização: externalidades

positivas e negativas; (V) Falha de Incentivo: bens coletivos (TAVARES, 2011, p. 49), ao

induzirem a econômia a pontos de ineficiência, viciam os programas e fins estabelecidos pela

Constituição Federal, especialmente os previstos no Art. 170, impedindo a conquista do bem-

estar social.

Portanto, a intervenção do Estado na economia é uma das maneiras de corrigir as

falhas de mercado (PEREIRA, 2012, 122), cabendo a cada uma delas "várias ações corretivas

por parte do Estado, traduzidas em normas legais e regulamentares de todo tipo, com a

finalidade de reparar o mau funcionamento operacional do sistema econômico" (NUSDEO,

2010, p. 167), conforme destacou Fábio Nusdeo: Escorraçado do sistema econômico pelos postulados do liberalismo, o poder público dele saiu pela porta da frente, mas acabou por reingressar gradualmente pela porta dos fundos. Ou seja, este reingresso não foi sistemático, nem sempre conscientemente desejado, mas fruto de uma necessidade incontornável, à falta de qualquer alternativa para lidar com os apontados problemas. E, assim, foi-se acoplando ao processo decisório do mercado um aparelho controlador de caráter burocrático, destinado a impedir as consequências mais indesejáveis do seu funcionamento. (NUSDEO, 2010, p. 167).

Com isso, surge uma visão mais complexa do sistema social, tendo em vista a

necessidade de uma análise articulada entre a economia e o direito na busca de um mercado

sustentável, em consonância com o Art. 219 da Constituição Federal, que determina ser o

mercado interno patrimônio nacional, incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento

cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país. Por

isso, o papel do Estado na economia "incrementou e não diminuiu, havendo indicações de que

esse papel se desenvolverá ainda mais no futuro" (OMAR, 2012, p. 211), em razão da

necessidade de "compensar as falhas de mercado por meio de políticas públicas adequadas"

(BOYER, 2012, p. 17).

Nesse ponto, "é possível afirmar que a intervenção econômica do Estado nada mais é

do que a atuação do Estado como agente regulador da economia” (BOMFIM, 2011, p. 95-96),

tendo por escopo "a concretização dos valores e das regras que compõe o regime econômico

constitucional, reunidos, no Art. 170 da Constituição Federal" (TEDESCHI; BASSOLI, 2007,

p. 175).

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A atuação do Estado no domínio economico, de acordo com a Constituição Federal,

pode se instrumentalizar de forma direita ou indireta. Na forma direta, o Estado atua inserido

no domínio econômico, enquanto agente econômico. Na forma indireta, o Estado intervém

sobre o domínio econômico, atuando como agente fiscalizador, incentivador e planejador

(MARINHO, 2009, p. 108).

A intervenção direta está prevista no Art. 173 da Constituição Federal. "Nesta o

Estado participa ativamente, de maneira concreta na economia, na condição de produtor de

bens ou serviços, ao lado dos particulares ou como se particular fosse" (TAVARES, 2011, p.

54). O Estado pode atuar por absorção, quando assume de forma monopolística de

determinada atividade econômica, ou por participação, quando atua em concorrência com o

setor privado.

A intervenção indireta está prescrita no Art. 174 da Constituição Federal e se dá

mediante a regulação legislativa da atividade econômica. O Estado atua no domínio

econômico, enquanto agente normativo, valendo-se de instrumentos postos no sistema

jurídico, que induzem ou direcionam as atividades econômicas (MARINHO, 2009, p. 108),

referindo-se à cobrança de tributos, "concessão de subsídios, subvenções, benefícios fiscais e

creditícios e, de maneira geral à regulamentação normativa de atividades econômicas, a serem

primariamente desenvolvidas pelos particulares" (TAVARES, 2011, p. 54).

O Estado pode intervir por direção, quando determina comportamentos compulsórios

à atividade econômica; ou por indução, quando incita o agente econômico a certos

comportamentos ou decisões. Ambas as formas de intervenção são alcançadas por meio de

normas jurídicas, sendo que, as normas de intervenção por direção são cogentes, impondo um

comportamento obrigatório, enquanto as normas de intervenção por indução são normas

dispositivas, apenas incentivando certos comportamentos ou decisões do agente econômico.

Desenhado esse panorama geral da estrutura jurídica da intervenção do Estado no

domínio econômico, observa-se que a intervenção estatal na ordem econômica não se destina

a planificar ou dirigir a economia, mas sim a emendar as falhas de mercado, reduzindo suas

ineficiências, resultantes do funcionamento espontâneo das economias de mercado

(PEREIRA, 2012). Portanto, a Constituição Federal assegura a intervenção estatal na

econômia como forma de planejar e de executar políticas públicas que gerem um crescimento

econômico sustentável a taxas expressivas de inclusão social dos menos favorecidos

(GENTIL; MICHEL, 2009, p. 131).

Para alcançar tais programas e fins enunciados no texto constitucional, o Estado pode

utilizar-se de qualquer uma das formas interventivas; porém, a política fiscal vem ganhando

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espaço no cenário da intervenção do Estado no domínio econômico. "Isso se deve ao fato da

política fiscal ser uma parte da política econômica em sentido amplo, podendo atuar como

instrumento de direcionamento estratégico da econômia" (SCHUARTZ, 2001, p. 38),

conforme destacou Andrei Pitten Velloso: Os Estados contemporâneos lançam mão do direito tributário não só para alcançar a finalidade fiscal como também para realizar fins não fiscais, alheios à esfera impositiva. Utilizam-no para garantir o equilíbrio econômico, tutelar o meio ambiente, reduzir as desigualdades sociais, etc., impondo à tributação o desenvolvimento de um papel que transcende o de mera arrecadação de recursos públicos (VELLOSO, 2012).

Esse novo viés do direito tributário ganhou importância no Estado moderno. É que,

em razão da extrafiscalidade, os tributos podem atuar como instrumento de direção e controle

da econômia, contribuindo para a equalização das falhas de mercado, mostrando-se como um

importante indutor do sistema econômico ao modular a eficiência e a equidade de um

determinado sistema social (SILVEIRA, 2009, p. 77), rompendo com a visão de que tributo é

uma mera fonte de receitas para o Estado, conforme ponderou Diego Bomfim: O direito tributário positivo deve ser estudado com um instrumento eficaz de consecução de políticas públicas, de consecução dos objetivos e fundamentos positivados pela Constituição Federal, tendo em vista as grandes mudanças no perfil do Estado e a premente necessidade de intervenção do ente estatal (também por meio da tributação) sobre o domínio econômico e social (BOMFIM, 2011, 95-96).

É nesse contexto que se estabelece a competência tributária interventiva da União

para, por meio da criação de uma contribuição, intervir nas relações econômicas como forma

de alcançar o bem-estar social (MARINHO, 2009, p. 108). Portanto, a Constituição Federal

outorgou à União competência exclusiva para a criação de tributo específico, a fim de

viabilizar a intervenção estatal na econômia (CEZAROTI; SILVEIRA, 2001, p. 51). Trata-se

das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDEs), que encontram previsão

no Art. 149 da Constituição Federal. Vejamos: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Diante da norma transcrita, é possível afirmar que "a CIDE se caracteriza por servir

de instrumento para a atuação da União no âmbito de uma intervenção no domínio

econômico" (MACHADO SEGUNDO, 2002, p. 302), tendo como campo próprio de atuação

a intervenção indireta, prevista no Art. 174 da Constituição Federal, vale dizer, quando o

Estado exerce suas funções normativa e reguladora da atividade econômica (DIAS, 2003, p.

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72), atuando sobre o domínio econômico. Nesse sentido, pontuou Rodrigo César de Oliveira

Marinho: A contribuição interventiva é instrumento posto à disposição da União para materializar a atuação desse ente federado sobre o domínio econômico. Aliando a competência interventiva disposta no artigo 174, a Constituição Federal permite que a União também promova a intervenção sobre o domínio economico mediante a criação do tributo disposto no artigo 149 (MARINHO, 2009, p. 108).

Portanto, "para que uma CIDE seja validamente criada, é indispensável que antes

tenha sido preenchido o suporte fático de uma norma jurídica que autorize a intervenção do

Estado na econômia" (MACHADO SEGUNDO, 2002, p. 302). Logo, a intervenção estatal é

elemento determinante para a validade da CIDEs, tendo em vista que o Constituinte adotou

uma validação finalística para o referido tributo (GRECO, 2001, p. 18), de modo que,

havendo ato legislativo que contrarie essa finalidade, estar-se-á diante de uma

inconstitucionalidade (DOMINGUES; MOREIRA, 2009, p. 225). Dessa forma, há uma

vinculação entre a intervenção no domínio econômico e as CIDEs, conforme pontuou Aldo de

Paula Júnior: Apesar da Constituição Federal de 1988 separar as modalidades de intervenção no domínio econômico e os respectivos princípios ordenadores da ordem econômica no Art. 170, 173 e 174, da competência tributária em matéria de contribuição de intervenção no domínio econômico Art. 149 (fonte de custeio), entendemos que elas estão plenamente vinculadas e dependentes, apresentando-se como faces de uma mesma moeda: de um lado a despesa e de outro a fonte de custeio (PAULA JUNIOR, 2012).

Em conclusão, não há dúvida de que tratam as Contribuições de Intervenção no

Domínio Econômico (CIDEs) como instrumento de planejamento econômico a serem

utilizados para regular o funcionamento do mercado, na hipótese de desequilíbrio (PACE,

2011, p. 173), de sorte que essa intervenção possibilite a redução das falhas produzidas pelo

mercado (PEREIRA, 2012, 131), garantindo a concretização dos programas e fins

estabelecidos no Art. 170 da Constituição Federal.

1.1. A CIDE e a intervenção positiva e negativa no domínio econômico

Comprovada a importância das CIDEs como instrumento de intervenção do Estado

no domínio econômico, destinada à recomposição do equilíbrio funcional do mercado (PACE,

2011, 175), faz-se necessária a investigação de como se consubstancia essa intervenção.

Portanto, a questão que se coloca é: Como poderá ser implementada a intervenção na ordem

econômica por meio das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico? A

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intervenção promovida pelas CIDEs deve ser necessariamente por indução positiva ou poderá

ser utilizada a indução negativa?

De início, destaca-se que o Art. 149 da Constituição Federal não estabelece os

contornos da intervenção nem a forma de atuação das CIDEs no domínio econômico,

conforme destacou Daniel Vitor Bellan: Com efeito, não há, nem no Art. 149, nem no restante do texto constitucional, disposição alguma que determine que a CIDE seja utilizada como fonte de recursos a serem "investidos" em determinada atividade estatal que consista ela própria, numa intervenção na econômia, nem que este "investimento" deva implicar, necessariamente, um incentivo à área econômica na qual se quer intervir. É também verdade, de outro lado, que não existe disposição Constitucional que proíba a destinação dos recursos arrecadados por meio da CIDE a determinada atuação estatal sobre o domínio econômico. O que existe é a determinação de que a CIDE seja utilizada como instrumento da União Federal na execução de uma finalidade: a intervenção no domínio econômico (BELLAN, 2002, p. 22).

Diante desse fato, a questão gera controvérsias. Parte da doutrina entende que a

intervenção do Estado por meio das CIDEs deve consistir em uma atuação estatal positiva, ou

seja, somente pode ocorrer através de incentivos, como subsídios, financiamentos com taxas

de juros subsidiadas, entre outras (PAULA JUNIOR, 2012, p. 72). Consequentemente, o

Estado somente pode utilizar a CIDE para custear a intervenção, atuando de forma indireta,

sempre mediante um incentivo positivo (induções positivas).

Essa parte da doutrina fundamenta seu posicionamento na ausência de autorização

expressa no Art. 174 da Constituição Federal, para a intervenção negativa. É que o Art. 174

da Constituição autoriza o Estado a agir como agente normativo e regulador da ordem

econômica, exercendo as funções de: (I) fiscalização, (II) incentivo e (III) planejamento,

destacando que nem todas as funções são passíveis de serem custeadas pelo Estado, conforme

ponderou Aldo de Paula Junior: A atividade de fiscalização (poder de polícia) somente pode ser custeada por meio da taxa (art. 145, CF/88) enquanto a de regulação e planejamento não podem ser custeadas por tributo específico por envolverem atividades legislativas e de gestão pública, intrínsecas ao próprio munus do Estado (não são serviços públicos) (PAULA JUNIOR, 2012, p. 72)

Marco Aurélio Greco destaca ainda que o Art. 174 da Constituição Federal consagra

somente o vetor positivo (incentivo), sendo que as funções de fiscalização e planejamento não

podem ser custeadas pela contribuição de intervenção no domínio econômico; entendendo,

portanto, que apenas os incentivos positivos podem ser custeados pelas CIDEs (GRECO,

2001, p. 24). Esse também é o posicionamento de Tácio Lacerda Gama, ao expor que: "Incentivo" aqui assume uma acepção forte, pois se trata de uma atuação positiva do órgão estatal no sentido de implementar as normas gerais e abstratas de direito econômico. Neste caso, cria-se uma pessoa jurídica que atuará como órgão promotor do desenvolvimento de um determinado setor da econômia (GAMA, 2003, p. 250).

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Fabiana Del Padre Tomé considera ilegítima a "instituição de uma CIDE para fins de

indução negativa, ou seja, para desestimular" (TOMÉ, 2005, p. 64). A doutrinadora destaca

que os recursos arrecadados com a referida modalidade interventiva não serão utilizados no

setor afetado pela intervenção, havendo, portanto, violação ao princípio da referibilidade

(TOMÉ, 2005).

Conclui-se, então, que os incentivos negativos trariam apenas um aumento da carga

tributária, tendo em vista a notória ausência de custos para a implementação da intervenção

por parte do Estado, o que caracterizaria um desvirtuamento da CIDE, transformando-a em

mero imposto. Isso porque as contribuições são destinadas a uma atividade específica do

Estado, com finalidade regulatória, sem visar diretamente a fins arrecadatórios (AMARO,

2006, p. 86).

Em contrapartida, outra parte da doutrina destaca a possibilidade do Estado intervir

tanto de forma positiva como negativa, ou seja, tanto através de um incentivo como por meio

de um desestímulo para a atividade econômica.

Esse entendimento está fundamentado na possibilidade de o Estado utilizar o

planejamento como forma de intervenção na economia, uma vez que o ato de planejar implica

proposição de objetivos a serem alcançados pelo poder público, tanto pela via positiva

(incentivo) como pela via negativa (desestímulo), estabelecendo uma estreita relação entre o

direito, a política e a econômia, na medida em que exige da economia uma otimização de

resultados e do Estado a realização da ordem jurídica como ordem do bem-estar social

(SOUZA; FERRAZ JUNIOR, 2002, p. 92).

Com isso, embora o Art. 174 da Constituição Federal não autorize explicitamente a

intervenção negativa, parte da doutrina entende ser a mesma possível, por considerar que a

CIDE é um "instrumento de planejamento econômico, a ser utilizado nas hipóteses no qual o

mercado esteja desregulado, de sorte que a intervenção garanta a sua subsistência com o

prestígio dos valores consagrados na Constituição Federal (Art. 170 e incisos)" (MACHADO

SEGUNDO, 2002, p. 320-321). É esse o entendimento de Daniel Vitor Bellan: Optando o Estado por colocar em prática o seu planejamento econômico por métodos de indução, este poderá ser materializado por meio de instrumentos positivos, como a concessão de financiamentos ou a redução da carga de tributos em geral (e especialmente dos regulatórios), ou através de instrumentos negativos, como o aumento dos tributos em geral e, particularmente, por meio da instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico (BELLAN, 2002, p. 30).

"Muito embora indicativo e não obrigatório para o setor privado, o planejamento

econômico implementável pela CIDE acrescenta um elemento negativo ao cálculo/benefício

nas ações econômicas dos agentes do setor privado, tendo o poder de influenciar a economia"

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(YAMASHITA, 2002, p. 339). Desta forma, a CIDE pode ser criada para custear a atividade

estatal de planejamento, não havendo qualquer óbice para a instituição do tributo com esse

objetivo (DIAS, 2003, p. 73), tendo em vista que não se pode confundir o caráter compulsório

da tributação com a compulsoriedade do planejamento (YAMASHITA, 2002, p. 329), pois "o

Estado, nesta hipótese, simplesmente organiza e conduz - e não obriga - o desenvolvimento da

atividade economica em sentido estrito para os fins indicados na norma de planejamento"

(PONTES, 2002, p. 390).

Vale registrar que a CIDE atua como um tributo corretivo, com a função de corrigir

as falhas do mercado, na busca da eficiência econômica (SILVEIRA, 2009, p. 18), mas sem

mitigar a liberdade na determinação dos objetivos da atividade econômica privada, ou seja, o

Estado não coage o particular a praticar a atividade econômica de uma determinada maneira

(HACK, 2009, p. 78) quando impõe a obrigação de efetivar o pagamento do referido tributo.

Com isso, é pertinente à CIDE incentivar ou desincentivar certas atividades econômicas,

podendo condicioná-las segundo as exigências da ordem econômica refletidas na norma de

planejamento (PONTES, 2002, p. 389), ficando claro que: A circunstância de o discurso constitucional prever que um planejamento indicativo para o setor privado não significa que a iniciativa economica esteja fora dos quadrantes normativos da norma jurídica de planejamento. A afirmação de que o planejamento é indicativo para o setor privado não retira este da condição de destinatário da norma de planejamento (PONTES, 2002, p. 389).

Portanto, não existe no texto constitucional qualquer vinculação direta ou indireta

quando da imposição da CIDE a uma atividade estatal específica, quer positiva ou negativa,

bastando que sua instituição seja objetivamente adequada para a realização de finalidades (de

direcionamento estratégico de variáveis econômicas e de destinação específica), as quais

deverão convergir na direção da efetivação dos objetivos definidos no Art. 170 da

Constituição (SCHUARTZ, 2001, p. 54), conforme destacou Paulo Roberto Lyrio Pimenta: Destarte, enquanto na validação da norma impositiva criadora de impostos a Constituição traçou a materialidade possível, utilizando, pois, a validação causal; nos empréstimos compulsórios e nas contribuições especiais a técnica mencionada foi a finalística [...] Isso significa que o traço característico das contribuições especiais no sistema brasileiro é o elemento finalidade. Ou seja, a materialidade possível das contribuições não vem indicada na lei tributária fundamental, que se limitou a mencionar as finalidades que essa espécie tributária deverá alcançar (PIMENTA, 2001, p. 166-167).

Consequentemente, seria irracional restringir o instrumental do Estado apenas à

intervenção positiva. Primeiro, por não haver vedação constitucional; segundo, por

inviabilizar a possibilidade do Estado regular e controlar as atividades econômicas "que não

esteja se desenvolvendo em consonância com os princípios da ordem econômica,

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sedimentados no Art. 170 da Constituição Federal" (CEZAROTI; SILVEIRA, 2001, p. 53),

conforme posicionamento de Daniel Vitor Bellan: No tocante a CIDE, há somente a previsão de uma finalidade que deverá ser perseguida pelo Estado, consistindo a contribuição em instrumento a disposição da União para o desempenho dessa função. A intervenção poderá, então, consubstanciar-se na própria exigência da CIDE (no moldes da extrafiscalidade exercida por meio do II, IE, IPI e IOF) ou em alguma atividade material a ser realizada pela União Federal com o emprego dos recursos arrecadados (BELLAN, 2002, p. 23).

Nessa linha de raciocínio, a intervenção negativa somente estaria proibida quando a

legislação instituidora da CIDE vinculasse a sua receita ao financiamento de uma atividade

estatal interventiva positiva. É que, nesse caso, a própria lei determinaria que a CIDE estaria

vinculada a uma atuação positiva, não havendo possibilidade do desvio dessa atuação.

Assim, é possível estabelecer uma intervenção positiva (através de incentivos) e uma

intervenção negativa (por meio de restrições), desde que a lei instituidora da respectiva

Contribuição não vincule a sua receita exclusivamente a uma atuação positiva, sob pena de

desvio de finalidade ao alcance dos objetivos preteridos na referida lei. Cabe dizer, portanto,

que a ideia nuclear das CIDEs é estar vinculada a sua finalidade interventiva e não aos

contornos positivo ou negativos dos fatos sobre os quais pode ser exigida, até porque existe

uma vinculação entre os efeitos positivos e negativos. Noutras palavras, é a compatibilidade

funcional e não a forma de intervenção que deve ser considerada como condição de validade

das CIDEs (SCHUARTZ, 2001, p. 49).

Para contextualizar a referida afirmação, cita-se como exemplo a recente eliminação

da alíquota da CIDE Combustível pelo governo federal3. A referida eliminação da CIDE

Combustível, apesar dos efeitos positivos (redução da carga tributária e amortecimento do

aumento do preço dos combustíveis), trouxe efeitos negativos para a economia, quais sejam:

perda de recursos para investimentos em programas de infraestrutura de transporte,

financiamento de projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás,

pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus

derivados de petróleo4. Nesse exemplo, fica claro que não é possível dissociar os efeitos

negativos dos positivos, em razão de sua vinculação.

3 Brasil. Decreto nº 7.764, de 22 de Junho de 2012. Altera o decreto nº 5.060, de 30 de abril de 2004, que reduz as alíquotas da Contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre a importação e comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7764.htm> Acesso em 30 set. 2012. 4 Confederação Nacional do Transporte. Os efeitos da eliminação da alíquota da CIDE Combustíveis. Disponível em: <cnt.org.br/.../economia_em_foco_18_de_julho_2012.pdf>. Acesso em: 10.10.2012.

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Não bastasse a vinculação entre os efeitos positivos e negativos das CIDEs, não se

pode esquecer que as externalidades provocadas pela atividade econômica podem acontecer

de suas formas: (I) por meio da geração de externalidades negativas ou (II) por meio da

geração de externalidades positivas. A externalidade negativa é o custo que uma atividade

impõe a terceiros que não aqueles que desenvolvem a atividade, por isso é chamada de custo

social ou externo. A externalidade positiva é aquela que gera um benefício a terceiros que não

são aqueles que exercem a atividade, conhecidos como efeitos externos positivos ou

benefícios sociais. Destaca-se que as atividades que geram externalidades negativas são feitas

em excesso, enquanto aquelas que geram externalidades positivas são diminuídas. Em suma,

as externalidades acabam por desregular o mercado, impedindo que a eficiência, entendida

como processo de maximização da riqueza social, seja alcançada, fato que gera a necessidade

de intervenções regulatórias, corretivas ou estratégicas do Estado no mercado (SILVEIRA,

2009, p. 18).

Dentre essas intervenções regulatórias, corretivas e estratégicas destacam-se as leis e

regulações, incluindo tributos e subsídio, que são adotados para impedir a ineficiência

resultante das externalidades (FRANK; BEN, 2012, p. 309). Partindo desse pressuposto,

destaca-se que o sistema da economia e o sistema tributário possuem coerência

intersistemática, sendo as CIDEs permeáveis às informações do sistema econômico, o que

gera a necessidade de uma coerência intrassistemática (SILVEIRA, 2009, p. 1).

Por isso, não é plausível impedir que o Estado utilize a CIDE como instrumento

negativo de intervenção na econômia, uma vez que precisa intervir "tanto para erradicar as

externalidades negativas, quanto para promover a geração de externalidade positiva, de forma

a preservar os princípios da ordem econômica na primeira situação e, a implementá-los na

segunda" (VINHA, 2006, p. 137). "Nesse sentido, a CIDE se revela como um instrumento de

natureza tributária apto a auxiliar na busca do alcance dos objetivos do planejamento

econômico" (PONTES, 2002, p. 390).

Dessa forma, é irracional limitar a criação da CIDE apenas para os casos de

intervenção positiva, assim como para um único setor do mercado econômico, posto que

restringisse a possibilidade do Estado reduzir as falhas de mercado, inviabilizando, em

determinados casos, a função regulatória, corretiva e estratégica da intervenção na econômia

via CIDE.

Feitas tais considerações, verifica-se que a CIDE pode ser utilizada para intervir na

econômia, tanto de forma positiva (incentivos) como negativa (restrições), restando superada

essa controvérsia, "posto que o próprio dispositivo constitucional (art. 149) estabelece que a

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Contribuição seja um instrumento de atuação do Estado na ordem econômica" (PIMENTA,

2001, p. 169). Agrega-se a isso a possibilidade do referido tributo consagrar o valor

solidariedade previsto no Art. 3º da Constituição Federal, a fim de que alcance os objetivos

traçados pelo Art. 170 da Constituição Federal, conforme ponderou Marco Aurélio Greco: A partir da perspectiva de um estado social não podemos ver a tributação apenas como técnica arrecadatória, temos de vê-la da perspectiva também da proteção e viabilização da dimensão social que o ser humano tem. Segundo, a ideia de solidariedade social é muito forte no tema das contribuições, que hoje representam mais de 50% da arrecadação federal. A ideia de solidariedade social tem aparecido nas contribuições (GRECO, 2012, p. 8).

Considerando a necessidade de uma coerência intersistemática entre o sistema

econômico, o direito tributário e a incorporação da solidariedade social nas CIDEs, a

jurisprudência atual tem reconhecido a possibilidade da exação intervir de forma negativa e

sem que a aplicação dos recursos esteja vinculada diretamente ao segmento econômico que

sofreu a intervenção, sob pena de impossibilitar a concretização dos preceitos esculpidos no

Art. 170 da Constituição Federal5. Com isso, a Contribuição de intervenção no domínio

economico pode ser criada para a concretização das regras de planejamento econômico

dirigidas ao setor privado, objetivando incentivar ou desincentivar determinados setores da

economia (PONTES, 2002, p. 389).

2. O perfil constitucional da CIDE Combustível

A CIDE Combustível encontra-se prevista no texto constitucional, mais precisamente

no Art. 177, §4º, in verbis: Art. 177. Constituem monopólio da União: (...) § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b; II - os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

5 Neste sentido entende o Superior Tribunal de Justiça, que manteve a exigibilidade da contribuição do SEBRAE da pessoa jurídica independentemente da natureza e micro, pequena, média ou grande empresa. Esse entendimento pode ser visualizado no Recurso Especial nº 608.101/RJ, Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=608101&b=ACOR>.

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c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.

Na sua regulamentação, "verifica-se que a Constituição Federal habilitou a União a

intervir no setor economico onde ocorrem transações com combustíveis, instituindo um

tributo que deve ser suportado por agentes econômicos deste setor" (PACE, 2011, p. 227),

albergando três finalidades interventivas, quais sejam: (I) pagamento de subsídios a preços ou

transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados, e derivados de petróleo; (II)

financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo de gás; (III)

financiamento de programas de infraestrutura de transportes, diferenciando-se das demais

contribuições, em razão de ser a única com previsão no texto constitucional, conforme

ponderou Flávia Helena Gomes: Diferentemente das demais contribuições interventivas, a CIDE Combustível é prevista constitucionalmente pelo §4º do Art. 177, o qual foi acrescido pela EC nº 33/01. Esse dispositivo expressamente autoriza a criação da CIDE relativa a setor determinado da economia que exerce atividade de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (GOMES, 2008, p. 152).

Destaca-se, ainda, que a Constituição Federal determina que as receitas arrecadadas

com a CIDE Combustível deverão ser necessariamente aplicadas nas finalidades que

motivaram a exação, reduzindo a discricionariedade do administrador, tendo em vista que os

principais elementos normativos da hipótese de incidência já estão no texto constitucional

(PAULA JUNIOR, 2012, p. 95).

Conjugando as finalidades interventivas dispostas no Art. 177, §4º, incisos I, II e III,

com a vinculação das receitas, é possível aferir a existência de um acoplamento estrutural

entre direito e economia, inaugurando uma nova fase na tributação sobre o petróleo ao

verificar que o principal objetivo do referido tributo é reduzir as externalidades produzidas

pelo setor Petrolífero, ao assegurar recursos para o Estado concretizar a sua função

constitucional de subsidiar os preços dos combustíveis, manter a infraestrutura de transportes

e, principalmente, defender o meio ambiente (DOMINGUES; MOREIRA, 2009, p. 225), tudo

em prol do desenvolvimento nacional.

2.1. Validade finalística da CIDE Combustível

A Constituição Federal de 1988 consagrou a CIDE Combustível como um importante

instrumento de intervenção do Estado no setor econômico petrolífero, tendo como finalidade

principal a redução das externalidades negativas provocadas pela comercialização do petróleo

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no Brasil. Isso porque a CIDE Combustível possibilita ao Estado arrecadar recursos

financeiros que serão destinados especificadamente ao financiamento de projetos ambientais,

programas de infraestrutura de transportes e pagamento de subsídios a preços ou transporte de

combustíveis (Art. 177, §4º, II, "a", "b" e "c", CF) (SABBAG, 2008, 123), minimizando os

custos sociais decorrentes do comércio de combustível.

Dessa forma, a CIDE Combustível tem por finalidade precípua programar uma política

pública em que o Estado internaliza os custos decorrentes da transação, garantindo com isso

uma internalização dos custos sociais trazidos pelo referido setor econômico, minorando as

falhas de mercado.

Em razão disso, vinculou integralmente as receitas arrecadadas às finalidades que

motivaram a sua instituição, sendo possível inferir que, para a CIDE Combustível ser válida

constitucionalmente, pressupõe-se necessariamente uma efetiva intervenção do Estado sobre o

domínio econômico (PAULA JUNIOR, 2012, 97), pois: Contribuição não é exação que se cria pela simples razão de existir "poder de império" atribuído à União. É mister que existam, de fato, razões concretas que apontem no sentido da inadequação entre a realidade atual e os objetivos e princípios constitucionais, indicação que deve resultar do texto da respectiva lei (GRECO, 2001, p. 20-21).

Nesse caso, a finalidade constitucional da CIDE Combustível "se apresenta como

fato gerador acessório do tributo, inserido na respectiva hipótese de incidência, e, portanto,

dele inseparável" (DOMINGUES; MOREIRA, 2009, p. 225). As externalidades são tratadas

como uma importante falha de mercado, ao verificar-se que elas ocorrem quando as atitudes

de uma pessoa afetam o bem-estar de outra, e os custos e benefícios relevantes não refletem

nos preços de mercado (COWEN apud PEREIRA, 2012, 123), trazendo os seguintes

malefícios: São dois os principais malefícios produzidos pela existência de externalidades. O primeiro é a tendência de os agentes econômicos exteriorizarem todos os seus custos, tais como resíduos poluentes, enquanto buscam internalizar todo e qualquer benefício produzido, inclusive exigindo do Estado subsídios e benefícios fiscais em troca desses benefícios (NUSDEO, 2010, p. 49).

Portanto, a CIDE Combustível possui nítido caráter interventivo ao buscar a redução

das externalidades produzidas pelo mercado petrolífero, conforme análise do Art. 177, §4º, II

da Constituição Federal. Vejamos:

A primeira finalidade da CIDE Combustível é o subsídio do preço ou transporte de

álcool combustível, gás natural e derivados de petróleo. Essa finalidade fundamenta-se na

importância dos combustíveis fósseis para o desenvolvimento do país, tendo em vista que

viabiliza o escoamento da produção e da circulação de pessoas no país (VINHA 2006, 168).

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A segunda finalidade diz respeito ao financiamento de projetos ambientais

relacionados com a indústria do petróleo e do gás. Nesse aspecto, o legislador procurou

proteger o meio ambiente nos termos do Art. 170 e 225 da Constituição Federal. Dessa forma,

a CIDE Combustível é fonte de recursos para a implantação de medidas de contenção e

preservação do meio ambiente, diuturnamente degradado pela comercialização de

combustíveis no país.

A terceira finalidade consiste no financiamento de programas de infraestrutura de

transportes. A CIDE Combustível tem por função garantir a melhoria da infraestrutura de

transporte, viabilizando a circulação de bens e pessoas em todo o território nacional,

contribuindo assim para o desenvolvimento do país.

Efetivando uma análise das três finalidades, verifica-se sua pertinência em relação

aos objetivos da República Federativa do Brasil e aos princípios gerais da ordem econômica e

financeira, uma vez que procura garantir: (I) o desenvolvimento nacional, (II) a defesa do

meio ambiente e (III) uma infraestrutura de transporte adequada. Com isso, é possível

concluir que o Estado habilita-se a intervir no setor econômico petrolífero, através da

instituição da CIDE Combustível, para a redução das externalidades provocadas pelas

transações com combustíveis.

3. CIDE Combustível e vinculação de receita

O texto constitucional vinculou as receitas arrecadadas com a CIDE Combustível ao

atendimento das finalidades interventivas descritas no Art. 177, §4º, II, ao destacar que os

recursos arrecadados serão destinados ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de

álcool combustível, gás natural e seus derivados de petróleo; ao financiamento de projetos

ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás; e ao financiamento de programas de

infraestrutura de transportes.

Por isso, "a doutrina nacional é uníssona ao classificar a CIDE Combustível como

tributo vinculado à finalidade, concluindo ser a vinculação da receita um pressuposto de

validade e constitucionalidade do tributo em espécie" (MOURA; GON, 2007, p. 69), ao passo

que: A contribuição interventiva cuja finalidade é a de arrecadar para custear a promoção da intervenção terá como objetivo imediato a arrecadação, e como objetivo mediato, a intervenção, desta feita, por meio de fomento de políticas administrativas intervencionistas, necessariamente custeadas por essa arrecadação. Nesse caso, a característica interventiva estaria estampada no âmbito do objetivo mediato da norma (MARINHO, 2009, p. 426)

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Dessa forma, a arrecadação da CIDE Combustível está vinculada à finalidade estatal

para o qual foi instituída. Isso se deve ao fato da CIDE Combustível atuar como instrumento

de redução das externalidades provocadas pelo setor petrolífero, sendo um despropósito

aceitar que os recursos arrecadados não tivessem qualquer vinculação com o financiamento

das atividades relacionadas à redução das externalidades, por transformar a CIDE em um

imposto, conforme destacou André Ramos Tavares: se a referida contribuição não estiver lastreada em efetiva intervenção estatal na economia, ou se não houver a destinação de seu produto para essa finalidade específica, então estar-se-á diante de um verdadeiro imposto, devendo ser aplicada as condicionantes constitucionais relacionadas à possibilidade de criação de uma tal modalidade tributária (TAVARES, 2011, p. 350).

Com isso, verifica-se que a CIDE Combustível está condicionada tanto a uma

validade finalística como a uma vinculação dos recursos ao atendimento dessa finalidade,

tratando-se, portanto, de requisitos cumulativos. Logo, é imprescindível para a

Constitucionalidade da CIDE Combustível a efetiva vinculação da receita arrecadada à

finalidade interventiva para o qual foi instituída, pois "se o que motiva e autoriza a União a

instituir a CIDE Combustível e a intervenção no domínio econômico, não pode ser outro o

destino do produto arrecadado senão a atividade ou situação econômica que a ensejou"

(GOMES, 2008, p. 150).

Portanto, não podemos desconsiderar a instrumentalidade da CIDE Combustível

como fonte de redução das externalidades provocadas pela importação e pelo comércio de

combustíveis nas respectivas áreas econômica, ambiental e de infraestrutura. "Pela

instrumentalidade da CIDE, os recursos arrecadados estão vinculados para a satisfação das

finalidades para o qual foi instituída" (PAULA JUNIOR, 2012, p. 251).

3.1. O desvio de finalidade: Tredestinação da CIDE Combustível

Tendo em vista que a CIDE Combustível é instrumento com finalidade interventiva,

seus recursos vinculam-se à respectiva finalidade para a qual a exação foi instituída

(PIMENTA, 2001, p. 178). Assim, a não aplicação do produto arrecadado nas finalidades que

motivaram a sua instituição é um dos grandes problemas da CIDE Combustível (PACE, 2011,

p. 223). Com isso, não basta uma vinculação apenas na norma. É necessário que a vinculação

também esteja configurada no plano fático (GOMES, 2008, p. 151), pois: Se é certo que o produto da arrecadação das contribuições de modo geral tem destinação específica, é essencial que esta condição de validade seja respeitada, não para defini-la como uma ou outra espécie tributária, mas sobretudo para respeitar a ratio legis que motivou a sua criação (CEZAROTI; SILVEIRA, 2001, p. 55)

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Com efeito, verifica-se que a análise do perfeito exercício da competência tributária

nas CIDEs não se esgotam na observância dos enunciados veiculados na lei que prescreve a

sua instituição (MOYSÉS, 2009, p. 171), mostrando-se necessário a verificação da destinação

dos recursos da CIDE no plano fático, uma vez que "a destinação dos recursos é elemento

essencial para a sua validade jurídica, justificando a investigação de sua real aplicação dentro

do ordenamento jurídico" (VINHA, 2006, p. 142).

Consequentemente, "o produto da arrecadação deve, necessariamente, ser aplicado

na finalidade que deu causa à instituição da contribuição, surgindo para o ente estatal o dever

jurídico de destinar esses recursos ao fim que deu causa à instituição do tributo" (BARRETO,

2006, p. 125), isso porque o direito assegura expectativas normativas quanto à aplicação dos

recursos da CIDE Combustível.

Diante desse pressuposto, verifica-se que é proibida a tredestinação da receita

arrecadada por se tratar de desvio de finalidade. É que a tredestinação representa uma

destinação em desconformidade com o plano previsto pelo Art. 177, §4º, II, da Constituição

Federal, violando as duas regras de competência que condicionam a criação da CIDE

Combustível: "vinculação prévia do produto da arrecadação e destinação necessária do

produto da arrecadação" (MARINHO, 2009, p. 378). Logo, o montante "cobrado a título de

contribuição só pode ser aplicado na finalidade que deu causa a tal instituição. A causa, na

contribuição, afirma a sua finalidade e estipula o destino da arrecadação" (BARRETO, 2006,

p. 194). Desrespeitada tal vinculação, ocorre uma quebra da expectativa normativa em razão

da tredestinação dos recursos quanto às finalidades descritas na norma constitucional (PACE,

2011, 229).

Porém, embora exista a vinculação da receita à finalidade interventiva destacada no

Art. 177, §4º, II, verifica-se que no plano fático a União não vem respeitando o referido

requisito. Isso porque a União vem realizando a tredestinação dos recursos da CIDE

Combustível via lei orçamentária, dando um destino incompatível com as finalidades

albergadas no texto constitucional, conforme destacou Karlo Eric Galvão Dantas: Os recursos da CIDE Combustível, além de terem sido inseridos na base de cálculo da DRU posteriormente a sua instituição, foram continuamente subutilizados, como visto anteriormente. Além disso, considerável parcela dos valores executados foi direcionada para despesas administrativas, não finalísticas, e/ou não amparadas pelas vinculações legais (DANTAS, 2012, p. 39).

Em síntese, o Estado arrecada a CIDE Combustível fundamentada na realização de

uma intervenção no domínio econômico, mas, posteriormente, desarticula a referida

intervenção via lei orçamentária ao direcionar os recursos arrecadados com a exação para

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outros objetivos que não têm qualquer relação com o financiamento de projetos ambientais, os

programas de infraestrutura de transportes ou a destinação de subsídios ao setor de

combustíveis (SANTI et. al., 2008, p. 37).

Referida deturpação na aplicação dos recursos da CIDE Combustível, além de

transformar o tributo em um imposto não autorizado e sem previsão constitucional (SANTI et.

al., 2008, p. 34), também desvirtua o papel que "o Estado poderia (ou deveria) desempenhar

junto da ordem econômica" (CORREIA NETO, 2012, p. 12), pois permite que o Estado

gerencie a receita da CIDE Combustível de forma totalmente desvinculada do programa ao

qual está ligada, tornando-a ineficaz na redução das externalidades negativas provocadas pelo

setor petrolífero, ao passo que: O desvio para setores diversos, descaracteriza o tributo e torna-o cada vez menos efetivo dentro de sua esfera de finalidades. Ao se esquivar de suas finalidades originárias, o tributo deixa de cumprir com sua função social e consequentemente acaba por distanciar ainda mais da justiça fiscal, passando a servir meramente como fonte arrecadatória do Estado, trazendo por terra a razão de ser do tributo. (TEDESCHI; BASSOLI, 2007, p. 182)

Essa problemática, conjugada com os princípios da transparência fiscal, da

legalidade e da eficiência, deram outro sentido à lei orçamentária, qual seja, "o de plano de

ação do governo, por tratar-se de instrumento de realização de determinado programa

político" (CORREIA NETO, 2012, p. 9), ao envolver toda a econômia nacional, impedindo

que o Estado brasileiro gerencie sua receita de forma "desvirtuada pela pratica de uma

execução orçamentária nefanda e fictícia" (DOMINGUES; MOREIRA, 2009, p. 231).

Hodiernamente, "a despesa pública não é em si mesma um fim, é um meio (jurídico) para a

concretização das finalidades atribuídas ao Estado, mostrando-se ilegal o gasto fora da meta

imposta" (CORREIA NETO, 2012, p. 33).

É de vital importância que haja um efetivo controle da destinação dos recursos

decorrentes da CIDE Combustível, reprimindo qualquer tipo de tredestinação (TEDESCHI;

BASSOLI, 2007, p. 183), possibilitando que os recursos arrecadados com a respectiva exação

atuem como alavanca propulsora do desenvolvimento social e econômico, ao garantir a

redução das externalidades provocadas pelo setor petrolífero.

4. A inconstitucionalidade do desvio de finalidade: ADI 2925/DF

Diante desse impasse, o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento da ADI

2925/DF, adotou um novo posicionamento que merece ser saudado. Ao reconhecer a

inconstitucionalidade da tredestinação dos recursos da CIDE Combustível, o tribunal albergou

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a possibilidade do controle jurídico de normas orçamentárias, "reconhecendo que o gasto

público, não é apenas um ato político, mas de profundo conteúdo jurídico” (DOMINGUES;

MOREIRA, 2009, p. 235). Nesse sentido, o escólio de Ricardo Pace: Juridicamente, o fenômeno do desvio de finalidade no caso da CIDE Combustível é lido como uma inconstitucionalidade. Afinal, o art. 149 da CRFB/88 dispõe que a exação serve de instrumento para a atuação do Estado em determinado setor da econômia. Logo, de plano, os recursos arrecadados com a CIDE Combustível não podem ser utilizados para finalidades outras. E mesmo o Art. 177, §4º, II, da CRFB/88 é claríssimo ao estabelecer os fins aos quais o produto da arrecadação deve ser aplicado (PACE, 2011, 229).

Com isso, o Supremo Tribunal Federal alargou a possibilidade de controle dos

pressupostos das Contribuições de intervenção no domínio econômico, pois abrigou o

entendimento de que "a análise do perfeito exercício da competência tributária não se esgota

na observância dos enunciados veiculados na lei que prescreve a instituição da contribuição

interventiva" (MOYSÉS, 2009, p. 175), uma vez que, para se mostrar constitucional, os

recursos da CIDE Combustível devem ser utilizados exclusivamente para atender ao objeto de

sua vinculação, conforme ponderou o Supremo Tribunal Federal: Processo Objetivo - Ação direta de inconstitucionalidade - Lei orçamentária. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo de eficácia concreta. Lei orçamentária - Contribuição de intervenção no domínio econômico - importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural e derivados de álcool combustível - CIDE - Destinação - Art. 177, §4º, da Constituição Federal. É inconstitucional interpretação da lei orçamentária n. 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha a destinação do que arrecadado a partir do disposto no §4º do Art. 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas a, b e c do inciso II do citado parágrafo6.

Em outras palavras, o legislador e o administrador não possuem discricionariedade

ampla para dispor dos recursos como bem entenderem. Existem limites para a utilização dos

recursos públicos (SCAFF, 2006, p. 40). Esses limites tornam-se imprescindíveis quando a

receita advém da cobrança da CIDE Combustível, tendo em vista a conformação

constitucional do referido tributo aos objetivos interventivos.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal agiu com coerência ao não permitir que o

legislador, e muito menos o administrador, realizem gastos de acordo com suas livres

convicções, de forma desvinculada dos objetivos impostos pela Constituição. Para tanto, a

tredestinação dos recursos da CIDE Combustível, por meio de lei orçamentária, configura

inconstitucionalidade por ação, em decorrência do desrespeito aos pressupostos de

6 Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 2925-8 Distrito Federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266953> Acesso em: 20 set. 2012.

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conformação constitucional do referido tributo aos fins a que se destina, conforme ponderou

Marco Aurélio Greco: Além disso, porque, em matéria tributária, não podemos perguntar para onde vai o dinheiro, e porque não submeter ao controle judicial as destinações que a constituição prevê cotejando-as com as regras do orçamento público? Se devemos suportar os tributos, que, pelo menos o dinheiro arrecadado seja aplicado naquilo que foi invocado quando foi cobrado. Isso também não é mera proposta teórica, há um precedente (ADI 2925), em que o Supremo Tribunal Federal, julgou inconstitucionais dispositivos da Lei Orçamentária Federal, porque poderiam inviabilizar a chegada de recursos da contribuição de combustíveis às finalidades constitucionais. Ou seja, da perspectiva dos critérios de congruência há material a ser explorado, considerando o elemento solidariedade social (GRECO, 2012, p. 8)

Além de declarar inconstitucional a abertura do crédito suplementar, o Supremo

Tribunal Federal poderia ter ido um pouco mais além ao julgar a ADI 2925/DF; pois, não

cumprida a disposição normativa, cabe a responsabilização, nos estritos termos do parágrafo

único do Art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assim prescreve: "Os recursos

legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender

ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o

ingresso".

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha perdido a oportunidade de responsabilizar

os administradores que diuturnamente deturpam o programa constitucional em razão da

tredestinação das receitas arrecadadas com as contribuições de intervenção no domínio

econômico, pode-se dizer, por outro lado, que, a partir da ADI 2925/DF, o orçamento público

ganhou um novo sentido, qual seja: um plano tendente a lograr determinados fins vinculados

à intervenção econômica do Estado na econômia.

Considerações finais

1. Apesar de a Constituição Federal consagrar uma economia de livre mercado, é

possível constatar que a intervenção do Estado no mercado econômico é decorrência de sua

imperfeição. Essa imperfeição induz a pontos de ineficiência, o que prejudica os programas e

fins estabelecidos no Art. 170 da Constituição Federal, impedindo a conquista do bem-estar

social.

2. Para reduzir a ineficiência do mercado, o Estado pode fazer uso da tributação

como forma de correção das falhas de mercado. Nesse caso, a política fiscal é complemento

da política econômica, atuando através de incentivos, desestímulos ou direcionamento da

atividade econômica, possibilitando a eficiência e a equidade do sistema social, prevendo a

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Constituição Federal espécie tributária específica para esse desiderato, qual seja: as

Contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDEs).

3. É possível estabelecer uma vinculação entre as Contribuições de intervenção no

domínio econômico (CIDEs) com o desenvolvimento da intervenção do Estado na economia,

tendo em vista a interação existente entre a competência tributária prescrita no Art. 149 da

Constituição Federal com os princípios ordenadores da ordem econômica, previstos nos Arts.

170, 173 e 174, também da Constituição Federal.

4. Com isso, a CIDE Combustível mostra-se válida à luz do texto constitucional, na

medida em que contribui para a redução das externalidades negativas provocadas pelo setor

petrolífero ao vincular sua receita ao subsídio de preços ou transporte de combustíveis,

financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás

natural e a programas de infraestrutura de transportes, atendendo aos parâmetros de

intervenção do Estado na economia esculpido no Art. 170 da Constituição Federal.

5. Não estando os recursos arrecadados vinculados a incentivos ao setor econômico

afetado pela exação, conclui-se que a intervenção que justifica a instituição da CIDE

Combustível é uma intervenção negativa, fato que não ocasiona sua inconstitucionalidade,

pois atende ao princípio da referibilidade ao vincular a arrecadação e destinação dos recursos

à erradicação das externalidades negativas provocadas pelo setor petrolífero à toda sociedade,

sendo justificada pelo princípio da solidariedade, previsto no Art. 3º da Constituição Federal.

6. Mesmo intervindo de forma negativa na ordem econômica, não é lícito a

tredestinação dos recursos da CIDE Combustível para outras finalidades, sob pena de se

transformar a exação em um imposto não autorizado e sem previsão constitucional. De fato, o

desvio de finalidade enseja uma deturpação do plano de ação do governo, distanciando a

CIDE Combustível das suas finalidades, impossibilitando que os recursos arrecadados atuem

como alavanca propulsora do desenvolvimento social e econômico.

7. Partindo desta premissa, merece ser saudado o precedente aberto pela ADI

2925/DF. É que, ao reconhecer a inconstitucionalidade do desvio de finalidade dos recursos

da CIDE Combustível, via lei orçamentária, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o

gasto público não é um ato meramente político, mas um ato que possui estreita vinculação

com fins e programas estabelecidos pela Constituição Federal. Isso certamente contribuirá

para que as Contribuições de intervenção no domínio econômico e o orçamento público atuem

como instrumentos propulsores dos programas e fins estabelecidos no texto constitucional,

garantindo a conquista do bem-estar social.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO

DE SANÇÕES NA NOVA LEI DE CONCORRÊNCIA

CONSIDERATIONS ABOUT THE ADMINISTRATIVE PROCEDURE FOR IMPOSITION

OF SANCTIONS IN THE NEW COMPETITION’S LAW

Fabio Queiroz Pereira

Sarah Cristina Souza Guimarães

RESUMO

A Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, reestruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência (SBDC). Em razão da mudança de paradigma legislativo, faz-se importante uma

reflexão sobre a nova abordagem de conteúdos jurídico e econômico então delineados. A par

das profundas mudanças de ordem institucional e no controle de estruturas, variadas

alterações de ordem procedimental foram concretizadas, havendo previsões de novas

tipologias e alterações na forma como tramitam os processos administrativos para a imposição

de sanções. O presente trabalho busca, assim, realizar uma análise sobre as questões

processuais e procedimentais na análise de condutas supostamente anticoncorrenciais e na

aplicação das respectivas sanções. Metodologicamente, procurou-se realizar um cotejo do

atual corpo normativo com a Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, anterior marco regulatório

do direito concorrencial brasileiro. Em acréscimo, um diálogo com textos doutrinários foi

empreendido, objetivando identificar as primeiras impressões acerca do tema, bem como

levantar objeções e soluções para os pontos em que se constataram controvérsias.

PALAVRAS-CHAVE

Processo administrativo; nova lei de concorrência; CADE; imposição de sanções.

ABSTRACT

The Act n. 12.529, of November 30, 2011, restructured the Brazilian System of Competition

Defense (SBDC). As a consequence of changes in the legislative paradigm, it is important to

reflect on the new focus to economic and legal contents then outlined. Despite the profound

modifications in the institutional order and structures control, various changes were

implemented in procedural order, with new typologies and modifications in the way through

the administrative procedures for imposing sanctions. The present study pursues an review on

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process and procedural matters in the analysis of anticompetitive conduct and application of

sanctions. Methodologically, we tried to carry out a comparison of the current set of rules

with Act n. 8.884, of June 11, 1994, prior regulatory brazilian competition law. In addition, a

dialogue with doctrinal texts was undertaken in order to identify the first impressions about

the subject, as well as raise objections and solutions to points in which controversies were

found.

KEYWORDS

Administrative procedure; new competition’s law; CADE; imposition of sanctions.

INTRODUÇÃO

Com a Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da

Concorrência – SBDC1 – ganhou nova estrutura, materializando, por consequência, variadas

modificações no dinâmico processo de prevenção e repressão às infrações de ordem

econômica. Ao lado das inovações verificadas em seu desenho institucional, como a

reestruturação de seus órgãos de atuação, observa-se também a tentativa de transformar a

apreciação das lides concorrenciais em uma atividade mais transparente, marcada pela

inafastável celeridade que deve permear o trato da matéria econômica.

Historicamente, as questões envolvendo problemas concorrenciais apresentam-se em

uma escala crescente2. Revelou-se necessária a proteção do mercado por meio da

promulgação de normas que impedissem comportamentos lesivos dos agentes, passíveis de

causar prejuízos aos consumidores. Em paralelo, constatou-se ser imprescindível a proteção

dos demais agentes, possibilitando um equilíbrio de forças em determinados mercados

relevantes.

1 Releva salientar que a sigla SBDC foi, inclusive, consagrada pelo novo instrumento legislativo: “Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. 2 Relativamente ao crescimento da preocupação com as questões concorrenciais nos Estados Unidos, assinalam Viscusi, Harrington e Vernon (2005, p. 3): “Beginning with the post-Civil War era, there has been a substantial concern with antitrust issues. This attention was stimulated by a belief that consumers were vulnerable to the market power of monopolies. Because of the economic losses that result from monopolies, a number of states enacted antitrust laws at the end of nineteenth century. The U.S. Congress also was particularly active in this area in the early part of the twentieth century, and many of the most important pieces of legislation governing the current antitrust policy date back to that time. The major federal statute continues to be the 1890 Sherman Act”.

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Assim, o direito concorrencial objetiva a manutenção de um adequado e salutar

ambiente de transações econômicas, impedindo os abusos e a prática de atos que causem

danos. Trata-se de um mecanismo de intervenção estatal que intenta limitar a liberdade dos

agentes econômicos, de forma a criar um ambiente econômico mais justo e de amplo acesso3.

A livre concorrência só se concretiza quando as normas possibilitam aos agentes a entrada, a

permanência e a saída em um dado mercado.

O advento desse novo instrumento legislativo demonstra-se como mais uma

conquista para os nossos mercados, que assistiram, nos últimos anos, a um verdadeiro

processo de valorização do direito da concorrência. Como a mais importante norma correlata

ao trato da matéria concorrencial, a nova legislação revela-se como instrumento apto a

disciplinar a livre iniciativa em busca de um ganho global, tendo por base um grande plexo de

aplicação material. Nesse contexto, acerca da importância da lei, assevera Adalberto Costa

(2004, p. 103):

A lei estabelece, portanto, a aplicação material das normas da concorrência, nomeadamente a todos os sectores da actividade económica, sejam elas exercidas com carácter de permanência ou ocasional e para todos os sectores da actividade económica, isto é, para os sectores público, privado e cooperativo. Deste modo, vemos que o Direito da Concorrência se aplica a toda a universalidade da actividade económica, esteja esta ou não delimitada por sectores de actividade, não se indicando excepções relativamente a toda a economia. Neste particular, todas as profissões, todas as actividades econômicas e profissionais estão submetidas à disciplina das normas do Direito da Concorrência. Do mesmo modo, o Direito da Concorrência aplica-se a todas as pessoas de direito privado e público.

Isso não significa, no entanto, que não estivéssemos guarnecidos por instrumentos

legislativos aptos a proporcionar um salutar ambiente de concorrência entre os agentes do

mercado. A Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, representa um importante marco no direito

concorrencial brasileiro. A cultura da concorrência só se fez possível mediante a

concretização pela doutrina e pela jurisprudência dos ideais elencados nesse instrumento

normativo4. Somente com o surgimento de uma legislação forte e tecnicamente adequada fez-

3 Nesse contexto, assevera Adalberto Costa (2004, p. 94): “No mercado aberto, num mercado onde todos os agentes económicos têm juridicamente liberdade para agir na prossecução dos seus interesses, a concorrência aparece como contraponto disciplinador da actividade de cada um deles, promovendo por outro lado a convergência dos esforços de cada um para a melhoria dos resultados úteis a obter pela actividade em sentido geral, isto é, para a melhoria do resultado da actividade, do sector em toda a economia”. 4 Nesse contexto, Luiz Carlos Delorme Prado (2012, p. 112) aduz: “A lei 8.884/94, quando foi promulgada, era a mais completa, abrangente e eficaz legislação de defesa da concorrência brasileira. No entanto, o Brasil não tinha tradição na aplicação de política antitruste e o texto legal precisava ser interpretado e amadurecido, pela jurisprudência e pela doutrina. Nos dezessete anos de sua vigência, as decisões dos vários plenários do CADE, os livros e artigos de vários juristas e economistas e, ainda, os argumentos trazidos a juízo pelos advogados e consultores nos diversos casos polêmicos analisados fizeram esse trabalho”.

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se possível o fortalecimento do CADE, levando a um maior grau de legitimação e importância

de suas decisões, tanto em processos administrativos, quanto em atos de concentração. Acerca

desse contexto, Gesner Oliveira (2001, p. 3) discorre:

Com a estabilização dos preços obtida pelo Plano Real, foi possível deslocar a ênfase da política sobre aspectos estruturais, abrindo uma nova etapa, na qual preponderou a defesa da concorrência sobre a vertente intervencionista de defesa da economia popular. A Lei n. 8.884, de junho de 1994, constitui marco nessa transformação ao: restabelecer o poder de decisão de um conselho de caráter técnico como o CADE, restringindo a atuação da administração central à instrução dos processos por intermédio de órgão sucedâneo da SNDE, a SDE; conferir maior grau de autonomia ao CADE com a sua transformação em autarquia com poderes de decisão em última instância no plano administrativo e criação de mandato de dois anos para os seus membros; introduzir o controle de atos de concentração ao amparo do art. 54 da referida lei.

Ademais, a Constituição da República de 1988 já havia consagrado a livre

concorrência e a defesa do consumidor como princípios gerais da atividade econômica. Nesse

contexto, verifica-se que não se trata apenas de proteger a livre concorrência por meio de

medidas repressivas. Como assinalado por Isabel Vaz (1993, p. 273), “trata-se de uma missão

de cunho positivo e eminentemente ativo, onde mais do que reprimir, o Estado se propõe a

orientar, persuadir e a convocar os agentes econômicos para contribuir com a efetivação da

democracia econômica e social”.

Não obstante a consagração constitucional e a legislação existente, fez-se necessária

a adaptação das regras concorrenciais a novas contingências surgidas5. Questões de ordens

material e processual foram surgindo no curso dos dezessete anos em que a Lei nº 8.884/94

esteve em vigor. As demandas de direito concorrencial, que, inicialmente, estavam centradas

no controle de estruturas, por meio dos atos de concentração, mudam seu cerne para o

controle de condutas. A experiência antitruste demonstrou que as condutas anticoncorrenciais

têm um imenso potencial lesivo, devendo ocupar o centro das preocupações do Conselho

Administrativo de Defesa da Concorrência.

A nova lei concorrencial objetiva, portanto, fortalecer a concorrência no Brasil. O

momento para a sua promulgação revela adequação, tendo em vista a maturidade que

demonstra agora possuir o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. A par da 5 Sobre as mudanças relativas às políticas anticoncorrenciais: “The current structure of antitrust policies is diverse in character and impact. The overall intent of these policies has not changed markedly over the past century. Their intent is to limit the role of market power that might result from substantial concentration in a particular industry. What has changed is that the concerns have shifted from the rise of single monopolies to mergers, leveraged buyouts, and other financial transactions that combine and restructure corporations in a manner that might fundamentally influence market behavior” (VISCUSI; HARRINGTON JR; VERNON, 2005, p. 4).

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significativa mudança em seu desenho institucional, é importante que sejam objeto de estudo

as questões processuais e procedimentais, bem como as consequências oriundas das

modificações nos mecanismos de controle da concorrência.

O presente trabalho tem por escopo a análise das modificações introduzidas pela

nova lei da concorrência no âmbito do processo administrativo para a apuração e sanção de

infrações à ordem econômica. Nesse intuito, serão abordadas algumas questões teóricas

relativas às terminologias “processo” e “procedimento” adotadas pela norma. Em paralelo,

algumas questões práticas, suscitadas por modificações pontuais no texto da lei, serão

abordadas, quais sejam as novas tipologias relativas aos procedimentos administrativos, o

inquérito administrativo e o processo administrativo para a imposição de sanções,

propriamente dito.

1 PROCESSO E PROCEDIMENTO

A Lei n. 12.529/11, no art. 48, apresenta o rol dos procedimentos administrativos

instaurados para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica. O

dispositivo inaugura o Título VI, denominado “Das diversas espécies de processo

administrativo”. Nesse ponto, a nova legislação utiliza-se das nomenclaturas processo e

procedimento, sendo necessária uma análise pontual de modo a evitar conflitos de ordem

terminológica.

Assim, importa ressaltar a dedicação da doutrina para apurar a distinção entre os

termos processo e procedimento. Usualmente, se atribui maior abrangência ao conceito de

processo, entretanto, o desenvolvimento da teoria procedimentalista propõe o inverso, ou seja,

opta por privilegiar o conceito de procedimento.

Costuma-se afirmar, em conformidade com a teoria instrumentalista, que o processo

é uma relação jurídica instaurada quando existe um conflito de interesses, o qual se pretende

ver solucionado com a observância necessária de um procedimento. O procedimento seria

uma sucessão de atos jurídicos interligados, e predispostos em uma sucessão lógica,

determinando o itinerário a ser seguido para o alcance de um fim específico. Nesse passo,

processo seria o resultado da soma da relação jurídica e do procedimento (Cf. MARÇAL,

2011, p. 310).

Diferentemente desse primeiro cenário, a teoria procedimentalista, desenvolvida por

Elio Fazzalari, representa uma mudança paradigmática em termos doutrinários, ao propor a

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inversão dos lugares originariamente ocupados pelo processo e pelo procedimento. Segundo

Fazzalari, o processo seria uma espécie do gênero procedimento, qualificado pela participação

paritária dos destinatários na construção do provimento final (fechamento do procedimento)

(Cf. LEAL, 2011, p. 76-78).

A teoria procedimentalista, proposta pelo autor italiano, concebe o procedimento

como uma sequência lógico-jurídica de atos, que se propõe a alcançar um provimento final,

coercitivo para os seus destinatários. Caso aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é

destinado a produzir efeitos participem do procedimento, e caso essa participação se dê em

simétrica paridade, então, o procedimento compreenderá o contraditório, se fazendo mais

articulado e complexo, configurando, por isso, a espécie processo (FAZZALARI, 2006, p.

94).

A ausência de contraditório em determinados procedimentos não os torna ilegais.

Isso porque existem modalidades de procedimentos nos quais a supressão momentânea ou o

adiamento da oportunidade de manifestação paritária das partes se fazem necessários, por

questões de sigilo da informação e para a conclusão das investigações.

Nesse contexto, procedimentos dos quais possa resultar a aplicação de sanções, só se

mostram lícitos quando for dada oportunidade de manifestação prévia daquele que

potencialmente terá sua esfera jurídica afetada, para que possa, de alguma forma, influenciar o

resultado da decisão, ou seja, devem constituir processo.

Apesar de ainda serem amplamente encontradas na doutrina referências à teoria

instrumentalista, se mostra esclarecedora a consideração exposta pela teoria

procedimentalista, uma vez que:

[...] face ao discurso jurídico-constitucional das democracias, o contraditório é instituto do Direito Constitucional e não mais qualidade que deve ser incorporada ao procedimento pela atividade jurisdicional. É o contraditório conquista teórica juridicamente constitucionalizada em direito-garantia que se impõe como instituto legitimador da atividade jurisdicional no processo (LEAL, 2011, p. 69-70).

Ademais, essa é a teoria que se mostra consentânea face ao direito fundamental

assegurado no inciso LV do art. 5º da Constituição da República: “aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Nesse sentido, se mostra acertada a disposição dos termos espécies de processo e

procedimentos encontrados, respectivamente, no título VI e no caput do art. 48 da Lei n.

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12.529/11. Evidente que, por ser o título um tópico mais abrangente do que o capítulo, melhor

seria a referência ao gênero procedimento também naquele, entretanto, o qualificativo

espécies usado para se referir a processo já se mostra esclarecedor, e de acordo com a teoria

procedimentalista.

De se ver que não há certo e errado no que se refere às teorias instrumentalista e

procedimentalista. São, em verdade, concepções teóricas distintas sobre o mesmo tema.

Assim, e em sentido contrário, adotando a teoria instrumentalista, o Prof. João Bosco

Leopoldino da Fonseca (2012, p. 56), valendo-se dos conceitos de Hely Lopes Meirelles e

Humberto Theodoro Júnior, para afirmar:

A nova lei instaura uma confusão num reino onde já dominava uma perfeita ordem e tranquilidade. Desde muito tempo, a doutrina processual sedimenta a distinção conceitual entre processo e procedimento. E no texto da Lei nº 12.529/11 pode-se perceber um desconhecimento dessa distinção.

De fato, a depender da teoria adotada, se afere o erro ou o acerto do legislador.

Entretanto, nesse momento, lançamos mão das palavras de Elio Fazzalari, e da teoria

procedimentalista para afirmar o acerto técnico da lei no ponto.

2 DAS TIPOLOGIAS RELATIVAS AOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS

O art. 48 traz as tipologias em sede de procedimentos administrativos instaurados

para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica. São eles:

I - procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; II - inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; III - processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica; IV - processo administrativo para análise de ato de concentração econômica; V - procedimento administrativo para apuração de ato de concentração econômica; e VI - processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais.

Desdobrando o gênero procedimento administrativo referido no caput, encontram-se

as seguintes espécies: procedimento (incisos I e V), inquérito (inciso II), e processo (incisos

III, IV, VI).

Nesse momento, se retoma a ideia da teoria procedimentalista, segundo a qual o

procedimento seria o gênero de uma sequência lógica de atos concatenados que, quando

qualificado com a possibilidade de participação paritária dos envolvidos na construção do

provimento final, configura a espécie processo.

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A partir desse ponto, chega-se a constatação de que a lei, nas duas primeiras espécies

de procedimento, quais sejam, procedimento e inquérito, não se utiliza do contraditório. Já, na

última espécie, as partes terão garantida a oportunidade de manifestação em simétrica

paridade.

Dessa forma, constatamos a distribuição técnica dos procedimentos administrativos

no art. 48 da Lei n. 12.529/11, e a correção do legislador no art. 49, quando recupera o gênero

procedimento para, em seguida, expressamente se referir às espécies inquérito e processo

(incisos II, III, IV, VI).

Depois de versar sobre as disposições gerais no Capítulo I do Título VI, encabeçado

pelo artigo 48, a lei trata no Capítulo II sobre o processo administrativo no controle de atos de

concentração econômica, no Capítulo III acerca do inquérito administrativo para apuração de

infrações à ordem econômica e do procedimento preparatório e, no Capítulo IV aborda o

processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem

econômica.

Comparando as denominações dos capítulos que compõe o Título VI, com o rol de

procedimentos administrativos apresentado nas disposições gerais, é possível constatar que o

Capítulo II não encontra correspondência exata com os incisos do art. 48, mas trata do tema

compreendido nos incisos IV e V. Já o Capítulo III corresponde, da forma como está redigido,

primeiramente ao inciso II e, em seguida, ao inciso I do art. 48. Por fim, o Capítulo IV cuida

do inciso III do mencionado dispositivo.

Isso demonstra que a lei não analisou de forma sequencial e lógica cada uma das

modalidades de procedimento descritas no rol do art. 48, como era de se esperar, em

conformidade com a melhor técnica legislativa.

A desordem lógica dos procedimentos pode ser confirmada a partir do Capítulo II.

Além de fugir à sequencia apresentada nas disposições gerais, o título dado ao capítulo não

guarda exata correspondência textual com nenhum dos incisos do art. 48, e menciona a

espécie “processo”, termo que não se mostra o mais adequado tendo em vista o fato de o

capítulo vir a tratar tanto da própria espécie “processo” (inciso IV), quanto do gênero

“procedimento” (inciso V).

Nas palavras de João Bosco Leopoldino da Fonseca (2012, p. 59):

O capítulo II ao tratar “do processo administrativo no controle de atos de concentração econômica” estaria reunindo ou suprimindo algum dos itens

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que preveem esta questão no artigo 48? Com efeito, o item IV estabelece o “processo administrativo para análise de ato de concentração econômica” e o item V dispõe sobre o “procedimento administrativo para apuração de ato de concentração econômica”. O título do capítulo II estaria reunindo as duas figuras – “análise” e “apuração” – ou suprimindo o valor significativo de cada uma delas?

Ainda, uma análise detida das disposições do Capítulo II confirma que a lei tratou

apenas do processo administrativo para análise de ato de concentração econômica (inciso

IV), não abordando o tema relativo ao procedimento administrativo para apuração de ato de

concentração econômica (inciso V).

Por fim, também sobre os atos de concentração (tema do Capítulo II), nota-se que a

lei tratou do procedimento relativo a esses atos entre os artigos 53 e 65, isto é, antes de

explanar as condutas tipificadoras dos atos de concentração, as quais são tratadas

posteriormente, entre os artigos 88 e 91. Isso denota um privilégio da norma adjetiva em

detrimento da norma substantiva, em outras palavras, “o legislador colocou em primeiro plano

o processo, deixando para um segundo a conceituação da realidade que dá movimento àquele

processo” (LEOPOLDINO DA FONSECA, 2012, p. 60).

3 DO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES À

ORDEM ECONÔMICA

Na sequência, o Capítulo III discorre sobre o inquérito administrativo para apuração

de infrações à ordem econômica e do procedimento preparatório. Já em sua denominação,

constata-se um equívoco, por não haver correspondência lógica com os procedimentos

administrativos apresentados no art. 48. Nesse sentido, assevera João Bosco Leopoldino da

Fonseca (2012, p. 61):

Com efeito, o inciso I do artigo 48 dispõe sobre o “procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica” e logo a seguir o inciso II do mesmo artigo cria o “inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica”. Vê-se que o legislador coloca em primeiro plano o “procedimento preparatório de inquérito” e logo num segundo plano o “inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica”.

Escapando à ordem lógica inicialmente apresentada, o legislador se referiu, no título

do Capítulo III, primeiro ao inquérito e, posteriormente, ao procedimento preparatório. Nessa

mesma sequência, contrária ao rol do art. 48 e à ideia de que o procedimento preparatório de

inquérito antecede o próprio inquérito, o art. 66 trata do inquérito, sendo o procedimento

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preparatório abordado entre os parágrafos desse capítulo, não existindo um tratamento

específico e em separado do tema.

A Lei n. 8.884/94 trazia, no seu esquema geral de procedimento administrativo, as

investigações preliminares, previstas no art. 30 e no art. 31. Essa etapa preliminar era

promovida pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico - SDE, de ofício ou mediante

representação escrita, quando houvesse indícios de infração à ordem econômica, mas que não

fossem, ainda, suficientes para a instauração de processo administrativo. Concluída a

averiguação preliminar, o Secretário determinava a instauração do processo administrativo ou

ordenava o arquivamento, hipótese na qual era gerado recurso de ofício ao CADE.

Na nova lei, o legislador desdobrou esse procedimento em dois, quais sejam,

“procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem

econômica” e “inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica”,

que correspondem aos incisos I e II do art. 48, respectivamente. Essa multiplicação de

procedimentos é um tema polêmico, e já recebeu críticas em sentidos divergentes na doutrina.

Relativamente ao procedimento preparatório, consta no parágrafo 2º do art. 66 que

“a Superintendência-Geral poderá instaurar procedimento preparatório de inquérito

administrativo para apuração de infrações à ordem econômica para apurar se a conduta sob

análise trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência,

nos termos desta Lei”. Ou seja, trata-se de um procedimento preparatório, criado com a

finalidade específica de aferir a competência do SBDC para a análise da conduta. Entretanto,

como observa o João Bosco Leopoldino da Fonseca (2012, p. 62), para decidir tal questão, o

Superintendente-Geral deverá verificar se esta conduta constitui infração à ordem

econômica. Mas, para fazer esta verificação, terá que adentrar, mesmo que superficialmente,

a questão de mérito. Para o referido autor, a criação do procedimento preliminar significou

apenas tratar com um nome diferente o mesmo objeto de investigação que se analisa com a

instauração do processo administrativo.

Analisando esse fenômeno do desdobramento de procedimentos, mas sob outro

ponto de vista, Vinicius Marques de Carvalho e Ticiana Nogueira da Cruz Lima (2012, p.

241) afirmam:

[...] merece destaque a criação do Procedimento Preparatório. Esse procedimento supre uma lacuna do regime atual ao regulamentar a apuração de casos em que não é clara a competência do CADE. Resolve-se, assim, um problema de realidade de formas. Instada a se manifestar sobre determinada denúncia, a administração não mais precisará instaurar procedimento para a

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apuração de infração à ordem econômica sem que esteja, de fato, estabelecido tratar-se o fato de matéria de sua competência.

Assim, o procedimento preparatório de inquérito parece surgir com o intuito de dar

celeridade na solução das questões que, vigorosamente, não se mostram como sendo da

competência do SBDC. Mas, por outro lado, caso seja necessário tangenciar o mérito para

solucionar tais questões, já não haverá distinção entre o procedimento preparatório e o próprio

processo administrativo. Acreditamos que o tempo será o melhor indicador da real utilidade

do desdobramento procedimental trazido pela Lei n. 12.529/11.

Ainda, o parágrafo 4º do art. 66 determina que “do despacho que ordenar o

arquivamento de procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de

inquérito administrativo, ou seu arquivamento, caberá recurso de qualquer interessado ao

Superintendente-Geral, na forma determinada em regulamento, que decidirá em última

instância”. Trata-se de uma novidade da lei, uma vez que, como acima mencionado, o regime

anterior previa o recurso de ofício do Secretário da SDE ao CADE, na hipótese de

determinação do arquivamento da averiguação preliminar.

De se ver que, agora, a decisão emanada da Superintendência-Geral poderá ser

objeto de recurso do interessado, ou seja, foi extinto o recurso de ofício. Ao invés do recurso

de ofício, abre-se a possibilidade de o Conselheiro provocar o Tribunal para que esse

determine a avocação do inquérito administrativo ou do procedimento preparatório de

inquérito administrativo, arquivado pela Superintendência-Geral.

Por fim, importante ressaltar que o órgão decisor do recurso é o mesmo prolator da

decisão recorrida, conforme previsto no parágrafo 4º do art. 66. Assim, a Superintendência-

Geral delibera, ela mesma recebe o recurso, e o Superintendente-Geral decide em última

instância. Ou seja, denota-se de tal mecanismo uma absoluta incongruência ao não se admitir

a reapreciação do mérito por um órgão distinto do que primeiramente prolatou a decisão.

4 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES POR

INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA

O processo administrativo para a imposição de sanções por infrações à ordem

econômica perpassou por algumas mudanças com a promulgação da nova legislação.

Algumas dessas alterações demonstram maior destaque, podendo gerar grandes repercussões

práticas no trâmite dos feitos junto ao Tribunal administrativo.

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O art. 69 inaugura o capítulo relativo ao processo administrativo para imposição de

sanções por infrações à ordem econômica, propriamente dito. Apesar da redação inadequada6,

o dispositivo versa sobre a necessária ampla defesa, explicitando, assim, a garantia

constitucional a permear todos os atos processuais, sejam eles administrativos ou judiciais.

Além disso, o mesmo artigo estabelece a nota técnica final do inquérito administrativo como

peça inaugural do processo. No entanto, os elementos que deverão constar do despacho que

determina a instauração do processo administrativo não estão previstos na lei, sendo tratados,

em verdade, pelo novo Regimento Interno do CADE (Resolução nº 1, de 29 de maio de

2012):

Art. 147. Do despacho que determinar a instauração do processo administrativo, deverão constar os seguintes elementos: I - indicação do representado e, quando for o caso, do representante; II - enunciação da conduta ilícita imputada ao representado, com a indicação dos fatos a serem apurados; III - indicação do preceito legal relacionado à suposta infração; e IV - determinação de notificação do representado para apresentar defesa no prazo legal e especificar as provas que pretende sejam produzidas, declinando a qualificação completa de até 3 (três) testemunhas.

O art. 70 traz algumas modificações relativas à instauração do processo

administrativo. Já em seu caput, o dispositivo estabelece o prazo de trinta dias para a

apresentação de defesa, ampliando o termo previsto pela Lei n. 8.884/947. Em acréscimo, no

parágrafo 5º, é prevista a possibilidade de dilação do prazo por mais 10 dias, mediante

requisição do representado. Nesse ponto, é importante destacar que o Regimento Interno do

CADE vincula a ampliação do prazo à complexidade do caso. Assim, caberá ao

Superintendente-Geral, ao Superintendente-Adjunto ou a quaisquer dos Coordenadores-Gerais

de Análise Antitruste decidir sobre o requerimento de dilação de prazo apresentado pelo

representado8.

6 Acerca da redação do aludido dispositivo, João Bosco Leopoldino da Fonseca (2012, p. 64) apresenta algumas críticas: “E este artigo 69 vem dizer que <<o processo administrativo... visa a garantir ao acusado a ampla defesa...>> Esqueceu-se o legislador do que disse no inciso III do artigo 48: <<o processo administrativo para imposição de sanções administrativas...>> A finalidade, ali ditada, é a de impor sanções administrativas. No artigo 69, a finalidade do processo administrativo é <<garantir ao acusado a ampla defesa...>> Nem uma coisa, nem outra. A finalidade do processo é de dirimir controvérsias, de apurar a existência de infração à lei, de apurar a configuração de infrações contra a ordem econômica. O direito à ampla defesa é uma garantia constitucional que se superpõe a todo o direito processual. Ele não é uma finalidade do processo administrativo”. 7 Art. 33. O representado será notificado para apresentar defesa no prazo de quinze dias. 8 Art. 152. O representado poderá requerer a dilação do prazo para apresentação de defesa por até 10 (dez) dias, improrrogáveis, quando assim o exigir a complexidade do caso. §1º O requerimento de dilação de prazo, devidamente justificado, deverá ser apresentado antes do vencimento do prazo para defesa previsto no artigo 151. §2º A decisão sobre o requerimento de dilação de prazo será tomada pelo Superintendente-Geral, pelo Superintendente-Adjunto, ou por quaisquer dos Coordenadores-Gerais de Análise Antitruste.

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Ainda em relação ao art. 70, a nova lei concorrencial buscou diminuir as

formalidades que permeavam a notificação inicial do representado, contemplando a

possibilidade de ser realizada a notificação por qualquer meio que assegure a certeza da

ciência do interessado. Desse modo, o CADE não mais está adstrito somente à notificação via

correio com aviso de recebimento e, na hipótese de sua frustração, à utilização de edital no

Diário Oficial da União. Por outro lado, a lei não contemplou a forma como deve ser realizada

a notificação de representados residentes em outros países. Nesse ponto, o novo Regimento

Interno buscou sanar a aludida omissão, prevendo o uso de mecanismos de cooperação

internacional ou mesmo a notificação postal direta, quando os representados residirem em

países que a aceitem9.

A Lei n. 8.884/94 previa, no parágrafo 4º de seu art. 33, que o representado poderia

acompanhar o processo administrativo por seu titular e seus diretores ou gerentes, ou por

advogado legalmente habilitado. O novo texto legislativo, no parágrafo 4º de seu art. 70,

manteve a possibilidade de o acusado acompanhar de forma direta – por intermédio de seu

titular, diretores ou gerentes – o processo administrativo para imposição de sanções,

mantendo a representação como uma faculdade aberta ao acusado. No entanto, observa-se que

a nova redação dada ao dispositivo substituiu a expressão advogado legalmente habilitado

simplesmente pela palavra procurador. Assim, partindo do postulado hermenêutico segundo o

qual a lei não utiliza palavras inúteis, o novo texto demonstra ter dado espaço para a atuação

de outros profissionais no âmbito dos processos administrativos concorrenciais. Pela nova

dicção legal, quando o representado optar por outorgar procuração, no intuito de ser defendido

administrativamente, não mais deverá se restringir à classe advocatícia, podendo se socorrer

de outros profissionais, como, por exemplo, os economistas.

Observa-se uma preocupação acentuada com a fixação de prazos processuais, tendo

por objetivo a certeza e a segurança para as partes envolvidas em um processo administrativo.

Ademais, a previsão de prazos, desde que acompanhados da sua correspondente obediência,

9 Art. 149. A notificação inicial do representado conterá o inteiro teor da decisão de instauração do processo administrativo, da nota técnica acolhida pela decisão e da representação, se for o caso, e será feita por uma das seguintes formas: I - por correio, com aviso de recebimento em nome próprio; II - por outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado; ou III - por mecanismos de cooperação internacional. §1º Frustrada a tentativa por via postal ou o cumprimento do pedido de cooperação internacional, a notificação será feita por edital publicado no Diário Oficial da União e, pelo menos, 2 (duas) vezes em jornal de grande circulação no Estado em que resida ou tenha sede, caso esta informação seja de conhecimento da autoridade, devendo ser determinado prazo para a parte comparecer aos autos, que variará entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias. §2º No caso da notificação de representados que residam em países que aceitam a notificação postal direta, a notificação internacional poderá ser realizada por correio com aviso de recebimento em nome próprio.

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leva ao incremento da celeridade no trâmite processual. Contudo, os relativos prazos são

denominados impróprios, conforme acentuado por Leonor Cordovil (2012, p. 178):

Não há disposição legal que diga que a não observância dos prazos acarretará o arquivamento do procedimento, sem condenação dos representados. Sendo assim, assume-se que os prazos destes Capítulos são impróprios, ou seja, não geram consequências processuais, mas apenas disciplinares. Contudo, mesmo sendo prazos impróprios, ou seja, que não acarretam, por falta de previsão legal expressa, prejuízo à decisão final do CADE, é certo que tais prazos não podem ser indefinidamente alongados.

Acrescenta-se que os prazos apresentados pela lei não demonstram uniformidade.

Em alguns dispositivos, fala-se em dias úteis (como no prazo previsto no caput do art. 72).

Em outros momentos, as previsões normativas reduzem-se, simplesmente, à locução dias

(como na norma contida no art. 75), denotando tratar-se de dias corridos. É possível constatar,

assim, a ausência de técnica legislativa adequada, que prime pela identidade de tratamento a

determinados temas pela nova lei concorrencial.

Ainda com relação aos prazos, uma importante modificação se deu com relação à

ausência de previsão de prazo para a realização de diligências e a produção de provas. O

parágrafo primeiro, do art. 35 da Lei n. 8.884/94, versava que “as diligências e provas

determinadas pelo Secretário da SDE, inclusive inquirição de testemunhas, serão concluídas

no prazo de quarenta e cinco dias, prorrogável por igual período em caso de justificada

necessidade”. Seguindo caminho oposto a esse dispositivo, a nova lei concorrencial não fez

qualquer alusão concernente a limites temporais para o encerramento de fase de instrução do

processo administrativo. Essa omissão legislativa talvez tenha se dado em razão do constante

desrespeito ao prazo, previsto pela antiga norma, por parte da SDE (Cf. GIANNINNI; et al.,

2012, p. 236).

Outra modificação relevante está na ausência de obrigatoriedade de submissão do

processo à Procuradoria. A redação dada ao art. 75 possibilita ao Conselheiro-Relator decidir

sobre a submissão ou não do processo à manifestação da Procuradoria Federal junto ao

CADE, consubstanciando, portanto, decisão discricionária. Importante destacar que o novo

Regimento Interno apresenta como órgão consultor, além da Procuradoria Federal junto ao

CADE, o Ministério Público Federal. Cada um desses órgãos terá o prazo de 20 (vinte) dias

para apresentar as manifestações solicitadas pelo Conselheiro-Relator10.

10 Art. 157. Recebido o processo, o Presidente do Tribunal o distribuirá, por sorteio, ao Conselheiro-Relator, que poderá solicitar a manifestação do Ministério Público Federal e/ou da Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade. §1º O Ministério Público Federal e a Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade terão, cada qual, o prazo de 20 (vinte) dias para apresentarem as manifestações solicitadas pelo Conselheiro-Relator. §2º O

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Com relação à decisão do Tribunal em processo administrativo para a imposição de

sanções administrativas, o art. 79 traz os elementos que a mesma deve conter. As suas

disposições em tudo se assemelham ao art. 46, da Lei n. 8.884/94, excetuando o fato de

acrescentar um novo inciso, prevendo a necessidade de constar da decisão multa em caso de

descumprimento das providências estipuladas. Tal modificação se faz importante de modo a

apenar o condenado com multa pecuniária em razão do não cumprimento de importantes

obrigações de fazer. Nesse sentido:

Com a vigência da Lei, também deverá constar na mencionada decisão do Tribunal a definição de uma multa em caso de descumprimento das providências estipuladas pelo CADE quando do julgamento do processo. Significa, que o representado em um processo administrativo, além da possibilidade de ser sancionado com a aplicação de uma sanção (multa) pela prática de infrações contra a ordem econômica e de multa diária caso permaneça realizando tal prática após a decisão do Tribunal, também poderá ser apenado com uma multa adicional, diversa das anteriores, caso não cumpra as determinações e providências (i.e., as obrigações de fazer) do CADE para que cessem os efeitos tidos como prejudiciais à concorrência (GIANNINI; et al., 2012, p. 245).

Por fim, como salientado, os prazos apresentados no capítulo referente ao processo

administrativo são impróprios, uma vez que não levam ao arquivamento do processo,

isentando o representado de condenação. No entanto, é importante ressaltar que a nova lei

concorrencial, em seu art. 82, foi expressa no que concerne à apuração de responsabilidades,

nas searas administrativa, civil e criminal, dos membros do CADE, bem como de seus

servidores, pelo não cumprimento dos prazos elencados pela norma. Assim, só se pode

admitir o não cumprimento de prazos, quando forem apresentadas as necessárias

justificativas, com suas respectivas comprovações11.

CONCLUSÃO

A Lei 12.529/11 revela-se como instrumento originado do desenvolvimento e

amadurecimento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Os avanços técnicos e

doutrinários na análise antitruste revelaram algumas deficiências na norma que regia a

matéria, fazendo com que se reconhecesse a necessidade de surgimento de uma legislação

moderna, consentânea com o atual cenário econômico. Desse modo, percebe-se, por meio da

pedido dos pareceres previstos no caput não implicará suspensão do prazo de análise ou prejuízo à tramitação normal do processo. 11 Art. 82. O descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pelos membros do Cade, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal.

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intervenção indireta, uma nova forma de atuação do Estado na prevenção e repressão às

infrações à livre concorrência.

A par das profundas mudanças de ordem institucional e no controle de estruturas,

variadas alterações de ordem procedimental foram concretizadas, havendo previsões de novas

tipologias e alterações na forma como tramitam os processos administrativos para a imposição

de sanções.

Nota-se que, a nova legislação, ao dispor sobre os procedimentos administrativos

para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica, se mostra

tecnicamente ajustada desde que interpretada sob a perspectiva da teoria procedimentalista,

por ser essa uma doutrina que sugere o procedimento como gênero de uma sequência lógica

de atos concatenados, e o processo como espécie qualificada pelo contraditório.

Apesar do acerto técnico do legislador na apresentação do esquema geral de

procedimentos, exposto no art. 48, não foi seguida uma ordem lógico-jurídica no tratamento

específico de cada procedimento. Pelo contrário, eles foram detalhados em uma ordem

aleatória, sendo que alguns não foram objeto de delineamento específico pelo legislador,

como, por exemplo, o inciso V do art. 48.

Sobre o inquérito administrativo – tratado anteriormente, na Lei n. 8.884/94, como

investigações preliminares –, a Lei n. 12.529/11 o desdobrou em duas tipologias, quais sejam,

“procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem

econômica” e “inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica”.

Esse desdobramento padece de algumas críticas por parte da doutrina, porém o primeiro

procedimento tende a possuir somente a finalidade de aferir a competência do SBDC para a

análise de condutas, dando celeridade na aferição da competência do órgão.

Ainda com relação ao inquérito, o recurso de ofício do Secretário da SDE ao CADE,

na hipótese de determinação do arquivamento da averiguação preliminar foi extinto, mas

poderá ser objeto de recurso do interessado ou avocado ao Tribunal por iniciativa do

Conselheiro. Sendo o órgão a decidir o recurso o mesmo que prolatou a decisão recorrida, o

mecanismo rejeita a reapreciação do mérito por um órgão distinto do que primeiramente

proferiu a decisão.

O processo administrativo para a imposição de sanções por infração à ordem

econômica passou, também, por algumas modificações importantes. Nesse ponto, destacam-se

o reconhecimento, de maneira expressa, do princípio da ampla defesa, além da diminuição das

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formalidades que caracterizavam a notificação inicial do representado. Além disso, apesar de

uma pequena omissão, a nova lei demonstra uma grande preocupação com os prazos

processuais, buscando concretizar a necessária segurança jurídica e a celeridade no

julgamento das lides concorrenciais. Como visto, mesmo se tratando de prazos impróprios, foi

prevista a responsabilidade dos membros do CADE e de seus funcionários, pelo

descumprimento dos termos previstos na lei, nos âmbitos administrativo, civil e penal.

Assim, a Lei n. 12.529/11 vem materializar um novo cenário procedimental para a

resolução de problemas de ordem concorrencial. As novidades inseridas no âmbito do

inquérito administrativo e do processo administrativo, propriamente dito, seguem a lógica da

celeridade, intentando oferecer aos representados maior segurança jurídica no trâmite das

demandas envolvendo condutas que possam prejudicar a ordem econômica. Para algumas

questões, contudo, ainda não se tem resposta exata, restando à prática no âmbito do Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência definir os contornos materiais e processuais das lides

envolvendo a matéria antitruste.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Vinícius Marques de. LIMA, Ticiana Nogueira da Cruz. “O novo SBDC e a implementação da política brasileira de defesa da concorrência na análise de condutas anticompetitivas”. In A nova lei do CADE. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012. CORDOVIL, Leonor; et. al. Nova lei de defesa da concorrência comentada: lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. COSTA, Adalberto. Regime legal da concorrência. Coimbra: Almedina, 2004. FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006. GIANNINI, Adriana Franco; et al. Comentários à nova lei de defesa da concorrência: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. Coord. Eduardo Caminati Anders, Leopoldo Pagotto, Vicente Bagnoli. Rio de Janeiro: Forense, 2012. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Considerações sobre o processo administrativo. In: FARINA, Laércio; et al. (Org.) A nova lei do CADE. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012. MARÇAL, Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

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DEMOCRACIA, MERCADO E ESTADO: UMA RELAÇÃO SIMBIÓTICA

DEMOCRACY, MARKET AND STATE:

A SYMBIOTIC RELATIONSHIP

Orides Mezzaroba

Nathalie de Paula Carvalho

RESUMO

Esta pesquisa analisa contornos de fenômeno que se desenvolve há algumas décadas: a passagem da economia capitalista que convivia com a Democracia para uma economia capitalista que a comanda. Nesse sentido, características desse perfil neoliberal, sem ideário definido – apenas um projeto de implementação mundial – serão analisadas. Evidenciam-se os diversos perfis assumidos pelos indivíduos e pelas instituições no denominado supercapitalismo. Por vezes, uma das participações inviabiliza outras. Nessa ordem de ideias, por meio de um suficiente amparo doutrinário, especialmente as teses defendidas por Robert Reich, embasam-se certos comentários ao modo como a sociedade vem se adaptando ou simplesmente aceitando o que o supercapitalismo impõe. Com uma tessitura crítica, busca-se compor um catálogo de medidas de proteção da cidadania ativa contra o sufocamento ditado pelas atitudes econômicas. A propósito, quando tais atitudes se espalham para a política, financiando-a, o próprio governo torna-se sutil algoz da cidadania. É necessário tomar ciência da situação e não deixar fugir a oportunidade – ainda existente – de mudar o rumo da história ou de com ela se soldar.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema de Mercado; Sociedade; Capitalismo; Democracia.

ABSTRACT

This research analyzes the contours phenomenon that develops a few decades ago: the passage of the capitalist economy that coexisted with democracy for the capitalist economy that drives Democracy (or any other system of government). In this sense, this profile features of neoliberal economics, without ideals set - only one implementation project worldwide - will be analyzed. Show up the two personalities that each person takes in supercapitalismo called: while acting as a citizen and as a consumer. Sometimes one of the other figures unfeasible. In this order of ideas, through doctrinal enough support, especially the theses defended by Robert Reich, underlie certain comments to the way society has been adapting or has simply accepting what supercapitalismo imposes. With a critical tessitura, seeks to compose a catalog of measures to protect against active citizenship attitudes dictated by economic suffocation. Incidentally, when such attitudes spread to politics, financing it, the government itself becomes subtle tormentor citizenship. You must become aware of the situation and not let the opportunity escape - still existing - to change the course of history or weld with it.

KEYWORDS: Market System; Society; Capitalism, Democracy

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INTRODUÇÃO

O liberalismo econômico, base do capitalismo, provocou o incremento de um sem

número de empresas dotadas de conhecimento e tecnologia, que permitiram a

transnacionalização do capital, das manufaturas e dos produtos. Já não importa onde é

produzida a mercadoria, o essencial é identificar o seu mercado consumidor. No final do

século XX e início do século XXI, a sociedade global desperta para os direitos difusos e para

a necessária implementação do capital humano e social, passando a exigir das empresas não

só produtos de menor custo, mas que também que sejam produzidos respeitando os direitos

humanos e sociais, as leis trabalhistas e o meio ambiente.

O cenário mundial é em grande parte desenhado pela globalização dos mercados e

das informações, bem como pela reestruturação do setor produtivo. Exige-se que um

empreendimento seja considerado bem-sucedido quando alcança a satisfação de todas as

partes envolvidas no processo de produção, de aquisição e de reconhecimento estatal e social.

Assim, empresários, operários, consumidores, instituições sociais e estatais, sob diversas

óticas, mantém contínuas relações que, ao final, apontam pela aprovação ou rejeição de algum

produto ou serviço no mercado.

A par do contexto que há pouco se introduziu, é necessário frisar que o sistema

capitalista, por quaisquer das formas que já assumiu ao longo da história, foi e é marcado por

duelos, que tanto podem ser examinados isoladamente, quanto podem ser analisados uns a

partir dos outros, transparecendo, assim, seu caráter de nascedouro infinito de contradições e,

ao mesmo tempo, de solucionador incansável dessas mesmas contradições.

De logo, o conflito que mais interessa a este trabalho é entre o capitalismo e a

democracia. Isto é, o quanto a livre atuação econômica invade a seara individual. Deve-se

supor quanto o capitalismo, propositalmente, cadencia a educação e a participação política de

todos os cidadãos.

1 A COMPLEXIDADE DO CENÁRIO ECONÔMICO INTERNACIONAL

De uma maneira ou de outra, qualquer indivíduo se insere num processo econômico

(quando compra, vende, troca, empresta, aluga, doa, recebe, enfim, quando realiza qualquer

negociação sobre algum objeto). A propósito disso, os processos econômicos do mundo

contemporâneo não se restringem a limites territoriais e, portanto, qualquer indivíduo de hoje

é um ator econômico integrado à economia de todo o planeta. Assim, a repercussão de um ato

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negocial, por mais simples que pareça, já não se exaure num encadeamento de eventos

simples.

Nas palavras elucidativas de Peter Berger e Thomas Luckmann (1996, p. 45), a

estrutura temporal da vida cotidiana é extremamente complexa, porque os diferentes níveis de

temporalidade, empiricamente presentes, devem ser continuamente correlacionados. Assim

também considerava Keynes (CARDOSO; LIMA, on line, 2013):

As consequências não devem ser o meio pelo qual se julga o valor de determinada ação, mesmo porque o caráter infinito delas impede que se infira com certeza qual será o seu resultado final. O importante então – partindo da ideia de que se deve fazer a pergunta certa ao invés de tentar chegar a verdades absolutas – é definir qual é o resultado desejado, qual seja, o bom estado da mente. A abordagem da complexidade, recentemente aplicada à economia, tem como uma ideia central a de que as ações individuais promovem consequências não intencionais como resultado de um processo de auto-organização, permitindo o funcionamento do sistema. Ou seja, o todo, enquanto propriedade emergente, não é dedutível imediata e diretamente a partir de um certo componente representativo. Em verdade, uma vez que a abordagem da complexidade representa um esforço intelectual ambicioso de análise e compreensão do funcionamento de sistemas altamente organizados, porém descentralizados e compostos de um número muito grande de componentes individuais, heterogêneos, a própria noção de componente representativo é insuficientemente representativa.

A Teoria da Complexidade (Edward Lorenz), haurida da Física, aplicada à

economia1, demonstrou, matematicamente, que sucessões de irrelevantes atos econômicos

podem redundar em maremotos financeiros. Com esse paradigma, merece destaque também a

denominada Teoria do Caos (PRIGOGINE, 2002), pela qual o funcionamento dos sistemas

dinâmicos e complexos que são condicionados por fatores ou variáveis instáveis e se

apresentam seus resultados pelas ações e interações aleatórias dos elementos formadores

destes sistemas2. (PRIGOGINE, 1997).

Com esse paradigma assentado, a economia compreendeu que a participação de um

ator econômico, por menor monta que tivesse, representaria propulsão geral das riquezas 1 Vide ARTHUR, W. Brian. Competing technologies, increasing returns and lock-in by historical Events. In: The Economic Journal, 1989, v. 99, nº 394. Disponível em: <www.res.org.uk/econ.html>. Positive feedbacks in the economy. In: Scientific American, edição de Fevereiro de 1990 (disponível em www.santafe.edu/arthur/Papers/Pdf_files/SciAm_Article.pdf). Ainda, Increasing returns and the new world of business. In: Harvard Business Review, edição de Jul./Ago. de 1996 (disponível em http://www.santafe.edu/~wbarthur/). Mais sobre o tema: KELLY, Kevin. Novas regras para uma nova economia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. E, por fim, SAWHNEY, Mohanbir. PARIKH, Deval. Harvard Business Review magazine. Disponível em: www.hbrbr.com.br/. 2 Carlos Siffert (2010, on line) discorre a respeito: Da previsão do tempo ao mercado de ações, das colônias de cupins à Internet, a constatação de que mudanças diminutas podem acarretar desvios radicais no comportamento de um sistema veio reforçar a nova visão probabilística da física. O comportamento de sistemas físicos, mesmo os relativamente simples, é imprevisível. (...) Mas a segunda constatação é ainda mais estranha: há padrões, regularidades por trás do comportamento aleatório dos sistemas físicos mais complexos, como a atmosfera ou o mar.

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circulantes ou, em termos vulgares, o bolo econômico cresceria à medida que todos os nichos

comerciais se aglutinassem. E então, como num holograma, um ponto isolado passou a não

representar quase nada, mas a união dos mesmos seria uma condição essencial à formação do

todo.

Ainda na década de 20, mais precisamente 1925, o biólogo austríaco Karl Ludwig

von Bertalanffy (1975) traçou os primeiros enunciados do que viria a ser a teoria geral dos

sistemas. Nesse contexto, afirmava que um sistema representa um conjunto de partes

interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com

determinado objetivo e desempenham uma determinada função (OLIVEIRA, 2009, p. 35) ou

ainda pode representar uma interdependência de elementos que interagem entre si,

permanecendo em plena comunicação as partes e o todo respectivos.

Por meio desta abordagem multifocal, apresenta-se a teoria geral dos sistemas (TGS)

como uma contribuição abstrata fenomenológica, a qual engloba princípios comuns tendo

como foco as entidades complexas. O próprio exaurimento do modelo iluminista-cientificista

de explicação da realidade, denunciado, por exemplo, pela Teoria Crítica Social (Escola de

Frankfurt)3, já pressentiu que todos os modelos e mecanismos criados para a nova

compreensão da realidade são novos modelos e novos mecanismos. Assim, ganhando novos e

adequados nomes.

Com a adoção espontânea das práticas neoliberais ou com a imposição delas, por

intermédio das economias centrais do capitalismo, todas as estruturas econômicas do mundo

se imbricaram de uma tal forma, a não existir mais empresas de um país apenas, ou bolsas de

valores de uma comunidade econômica isoladas e, enfim, indivíduos que não atingidos com o

influxo da macroeconomia mundial em seu cotidiano.

Em meados dos séculos XVIII, o liberalismo clássico contava com um suporte

ideológico de que a economia conseguiria, através da liberdade de se auto-regular, o

enriquecimento de todas as nações. Contudo, hoje, o novo liberalismo não precisa de

promessas: trabalha adequando-se a metas e possibilidades. É o interesse de crescimento de

cada concorrente do sistema que fica, constantemente, em ação.

O desafio que se lançou, neste caso, foi às novas formas de organização econômica

(e social), para encontrar falhas num capitalismo que se fluidifica de acordo com as

3 Theodor Wiesengrund-Adorno, Herbert Marcuse, Jüngen Habermas, Karl-Otto Apel, Walter Benjamin, Axel Honneth, Max Horkheimer, dentre outros autores, são representantes da Escola de Frankfurt.

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necessidades de cada momento e utiliza todos os instrumentos possíveis para continuar

prevalecendo.

O contexto da crise em 2008 que assolou primeiro o setor imobiliário e creditício dos

Estados Unidos, depois, continua, até então, assolando todos os setores de todas as economias

planetárias, demonstra, a despeito de ser um momento complicado para o capitalismo, a

dificuldade em se derrubar as práticas neoliberais. Não se trata de um cisne-negro (TALEB,

2012, p. 214-215): um evento imprevisível, que ocasiona resultados impactantes e, uma vez

ocorrido, surgem formas de torná-lo menos aleatório e mais explicável, como o encararam

este período algumas vozes precipitadas, haja vista que a História não se arrasta, dá saltos

(TALEB, 2012, p. 39). Desta forma, pode-se afirmar que:

Estes tipos de descontinuidade na cronologia dos eventos não tornam muito fácil a profissão do historiador, o exame estudioso e minimamente detalhado do passado não ensina muito sobre a mente da historia, apenas transmite a ilusão de que a entendemos. História e sociedade não se arrastam. Elas dão saltos. Seguem de ruptura a ruptura, intermediadas por poucas vibrações. Ainda assim nos (e os historiadores) gostamos de acreditar na progressão previsível e em pequenos incrementos. (TALEB, 2012, p. 41).

Esta temática ganha relevo nos dias atuais, tendo em vista a ascensão do grupo

emergente denominado BRICs (SOLA; LOUREIRO, 2011), composto por Brasil, Rússia,

Índia e China, um conjunto de economias potencialmente em crescimento e em

desenvolvimento econômico que despontam no cenário mundial como verdadeiras válvulas

de investimentos, desde a crise que assolou o sistema creditício nos EUA em 2008, como já

mencionado, e agora prejudica a economia europeia, pondo em questão vários aspectos da

unificação.

Quando os autores começam a teorizar um suposto declínio do modelo, surge uma

repentina recuperação, ou até mesmo uma solidariedade entre as economias, ações

coordenadas, táticas inovadoras, disposição e colaboração barganhada politicamente e, em

poucos anos, começa-se a assistir a novo recrudescimento econômico.

Há uma nota distintiva no novo liberalismo, que certamente dificultará seu eventual

crepúsculo. O fator tecnologia, que se incrementa cada dia mais, se manifesta sem um

horizonte certo para parar, podendo-se afirmar que, peculiarmente, este fator foi o principal

responsável pela derrubada de certas barreiras de entradas no mercado. A revolução digital

permitiu que, em situações peculiares, empresas pequenas competissem com as grandes. Os

custos baixos de produção ficaram ao alcance de muitos rivais, ao mesmo tempo. O novo tipo

de empreendedor/investidor/ consumidor pode contratar em qualquer parte do mundo.

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Dizer que o mercado é temperamental, é receoso, é apreensivo, é seguro ou está

adormecido, ou, ainda, que a corporação é agressiva, é corruptível, é (ir)responsável, é

engajada politicamente, é atribuir uma existência humana a empreendimentos. A

manifestação objetiva do mercado ou de uma empresa é um dado fático, inegável, muito

embora não se possa querer qualificá-los como seres filosoficamente autoconscientes. A

responsabilidade é sempre dos indivíduos: dos cidadãos, dos consumidores e dos acionistas.

Para Michael Sandel:

Os economistas muitas vezes partem do pressuposto de que os mercados não afetam nem comprometem os bens que regulam. Mas não é verdade. Os mercados deixam suas marcas nas normas sociais. Muitas vezes, os incentivos de mercado corroem ou sobrepujam os incentivos que não obedecem a lógica do mercado. (SANDEL, 2012, p.65).

Não menos relevante, mas que não pode ser melhor examinado neste artigo, é o

embate entre o capitalismo democrático (praticado em conjugação com a democracia, como

em quase todos os países atuais) e o capitalismo autoritário (que convive com um regime

ditatorial de governo ou, ao menos, com algum regime menos estável quanto às ideias e aos

procedimentos democráticos, tal o exemplo da China).

Nesse tipo de dilema, transparece a falta de ideologia do supercapitalismo, que se

criticou a guisa de introdução, tendo em vista a compreensão de que as tendências de

afirmação do sistema econômico deveriam ser aliadas do regime político típico do Estado

Democrático de Direito – a Democracia. Nesse raciocínio, apenas o capitalismo que se abre à

democracia é que deveria continuar a existir, recuando aquele que não se opõe aos

ditadorismos.

O desemprego, os cortes com gastos públicos, a insatisfação da população e do

empresariado na Europa, por exemplo, são molas propulsoras para o surgimento de outras

fontes de injeção de capital, fundamental para a manutenção de qualquer economia. A

cidadania ativa deve tomar a dianteira do processo político e econômico mundial, em prol de

uma ética no consumo e nos investimentos e, para além, em prol de uma ética na inauguração

de espaços públicos constantes de discussão democrática, posicionando cada sistema em seu

lugar: a economia junto aos consumidores responsáveis e a política próxima dos cidadãos

comprometidos.

Essa múltipla participação, enquanto estadistas, capitalistas, empresários,

consumidores e cidadãos de uma democracia ao mesmo tempo, precisa, inicialmente, ser

compreendida e absolvida por toda a sociedade, para, só então, decidir-se qual dos lados deve

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predominar, sempre pensando em um segundo plano.

O dinheiro das grandes empresas financia as eleições, faz vencer e perder

candidatos e, em troca de “favores” políticos, tem-se a ingerência no conteúdo das leis

aprovadas, a inibição na aprovação de leis desfavoráveis, a catalisação da aprovação de leis

favoráveis, a indicação de diretores das agências de regulação econômica, a indicação do alto

escalão dos órgãos cuja pasta envolve a economia diretamente, como o Ministério da

Fazenda, a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central. Não apenas.

De estilo maquiavélico, políticos, já previamente acordados com os empresários,

criticam publicamente certas posturas, mas nada alteram na legislação. Nesse contexto, o

supercapitalismo, como se escreveu, fez surgir novos concorrentes, em condições

semelhantes para tomar determinadas fatias do mercado, que, tempos atrás, eram repartidas

por duas ou três empresas.

É patente que as corporações, por terem perdido espaço econômico, voltaram-se

para o setor político, influenciando e/ou determinando a elaboração das leis e regulamentos.

Nessa lógica aparentemente simplória se resume um dos mais consideráveis atravancos da

democracia. Norberto Bobbio alerta para a necessidade de, finalmente, se tentar uma teoria

sobre isso, a qual denomina de “subgoverno”:

Onde o Estado assumiu a tarefa de governar a economia, a classe política exerce o poder não mais apenas através das formas tradicionais da lei, do decreto legislativo, dos vários tipos de atos administrativos (...), mas também através da gestão dos grandes centros de poder econômico (bancos, indústrias estatais, indústrias subvencionadas etc.), da qual acima de tudo extrai os meios de subsistência dos aparatos dos partidos, dos aparatos dos quais por sua vez extrai, através das eleições, a própria legitimação para governar. Diferentemente do Poder Legislativo e do Poder Executivo tradicional, o governo da economia pertence em grande parte à esfera do poder invisível, na medida em que se subtrai (se não formalmente, ao menos substancialmente) ao controle democrático e ao controle jurisdicional. (BOBBIO, 2006, p. 117-118).

A reforma legislativa comprometida com os interesses sociais, genuinamente

interessada em diluir os problemas da democracia, somente ocorrerá se e quando a maioria

dos cidadãos o exigir. Mas como? A mídia, nesse processo, deve ser transformada, também. A

responsabilidade e a ética na informação são fundamentais. Como na sociedade de massas, a

opinião pública tornou-se o editorial do grande jornal, faz-se imprescindível que o grande

jornal canalize, honestamente, o anseio cidadão. Além disso, não se deve antropomorfizar as

empresas e o mercado.

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2 A BIOGRAFIA DAS IDEIAS E DOS FENÔMENOS ECONÔMICOS

Visto que não há como dizer o que os próximos anos reservam ao neoliberalismo e à

sua militância constante em redor do globo, a técnica mais segura de se imaginar um futuro

possível é percebendo – ainda que ligeiramente – o desenrolar do fenômeno neoliberal até o

presente. De modo que se volta a pesquisa, neste momento, a um apanhado histórico, breve

mas que se acredita produtivo, a fim de se perquirir algumas causas para problemas que

despontaram nos dias atuais.

Como o processo de surgimento do supercapitalismo é visto em tons mais fortes na

história econômica norte-americana, as próximas linhas perpassam alguns momentos dessa

nação, desde os fins do século XVIII, quando se torna independente econômica e

politicamente, até atingir o ponto culminante de centro econômico mundial, graças à

disseminação de diversas práticas que lá tiveram início. A história econômica americana é

impressionantemente rápida, quanto à sua evolução. Mas, evidentemente, nenhum

acontecimento se inicia com arroubos difusos: há sempre fatores que convergem para que se

implemente. Como leciona Celso Furtado:

Os Estados Unidos se diferenciam de qualquer outra nação moderna pelo fato de sua formação histórica ter se realizado em condições ideais de segurança externa. Até meados do século XX, afirma um dos mais lúcidos analistas da política externa dos Estados Unidos [George Kennan], os norte-americanos tinham um sentido de segurança face ao mundo exterior que nenhum outro povo havia experimentado desde a época dos romanos. (FURTADO, 2003, p. 14).

Essa segurança, combinada com uma educação protestantista dos colonos fundadores

(que já eram pequenos comerciantes, quando aportaram em solo americano, advindos, de

regra, da Grã-Bretanha) favoreceu a cultura da livre iniciativa e da criatividade. Isto é, o tino

empresarial já era elemento de sobrevivência desde os primeiros colonizadores.

Com algumas gerações passadas, o séc. XVIII foi consolidando pequenos

empreendimentos, criando as veredas para o capitalismo de face mais dinâmica, que somente

despertaria no século XIX. E tal século terminara como o período de nascimento de grandes

gênios empresariais, que inscreveram, para sempre, seus nomes como canalizadores de ideias

revolucionárias. As personalidades de John Pierpont Morgan, Andrew Carnegie, John

Rockfeller e Henry Ford, por exemplo, foram decisivas. (TEDLOW, 2012, p.204-239).

Morgan, filho de um banqueiro que vendia ações de ferrovias, engendrou uma fusão

entre empresas ferroviárias, convertendo-se em rico financista (proprietário da J.P. Morgan &

Sons, hoje Morgan Stanley). Andrew Carnegie, que começou como funcionário de uma

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empresa telefônica, ascendeu à presidência da Pennsylvania Railroad, e então, diversificando

o negócio, para começar a comprar e a elaborar a própria matéria-prima utilizada nas

ferrovias, tornou-se magnata do aço (Carnegie Steel).

John Davison Rockfeller, que iniciou a carreira como guarda-livros em Cleveland,

adquiriu sua primeira refinaria de petróleo em 1862, daí em diante, com uma argúcia

comercial incomum, chegou a monopolizar o mercado de petróleo na década de 1890, com a

Standart Oil Company (ancestral da hoje Exxon-Mobil). Foi também criador do Banco Chase

Manhattan.

Henry Ford, com descomunal capacidade inventiva, tornou-se dono de 161 patentes

de criações. Revolucionou a ciência da administração, tendo criado o modelo de linhas de

produção em série. Além do que, praticamente, recriou a indústria de transportes, através do

primeiro automóvel (Ford T). Aliás, não apenas Ford, mas milhares de outros inventores

foram acelerando a embrionária história do século XX. Geoffrey Blainey (2008, p. 36)

enumera as invenções dos fins do séc. XIX:

Surgiram, nos Estados Unidos, após 1850, a central de energia elétrica, as redes de transmissão de eletricidade, o gramofone, o telefone, a câmera e o filme de celulóide baratos, o arranha-céu construído com aço, o elevador, as técnicas de extração e refino do petróleo, o avião, o incrível metal leve chamado alumínio. Da Europa Continental vieram, no mesmo período, a transmissão por ondas de rádio, o raio X, explosivos capazes de destruir rochas, o motor de combustão interna, vários tipos de rifles e metralhadoras, além de uma série de melhorias em máquinas, dispositivos e fórmulas que já existiam.

Foi com o financiamento desses e de outros empreendedores que se desencadeou

essa torrente de invenções. Com elas, os custos se diluíram na produção em série, reduzindo

os preços. Os volumes de fabricação multiplicaram-se por vinte, as redes de ferrovias e de

telégrafo se expandiram, os meios de transporte e comunicação rápidos e confiáveis

começaram a trazer matérias-primas de todo o território nacional e a levar produtos

manufaturados.

De maneira gradual, a originalidade e o poder de investimento daqueles homens

referidos foi lhes recompensando com poderio econômico e, como consequência direta,

representatividade política. Suas empresas se tornaram gigantes, porém, num mercado que

crescia às cegas, sem exigir responsabilidade social alguma, muitas vezes burlando as

legislações vigentes, sem qualquer represália.

A propósito, essa omissão é governamental, visto que, à época, a democracia era

demais incipiente, para permitir que houvesse consciência cidadã a respeito da

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responsabilidade das empresas. Ora, os indivíduos dos fins do séc. XIX, início do séc. XX,

mal sabiam sua própria responsabilidade, quando inseridos no sistema social e político, ou sua

importância, no sistema econômico. Como mostra Geoffrey Blainey (2008, p. 45):

A democracia, ainda que vigorosa, era uma criança. A maioria das pessoas no mundo não podia votar. Nove entre dez adultos jamais haviam votado em uma eleição. Embora o regime democrata estivesse progredindo na Europa, mais ou menos florescendo em lugares como a França, a Grã-Bretanha, a Escandinávia e a Suíça, não podia ser considerado completo pelos padrões atuais. Na Europa, que parecia ser a provável rival da América do Norte como lar da democracia, quase todos os homens com mais de 21 anos, bem como as mulheres, ainda não tinham direito ao voto.

Assim, houve, por certo, um considerável nível de prosperidade financeira, ao

mesmo tempo em que, em processo concomitante, como consequência da industrialização

aquecida, brotaram deste cenário práticas desumanas, como por exemplo, a exploração do

trabalho feminino e infantil, as condições inseguras de trabalho, moradia, um ambiente laboral

inóspito e, particularmente, houve monopolização de parcelas do mercado, como se disse em

relação a John D. Rockfeller.

Nesse período, centenas de milhares de pessoas migraram das fazendas para as

fábricas. De 1870 a 1920, a população das cidades tornou-se dez vezes maior. Da mesma

forma como a Revolução Industrial inglesa (HOBSBAWN, 2011), a industrialização

americana se aperfeiçoou, todavia, trazendo consigo as contradições inerentes ao capitalismo.

A diferença é que os Estados Unidos não tardaram a começaram a vasculhar o globo em

busca de mercados, por já conhecer o modelo inglês, alguns anos anterior. Nesse instante

histórico, adentra o léxico político e comercial mundial o termo “imperialismo”.

Cumpre o ressalto que o economista inglês J. A. Hobson previu que o desfecho desse

processo seria a guerra, em conta de que não haveria mercado suficiente para tantas vendas.

Mesmo o mundo inteiro não seria o bastante, para todas as economias que extrapolavam seus

limites nacionais, o que se percebe, inclusive, pelas empresas fundadas nesse momento. Antes

do início da I Guerra Mundial, a indústria americana consolidara iniciativas gigantes, v.g.,

Kodak, Johnson & Johnson, Coca-cola, Avon, Goodyear, Ford, IBM, Time Warner, Boeing

etc.

Os maremotos consequenciais no contexto social, político e econômico são

esperados, porem não se sabe ao certo, até o momento em que realmente se manifestam, quais

rumos seguirão. Diante desta mensagem, como se depreende, a miséria urbana, os salários

irrisórios, as longas jornadas, a exploração do trabalho, o agravamento da desigualdade, a

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decadência das pequenas cidades, o maciço êxodo rural, começaram a exigir atitudes dos

governos, visto que poucos empresários se preocupavam com filantropia. (SARMENTO,

2008).

Theodor Roosevelt (presidente americano de 1901-1909) chegou a execrar as

corporações gigantes como “malfeitores de grande riqueza”. Com a insustentabilidade da

situação, começaram a se desmembrar os grandes grupos econômicos, em unidades menores,

especialmente através do Judiciário.

Em 1909, Herbert Croly, jovem político e estudioso, propõe em seu livro The

Promisse of American Life, a regulação das empresas. Surgem as primeiras agências

reguladoras: Interstate Commerce Comission (ICC); Civil Aeronautics Board; Federal

Comunications Comission; Federal Power Comission; Securities and Exchange Comission;

Farm Bureau; Federal Marine Comission etc.

Merece destaque, nesta oportunidade, uma contribuição alemã (HOFMEISTER,

2005) que culminou no surgimento do que se convencionou chamar Sociologia do

Conhecimento (Wissenssoziologie), que trata das relações entre o pensamento humano e o

contexto social dentro do qual surge, representando o foco sociológico da determinação

existencial (Seinsgebundenheit) e sendo fundamental para analisar a construção social da

realidade, respeitando, desta forma, a relatividade presente nas mais diferentes culturas.

(BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 14-15).

3 O PAPEL DA REGULAÇÃO ECONÔMICA – NECESSIDADE OU UTILIDADE

Com a regulação da economia, antes uma forma de trazer eficiência e de controlar os

monopólios que poderiam se formar em cada setor, do que um meio de trazer prejuízo às

empresas, as estatísticas continuaram crescendo. Logicamente, houve pequenas depressões

econômicas, todavia nenhum abalo ao rumo triunfante de ascensão das companhias que

haviam se formado.

A essa altura, os Executivos das empresas começaram a ganhar notoriedade, um

apelo público tão forte que começaram a se considerar estadistas empresariais. Quando,

então, na Europa, a partir de acontecimentos localizados, sucede a Primeira Guerra Mundial,

que na análise de Geoffrey Blainey:

A Primeira Guerra Mundial, o evento mais significativo do século, não foi apenas traumática enquanto durou, mas também teve efeitos profundos. Ajudou a

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impulsionar a Revolução Russa e configurou-se como uma das causas da depressão financeira dos anos 1930, o maior baque econômico na história até então. Esse evento, direita e indiretamente, estimulou a ascensão de Hitler e da Alemanha nazista e ajudou a provocar a Segunda Grande Guerra. Acabou com o apogeu da Europa Ocidental e seu domínio mundial. Também acelerou a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética. (BLAINEY, 2008, p. 51).

O conflito, desse modo, longe de ser negativo para os Estados Unidos, representou

enfraquecimento para a Europa, inclusive com enorme perda populacional, fazendo com que

o centro das finanças mundiais se estabelecesse, definitivamente, nos Estados Unidos, saindo

de Londres a ainda inexperiente Nova Iorque.

Depois de uma década de constante crescimento (1918-1928), o chamado american

way of life sucumbiu à crise de 1929. Um grave encilhamento econômico, que quebrara a

normalidade das negociações na Bolsa de Valores de Nova Iorque, fazendo com que, de um

momento para outro, todos os acionistas estivessem dispostos a vender e não havia mais

compras. Centenas de empresas faliram.

Não obstante, o governo de Franklin Delano Roosevelt (presidente americano de

1933-1945), adotando as políticas econômicas ditadas por John Maynard Keynes, envidou

sequências de gastos públicos (New Deal), que finalmente soergueram a economia.

(HOBSBAWN, 2008). Nesse momento histórico, o Brasil, que poderia ter se aproveitado para

despontar como potência mundial, recuara. No dizer de Geoffrey Blainey (2008, p. 121-122):

No início do século 20, o Brasil era considerado um gigante adormecido que um dia poderia despertar. Abrangendo quase a metade do território da América do Sul e abrigando praticamente a metade de sua população, o país possuía as maiores áreas do mundo com seringueiras – uma commodity vital às vésperas da era dos automóveis – e também era o principal fornecedor de diamantes, até o surgimento do garimpo de Kimberley, na África do Sul. Com a denominação oficial de Estados Unidos do Brasil, era rico em recursos, mas geralmente incapaz de explorá-los. (...) Quando a guerra mundial irrompeu, em 1914, os países independentes da América do Sul nada fizeram. (...) Pouco ameaçadas pela guerra, a América do Sul não conseguiu escapar da depressão mundial, que foi, de fato, um evento global.

Apesar do que, nesse período, coincidiu o desenvolvimento da América Latina,

impulsionado pela substituição de importações, decorrente da crise de 1929 (FURTADO,

2003, p. 95). Com a recuperação econômica revitalizando os índices das Bolsas de Valores, os

Estados Unidos se preparavam, agora, para financiar novo conflito mundial: a Segunda

Guerra. E o empreendimento, de novo, fora bem-sucedido. Na ótica de Celso Furtado:

(...) provocou o surgimento de uma potência em condições de pretender exercer a hegemonia no continente euro-asiático, isto é, engendrou aquilo contra o qual a Inglaterra e os Estados Unidos haviam lutado nas duas grandes guerras. Explica-se, assim, que ao conflito militar, em sua fase inicial, se haja sobreposto um conflito político entre os principais aliados: ingleses e americanos, até então ligados aos

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russos, estavam preocupados em garantir posições estratégicas que permitissem “conter”, no futuro, o poder soviético. (...) O mundo do pós-guerra nasceu, portanto, marcado por uma divergência fundamental entre as duas superpotências quanto à forma de se autolimitarem no exercício do próprio poder para viabilizar a convivência internacional. (FURTADO, 2003, p. 17).

A revista Fortune, de 1953, anunciava, com estardalhaço peculiar: “as imensas

empresas de capital aberto se tornaram o fenômeno mais importante do capitalismo”. Referia-

se aos lucros astronômicos que tais empresas auferiram, como saldo dos pós-guerras. No

início de 1960, inicia-se abertamente o que Celso Furtado expôs como conflito político já

anunciado desde a Segunda Guerra, a Guerra Fria, entre EUA e URSS.

Neste período, os Estados Unidos eram responsáveis por 60% da produção dos 7

maiores países capitalistas. O que equivale dizer, quase 60% de toda a produção mundial. Mas

a União Soviética, com influência sobre todas as economias próximas, fortaleceu-se a ponto

de brigar em condições semelhantes. A partir da década de 1960, com os primeiros impulsos

da Guerra sem trincheiras com a União Soviética, a economia norte-americana determinou-se

a mostrar resultados, a exercer sua força, interna e externamente.

Os salários e benefícios da força de trabalho passaram a aumentar cerca de 3% a cada

ano, numa crescente até os fins da década de 1970. A renda das famílias dobrou em 15 anos,

quando mais da metade delas se enquadravam, agora, numa classe média. Destacava-se, nesse

mesmo período, a força dos sindicatos, que podiam negociar com altivez com os empresários.

Com tais desdobramentos da economia, o governo mantinha, em paralelo, uma

preocupação oficial dos Estados Unidos da América com a União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, que servia de justificativa para investimentos públicos em grande escala. Dwight

Eisenhower (presidente americano de 1953 a 1961), por exemplo, sob pretexto da defesa

nacional, criou leis de educação, interligou as estradas do país inteiro e estimulou a

produtividade de vários setores estratégicos, como a comunicação e o comércio.

A indústria bélica e aeroespacial pesquisou produtos que, posteriormente, teriam

aplicação em diversos ramos. A política externa americana criou oportunidades para as

maiores empresas, em todo o mundo. A Central Intelligence Agency (CIA), coincidentemente,

descobria complôs comunistas nas regiões em que os oligopólios empresariais desejavam

garantir seu abastecimento de recursos naturais e de mercados.

As maiores empresas planejavam e executavam a produção, fixavam preços e

distribuíam os lucros entre reinvestimentos, executivos e trabalhadores. As agências

reguladoras estabeleciam serviços quase uniformes ao mercado. O governo tributava com

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elevadas alíquotas as pessoas e empresas mais ricas, destinando os recursos à Guerra Fria.

Enquanto isso, o nacionalismo se exacerbava, numa suposta e constante luta contra o inimigo

(considerado exótico, por conta da ideologia contrária adotada). Eis a razão desse período da

história estadunidense ser considerado o apogeu de seu capitalismo democrático.

Subjacentes, no entanto, preocupantes questões sociais, como o racismo, a exclusão

feminina, o compassado declínio moral da sociedade (COMTE-SPONVILLE, 2011), na

medida em que cada individuo participa de um sistema econômico no qual uns justificam e

outros condenam em nome de conceitos éticos, o fim das pequenas comunidades locais e o

início da invasão econômica na política, fizeram com que autores como Robert Reich não

denominem o período como Era de Ouro, mas sim “era de ouro não tão dourada”. (REICH,

2008, p. 28-88). Contudo, o que “não é tão dourado” para os americanos poderia ser o paraíso,

no caso brasileiro, quando se traça um brusco paralelo do período, trazendo à tona a realidade

de nosso país. Letícia Bicalho Canêdo informa o que se vivia, no Brasil, na mesma época:

O regime militar, em meio a toda sorte de casuísmos (abolição dos partidos existentes nos anos 50, com permissão somente para dois novos atuarem, eleições presidenciais e para governadores transformadas em indiretas, fechamento do Congresso em duas ocasiões, entre outros), se sustentou com base nas eleições proporcionais, que não foram suspensas. (...) A instituição eleitoral estando já bem estabelecida, o voto pôde servir como garantia à legitimidade do regime. (CANÊDO, 2003, p. 40).

A instabilidade econômica (inflação, principalmente) vivenciada no curto governo

Jânio Quadros (1960-1961) e, posteriormente, a esquerda nacional representada pelo

tumultuado governo João Goulart (1961-1964) compuseram o quadro que permitiu o acesso

dos militares ao poder. Em plano arquitetado pelo então Ministro da Fazenda Antonio Delfim

Netto, desde o governo Costa e Silva (1967-1969) até o governo Emílio Garrastazu Médici

(1969-1974), o Brasil permitiu investimentos estrangeiros no país, abrindo-se à

industrialização definitiva e à financeirização de seus capitais, no mercado global.

O processo ficou conhecido como o milagre econômico brasileiro. Portanto, um

típico modelo de capitalismo autoritário, mas que, curiosamente, fora em grande parte

financiada pela diplomacia e pelas empresas americanas, todos no auge do capitalismo

democrático. Não passava de um plano de dominação.

Tratar desse contexto, de ocaso da democracia em correspondência à ascensão do

capital financeiro, é, por si, algo tênue e impalpável a olhos desatentos. Quanto mais quando

se inclina à análise dessa oclusão nas democracias vertidas em economias periféricas. Tem-se,

empiricamente, de constatar que algumas afirmações quanto à investida da economia sobre os

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procedimentos democráticos, como as eleições de tais ou quais candidatos, ou a vitória deste

ou daquele partido político, merecem ressalvas. (DINIZ, 2004).

As reservas posicionam, justamente, esses eventos como exógenos, na realidade

econômica e democrática do Terceiro Mundo (Sul global). Ou seja, a captura da democracia é

perpetrada não por elites econômicas nacionais, mas, em praticamente todos os casos, por

empresas transnacionais. Isto porque o próprio sistema capitalista interno é subjugado, não

portando vontades e investimentos absolutamente independentes dos sistemas capitalistas do

Norte global. Guillermo O’Donnell, constatando a espécie de sociedade capitalista gerada em

países feito o Brasil e a Argentina aponta:

Disto resultou uma sociedade capitalista cujas características a definem como um original produto histórico. É um capitalismo dependente, porque o seu funcionamento “normal” entranha um decisivo papel do capital transnacional e porque a acumulação no seu mercado não se encerra aí, sendo uma torneira aberta para os grandes centros do capitalismo mundial. Resultou daí uma estrutura de produção (e uma sociedade) profundamente transnacionalizada. Não se trata apenas de que muitos dos seus atores econômicos mais dinâmicos e rentáveis sejam filiais de Empresas Transnacionais. O processo que levou a esta introjeção do capital transnacional como produtor direto em e para os seus mercados foi um fenômeno típico de recriação, destruição e subordinação do conjunto da sociedade, em vários sentidos. (O’DONNELL, 1990, p. 36).

Em tais fronteiras, onde o próprio capitalismo não aparece como genuíno produto

do desenvolvimento nacional, porém, existe do modo como é liderado e emanado de poucos

centros de poder, sobra pouquíssimo campo a discorrer sobre ataques econômicos internos a

democracias do Sul global. Paulo Bonavides, em forma de questionamento, acusa:

Desnacionalizada a economia, privatizados os seus conglomerados empresariais de porte mais gigantesco, desconstitucionalizada a ordem jurídica, tudo isso em meio às crises [constituinte e de unidade nacional], que espécie de soberania interna ou externa restaria ao Estado brasileiro na sociedade globalizada do século XXI? (BONAVIDES, 2004, p. 55).

Dessa maneira, os grilhões que amarram as democracias do Sul global são ainda

mais fortes que aqueles que aprisionam as de economias desenvolvidas. Nestas, basta a

tomada de consciência da personalidade cidadã, o desenvolvimento de uma eticidade no

consumo e no investimento, que o problema já resta resolvido. Naquelas, ao contrário, a

cidadania e todo o discurso público têm primeiro de tentar se alforriar das economias centrais.

É pessimista o quadro, para Paulo Bonavides:

Não padece dúvida que o mundo ingressou numa sociedade feudalizada, onde haverá, outra vez – agora em nível de nações – , soberanos e vassalos. (...) Não se vislumbra saída para essa metamorfose do capitalismo na sua feição globalizadora; ela aflige e revoga o constitucionalismo social dos países periféricos, cujas

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economias debilitadas se arredam cada vez mais da concretização de suas metas emancipatórias, ao mesmo passo que se arrastam na estagnação e decadência. (BONAVIDES, 2004, p. 56).

Na mesma órbita de indagação, Celso Furtado:

Além do mais, existe a questão da autonomia e da coerência do sistema de decisões econômicas. Se umas poucas dezenas de grupos estrangeiros controlam, por suas filiais, grande parte do setor moderno da economia do país, que grau de autonomia corresponde aos centros nacionais de decisão? (FURTADO, 2003, p. 209).

Com todo o exposto, urge que as questões do dia-a-dia, que raramente são

conectadas a esses raciocínios macropolíticos e macroeconômicos, pela maioria da população,

sejam, finalmente, entendidas, por esse mesmo público. A massa popular prefere achar que os

empresários são imorais ou malvados, ou, mesmo, que os políticos são pessoas sem

escrúpulos, todos são corruptos e levianos, em vez de interpretar, corretamente, que é seu

próprio dinheiro (o dinheiro de todos nós), enquanto investidor, que está sendo posto no jogo

político. (HARVEY, 2012, p.163-187). E essa posição que o dinheiro toma é, precisamente,

para render maiores lucros para nós mesmos, num futuro de um rendimento qualquer.

(BURDEAU, 2005).

Entretanto, compreendendo a situação, passa-se a um segundo passo: não aceitar

mais que aconteça. O capital deve ser direcionado a investimentos responsáveis, assim

chamados por respeitar a condição democrática e livre da sociedade, além de respeitar uma

série de outros postulados, como o meio ambiente. Esse direcionamento é dado pelo dono da

reserva financeira, alguém que é – também e necessariamente – cidadão. Em suma, as vozes

dos indivíduos, enquanto cidadãos, por escolha deles próprios – tomando consciência e

vencendo a conjuntura em que são inseridos – deve erguer-se acima das pressões por lucro,

que as suas máscaras de investidores e consumidores querem forçar.

CONCLUSÃO

Não de repente, o neoliberalismo, um conjunto de práticas econômicas que preza a

desregulamentação estatal, espalhou-se pelo mundo inteiro (fenômeno da globalização), como

novo discurso hegemônico do capitalismo. Depois, a tecnologia, a todo instante mais

avançada, dispôs-se a serviço dessa mudança. Na junção, o antigo capitalismo (desafiável

pelo socialismo, por exemplo) tornou-se um supercapitalismo, que até agora parece

invencível, dentre outras razoes, porque ultra-adaptável.

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Entretanto, esse supercapitalismo alastrou-se também pela democracia, submergindo

os procedimentos da participação cidadã, em nome de mandamentos escritos pelas grandes

empresas. Nesse instante, iniciam-se inúmeros dilemas, especialmente o de compreender que

a metade consumidora e investidora, que sustenta o novo capitalismo, se inteira com outra

metade, cidadã e preocupada com os rumos tomados pelas leis e pela democracia.

(CREVELD, 2004).

O exame realizado a partir desta breve pesquisa buscou, através de certos parâmetros

doutrinários, criticar a condução irresponsável do modelo neocapitalista, indicando que a

cidadania ativa deve tomar a dianteira do processo político e econômico mundial, em prol de

uma ética no consumo e nos investimentos e, para além, em prol de uma ética na inauguração

de espaços públicos constantes de discussão democrática, posicionando cada sistema em seu

lugar: a economia junto aos consumidores responsáveis e a política próxima dos cidadãos

comprometidos.

Essa dualidade na participação, enquanto capitalistas e cidadãos de uma democracia

ao mesmo tempo, precisa, inicialmente, ser compreendida por toda a sociedade, para, só

então, decidir-se qual dos lados deve predominar. Nestas laudas defendeu-se que a

democracia é que deve pautar o capitalismo. Nas raias da vida real tem-se o inverso.

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CONCEITO HISTÓRICO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

ECONOMIC DEVELOPMENT: THE HISTORICAL CONCEPT IN THE

BRAZILIAN CONSTITUTION Hertha Urquiza Baracho

Thiago A. Fauvrelle

Resumo O presente trabalho se propõe a discutir o conceito de desenvolvimento econômico presente na legislação pátria, a partir de uma análise das teorias e dos acontecimentos históricos que o embasaram. Toma-se como metodologia a pesquisa de natureza analítico-descritiva. Inicialmente é feita, através de um enfoque interdisciplinar, uma conceituação do termo, bem como a sua diferenciação do conceito de crescimento econômico. Adiante é apresentado o surgimento da preocupação com o desenvolvimento no plano constitucional brasileiro, em face dos eventos históricos que o acompanharam. Em seguida, é desenvolvida a análise da temática do desenvolvimento nas principais correntes teóricas que influenciaram o legislador brasileiro, mormente a keynesiana, estruturalista e liberal recente. Ao termino são expressas algumas notas conclusivas sobre o trabalho. Palavras-chave: Desenvolvimento; Constitucionalismo; Pensamento econômico

Abstract

This paper proposes a discussion about the concept of economic development in the Brazilian law based on an analysis of the theories and historical events that influenced this concept. This research has a descriptive-analytical nature. Initially there is an interdisciplinary concept of development differentiating it from economic growth. Below is presented the emergence of that concept in the Brazilians constitutions history with a description of the historical events that followed this emergence. After this article analyses the development idea in major theoretical currents that influenced the Brazilian legislature. To achieve this goal, the paper presents the keynesian, struturalist and liberal development visions that influences the Brazilian legislator. Finally there are some conclusive notes about the study. Keywords: Development; Constitucionalism; Economic thought 1. Introdução

Cada sociedade possui um ideal máximo o qual persegue ao longo de sua história. Os

norte-americanos, por exemplo, têm na liberdade o seu pilar maior. Já os franceses pautam-se

na pugna pela igualdade. No caso brasileiro, a temática do desenvolvimento é a que possui

maior relevo. Tanto é que a própria bandeira nacional exibe o mote positivista “Ordem e

Progresso”1 desde a sua proclamação.

A procura por melhores formas de concretizar as suas virtualidades e potencialidades

é frequente em diversas outras formas de expressão social do país. O preâmbulo da atual

Constituição brasileira aduz que o Estado democrático, por ela instituído, está destinado a

assegurar, dentre outros fins, o desenvolvimento. O artigo 3º do texto constitucional, ao

definir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, explicita em seu inciso

1 Texto presente na bandeira nacional desde a sua adoção em 1889. Resume o mote do positivismo “L'amour pour principe, l'ordre pour base et le progrès pour but”, ideologia largamente difundida quando da proclamação da república brasileira.

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2º a busca pelo desenvolvimento, sendo também seus outros incisos voltados à temática do

desenvolvimento (erradicação da pobreza, das desigualdades, promoção do bem de todos

etc.). Entretanto, os desafios por ele enfrentados são de extraordinária grandeza. Além dos

impasses externos típicos de um país periférico no sistema capitalista global, o Brasil é um

país internamente desigual. A concentração de renda em uma minoria da população, embora

seja característica dos países subdesenvolvidos, no quadro brasileiro, é agravada por uma

desigual distribuição espacial da riqueza. Esse quadro se perpetua há séculos na sociedade

brasileira.

Nesse sentido, o presente artigo se propõe a discutir o conceito de desenvolvimento

econômico presente na legislação pátria, sob o prisma de uma análise das principais teorias

econômicas e dos acontecimentos históricos que o embasaram. Em verdade, nas ciências

sociais a análise interdisciplinar é imperiosa, justificando, assim, a necessidade da abordagem

das teorias econômicas. No mais, trata-se o desenvolvimento econômico de um fenômeno

histórico, somente compreensível, a partir acontecimentos históricos que o acompanharam.

2. Conceituação

O vocábulo desenvolvimento remete à ideia de transformação, crescimento, progresso;

evolução de um status quo ante para uma nova realidade, um estado novo caracterizado por

ser qualitativamente, e não apenas quantitativamente, superior ao anterior. Nesse sentido, tal

termo se faz presente em diversas áreas do conhecimento humano. Nas ciências biológicas,

essa palavra pode estar associada à passagem gradual, protagonizada por um determinado ser

vivo, de um estado inferior para um estado mais aperfeiçoado, no qual ele esteja dotado de

melhores condições de sobrevivência. Nas ciências exatas, a palavra desenvolvimento pode

estar relacionada ao desenrolar natural de uma determinada reação física. Já nas ciências

sociais, como é o caso da Economia, o termo desenvolvimento encontra-se, em geral,

associado ao desenvolvimento humano; o processo no qual a sociedade humana busca melhor

realizar as suas virtualidades e potencialidades (FURTADO, 1981). Nesse sentido, em 1776

lecionava o pai da Ciência Econômica: Talvez mereça ser observado que a condição dos trabalhadores pobres parece ser a mais feliz e a mais tranquila no estado de progresso, em que a sociedade avança para maior riqueza, e não no estado em que já conseguiu sua plena riqueza. A condição dos trabalhadores é dura na situação estacionária e miserável quando há declínio econômico da nação. O estado de progresso é, na realidade, o estado desejável e favorável para todas as classes sociais, ao passo que a situação estacionária é a inércia, e o estado de declínio é a melancolia. (SMITH, 1996: p. 131)

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Na busca pela melhor satisfação de suas necessidades, os homens se aglomeram com

os seus semelhantes, formando as sociedades. Entretanto, a produção material – criação de

bens e serviços (alimentos, vestimentas, alojamentos etc.) – é vital à própria existência

humana. Nas sociedades, tão importante quanto a produção é a distribuição. A forma como a

sociedade produz e distribui os bens e serviços que lhe são necessários denomina-se estrutura

econômica. A estrutura econômica é o fundamento sobre o qual se erguem as demais

estruturas de uma sociedade, como a política, a cultura, a religião e até mesmo a ciência.

Assim, em uma comunidade, a vida social é determinada em última instância2 pela sua

estrutura econômica (MARX, 1859). Dessa forma, o desenvolvimento de uma sociedade está

intimamente relacionado ao desenvolvimento de sua economia.

O nível de produção de uma sociedade depende, basicamente, do estoque disponível

de fatores (capital e trabalho), e da forma como eles são combinados, a qual é definida em

razão do padrão tecnológico disponível. Desse modo, o produto de uma sociedade deverá

variar somente em caso de alteração no estoque dos fatores, ou se houver alguma mudança

tecnológica ocasionadora de uma variação na produtividade destes. Existindo uma elevação

sustentada no estoque dos fatores (ex.: uma acumulação sistemática de capital, ou de um

crescimento da população economicamente ativa), ou um aumento de produtividade (como

seria o caso da incorporação de um avanço tecnológico) deverá ocorrer um aumento no

produto social. A produção, tão vital para a sociedade, deverá crescer, tipificando, assim,

crescimento econômico. Entretanto, caso esse aumento no produto tenha repercussões

nefastas na organização da produção (v.g. seja fruto de um processo de escravização) ou se tal

acréscimo for distribuído de maneira fortemente desigual pela sociedade, tal comunidade terá

vivenciado um processo de crescimento econômico, mas ela não terá se desenvolvido. Pois,

embora o seu produto tenha aumentado, o bem-estar da sociedade não aumentou. Nesse

contexto, a busca da sociedade por melhores formas de realização de suas potencialidades e

virtualidades foi frustrada, fugindo da tipificação de desenvolvimento (FAUVRELLE e

TARGINO, 2011). Nesse sentido Amartya Sen: “o crescimento econômico não pode

sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar

relacionado sobretudo com a melhoria da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos”

(SEN, 2000, p. 29).

2 Não se quer com isso postular um determinismo econômico, visto que as demais esferas da estrutura social, mormente a político-jurídica e a ideológica, exercem influência também sobre a organização econômica da sociedade.

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Nesses termos, pode-se apresentar a seguinte definição de desenvolvimento

econômico: O desenvolvimento econômico é o processo de sistemática acumulação de capital e de incorporação do progresso técnico ao trabalho e ao capital que leva ao aumento sustentado da produtividade ou da renda por habitante e, em conseqüência, dos salários e dos padrões de bem-estar de uma determinada sociedade. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 1)

Dessa forma, entende-se desenvolvimento econômico como sendo a evolução de uma

sociedade em busca de melhores condições de realizar as suas potencialidade e virtualidades,

garantindo, assim, a melhora dos seus padrões de bem-estar.

3. O surgimento do desenvolvimento nas Constituições brasileiras

Embora esteja presente, implicitamente, em praticamente todas as constituições

brasileiras, posta a sanha de seu povo por melhores condições de vida, a temática do

desenvolvimento apenas foi elevada ao nível constitucional, de forma explicita, a partir da

Constituição de 1967. Em seu artigo 157, inciso V, tal texto constitucional prescrevia o

desenvolvimento econômico como um dos caminhos para se chegar à justiça social

(TAVARES, 2006). Isso se deve, em parte, aos fatos que aconteciam naquele tempo e à

evolução das ideias econômicas.

O fim da segunda guerra mundial marcou o inicio de uma nova era para as sociedades

do globo. Estima-se que naquele tempo cerca de 2/3 da população mundial vivia em

condições precárias de existência. Nas décadas seguintes a 1945, a geopolítica mundial

passou por grandes transformações. Diversas nações, aproveitando a fragilidade do pós-guerra

em suas metrópoles, declararam independência, como foi o caso de diversas nações africanas.

O mundo estava dividido entre o bloco socialista, liderado pela URSS, e o capitalista,

capitaneado pelos EUA. O grupo socialista vinha mostrando que, através da economia

planificada, era possível superar o subdesenvolvimento de alguns países que aderiram ao

bloco (MYRDAL, 1955). De outro lado, a revolução na teoria econômica, promovida por

Keynes décadas antes, ao romper com o liberalismo clássico, havia demonstrado a capacidade

do estado capitalista de transformar essa realidade.

Nesse cenário de guerra fria e crescente visibilidade das disparidades entre as nações,

diversos estudiosos centraram-se na problemática do desenvolvimento econômico. Termos

que, aliados aos movimentos políticos da época, fizeram positivar essa temática no corpo

constitucional brasileiro. O texto político brasileiro de 1967 fundamenta o regime militar que

aqui se implantou. Tal movimento representa a escolha, pelo Brasil, do modelo proposto

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pelos EUA, qual seja, o do capitalismo de Estado. No mais, seria internalização do artigo

primeiro do Pacto internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais firmado

em 1966, que assim preceituava “Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em

virtude deste direito estabelecem livremente a sua condição política e, desse modo,

providenciam o seu desenvolvimento econômico, social e cultural.” (TAVARES, 2006, p.

134). Assim a presença do termo desenvolvimento e sua delegação ao estado restam

justificadas.

Ainda que se trate da lei maior de uma nação, não se pode interpretar uma norma sem

a compreensão das políticas que elas visam, nem das teorias que fundamentaram essas

políticas, assim como não se pode compreender uma política sem o estudo prévio da lei que a

normatiza. Nesse sentido, lei e teoria se entrelaçam de forma que para o melhor estudo de

uma, a análise da outra se torna imprescindível. Daí a necessidade de o presente texto passar a

analisar as principais correntes econômicas que influenciaram o conceito de desenvolvimento

presente na Constituição brasileira.

4. Revolução keynesiana e a intervenção estatal no domínio econômico

Embora a discussão do papel do governo na economia seja longa, com John Maynard

Keynes ela ganhou grande relevância. A grande crise de 1929 colocou a economia de livre

mercado, defendida pelos clássicos e neoclássicos e vigorante até então, em xeque. A mais

refinada teoria econômica da época, a dos neoclássicos, não continha explicações para a

estagnação econômica que assolou o mundo capitalista naquele tempo. Nesse cenário, Keynes

publicou a sua Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. Tal obra busca explicar o

fenômeno do desemprego e encontrar uma saída para o capitalismo daquele tempo voltar a

crescer. Embora concorde com pontos da teoria neoclássica, Keynes diverge desta em

aspectos cruciais, como quanto ao papel do governo na economia, à função estratégica da

demanda efetiva, ao estabelecimento do pleno emprego, o papel da moeda, etc.

Defendiam os neoclássicos que o mercado, por si só, se autorregulava. De forma que

qualquer interferência do governo poderia vir a desequilibrar o funcionamento do mecanismo

de preços, o que não seria benéfico à economia. Talvez devido a resquícios da lei de Say (“a

oferta cria a sua própria demanda”), os neoclássicos focavam seus estudos sobre o

funcionamento de uma economia pelo lado da oferta, afinal era desse lado que estava a

produção, reduzindo a demanda a um papel secundário. O pleno emprego, em uma economia

sem intervenções seria naturalmente encontrado pelo mercado de trabalho (KEYNES, 1973).

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Keynes conhecia bem tais fundamentos, afinal fora discípulo de Alfred Marshall (um dos

maiores expoentes da escola neoclássica) no King's college de Cambridge (GALBRAITH,

1986). Contudo divergiu frontalmente deles. Além de discordar quanto à neutralidade da

moeda (para Keynes a moeda teria um papel ativo na economia, sendo assim, a política

monetária eficaz), defendia que o ciclo econômico, longe de se autorregular, era marcado pelo

“espirito animal” dos empresários. Em verdade, nesse sentido Keynes chega a chocar-se com

alguns dos princípios básicos da economia liberal formulados por Smith, como o do laissez-

faire. Como ele mesmo preceitua: Esclareçamos desde o início os princípios metafísicos ou gerais sobre os quais, de tempos em tempos, se fundamentou o laissez-faire. Não é verdade que os indivíduos possuem uma “liberdade natural” prescritiva em suas atividades econômicas. Não existe um contrato que confira direitos perpétuos aos que têm ou aos que adquirem. O mundo não é governado do alto de forma que o interesse particular e o social sempre coincidam. Não é administrado aqui embaixo para que na prática eles coincidam. Não constitui uma dedução correta dos princípios da Economia que o auto interesse esclarecido sempre atua a favor do interesse público. Nem é verdade que o auto interesse seja geralmente esclarecido; mais frequentemente, os indivíduos que agem separadamente na promoção de seus próprios objetivos são excessivamente ignorantes ou fracos até para atingi-los. (KEYNES, apud FONSECA, 2010, p. 430)

O nível de produção de uma economia estaria associado às expectativas dos

empresários sobre o futuro (mais especificamente, sobre a demanda que encontrariam para

seus produtos ao final do processo produtivo). Como o futuro é incerto, a economia é

naturalmente instável. Ocorre que o “espirito animal” (logo irracional) sozinho seria

unicamente capaz de agravar um quadro de desequilíbrio econômico. Supondo um cenário de

crise (desemprego em alta, produto nacional caindo etc.) os empresários teriam as suas

expectativas sobre o futuro abaladas, acreditariam que a situação somente tenderia a se

agravar e consequentemente contratariam e produziriam menos, de modo a formar um ciclo

vicioso. Visando impedir esse processo, o governo deveria ter um papel ativo na economia.

Em um cenário de crise, ele deveria buscar sustentar a demanda agregada, fazendo com que

os empresários invertessem as suas perspectivas sobre o futuro. Para tanto deveria intervir no

mercado, por exemplo, via política fiscal (SZMRECSÁNYI et al, 1978).

Uma ilustração de política fiscal seria um aumento dos gastos públicos, sem elevação

dos impostos, em um período de crise. O governo gastaria mais, por exemplo, empregando

mais funcionários que por sua vez consumiriam mais. Com essa política o governo poderia

incorrer em deficit orçamentário, mas ao verem que a demanda por seus produtos cresceu

(afinal agora existiriam mais consumidores, os novos funcionários), os empresários

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inverteriam as suas expectativas e passariam a contratar e produzir mais levando a economia a

crescer novamente.

Por, praticamente, inverter muitas das premissas neoclássicas com a sua Teoria Geral do

Emprego do Juro e da Moeda, Keynes daria início a uma nova doutrina econômica, a escola

keynesiana. Como a causa, encontrada por Keynes, para o desemprego existente em sua época

era a falta de demanda agregada, a caminho para que a economia voltasse a crescer seria a

intervenção governamental no domínio econômico. O governo, que desde Smith deveria

intervir o mínimo possível, agora passava a ser visto como um agente fundamental na

economia (BRUE, 2006). Embora não tenha tido como foco de seus estudos a economia no

longo prazo, a doutrina de Keynes abriu o caminho para diversas teorias do desenvolvimento,

pautadas na intervenção estatal. No mais, sua contribuição veio dar respaldo, na teoria

econômica, às diversas Constituições econômicas, defensoras do chamado Estado Social, que

vinham surgindo como a do México em 1917 e a alemã de 1919. Nesse sentido: Com o advento do chamado Estado Social, governar passou a não ser mais a gerências de fatos conjunturais, mas também, e sobretudo, o planejamento do futuro, com o estabelecimento de politicas a médio e longo prazo. Tornou-se corrente afirmar que, com o Estado Social, o government by policies vai além do mero government by law do liberalismo desenvolvimento (BERCOVICI, 2005, P. 61)

No caso brasileiro, Keynes deu substrato à questão da intervenção governamental na

economia tão presente nas constituições brasileiras, como no caso do artigo 174 da CF/88 que

dispõe: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na

forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante

para o setor público e indicativo para o setor privado”.

5. Estruturalismo, desenvolvimento e Constituição

Uma das correntes teóricas que foi fortemente influenciada pelo keynesianismo, foi a

estruturalista. Essa é uma das correntes que têm maior relevo na história das teorias

econômicas brasileiras, sobretudo no período entre 1949 e 1964 (BERCOVICI, 2005). Em

verdade, ela é uma das poucas teorias de origem latino-americana a ganhar proeminência

dentre as correntes do pensamento econômico mundial. Tamanha é a sua influência no Brasil

é tamanha que um de seus maiores expoentes, Celso Furtado, além de ter influenciado

diversos presidentes, chegou a ocupar o cargo de Ministro do Planejamento na década de

1960. Essa corrente do pensamento econômico também é denominada de “cepalina”, visto

que seus principais formuladores pertenceram à Comissão Econômica para a América Latina

e o Caribe (CEPAL) da Organização das Nações Unidas (BRUE, 2006). Seu foco de estudo

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residia em buscar explicações e saídas para o quadro de subdesenvolvimento vivenciado na

América Latina. Encaravam o desenvolvimento, e, por conseguinte, o subdesenvolvimento,

como dois fenômenos distintos e não como etapas sucessivas pelas quais os países passariam

naturalmente. Nesse sentido, “O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico

autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já

alcançaram grau superior de desenvolvimento.” (FURTADO, 2009, p. 161).

Os estruturalistas sustentavam que os preços relativos dos produtos agrícolas vinham,

historicamente, declinando frente ao preço dos produtos industrializados (produzidos

principalmente pelo Norte3 desenvolvido). Essa deterioração dos termos de troca decorreria

do fato de que os ganhos de produtividade eram repassados aos preços dos produtos

primários, mas não repassados aos bens manufaturados (em função de estruturas oligopolistas

típicas do setor industrial). Asseveravam a existência de um desequilíbrio estrutural no

balanço de pagamentos dos países do Sul, pois observavam que os bens por eles produzidos

tinham uma baixa elasticidade-renda, enquanto os bens que eles importavam tinham uma

elevada elasticidade-renda. Nesse cenário, o subdesenvolvimento dos países do Sul somente

tendia a se agravar.

Os cepalinos entendem por país desenvolvido aquele no qual o aumento da

produtividade somente pode ocorrer com o surgimento de uma nova tecnologia ou com o

acúmulo de capital, pois ele já assimilou toda a tecnologia existente e emprega todo o capital

disponível. Por país subdesenvolvido, compreende-se aquele onde há a possibilidade de um

aumento de produtividade apenas incorporando-se à tecnologia já existente. Entretanto, o

desenvolvimento tecnológico ocorre, sobretudo, nos países do Norte, os quais dispõem bem

mais do fator capital do que do fator trabalho. Assim, as tecnologias desenvolvidas prezam

pela maior utilização do fator capital em detrimento do fator trabalho. Como a produção de

tecnologias no Sul é muito baixa, tais países acabam por importar as tecnologias do Norte,

massivas em fator capital. Como nos países subdesenvolvidos, há escassez do fator capital e

abundância do fator trabalho, dessa forma, a incorporação de tecnologias incompatíveis com a

realidade dos países subdesenvolvidos, acaba por gerar desemprego estrutural do fator

trabalho (FURTADO, 2009). O aludido desemprego seria ainda agravado pelas altas taxas de

crescimento demográfico registradas nesses países, assim como pelo baixo crescimento da

demanda internacional por produtos primários. O caminho para o desenvolvimento das

3 Ao se analisar o mapa mundial, verifica-se que a maioria dos países desenvolvidos encontra-se no hemisfério norte do globo, enquanto que o hemisfério sul é repleto de países subdesenvolvidos. Daí a analogia entre Norte e desenvolvimento, e Sul e subdesenvolvimento.

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economias periféricas, apontado pelos economistas estruturalistas, seria incentivo ao processo

de industrialização, que teria o Estado como ator importante (SOUZA, 2005).

Como se pode depreender das linhas acima, a corrente estruturalista tinha uma forte

preocupação com a questão das desigualdades. Talvez pelo fato de provir de uma das regiões

mais atrasadas do Brasil, Celso Furtado tinha uma grande preocupação com a questão

regional. Em verdade, a questão regional, no Brasil, tem como importante documento o

relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), intitulado

“Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”, coordenado por Furtado e

apresentado, em 1959, ao então presidente da República, Juscelino Kubitschek. Esse estudo

seria a peça basilar da fundação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

(SUDENE) ainda em 1959.

Esse trabalho aponta que as disparidades entre as condições existentes no Nordeste e

as vigentes no Centro-Sul do Brasil são maiores do que as observadas entre as do Centro-Sul

e as dos países desenvolvidos da Europa ocidental. Afirma que a política de desenvolvimento

até então implantada, pautada em uma compreensão inadequada dos problemas nordestinos,

estaria agravando a situação da região. Revela a existência de um duplo fluxo de renda entre o

Nordeste e o Centro-Sul, do qual o governo transfere renda para o Nordeste, mas muito desses

recursos são revertidos pelo setor privado de volta para o Centro-Sul. Situação que permite

inferir a existência de uma relação típica de subdesenvolvimento e dependência da própria

nação brasileira. Diante disso, alerta para a crescente divergência entre a taxa de crescimento

do Centro-Sul e a do Nordeste, realidade que poderia ameaçar o próprio pacto federativo.

Destarte, acredita ser possível a reversão da situação, mediante a implantação de diversas

políticas norteadas pela intensificação dos investimentos industriais (GTDN, 1959).

A contribuição dos estruturalistas para as Constituições brasileiras é marcante. De tal

forma que o texto constitucional de 1967 delegava à União a competência de “estabelecer e

executar planos regionais de desenvolvimento”, explicitando, assim, a importância que o

Estado tem nesse processo. A atual carta política brasileira, em seu artigo 21, mantém

explicito o papel estatal nesse processo, ao definir como competência da União “elaborar e

executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento

econômico e social”, bem como no art. 43 que em seu caput dispõe: “Para efeitos

administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e

social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”, sendo ainda

um dos princípios constitucionais da ordem econômica brasileira insculpidos no artigo 174

(inc. VII) da Lei Maior. Nesse sentido:

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A Constituição Federal de 1988 tem nas disparidades regionais pontos de contato entre as temáticas do referido art. 3º, e o art. 43 e seus parágrafos, além de outros 14 artigos que ferem objetivos específicos ao planejamento regional (MUYLAERT, apud TAVARES, 2006, p. 203).

A materialização dessa busca é claramente evidenciada, sobretudo, quando o texto

constitucional versa sobre a repartição das receitas tributárias (art. 157 e seguintes). Conforme

bem destaca Ives Gandra da Silva Martins: Tenho minhas dúvidas se o inc. VII seria principio da ordem econômica ou se seria principio das finanças públicas, pois, na verdade, não cabe a ordem econômica promover esta redução dos desníveis, mas cabe as finanças publicas encontrar formulas que a viabilizem (MARTINS, apud TAVARES, 2006).

Nesse sentido dispõe o artigo 159, inciso I, alínea c, que da arrecadação do Imposto de

Renda e do Imposto de Importação a União entregará: Três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer.

De outro lado, Furtado também foi um dos primeiros economistas a tratar da temática

da preocupação ambiental, mormente da necessidade de um meio ambiente equilibrado e dos

impactos da atividade econômica sobre ele (FURTADO, 1983). Tal preocupação se mostra

fortemente presente na CF/88, além do art. 225 voltado propriamente a questão ambiental, o

artigo 23, ao versar sobre a competência comum da União, Estados e municípios, lhes atribui

a tarefa de “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

6. A contrarrevolução

Embora a revolução keynesiana tenha contagiado diversos teóricos e embasado as

principais teorias sobre o desenvolvimento formuladas nas primeiras décadas seguintes à

publicação da Teoria Geral de Keynes, ela, doutrinariamente, começou a perder força em

meados da década de 1960/70. Nesse tempo, reunido na Escola de Chicago e liderado por

Milton Friedman, um grupo de economistas instaurou uma contrarrevolução no pensamento

econômico. Seus adeptos são conhecidos como neo-monetaristas. Seus principais esforços

consistiram em explicitar a ineficácia dos instrumentos de política governamental no

gerenciamento da demanda agregada. Esse movimento resgatou e aperfeiçoou diversos pilares

da economia neoclássica, em defesa do liberalismo econômico. A ideia de que o pleno

emprego seria naturalmente atingido, refutada por Keynes, agora ganhava a forma de “taxa

natural de desemprego”. A neutralidade da moeda, rebatida pelos keynesianos, foi mantida

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somente para o longo prazo, visto que Friedman admitia que, no curto prazo, a moeda puderia

impactar variáveis reais da economia (MODENESI, 2005).

Anos mais tarde, outros economistas viriam a completar (divergindo em alguns

pontos) os neo-monetaristas, e estabelecendo a escola novo-clássica. Além de concordar com

o ataque de Friedman à política monetária, os novo-clássicos combateram a condução das

políticas fiscal keynesiana. Essa pugna é claramente vista no modelo da equivalência

ricardiana, proposto por Robert Barro na década de 1970. Este enfoque afirma que os deficits

públicos longe de serem capazes de produzir os efeitos previstos por Keynes, gerariam efeitos

perversos em uma economia. Tal desequilíbrio fiscal ocasionaria um efeito “crowding out”,

segundo o qual o deficit público estimularia o aumento dos juros (afinal os recursos são

limitados), o que desestimularia o investimento privado. Basicamente, Barro defende que o

Estado divide com a iniciativa privada os mesmos recursos. Sendo assim, ao incorrer em

deficits, o governo estaria drenando a poupança privada, impedindo as inversões produtivas

do segundo setor da economia. Além disso, também combatiam a política monetária, na

medida em que sustentavam serem os agentes guiados por expectativas racionais, ficando

assim, imunes a ilusão inflacionária (FROYEN, 1999).

No Brasil, as ideias da contrarrevolução encontrariam boa recepção entre os

economistas já ligados ao pensamento liberal, como Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de

Bulhões, e, de certa forma, Roberto Campos. Esses economistas tiveram momento de grande

influência no governo, como no começo do regime militar. Em verdade, o golpe militar de

1964, além de ter inaugurado um novo regime político, também foi um ponto de inflexão na

condução da política econômica brasileira. Até então, a orientação teórica na qual o governo

de João Goulart vinha se respaldando era a teoria estruturalista do pensamento econômico.

Comprovação disso verifica-se no fato de Celso Furtado ter ocupado o posto de ministro do

planejamento de 1962 a 1964. Tal vertente doutrinária encarava a elevada inflação que

assolava a economia brasileira da época como sendo algo inevitável ao desenvolvimento

nacional. Nesse sentido: Na segunda metade da década de 1950, a inflação decorreu da aceleração dos investimentos nos setores básicos, aceleração essa que era mais importante nessa etapa do que outro qualquer objetivo econômico. Teria sido possível alcanças esses objetivos sem inflação? Provavelmente não, pois ainda não se havia formado no país uma clara consciência da natureza do problema do seu desenvolvimento. (FURTADO, 2009, p. 223)

A ruptura com esse pensamento ocorreu em 1964. Ao tomar o poder, o regime militar

retirou a equipe econômica de Furtado e colocou em seu lugar a da dupla Roberto Campos e

Octávio Bulhões. A nova equipe, por acreditar ser a estabilidade de preços necessária ao

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crescimento econômico, tinha uma grande preocupação com a inflação, denotando, assim, a

influência sofrida pelas ideias de Friedman e seus companheiros. Essa inquietação com a

inflação, que há anos assolava o país, é claramente visível nas primeiras medidas tomadas

pelo governo militar, das quais destaca-se a edição do Plano de Ação Econômica do Governo

(PAEG), o qual tinha como objetivo, além de estimular o crescimento, estabilizar os preços da

economia brasileira (GIAMBIAGI, 2005).

7. Reflexos da contrarreforma na história recente do Brasil

Conforme se pode depreender da exposição acima, a contrarrevolução marca a volta

da pugna contra a intervenção governamental sobre o domínio econômico. O retorno do viés

liberal ao centro das ideias econômicas é claramente visto com o Consenso de Washington,

em meados de 1990. Trata-se de um receituário de medidas macroeconômicas formuladas por

diversas entidades, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco mundial, que deveriam

ser adotadas pelos países, sobretudo pelas nações em desenvolvimento que passavam por

momentos difíceis, como era o caso do Brasil (BATISTA, 1994). Naquele tempo, a economia

brasileira se encontrava em um cenário de crise econômica que se alastrava há anos. Segundo

o Consenso de Washington, a causa da situação brasileira era, sobretudo, a pesada e

irresponsável intervenção governamental na economia brasileira praticada pelo governo há

décadas. A solução seria, sobretudo, a diminuição da intervenção estatal no domínio

econômico.

Embora a atual Constituição brasileira tenha sido promulgada antes do

Consenso de Washington, ela foi, também, claramente influenciada pela contrarrevolução

liberal. O Estado, que até então atuava quase que livremente de forma direta na economia4,

agora tinha as suas “asas cortadas” no próprio texto constitucional. Exemplo claro disso pode

ser visto no artigo 173 da CF/88 que assim dispõe: Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

No que tange ao financiamento estatal e ao papel da autoridade monetária, a CF/88

também instituiu limites. Em verdade, a promoção do desenvolvimento brasileiro por parte do

Estado, por várias vezes, foi financiada através de mecanismos inflacionários. Talvez o

exemplo mais emblemático nesse sentido tenha sido ocorrido no governo de Juscelino

Kubitschek. Para financiar suas “metas”, JK abusou da expansão monetária para custear os 4 Não se deve olvidar o número de empresas estatais criadas no Brasil no terceiro quartel do século XX, como a Petrobrás (1953), Eletrobrás (1962) dentre outras.

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gastos públicos. Naquele tempo o Banco Central ainda não tinha sido criado, e muitas das

competências que hoje lhe são atribuídas cabiam ao Banco do Brasil. Para ajudar a cobrir os

deficits públicos que o governo vinha provocando, o Banco do Brasil promovia uma expansão

primária dos meios de pagamento ao emprestar recursos do Tesouro Nacional para que este

pudesse “fechar o seu caixa”. Tal sistema contribuiu fortemente para a condução da economia

brasileira a um cenário de elevada e crescente inflação (GIAMBIAGI, 2005). Visando evitar

tal prática, dispõe o paragrafo primeiro do artigo 163 da CF/88: “É vedado ao banco central

conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou

entidade que não seja instituição financeira”. De outro lado a preocupação com o equilíbrio

orçamentário, embora não esteja tão expressa no texto constitucional quanto à questão da

expansão monetária, resta explicita na Lei Complementar 101/2000. Tal diploma normativo,

com fulcro no capítulo II do título VI da Constituição, estabelece diversas normas sobre

finanças públicas atentas à questão da responsabilidade fiscal, prestigiando o equilíbrio das

contas públicas como um dos fins a ser buscado pelos gestores da res publica.

8. Conclusão

A temática do desenvolvimento econômico se mostra um tanto quanto controversa no

histórico das Constituições brasileiras. Mesmo o texto da própria atual Carta Política nacional

apresenta ideias contraditórias entre si. De um lado ela traz um extenso rol de direitos aos

brasileiros, os quais têm a sua garantia, em regra, atribuída pelo Estado. Ao mesmo tempo, o

texto constitucional restringe a atuação governamental, impondo limites ao Estado. A

compreensão dessa aparente contradição somente é possível ao se analisar as principais

teorias econômicas que embasaram a questão do desenvolvimento na Constituição, bem como

o contexto histórico em que ela surgiu.

A contribuição keynesiana é claramente visível nos pontos em que o texto

constitucional possibilita ao Estado intervir no domínio econômico. Contudo, como bem

ressalta o caput do artigo 1735, a intervenção direta, como a pratica de atividades

empresariais, é restringida a situações pontuais. Denotando, assim, a influência também

sofrida das ideias de cunho liberal. Convém lembrar que um dos maiores defensores

brasileiros do liberalismo econômico, Roberto Campos, foi um dos parlamentares

5 Art. 173 da CF/88 “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade

econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a

relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

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constituintes. Muito embora suas principais ideias (como a extinção do salário mínimo, a livre

negociação trabalhista etc.) tenham sido recusadas na assembleia constituinte, a influência de

suas ideias em diversas políticas implementadas no Brasil é inegável.

Em face da grande proeminência que a escola estruturalista tem na história do

pensamento econômico brasileiro, mesmo por que um de seus principais expoentes, Celso

Furtado, era brasileiro, o texto da Carta Magna de 1988 apresenta algumas de suas ideias. A

questão regional é, certamente, uma das que pode ser mais claramente vista, sendo, inclusive,

considerado um dos objetivos fundamentais da nação a redução das desigualdades regionais.

O fato da Constituição brasileira de 1988 ainda trazer uma notável importância à

atuação estatal, conferindo diversos direitos e garantias à população, muitos dos quais a serem

sustentados pelo Estado, é, de certa forma, surpreendente pelo contexto histórico de forte

prestigio das teorias de viés mais liberal que rodeava a sua promulgação. A explicação para

isso talvez resida no momento histórico vivido internamente no país. Naquele tempo, o Brasil

estava saindo de um período de ditadura militar, de forma que a população em geral ansiava

por ter, na Lei Maior, diversos direitos que lhes foram tolhidos durante o regime militar. No

entanto, a influência das ideias liberais mostraria força no decorrer dos anos seguintes à

promulgação do texto constitucional de 1988. Exemplo clássico nesse sentido pode ser

depreendido da política de privatizações que vigorou no país na década de 1990, restringindo

ainda mais a atuação estatal no domínio econômico.

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EFICIÊNCIA ECONÔMICA E O INCREMENTO DO MERCADO DE CRÉDITO: OBJETIVOS DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE

EMPRESAS

ECONOMIC EFFICIENCY AND THE INCREASING OF CREDIT MARKET: OBJECTIVES OF BANKRUPTCY AND RECOVERY OF

COMPANIES LAW

Renata Albuquerque Lima1

Átila de Alencar Araripe Magalhães2

Resumo

O presente trabalho visa analisar a Lei de Recuperação e Falência de Empresas – Lei no. 11.101 de 2005, tendo como objetivo primordial verificar se tal legislação vem alcançando os propósitos da eficiência econômica e o incremento do mercado de crédito. Assim, com o advento da atual lei de recuperação e falência de empresas, muitos desafios estão sendo superados após a sua publicação em 2005. Com as mudanças ocorridas em seu texto, concedendo, por exemplo, a segunda colocação no recebimento dos créditos para os credores com direitos reais de garantia, dentre outras transformações efetivadas, proporcionou uma certa segurança para concessão do crédito empresarial, tornando, dessa forma, um ambiente de eficiência econômica. Além disso, fez-se uma análise sobre a dinâmica existente entre Direito e Economia, defendendo uma imprescindível aproximação entre essas ciências. O atual estudo será feito por meio, principalmente, de pesquisa bibliográfica, qualitativa e descritiva. Por fim, há de se verificar que, com a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, além da lei supramencionada, a atividade empresarial é elevada a condição de “organismo multidisciplinar”, motivo pelo qual o interesse na preservação dessa atividade extrapola a órbita do seu titular, despertando o interesse da sociedade, dos colaboradores, dos investidores, dos consumidores, do mercado e do Estado.

Palavras-chave: Lei 11.101/2005. Direito e Economia. Eficiência Econômica. Incremento do Mercado de Crédito.

1 Renata Albuquerque Lima é doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza/ UNIFOR. É mestra em Direito Público/UFC. É graduada em Direito/UFC e Administração de Empresas/UECE. É professora da Universidade de Fortaleza das disciplinas de Direito Empresarial e Hermenêutica Jurídica. É professora efetiva do curso de Direito da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. E-mail: [email protected] ou [email protected] 2 Átila de Alencar Araripe Magalhães é advogado. Mestrando em Administração de Empresas pela UNIFOR. Especialista em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. É professor das disciplinas de Direito Processo Civil II e III da Universidade de Fortaleza – UNIFOR e coordenador da monitoria da Faculdade Luciano Feijão. E- mail: [email protected]

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Abstract

This study aims to analyze The Bankruptcy and Recovery of Companies Law - Law no. 11.101, from 2005, with the primary goal to verify if such legislation is reaching the purposes of economic efficiency and the increasing of credit market. Thus, with the advent of Bankruptcy and Recovery of Companies Law, many challenges are being overcome after its publication, in 2005. With the changes in the original text, giving, for example, the creditors with real rights the opportunity to receive their credits right after de labor creditors, among other innovations, provided some security for credit giving business, making, thus, a environment of economic efficiency. Furthermore, an analysis was made on the dynamics between law and economics, advocating a rapprochement between these sciences. The current study will be made, using primarily bibliographic, with qualitative and descriptive research. Finally, one should realize that, with the 1988 Brazilian Federal Constitution, the Civil Code of 2002, besides the above-mentioned law, businesses activity is elevated to the condition of "disciplinary body", due to the interest in preserving this activity overpass the orbit of its holder, arousing the interest of the company, employees, investors, consumers, the market and the state.

Keywords: Law 11.101/2005. Law and Economics. Economic Efficiency. Enhancing the Credit Market.

Introdução

A Lei de Recuperação e Falência de Empresas – 11.101, de 09.02.2005, em substituição

ao Decreto-Lei 7.661/1945, foi ansiosamente aguardada pela sociedade brasileira com a

intenção de assistir a vigência de um instrumento legal que prestigiasse a preservação da

atividade empresarial enquanto propriedade privada, em consonância com a norma

constitucional, ao invés de sacrificar devedores e credores.

BEssa legislação derivou da tramitação, por mais de uma década, do Projeto de Lei de

Falências 4.376/1993 (esta numeração corresponde à Câmara dos Deputados; no Senado

Federal, foi renomeado como Projeto de Lei da Câmara 71/2003 (PLC), cujos relatores foram

o Deputado Osvaldo Biolchi e o Senador Ramez Tebet, respectivamente, o qual foi

amplamente discutido por todas as esferas da sociedade e do Poder Público, sofrendo

inúmeras emendas e alterações nas duas casas do Congresso Nacional.

Some-se a essa ambiência, a antiga Lei de Falências - Decreto-Lei n. 7.661/45 -, que

regeu nosso sistema concursal na década de 1945, voltava-se especialmente, além de

prescrever o processo de concordata, à garantia do crédito dos credores por intermédio da

execução do ativo do devedor, não dispondo de instrumentos eficazes para a preservação da

empresa, o que demonstrava a necessidade de reformas que a tornassem coerentes com a

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Constituição de 1988, frente aos valores de igualdade e de dignidade enfatizados pela atual

Carta e, tendo em vista a valorização social do trabalho, ressaltada na mesma como

fundamento da República Federativa do Brasil.

Desse modo, frente à falibilidade da legislação de 1945, acompanhada do crescimento

do número de empresas no país, o que levou a uma nova dimensão da natureza e da

importância social das sociedades empresariais, tornou-se necessária a criação de uma

legislação que se adequasse às novas expectativas econômicas e sociais, o que se verificou

com a lei 11.101/05.

Assim, no ano de 2005, foi publicada a Lei de Recuperação e de Falência de Empresas

(Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005), trazendo uma transformação significativa na

realidade supramencionada e abraçando a empresa como um agente econômico de inegável

conotação social e de caráter multidisciplinar.

A atual Lei de Recuperação e de Falência de Empresas está lastreada por princípios,

normas que fundamentam as regras, que representam diretrizes gerais do ordenamento

jurídico sobre múltiplas situações, desempenhando função integradora e supletiva. Em vários

artigos da lei de Recuperação e de Falência de Empresas, encontram-se presentes princípios

que estabelecem as diretrizes fundamentais da atual norma falimentar, dentre os quais se

podem citar: a) preservação da empresa; b) separação dos conceitos de empresa e de

empresário; c) retirada do mercado de sociedades empresariais ou empresários não

recuperáveis; d) proteção aos direitos dos trabalhadores; e) redução do custo do crédito no

Brasil; f) eficiência e celeridade dos processos judiciais; g) segurança jurídica; h) participação

ativa dos credores; i) maximização do valor dos ativos do falido; j) desburocratização da

recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; l) rigor na punição de crimes

relacionados à falência e à recuperação judicial. Desse modo, a mencionada lei revela-se

como um meio solutório de recuperação de empresas em crise, ao invés de ser um

procedimento liquidatório, característico do antigo decreto-lei.

É lógico que a Lei no. 11.101/2005, por si só, não é capaz de viabilizar o crescimento

econômico do país, mas a mesma, ao conter em seu conteúdo dispositivos que incentivem a

reorganização empresarial, proporciona uma certa segurança nos contratos e investimentos

realizados no meio empresarial. É dessa forma que o Estado vem atuando no sentido de

propulsionar o revigoramento da atividade empresarial.

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Em se tratando do instituto da empresa, no exercício de sua atividade, é de sua própria

natureza a busca pela maximização das utilidades, do lucro e da eficiência econômica. E uma

eficiente lei falimentar é aquela que prioriza a preservação da atividade empresarial, desde

que tal empresa seja considerada economicamente viável, bem como otimiza a venda de seus

ativos e o pagamento dos seus débitos de forma rápida e eficaz, quando a sociedade

empresária não se encontra mais capaz de ser recuperada.

Assim, verifica-se a repercussão que o Direito, por meio de suas leis, bem como o Poder

Judiciário tem influenciado o mercado e seus investidores, tendo em vista que uma legislação

eficiente, como por exemplo, a lei falimentar, e um Judiciário ativo contribuem para um

mercado de crédito mais acessível e a uma queda dos juros bancários.

Assim sendo, é preciso conhecer e reconhecer que a Ciência do Direito e a Ciência da

Economia são independentes, mas possuem (deve possuir) intrínseca relação, pois, caso

contrário, haverá decisões distantes de serem denominadas de justas e “soluções econômicas

pouco eficientes e menos lucrativas”; trata-se de convivência complexa, pois aquela é mais

subjetiva, enquanto esta é objetiva, racional, contudo, ambas, no fundo, têm o comportamento

humano como ponto de partida, que é mutável com o tempo (PETTER, 2008, p. 29-33).

Dessa forma, chamada de Direito e Economia (“Law and Economic”) ou Análise

Econômica do Direito no Brasil, esta escola analisa a ciência jurídica a partir da utilização de

conceitos emprestados da ciência econômica, sendo uma via de mão dupla para a Economia,

que passa utilizar institutos jurídicos no estudo do comportamento dos agentes econômicos

(ZYLBERSZTAJN e SZTAJN, 2005, p.3).

A Economia poderá definir-se “como a ciência social que estuda a administração

(eficiente) dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos” (RIZZIERI, 1998

apud PETTER, 2008, p. 31). Nesse tocante, o Direito vem para sugerir que não se trata de

questão meramente matemática (não que esta análise não seja importante), mas que há outros

caracteres – por exemplo, o social – que influenciará na alocação desses recursos e na busca

pela eficiência econômica, ante as necessidades humanas que são insaciáveis e ilimitadas.

A necessidade dessa aproximação entre essas ciências ganha maior concretude quando

se tem, como pano de fundo, uma crise econômico-financeira de um agente econômico de

relevante contribuição como a empresa, em que há uma multiplicidade de interesses, por

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vezes conflitantes, e os recursos são, na maioria das ocasiões, finitos e insuficientes para

satisfazer os credores.

O Direito exerce papel essencial na organização da atividade econômica e

aprimoramento de suas instituições (“sistema de normas e o sistema do Judiciário”), haja vista

que „instituições fortes e respeitadas contribuem para o crescimento econômico”; já a

Economia, dentre uma de suas variadas implicações, mostra-se um instrumento “útil na

compreensão da formulação de políticas públicas”, contribuindo para o desenvolvimento

econômico e a maximização do bem-estar socioeconômico (PINHEIRO; SADDI, 2006, p. 11-

17).

Por isso, logo após a sua promulgação, a Lei no. 11.101/2005 trouxe alguns impactos

positivos no mercado financeiro, tendo em vista que apresentou em seu conteúdo várias

novidades benéficas aos investidores em comparação ao antigo Decreto-Lei no. 7.661.

Mudanças como um novo procedimento para habilitação dos credores, alteração na ordem de

pagamento dos créditos concursais, em que houve uma troca dos créditos fiscais que passaram

para o terceiro lugar e os créditos reais de garantia que ficaram no segundo lugar da ordem

hierárquica de recebimento dos créditos, privilegiando, dessa forma, as instituições

financeiras, que se utilizam de garantias para fornecer o crédito.

Portanto, o presente trabalho tem como finalidade mostrar que, com o advento da atual

lei de recuperação e falência de empresas, muitos desafios estão sendo superados após a sua

publicação em 2005. Com as mudanças ocorridas em seu texto, concedendo, por exemplo, a

segunda colocação no recebimento dos créditos para os credores com direitos reais de

garantia, dentre outras transformações efetivadas, proporcionou o incremento ao mercado de

crédito, bem como a eficiência econômica. Essa abordagem será tratada, por conseguinte, no

presente artigo.

1 Direito e Economia: uma aproximação necessária

Objetivando o melhor entendimento da temática, a eficiência da interpretação/aplicação

dos institutos por ela regulados para a consecução de normas constitucionais, nota-se como

imperativa a aproximação das Ciências Jurídicas e Econômicas, o que passa a ser investigado

no presente tópico.

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Não se pode desprezar que as ciências, inclusive a jurídica e a econômica,

desenvolvem-se à medida que o homem e a sociedade vão sofrendo uma metamorfose, em

razão do seu dinamismo natural, haja vista que, em contrapartida, necessitam de meios que

lhes acudam de forma eficaz. Nesse sentido, vê-se que as relações socioeconômicas,

alavancadas pelo impacto do processo de globalização, estão cada vez mais interligando

Direito, Economia e Estado, cujo relacionamento ainda é reconhecidamente espinhoso,

carecendo de mais afinidade, e a repercussão é inevitavelmente recíproca. A existência e o

aperfeiçoamento da Constituição Econômica já é um indício de forte liame entre eles.

No Brasil, foi a partir dos anos de 1980 que o embate entre Direito e Economia cresceu,

e isso ocorreu, principalmente, com a troca de planos econômicos e o advento da Constituição

Federal de 1988. Há uma grande necessidade de haver uma interdisciplinaridade entre Direito

e Economia, pois essa ligação permite ao jurista enxergar a lei não apenas no seu aspecto de

alcançar a justiça, mas como incentivo para buscar novos comportamentos (COOTER e

ULLEN, 2010, p.33). Além disso, José Eduardo Faria (2004, p. A-2) trata, de forma lúcida,

tal relacionamento existente entre essas duas ciências:

Na realidade, para neutralizar o risco de crises de governabilidade, não cabe ao sistema judicial pôr objetivos como disciplina fiscal acima da ordem jurídica. Zelar pela estabilidade monetária é função do sistema econômico. Como o papel do sistema judicial é aplicar o direito, ele só está preparado para decidir entre o legal e o ilegal. Evidentemente, o sistema judicial não pode ser insensível ao que ocorre no sistema econômico. Mas só pode traduzir essa sensibilidade nos limites de sua capacidade operativa. Quando acionado, o máximo que pode fazer é julgar se decisões econômicas são legalmente válidas. Se for além disso, a Justiça exorbitará, justificando retaliações que ameaçam sua autonomia. Como os juízes poderão preservá-la, se abandonarem os limites da ordem jurídica? Por isso, quando os tribunais incorporam elementos estranhos ao direito, eles rompem sua lógica operativa e comprometem os marcos legais para o funcionamento da própria economia.

É sabido que uma pessoa não exerce a atividade empresária com o exclusivo intento de

realizar o bem comum ou promover o bem-estar social. Dentro dos padrões de normalidade

empresarial, preza-se pela proteção da propriedade privada, domínio exclusivo dos meios de

produção, ampla liberdade de atuação, abstencionismo estatal, maximização dos

lucros/acumulação de riquezas, redução dos custos, enfim, desenvolvimento econômico-

financeiro de forma eficiente, em compreensão abrangente. Tais ideias remetem ao

liberalismo. Infere-se daí a singela motivação da intervenção mínima do Estado nas relações

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privadas. Além disso, entende-se que a empresa, ao lado deste, manifesta-se como um ente

impulsionador do desenvolvimento do país, contribuindo materialmente para o seu

crescimento.

As desigualdades, as crises, os declínios de unidades produtivas, as práticas de

concorrência desleal, dentre outros fatores negativos, exigem do Estado uma postura ativa

também na seara econômica. Não se defende o radicalismo, mas se coteja uma interferência

temperada, conforme se observa na Constituição Federal de 1988: uma intervenção

regulatória.

Com esse sustentáculo, considerando-se o explanado até esse momento, passa-se a

investigar brevemente a necessidade do estreitamento dos laços entre os mesmos, visando, ao

final, o exercício sadio e eficiente das atividades empresariais, por meio da equânime

regulação do Estado na Economia.

A aproximação do Direito e da Economia gerou a teoria denominada “Análise

Econômica do Direito”, incipiente na Europa e nos Estados Unidos. Nesse sentido, o estudo

da eficiência da legislação surge em virtude da escola chamada de “Law and Economics”,

analisada na Universidade de Chicago, tendo sido principalmente impulsionada na década de

1960. Tais pesquisas foram iniciadas por Ronald Harry Coase com a publicação do artigo

“The Nature of the Firm” em 1937 (COASE, 1988).

Entretanto, foi, em 1960, com a publicação de “The Problem of Social Cost”, de autoria

de Ronald Coase, que os embates cresceram. Além das relevantes contribuições de Coase,

contribuíram também para o crescimento da escola “Law and Economics” a participação de

Richard Posner com “Economic Analysis of Law”, e Guido Calabresi, com “The Cost of

Accidents” (SZTAJN, 2005, p. 74). No entanto, o presente trabalho não visa diretamente o seu

estudo; trata-se mais de um enfoque abrangente.

A Constituição Econômica traz em seu bojo regras e princípios que guarnecem a

intervenção regulatória do Estado na Economia. A qualificação dessa ingerência estatal pode

ter posições extremas, isto é, totalmente liberal ou social. No ordenamento jurídico brasileiro,

vislumbra-se, no presente momento, sua ocorrência de forma moderada, cujo fim maior é

(deve ser) o interesse público.

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Convém esclarecer que a tutela estatal da ordem econômica não se inaugurou com o

Texto Constitucional de 1988. As Constituições anteriores, que previram tais dispositivos,

possuíam ideal de caráter mais liberal, enquanto a vigente é marcada pelo social, motivo pelo

qual é alcunhada de Constituição Cidadã. Na atualidade, busca-se, além da mera previsão ou

regulamentação, a efetivação dos direitos e garantias lá positivados explícita e implicitamente.

Douglass North (1981) definiu muito bem a relação histórica da justiça com o

crescimento da economia de um país, afirmando ser um grande obstáculo ao desenvolvimento

econômico a inexistência de um sistema judicial dotado de imparcialidade, que possa garantir

o cumprimento dos acordos.

Vale ressalvar que não se trata de uma questão de utilizar o Direito para “fazer justiça”

(à luz de uma visão extremista ou puramente empírica), até porque é bem conhecido no meio

jurídico de que, às vezes, o que é legal não é justo, e vice e versa.

Lafayette Josué Petter (2008, p. 31-32) acentua que a teoria econômica tradicional

considera que o ser humano possui comportamento estável e age sempre racionalmente,

“cujas ações [...] derivam exclusivamente de seus interesses econômicos dentro da sociedade.

[...] Assim, adota-se o princípio hedonístico de obtenção da maior soma de benefícios sempre

aliada ao menor sacrifício pessoal”.

Entretanto, é preciso atentar-se para a realidade vislumbrada nos últimos séculos, em

que o homem, dotado de racionalidade por sua própria natureza, às vezes não é tão lógico.

Paulo Lôbo (2011, p. 21-25) afirma que a massificação das relações negociais, a globalização

econômica, o incremento/surgimento de (novas) figuras contratuais, a automação, (e até a

mídia), dentre outros fatores, apontam uma fragilização/limitação da autodeterminação do

homem.

Por outro lado, nota-se que “o auto-interesse é importante e até crucial pelo papel que

desempenha em transações econômicas normais” (PETTER, 2008, p. 36), mas é preciso

entender que esse não é o único motor da atuação cotidiana. Por vezes, “[...] poderá alguém se

sentir feliz em ter conseguido algo que desejava obter para sua família, partido político,

comunidade ou outra causa que defenda” (PETTER, 2008, p. 50).

Sendo assim, é necessário admitir uma (re)leitura dessas ciências à luz do caminho

traçado na sociedade contemporânea e do comportamento plural de seus cidadãos

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(individualmente ou em grupos), bem como de suas limitações. E ainda a partir da ideia de

que estes não atuam tão somente em prol de seu próprio interesse.

Sendo assim, é preciso maior integração entre as leis e os números, entre o Estado e o

mercado, entre a atividade produtiva e os instrumentos jurídicos e econômicos postos à

disposição do empreendedor, cujo objetivo comum é (deve ser) o desenvolvimento contínuo

do país; afinal, suas atuações ou influências repercutem, negativa ou positivamente, na

sociedade. Ronald Coase (1988, p. 27-28) ressalta que a política econômica se dá pela

definição de regras e procedimentos legais que tem por finalidade primordial o bem-estar

social, senão veja-se trecho de sua obra acerca do assunto:

O objetivo da política econômica é garantir que as pessoas, quando decidem que caminho seguir, escolham aquele que resulta na melhor escolha para o sistema como um todo. (...) Já que, na maior parte das vezes, as pessoas optam por fazer aquilo que elas pensam que promove o seu próprio bem-estar, a forma de alterar o seu comportamento na esfera econômica é fazer com que seja do seu interesse fazer isso (agir como é melhor para o sistema). A única forma disponível para os governos fazerem isso (que não por meio da exortação, em geral completamente ineficaz) é alterar a lei ou sua aplicação.

Portanto, quando se questiona se uma lei é considerada eficiente, estão sendo levados

em consideração os incentivos elencados por tal norma e se tais incentivos estão conseguindo

alavancar o comportamento pretendido pela lei. Ainda no Direito Falimentar, quando a Lei

11.101/2005 prescreve que, para a concessão da recuperação judicial, há que se verificar se a

crise econômico-financeira e patrimonial suportada pela empresa é suscetível de superação.

Essa análise acerca da (in)viabilidade da recuperação empresarial também passa,

irremediavelmente, pela ótica de critérios da Ciência Econômica, mas a análise dos momentos

de crise, além de serem estudados por experts em organização, também e principalmente é

estudada por estudiosos do direito, tendo em vista a grande possibilidade de sua recuperação

via judicial, senão veja-se pensamento de Serenella Rossi (2008, p. 11):

Le ragioni del declinio e della crisi di un’impresa, tuttavia, non rilevano solo per l’esperto di organizzazione e gestione aziendale, ma interessano altresì il giurista nei casi in cui si tratti di applicare una procedura concorsuale con finalità di risanamento (ad es. L’amministrazione straordinaria) e di vbalutare, attraverso l’esame del relativo progetto, le reali possibilità di recupero dell’equilibrio econômico dell’impresa mediante le necessarie modifiche alle strategie di gestione. Più in genere, tuttavia, la crisi dell’impresa, nelle sue diverse tipologie, interessa il giurista non solo laddove assuma i caratteri della vera e propria insolvenza, ma anche quando esprima un’alterazione degli equilibri aziendali tale da esporre l’impresa ad uno specifico rischio di dissesto.

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Destarte, na atuação de uma organização econômica, despontam-se a assunção de

riscos, custos de produção/circulação, afloração de liberdades individuais, dentre outros

fatores, que devem ser sopesados jurídica e economicamente. Especificando-se a intercessão

entre essas áreas, utilizando-se dos ensinamentos de Ronaldo Coase, Armando Castelar

Pinheiro e Jairo Saddi (2006, p. 12) assinalam que:

Na perspectiva proposta por Coase, as leis atuam sobre a atividade econômica, por intermédio da política econômica, desempenhando quatro funções básicas: protegem os direitos de propriedade privados; estabelecem as regras para a negociação e a alienação desses direitos, entre agentes privados e entre eles e o Estado; definem as regras de acesso e de saída dos mercados; promovem a competição; e regulam tanto a estrutura industrial como a conduta das empresas nos setores em que há monopólio ou baixa concorrência.

As empresas atuam dentro do mercado. Entende-se este como uma estrutura que

proporciona os processos de trocas econômicas, a satisfação de interesses específicos, que

pressupõe a presença de variados agentes econômicos e sucede a noção de comunidade; “o

mercado é onde demanda e oferta, consumidores e empresas, compradores e vendedores se

encontram” (PINHEIRO; SADDI, 2006, p. 54).

Os economistas clássicos dizem que sua autorregulação redundava na eficiência da

produção e circulação de riquezas, não obstante, o tempo mostrou o contrário. Hoje, uma de

suas principais funções é prezar pela concorrência minimamente leal, bem como pelo

enxugamento dos riscos. Segundo Mario Ghidini (1978, p. 77), “a empresa é um organismo

produtivo de fundamental importância social; essa deve ser salvaguardada e defendida,

enquanto: constitui o único instrumento de produção de (efetiva) riqueza; constitui o

instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza...”

Rachel Sztajn (2004, p. 16-17) assevera que o livre mercado e a livre iniciativa,

conceitos imanentes ao capitalismo, tratam-se de valores acolhidos na CF/88, razão pela qual

“a análise dos mercados deve considerar duas vertentes: a liberal, em que a livre iniciativa e

livre concorrência são vistas como favorecedoras das eficiências alocativa e produtiva, e a

social, que impõe limites à livre iniciativa para privilegiar outros valores”.

Enfim, visto que o Direito e a Economia, querendo ou não, imiscuem-se um no outro,

motivo suficiente para a sua necessária aproximação e compreensão de suas particularidades.

Contudo, sabe-se que ambas são ciências complexas, mas, como ponto de partida, devem-se

ter os seguintes parâmetros: não são neutras e também não se bastam em si mesmo. Portanto,

o intérprete do Direito deve conversar com outras ciências e fontes, a fim de encontrar e

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aplicar o real escopo da normatização, de modo a extrair a sua máxima utilidade para o bem-

estar socioeconômico de uma unidade produtiva e da coletividade.

Nas palavras Rachel Sztajn (2004, p. 66):

Administrar riscos de forma que a atividade econômica sirva ao propósito de garantir satisfação social requer outra forma de organizar a produção, outra estrutura que facilite as relações de produção de bens e serviços para os mercados. Essa estrutura é a empresa [...].

Ou seja, a empresa é uma das instituições exemplares da perseguição dessa finalidade.

2 A busca pela eficiência econômica e o incremento do mercado de crédito

pela Lei no. 11.101/2005

De forma direta, a legislação falimentar visa como objetivo primordial a preservação da

atividade empresarial, independentemente da figura de seu titular, o empresário. Mas, para ela

atingir essa finalidade, a lei deve proporcionar também a proteção e o incremento ao mercado

de crédito, caracterizando-se este como sólido e atuante, pois sem capital não tem como uma

sociedade empresarial retomar suas atividades comerciais. Nesse sentido, Ecio Perin Junior

(2009, p. 03) defende a necessidade de alavancar o mercado de crédito por meio da boa

interpretação da atual legislação falimentar, senão veja-se:

O mecanismo da circulação de riquezas tem, pois, no crédito um dos elementos essenciais de sua propulsão. As organizações empresariais modernas, quaisquer que sejam, sem o crédito, não podem desenvolver com amplitude os seus negócios, atuar de forma eficiente em um mercado concorrencial acirrado. Quando afirmamos que a lei falimentar deve assegurar o crédito não fazemos referência ao crédito individualmente considerado, dos credores contra o devedor, mas sim ao meio ou ao ambiente em que se praticam inter-relacionamentos de créditos privados. Protegido esse ambiente coletivo de concessão de crédito, cria-se uma atmosfera mais segura para a concessão do crédito privado, isto é, entre os agentes econômicos individualmente considerados. Em outras palavras, ao assegurar instrumentos eficazes de recuperação de crédito, estamos protegendo, por via de conseqüência, esse ambiente propício que facilita a criação, bem como a manutenção, de um sistema saudável de concessão de créditos privados aos empresários para o desenvolvimento das mais diversas atividades econômicas.

Aumentou-se a confiança em um moderno sistema que tem como finalidade a

recuperação das empresas viáveis em comparação ao antigo processo de concordata, que não

ajudava em nada as empresas se soerguerem econômico-financeiramente. Depois de todas

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essas inovações, também tem que se levar em consideração que atualmente o processo de

falência deverá atender aos princípios da celeridade e da economia processual, prometendo

dinamizar o tempo de conclusão dos processos judiciais.

Assim, de acordo com o que foi explanado acima, com o advento da atual legislação

falimentar, o Brasil passou a ser considerado um país conveniente para investimentos

estrangeiros, em virtude da instituição da recuperação judicial e de um processo falimentar

mais célere e mais eficiente, proporcionando maiores possibilidades de pagamento dos

créditos, e da expectativa de diminuição no tempo de tramitação dos processos judiciais.

Portanto, em tese, fazendo-se uma análise dos dispositivos legais da atual legislação

falimentar, verifica-se que tal norma possui como principal objetivo a preservação da

atividade empresarial e, ao mesmo tempo, que contribui para a consolidação de um mercado

de crédito forte e atuante.

Nesta visão de eficiência econômica e incremento ao mercado de crédito implementado

pelos dispositivos da atual lei falimentar, tem-se como objeto a ser estudado o desempenho do

Poder Judiciário, tendo em vista que as decisões judiciais, ao lado da lei de falências, dão

origem a incentivos que proporcionam comportamentos desejáveis no sentido de efetivar o

princípio da preservação da empresa e da manutenção de um excelente mercado de crédito.

Pinheiro e Saddi (2006, p. 201-202) discorre sobre a necessidade de uma aplicação eficiente

das normas em geral, a exemplo da falimentar:

A evidência empírica indica que a boa proteção legal aos credores leva a juros mais baixos e a um mercado de crédito mais ativo. Há estudos que mostram, por exemplo, que a taxa de juros é mais alta nos estados norte-americanos cuja legislação oferece mais proteção aos devedores e que, nos estados brasileiros em que o Judiciário funciona melhor, a razão entre o crédito e o PIB é maior, o que se observa igualmente na comparação entre países. Também há indicações de que o fato de a Lei de Falência norte-americana favorecer os acionistas em relação aos credores, comparando com o que se observa na Europa, ajuda a explicar por que nos Estados Unidos os spreads de risco são mais altos que na Europa. As comparações internacionais revelam que a legislação que define os direitos de credores e devedores no Brasil é pouco eficiente, no que se refere ao favorecimento do desenvolvimento do mercado de crédito. Numa escala de 0 a 10, o Brasil tira nota 2, contra uma média de 3 para a média da América Latina, 4 para a média dos países emergentes e 7 para a dos países desenvolvidos. Em termos de cobrança judicial de dívidas, o custo no Brasil é estimado em 15,5% do valor da dívida, próximo às médias para a América Latina e os países em desenvolvimento; mas o tempo médio necessário para completar esse processo, estimado em cerca de um ano e meio, é longo, de acordo com os parâmetros internacionais. Também em relação ao processo de falência, o Brasil se destaca pela morosidade do processo. (Esperamos que a nova lei possa mudar isso).

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Portanto, a atual lei 11.101/2005 inovou ao elencar como preceitos norteadores a saída

do mercado das empresas e dos empresários não passíveis de recuperação e a diminuição do

custo do crédito do Brasil, reduzindo os juros e o risco, em virtude das mudanças

implementadas em seus dispositivos legais, no sentido de proporcionar maiores garantias aos

credores, principalmente às instituições financeiras.

Nesse sentido, faz-se necessário delinear alguns preceitos norteadores da lei falimentar

que materializam a eficiência normativa e econômica, proporcionando, por conseqüência,

impactos positivos no mercado financeiro, como a redução dos juros e do risco empresarial.

Assim, pode-se elencar: a mudança na ordem de recebimento dos créditos no processo

falimentar; a não obrigatoriedade de efeito suspensivo na sentença declaratória de falência e

as alterações do processo de habilitação dos credores na falência. Sem dúvida, tais inovações

representam fórmulas para que o crédito seja mais facilmente disponibilizado, conforme

delineia Ecio Perin Junior (2009, p. 04):

Deve-se, portanto, encontrar uma fórmula para que o crédito possa ser eficientemente disponibilizado com a necessária segurança, fazendo com que o detentor do capital seja seduzido a colocá-lo em circulação também com a certeza de contar com formas eficazes de recuperação em caso de inadimplência do tomador. A segurança que favorece o credor da mesma forma beneficia o devedor de boa-fé, que, nessa circunstância, conta com mais oferta de crédito, numa espiral de virtuosidade econômica.

Grande alteração inovadora da lei n.º 11.101/2005 foi a mudança na ordem de

recebimento dos créditos no processo falimentar, em que os chamados fiscais passaram para o

terceiro lugar e os créditos com direitos reais de garantia ficaram em segundo lugar. Essa

inversão foi muito importante no sentido de proporcionar uma eficiência no processo judicial,

garantindo, de certa forma, uma segurança aos credores no recebimento de seus créditos. Isso

porque, anteriormente, no Decreto-lei no. 7.661/1945, as dívidas tributárias eram consideradas

de grande monta, não restando nada para pagamento dos outros credores que estavam da

terceira posição em diante, causando uma certa insegurança e revolta por parte destes.

A prioridade do recebimento do crédito tributário no processo falimentar teve como

supedâneo o artigo 186 do Código Tributário Nacional, que preferiu a qualquer outro crédito,

com exceção do crédito de natureza trabalhista, senão veja-se a disposição do citado artigo:

Art. 186 do CTN. “O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o

tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.”

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Entretanto, com o surgimento da Lei no. 11.101/2005, que inverteu a hierarquia dos

créditos tributários e dos créditos com direitos reais de garantia, foi necessário alterar a

redação do art. 186 do CTN, pois este não mais se coadunava com a legislação específica da

falência, nascendo, por conseguinte, a Lei Complementar n.º 118, de 09 de fevereiro de 2005,

para adequá-lo à nova sistemática do processo falimentar, possuindo a seguinte redação:

Art. 186 do CTN. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua

natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

Parágrafo único. Na falência:

I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias

passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia

real, no limite do valor do bem gravado;

II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos

decorrentes da legislação do trabalho; e

III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.

Dessa forma, pela disposição do referido artigo da LC no. 118/2005, pode-se comentar

que foi grande e inovadora a mudança no pagamento dos créditos na falência, pois antes tais

créditos tributários apresentavam-se de forma inabalável e inatingível, só perdendo lugar para

os créditos trabalhistas.

Agora os créditos fiscais sofrem várias limitações, tendo em vista que devem respeitar o

pagamento dos créditos extraconcursais, os valores pagos a título de restituição e ainda os

créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado. Portanto, fazendo-se um

comparativo ao regime anterior, tal disposição trouxe eficiência ao processo falimentar, no

sentido de que mais categorias de credores vão ser satisfeitas com o recebimento de seus

créditos.

Sem falar que os bancos, ao concederem crédito às empresas, realizavam-na a um custo

muito alto, em virtude do risco do não pagamento também ser muito elevado. Assim, as taxas

de juros eram crescentes, pois a inadimplência era cada vez maior e, de nada se asseguravam,

quando capitalizavam determinada empresa em troca de constituição de uma garantia real

sobre determinado bem.

A garantia real, de acordo com o regramento falimentar anterior, de nada serviria, pois

as dívidas tributárias eram volumosas, não restando nenhum capital para pagamento dos

credores remanescentes. Confirmando esse pensamento, faz-se necessário transcrever trecho

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da obra de Fábio Ulhoa Coelho (2008, p. 217) em que o mesmo se manifesta no seguinte

sentido:

Na audiência pública de que participei na Comissão de Assuntos Econômicos do

Senado Federal, para discussão do projeto de lei, manifestei-me nos seguintes

termos acerca desse objetivo da reforma (contribuir para a redução dos juros

bancários): Não devemos alimentar esperanças vãs. Tenho como clientes diversos

bancos e, por isto, acho que entendo como raciocinam os banqueiros. A reforma da lei de falências deve contribuir para a redução dos riscos associados à inadimplência

e insolvência, mas ninguém se iluda que, logo no dia seguinte, os spreads estarão

reduzidos. Os banqueiros, primeiro, irão dizer que não estão reduzindo os juros

porque ainda não se manifestaram os efeitos das inovações. E é fato: os spreads

baseiam-se não só em projeções (futuro) como em estatísticas (passado). Somente

após algum tempo, a contribuição da nova lei de falência irá se traduzir em dados

estatísticos que influem na composição dos juros. Mas mesmo depois de a reforma

frutificar, haverá banqueiros mantendo seus juros altos alegando um outro pretexto

qualquer. A reforma deve ser feita, mas não vamos depositar nela falsas ilusões.

Por fim, pode-se concluir, em poucas palavras, que a mudança na ordem de preferência

entre os créditos tributários e os créditos com garantia real beneficiou e contribuiu para a

eficiência da lei falimentar frente ao mercado de crédito, posto que assegurou o recebimento

dos agentes econômicos antes mesmo do que o próprio ente estatal. Nesse sentido, também

discorre Luiz Guerra (2011, v. 3, p. 213-214):

Sem crédito e sem capital, como o devedor, na recuperação, poderá movimentar-se?

E o falido, como poderá pagar aos credores? Impossível! Logo, a atual classificação

apresenta-se justa porque as Fazendas Públicas e o INSS não são emprestadores de

capital e vivem exclusivamente do recolhimento dos tributos e contribuições fiscais

e parafiscais. Sem atividade econômica, não há fato gerador; sem fato gerador, não há tributo a recolher aos cofres públicos.

Já as multas tributárias e previdenciárias foram excetuadas, estando elas

participando do inciso VII, do art. 83, da LRF. Portanto, as referidas multas estão no

sétimo lugar, na ordem de classificação geral, ao lado das demais multas contratuais

e penas pecuniárias, eis que têm, em essência, natureza acessória.

Com relação à inexistência de recurso suspensivo obrigatório da sentença declaratória

de falência (art. 100 da Lei n.º 11.101/2005 c/c art. 522 c/c art. 527, III, do Código de

Processo Civil), dá condições ao processo falimentar ser encerrado mais rapidamente, tendo

em vista que no Decreto-Lei passado, o efeito suspensivo era disposto por determinação do

art. 17 e seu parágrafo único, em que prescrevia que da sentença que decretava a falência do

“comerciante”, cabia o recurso de agravo de instrumento que, obrigatoriamente, possuía efeito

suspensivo. Referida obrigatoriedade trouxe, por conseqüência, vários efeitos negativos para

os credores e também ao mercado.

Fazendo uma análise da repercussão do efeito suspensivo da sentença declaratória de

falência para o mercado, pode-se afirmar que trazia uma grave insegurança jurídica ao realizar

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transações comerciais deste com o falido. Pois, ao ser concedido o efeito suspensivo, ocorria

uma paralisação dos efeitos da sentença de quebra do empresário, e quem negociasse com este

estaria realizando um negócio inseguro, tendo em vista a possibilidade da massa falida não

honrar com o que foi pactuado, em virtude da sua situação de inadimplente e insolvente. Além

de muitos no mercado não tomarem conhecimento da sentença de falência, posto que esta

estava com os seus efeitos suspensos.

Além da repercussão negativa para com o mercado, relatam-se também conseqüências

nefastas aos credores da empresa falida, tendo em vista que, com o efeito suspensivo, a

possibilidade de recebimento dos seus créditos estaria bem mais difícil e complicada, em

virtude da necessidade de se esperar o julgamento do referido recurso para dar

prosseguimento ao processo falimentar. E, além disso, no período em que estivesse para ser

julgado o agravo de instrumento no tribunal competente, o falido, no comando da empresa,

poderia realizar atos que pudessem prejudicar mais ainda a massa, como, por exemplo, alienar

bens e ativos da massa sem o discernimento e cuidado necessário, prejudicando em muito a

situação de seus credores. Entretanto, de acordo com o atual sistema processual, o agravo de

instrumento, em regra, não mais possui efeito suspensivo, liberando, portanto, a

obrigatoriedade de tal efeito no agravo contra decisão que defere a falência.

Com relação às alterações ocorridas na fase de habilitação dos credores no processo

falimentar, também teve uma repercussão positiva com o advento da Lei n.º 11.101/2005,

tendo em vista que esta viabilizou a habilitação dos credores junto ao administrador judicial e

não mais perante o juízo falimentar. Dessa forma, presencia-se uma inovação eficiente,

contribuindo para a celeridade do processo de falência, principalmente na possibilidade de

recebimento dos créditos.

É público e do conhecimento de todos que a fase de habilitação e verificação dos

créditos é considerada o momento mais difícil e complicado de se resolver num processo de

falência, sendo taxado como o período mais prolixo de todos. É nessa fase que os credores

terão que incluir o seu respectivo crédito na relação publicada pelo administrador judicial e, se

o seu crédito já estiver incluído nessa relação, o credor terá que averiguar o seu valor, e, em

caso de incompatibilidade, contestar, posteriormente, quanto à sua legitimidade, classificação

ou o seu valor apresentado.

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Assim, de acordo com o art. 7º da Lei no. 11.101/2005, a habilitação e verificação dos

créditos passaram a ser um procedimento administrativo perante o administrador judicial,

diferentemente do que ocorria com o art. 82 do Decreto-Lei nº 7.661/1945, senão veja-se:

Art. 7o da Lei no. 11.101/2005: A verificação dos créditos será realizada pelo

administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e

fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores,

podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

§ 1o Publicado o edital previsto no art. 52, § 1o, ou no parágrafo único do art. 99

desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao

administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

§ 2o O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na

forma do caput e do § 1o deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de

credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1o

deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas

indicadas no art. 8o desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a

elaboração dessa relação. [grifo nosso]

Art. 82 do Decreto-Lei nº 7.661/1945: Dentro do prazo marcado pelo juiz, os

credores comerciais e civis do falido e, em se tratando de sociedade, os particulares

dos sócios solidariamente responsáveis, são obrigados a apresentar, em cartório, declarações por escrito, em duas vias, com a firma reconhecida na primeira, que

mencionem as suas residências ou as dos seus representantes ou procuradores no

lugar da falência, a importância exata do crédito, a sua origem, a classificação que,

por direito, lhes cabe, as garantias que lhes tiverem sido dadas, e as respectivas

datas, e que especifique, minuciosamente, os bens e títulos do falido em seu poder,

os pagamentos recebidos por conta e o saldo definitivo na data da declaração da

falência, observando-se o disposto no art. 25. [grifo nosso]

Por meio de uma análise feita na literalidade dos referidos artigos 7º da Lei 11.101/2005

e 82 do Decreto-Lei no. 7.661/45, verifica-se que há uma discrepância muito grande existente

entre ambos, haja vista que o art. 82 mostrava-se bastante moroso, necessitando de uma

reforma urgente, pois, além dos credores terem que apresentar o seu pedido de habilitação e

comprovar o seu crédito em cartório, tinham também que apresentar as declarações com

firmas reconhecidas dos representantes do juízo da falência. Atualmente, não é mais exigida

essa burocracia toda.

Além disso, é sabido que o administrador judicial é a pessoa mais indicada para realizar

tal mister, pois tem conhecimento de toda a situação da sociedade empresária falida, bem

como é o encarregado em gerenciar todo o processo falimentar. Já o juiz da vara de falências,

anteriormente incumbido de tal encargo, livrou-se de administrar tais habilitações, possuindo

mais tempo para se dedicar às outras fases e às outras falências.

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Assim, pelo exposto, verifica-se que o procedimento de habilitação dos créditos na

falência se tornou menos moroso e, deixando de ser realizado judicialmente, proporcionou a

desburocratização do sistema falimentar, tendo em vista que poderá ser perpetrado ainda sem

a assistência de advogado, contribuindo para a celeridade do procedimento, fazendo com que

o juiz não se reserve a questões pequenas que podem ser resolvidas pelo administrador

judicial.

Portanto, não sendo necessário realizar o procedimento de habilitação de créditos

perante o juiz falimentar, as impugnações de crédito e a formação do quadro geral de credores

não são mais pressupostos necessários para a venda dos bens da massa falida, podendo o

administrador judicial, tão logo investido no seu encargo, gerenciar, dentro dos limites legais

e das condições judiciais, o procedimento de venda, reduzindo, por conseqüência, a duração

do processo e aumentando consideravelmente a possibilidade de maior satisfação dos credores

habilitados.

Finalizando os comentários acerca de alguns dispositivos que materializam a eficiência

normativa, processual e econômica, bem como proporcionam o incremento ao mercado de

crédito, passa-se a tecer algumas considerações sobre eficiência econômica abaixo

pormenorizada.

Genericamente, pode-se dizer que a eficiência econômica deriva da redução de custos e

da otimização dos benefícios/lucros. Em termos matemáticos: é o que resulta da “diferença

entre as receitas e os custos totais”. Há uma série de circunstâncias que incidem sobre esses

fatores, que, ao afinal das contas, redundará numa (in)eficiência econômico-financeira, a

mercê da qualificação do mercado em que atuam, haja vista que a “concorrência perfeita”

dificilmente se vislumbra na realidade. Nesse sentido, quaisquer vícios que afastem do

mercado esse modelo concorrencial devem ser rechaçados, afinal trata-se de princípio

orientador do exercício da atividade econômica (art. 170, CF/88).

Acerca da eficiência nas relações comerciais, Rachel Sztajn (2004, p. 43-44) a observa

sob dois pontos: liberdade de escolha, conforme as necessidades das partes, e disponibilidade

equânime de informações. Veja-se:

A troca é eficiente sempre que pessoas (partes) podem comparar diferentes alternativas disponíveis e referidas àquele determinado bem ou substitutos razoavelmente similares a fim de optar pela que lhes parecer melhor. A eficiência depende também de informação que deve ser igualmente disponível para todos os participantes daquele mercado e não apenas entre partes relacionadas. A eficiência é

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avaliada pelo padrão proposto por Vilfredo Pareto, segundo o qual o resultado da operação é eficiente quando, numa troca ou série de trocas, uma das pessoas fica melhor, aumenta o seu bem-estar, sem que qualquer outra fique pior, após a troca, do que estava antes dela.

No tocante ao “padrão de medida de eficiência conhecido como ótimo de Pareto”, a

autora o critica ao assinalar que esse método, por vezes, atrela o bem-estar de uma pessoa ao

insucesso de outra, mas também o reconhece como instrumento facilitador das “análises de

situações reais para detectar falhas na estrutura ou no comportamento dos agentes” (SZTAJN,

2004, p. 43-44).

Além dos parâmetros suscitados por Rachel Sztajn para identificar a eficiência,

acrescenta-se outro: o aperfeiçoamento das normas e das instituições jurídicas, em sintonia

com a realidade e os anseios dos tutelados. Na verdade, colocando-se o Direito como

instrumento na organização da atividade econômica, na regulação de mercados, na proibição

de condutas abusivas etc., e não como empecilho para as relações negociais, observa-se outro

componente na obtenção dessa tão almejada eficiência. No Direito Falimentar, esse elemento

é extremamente visível.

Outra medida da eficiência é a encontrada por Kaldor-Hicks, por meio do “modelo de

compensações teóricas”, “[...] em que os que se beneficiam compensariam os que perdem, é

mais aderente às realidades sociais” (SZTAJN, 2004, p. 44).

Há ainda o chamado Teorema de Coase, que “[...] ajuda a identificar qual a solução

socialmente mais eficiente na ausência de custos de transação e com direitos de propriedade

perfeitamente assinalados” (PINHEIRO; SADDI, 2006, p. 104).3

De uma forma mais clara, principalmente para aqueles que não possuem um

conhecimento aprofundado da Ciência Econômica, Rachel Sztajn (2005, p. 228-231)

conceitua:

Eficiência significa a aptidão para obter o máximo, ou melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços; associa-se à

3 Custos de transação: Custos incorridos pelos agentes econômicos na procura, na aquisição de informação e na negociação com outros agentes com vistas à realização de uma transação, assim como na tomada de decisão acerca da concretização ou não da transação e no monitoramento e na exigência do cumprimento, pela outra parte, do que foi renegociado (PINHEIRO; SADDI, 2006, p. 75). “Custos de transação são os custos de realização e cumprimento de transações ou trocas de titularidade. Ou seja, na realização de qualquer negócio jurídico, os agentes considerarão os custos embutidos naquele negócio para parametrizar suas ações em busca de um melhor e mais eficiente resultado econômico.” (TIMM, 2008, p. 265) Nos próprios ensinamentos de Ronald H. Coase “search and information costs, bargaining and decision costs, policing and enforcement costs.” (COASE, 1988, p. 41)

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noção de rendimento, de produtividade; de adequação à função. Não se confunde com eficácia que é a aptidão para produzir efeitos. [....] Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira a mais produtiva. Elas deveriam ser metas de qualquer sistema jurídico. A perda de recursos/esforços representa custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se empregue para avaliar os efeitos.

Após tantas visões economicistas, o que se espera, juridicamente, é que eficiência

econômica seja um mecanismo a ser adotado pelo empresariado e o mercado, visando o bem-

estar socioeconômico da unidade produtiva e também da coletividade.

Nesta linha de raciocínio, sustenta-se que a iniciativa privada e o Poder Público devem

abraçar-se para a consecução de uma meta superior: bem comum, interesse público, interesse

social e congêneres.

Elencam-se alguns exemplos de fomento dessa dupla realização ou do equilíbrio desses

interesses – econômico e social (FRANCO; SZTAJN, 2008, p. 273-275): “crescimento da

produção”, “aumento das riquezas”, “instauração de relações sociais mais equânimes”,

“participação de trabalhadores no processo econômico”, “criação do maior número de

ocupações possíveis”, humanização/melhoria das relações entre proprietários e colaboradores

(em sentido amplo); equilíbrio “entre as forças econômicas operantes no contexto social”,

“atribuição de melhores salários”, “maior proteção aos trabalhadores e estabilidade das

relações entre os detentores do poder econômico e os trabalhadores”, “elevação econômica e

civil da massa popular”, dentre outros.

A estabilização entre esses objetivos deve ser fundada justamente no princípio da

solidariedade social, de forma que complemente o outro, cuja essência, no Direito das

Empresas em crise, deve ser a preservação da unidade produtiva para além de seu próprio

titular e até dos credores.

Conforme as lições de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi (2006, p. 50), a

empresa, sob uma análise microeconômica, é caracterizada como um agente econômico que,

atuando no mercado, utiliza a tecnologia “[...] para transformar trabalho, capital e insumos em

bens e serviços. Essa tecnologia pode ser analisada equivalentemente de duas perspectivas

distintas: a da produção e a dos custos”. Trata-se, assim, de uma balança entre a quantidade

produzida e os custos daí advindos.

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Conforme assinala Frederico Viana Rodrigues (2005, p. 115-122), numa crise

empresarial o que não faltam são conflitos de interesses, tais como: “credores vs. devedor”,

“sociedade empresária vs. sócios vs. administrador” e “credores vs. credores”; contudo, o

foco, na lei em testilha, é a promoção da continuidade da atividade empresarial:

Não traz o novo diploma favores ou benesses para os empresários, nem tampouco benefícios sociais às custas dos credores. O regime atual privilegia a eficiência. Orientado pelo paradigma funcionalista da ordem neoliberal, possibilitará o saneamento de empresas economicamente viáveis, o que, por via indireta, realizará o interesse público ao manter a célula produtiva. (grifos originais).

Por fim, convém trazer à baila as ilações Ecio Perin Junior (2009, p.116-117) ao

confrontar os preceitos ora arrazoados e compreender que são aparentemente antinômicos:

[...] a busca da eficiência econômica como forma de sustentabilidade da recuperação da empresa [...] é mitigada com o princípio da preservação da empresa, uma vez que não se excluem, e sim complementam-se; [...] a empresa deve buscar, em uma análise criteriosa, sob o auspício do Judiciário e de todos os atores envolvidos nesse processo reorganizatório, um equilíbrio entre a efetiva busca da eficiência econômica, com a redução de salários, transferências de ativos e do controle da empresa, fusões, cisões etc. e a manutenção da fonte produtiva, como forma de humanização das relações empresariais.

Nessa esteira, o exercício da atividade empresarial e o seu soerguimento (superação da

situação de crise econômico-financeira) deve ser vislumbrado a partir de duas lentes:

eficiência econômica e o incremento do mercado de crédito, reduzindo os juros e o risco

empresarial, numa tentativa contínua e permanente de encontrar o “ponto de equilíbrio” entre

os interesses públicos e privados com vistas ao atendimento concomitante dos princípios

Dignidade da Pessoa Humana, como corolário dos demais preceitos constitucionais, os quais

devem ser antevistos como “complementares”, e não “excludentes” no Estado Democrático

de Direito.

CONCLUSÃO

Há muito a sociedade já esperava por um instrumento legal que socorresse a empresa ao

invés de contribuir para a paralisação das suas atividades, célere ao invés de eminentemente

burocrático. Na atualidade, a esperança na efetividade dos anseios insculpidos no vigente

regulamento legal.

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Com o advento de nossa Constituição Federal de 1988, uma nova sistemática jurídica

vem à tona, baseando-se esta em valores como a dignidade da pessoa humana, o trabalho, a

função social da propriedade, livre iniciativa, dentre outros. Posteriormente é publicado, em

2002, o Código Civil vigente, com fortes influências de ordem constitucional – reflexos do

acolhimento da ideia de “constitucionalização ou descodificação do direito privado” –

trazendo este, em seu conteúdo, a unificação do direito privado, a teoria da empresa, a

inserção de alguns princípios de ordem constitucional em seu texto, notadamente direitos

fundamentais, dentre outros.

A atual Lei de Recuperação e Falência de Empresas – 11.101/2005 –, nessa sistemática,

é antevista como um instrumento normativo para a consecução dos fundamentos e objetivos

da República Federativa do Brasil (arts. 1º, 3º, 5º, inciso XXIII e 170 da CF/88), afinal esses

não são apenas meros preceitos, mas o próprio fim do Estado brasileiro e sua sociedade.

Nesse contexto, a empresa não é vislumbrada sob uma ótica estritamente reducionista,

isto é, como propriedade exclusiva do seu titular (empresário) e que seus reflexos dizem

respeito apenas a ele. Na verdade, trata-se de um “organismo multidisciplinar” cujos efeitos

decorrentes de uma crise ou um sucesso também ecoarão junto aos seus empregados,

fornecedores, investidores e até no mercado e Estado. É um complexo encadeamento de

relações, cujo ciclo virtuoso ou vicioso gerará um “efeito cascata” positivo ou negativo.

Nessa sistemática é fundamental reconhecer a preservação da empresa como princípio-

diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas de Direito Falimentar,

pertinente tanto no processo recuperatório, quando no falimentar em si, afinal sempre vai

existir casos que a lei é lacônica e imperfeita, haja vista que é impossível prever todos os

casos/conflitos.

Portanto, na condução de atividades econômicas, inclusive a empresarial, é preciso

atentar para a flexibilização e a humanização, tendo-se como limite o princípio da Dignidade

da Pessoa Humana, dentre outros, com vistas a permitir/embasar a busca pela eficiência

econômica e, direta ou indiretamente, alcançar a sua função social, haja vista que eles devem

ser vislumbrados como complementares no Estado Democrático de Direito.

Deste modo, depreende-se que a linha de raciocínio desenvolvida pela Lei 11.101/2005

– um dos sustentáculos do (novo) Direito Concursal – visa a atuação conjunta e recíproca de

interesses públicos e privados, por meio da agregação de normas aparentemente contrárias,

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cujo escopo maior é (deve ser) o fomento à materialização de direitos e garantias

constitucionais por intermédio da continuidade da atividade empresarial.

Nesse ponto, salienta-se a importância da atuação moderada do Estado junto a estes

agentes socioeconômicos em sua caminhada (afinal, o risco é intrínseco ao seu mister), no

sentido de assegurar a estabilidade econômica e financeira, bem como a segurança jurídica, a

fim de promover o saneamento da atividade econômica viável. Ou, em caso de inviabilidade,

a finalidade deve desviar-se para os demais elos da cadeira, ou seja, amenizar os (inevitáveis)

respingos da insolvência empresarial por meio da sua célere retirada do mercado.

Assim, com o advento da Lei de Recuperação e Falências de Empresas, o Brasil tornou-

se um ambiente propício aos investimentos estrangeiros, tendo em vista o surgimento do

instituto da recuperação judicial e de um processo falimentar mais rápido e mais eficiente,

possibilitando o pagamento dos créditos, e da expectativa de diminuição no tempo de

tramitação dos processos judiciais.

Além disso, visando à eficiência econômica, foi necessário verificar a atuação do Poder

Judiciário, em virtude das decisões judiciais, ao lado da lei de falências, darem ensejo a

incentivos que favoreçam comportamentos desejáveis no sentido de efetivar o princípio da

preservação da empresa e da manutenção de um excelente mercado de crédito.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, com o surgimento da atual legislação falimentar,

houve o incremento do mercado de crédito, diminuindo o custo do crédito no Brasil, através

da redução dos juros e do risco empresarial, em virtude de transformações implementadas na

lei, proporcionando maiores garantias aos credores, principalmente aos bancos. E os preceitos

norteadores da lei falimentar que contribuem para a materialização da eficiência normativa e

econômica, trazendo também conseqüências positivas ao mercado financeiro, tem-se o

seguinte: a mudança na ordem de recebimento dos créditos no processo falimentar; a não

obrigatoriedade de efeito suspensivo na sentença declaratória de falência e as alterações do

processo de habilitação dos credores na falência.

REFERÊNCIAS

COASE, Ronald. The firm, the market and the Law. Chicago: Chicago University Press, 1988.

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Ferramentas da Análise Econômica do Direito para compreensão dos contratos

empresariais

Tools of the Economic Analysis of Law to the comprehension of the business contracts

Giovani Ribeiro Rodrigues Alves1 Renata Carvalho Kobus2

RESUMO O presente trabalho realiza estudo sobre algumas das principais ferramentas da Análise Econômica do Direito (AED), quais sejam: Teoria dos Jogos, Dilema dos Prisioneiros, Equilíbrio de Nash, custos de transação e racionalidade limitada dos agentes e sua aplicabilidade na análise dos contratos empresariais. Inicialmente, é abordada a importância e as principais finalidades da AED. Em seguida, aborda-se a Teoria dos Jogos, método matemático de análise das interações humanas, e seu exemplo clássico do Dilema dos Prisioneiros. Após, é feita uma interlocução entre a Teoria dos Jogos e os contratos empresariais, a partir do pensamento de Robert Axelrod. Por fim, é realizado um estudo acerca dos custos de transação e da racionalidade limitada dos agentes e da importância de ambos para a maior efetividade das relações mercantis. Palavras-chave: Análise Econômica do Direito; Teoria dos Jogos; custos de transação; racionalidade limitada; contratos empresariais.

ABSTRACT

This work develops an approach about some of the main tools of the Economic Analysis of Law, as the Game Theory, the Prisoner's Dilemma, the Nash Equilibrium, transaction costs and limited rationality of economic agents. Firstrly, it is analyzed the importance and the main purposes of AED. After, it is analyzed the Game Theory, that is a mathematical method of analysis of human interaction, and its classic example of the Prisoners' Dilemma. Thirdly, it is showed the relation between the Game Theory and the business contracts, from the thought of Robert Axelrod. Finally, it is studied the transaction costs, the human rationality and the importance of both to the greater effectiveness of commercial relationships.

Keywords: Economic Analysis of Law; Game Theory; transaction costs; bounded rationality; business contracts.

1 Mestrando em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. 2 Mestranda em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Direito e Economia são disciplinas complementares. Contudo, esta nem sempre foi a

opinião predominante e, aliás, talvez ainda não seja.

Sob o viés dos juristas, prevaleceu durante muito tempo a pretensão moderna de criar

um ordenamento jurídico completo e autorreferente, insculpido nos ideais consagrados entre

os séculos XVII e XIX, em que não havia espaço para a interdisciplinaridade. Sob o outro

viés, dos economistas, certas vertentes insistiam em refutar a importância da análise das

instituições na Economia, o que distanciava a disciplina econômica da jurídica.

O estudo interdisciplinar entre o Direito e a Economia potencializa a maximização

das riquezas e a eficiência das relações sociais. A Análise Econômica do Direito (AED) é

capaz de expandir a compreensão dos juristas e aperfeiçoar o desenvolvimento da ciência

jurídica por intermédio do emprego de ferramentas teóricas e empíricas da Economia.

Neste sentido, adota-se como referencial teórico do presente trabalho a concepção de

Cooter e Ulen (2010, p.25) para quem a Economia pode fornecer ao Direito uma teoria

comportamental para prever como as pessoas reagem às leis e às decisões judiciais.

Com efeito, a Economia é capaz de contribuir para a compreensão do

comportamento humano e, a partir disso, o Direito pode desenvolver mecanismos para

estimular ou desestimular a tomada de determinadas condutas pelos agentes, o que faz parte

da própria essência jurídica.

No decorrer deste artigo, para ilustrar a racionalidade das escolhas, a presunção do

comportamento humano e os estímulos que podem ser fornecidos com o auxílio da Economia,

será adotada a Teoria dos Jogos e, mais especificamente, um exemplo clássico de sua

aplicação, o Dilema dos Prisioneiros.

De início, será abordada a Análise Econômica do Direito, seus principais objetivos e

a sua importância para as relações sociais.No segundo item, será discorrido sobre a origem da

Teoria dos Jogos, mencionando, ainda que brevemente, algumas de suas características

básicas. Adiante, discorrer-se-á sobre o Dilema dos Prisioneiros, que gerou estudos e

aplicações práticas em todo o mundo. Após, será feita uma interlocução entre a Teoria dos

Jogos e a análise dos contratos empresariais, a partir do pensamento de Robert Axelrod, de

modo a identificar as tendências comportamentais dos contratantes empresários. Adiante, será

desenvolvido a respeito dos custos de transação, verificando-se a importância de sua análise e

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absorção para as relações mercantis e, por fim, será trabalhado a respeito da previsibilidade do

comportamento humano.

2. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A Análise Econômica do Direito (AED) é um movimento interdisciplinar que consiste

na aplicação das teorias econômicas às situações do Direito, vislumbrando a maximização de

riquezas e o aumento da eficiência das relações sociais.

Com a publicação da obra “Economics Analysis of Law” Richard Posner, juiz da

Corte de Apelação dos Estados Unidos, passou a ser considerado como um dos maiores

precursores da Análise Econômica do Direito. Além desta e de diversas outras obras, Posner

utilizou a AED em suas decisões, o que evidenciou a viabilidade de sua aplicação na prática

jurídica.

Quanto ao objetivo, a AED visa a expandir a compreensão do Direito e a aperfeiçoar o

seu desenvolvimento, o que é feito através do emprego de várias ferramentas teóricas e

empíricas da economia. Alexandre Diztel Faraco e Fernando Muniz Santos (2003, p. 43-44)

afirmam que a teoria econômica é de suma importância para o jurista no momento em que:

(i) necessita explicar fatos econômicos constantes do descritivo de certas normas jurídicas; (ii) busca generalizar os efeitos de uma decisão, de uma norma ou de determinada forma de aplicação da norma, assim como relacionar outras variáveis que são afetadas por esses eventos, através da utilização da análise econômica no seu enfoque positivo, e (iii) aplica normas jurídicas que positivam um objetivo econômico ou social a ser alcançado, ou são positivadas tendo como fundamento de validade a realização de tal objetivo, situação na qual ocorre uma interpenetração entre os planos de validade e de eficiência da norma, em termos finalísticos.

Para os adeptos da AED, o Direito deve ser elaborado, aplicado e modificado em

conformidade com os preceitos e com a evolução do mundo real, não por meros julgamentos

de valores em que se encontram ausentes os fundamentos empíricos. Para compreender o

comportamento humano, a Análise Econômica do Direito utiliza alguns postulados, como a

escassez, os custos de oportunidade, a racionalidade maximizadora e os incentivos.

Os recursos da sociedade são escassos, o que limita a escolha dos indivíduos,

tornando-a mais racional, pois o agente visa a maximização do seu bem- estar social. Acerca

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da noção de escolha racional e da interdisciplinaridade entre Direito e Economia, são as

palavras de Rachel Sztajn (2005, p. 80):

Até os padrões do homem médio, do bom pai de família, do homem ativo e probo tomam a racionalidade como suporte, porque estas pessoas se baseiam, ao determinar as suas ações, nos padrões sociais ou institucionais existentes, aprovados, desejados, estimulados. Desvios levam a punições, sejam elas impostas pelo sistema jurídico seja por normas socialmente aceitas. Sob tal perspectiva, fica claro que nada obsta que Economia e Direito mantenham profícuo diálogo.

Toda escolha humana pressupõe um custo de oportunidade. Por exemplo, ao optar pela

escolha x, o indivíduo perde a oportunidade de realizar a escolha y. Assim sendo, o custo de

oportunidade é definido como o custo econômico de uma escolha que foi deixada de lado

(COOTER; ULEN, 2010, p. 53). Diante de tais aspectos, o agente, antes de tomar qualquer

tipo de conduta, coteja os custos com os benefícios, optando pela opção que lhe proporcionará

maiores incentivos.

A utilização da Análise Econômica do Direito possibilita ao jurista a identificação e

quantificação dos impactos sociais decorrentes da aplicação das normas jurídicas, o que

potencializa a efetividade do ordenamento jurídico. Ao proporcionar a maximização da

eficiência do Direito, a AED beneficia toda a coletividade, pois é um instrumento que indica

“o conjunto de alternativas que levam a um menor ou a um melhor gasto dos recursos, bem

como um maior alcance dos fins com ou sem aplicação de recursos” (BITTENCOURT, 2011,

p. 33).

3. A TEORIA DOS JOGOS

A Teoria dos Jogos é definida como um método matemático que aborda os processos

de decisões praticados por agentes que reconhecem sua interação mútua (AXELROD, 1985,

p. 27). Marinho (2005, p. 19) explica que esta teoria entra em ação “sempre que minha

decisão é baseada no que eu acho que você vai fazer, em função do que você entende que eu

mesmo vou decidir”.

A Teoria dos Jogos estuda os conflitos e as cooperações entre jogadores, ao analisar

as tomadas de decisões em que um ou vários agentes fazem escolhas que afetam, potencial ou

efetivamente, a conduta de outros agentes.

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Assim, para a caracterização do jogo, deve-se especificar três elementos

fundamentais: (a) os jogadores, (b) as estratégias de cada jogador e (c) os ganhos ou retornos

de cada jogador para cada estratégia, o que é denominado de payoffs.

A primeira análise formal da Teoria dos Jogos é datada de 1838, resultante do estudo

de duopólio realizado por Antoine Counort, que demonstrou, já no século XIX, como as

empresas são dependentes da ação dos outros agentes econômicos (STENGEL; TUROCY,

2002, p. 04).

O primeiro exemplo de análise formal da teoria dos jogos surgiu deste estudo do

duopólio realizado por Antoine Counort, que tratou de dois exploradores de um mercado de

água mineral, sendo que o único produtor que já estava instalado neste mercado, após a

entrada de um segundo produtor, altera o seu comportamento, o que evidencia que o

equilíbrio de preços ocorre mesmo que as partes acreditem serem independentes (STENGEL;

TUROCY, p.04).

Nada obstante, John Von Neumann é apontado como o criador da Teoria dos Jogos

por seu artigo “Zur Theorie der Gesellscftsspiele”, publicado em 1928. Foi também Neumann

quem escreveu, em coautoria com Oskar Morgenstern, no ano de 1945, a obra fundamental a

respeito da Teoria, intitulada “Theory of Games and Economic Behavior”.

A Teoria dos Jogos estuda os conflitos e as cooperações ente jogadores (players), ao

analisar as tomadas de decisões onde vários jogadores fazem escolhas que afetam, seja de

forma potencial ou efetiva, a conduta de outros playeers. Como se trata de um jogo, o

indivíduo precisa utilizar-se de uma estratégia, ou seja, “um plano de ação que corresponde às

reações de outras pessoas” (COOTER; ULEN, 2010, p. 56).

Este método de compreender as tomadas de decisões possui como principais

objetivos: “auxiliar no entendimento teórico no processo de decisão dos agentes que

interagem, a partir de abstrações e pressupondo a racionalidade dos jogadores, e desenvolver

nos agentes a capacidade de racionalizar estrategicamente” (BECUE, 2011, p.112).

As regras do jogo levam em consideração que cada jogador optará por determinada

conduta em conformidade com a estratégia que toma como ponto de partida, com as ações

dispostas pela lei e com as consequências em decorrência do seu descumprimento, cabendo ao

direito delinear tais regras.

Para uma melhor compreensão da Teoria dos Jogos é usualmente explicada pelo

Dilema dos Prisioneiros e pelo Equilíbrio de Nash, como se passa a demonstrar no subtópico

a seguir.

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3.1 Dilema dos Prisioneiros e o Equilíbrio de Nash

O Dilema dos Prisioneiros, proposto inauguralmente no ano de 1950 por Albert W.

Turcker, consiste em um jogo não cooperativo no qual os players não possuem informações

completas sobre o comportamento do outro agente (GALESKI JUNIOR; RIBEIRO, 2009, p.

111).

O Dilema é descrito, basicamente, a partir da seguinte situação: dois sujeitos se unem

para a prática de dois crimes. Ao chegarem na loja, iniciam os atos executórios do roubo,

sendo, logo após, surpreendidos pela polícia que os captura em flagrante.

Ato seguinte, são levados à delegacia e trancados em celas separadas, onde são

mantidos incomunicáveis. Posteriormente, são interrogados, simultaneamente, quando lhes

são apresentadas duas opções, calar-se ou confessar os crimes, aplicando-se as seguintes

penas, dependendo dos comportamentos escolhidos pelos agentes (MARINHO, 2005, p. 20):

(i) se ambos optarem por permanecer calados, e, portanto, não confessarem os

crimes, cumprirão 02 anos de cadeia (cada um);

(ii) se ambos confessarem os crimes, os dois cumprirão 04 anos de prisão;

(iii) se somente um deles confessar (e o outro se calar), o que confessar ficará apenas

um ano preso, enquanto o que ficou calado será preso por 08 anos.

Verificando a situação e os possíveis comportamentos a serem adotados pelas partes,

tem-se que haverá cooperação entre os sujeitos infratores quando não confessarem o crime

(cada um mantendo-se calado), já que, em assim fazendo, não estariam a prejudicar o

comparsa em termos de pena a ser cumprida. Evidentemente, o termo cooperação está

unicamente ligado à relação entre os sujeitos infratores e não destes com a polícia ou com a

ordem social.

Haverá, por sua vez, não cooperação (deserção) quando confessarem o crime, pois a

partir do momento que um dos sujeitos infratores confessar, estará desde logo, a prejudicar o

comparsa, visto que este sempre será condenado a uma pena maior, seja igualmente

confessando, seja mantendo-se calado (situação em que seria condenado a maior das penas).

Analisando o Dilema, aparentemente, a melhor resposta seria a cooperação, pois, se

ambos cooperassem, ficariam somente dois anos presos. Entretanto, retomando a ideia central

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da Teoria dos Jogos, observa-se que há uma interação mútua entre os sujeitos, de modo que o

melhor comportamento de cada um (busca pela maximização) dependerá do que cada agente

pressupõe que o outro fará, a partir de um raciocínio estratégico (BECUE, 2011, p.111).

Assim, a partir das alternativas fornecidas, a melhor opção a ser considerada por cada

indivíduo dependerá de qual é o comportamento mais provável a ser tomado pelo outro

indivíduo. Ocorre que não há como se ter certeza da escolha que o outro sujeito fará, em vista

da incomunicabilidade entre os agentes e da simultaneidade na tomada das decisões.

Então, cada um dos agentes terá que tomar uma estratégia, presumindo qual será a

conduta adotada pelo outro. Nesta esteira, pela simples visualização das possibilidades acima

descritas, aduz-se que acreditando que o parceiro (comparsa) irá cooperar (não confessar o

crime), a melhor opção passará a ser não cooperar, pois deste modo, o sujeito que não

cooperasse ficaria com a menor das penas.

No mesmo sentido, se o sujeito acredita que o comparsa não irá cooperar, a melhor

opção passa a ser, novamente, não cooperar (desertar), visto que, assim, ambos cumpririam 04

anos de prisão, enquanto que se um cooperar e o outro não, o que cooperasse cumpriria 08

anos.

Do cotejo entre as possibilidades e as penas, no plano abstrato, conclui-se que no

Dilema dos Prisioneiros o agente tende a optar pela confissão (não cooperação), pois a

probabilidade de ter menos tempo de prisão em decorrência deste comportamento é maior. À

esta melhor opção abstrata, a Teoria dos Jogos atribui o nome de estratégia dominante

(COOTER; ULEN, 2010, p. 57-58).

No ano de 1950, John Nash demonstrou que os jogos finitos tem sempre um ponto de

equilíbrio, o qual se dá quando um jogador adota a melhor estratégia em função da estratégia

do concorrente. Este ponto passou a ser denominado de Equilíbrio de Nash, conceito a partir

do qual se construiu a teoria dos jogos contemporânea. O comportamento ótimo a ser adotado

pelos competidores é aquele em que nenhum dos players poderia obter melhor resultado

adotando outra estratégia, tendo em vista a imprevisibilidade do comportamento do outro

player (NASH, 1950, p. 5).

O Equilíbrio de Nash resolveu o problema do Dilema dos Prisioneiros ao propor que

a melhor alternativa, levando-se em consideração que não se sabe a decisão que o outro

jogador irá tomar, é confessar (desertar), ou seja, não cooperar com o outro jogador

(MARINHO, 2005, p. 21), já que esta conduta leva, potencialmente, à maximização dos

ganhos e à minimização das perdas.

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O Dilema dos Prisioneiros e o Equilíbrio de Nash foram muito estudados e diversas

ramificações surgiram a partir deles, a fim de aplicá-los aos mais diversos contextos e

situações, como a concorrência, a produção de bens coletivos e mesmo sufrágios políticos

(AXELROD, 1984, p. 28). Tais raciocínios podem ser empregados, também, na análise dos

contratos empresariais.

4. CONTRATOS EMPRESARIAIS E A SUA INTERPRETAÇÃO A PARTIR DA TEORIA DOS JOGOS

Não há uma definição doutrinária pacífica acerca do que sejam os contratos

empresariais, mormente em virtude do descaso da doutrina acerca de uma teoria geral desta

modalidade de contrato (FORGIONI, 2009, p.40).

Assim, para a identificação das características dos contratos empresariais e a

importância de sua correta interpretação, necessário se faz que, para além da identificação dos

sujeitos contratantes, se compreenda também as demais peculiaridades atinentes a esta

modalidade contratual.

Adota-se, no presente trabalho, a concepção de Paula Forgioni (2009, p. 29) para

quem os contratos empresariais são aqueles praticados pelos comerciantes no exercício de sua

profissão com outros empresários, movidos pela busca do lucro.

Uma característica apontada pela doutrina a respeito dos contratos empresariais é a

de que esta modalidade contratual é vocacionada à duração continuada (GALESKI JUNIOR;

RIBEIRO, 2009, p. 17). Consequência direta disto é a impossibilidade de previsão de todos os

eventos e externalidades que possam alterar o equilíbrio contratual durante o transcurso da

vigência do pacto celebrado (decorrência da limitação da racionalidade humana) e, por outro

lado, uma tendência de cooperação entre as partes, como se verá a seguir.

O conjunto dos fatores singulares encontrados nos contratos empresariais confere a

esta modalidade contratual racionalidade e lógica próprias, não se confundindo com as demais

modalidades contratuais e merecendo, por conta disso, interpretação singular por parte dos

operadores do Direito.

4.1. Dilema dos prisioneiros e contratos empresariais

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Imagine-se que dois empresários resolvam celebrar um contrato de compra e venda

mercantil, segundo o qual o empresário Caio pagaria R$ 1.000,00 ao empresário Tício, que

em contrapartida forneceria 20 sacas de um determinado produto ao comprador.

Considerando que o preço estipulado seja justo, causando a devida retribuição ao

vendedor e gerando o esperado retorno àquele que compra, o comportamento dos contratantes

poderia ser analisado da seguinte forma, em termos de Teoria dos Jogos:

(i) ao efetuar o pagamento a Tício, Caio tem uma despesa de R$ 1.000,00. Cotejando

o dissabor do gasto e a alegria do recebimento do produto, em uma escala hipotética da Teoria

dos Jogos, atribui-se o valor +2 para o sentimento de Caio pelo negócio firmado.

(ii) partindo do prisma do vendedor, analogamente, subtrai-se da felicidade pela

venda do produto, o dissabor da impossibilidade de vendê-lo a outro interessado por um preço

maior, atribuindo a esta operação o valor final de +2.

Teoricamente, as duas partes estão satisfeitas pelo negócio efetuado, pois ambas, por

um preço justo, adequadamente estipulado e aceito, chegaram a um bom acordo, com

benefício mútuo equivalente a +2.

Contudo, imagine-se que o comprador Caio ao invés de pagar pelo produto,

egoisticamente, em um flagrante comportamento oportunista, decida receber a mercadoria,

todavia, sem cumprir sua obrigação de pagamento.

Abstratamente, retirando qualquer possibilidade de punição imediata ao desertor,

Caio deixaria de sentir o dissabor pela despesa de R$ 1.000,00, enquanto a alegria pelo

recebimento do produto continuaria existindo. Assim, na escala abstrata proposta, o índice +2

aumentaria para +4.

No outro vértice, sob a ótica do vendedor, o prejuízo causaria uma grande

insatisfação, pois além de ficar sem o produto que poderia ser vendido para outrem, ficaria

também sem receber o dinheiro, causando, assim, insatisfação de -4.

Portanto, se por um lado, considerando a relação estabelecida pelas partes, a

cooperação geraria um benefício mútuo de +2, caso uma delas desertasse enquanto a outra

cooperasse, a desertora teria um benefício maior (de +4), enquanto a que cooperou amargaria

um prejuízo de -4.

Observe-se que, para este exemplo nos contratos empresariais assim como na

formulação original do dilema (no caso dos presos), o melhor resultado possível para uma das

partes (pensando de forma egoística), seria aquele advindo da deserção quando a outra parte

coopera.

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Robert Axelrod preocupou-se em encontrar as condições nas quais a cooperação

poderia se tornar um comportamento dominante no Dilema dos Prisioneiros. Para isso, além

de analisar o comportamento de cada um dos participantes do jogo sob a expectativa de como

o outro atuará, Axelrod abordou as prévias interações desenvolvidas entre os sujeitos até o

momento em que estão em face do Dilema e as expectativas futuras de encontro entre as

partes (AXELROD, 1984, 30).

Após uma série de experimentos empíricos com jogos e programas de computador

em que participaram vários pensadores da Teoria dos Jogos com suas respectivas estratégias,

o autor constatou que a estratégia vencedora foi a tit for tat (olho por olho) (AXELROD,

1984, 31-54).

Esta tática é definida por Axelrod (1984, p. 31) como aquela em que o operador

inicia a relação com uma opção cooperativa e a partir de então opta pela alternativa escolhida

pelo outro sujeito na rodada anterior. Em outras palavras, o sujeito inicia cooperando e a partir

da segunda rodada repetirá a conduta feita pelo outro sujeito na negociação anterior.

Retomando o exemplo do contrato de compra e venda entre empresários, volta-se ao

equilíbrio inicial gerado pela cooperação na rodada inicial: tanto comprador quanto vendedor

ganham +2 na escala abstrata proposta por este trabalho.

No entanto, com o comportamento egoístico do promitente comprador que apenas

recebe o produto, deixando de efetuar o pagamento e a concomitante cooperação do

promitente vendedor (ao fornecer a mercadoria), aquele que não cooperou iria ter um ganho

maior na rodada inicial, passando de +2 para +4, deixando o vendedor com o prejuízo de -4.

Pela estratégia tit for tat, em uma eventual próxima negociação entre as mesmas

partes, o comportamento do vendedor seria de deserção (não cooperação), de modo que nesta

segunda rodada de negócios, se o comprador cumprisse com sua obrigação (cooperando) teria

uma perda de -4 (que igualaria os ganhos da primeira rodada com as perdas da segunda),

enquanto que se não cooperasse, ambos teriam um prejuízo de -2, restando o comprador com

o índice +2 e o vendedor com -6.

Assim, com base na reciprocidade característica da melhor estratégia (tit for tat),

Axelrod (1984, p.59) observou que para o sucesso da cooperação, a relação entre os mesmos

sujeitos deve ter um tempo tal (repetições da negociação) que faça com que os ganhos obtidos

com o comportamento oportunista sejam compensados pelas perdas nas rodadas seguintes, de

tal forma que o benefício advindo de um primeiro comportamento oportunista não se torne

lucrativo ao final.

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Passando aos números: o agente oportunista tem a oportunidade de burlar as regras,

desertar e com isso obter uma vantagem de +4 em uma determinada negociação.

Ocorre que em uma próxima rodada com os mesmos participantes, a outra parte

tende a repetir o comportamento utilizado pelo polo desertor na rodada inicial, causando,

assim, ou um prejuízo de -4 ao sujeito oportunista da primeira rodada ou gerando um prejuízo

de -2 para ambas as partes.

Observe-se que a partir da terceira rodada, por mais que o desertor inicial optasse por

continuar desertando, os ganhos já estariam zerados, enquanto que caso houvessem optado

pela cooperação nas três rodadas, ambas as partes estariam com benefício de +6.

A aproximação da formulação de Axelrod com os contratos empresariais é

constatada ao se concluir que a possibilidade de cooperação é maior entre os agentes

econômicos quando se está em face de uma relação duradoura ou, ao menos, que tende a ser

duradoura.

Por outro lado, em uma relação esporádica ou ainda, em uma eventual última

negociação (sabendo que não mais irá haver a relação com o outro sujeito), a opção mais

vantajosa seria mudar o comportamento de cooperativo para desertor (MARINHO, 2005, p.

27).

Saliente-se que a Teoria dos Jogos nada mais é do que uma ferramenta que objetiva

explicar a realidade fática. Não se está a incentivar um comportamento oportunista para a

obtenção de vantagens ilícitas. Pelo contrário, nas palavras de Marinho ao analisar as relações

entre os contratantes com base na Teoria dos Jogos: “entendendo melhor o mecanismo

subjacente à realidade (...) tanto mais fácil formular políticas para compensar esse

desequilíbrio” (MARINHO, 2005, p. 27).

Com efeito, a partir do Dilema dos Prisioneiros e sua derivação para os contratos

empresariais, podem ser destacados alguns dos importantes conceitos da Análise Econômica

do Direito, quais sejam: racionalidade do sujeito, incentivos, maximização, comportamento

oportunista, simetria informacional, custos de transação e custos de oportunidade.

A racionalidade do sujeito, os incentivos e a maximização se apresentam na

avaliação que o sujeito fará das alternativas e na escolha daquela que acredita que lhe trará o

melhor resultado.

O comportamento oportunista, por sua vez, é aquele não cooperativo (desertor), pelo

qual o agente se vale da peculiaridade de uma situação para tomar proveito, obtendo um

resultado inicial positivo para si, mas prejudicial ao outro membro da relação.

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A simetria informacional, diz respeito à igualdade de informações entre as partes que

se relacionam no que tange aos elementos que envolvem a relação. Veja-se que este é um

pressuposto fundamental no exemplo do Dilema dos Prisioneiros, pois caso fossem dadas

informações incompletas ou equivocadas a um dos prisioneiros, o sistema perderia sua própria

lógica.

Neste sentido, (i) saber qual a pena a ser cumprida em caso de cooperação; ou (ii) em

caso de deserção; é igualmente importante a (i’) ter certeza que o comparsa não saberá da

opção do outro prisioneiro antes de fazer a sua; (ii’) saber se a polícia efetivamente cumprirá

o prometido nas alternativas por ela propostas.

A importância da simetria informacional para o Direito também pode ser visualizada

pela análise de um simples contrato de compra e venda tradicional (GALESKI JUNIOR;

RIBEIRO, 2009, p. 94-95).

Um determinado sujeito, por exemplo, que queira vender seu computador usado para

outrem, sabe além das informações básicas inerentes ao produto, um conjunto de dados

específicos como a velocidade real de operação, os programas que nele foram instalados e os

efeitos que algum vírus possa ter causado em sua capacidade de processamento, que o

permitem fixar um determinado valor de venda.

O potencial comprador precisa destas informações para saber se o preço estipulado

pelo vendedor é ou não justo. Observe-se que o desequilíbrio informacional (assimetria) gera

uma lacuna na possibilidade de racionalização acerca da transação a ser efetuada e, como

reflexo dos constantes desequilíbrios, o Direito entra em cena com o escopo de igualar o

desigual, atribuindo prerrogativas e benefícios ao polo hipossuficiente, vide Código de Defesa

do Consumidor.

Tais desequilíbrios são frequentes na prática cotidiana, assim, em que pese as

assunções econômicas clássicas, a realidade fática demonstrou que a racionalidade plena do

sujeito e o ambiente perfeito para as escolhas foram abstrações teóricas distantes da realidade

(WINTER, 1988, p. 112-113).

Para saber se o preço é ou não justo, devem ser levados em consideração os custos de

transação, os quais são pormenorizadamente estudados pela doutrina econômica e de

fundamental relevante para as negociações empresariais, como se passa a ver no item

seguinte.

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4.2 Negociações empresariais e os custos de transação

Os custos de transação são conceituados por Cooter e Ulen (2010, p. 105) como “os

custos das trocas ou comércio”, divididos em (i) custos da busca para a realização do

negócio; (ii) nos custos da negociação e (iii) nos custos do cumprimento do que foi

negociado. Para a análise destes custos

Dentre estes custos se destacam, portanto, nos contratos empresariais, os existentes

(a) para se obter informações no mercado (COASE, 1937, p. 390), (b) para se celebrar o

contrato (COASE, 1937, p. 391) e (iii) fazer valer o pactuado.

Estes, são custos necessários para a realização das transações no mercado (ao invés

de realizar no interior da própria empresa),e foram originariamente conceituados na obra “The

Nature of the Firm”, de autoria de Ronald Coase, sendo bastante desenvolvidos, atualmente,

por Oliver Williamson (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 28).

Esta teoria “preocupa-se com os ajustes adaptativos que as organizações precisam

fazer para enfrentar as pressões de maximização da eficiência em suas transações internas e

externas” (REED, 1999, p. 73). A sua principal crítica é direcionada a presunção dos

neoclássicos da existência de um mercado perfeito, em que há o equilíbrio entre a oferta e a

demanda, estando ausentes os custos de transações. Na prática qualquer negociação apresenta

custos, os quais influem diretamente nas relações entre os agentes econômicos (como

exemplo, a alteração dos preços).

Os custos de transação estão presentes no recebimento de informações, nas

negociações, nos monitoramentos, na coordenação da empresa, nos contratos, entres outros.

Um dos objetivos das instituições é contribuir para a redução destes custos, tendo em vista

que quanto menor forem, maior será a eficiência adquirida (BARDHAN, 2011, p. 1389).

Por exemplo, as negociações realizadas em contratos separados (para cada transação

efetuada pela empresa no mercado celebra-se um novo contrato) elevam os custos de

transação. A minimização da celebração destes contratos, como a substituição de vários

contratos por um só ou a celebração destes contratos a longo prazo, potencializa a redução

significativa dos custos de negociação (não chegando a eliminá-los), o aumento dos lucros do

agente econômico e a redução do valor do produto final (COASE, 2011, 390-391).

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Para a realização das transações comerciais é necessário passar por três fases. A

primeira é a localização de um parceiro comercial, ou seja, achar alguém disposto a comprar o

que está sendo vendido ou a vender o que se deseja comprar.

A segunda fase se refere à celebração de acordo entre os comerciantes, sendo que a

última etapa é o cumprimento deste acordo firmado.

Desta maneira, os custos de transação possuem três formas: a) custos para alcançar a

consecução do negócio; b) custos de negociação e; c) custos do cumprimento do objeto que

foi negociado (COOTER; ULEN, 2010, p. 105).

Williamson identifica nos custos de transação três atributos essenciais, quais sejam:

(i) a freqüência; (ii) a incerteza e; (iii) a especificidade dos ativos. Em relação ao primeiro

atributo, quanto maior a freqüência, menores serão os custos relativos à coleta de informações

e à celebração dos contratos.

A freqüência das transações entre os mesmos agentes econômicos propicia uma

maior confiança entre ambos, diminuindo os custos de transação. A confiança viabiliza a

elaboração de contratos mais simples em relação aos elaborados com agentes desconhecidos,

em razão da desnecessidade de inserção de diversas restrições aos possíveis comportamentos

oportunistas.

A incerteza, por sua vez, acarreta na existência de lacunas nos contratos, uma vez

que os agentes não são capazes de prever plenamente o futuro (FARINA, 2005, p. 54). Caso

haja necessidade, tais lacunas podem ser solucionadas mediante negociações, não sendo

preciso a elaboração de um novo contrato.

A especificidade de ativos deve ser compreendida como a perda de valor a que está

sujeito um ativo, quando este é utilizado em desconformidade com as transações previamente

definidas. Desta forma, quanto mais alta for a possibilidade de uso alternativo dos ativos,

menor será a especificidade dos mesmos (FARINA, 2005, p. 54).

Uma estratégia de mercado fundada na qualidade do produto pode exigir a utilização

de matéria-prima com especificações mais rígidas. Caso esta matéria prima específica não

seja passível de ser obtida no mercado fornecedor, o próprio agente terá que produzi-la, por

meio da integração vertical, ou terá de convencer algum fornecedor a fazê-la. “Trata-se de

governar a transação vertical com o objetivo de viabilizar a estratégia de concorrência

horizontal” (FARINA, 2005, p. 54).

A teoria dos custos de transação viabiliza uma maior permissividade das

concentrações verticais, em comparação às demais teorias, em decorrência da grande

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economia de custos decorrente da diminuição dos custos de transação, o que eleva a eficiência

das relações mercantis. Porém, esta válvula de escape no controle das estruturas é

compensada com um controle maios rigoroso no controle dos comportamentos,

principalmente tendo em vista a tendência de formação de cartéis (SALOMÃO FILHO, 2007.

p. 31).

No Brasil, a combinação da infra-estrutura precária com os elevados custos de

transação aumenta as barreiras de entrada e dificulta a realocação dos recursos na economia.

Como resultado, estes custos dificultam a entrada de novos agentes econômicos no mercado,

acarretando em efeitos próximos aos dos monopólios (OLIVEIRA; PAULO, 2006, p. 47-48).

Eis a necessidade e relevâncias da análise dos custos de transação para a formação

dos contratos empresariais, uma vez que a ausência da verificação de tais custos podem

trazem grandes prejuízos ao empresário, podendo fazer com que uma escolha considerada

vantajoso, passe a ser considerada inviável.

4.3 A racionalidade limitada empresarial

A escolha racional pode ser denominada como aquela em que o agente, ao ter ciência

da utilidade de cada objeto posto, escolhe o que lhe trará maiores benefícios, ou seja, é a

escolha da alternativa em função da maior utilidade e eficiência que esta pode lhe

proporcionar. Para Jeremy Benthan, “o indivíduo atingiria a felicidade ao obter o que lhe seria

útil, afastando-a da dor e o aproximando o mais possível do prazer” (FARACO; SANTOS,

2003, p. 32).

O indivíduo racional, ao se deparar com mais de uma conduta possível, leva em

consideração a relação custo-benefício existente entre as escolhas possíveis, de modo a optar

pela que possua maiores incentivos, atendendo, consequentemente, melhor aos seus

interesses.

O pressuposto econômico da racionalidade se refere ao agir de maneira racional, “de

acordo com as conclusões pessoais do que proporciona mais utilidade, não que os agentes

sejam ‘racionais’, ou seja, que escolhem o que seria mais lógico de um ponto de vista

coletivo”.

Assim sendo, a escolha racional depende das informações que o agente possui de

cada alternativa e qual é a valoração que atribui a cada uma de suas utilidades. As escolhas

humanas são dependentes das preferências individuais e das características de motivação

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humana de cada alternativa (SEN, 2011, 100). Diversos são os grupos sociais que influenciam

diretamente nas escolhas dos indivíduos, muitas vezes, até mesmo decidindo por estes.

A título exemplificativo, significativa é a influência existente entre os grupos

políticos e os grandes agentes econômicos. O grande capital que as empresas investem nas

campanhas eleitorais, acarreta numa relação de intrínseca dependência, a qual tende a gerar

imparcialidade nas decisões políticas (BECKER, 2011).

Consequentemente, a escolha racional de um indivíduo pode se apresentar totalmente

irracional para outro, tendo em vista a vasta presença de critérios subjetivos que interferem

nesta escolha. Nesse sentido, são as palavras de North (2011, p.1-2) 3:

Individuals possess mental models to interpret the world around them. These are in part culturally derived--that is produced by the intergenerational transfer of knowledge, values, and norms which vary radically among different ethnic groups and societies. In part they are acquired through experience which is "local" to the particular environment and therefore also varies widely with different environments. Consequently there is immense variation in mental models and as a result different perceptions of the world and the way it "works." And even the formal learning that individuals acquire frequently consists of conflicting models by which we interpret the world around us.

Devido a esta variedade de pensamentos e condutas de cada indivíduo, as instituições

confrontam com pequenos grupos de interesses diversos. Os diferentes meios de vivência,

cultura, língua, as diferentes experiências e os diferentes modos de pensar explicam a

existência de decisões racionais convergentes entre os indivíduos, assim como o fato das

instituições entrarem em conflito com pequenos grupos (NORTH, 2011, p. 3-4).

No âmbito comportamental, a teoria dos comportamentos estratégicos, a qual possui

maiores efeitos aplicativos no campo das condutas, surge para resolver a indagação de qual

deve ser o posicionamento do Direito a respeito das negociações entre particulares e quando o

3Tradução livre: Os indivíduos possuem modelos mentais para interpretar o mundo ao seu redor. Estes

modelos são culturalmente derivados, o que é feito pela transferência intergeracional de conhecimentos, valores e normas que variam radicalmente entre os diferentes grupos étnicos e sociais. Em parte, eles são adquiridos através da experiência, que é local, para o ambiente particular e, por isso, também varia muito em ambientes diferentes. Consequentemente, há uma variação imensa nos modelos mentais, o que é resultado das diferentes percepções do mundo e como ele funciona. Ademais, o aprendizado que cada indivíduo adquire, frequentemente, consiste nos modelos conflitantes, pelos quais nós interpretamos o mundo ao nosso redor.

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posicionamento de um destes agentes pode ser afetado pelo comportamento do outro

(SALOMÃO FILHO, 2007, p. 32).

Para os economistas, o Direito possui duas alternativas para a solução deste dilema: o

“Teorema de Coase”, elaborado por George Stigler, correspondente à visão neoclássica, e o

“Teorema de Hobbes”, formulado por Robert D. Cooter, no qual é dotado de uma visão

institucionalista de em que o Direito possui caráter intervencionista (SALOMÃO FILHO,

2007, p. 33).

Na primeira alternativa, a função do Direito se consubstancia na eliminação dos

custos de transação, ou seja, custos de transação igual à zero. Na segunda hipótese, o Direito é

visto como uma solução institucional para evitar prejuízos a ambas as partes e evitar a

desorganização da vida em sociedade, “sendo impossível a concordância livre das partes

sobre a divisão dos ganhos de uma transação” (KLEIN, 2011, p. 75).

Além da teoria dos comportamentos estratégicos, outra importante teoria direcionada

ao Direito Concorrencial é a teoria da racionalidade limitada. Para esta visão, a maximização

dos resultados e das utilidades é inviabilizada devido ao mundo complexo no qual vivemos.

Assim sendo, “a mente humana é vista como um recurso escasso, já que o indivíduo

não tem condições de buscar todas as informações possíveis sobre as decisões tomadas em

seu dia a dia” (RIBEIRO, 2011, p. 67). É impossível o indivíduo ser absolutamente racional,

tendo em vista as suas diversas limitações, as quais não permitem a consecução da

maximização dos resultados.

Para o sistema concorrencial são preocupantes as situações em que a racionalidade

limitada soma-se às incertezas das relações e ao comportamento oportunista dos players. A

limitação da capacidade humana consiste na reduzida capacidade do homem em decidir e

resolver problemas, fato que eleva as incertezas concorrenciais.

A capacidade racional humana é limitada não somente para a realização de escolhas,

mas também, para processar as informações que lhes são acessíveis e para prever o

comportamento alheio. Ademais, as pessoas possuem diferentes conhecimentos, pois a

valoração que os indivíduos atribuem a tudo ao que está ao seu redor é una, pessoal e

subjetiva.

No momento que o indivíduo faz a sua escolha, ele não está fazendo a escolha mais

racional (escolha ótima), mas sim, a escolha que melhor o satisfaz. Acerca da racionalidade

ótima e da racionalidade satisfatória, asseveram Herbert Simon e James March (1967, p. 174-

175):

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Todo processo decisório humano, seja no íntimo do indivíduo, seja na organização, ocupa-se da descoberta e seleção de alternativas satisfatórias; somente em casos excepcionais preocupa-se com a descoberta e seleção de alternativas otimais. A procura do ótimo requer processos mais complexos, em várias ordens de grandeza, do que os necessários à realização do satisfatório. É, por exemplo, a diferença entre revistar um palheiro em busca da agulha mais pontuda que nele se encontre e revistar o palheiro para encontrar uma agulha bastante pontuda para costurar.

A escolha somente será ótima quando houver padrões que possibilitem a comparação

de todas as alternativas e quando a alternativa escolhida for a alternativa preferível a todos os

demais. Já a escolha satisfatória, é configurada quando existirem padrões que estabeleçam os

requisitos mínimos de uma alternativa e quando este alternativa preencher, ou superar, todos

estes requisitos mínimos.

A existência de um indivíduo plenamente racional (que faça somente escolhas

ótimas) é impossível. O homem não consegue agir de modo absolutamente racional, pois as

emoções, por exemplo, acabam interferindo em várias decisões e condutas do dia-a-dia,

mesmo que o indivíduo assim não o queira.

O oportunismo, o qual é definido como a tendência do homem em perseguir fins

egoísticos nas relações empresariais, buscando unicamente os seus interesses próprios,

contribui significativamente com a configuração da assimetria informacional e com a

deslealdade entre os agentes econômicos, seja entre indivíduos colegas de trabalho ou entre

concorrentes.

Além disso, um indivíduo plenamente racional haveria de ter todas as informações

necessárias a todo o momento, o que, por óbvio, é inviável. Diversas são as assimetrias

informacionais presentes na sociedade, as quais, além de impossibilitarem que o indivíduo

sempre opte pela alternativa mais racional, elevam os custos de transação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A modernidade acreditava que o sujeito era essencialmente racional, capaz de

escolher, invariavelmente, as melhores opções dentre as diferentes alternativas que se

apresentavam aos agentes. Um dos reflexos desta concepção foi a crença na possibilidade das

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partes construírem contratos perfeitos, que por meio do cotejo entre as diferentes vontades dos

contratantes, refletissem um equilíbrio que traria plena satisfação aos agentes.

Contudo, as concepções de equilíbrio estático e de racionalidade ilimitada do sujeito

não mais prevalecem no atual contexto. Em especial as grandes guerras mundiais e as

desigualdades sociais demonstraram que o homem não era tão perfeito quanto se imaginava

na modernidade.

Neste sentido, a crença do sujeito poder tudo objetivar e sistematizar por intermédio

da razão também foi abalada diante das inevitáveis incompletudes das obras humanas. No

Direito Comercial, a tentativa de objetivação taxativa dos atos de comércio por parte do

legislador francês do século XIX se mostrou falha, já que a dinamicidade deste ramo não

permite fixações estáticas como a pretendida.

Com efeito, os cientistas em geral e em especial os juristas, foram obrigados a

encontrar novos meios de conhecimento e de interpretação, buscando interações com áreas

outrora distantes, como é o caso do Direito e da Economia.

A lógica econômica passa a ser vista como ferramenta de auxílio ao Direito. Não

como um método único, pré-moldado, capaz de tudo compreender e responder, mas, sim,

como uma lógica complementar, não exclusiva, que auxilia tanto o legislador quanto o

julgador a encontrar respostas adequadas aos problemas jurídicos.

A Análise Econômica do Direito apresenta como um de seus focos os métodos de

suprimento das lacunas contratuais, decorrentes da impossibilidade humana de formar

contratos perfeitos. Veja-se que a AED não se presume como método único e suficiente para

as respostas, mas como um instrumental de melhor compreensão do comportamento dos

sujeitos. Portanto, não possui a pretensão moderna de esgotamento da questão ou de solução

exclusiva.

Dentre as relações contratuais que exigem suprimento das lacunas se encontram os

contratos empresariais, cuja tendência duradoura implica na impossibilidade de previsão de

todos os comportamentos a serem seguidos no transcurso da relação, exigindo constante

revisão e alteração dos mesmos, de modo a propiciar prosseguimento de sua execução.

Nesta esteira, a cooperação entre as partes se apresenta como um meio de

proporcionar a elas o prosseguimento da relação estabelecida, gerando benefícios recíprocos.

Contudo, nem sempre a solução negociada acaba sendo escolhida. Então, o judiciário

costuma entrar em cena, cabendo aos julgadores atentarem para o fato de que os contratos

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empresariais possuem uma lógica própria e devem ser interpretados dentro desta, se afastando

do raciocínio típico de outras disciplinas como a trabalhista e a consumerista.

O Poder Judiciário, infelizmente, vem obtendo pouco sucesso no equilíbrio de tais

relações, já que a dinamicidade das mesmas exige uma velocidade na tomada de decisões que

se mostra incompatível com o atual panorama da justiça brasileira. Não é por acaso que a

doutrina chega a apontar que mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.

Os contratos entre empresários necessitam de estabilidade e confiança, para que o

mercado possa disponibilizar o elemento essencial do desenvolvimento da atividade mercantil

que é o crédito.

Assim, talvez a mais simples das soluções para sanar as lacunas, seja também a mais

eficiente: a cooperação entre as partes. Adotando como referencial teórico a análise sobre

cooperação desenvolvida por Axelrod, analisada no segundo capítulo deste trabalho, observa-

se que as relações contratuais tendem a se enquadrar no ambiente propício à prática

cooperativa, mormente pelo fato de serem caracteristicamente repetitivas e duradouras.

Deste modo, a tendência é a de que o comportamento cooperativo conduza ao melhor

resultado para as partes, seja pelo fato de poderem continuar contratando entre si (o que faria

pouco sentido em caso de não cooperação), seja em virtude dos agentes que atuam no

mercado estarem atentos às negociações existentes que envolvam possíveis parceiros.

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GOVERNANÇA CORPORATIVA: OBJETIVO EMPRESARIAL, FUNDAMENTOS E APLICAÇÃO NAS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS

EMPRESAS

CORPORATE GOVERNANCE: CORPORATE OBJECTIVE, BACKGROUND AND APPLICATION IN MICRO, SMALL AND MEDIUM ENTERPRISES

NARA FERNANDES BORDIGNON1

RESUMO:A governança corporativa tem se destacado nos meios empresariais

e acadêmicos, o que motivou a criação de regras e normas a fim de delimitar a

atuação dos administradores e gestores envolvidos, tendo como contrapartida

o controle de suas atividades. E como objetivo amenizar o conflito de agência.

Tais normas e regras são conhecidas e denominadas como de boas práticas.

Essas regras e normas têm extrapolado o limite do ambiente empresarial e

adquirido corpo com relação à utilidade nos mais variados segmentos, seja no

campo da administração, contabilidade, direito, mercado financeiro e de

capitais, etc. As normas da governança corporativa pode ser implementada,

também em micro, pequenas e médias empresas.

PALAVRAS-CHAVE: governança corporativa, práticas, teoria da agência,

micro, pequenas e médias empresas.

ABSTRACT:Corporate governance has been prominent in business and

academics, which led to the creation of rules and standards in order to delimit

the role of administrators and managers involved, with the hand control of their

activities. And the objective of easing the agency conflict. Such standards and

rules are known and named as best practice. These rules and standards have

extrapolated the limit of the business environment and acquired body in relation

to usefulness in various sectors, whether in administration, accounting, law,

1Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Especialista em Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Graduada em Administração pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Professora de Ensino Superior. Advogada. Administradora. Curitiba-PR. E-mail: [email protected].

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financial markets and capital, etc.. The standards of corporate governance can

be implemented also in micro, small and medium enterprises.

KEYWORDS: corporategovernancepractices, agencytheory, micro,

smallandmediumenterprises.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Objetivo da empresa num contexto de globalização; 2. Fundamentação teórico-empírica da governança corporativa; 3. Governança em micro, pequenas e médias empresas; Considerações finais e Referências. INTRODUÇÃO

O tema Governança Corporativa e sua aplicação no contexto

organizacional tem se tornado um assunto cada vez mais presente no mundo

globalizado.A discussão sobre este tema surgiu para superar o chamado

conflito de agência dos gestores, que é resultado da separação entre a

propriedade e a gestão nas companhias.

Sua prática está intrinsecamente ligada à ação de se comandar um

ambiente formado por estratégias, pessoas, processos e tecnologias. Contudo

o conjunto de atitudes ligadas a este conceito vai além. O termo se relaciona a

uma melhor maneira de gerenciar esse ambiente, identificando processos,

definindo responsabilidades e apontando de forma clara os resultados

alcançados para a corporação, objetivando evidenciar transparência ao

negócio (ALVES, 2001).

Por demonstrarem maior segurança para todos os públicos de interesse,

as empresas com boas práticas de governança corporativa podem desfrutar de

vantagens como a maior facilidade para vender seus títulos, diminuição dos

custos de captação de recursos e, valorização de seus produtos, aumentando,

portanto, seu valor de mercado.

1. OBJETIVO DA EMPRESA NUM CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO

Em um ambiente corporativo dinâmico e globalizado, somente as

organizações mais preparadas sobrevivem. Diante disso, diversos são os

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estudos e as pesquisas sobre os processos de formulação de estratégias e de

gestão estratégica para trazer menos instabilidade às empresas e uma melhor

administração. Sendo o processo de formular e implementar estas estratégias

bastante influenciado por considerações de Governança.

A discussão sobre governança corporativa foi impulsionada, nos

últimos anos, em razão de diversos fatores, dentre eles: as discordâncias entre

administradores e acionistas pela teoria de agência, a elevada remuneração do

ChiefExecutive Officer - CEO; a defesa dos direitos dos acionistas minoritários;

a busca de razões que explicassem o sucesso das empresas e pela

necessidade de se compreender os mecanismos que engendraram as fraudes

nos balanços de grandes empresas como a Enron, WorldCom e a Parmalat

(FONTES FILHO, 2004). Segundo Scherer (2003) esse conceito pode ser

discutido a partir de duas vertentes, a ortodoxa e a crítica.

A definição ortodoxa de governança corporativa: “(...) diz respeito ao

modo pelo qual os financiadores das empresas podem se assegurar de

receberem um retorno sobre seus investimentos”. Essa definição reflete a

preocupação com o problema principal e o agente, ou melhor, na separação

entre propriedade e controle inerente às grandes empresas, conhecida como

teoria da agência, tema que será abordado posteriormente neste trabalho. Ou

seja, esta definição é restrita e focada exclusivamente nos meios pelos quais

os financiadores podem controlar os gastos das empresas de maneira a

garantirem a maior remuneração possível para si mesmo.

Já a definição de caráter crítico tem a governança corporativa como

“(...) o processo social que determina a alocação dos recursos e dos

investimentos”. Esta relaciona ao exercício do poder no interior da empresa e

suas conseqüências para toda a sociedade. Esse poder se traduz no objetivo e

no prazo do investimento e na forma de repartição dos dividendos como

parcela dos lucros que serão distribuídos aos investidores/acionistas Scherer

(2003).

Para isto, a designação dos direitos de decisão em domínio de

resoluções relevantes é de extrema importância. Isso significa que as

empresas precisam saber quem toma as decisões e quais os processos pelas

quais essas decisões são tomadas. Esta afirmativa não vale para qualquer

atitude adotada numa companhia, como as deliberações sem grande

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relevância, mas sim para decisões importantes, como as de grande valor para

as organizações.

Desta maneira, a governança consiste em um importante instrumento

nas estruturas de relacionamentos e processos para dirigir e controlar a

organização no alcance de seus objetivos, agregando valor a esses objetivos.

Ao mesmo tempo, equilibrando os riscos em relação ao retorno da situação e a

seus processos.

Ou seja, consiste em estruturas e processos que buscam garantir que

os objetivos e estratégias da organização assumam o seu valor máximo,

permitindo controlar a execução e a qualidade dos serviços, viabilizando o

acompanhamento de contratos internos e externos e definindo as condições

para o exercício eficaz da gestão com base em conceitos consolidados de

qualidade.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Independente do setor que atuar, a empresa busca a maximização do

lucro e possui como interesses envolvidos, os seguintes: agentes INTERNOS

(Acionistas – shareholders, Conselho de Administração e Diretoria Executiva e

empregados) e agentes externos (Credores, Fornecedores, Clientes,

Comunidades locais, Governo e Sociedade civil) (CASADO FILHO, 2011).

Existe um conjunto de diversidades relacionadas ao mundo corporativo

que cerca as questões relacionadas à Governança Corporativa. Basicamente a

Governança Corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e

monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas / cotistas,

conselho de administração, diretoria executiva, auditoria externa independente

e conselho fiscal.

Andrade e Rossetti (2007: 137) relaciona pelo menos dez itens

relevantes da governança corporativa: 1. Dimensões das empresas; 2.

Estruturas de propriedade; 3. Fontes de financiamento predominantes; 4.

Tipologia dos conflitos de agência e harmonização dos interesses em jogo; 5.

Tipologia das empresas quanto ao regime legal; 6. Tipologia das empresas

quanto à origem dos grupos controladores; 7. Ascendência das empresas, que

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se modifica por fusões e aquisições; 8. Abrangência geográfica de atuação das

empresas; 9. Traços culturais das nações em que as empresas operam e; 10.

Instituições legais e marcos regulatórios estabelecidos nas diferentes partes do

mundo.

Estes autores afirmam que, dado este conjunto de diversidades, somado

ao desenvolvimento recente da governança corporativa, é também grande a

diversidade de conceitos que se encontra na literatura técnica nesta área,

sendo eles separados ou reunidos em quatro grupos, expostos logo abaixo,

dentro dos quais foram selecionadas algumas definições de Governança

Corporativa como segue:

- Guardiã de direitos das partes com interesses em jogo nas empresas.

Williamson (1996):

“A governança corporativa trata de justiça, da transparência e da

responsabilidade das empresas no trato de questões que envolvem os

interesses do negócio e os da sociedade como um todo”.

OCDE (1999):

A governança corporativa é o sistema segundo o qual as corporações

de negócio são dirigidas e controladas. A estrutura da governança

corporativa especifica a distribuição dos direitos e responsabilidades

entre os diferentes participantes da corporação, tais como o conselho

de administração, os diretores executivos, os acionistas e outros

interessados, além de definir as regras e procedimentos para a

tomada de decisão em relação a questões corporativas. E oferece

também, bases através das quais os objetivos da empresa são

estabelecidos, definindo os meios para se alcançarem tais objetivos e

os instrumentos para se acompanhar o desempenho.

- Sistema de relações pelo qual as sociedades são dirigidas e

monitoradas.

IBGC (2009):

Sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e

incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários,

Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas

práticas de Governança Corporativa convertem princípios em

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recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de

preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a

recursos e contribuindo para sua longevidade.

- Estrutura de poder que se observa no interior das corporações.

Babic (2003):

O campo em que gravita a governança corporativa é definido por uma

dada estrutura de poder, que envolve questões relacionadas aos

processos de tomada de decisões estratégicas, ao exercício da

liderança, aos métodos com que se atendem aos interesses

estabelecidos e aos pleitos emergentes.

- Sistema normativo que rege as relações internas e externas das

companhias.

Claessens e Fan (1996):

A governança corporativa diz respeito a padrões de comportamento

que conduzem à eficiência, ao crescimento e ao tratamento dado aos

acionistas e a outras partes interessadas, tendo por base princípios

definidos pela ética aplicada à gestão de negócios.

É importante ressaltar que existem definições acerca de Governança

Corporativa que tomam como base uma visão contratualista das companhias,

que leva em conta apenas os interesses do grupo de sócios das empresas, o

chamado modelo shareholder, que vigora principalmente nos Estados Unidos e

no Reino Unido.

Uma visão mais abrangente, dentro da linha institucionalista, inclui

outros grupos sociais que também têm interesse na preservação da companhia

e que são igualmente afetados pelas decisões tomadas por seus

administradores. Nesta visão, incluem-se as relações entre os diversos atores

envolvidos, os chamados stakeholders, e os objetivos pelos quais a empresa

se orienta. Os principais atores, stakeholders, são os acionistas, a alta

administração e o conselho de administração.. Este é o chamado modelo

stakeholders, preponderante em países da Europa Ocidental. A visão de

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governança corporativa que tem por base o modelo stakeholders é criticada por

Jensen (2001, p.2) ao afirmar que:

(...) conceder o controle a qualquer outro grupo que não aos

acionistas seria o equivalente a permitir que este grupo jogasse poker

com o dinheiro dos outros, criando ineficiências que levariam à

possibilidade de fracasso da corporação. A negação implícita desta

proposição é a falácia que se esconde por trás da chamada teoria

dos stakeholders.

Apesar das colocações acima, não se pode negar que o conceito de

Governança Corporativa pela ótica dosstakeholders tem abrangência muito

mais ampla quando identifica não apenas o acionista minoritário, mas também

outros grupos que podem ser afetados pela atuação da companhia. Nesta linha

de pensamento, encontrou-se a definição de governança corporativa dada por

Bergamini Jr. (2005), em que “a governança corporativa está relacionada à

gestão de uma organização, sua relação com os acionistas (shareholders) e

demais partes interessadas (stakeholders): clientes, funcionários, fornecedores,

comunidade, entre outros”.

Segundo a CVM (2002), governança corporativa é:

Um conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o

desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes

interessadas, tais como investidores, empregados e credores,

facilitando o acesso ao capital. A análise de práticas de governança

corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente:

transparência, eqüidade no tratamento dos acionistas e prestação de

contas.

Para Lodi (2000: 13-19), chama-se Governança Corporativa;

O sistema de relacionamento entre os acionistas, os auditores

independentes, os executivos da empresa e os conselheiros de

Administração, liderados por estes últimos. Ou o papel que os

Conselhos de Administração passaram a exercer para melhorar o

ganho dos acionistas, auditores externos, minoritários, conselhos

fiscais (no Brasil) e os stakeholders, ou seja, empregados, credores e

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clientes; ou, ainda Governança Corporativa é um novo nome para o

sistema de relacionamento entre acionistas, auditores independentes

e executivos da empresa liderados pelo Conselho de Administração.

Por fim, é o nome dado ao sistema de gestão das relações entre os

acionistas, majoritários e minoritários, o Conselho de Administração,

os auditores externos independentes e a diretoria da empresa.

Diante do exposto é concluído que para definir o termo governança

corporativa requer que sejam integrados neste conceito um conjunto de

processos, de costumes, de políticas, de leis, de regulamentos e de instituições

que regulam a forma como uma empresa será dirigida, gerida, administrada e

controlada. Os importantes aspectos da boa governança corporativa

incorporam a transparência de informações e gestão, a eqüidade no tratamento

dos acionistas, a costumeira prestação de contas e a adoção de procedimentos

éticos com concorrentes, fornecedores, empregados, investidores e mercado.

Uma empresa que adota diretrizes de governança corporativa passa a

gozar de benefícios como um ambiente empresarial que cativa acionistas,

sendo capaz de produzir retorno financeiro a estes, além de projetar uma

imagem de credibilidade para os investidores que pode lhe ser útil quando da

necessidade de se obter capital com índices de juros melhores que outra

qualquer, já que seu risco será menor, devido à adoção de diretrizes já

indicadas. Assim, o seu custo fixo será menor e a possibilidade de melhores

dividendos expandida.

Os valores que dão sustentação às práticas de Governança Corporativa,

são:

a) Transparência (Disclosure): Significa transparência das

informações, especialmente das de alta relevância, que impactam os negócios

e que envolvem resultados, oportunidades e riscos.

Segundo a OCDE (2004):

O sistema de governança corporativa deve garantir divulgação

precisa e oportuna de todas as questões relevantes relacionadas com

a corporação, inclusive situação financeira, desempenho, composição

societária e governança da empresa. Mais do que isso, a empresa

deve cultivar o “desejo de informar”, como a base de uma relação de

confiança tanto nas relações internas quanto com terceiros.

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Mais do que a “obrigação” de informar, a administração da organização

deve cultivar o "desejo” de informar, sabendo que da boa comunicação interna

e externa, principalmente quando espontânea, franca e rápida, resulta um clima

de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da empresa com

terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-

financeiro, mas deve contemplar também os demais fatores (inclusive

intangíveis) que norteiam a ação empresarial e que conduzem à criação de

valor.

No Brasil existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, que induz o gestor

público à transparência de seus atos. Essa transparência pode ser melhorada,

significativamente, com instrumentos como a Demonstração do Resultado

Econômico, com o contracheque econômico e o balanço social.

b) Eqüidade (Fairness): Significa que a organização deve apresentar

senso de justiça, equidade no tratamento dos acionistas. Respeito aos direitos

dos minoritários, por participação equânime com a dos majoritários, tanto no

aumento da riqueza corporativa, quanto nos resultados das operações, quanto

ainda na presença ativa em assembléias gerais. Como o nome já diz, deve

tratar de maneira justa todos os acionistas minoritários da empresa, tal qual

cliente, colaboradores ou qualquer stakeholder. Todos os acionistas devem ter

oportunidade de obter reparação efetiva por violação de seus direitos.

A boa governança deve assegurar igualdade de todos os grupos perante

os objetivos da sociedade. O caminho proposto pelo governante deve buscar

promover o desenvolvimento econômico de todos os grupos sociais. As

decisões devem assegurar que os membros da sociedade sintam que façam

parte dela e não se sintam excluídos em seu caminho para o futuro. Esta

abordagem requer que todos os grupos, especialmente os mais vulneráveis,

tenham oportunidade de manter e melhorar seu bem –estar.

c) Prestação de contas (Accountability): Significa prestação

responsável de contas, fundamentada nas melhores práticas contábeis e de

auditoria. Os agentes da governança corporativa (acionistas/cotistas, conselho

de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal) devem

prestar contas de sua atuação a quem os elegeu e respondem integralmente

por todos os atos que praticarem no exercício de seus mandatos.

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As instituições governamentais, as do setor privado e as organizações

da sociedade civil deveriam ser fiscalizáveis pelas pessoas da sociedade e por

seus apoiadores institucionais. De forma geral, elas devem ser fiscalizáveis por

todas aquelas pessoas que serão afetadas por suas decisões, atos e

atividades, ou seja, é um suporte à auditoria fiscalizadora.

d) Conformidade (Compliance): Significa conformidade no

cumprimento das normas regulamentadoras, expressas nos estatutos sociais,

nos regimentos internos e nas instituições legais do país. Estes são os valores

que devem estar presentes, explícita ou implicitamente, nos conceitos usuais

de governança corporativa. Mais do que nos conceitos, esses valores devem

estar expressos nos códigos de boas práticas, que estabelecem critérios

fundamentados na conduta ética que deve estar presente no exercício das

funções e das responsabilidades dos órgãos que exercem a governança das

companhias. Além deste sistema de valores, entendem-se como posturas

essenciais para a boa governança corporativa, quesitos como:

- Participação: Significa que homens e mulheres devem participar

igualmente das atividades de governo. Deve contemplar a possibilidade de

participação direta ou participação indireta através de instituições ou

representantes legítimos. Implica a existência de liberdade de expressão e

liberdade de associação de um lado, e uma sociedade civil organizada de outro

lado. O princípio é possível desde que existam leis claras e específicas que

garantam os termos propostos e que existam iniciativas do Estado visando a

sustentação dos termos.

- Estado de direito: A boa governança requer uma estrutura legal justa

que se aplica a todos os cidadãos do Estado independentemente de sua

riqueza financeira, de seu poder político, de sua classe social, de sua profissão,

de sua raça e de seu sexo. Deve garantir total proteção dos direitos humanos,

pertençam as pessoas a maiorias ou a minorias sociais, sexuais, religiosas ou

étnicas. Além de garantir que o poder judiciário seja independente do poder

executivo e do poder legislativo e que as forças policiais sejam imparciais e

incorruptíveis.

- Orientação por consenso das decisões: As decisões pela

governança corporativa são tomadas levando-se em conta que os diferentes

grupos da sociedade necessitam mediar seus diferentes interesses. Tendo em

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vista que o objetivo da boa governança na busca de consenso nas relações

sociais deve ser a obtenção de uma concordância sobre qual é o melhor

caminho para a sociedade como um todo. Além de as decisões deverem ser

tomadas considerando a maneira como tal caminho pode ser trilhado. Essa

forma de obter decisões requer uma perspectiva de longo prazo para que

ocorra um desenvolvimento humano sustentável, também necessária para

conseguir atingir os objetivos desse desenvolvimento.

- Efetividade e eficiência: A governança corporativa deve garantir que

os processos e instituições governamentais produzam resultados que vão ao

encontro das necessidades da sociedade ao mesmo tempo em que fazem o

melhor uso possível dos recursos à sua disposição. O que importa na

necessidade de que os recursos naturais sejam usados sustentavelmente e

que o ambiente seja protegido.

- Ética (ethics): Entre os valores éticos que fundamentam as relações

da boa governança, podemos citas alguns valores como: justiça,

responsabilidade, confiança, civilidade e respeito a todos os envolvidos na

empresa, seja internamente ou externamente.

Empresas que se preocupam com sua reputação estão dando maior

importância às questões éticas. As grandes companhias abertas,

particularmente, estão sob pressão de seus conselheiros para serem e

parecerem empresas guiadas por princípios éticos. O que se deve perceber é

que a ética deixou de se subordinar ao departamento jurídico e à ação de

advogados para se tornar uma questão a parte. A ética, então, tornou-se uma

atividade corporativa voltada para a reputação da companhia.

Organizações como a Ethic Officer Associatione o Instituteof Business

Ethicsreúnem diretores e gerentes exercendo funções de administradores de

ética nas empresas, além de centenas de companhias associadas. Lodi (2000:

133) ressalta que “a maioria das empresas ainda não distingue ética do mero

cumprimento da lei (compliance), da ação preventiva do departamento jurídico,

da auditoria interna, da área de recursos humanos, ou de relações públicas”.

Ética preocupa a todos, a começar pelos acionistas e, por isso, o

Conselho de Administração tomou a si essa questão como parte da

Governança Corporativa. Há uma convergência entre o movimento ético e a

Governança Corporativa. O Conselho de Administração precisa assegurar que

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as diversas áreas ajam baseadas em princípios de conduta, fazendo essa

pressão chegar aos advogados, auditores, gerentes de recursos humanos e de

relações institucionais. O Conselho deve, portanto, estimular a cultura ética na

empresa.

No Brasil, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa)

considera, dentro do conceito das melhores práticas de governança

corporativa, além do respeito às leis do país, toda empresa deve ter um código

de ética que comprometa toda a sua administração e seus funcionários,

elaborado pela diretoria e aprovado pelo Conselho de Administração. O código

de ética deve abranger o relacionamento entre funcionários, fornecedores e

associados. Deve cobrir, assim, assuntos, como: propina, pagamentos

impróprios, conflito de interesses, informações privilegiadas, recebimento de

presentes, discriminação de oportunidades, doações, meio ambiente, assédio

sexual, segurança no trabalho, atividades políticas, relações com a

comunidade, uso de álcool e drogas, confidencialidade pessoal, direito à

privacidade, nepotismo e trabalho infantil.

Existe um conflito de interesses “quando alguém não é independente em

relação à matéria em pauta e a pessoa em questão pode influenciar ou tomar

decisões correspondentes. Algumas definições de independência têm sido

dadas para conselheiros de administração e para auditores independentes.

Critérios similares valem para diretores ou qualquer empregado ou

representante da empresa. Preferivelmente a pessoa em questão deve

manifestar seu conflito de interesse. Se isso não acontecer, qualquer outra

pessoa pode fazê-lo” (Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa

do IBGC, item 6.03).

- Responsabilidade Corporativa: É uma visão mais ampla da

estratégia empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a

comunidade. Os executivos devem zelar pela perenidade da empresa (visão de

longo prazo e sustentabilidade) e, portanto, devem incorporar considerações de

ordem social e ambiental na definição de negócios e operações.

A responsabilidade faz com que as instituições governamentais e a

forma com que elas procedem sejam desenhadas para servir os membros da

sociedade como um todo e não apenas pessoas privilegiadas. Os processos

das instituições governamentais devem responder às demandas dos cidadãos

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dentro de um período de tempo razoável. De forma a realizar uma síntese

conceitual das diversas dimensões da governança corporativa, Andrade e

Rossetti (2007: 144) propõem os 7Ps da governança corporativa.

A governança corporativa teve seu início com a separação dos papéis de

gestor e proprietário da empresa, que ocorreu como conseqüência da

pulverização do controle acionário. Essa pulverização se deu através da

abertura de capital e da oferta pública de ações, gerando uma necessidade de

alinhamento entre os interesses dos gestores e dos acionistas.

A Governança Corporativa surgiu para superar o "conflito de agência",

decorrente da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. Nesta

situação, o proprietário (acionista) delega a um agente especializado

(executivo) o poder de decisão sobre sua propriedade. No entanto, os

interesses do gestor nem sempre estão alinhados com os do proprietário,

resultando em um conflito de agência ou conflito agente-principal.

O trabalho que deu origem a linha de pesquisa sobre o problema de

agência foi publicado por Jensen e Meckling (1976), que desenvolveram uma

teoria tratando dos inevitáveis conflitos de interesses entre acionistas, gestores,

credores e funcionários de uma empresa. Segundo Silveira (2002), o raciocínio

do problema de agência se baseia nas relações entre "agentes" e "principais",

nas quais os agentes representam, em tese, os interesses dos principais. É o

caso, por exemplo, do acionista e do administrador de uma organização.

Silveira (2002) explica que “o conjunto de mecanismos necessários para

harmonizar a relação entre gestores e acionistas decorre da tentativa de

resolução do problema de agência”.

Nos Estados Unidos e Reino Unido, países com um ambiente

empresarial bem distinto do brasileiro, a maior parte das grandes companhias

apresenta uma estrutura de propriedade do tipo "pulverizada", com a maior

parte dos acionistas possuindo um baixo percentual de ações da empresa e

participando pouco ativamente da eleição, monitoramento e avaliação dos

executivos, que tomam as decisões corporativas. Em resumo, nos países

anglo-saxões, a principal questão da governança corporativa é criar

mecanismos para alinhar os interesses dos executivos aos dos acionistas.

Nos últimos anos, a abertura do mercado e o conseqüente aumento da

competitividade reforçaram a necessidade de obtenção de recursos ao menor

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custo possível, fazendo com que as empresas tenham sido levadas a adotar

melhores práticas de governança corporativa. Assim, os modelos de

governança corporativa têm evoluído dando maior importância aos interesses

dos acionistas minoritários, à transparência das informações ao mercado e à

profissionalização do Conselho de Administração.

Em resposta a esse cenário, o movimento de governança corporativa

ganhou força nos últimos dez anos, originalmente, nos Estados Unidos e na

Inglaterra e, posteriormente em outros países. Nesse período, criaram-se

Códigos de Melhores Práticas de Governança Corporativa nos países anglo-

saxônicos, onde se originou. Segundo Lodi (2000):

(...) se nos Estados Unidos da América, 73% dos conselhos de 1.750

empresas ainda não têm a independência satisfatória para os

investidores, no resto do mundo o progresso é ainda mais lento;

sendo que asiáticos e japoneses estão apenas acordando para a

necessidade da Governança Corporativa. Os europeus, por outro

lado, caminham mais rápidos para o padrão de conduta inglês e

norte-americano.

No Brasil, os temas e ações ligados a Governança Corporativa existem

muito antes de se dar um nome específico para isso. Desde a década de 1960,

com o início da implantação de Conselhos de Administração, até a ampliação e

discussão sobre o tema na década de 1970. Abaixo destacam-se alguns dos

principais marcos na história da Governança Corporativa:

Segundo Carlsson (2001), uma série de escândalos nos mercados

corporativo e financeiro no final dos anos oitenta levou o governo do Partido

Conservador inglês a deixar claro que medidas legislativas iriam ser tomadas

caso o próprio mercado não se estruturasse de forma a prevenir a ocorrência

de novos escândalos. Como conseqüência, criou-se um comitê destinado a

revisar os aspectos de governança corporativa, denominado Comitê Cadbury.

Há grande menção a história da Governança Corporativa, a partir da

criação da Company Law SteeringGroupem 1999, por outro lado, no qual

diversos ângulos da Governança Corporativa ficam mais claros. São eles: 1)

Os Estados Unidos da América são vistos como apoiadores da “maximização

do ganho do acionista”, enquanto a Alemanha é tida como a defensora do

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princípio do Stakeholder, ou seja, dos interesses sociais; 2) Na Alemanha, as

grandes empresas precisam ter conselhos em dois níveis, sendo que no

Conselho Superior os sindicatos são representados por um “Conselheiro do

Trabalho”, o qual gera conflitos em situações de demissão em massa,

fechamento de uma fábrica ou fusão de duas fábricas, por exemplo. 3) Do

debate entre acionistas e stakehondersurge o princípio do “conselheiro

esclarecido”, ou seja: é dever da empresa maximizar os ganhos do acionista,

porém fazendo isso de forma responsável, levando em conta o longo prazo.

Assim, o conselheiro tem obrigações de longo prazo e de confiança para com

empregados, fornecedores e clientes, mas deve assegurar o sucesso da

empresa e o seu dever fiduciário para com o acionista.

3. GOVERNANÇA EM MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS

A prática dos princípios de transparência, equidade e responsabilidade

pelos resultados perante os fundadores, sócios e herdeiros ajudam a evitar

consequências desagradáveis geradas por muitos conflitos típicos de

empresas familiares ao longo do tempo. A falta dos valores de governança é o

fator que mais potencializa os conflitos e muitas vezes, põe em risco a própria

sobrevivência de muitas empresas de natureza familiar, justamente pela falta

de transparência e unidade de entendimento do negócio junto aos familiares

que estão fora da administração da empresa. Outras vezes é o tratamento

distinto entre os familiares com direitos iguais, ou ainda, a falta de

responsabilidade pelos resultados daqueles que estão na administração da

empresa frente aos que não estão que provocam tantos conflitos, chegando

muitas vezes a comprometer a sua continuidade do negócio.

As características comuns das micro, pequenas e médias empresas são:

controle/administração familiar; processo de decisão centralizado e ausência

de processos e controles formais (DELOITTE, 2008).

A adoção de governança possibilita muitas vantagens, como, por

exemplo, a redução de riscos do processo de sucessão; o controle e geração

dos negócios familiares através de um Conselho de Administração

assegurando aos fundadores o direito de se afastar, paulatinamente, das

operações, sem comprometer o desempenho e a continuidade da empresa; o

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treinamento para os sucessores através de suas participações no Conselho,

proporcionando mais chances de estabilidade da empresa e dos negócios, não

dependendo eminentemente da pessoa do fundador para isso (DELOITTE,

2008).

Além disso, proporciona aos principais acionistas ou sócios, condições

de atuação e participação na gestão das empresas e dos negócios, não

estando necessariamente envolvidos nas operações, conduzidas por equipes

profissionais.

A governança melhora a qualidade da gestão através da contribuição de

conselheiros da família e externos qualificados e reconhecidos no meio

empresarial. Certos agentes de mercado como bancos, fornecedores, parceiros

de grande porte, multinacionais, governo, não vêem com bons olhos a empresa

familiar quando ela atinge certo estágio de estagnação e convive com os

conflitos familiares já mencionados. A prática de uma boa governança

corporativa melhora a imagem junto a esses agentes (O GLOBO, 2008).

Assim, as práticas de governança nas MPE´s buscam atender objetivos

estratégicos, melhorar qualidade das decisões, possibilitar o acesso a fontes de

financiamento e dar menor ênfase em atender exigências regulatórias (Deloitte,

[2009]).

Para Ricca (2008) a governança “(...) auxilia a profissionalização da

empresa, dentro dela o processo sucessório e o crescimento da empresa e

quanto mais ela crescer, mais empregos irá gerar. Por este motivo, que as

pequenas e médias empresas são as maiores geradoras de emprego do nosso

país”. As micro, pequenas e médias empresas também deveriam se preocupar

com as questões relacionadas à governança.

Para Najjar, a expressão governança corporativa seria a oficialização de

algo que já existe. "Grande parte das empresas já tem um conselho consultivo

informal, mas ele pode ser criado formalmente com pessoas qualificadas e de

confiança".

O professor e consultor em projetos educacionais Walter Luiz Diniz

Braga (2008) afirma que a governança faz bem a uma empresa por determinar

parâmetros à sua atuação, pois ela mostra o que uma corporação não deve

fazer. As empresas praticam governança porque ela faz bem e traz bons

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resultados. A sua preocupação é o que pode acontecer se ela deixar de trazer

resultados financeiros, tendo em vista seus grandes desafios.

GRÁFICO 10: Principais desafios da governança nas MPE´s.

FONTE: Deloitte, [2009].

Diante do exposto, verifica-se que as micro, pequenas e médias

empresas devem buscar obedecer aos princípios de governança, pois, mesmo

tendo um custo relativamente alto, ela traz diversos benefícios à organização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, verificou-se que o sucesso para um

investimento, tanto para quem aspira captar como para quem almeja investir,

pressupõe uma série de práticas que busquem um capital de baixo custo aliado

à segurança. Uma empresa que deseja novo capital para expansão de

negócios encontrará na Bolsa de Valores uma excelente ferramenta que

agrega investidores com diferentes intenções.

Sendo, a governança corporativa, a forma correta de atingir todos estes

interessados, já que alcança diversos aspectos de gestão da organização.

Seus princípios, quando empregados corretamente, agregam valor aos papéis,

auxiliam na reestruturação das corporações. Percebemos, ainda, que as

normas de governança corporativa não estão dissociadas da realidade dos

mercados em que são aplicadas, inclusive nas micro, pequenas e médias

empresas.

Destarte, trata-se de uma ferramenta fundamental para aperfeiçoar as

condições de financiamento e valor empresarial. Desta forma, uma companhia

que queira sobreviver e crescer no novo cenário econômico mundial deverá

considerar os preceitos da boa governança.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Adriana e ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. – 3. Ed.– São Paulo: Atlas, 2007.

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BOVESPA. Disponível em <http://www.bmfbovespa.com.br/home.aspx?idioma=pt-br>. Acesso em 02 de junho de 2012. CVM: Comissão de Valores Mobiliários. Recomendações da CVM sobre governança corporativa. Disponível em <http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/cartilha/cartilha.doc>. Acesso em 12 de junho de 2012. CASADO FILHO, Napoleão. Governança Corporativa: análise jurídica dos seus efeitos. São Paulo: Editora Conceito, 2011, p.19-44, 55-88, 131-16 IBGC: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa, São Paulo, 2009. ___________________________________________. Governança corporativa. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/ibConteudo.asp?IDArea=2>. Acesso em 18 de junho de 2012. KPMG. A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais: um panorama atual das corporações brasileiras na Bovespa e nas Bolsas norte-americanas – 2008. 3º Estudo Sobre as Melhores Práticas de Governança Corporativa no Brasil e nos Estados Unidos - 2008 / Base - Relatório Anual 20-F. Disponível em: <www.kpmg.com.br >. Acesso em 18 de junho de 2012. LODI, João Bosco. Governança corporativa — O governo da empresa e o conselho de administração. 3. ed., Rio de Janeiro: Campus, 2000.

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MERCADO: INTERAÇÃO DA ECONOMIA COM O DIREITO /

MARKET: INTERACTION WITH THE ECONOMY THE RIGHT

André Vinícius da Silva Machado

Mestrando em Direito pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Advogado.

Maurício Testoni

Mestrando em Direito pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Especialista em Direito

Tributário pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Especialista em Direito

Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito pela

Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Advogado.

RESUMO

O Mercado como conhecemos e estudamos, possui diversas facetas e formas de atuação

dentre as quais se destaca a sua finalidade empresarial e mercantil de se alcançar resultados e

lucros.

Da mesma forma o mercado encontra-se inserido num ambiente globalizado, de coletividade,

onde o discurso esta sofrendo mudanças, estas de apelo mais humanitário, social, distributivo

e prestacional.

Por outro lado, na busca por sua excelência e primazia o mercado compactua muitas vezes

com práticas não muito convenientes ao momento prestacional e assistencial, mas calcado na

interpretação da lei.

O estudo, em rápidas abordagens demonstrará a necessidade de um dialogo eficiente entre

Estado, Direito e Economia como olhos para o mercado e seu campo de atuação, inserindo

este num ambiente de responsabilidade e de promoção de justiça social na estrada para

alcançar um bem coletivo maior o bem comum.

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Palavras-chave: Responsabilidade, Bem Comum, Justiça Social.

ABSTRACT

The market as we know it and study, has many facets and forms of action among which stands

out the mercantile business and its purpose of achieving results and profits.

Likewise the market is housed in a globalized environment, the community, where the speech

is suffering changes, they appeal more humanitarian, social, distributive and benefit.

Moreover, the search for excellence and primacy market condone practices often not very

convenient to prestacional time and care, but underpinned by the interpretation of the law.

The study, in fast approaches demonstrate the need for an effective dialogue between state law

and economics as eyes for the market and your field, inserting this in an environment of

accountability and promotion of social justice on the road to achieving a greater collective

good the common good.

Keywords: Responsibility, Common Good, Social Justice.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Atuação do Mercado. 2 Abusos da atividade econômica,

destacando a utilização de contratação de empregados com “Personalidade Jurídica” –

“Pejotização”. 3 Responsabilidade Social do Mercado. Conclusões. Referências

Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Mercado pode ser o local no qual os participantes ou agentes

procedem à troca de bens por uma unidade monetária ou por outros bens; o equilíbrio e

manutenção da função do mercado se dá através do que chamamos de Lei da Oferta de da

Procura.

Juridicamente chama-se de mercado o meio no qual a atividade

mercantil, moderna, cosmopolita e globalizada aperfeiçoa-se, dando um caráter e relevo

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importante a tal meio. Logo quando a economia que depende primariamente das interações

entre compradores e vendedores para criar, gerar, manter, alocar e principalmente transferir

recursos é tida como uma economia de mercado.

Para uns o mercado é o meio onde se desenvolve a atividade

mercantil, a atividade empresarial propriamente dita, para outros é um meio mais complexo

de interação onde o Estado também é participante e para uma terceira forma de visão de

mercado, estes tem como um fato social no qual o mercado não trata-se apenas de uma

construção jurídica e sim um fenômeno que moderniza-se a todo instante, rompendo barreiras

e limites, conquistando lugares, povos e nações e principalmente movimentando e produzindo

o resultado necessário à movimentação do planeta – Recursos.

Comumente associado ao liberalismo econômico, o Mercado é o

meio no qual onde os detentores do capital atuam, e retiram deste ambiente os dividendos de

seus esforços financeiros, consequentemente temos um ambiente com diversos lados ou

pólos, pois se tem o Estado que também recolhe frutos da atividade mercantil, bem como os

trabalhadores que como o Estado também retiram seus recursos do Mercado, mas com estes

últimos os recursos são destinados à sobrevivência.

Como resultado prático há um questionamento sobre a sociedade

atual é uma sociedade norteada pelas regras de mercado ou um mercado de sociedade. Essa

resposta não pode ser simples, e muitas vezes pode não ser equilibrada, pois são grandes as

vantagens do mercado do suprimento dos bens necessários à sociedade, mas a desvantagem

acontece pela exclusão e precificação das pessoas.

1.ATUAÇÃO DO MERCADO

O mercado é hoje em dia a mais relevante instituição do

mundo moderno globalizado, nasceu da divisão do trabalho social, das conquistas e das

relações e interações de uma sociedade que foi se tornando heterogênea e diferenciada,

conforme ensinado por Durkeim.

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O Mercado foi a lacuna e o necessário preenchimento para

entender que ninguém ou mesmo nenhum tipo de sociedade é mais autossuficiente, todos

coletivamente precisam interagir e circular suas mercadorias, bens, valores e atualmente

conhecimento.

Nesta concepção, longe de se desenvolver qualquer dilema,

entendeu-se que o mercado atende as necessidades da sociedade moderna e do Estado, sendo

um meio, quase que um “órgão” deste último em prol de um desenvolvimento econômico e

social.

Novamente percebe-se de plano o mercado como uma

verdadeira necessidade e de fato imprescindível à coletividade. Num ambiente complexo

demais, onde sempre existirá o binômio “necessidades latentes ilimitadas e recursos

limitadíssimos”, o mercado é capaz de viabilizar essa transferência e ainda ter como resultado

produtos necessários a sua manutenção e permanência.

Neste ponto de vista, Ulrick Beck  atualmente caminha à 1

uma direção oposta ao proletariado existente nos séculos XIX e XX, hoje em dia percebe-se o

surgimento de uma classe de excluídos marginalizados, resultado de uma globalização cada

vez maior e presente; essa nova classe de excluídos, é a confirmação do aumento das trocas e

circulação de riquezas gerando uma população sem perspectivas e sem possibilidade de

inserção social só tendo estes a violência como caminho para mostrar o quanto sofre e o

quanto é deixada de lado

A função social do mercado é algo maior do que

relacionarmos o Mercado como apenas o ambiente de troca de bens e serviços e circulação de

riquezas. A Função Social do mercado pode ser considerada como uma estrutura à sociedade

� ¿Qué es la globalizacion? Falácias Del globalismo, respuestas a La globalizacion. Barcelona: 1

Paidós, 2008, p.188/189.

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moderna, pois é por meio do mercado que a sociedade atualmente se estrutura, inclusive o

Estado.

Sem perigo, quando percebemos que os atuantes do

mercado, começam a colocar em segundo plano, ou simplesmente esquecem-se do aspecto

social do mercado, temos a ruptura do equilíbrio que o mercado pode proporcionar, bem

como a destruição da funcionalidade coletiva do ambiente. É de suma importância que o

Mercado apresente ou mesmo mantenha níveis de atendimento social com equilíbrio e

responsabilidade.

Ainda um aspecto de suma importância a ser destacado, é a

questão da função que o Direito tem de corrigir a questão social do mercado, utilizando-se

para tanto os conceitos que lhe são próprios como conceitos de bens, propriedades, contratos e

ainda o aspecto do Direito Concorrencial, conforme bem delimitado nos ensinamentos de

Eros Grau.

Há pensamentos modernos que definem que a tarefa do

Mercado e das relações econômicas é de gerar riqueza. A conquista e promoção do bem

comum, deve ser uma tarefa do sistema político e da democracia  , seguindo nesta linha a lição 2

de Aristóteles   . No mesmo sentido, o premio Nobel Kenneth Arrow salienta que é intangível 3

o bem comum, ao menos no sentido do Mercado e das Relações econômicas promovendo.  4

Muitas vezes, faz-se necessário tomar cuidado com as

expressões e exemplos, não se pretende que no mercado os indivíduos não atuem para as suas

SALES, Carlos. “As Máscaras da democracia”. In Revista de Sociologia e Política, junho/2005, p233-245. !2

ARISTÓTELES, “A ética”. São Paulo, Editora Atenas, s/d. ARISTÓTELES,”Retórica”. Lisboa, Imprensa Nacional, s/d. Ver sobre Aristóteles, BERTI, Enrico. “ As razões de Aristóteles”. São Paulo, LOYOLA e também PEREIRA, Oswaldo Porchat. “Ciência e dialética em Aristóteles”. São Paulo, Editora UNESP, 2000 !3

ARROW, Kenneth. “Social Choice and Individual Value”. New Haven, Yale U. Press, 1970. !4

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necessidades. O que se observa que o mercado e a atuação dos participantes devem sempre

estar acompanhados de confiança, ética e respeito, repudiando sempre a atuação de qualquer

maneira no mercado, tal atuação quase sempre será aviltante e irresponsável à coletividade,

bem como para o desenvolvimento das relações econômicas.

A razão de tal nota se deve ao fato de que há em nosso país

a adoção de uma normatividade jurídica da economia e do mercado, ou seja, há uma ordem

econômica intervencionista de proteção constitucional da sociedade e do mercado já que este

é o meio e o fim em si próprio para realização do ser humano.

Numa busca de definições, vamos percebendo que o

mercado vai perdendo um pouco daquele significado romântico, e nostálgico do qual fora

criado e definido, primeiramente em livros de história e também em lições de

desenvolvimento sociais. Convém destacar um questionamento de Francesco Galgano, que

em uma de suas obras ao distinguir empresário ele completa: “a resposta pode, à primeira

vista, parecer óbvia: empresário é aquele que na atividade de produção ou de troca, arrisca a

própria riqueza”   . 5

Há novamente uma tendência do mercado a provocar

resultados satisfatórios a seus agentes com interesses precisos no ambiente mercadológico.

Esquece-se do ambiente social, bem como se reforça uma forma de aceitação das leis de

mercado, mesmo estas serem demasiadamente favorecedoras a poucos; o mercado

sistemicamente constrói e aperfeiçoa-se a seu ambiente, quando mais ausente a regulação

deste.

Continuando a informação trazida nas linhas anteriores, não

é convencer que a atuação do mercado não deva satisfazer as necessidades individuais, deve-

se sempre buscar esse resultado. O que se pretende defender é sempre a existência de

� 13 Galgano, Francesco. “L´Impreditore”. Bologna: Zanichelli Editore S. p. ª, 3ª edição, 1980. – p. 1655

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mecanismos e estruturas que protejam a coletividade e as relações sociais na qual o mercado

atua e interage.

Esta ideia é o centro da relação social do mercado. As

pessoas como sociedade tem o mercado como um meio para atingir os seus resultados. Já o

mercado necessita dessa interação com as pessoas, logo se necessita que as pessoas atinjam

seus objetivos para voltarem ao mercado para novas “rodadas” e perseguição de seus

objetivos. Essa relação deve ser duradoura e equilibrada, já na falta de equilíbrio abusos

acontecerão e pior a relação estará fadada ao fim e não à permanência.

Outro aspecto que deve ser ponderado quando falamos de

atuação do mercado é a submissão do Direito ao Mercado, deve-se atentar sempre as

estruturas e mecanismos de proteção, e buscar uma ampliação e modernização destes, assim

como uma sociedade moderna deve ser, para que tal problema não aflija mais e mais, uma vez

que aqui no Brasil, percebe-se uma submissão do direito às grandes estruturas econômicas

monopolistas, fazendo do direito uma ferramenta incentivadora de tais práticas, quando

deveria ser o oposto.

É de fácil percepção que o interesse econômico é diversas

vezes colocado antes do interesse jurídico, é um desequilíbrio provocado por alguns

participantes do mercado. O modelo de produção e crescimento pelo crescimento gera uma

exclusão social. O Mercado é uma instituição criada e regulada pelo direito (Constituição

Federal – Ordem Econômica) e não um fato social.

Economia e Direito devem ser aproximar cada vez mais e

mais, sempre quando citamos o Mercado, pois a economia que descreverá o comportamento

das pessoas, sob o ponto de vista econômico e as instituições tem uma importância impar na

vida em sociedade.

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Desta maneira, ficam as instituições responsáveis pela

definição das relações econômicas, entre os indivíduos de uma sociedade e com isso

reconhece-se o direito como fundamental por influenciar decisões dos mais diversos agentes

econômicos, exercendo tal influencia à medida que atribui e transfere segurança às trocas

econômicas. Logo por uma segurança jurídica e como resultado uma relação social salutar,

necessita-se de um dialogo rápido e presente entre o direito e o Mercado.

Concluindo, o direito importará ao mercado, pois a

eficiência de trocas econômicas depende efetivamente de um custo e este deve ser

competitivo aos agentes do Mercado. Dessa maneira temos que o Mercado é uma formação

Social, mas que regido pela lei da oferta e procura descrita por economistas e servindo de

referência à relação e interação dos participantes do mercado.

1.ABUSOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA, DESTACANDO A UTILIZAÇÃO DE

CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS COM “PERSONALIDADE JURÍDICA” –

“PEJOTIZAÇÃO”.

Como um corolário dos princípios fundamentais, os quais

estão expressamente inseridos no preâmbulo de nossa Constituição Federal, especificamente

no art. 1º, inciso IV, deparamo-nos com os fundamentos da República como os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa; desta maneira parece assente que todo tipo de organização

deve respeitar os princípios constitucionais, promovendo de forma digna os fundamentos e

objetivos ali elencados.

Cabe nesta oportunidade frisar que o modelo empresarial,

nas linhas bem observadas do Professor José Renato Nalini, “por haver sobrevivido às

intempéries, a instituição que pode ser considerada vencedora no século XXI é a empresa”,

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comprovando que é uma organização mais do que necessária e mais do que presente na

historia contemporânea de nosso mundo  . 6

Ou seja, temos na empresa um verdadeiro prumo, pois em

algum momento de nosso passado estas organizações tomaram formas e adquiriram

personalidades para definir e nortear os rumos da sociedade; explicando melhor noutras

palavras, o poder econômico e a capacidade de circular riqueza, transferiu às empresas o

poder de escolha e decisão deixando por decerto a política em segundo plano e até como mera

coadjuvante de tal atividade.

Nesta Linha, com clareza ensina Samyra Naspolini Sanches:

“Vários têm sido os esforços de algumas empresas brasileiras para atingir metas de

Responsabilidade Social e Sustentabilidade, atendendo, inclusive às regras impostas pela

sociedade internacional. Assim, oferecer qualidade e preço competitivos e simplesmente

cumprir a legislação que regula a sua atividade no país já não é suficiente, uma vez que se

começa a exigir das empresas que desenvolvam ações voltadas ao bem-estar e

desenvolvimento da comunidade onde ela está inserida.”   7

Ocorre que práticas atentatórias são conhecidas e

desenvolvidas diariamente, quanto à utilização de modelos econômicos que

consideravelmente reduzem o valor de produção dos bens e serviços das empresas, gerando

assim maior lucro e retorno sobre o investimento financeiro.

Tais práticas vão desde os pequenos descumprimentos da

norma, até o rebaixamento de condições de trabalho como o uso exploratório do trabalho, o

conhecido e combatido trabalho análogo às condições de escravo  , dentre outras. 8

� NALINI, José Renato. Sustentabilidade e Ética empresarial. In: Empresa, Sustentabilidade e 6

Funcionalização do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 128.

! SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches, Direitos humanos e a empresa privada no Brasil. In: 7

Empresa, Sustentabilidade e Funcionalização do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 304.

! Os dados dos relatórios sobre o mapeamento do trabalho escravo no Brasil são assustadores (http://8

www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/index.php)

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Uma prática recorrente e novel neste campo é o

comportamento empresarial visando exigir dos empregados para sua contratação e/ou

permanência nos quadros da empresa empregadora a constituição de pessoas jurídicas para a

prestação dos serviços. Ressalto que esta forma abusiva de contratação, praticada pelo

mercado e diuturnamente utilizada pela doutrina e jurisprudência também chamada de

“pejotização” em referência à contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoas físicas,

de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizada por meio da pessoa jurídica

constituída especialmente para esse fim.

Tal prática, é uma das abusividades que o mercado realiza,

visando aumentar os lucros e distorcer as relações de direito. É uma das formas de utilizar o

direito como ferramenta ao objetivo diverso do que o bem comum, o objetivo alcançado

infelizmente é satisfação de uma minoria detentora de um grande poderio econômico, claro

que fomentando a ilegalidade e burlando direitos trabalhistas.

Deve-se observar que “pejotização” no ambiente de trabalho

e no âmbito do Mercado, surgiu como opção aos empregadores que buscam a diminuição dos

custos e encargos trabalhistas. Assim, tem-se uma aparência de uma contratação lícita para

prestação de serviços subordinados, ferindo incisivamente diversos princípios consagrados,

dentre eles o princípio da primazia da realidade, prejudicando e muitas vezes inviabilizando a

aplicação e reconhecimento de direitos sociais já garantidos aos empregados pela

constituição.

Dessa forma, a Justiça do Trabalho possui muitos e diversos

pedidos de reconhecimentos de vínculo empregatício entre sócios de uma pessoa jurídica e

seu empregador contratante, embora tais contratações tinham a forma de prestação de

serviços entre pessoas jurídicas, são na verdade, irregulares, fraudulentas; uma vez que todos

os requisitos de um contrato de trabalho foram devidamente preenchidos e por fim a

prestação de serviços pela pessoa jurídica, era realizada por pessoa física.

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Abaixo, percebe-se pela jurisprudência, a postura das

empresas diante da situação acima apresentada:

PEJOTIZAÇÃO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ART. 9º DA CLT.

A atitude da empresa de substituir empregados com carteira assinada

por pessoas jurídicas, formalizando contratos de prestação de serviços

através dos quais esses continuam a prestar para aquela os mesmos

serviços que quando celetistas, constitui artifício fraudulento,

conhecido como "pejotização", para se furtar da legislação trabalhista

e dos deveres dela decorrentes. Logo, de se confirmar a nulidade

declarada pelo juízo "a quo" dos contratos de prestação de serviços

acostados aos autos (art. 9º da CLT), mantendo-se o "decisum" que

reconheceu a existência do vínculo de emprego entre as partes e as

parcelas daí decorrentes. FGTS. PRESCRIÇÃO. SÚMULAS 206 E

362 DO TST. Dada a natureza acessória de que se revestem os

reflexos do FTGS sobre as parcelas remuneratórias cujo trabalhador

pretende ver pagas judicialmente, o seu recolhimento também está

sujeito à prescrição quinquenal (aplicação da Súmula 206 do TST).

Contudo, quando o que se discute em juízo não diz respeito ao

pagamento de verbas remuneratórias, mas, sim, ao recolhimento do

depósito fundiário devido pelo empregador por força da vigência de

um contrato do trabalho, a prescrição aplicável é a trintenária, em

consonância com o enunciado de Súmula nº 362 do TST.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. A verba honorária

é hodiernamente devida em decorrência da revogação dos arts. 14 e 16

da Lei nº 5.584/70, que conferiam supedâneo legal às Súmulas 219 e

329, restando superada, neste particular, a jurisprudência sumulada do

c. TST. JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIOS REQUERIDOS POR

O C A S I Ã O D O A J U I Z A M E N TO D A R E C L A M A Ç Ã O

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TRABALHISTA. LEI Nº 5.584/70, ART. 14, C/C ART. 4º, DA LEI Nº

1.060/50. Para obter os benefícios da gratuidade da Justiça basta ao

interessado a simples afirmação, na petição inicial ou em declaração

autônoma, de que não está em condições de pagar as custas do

processo, com fulcro no art. 14, da Lei nº 5.584/70, c/c art. 4º, da Lei

nº 1.060/50.

Assim, fica consignado que os direitos do trabalho, como

todo o Direito existente nas relações de trabalho, como nas relações contratuais realizadas

pelo Mercado, devem estar assentados os princípios constitucionais da dignidade da pessoa

humana, do valor social do trabalho e do pleno emprego, corroborando para que a justiça

social deva guarnecer, proteger e nortear toda a sociedade.

Diante de tais inquietações e indagações nos fizeram pensar

em uma solução viável para contornar o que parece ser uma divergência (lucro versus

trabalho digno) e que vai girar em torno do compromisso com a ética empresarial e com a

noção de sustentabilidade que, como diz José Renato Nalini, é também um conceito, ou uma

“concepção eminentemente ética”.   9

Segundo Nalini , “uma concepção adequada de

sustentabilidade leva em conta os dois aspectos: obter lucro e disseminar boas práticas.

Integra o conceito de sustentabilidade o de alteridade. Só quem pensa no outro consegue

imprimir à sua existência um nível de consumo que permita a quem ainda não existe - ou

existe potencialmente - venha também a usufruir dos bens da vida hoje disponibilizados aos

viventes.”   10

! SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches, Direitos humanos e a empresa privada no Brasil. In: 9

Empresa, Sustentabilidade e Funcionalização do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 304.

! NALINI, José Renato. Sustentabilidade e Ética empresarial. In: Empresa, Sustentabilidade e Funcionalização 10

do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 128.

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Realmente, a ética, a responsabilidade e o Direito parecem

ser o caminho seguro para um desenvolvimento integral, global, sustentável. Outra Vez temos

a opinião de José Renato Nalini, sobre o tema: “A empresa não pode relegar todas as

responsabilidades ao governo. Este se assoberbou de atribuições e às vezes percebe que não

dá conta de exercê-las. O processo de privatização não foi outra coisa, que não a constatação

de que tudo o que não se insere na tipicidade atribuível ao Poder Público, deve ser

desempenhado pelo particular. Este é mais eficiente do que o Governo. Sabe o quanto custa

fazer funcionar uma máquina. Preocupação que os detentores de autoridade estatal nem

sempre ostentam.”   11

Se utilizadas com atenção ao direito e respeito às normas e

princípios, novas políticas adotadas pela sociedade e pelo Mercado deveriam ocasionar uma

sensação de segurança, preenchimento e principalmente de justiça social; quanto à atividades

abusivas praticadas pelo mercado, sempre devemos considerar que a finalidade deste é

obtenção de lucro e acumulo de riquezas com o máximo de eficiência e otimização de seus

recursos, porem com a observância de um aspecto, que não se utilize do direito para apoderar-

se cada vez mais de capital, desconsiderando todo e qualquer meio de promoção de “justiça

social”.

Práticas com essa finalidade não são sustentáveis, pois

impedem a melhoria dos funcionários, empregados e colaboradores no sentido técnico e mais

trabalhar cada vez por menos obrigando as pessoas ao mínimo, refletindo na baixa

produtividade; a baixa produtividade gera a curto prazo problemas diretos às pessoas e num

longo prazo ao Mercado.

2. RESPONSABILIDADE SOCIAL DO MERCADO

! NALINI, José Renato. Sustentabilidade e Ética empresarial. In: Empresa, Sustentabilidade e Funcionalização 11

do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 128.

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O Mercado possui um condão, maior do que a sua proposta,

antes de tudo o Mercado é o meio necessário para alcançar o bem comum, a divisão de rendas

e riquezas bem como a promoção de uma justiça social, que o estado não faz.

Ainda, o Mercado é o verdadeiro meio pelo qual o Estado

consiga atingir seus objetivos, pois através de suas condutas, liberdades e direitos são

atingidos e conquistados tendo ainda o valor de se modernizar aperfeiçoar e principalmente

promover o dialogo ente o direito e a economia.

Notadamente a economia é empírica, uma vez que seus

postulados são defendidos no campo, na vida pratica por assim referir-se ao mercado. Já o

direito é hermenêutico, trazendo suas interpretações e ponderações. Esse diálogo é deveras

necessário, pois é a forma mais prática de realizar-se o que o direito pretende através do

mercado, ficando apenas a ressalva de que a interpretação deve ser sempre a que favoreça a

coletividade e jamais uma interpretação restritiva que favoreça algum grupo, ou pequenos

grupos e oligarquias que nada fazem a título de justiça social.

O verdadeiro dilema da responsabilidade social do mercado,

esta no fato de se considerar todos os aspectos necessários à promoção de uma justiça social,

bem como a busca pelo bem comum, em contrapartida da interpretação do direito e da

atividade estatal como paralelos à sua atividade principal.

Dando o valor necessário ao mercado, é cediço que a

responsabilidade pela justiça social, e quando esse fato não ocorrer, o mercado deve suportar

mais essa “prestação social”. O Estado “prestacional” é ineficiente neste aspecto, ou seja,

sempre transfere a obrigação a outro, e consequentemente quem suporta o ônus geralmente é

o mercado, na sua figura mais proeminente e vencedora – A empresa.

Ao mesmo tempo, o Estado quando preciso atuar contra o

mercado, limitando muitas vezes a atividade econômica, a atividade privada, enfim sendo

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intervencionista, faz pelos meios inidôneos, ou seja, favorece grupo, ou grupos de seu

interesse e com isso promove, nesse caso através de lei, mais “injustiças sociais”.

Um dos exemplos repetidos neste sentido é a não aplicação

do controle estrutural pelos órgãos de defesa do mercado e da concorrência. Podem-se

verificar poucas as decisões que foram contrárias, ou negativas. Grande parcela das

concentrações econômicas de empresas foi aprovada sem restrições ou ressalvas.

A injustiça social é presente quando as relações econômicas,

de poder e de força ditam as regras e decisões que serão os relacionamentos econômicos e

sociais, em detrimento de relações jurídicas justas, fundadas na moral e na ética.

Outro aspecto necessário de um aparte é a presença de

grupos financeiramente poderosos nos relacionamentos do estado, para promoção e criação

das políticas de desenvolvimento e fomento. O resultado prático disso é o desinteresse na

promoção social e um olhar técnico apenas no resultado financeiro, ou melhor, uma divisão

aviltante entre Estado e Grupos poderosos que de qualquer forma saem ganhando. Este caso é

a falência do sistema de justiça social e promoção do bem comum e pior uma certeza de que o

direito poderia estar sendo manobrado como uma ferramenta a tal prática.

Neste tópico, temos sempre que o Mercado é visceralmente

responsável e necessário à promoção do bem estar social e coletivo. Sua função social é

importantíssima, pois ao mesmo tempo é tida como uma responsabilidade ou mesmo um

custo que deve ser suportado pela atividade mercantil. O Estado pode usar mecanismos

eficientes à promoção de justiça social e atendimento da sociedade, mas com a ressalva de

quem é sujeito desta ação e consequentemente a quem o Estado delegou tal atuação.

A Responsabilidade social do mercado reside justamente no

fato de que a atividade mercantil, além da manutenção e criação de condutas para obtenção de

seus objetivos e com isso responsabiliza-se com uma obrigação invisível, mas a cada dia mais

presente na realidade empresarial, a prestação social e a responsabilidade sobre a coletividade.

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A prestação social, senão obrigatória pela força de lei, no

mundo moderno e aperfeiçoado, torna-se obrigatória por entendimentos éticos e sustentáveis

quanto a políticas e pensamentos. O mercado sempre soube definir seus objetivos, e descobriu

que precisa ser o titular dessa obrigação social que lhe é reconhecida, apenas resta saber

através de um debate entre direito e economia, e com a participação do Estado, de quem será

a responsabilidade maior pelo pagamento desta conta.

Por derradeiro, cumpre destacar, o entendimento acertado de

Avelãs Nunes, que ao tratar de globalização como um mercado mundial unificado, que

permitem controlar a partir do “centro” uma estrutura produtiva dispersa por várias regiões

do mundo e permitem obter informação e actuar com base nela, em tempo real, em qualquer

parte do mundo, a partir de qualquer ponto do globo  . 12

Conclusões

O mercado é uma estrutura complexa, real, presente e

estruturante da sociedade e do Estado, pois através dele e das ligações com o Estado

consegue-se a obtenção de recursos bem como efetuar a distribuição de renda, sempre muito

falada pelos Estados quando se tem um discurso de realização de bem comum e justiça social.

Pois bem, o mercado não é mera criação do liberalismo

econômico, ou do neoliberalismo, é anterior e simbiótico em relação às correntes liberais, é

através do mercado e do dialogo salutar do direito com a economia que conseguiremos

resolver, definir e principalmente responsabilizar os agentes e o campo de atuação com a

finalidade de questionar, problematizar e sintetizar os problemas sociais contemporâneos.

Não se pode definir o mercado como uma criação do estado,

ou mesmo criação de governos e regimes, como colocado, o mercado é polivalente e bio

! AVELÃS NUNES, António José. Neoliberalismo & direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 12

188/189.

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atuante não sendo um produto de governos. O mercado é algo maior e mais poderoso que um

simples plano, é uma estruturação necessária para promover e quem saber “ser” o dialogo da

economia com o direito, visando a modernização do modelo empresarial, os questionamentos

sociais e principalmente a responsabilização dos atuantes para a realização da “justiça social”.

Dessa forma, definindo as formas de proteção do mercado,

como os mecanismos de atuação e a interação e ambientalização do mesmo com o Estado

teremos a consagração de um modelo que pode influenciar positivamente o desenvolvimento

dos países e das nações e, contudo equacionar e começar a solucionar alguns problemas de

ordem social destes.

Quanto ao Estado, ao definir modelos seguros de proteção e

atuação ao Mercado, estes com grande certeza serão mais eficientes socialmente e com isso

suprimindo grande parte da responsabilidade do estado transferindo ao particular, no caso ao

Mercado tal prestação social.

Finalizando, muitas vezes há o receio de afirmar que o

Mercado é uma instituição criada e dirigida pelo Direito, sem dúvida, é dirigida e organizada

pelo Direito, obrigando-o a um comportamento ético em prol do bem comum, mesmo se

houver prejuízo, assim não fosse a lógica seria apenas econômica; o que, aliás, é o problema

da globalização.

Referências Bibliográficas

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O comércio justo e o consumo ético: a visão econômico-jurídica do Fair Trade.

El comercio justo y el consumo ético: la visión económico-jurídica del Fair Trade.

Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves Profa. Dra. Joana Stelzer

Classificação JEL: K00

Resumo: O artigo propõe a análise econômico-jurídica do que se conhece como Fair Trade a

partir da interação das políticas de comércio justo e de consumo ético. Objetiva-se apresentar

os principais conceitos que envolvem Fair Trade, prática, ainda, pouco divulgada, no Brasil.

Utilizando-se a metodologia econômico-jurídica da Análise Econômica do Direito, intenta-se

esclarecer os efeitos econômico-sociais gerados segundo implemento da ação em mercado

social, mesmo, segundo o que se tem defendido já há tempos como Princípio da Eficiência

Econômico-Social - PEES. No Brasil, trata do assunto o inovador Decreto n° 7.358, de 17 de

novembro de 2010, que prima por política pública que visa à ação socialmente responsável

por parte do empresariado nacional e a escolha consumerista consciente e ética. A

investigação implica em pesquisa qualitativa, servindo-se do meio bibliográfico e legislação.

O método de abordagem utilizado é o hipotético dedutivo e, quanto aos fins, trata-se de

análise exploratória e explicativa. Conclui-se pela necessidade do Estado intervir no mercado,

com seu poder disciplinar e normativo, alcançando-se o que se propõe como Mínimo Ético

Legal – MEL; segundo cultura de produção e consumo responsável, inclusora, ética,

desenvolvimentista e apropriada para um novo patamar de mercado conforme ao PEES.

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Padre Anchieta de Jundiaí/SP e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG/RS; Especialista em Administração Universitária pela FURG/RS; Especialista em Comércio Exterior e Integração Econômica no MERCOSUL pela FURG/RS; Mestre em Direito, na área de Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/SC; Doutor em Direito, na área de Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG/MG; Doctor en Derecho, área de Derecho Internacional Económico por la Universidad de Buenos Aires – UBA/ Bs. As. – Argentina; Professor de Analise Econômica do Direito e de Direito Econômico na UFSC/SC; Coordenador do Centro de Estudos Jurídico-Econômicos e de Gestão para o Desenvolvimento – CEJEGD do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC/SC; Professor credenciado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/SC. Doutora e Mestre em Direito, na área de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/SC. Professora do Departamento de Administração do Centro Sócio Econômico da UFSC/SC. Sub-Coordenadora do Centro de Estudos Jurídico-Econômicos e de Gestão para o Desenvolvimento – CEJEGD do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC/SC. Coordenadora de Tutoria do Curso de Administração Pública do Programa Nacional de Administração Pública – PNAP.

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Palavras-chave: Fair Trade, comércio justo, consumo ético, política pública em mercado;

Análise Econômica do Direito Econômico da Circulação de Riquezas; responsabilidade

econômico-social.

Resumen: El artículo propone el análisis económico-jurídico de lo que se conoce como Fair

Trade a partir de la interacción de las políticas de comercio justo y de consumo ético.

Objetiva-se presentar los principales conceptos que envuelven el Fair Trade aun que esta

práctica sea poco divulgada en el Brasil. Utilizando-se la metodología económico-jurídica de

la Análisis Económica del Derecho se intenta esclarecer los efectos económico-sociales

generados según implementación de la acción en el mercado social, mismo, según lo que se

tiene defendido ya en tiempos como Principio de la Eficiencia Económico-Social - PEES. En

el Brasil, trata del asunto, el innovador Decreto n° 7.358, de 17 de noviembre de 2010, que

prima por política pública que visa la acción socialmente responsable por parte del

empresariado nacional y la opción consumerista consciente y ética. La investigación implica

en una pesquisa cualitativa, sirviéndose del medio bibliográfico y legislación. El método de

abordaje utilizado es el hipotético deductivo y, cuanto a los fines, tratase de análisis

exploratorio y explicativo. Se concluye por la necesidad del Estado intervenir en el mercado,

con su poder disciplinar y normativo, implementando lo que se propone como Mínimo Ético

Legal – MEL; según cultura de producción y consumo responsable, con inclusión, ética,

capacidad para el desarrollo y propia para un nuevo nivel de mercado conforme al PEES.

Palabras-chave: Fair Trade, comercio justo, consumo ético, política pública en el mercado;

Análisis Económica del Derecho Económico de la Circulación de Riquezas; responsabilidad

económico-social.

Introdução

A antiguidade histórica é testemunha das possibilidades que o comércio propiciou para

as diversas civilizações e, assim, inúmeros são os exemplos de crescimento econômico e

desenvolvimento, alcançados pelas interações comerciais em mercado. Na Idade Média, fosse

em virtude da disciplina imposta pela realeza, pela Igreja ou, mesmo, pela nobreza, fosse pela

aproximação de produtores, de profissionais organizados em suas guildas, e consumidores; o

comércio prosperou como forma de aglutinação de ideologias, etnologias, nacionalidades e

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territórios, em meio às feiras locais e, mesmo, internacionalmente consagradas1. A base do

comércio está no encontro de duas intenções diametralmente opostas, porém complementares:

as forças econômicas de oferta e de procura que, atuando em livre concorrência perfeita,

alcançam o chamado ponto de equilíbrio econômico. É aí que se da a maximização utilitário-

econômica para ambas as partes em que, a um, é dado maximizar sua intenção de prazer e

utilidade pela venda do bem e, a outro, é dada a satisfação de suas necessidades, geralmente,

pelo uso racional dos meios de troca – moeda.

A questão que se propõe, por ora, trata de resumida análise econômico-jurídica do

Fair Trade como expressão de comércio justo e de consumo ético, tratando de seus conceitos

e de sua previsão normativa no Brasil. Utiliza-se a metodologia econômico-jurídica da

Análise Econômica do Direito para esclarecer a ação em mercado social segundo o Princípio

da Eficiência Econômico-Social - PEES.

A investigação é qualitativa, servindo-se de bibliografia e legislação, segundo

metodologia de abordagem hipotético-dedutiva e análise exploratório-explicativa.

No Brasil, o Decreto n° 7.358, de 17 de novembro de 2010, institui o Sistema

Nacional de Comércio Justo e Solidário – SCJS, ainda, criando a Comissão Gestora Nacional

com vistas a uma política pública voltada para a ação socialmente responsável por parte do

empresariado nacional e a escolha consumerista consciente e ética.

Por fim, analisa-se a necessidade do Estado intervir no mercado, com seu poder

disciplinar e normativo, para a implementação do comércio justo e solidário conforme o que,

aqui, se defende como Mínimo Ético Legal – MEL; segundo cultura de produção e consumo

responsável, inclusora, ética, e apropriada para um novo patamar de desenvolvimento em

mercado conforme ao PEES.

1 Fair Trade, o comércio justo e o consumo ético: apreciação conceitual

A doutrina2 aponta, nos anos sessenta, o início das ações consideradas como próprias

ao Fair Trade, da parte de empresas importadoras em países do Hemisfério Norte, como a

Holanda, em relação aos empobrecidos e menos competitivos produtores de países do

Hemisfério Sul. Tratava-se de incipiente busca de diminuição das assimetrias econômicas, no

âmbito internacional, através do chamado comércio justo, em que se buscavam condições 1 As principais feiras ficavam nas regiões do Champanha, na França, em Gênova e Veneza, na Itália, e em Flanders, na Bélgica. 2 Elucidativa, quanto à evolução histórica do Fair Trade, a lição de Fretel e Simoncelle-Bourque, (2003, p. 15-18).

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mais equânimes de produção e de disseminação do consumo ético, para fins de ser alcançado

o tão propalado desenvolvimento territorial sustentável, segundo, v.g. relações de trabalho

amplamente disciplinadas por normas estatais emancipadoras dos mais desfavorecidos. Da

mesma forma, havia a preocupação com a preservação do meio ambiente, com a superação

dos impulsos consumeristas e com a inclusão social.

Em perspectiva gerencial de negociação e aproximação; antes de antagônicas, as

partes envolvidas em comércio passaram a ser vistas como parceiras em processo

emancipatório e ético de valorização das relações de produção e de consumo no conhecido

espaço do mercado, então, mais humanizado. Já não bastavam os ditames utilitaristas do

cálculo econométrico que não levassem em conta aspectos, geralmente, desprezados nas

transações comerciais e que ocasionariam, se considerados, externalidades proibitivas à

produção e ao consumo. Se era e, como de fato, ainda, é adequada a racionalização e a divisão

internacional do trabalho, bem como, a obtenção de economias de escala nos

empreendimentos econômicos; pela inovadora visão do Fair Trade, haveria de ser estimulada

uma produção com dimensões sociais e um consumo consciente e ético.

O tempo passou e, nesses últimos cinquenta anos, a política de Fair Trade tem se

difundido segundo a ação de grupos econômicos produtivos cooperados, eliminando-se

atravessadores, pugnando-se pela valorização do trabalho humano e segundo princípios

consagrados como: transparência nas relações entre os agentes econômicos, especialmente, na

gestão da produção e na ação dos distribuidores e comerciantes; sustentabilidade ambiental;

preços justos e condições racionais e socialmente adequadas para o trabalho; valorização do

capital humano; responsabilidade social das empresas; respeito aos direitos humanos e

incentivo ao desenvolvimento local; tudo conforme à política de transmutação das

insatisfatórias relações assistenciais por relações de solidariedade. Esse, aliás, o ponto crucial

do Fair Trade; qual seja, a experiência da solidariedade, segundo passem a ser desenvolvidas

novas maneiras de intercâmbio econômico; de cooperação, como condicionante das trocas e

de manutenção da sustentabilidade dos intercâmbios, incluindo-se as externalidades sociais e

ambientais no cálculo econométrico; da mesma forma, sendo crucial a adoção de princípios,

normas e regras propiciadoras de maior equidade entre os países do Norte e do Sul; bem

como, maior aproximação entre produtores e consumidores visando, sempre, uma economia

centrada na pessoa humana.

Conhece-se, da Ciência Econômica, que o preço de equilíbrio surge, em mercado, do

encontro das forças de demanda e de oferta, segundo princípio da utilidade marginal

decrescente dos bens, para os consumidores, e das curvas de custos marginais para os

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produtores. Pode-se, no entanto, sem desconhecer as leis econômicas, mas, primando pelas

mesmas, inferir que o preço justo, por consequência, levando ao comércio justo; é aquele que

se identifica pela convergência de intenções econômicas adequadas para, no mínimo, relevar

as preocupações presentes na sociedade moderna, inerentes ao modelo de desenvolvimento,

não raras vezes, desastroso e próprio do exercício abusivo do poder econômico3. Destarte,

comércio justo implica empoderamento dos produtores mais débeis do sistema, emancipação

social, diminuição das assimetrias econômicas entre os parceiros comerciais, autossuficiência

ou diminuição da dependência nas relações de produção e consumo; assim como,

conscientização dos consumidores quanto ao seu poder de compra e capacidade de

favorecimento de relações de troca mais justas; de influenciar o equilíbrio entre os mercados

locais e internacionais; de estimular o equilíbrio nas relações de gênero, de valorização das

culturas locais e de promoção do desenvolvimento econômico, organizativo, social e político,

no seu amplo e verdadeiro sentido.

Para tanto, defende-se a normatização estatal segundo Mínimo Ético Legal – MEL

aceitável em sociedade, assim como a educação para o consumo ético, política e

ambientalmente correto. Assim, incentiva-se o consumo de produtos que tenham o selo de

qualidade ou certificação do Fair Trade como forma de emancipação social. São, dessa

forma, quesitos a serem considerados na certificação do comércio justo: a eliminação do

trabalho infantil, a preservação ambiental, a garantia de estudo e creches para as crianças dos

trabalhadores, que devem ser legalmente registrados, o uso de insumos de produção não

poluentes ou causadores de doenças, a garantia de remuneração própria para a manutenção da

identidade cultural dos trabalhadores, etc.

Comércio justo, acima de tudo, envolve processo longo de convencimento, mudança

estrutural e cultural da postura individual em coletividade, compromissos coletivos e

emancipação social em detrimento do individualismo catastrófico que devasta as riquezas

naturais do meio ambiente e corrói a amalgama social das hodiernas sociedades. Mais do que

simples geração de renda, tem-se como objetivo final em processo de comércio embasado no

Fair Trade, a obtenção de melhorias paretianas na produção e na produtividade, porém com

reflexo no padrão de vida de todas as partes envolvidas no processo econômico, ainda,

distribuindo-se riqueza.

3 Importante verificar o posicionamento de Fretel e Simoncelle-Bourque (2003, p.9) citando as consequências negativas "do modelo atual de comércio internacional (aumento da pobreza para as maiorias, concentração de riquezas em poucas mãos, maior distância entre países ricos e países pobres, destruição ambiental, crescimento da dívida externa, desindustrialização e quebra de empresas nacionais nos países do Sul, desemprego aberto e crônico, crise de valores, etc.)."

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Ao que se vê, a transparência para a tomada de decisão seja para produção, seja para o

consumo, deve ser ampla. As partes devem estar cônscias dos reflexos advindos de suas

decisões de produção e consumo para si e para terceiros eliminando-se, por fim as

indesejáveis externalidades e baixando-se os custos de transação, em busca de arranjos de

produção e práticas de consumo socialmente justas. Deverá, assim, perdurar, no tempo, essa

relação promissora entre oferta e demanda consciente e ética.

Quanto ao conceito de Fair Trade, podem ser colacionados os seguintes:

Comércio justo, para a Fair Trade Labeling Organization International (FLO 4 "é uma

abordagem alternativa ao comércio convencional e é baseada em uma parceria entre

produtores e consumidores, oferecendo aos produtores melhores negócios e permitindo que

eles melhorem suas vidas e planejem seus futuros".

Para Fretel e Simoncelle-Bourque (2003. p. 19), comércio justo: [...] é o processo de intercâmbio comercial orientado para o reconhecimento e a valorização do trabalho e das expectativas dos produtores e consumidores, permitindo uma melhoria substancial na qualidade de vida das pessoas, tornando viável a vigência dos direitos humanos e o respeito ao meio ambiente numa perspectiva de desenvolvimento humano, solidário e sustentável. Trata-se de estabelecer relações entre produtores e consumidores baseadas na equidade, na associação, confiança, solidariedade e interesse compartilhados; relações que obedeçam a critérios precisos e visem objetivos em diferentes planos: obter condições mais justas para os produtores marginalizados e desenvolver práticas e regras do comércio internacional com apoio de uma parte dos consumidores.

Segundo a ótica da FINE5, instituição que envolve as quatro maiores organizações de

comércio justo a saber: Fair Trade Labeling Organization International - FLO, International

Federation for Alternative Trade - IFAT, Network European Workshops-NEWS e European

Fair Trade Association -EFTA; Becchetti e Huybrechts (2004; EFTA, 2010) ensinam que: Fair Trade é uma parceria comercial, baseada em diálogo, transparência e respeito, que procura maior equidade no comércio internacional. Ele contribui com o desenvolvimento sustentável oferecendo melhores condições de comércio, e ao garantir os direitos dos produtores e trabalhadores marginalizados, especialmente no sul. As organizações de Fair Trade (apoiadas pelos consumidores) estão engajadas ativamente em ajudar os produtores, aumentar a conscientização e fazer campanhas para mudança nas regras e na prática do comércio internacional.

O comércio justo envolve mudanças em aspectos diversos da fenomenologia tais

como: inovadora conduta comercial, a busca do justo preço social, próprio de uma economia

4 Desde 1997, a FLO certifica, em seus 17 países menbro, caracterizando-se por, manter transparencia administrativa, deter em seus quadros, na grande maioria, pequenos produtores, ser organização independente e democratica em seu controle, abolir formas de discriminação e, buscando, por fim, o desenvolvimento integral e sustentável em meio à busca de melhorias na qualidade da produção. 5 Ver, sobre a FINE in FRETEL e SIMONCELLE-BOURQUE (2003. p. 36).

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de mercado-social, segundo o PEES e o MEL, transparência e informação na cadeia

produtiva, educação para o consumo ético, ação regulamentadora e fiscalizadora do Estado.

De forma pragmática, duas formas de comercialização dos produtos de Fair Trade

podem ser detectadas: a uma, através de Organizações de Comércio Alternativo – Alternative

Trade Organizations ou, a duas, através de certificação segundo utilização de selos (labels)

nacionais padronizados pela FLO6.

A bem da verdade, se a Ciência Econômica tem suas próprias leis que implicam na

verificação do ponto de equilíbrio entre os interesses de produtores –ofertantes e

consumidores, há de se ressaltar a necessidade de se produzir, distribuir e comercializar

produtos justos, segundo negociação entre as partes que considere normas éticas de produção

e distribuição, bem como, seja, o mercado, regulamentado ou espontaneamente transformado.

De outra banda, é necessário implementar o consumo ético como contraponto ao

consumismo desenfreado nos atuais tempos neoliberais (mormente, a partir de 1989, com a

queda do Muro de Berlim). Lembrando Fretel e Simoncelle-Bourque (2003, p. 48 e 49):

O consumo ético é um conceito novo que visa incorporar a dimensão ética na atividade de consumir dos seres humanos. É o consumo de bens e serviços socialmente justo e ambientalmente sustentável que respeita a cultura e promove uma melhor qualidade individual e social de vida. Neste sentido, o Consumo Ético representa “a outra face da moeda” do Comércio Justo. Não se pode assegurar um comércio justo e solidário sem a presença de consumidores conscientes, responsáveis e solidários, que reconheçam o verdadeiro valor dos produtos e sejam capazes de defender seus direitos e fazer respeitar o meio ambiente e a preservação da natureza.

É interessante verificar que os citados autores, ainda referindo sobre compra solidária

pugnam pela necessidade de motivar essa ação por sentimentos de caridade e de altruísmo

(FRETEL e SIMONCELLE-BOURQUE, 2003, p. 49).em vista, mesmo, da ajuda ao

próximo; o que poderia ser plenamente adequado a uma pragmática de alteridade tal como

apregoada por Lévinas (2004).

Os consumidores devem, também, efetuar compras racionais, exercendo seu 'voto

econômico', por assim dizer, na escolha de produtos que tenham critérios definidos de

qualidade, de respeito ao meio ambiente e às adequadas condições de trabalho, respeito à

saúde, etc.

Ao que se percebe, do exposto, o comércio justo implica opção pela adoção de

políticas de produção e troca comercial justas, solidárias e sustentáveis opondo-se, o consumo

ético, à cultura do consumismo e; ainda, abandonando-se a filantropia pela adoção da

6 Nesse sentido, ver SILVA-FILHO e CANTALICE (2011, p. 223-244).

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solidariedade segundo pragmática que evidencia a responsabilidade social da empresa e dos

países, mormente, dos ricos, pertencentes ao Hemisfério Norte, com relação aos pobres ou

não competitivos verificados no Hemisfério Sul, com vistas a um derradeiro equilíbrio entre

as economias do Planeta como um todo com verdadeiros reflexos humanitários entre os

diversos povos.

2 Fair Trade no Brasil: Decreto n°7.358, de 17/11/2010

Na Pátria Brasilis, a alvissareira influência do comércio justo e do consumo ético

surge segundo a criação, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, do Sistema

Nacional do Comércio Justo e Solidário – SCJS, que pode ser acrescido pela adesão

voluntária de empreendimentos econômicos solidários, organismos de acreditação e

organismos de avaliação da conformidade. A norma brasileira como referencia sobre o

assunto, apresenta definições importantes, em seu artigo 2° conforme se vê:

Art. 2o Para os efeitos deste Decreto, entende-se por: I - comércio justo e solidário: prática comercial diferenciada pautada nos valores de justiça social e solidariedade realizada pelos empreendimentos econômicos solidários; II - empreendimentos econômicos solidários: organizações de caráter associativo que realizam atividades econômicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exerçam democraticamente a gestão das atividades e a alocação dos resultados; III - organismos de acreditação: organismos que credenciam os organismos de avaliação da conformidade, atestando sua capacidade para realizar tarefas de avaliação da conformidade de produtos, processos e serviços; IV - organismos de avaliação da conformidade: organismos que inspecionam e atestam o cumprimento dos critérios de conformidade de produtos, processos e serviços com as práticas de comércio justo e solidário; e V - preço justo: é a definição de valor do produto ou serviço, construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos na sua composição que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva. (BRASIL, Dec. 7.358/2010, de 17/11/2010).

Observa-se que, para a norma em apreço, o conceito de comércio justo e solidário

envolve fair trade, comércio justo, comércio equitativo, comércio équo, comércio alternativo,

comércio solidário, comércio ético, comércio ético e solidário. Dentre os objetivos do SCJS,

verificam-se: I – o fortalecimento da identidade nacional de comércio justo e solidário; II - a

prática do preço justo para quem produz, comercializa e consome; III – a divulgação dos

produtos, processos, serviços, bem como as experiências e organizações conformes ao SCJS;

IV – o subsidio de informações sobre economia solidária e de empreendimentos econômicos

solidários com práticas de comércio justo e solidário reconhecidas pelo SCJS aos

empreendimentos econômicos solidários, aos organismos de acreditação e de avaliação da

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conformidade e às entidades de apoio e fomento ao comércio justo e solidário, por meio de

base nacional de informações; V – a promoção de ações de fomento à melhoria das condições

de comercialização dos empreendimentos econômicos solidários; VI – o implemento da

colaboração econômica entre empreendimentos econômicos solidários; e VII – o apoio aos

processos de educação para o consumo, com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à

organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e

solidário.

Para a implementação das políticas do SCJS, ficou institucionalizada uma Comissão

Gestora Nacional composta por representantes da sociedade civil7 e representantes do

Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome e do Ministério do Trabalho e Emprego; sendo coordenada pelo

representante deste último, com voto de qualidade, por meio da Secretaria Nacional de

Economia Solidária. Como atribuições da Comissão, tem-se: I - subsidiar tecnicamente o

Conselho Nacional de Economia Solidária; II – reconhecer, aperfeiçoar e monitorar as

diferentes metodologias de avaliação da conformidade de produtos, processos e serviços aos

princípios e critérios de reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário do SCJS; III

- habilitar organismos de acreditação e de avaliação da conformidade, IV - promover o

diálogo entre os agentes envolvidos no comércio justo e solidário; V - manifestar-se sobre a

habilitação dos organismos de avaliação da conformidade no SCJS; VI - acompanhar o

cadastramento realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do

Trabalho e Emprego, dos empreendimentos econômicos solidários com prática de comércio

justo e solidário; VII - estabelecer diretrizes para o fomento ao comércio justo e solidário;

VIII - disseminar informações e resultados relativos ao comércio justo e solidário; e IX -

aprovar o seu regimento interno.

Em que pese a novidade na legislação, já se encontram instituídos os primeiros passos

para a proliferação das ideias de um comércio justo e solidário no Brasil que, pujante, se

destaca no cenário do comércio mundial, como uma das seis maiores economias mundiais.

O País tem possibilidades, em longo prazo, seja recebendo ou concedendo vantagens

econômicas pela prática do preço justo junto aos seus parceiros comerciais, na medida em que

possui riquezas ambientais grandiosas e invejáveis a serem protegidas, assim como, possui

amplo mercado interno de produção e consumo a ser desenvolvido mediante a manutenção de

7 São representantes da sociedade civil: dois de entidades do segmento dos empreendimentos econômicos solidários; II - dois de entidades do segmento de apoio e fomento ao comércio justo e solidário; e dois de entidades do segmento das redes da economia solidária.

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parceiros comerciais perenes e fortificados. Nesse sentido, a prática de preços justos pode

ajudar a diminuir o passivo ambiental e social brasileiro, assim como, o próprio Estado

Brasileiro pode cooperar, no âmbito internacional, para efetivar a inclusão social de países ao

qual é historicamente comprometido, como é o caso de certos países do Continente Africano.

Resta, assim, intensificar esforços para a aproximação dos países ricos aos mais

empobrecidos eliminando-se as assimetrias econômicas e otimizando-se as relações de

produção e de comércio interno e externo em perspectiva solidária, fraternal, equitativa,

humana e racional, segundo o PEES.

3. O Princípio da Eficiência Econômico-Social – PEES e o Mínimo Ético Legal – MEL

Já, alhures, se tem defendido, na doutrina, a adoção do PEES8 e do MEL9 como forma

de se avançar jurídico-economicamente sobre os discursos antagônicos ora de intervenção,

ora de flexibilização neoliberal, cuja distribuição perversa da riqueza leva a maiores injustiças

sociais. Necessária é a ação Estatal, em mercado-social, disciplinando as relações econômico-

jurídicas segundo ética de alteridade e solidariedade segundo critérios progressistas de

distribuição da riqueza, ainda considerando, no cálculo utilitário decisório, a eliminação das

externalidades sociais negativas. A regulamentação, em busca do equilíbrio social interno de

cada país e internacional, deve determinar a obrigação de compensação dos desfavorecidos ou

destituídos de suas prerrogativas em função da adoção de possibilidades socialmente

eficientes. Dessa forma, seja nas negociações ou na tomada de decisões, a partir da lógica do

jurista-economista, os agentes devem maximizar suas expectativas individuais e coletivas.

O PEES releva a essência econômica da norma Estatal, eficiente - maximizadora de

resultados esperados, considerando, no cálculo econométrico para tomada de decisão jurídico-

econômica, as variáveis de cunho social e temporal que, corretamente valoradas, devem ser

internalizadas de forma que a relação de custo e benefício demonstre a realidade das 8 Sobre o PEES ver, dentre outros trabalhos: GONÇALVES, E. N.; STELZER, J. O Direito e a Law and Economics: possibilidade interdisciplinar na contemporânea análise econômico-jurídica internacional. In anais do XV Encontro do CONPEDI. Recife, PE.: Fundação Boiteux, 2006. pp 67-68; GONÇALVES, E. N.; STELZER, J. A função logística do Direito e o Comércio Exterior: em busca do efetivo desenvolvimento econômico. In anais do XVII CONPEDI, Salvador, BA.: Fundação Boiteux, v. 1. 2008. pp. 1426-1441 e GONÇALVES, E. N.; STELZER, J. O Direito Econômico: Extraordinário Instrumento de desenvolvimento. In: anais do XVIII CONPEDI. Maringá, PR.: Fundação Boiteux, v. 1. 2009. pp. 2727-2761. 9 Sobre o MEL, ver in GONÇALVES, E. N.; STELZER, J. Interação entre a política pública licitatória e as políticas públicas implementarias da ação empresarial socialmente responsável: apreciação gráfica dos efeitos econômicos no mercado. In: anais do XXI Encontro do CONPEDI. Uberlândia, MG: Fundação Boiteux, v. 1. 2012. Pp.1-26 e GONÇALVES, E. N.; STELZER, J. A Economia e o Direito Internacional Econômico: a necessária disciplina das relações externas contenporâneas. In: Direito Internacional em Expansão - anais do 10 Congresso Brasileiro de Direito Internacional, Rio de Janeiro, RJ: Arraes. v.1. 2012. pp. 563-574.

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utilidades auferidas quando se sacrificando determinados bens e serviços próprios ou de

outrem, ainda, considerado o maior número possível ou a totalidade dos agentes envolvidos e

possibilitada a eliminação das externalidades para as sociedades presente e futura. O Direito

aplicado de forma eficiente torna-se moral, reduzindo as externalidades na medida em que

custos são internalizados quando da violação dos próprios princípios morais. O altruísmo, por

sua vez, também não está descartado da lei quando é raciocinado em termos econômicos na

forma de derivação de utilidade, por parte de alguém, em relação à utilidade desejada por

outrem; de forma que o desejo ou anseio individual passa a ser correspondido conforme à

satisfação do próximo. É o que ocorre pela prática do Fair Trade quando preços superiores

aos ditos normais são praticados segundo sejam internalizados, nas planilhas de custo dos

países menos favorecidos e, nas expectativas de compra dos países do Hemisfério Norte,

passivos sociais e ambientais há muito procrastinados.

A aproximação entre o Direito e a Teoria Econômica, tornando o primeiro racional,

segundo os parâmetros da segunda Ciência, torna-se possível, segundo aplicação do PEES,

uma vez que o comando normativo seja exequível, conforme dadas as restrições materiais,

segundo se almeje a equiparação dos níveis de satisfação individuais e coletivos envolvidos

no caso concreto e, ainda, mediante o implemento do tratamento equitativo aos iguais e

diferenciado aos desiguais, por fim, promovendo-se a derradeira justiça sob perspectiva

econômica, ao serem difundidos incentivos para a ação socialmente desejada ou obstáculos

para a consecução de atos condenados pelo acordo social previamente estabelecido em

normas e nos costumes.

O Direito, como medida de justiça, tem de buscar parâmetro de decisão alinhado com

os anseios da maioria ou totalidade do grupo social e conforme à técnica mais promissora e

racional disponível. Em situações que envolvam falhas de mercado, a distribuição ideal de

recursos e a alocação eficiente destes restarão prejudicadas e a consequência é a injustiça em

função do desperdício e da escassez fazendo urgir a ação do Estado como reorganizador das

relações econômico-sociais através do Direito10.

10 Segundo o Teorema de Coase, uma vez inexistentes os custos de transação, é indiferente que os direitos sejam determinados previamente, restando, sempre, a possibilidade de realocação dos mesmos segundo interesses dos particulares envolvidos. Resta, sim, papel de relevada importância, para o Estado e o seu Direito, além do controle do poder de polícia em relação ao comportamento social dos indivíduos.no caso de verificação de desvios de mercado - falhas de mercado - ou quando existirem altos custos de transação que impeçam as partes em conflito de transigirem. A princípio, deve ser ressaltado que não se está fazendo apologia do Estado mínimo e à não funcionalidade do Direito; muito pelo contrário, as instituições administrativo-jurídicas são necessárias em um mundo no qual o estado utópico de mercado de concorrência perfeita não existe. Sobre os custos de transação, ver in COASE (1960, p. 1-44).

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A Justiça no Direito implica na tomada de decisão que leve em consideração os

questionamentos indissociáveis do PEES tais como: 1. a avaliação dos resultados do sistema

jurídico e de sua concreta aplicação a partir da consideração dos incentivos indutores ou

obstaculizadores da atividade econômico-social e a inclusão do maior número de variáveis no

cálculo econométrico de custo e benefício; 2. o primado da distribuição dos recursos em

função de eficiência social, incluído o maior número de sujeitos possível no cálculo

econométrico; 3. a apreciação do caso concreto de forma eficiente, segundo expectativas da

Análise Econômica do Direito, eliminando-se as externalidades individuais e sociais, bem

como, os reflexos da ação presente com relação às gerações futuras e; 4. a consideração, para

fins de cálculo e distribuição de benefícios ou imposição de custos, da totalidade dos agentes

econômicos e partes envolvidas, ou que venham a sofrer reflexos oriundos da tomada de

decisão jurídica.

Nesse sentido, a utilização cuidadosa de critérios econômicos harmonizados com

objetivos de justiça e bem-estar social, pode representar alternativa para criação e aplicação

das regras de Direito Econômico rumo ao desenvolvimento equilibrado. Respeitada a posição

daqueles que não podem aceitar a economicidade no Direito ou a associação da eficiência

com justiça, resta, como verdade, que necessário é - e justo, também - a garantia de regras

iguais e proteção institucional das relações sociais para a consecução de profícuo trabalho

com vistas ao desenvolvimento humano em escala internacional como se propõe pela adoção

de técnicas comerciais próprias ao Fair Trade. Necessária, pois, é a busca de mínimas

condições de justiça – MEL, asseguradoras e mantenedoras da liberdade no exercício da

atividade econômica, uma vez que se reconhece, em um estado de concorrência perfeita no

qual não impere o despotismo dos economicamente poderosos, o estado utópico do sistema

econômico.

O resultado do modus operandi dos agentes econômicos, inseridos em contexto

regulamentado, é, em última instância, a defesa de seus interesses pessoais e diretos, tais

como: a sobrevivência e a satisfação de suas necessidades vitais, dentre outros; de modo

racional, através do uso eficiente dos escassos recursos, seja, por meio do indicativo do

mercado em primeira instância ou, na falha deste, através da regulamentação que deve,

invariavelmente, defender o interesse econômico-social segundo o PEES.

Nunca seja esquecido que a humanidade cresce globalmente e, a transitoriedade da

vida individual não representa, nem justifica o isolacionismo doentio do poder ineficiente,

egoísta, despótico e descomprometido com a própria sobrevivência e a dos demais

componentes da humanidade, mormente, se considerados países que coexistem e pactuam na

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sociedade internacional de Estados; assim como, não justifica a ganância que desconsidera o

social; nem a inércia que aumenta o fardo do próximo. Muito menos, justifica-se a destruição

do suporte material da vida na Terra, uma vez que se entende, dentro de perspectiva

progressista e includente, ser, a riqueza social, individualmente apropriada, porém, e sempre,

segundo o eficiente uso comprometido pelo PEES.

É nesta perspectiva de reflexão que se discute o papel do Estado, do Direito e do

mercado. Os indivíduos buscam, nas instituições econômico-políticas a maximização de suas

expectativas de forma a ser obtida a maior diferença custo-benefício; o que não quer dizer que

a forma de obtenção desta maximização de resultados ocorra, sempre, de forma indolor e

equilibrada, ainda mais, se consideradas todas as contingências negativas para negociação.

Tem-se, então, tal como ensina Adam Przeworsky (1995, p. 98), papel preponderante para o

Estado moderno, na medida em que se distribui renda e aloca recursos que o mercado não é

capaz, seja em função de falhas próprias de sua incapacidade de autorreprodução ad infinitun,

seja em função da monopolização e da não-mercantilização ou, simplesmente, pela

ineficiência de seus agentes. O Sistema Capitalista neoliberal de mercado, por sua vez, se

auto-ajusta, entretanto, mediante concessões de cunho social, já que não pode ad perpetun

proceder com a acumulação que concentra, em detrimento do assalariado e do desprovido;

assim como, em virtude da necessidade de serem operadas algumas funções não

mercadológicas, variáveis que devem ser internadas no cálculo econômico segundo visão

progressista. Desta forma, possivelmente, o sistema econômico ideal deve passar por um

mercado globalizado e universalmente regulamentado como definitiva forma de atenuação

entre a planificação - em que se tem a desvantagem de perder o referencial de valor

econômico - e a concorrência desleal de mercado - que faz desaparecerem as possibilidades

de coexistência.

Acredita-se que o Direito deve servir a um Aparelho de Estado ágil, atuando na ordem

econômica, de forma complementar, deixando para a própria sociedade a escolha racional e

eficiente para a adjudicação da riqueza disponível e, intervindo, quando da verificação de

altos custos de transação para a solução de desavenças ou para a correção de falhas de

mercado, segundo racionalização de interesses própria do PEES. Dizer que isto é imoral, ou

melhor, dizer que um Direito eficiente peca por não perseguir justiça e, sim, frio cálculo

racional, é equivocado, pois, a atitude maniqueísta de certo e errado para o processo de

mercado é infeliz. O equilíbrio obtido nas relações é o real fenômeno desejado pelos

indivíduos que, satisfeitos em suas necessidades, alcançam justiça.

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Segundo o PEES é possível a acomodação, nos termos de práxis ideológico-

normativa, entre os fins racionais economicistas do Direito e a necessidade elementar de

equidade - oportunidades: em recursos, emprego, educação, bem-estar social mínimo. Em

termos doutrinários, trata-se do possível conciliar entre Rawls e sua Teoria da Justiça

Equitativa, Dworkin e sua Chain of Law e Habermas e sua Razão Comunicativa na tomada de

decisão com a racionalidade e ética da eficiência. Tal acomodação normativa, como discurso

jurídico-econômico, em verdade, questiona a aceitação ou condenação do Direito

Individualista voltado para o uso exclusivo da propriedade, depois de desconsiderada a utopia

do ter comunitário pela partilha social em detrimento do apropriar racional. Resta inexorável

que nenhuma política, ideologia ou fragmento de Direito, pensamento utópico ou pragmático

pode vir a ser a ultima ratio regis caso não se verifiquem as seguintes máximas: a um, é

absolutamente necessária a reforma íntima da vontade racional dos indivíduos submetidos ao

paradigma jurídico-normativo vigente, que, antes de ser cogente, deve ser persuasivo, e, a

dois, é imprescindível a adoção de uma nova-velha perspectiva de relações entre homens e

países segundo salutar negociação de interesses entre países favorecidos e menos favorecidos.

Entretanto, na atribulação da vida moderna, predominam padrões ético-

comportamentais que não alcançam níveis de excelência próprios do homem integral - ser

humano consciente e capaz de amar o outro - e, sim, apenas e tão somente, arremedam-se

expressões pequenas desse mesmo homem - ser que possui a essência da divindade - como

mero consumidor, empresário, trabalhador, profissional, agente econômico ator do teatro

mercadológico. Os caminhos tortuosos levam, também, à meta final. No egoísmo da tomada

de decisões de forma racional e eficiente resta, para o Planeta habitado, a integração em

processo que torna evidente, não mais, a acumulação local de capitais e, sim, a lógica de

exploração social dos recursos que passam a ser disputados, em escala mundial, para usos

eficientes, condenando-se, consequentemente, o desperdício em função da escassez, já que, as

irracionalidades não podem mais ser toleradas quanto aos escassos recursos da natureza, não

renováveis. Aqueles que forem suficientemente lúcidos, persistentes, perseverantes,

cautelosos e, ao mesmo tempo, ativos, estudiosos e combativos terão maiores chances de

sobrevivência. A utopia capitalista é o caminho que se apresenta possível para a união dos

egoísmos individuais, pelo fato do homem achar imprescindível sua sobrevivência, levando-o

a convencer os demais da inexorabilidade de uma ação conjunta sob pena do total extermínio;

restando, por consequência da busca do bem-estar de uns, a salvação e segurança de outros.

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Não há mais espaço para o isolamento, nem mesmo de países, sejam ricos ou empobrecidos,

pois as relações sociais estreitam11 e fazem urgir mecanismos normativos que tornem

pacíficas essas relações, considerada que seja a inevitável constatação da existência de

conflitos sociais. Neste contexto, necessário é o repensar de uma nova Teoria Geral do Direito

ou, especificamente, de um Direito Econômico voltado para o Fair Trade que, flexível,

abandone o 'ranço dogmático' de tradição individualista embasado em conceitos absolutistas e

volva-se para a normo-instrumentalização moderna, eficiente e racional de melhor

aproveitamento da riqueza satisfazendo, por fim, os anseios individuais e gerais dos nacionais

e dos não nacionais.

As atuais condições de vida forçam a modificação do paradigma comportamental no

início do terceiro milênio e, por consequência, impõem a revisão dos institutos jurídico-

econômico-normativos, assim, os problemas e soluções - tomada de decisões - encaminham-

se para uma perspectiva global; pois, v. g., o ar que se respira e que poderá, brevemente,

faltar, a água que se bebe e que poluída restará, o alimento e a produção de que se necessita e

que poderá faltar, afetam a todos os seres e países indiscriminadamente. Em verdade, a

sociedade corroída pelos vermes da violência, da droga, do álcool, da corrupção, etc. sugere,

ao observador atento, uma liberdade infinita para a realização de suas várias escolhas; fato

que é, absolutamente próprio dos tempos em que se exigem, de seres racionais, atitude

correta, equilibrada e espontânea. Evidente, no entanto, é que a grande maioria da

humanidade, ainda não educada, transgride sua própria lei de autopreservação, ou seja, o

homem não se relaciona de forma a não fazer ao outro aquilo que não quer que lhe seja feito.

Utilizar a Teoria Econômica para interpretar ou analisar o Direito e, no caso

específico, a norma de Fair Trade, significa utilizar método dedutivo de prognósticos em

função da norma analisada objetivando a produção de determinado comportamento social

desejado. No ambiente internacional de Estados, necessária é a busca de mínimas condições

de justiça asseguradoras e mantenedoras da liberdade regulada e o exercício da atividade

econômica, uma vez que se reconhece, em um Estado de mercado-social, o estado utópico do

sistema econômico que, se não verificado, em função de diversos óbices, tais como: a falta de

mobilidade dos fatores produtivos, a desinformação por parte dos agentes econômicos, a

concentração empresarial em virtude da economia de escala, o custo social das externalidades,

e outros fatores de ordem estrutural e circunstancial; deve ser perseguido, segundo o ambiente 11 Apenas ilustrativamente, perceba-se que crises econômico-financeiras como as de 1929, com o crash da Bolsa de New York, ou da bolha imobiliária norte-americana, em 2008, ou da União Européia, em 2012 atingem proporções mundiais que colocam em cheque a pragmática econômica que aprofunda o abismo entre ricos e pobres ou, ainda e, mais especificamente, entre os Países do Hemisfério Sul e do Hemisfério Norte.

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institucional e as condições econômicas que propiciem, apesar da existência das referidas

falhas de mercado, a sobrevivência socioeconômica racional e eficiente em perspectiva de

equilíbrio dinâmico nacional, regional e, quiçá, global.

Meta específica, para o Direito, passa a ser a obtenção de sonhada estrutura de

convívio social, inclusive internacional, em que, economicamente, os Custos Marginais

Privados - CMgpr e Públicos - CMgpu sejam igualados às Receitas Marginais Privadas -

RMgpr e Públicas - RMgpu. Compatibilizam-se, assim, em termos de práxis ideológico-

normativa, os fins racionais economicistas do Direito e a necessidade elementar de equidade

através do PEES, uma vez adotado o apropriar individual racional - uso eficiente dos recursos

e relevadas as consequências sociais e ambientais - externalidades. Para tanto, a modificação

social perpassa a necessária reforma íntima - obtida pela educação e pelo amadurecimento dos

processos cognoscitivos - da vontade racional dos indivíduos submetidos a determinado

paradigma jurídico-normativo que, persuasivo, antes de ser mero controlador social, deve

determinar políticas econômico-sociais, através de sistema de incentivos e obstáculos à ação,

inibindo qualquer forma de imposição violenta. A mudança do paradigma jurídico-normativo

deve refletir o amadurecimento do homem e o respeito à sua individualidade e à alteridade.

Através de atitude interdisciplinar entre a Ciência Econômica e o Direito, pode ser

percebido instrumental analítico-interpretativo próprio ao emprego da Análise Econômica do

Direito, cuja visão de mundo prima pela maximização da riqueza social, individualmente

apropriada, através do princípio da eficiência econômica. Da mesma forma, é possível a

releitura do jurídico-econômico instituído por meio do PEES. Partindo do pressuposto de que

o Direito Econômico, o Direito Internacional Econômico e o Direito Econômico Internacional

desenvolvem-se em ambiente orientado pelo interesse econômico e que alternativas

idealizadas já fracassaram diante dos egoísmos que caracterizam o sistema de trocas, propõe-

se a viabilidade do Fair Trade segundo o PEES, enquanto critério orientador para criação de

comércio na sociedade internacional de Estados, já que, o homem, sendo mais que seus

desejos materiais, é ser espiritual e social que necessita da sociedade para, assim, usufruir com

plena intensidade o seu direito de vida.

Derradeiramente, pois, defende-se que o PEES, segundo o mínimo normativo estatal -

MEL é princípio que se aplica ao estudo do Fair Trade, quando da elaboração ou aplicação

normativa, pela essência de caráter econômico da norma que, devendo ser eficiente -

maximizadora de resultados esperados quando da adjudicação de direitos entre os agentes, ou

quando determinante de obrigações - não deve esquecer a consideração, no cálculo

econométrico, das variáveis de caráter social e temporal que, corretamente valoradas, devem

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ser internalizadas de forma que a relação de custo e beneficio demonstre a realidade das

utilidades que se recebe sacrificando determinados bens e serviços de terceiros, assim como,

seja considerado o maior número possível ou a totalidade dos agentes envolvidos, ainda,

possibilitando a eliminação das externalidades para as sociedades, presente e futura.

4. Implicações econômico-jurídicas do Fair Trade

O Direito, criado em um Estado disciplinador, regulador e fiscalizador do mercado-

social, voltado para o Fair Trade, deve aproximar, eficientemente e segundo critérios voltados

para o desenvolvimento integral, os agentes econômicos, sejam produtores, sejam

consumidores, de forma a serem praticados níveis de negociação emancipatórios progressivos

e adequados para a diminuição das assimetrias globais. Nesse diapasão o mercado

internacional deve primar por trocas justas observando-se os primados do PEES e do MEL.

Destarte, constatado que o legislador e o operador jurídico indelevelmente influenciam o

mercado; devem ser observadas as leis econômicas, seja na consecução da lei jurídica, seja na

sua apreciação judicial.

Se, por um lado, o Estado deve favorecer ao comércio solidário e incentivador das

conquistas sociais, por outro, não pode onerar excessivamente os agentes econômicos, seja na

produção – aumento dos patamares normativos em termos de exigências, custos, para o

processo produtivo; seja no consumo, primando por níveis de consumo incompatíveis com a

renda disponível nas unidades familiares.

A prática de preços justos implica, para seu cálculo, na inclusão de 'parcelas de bem

estar' a serem redistribuídas dos consumidores – geralmente, mais abastados, no Hemisfério

Norte, para os produtores– pequenos e pouco competitivos, no Hemisfério Sul.

Economicamente, trata-se de processo de redistribuição de riqueza que, em instancia

internacional, não pode levar ao que se conhece por desvio de comércio ocasionando-se

ineficiências no sistema de alocação de recursos12. Deve-se, assim, buscar progresso

econômico-social para os mais desfavorecidos, segundo visão do PEES, considerando, na

tomada de decisão para o comércio internacional, variáveis que eliminam externalidades

próprias da manutenção de um sistema econômico perverso; tais como: dívida social,

deterioração das condições ambientais, arrefecimento da violência e do uso de drogas,

desemprego e migrações de expropriados, diminuição das condições de saúde, etc.

12 Ver a obra de VINER (1950).

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Normas excessivamente protetivas das relações de consumo - mais severas ou mais

socialmente comprometidas; podem levar, no curto prazo, ao desabastecimento e à escassez e,

no longo prazo, à realocação dos fatores produtivos para atividades menos custosas ao

empresário investidor. Neste caso, a severidade do legislador desconhece as possibilidades

materiais do produtor doméstico. Da mesma forma, políticas públicas que venham a

determinar exigências para o empresariado produtor, implicando ação socialmente

responsável (aplicação de legislação antitruste, defesa do consumidor, inclusão de pessoas

com necessidades especiais, exigências sanitárias, trabalhistas, etc.; por exemplo), podem

levar; no curto prazo, ao aumento dos custos para toda a sociedade que, no entanto, colherá,

indubitavelmente, os frutos de um mercado socialmente inclusivo, com patamares de

consumo e de produção apropriados para o desenvolvimento econômico-social da sociedade

em questão.

Normas excessivamente liberais quanto às relações de consumo e menos socialmente

comprometidas podem levar à insegurança na satisfação da demanda nos países ricos, ao

abuso de poder econômico por parte dos consumidores em detrimento de indústria doméstica

empobrecida nos países do Hemisfério Sul, com a oferta de produtos e serviços não

socialmente responsáveis, ambientalmente danosos, com qualidade duvidosa, segundo ação

empresarial que, na busca de economias de escala e diminuição de custos, ou, mesmo, de

domínio de mercado, em instância de ineficientes monopólios, oligopólios e cartéis; afetará

negativamente a demanda por bens e serviços.

Da mesma forma, políticas públicas que venham a flexibilizar as exigências para os

produtores no Hemisfério Sul e permitir a ação não socialmente responsável por parte do

empresário (depredação ambiental, flexibilização do Código do Consumidor, desrespeito á

propriedade intelectual e não adoção de mínimos patamares trabalhistas, por exemplo),

podem, ainda que, em um primeiro momento, levando; no curto prazo, à diminuição dos

custos empresariais, ocasionar, no longo prazo, para a sociedade, como um todo, as nefastas

consequências de um mercado socialmente injusto, com patamares de consumo e produção

distantes do desejado Fair Trade.

A ação econômica para o implemento do comércio, segundo a prática do Fair Trade,

buscando a equalização geral dos preços entre os países pobres e ricos com o atendimento das

demandas sociais, segundo adequado estabelecimento da oferta; no curto prazo, permite, no

longo prazo, com maturidade empresarial e fortificação do Estado, ser conquistada a

estabilização e o desenvolvimento global das condições mercadológicas segundo o que se

entende por PEES.

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É importante verificar, na relação de trocas internacionais entre países ricos e pobres, a

reciprocidade de interesses dos consumidores economicamente fortalecidos e com poder de

demanda e dos empresários desfavorecidos. Os primeiros, segundo pragmática do Fair Trade,

querem qualidade nos produtos e serviços, preços competitivos e respeito a uma mínima

agenda social, assim determinada pela normatividade – MEL; enquanto, os segundos, desejam

a conquista de novos mercados segundo regras de comércio mais justas e conformes ao PEES.

Assim, antes de antagônicos, tais interesses são inerentes ao mesmo problema, qual seja,

produzir e consumir com responsabilidade social. A dicotomia possivelmente verificável entre

as forças de mercado e os anseios sociais pode perfeitamente ser dirimida no entendimento de

que o mercado que se quer, ou, ainda, a ação emergente dos agentes privados admitida no

mercado deve pautar um mínimo socialmente aceitável que, se não naturalmente ofertado,

deve ser buscado pelo legal como forma de persuasão para a conduta socialmente desejada.

Neste caso, compete, ao Direito, suprir as falhas de mercado, eliminar as externalidades e

pugnar por desenvolvimento em detrimento de crescimento.

Segundo a eficiente ação, quando da tomada de decisões no âmbito econômico-

jurídico, seja para o setor privado, seja para o setor governamental, deve, invariavelmente, ser

objetivada a criação de ambiente econômico favorável à livre concorrência saudável de

mercado social que, regulamentado conforme perspectiva progressista e inclusiva, indique o

melhor uso da riqueza social, individualmente apropriada, conforme o desideratun último da

eficiência econômica. Esta se traduz por situação de equilíbrio na qual as forças econômico-

sociais têm satisfeitas suas necessidades de consumo e recompensados todos seus esforços

produtivos de forma a, também, serem compensadas quaisquer externalidades por ventura

causadas a terceiros e considerados os reclames de responsabilidade social de dada sociedade.

Portanto, a tomada de decisão que, apenas e tão somente, represente posicionamento

político e não comprometido com o uso racional da riqueza social, mesmo que

individualmente apropriada, incorre em contrariedade ao PEES, uma vez que, muito

provavelmente, em um futuro não remoto, em virtude do emprego ineficiente ou desvio de

recursos, pelos encargos causados ao processo produtivo doméstico e pela criação de

indicadores mercadológicos falsos, verificar-se-á o caos econômico a partir da constatação da

carência de recursos em outras atividades, de alto custo para satisfazer a demanda interna, do

maior desemprego ocasionado em outros setores, em virtude do mantenimento de empregos

em atividades ineficientes e de tantos outros problemas reflexos gerados a partir da

equivocada tomada de decisão.

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Na consecução de uma política de Fair Trade, deve-se operar, no contexto de trocas

internacionais, de forma a eliminarem-se as externalidades negativas, as falhas de mercado e

as incongruências de um sistema neoliberal socialmente nefasto, ainda, segundo patamares

normatizados como mínimo existencial –MEL, a ser perseguido pelos processos produtivos e

pelas relações consumeristas. Problema, entretanto é identificar quão interessante é, nesse

processo de redistribuição de riqueza, assumirem, os países ricos, o compromisso de pagar

preços justos (que incluem avanços socioeconômicos) para emancipar produtores, geralmente,

incipientes e não competitivos, nos mercados do Hemisfério Sul. Se em curto prazo tal

política pode implicar em nível demasiado alto de custos para os consumidores, em longo

prazo, pode se verificar um ganho generalizado para as economias envolvidas na medida em

que os custos sociais sofridos pelos Estados ricos são compensados pela emancipação

econômica de seus parceiros comerciais no Hemisfério Sul.

Adotada que seja a perspectiva para a criação e análise do Direito segundo Pluralismo

Econômico Líbero-Social formador de consenso jurídico-econômico, pode ser inferida a

prática paradigmática jurídico-econômica do Fair Trade, principalmente, estipulando

ideologia econômico-política adotada pela sociedade internacional de países, especificamente,

quanto ao relacionamento entre os diversos agentes econômicos sempre em favor da

transigência ou da negociação quando da adjudicação de direitos, segundo seja possibilitado o

melhor uso da riqueza individual e social; ou, ainda assim, possam ser totalmente internados

os custos que foram determinados sobre terceiros presentes ou para as futuras gerações em

virtude das ações praticadas pelos agentes públicos ou privados. Detecta-se, assim, em termos

jurídico-econômicos, quanto de determinado bem, considerado individualmente, se está

disposto a sacrificar - willingness to pay, ou aceitar - willingness to accept, para a

implementação da riqueza de outro ou, especificamente, da economia do país auxiliado pela

política de Fair Trade, uma vez que a atribuição e alteração da distribuição inicial de direitos,

em tempos neoliberais, tem de ser executada em função da tomada de decisão racional de

mercado, todavia, sempre segundo o norte seguro do institucional normativo, mormente,

quando da hipótese de altos custos de transação a serem internados, no sistema, pela adoção

do PEES, quando da tomada de decisões que, por fim, acarreta efeitos na dotação de riquezas

para os indivíduos e para as nações.

O método analítico- interpretativo- construtivista do PEES torna possível o paradigma

para a criação de um Direito jurídico-persuasivo segundo processo de análise de custos e

benefícios decorrentes da ação do agente subordinado ao comando normativo - MEL,

esgotando-se o paradigma jurídico-coercitivo vigente. O Direito, visto segundo a visão do

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Fair Trade, deve volver-se para o futuro de forma a influir a ação dos países e indivíduos

através do conjunto de incentivos e de obstáculos que passe, funcionalmente, a determinar o

comportamento social conforme análise dos reflexos da ação dos agentes no meio social,

sopesando os custos presentes e futuros incorridos pelas partes envolvidas e os ganhos reais

obtidos para a sociedade internacional de Estados, a partir das conquistas individual e

coletivamente alcançadas, buscando-se o ponto de equilíbrio que, economicamente,

corresponde a aquele em que os custos sociais, as receitas sociais, os custos privados e as

receitas privadas em todos os países envolvidos no processo de trocas comerciais são

idênticos. Da mesma forma, a partir do discurso jurídico-econômico conforme ao PEES e ao

MEL para difusão do Fair Trade, não pode ser indiferente ao Pluralismo Líbero-Social,

adotando a liberdade para a tomada de decisão que, sem embargo, não pode desconsiderar os

reflexos sociais causados, ainda, internalizando, de forma racional-econômica, por meio do

cálculo econométrico, os ganhos e perdas individuais e sociais de forma que o ganho

individual não ocorra pela imposição de custo social que torne ineficiente a ação individual

quando de sua necessária inclusão para a avaliação da adjudicação da riqueza que, antes de

ser considerada em seu caráter absoluto e privatista, tem seu efetivo papel social, conforme

seu uso racional. A responsabilidade pelo uso social da riqueza individualmente apropriada,

antes de imposição é necessidade que torna a convivência dos indivíduos e países pacífica,

assim como, eficiente uma vez que, se garantida a propriedade privada, não se deixa de,

também, assegurar a necessária geração de riqueza que deve, assim, traduzir a consequente

criação de novas oportunidades de emprego de recursos para a sociedade internacional de

países que, então, passa a ser beneficiada pelo uso racional da riqueza individual de cada país.

Da mesma forma, o individuo é favorecido por sua inclusão no rol daqueles que recebem os

benefícios sociais de uma coletividade que cresce pelo uso racional de seus bens, evitando os

desperdícios e a inatividade causadora de dano social pela deterioração do patrimônio

conquistado a partir dos esforços individuais dos agentes econômicos.

Seguramente, a ação conjunta advinda de tal intento fortifica o desenvolvimento

universal, uma vez superada a etapa dos regionalismos. A negociação eficaz dos termos da

globalização, da internacionalização de mercados e da abertura econômico-política neoliberal

deve ser tratada segundo critérios racionais e próprios de perspicácia diplomática pensada em

termos globais, antes mesmo de sujeita, tão somente, aos aspectos nacionais locais e

regionais. Os países, envolvidos em comércio internacional, segundo adotadas políticas de

Fair Trade devem considerar, ainda, o positivismo da inserção no contexto evolutivo mundial

e sopesar os custos a serem pagos por tal avanço, sob pena de, não o fazendo, se procrastinar

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o grande resultado desejado: um mundo melhor, no terceiro milênio, livre de conflitos gerados

pela insensatez do radicalismo e no qual se vislumbre o definitivo desenvolvimento

econômico.

Conclusão

Em busca da análise econômico-jurídica do Fair Trade, como política de comércio

justo e de consumo ético, apresentaram-se seus conceitos e utilizou-se a metodologia

econômico-jurídica da Análise Econômica do Direito para esclarecer seus efeitos econômico-

sociais. Enfatizou-se a possibilidade de aplicação de teoria de base própria do que se explanou

como Princípio da Eficiência Econômico-Social – PEES e Mínimo Ético Legal - MEL.

Tratou-se, no Brasil, do Decreto n° 7.358, de 17 de novembro de 2010, primando por política

pública socialmente responsável por parte do empresariado nacional e escolha consumerista

consciente e ética. Para tanto, adotou-se abordagem em quatro tópicos, apresentando-se a

apreciação conceitual do Fair Trade, do comércio justo e do consumo ético no primeiro

tópico; o Fair Trade no Brasil, no segundo; no terceiro, o Princípio da Eficiência Econômico-

Social – PEES e o Mínimo Ético Legal – MEL e; por fim, apreciaram-se as implicações

econômico-jurídicas do Fair Trade.

Em especial, conclui-se pela necessidade do Estado intervir no mercado, com seu

poder disciplinar e normativo, alcançando-se o que se propõe como Mínimo Ético Legal –

MEL; segundo cultura de produção e consumo responsável, inclusora, ética,

desenvolvimentista e apropriada para um novo patamar de mercado conforme ao PEES. Em

verdade, dentro da lógica de comércio internacional, a tomada de decisões tem caráter

universal, em vista da reciprocidade das relações entre países; devendo-se superar cada vez

mais o individualismo protecionista que distancia ricos e pobres. Existe conjuração ideológica

universal que tende a romper com as resistências individuais – egoísmo, ambição,

individualismo absolutista e inquestionável - pois, por fim, ou, ainda e melhor, como primeira

razão, a humanidade tem de sobreviver, o Planeta tem de continuar vivendo e o progresso do

homem em direção à sua origem divina torna-se inexorável.

A prática do Fair Trade, ainda pouco divulgada, no Brasil, já é comum na Europa.

Cada vez mais, mediante processo de convencimento e persuasão, os países do Hemisfério

Norte aderem ao comércio justo, adotando certificações e modelos de difusão e prática de

comércio social, ambiental e economicamente comprometido com ética de solidariedade e de

alteridade rumo à comunhão dos variados povos, à internacionalização de países e, por fim, à

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universalização, mormente em benefício dos países do Hemisfério Sul, em um primeiro

momento e dos próprios países ricos, em longo prazo, pela ampliação do poder de compra de

seus parceiros comerciais.

Os institutos e premissas do meio social e institucional de mercado, segundo visão

própria do Fair Trade delineiam o que se considera um Sistema Econômico Líbero-Social,

economia de mercado-social, capitaneada pelo PEES, prevalecendo o livre arbítrio das

escolhas, em meio da atitude, socialmente responsável, de maximização dos interesses

individuais e coletivos que, por sua vez, devem ser negociados considerando-se a natureza

recíproca das consequências quando da tomada das decisões, por parte dos agentes

econômicos.

Compete para o Estado e o Direito positivado fomentar ideal de justiça próprio da

sociedade eficiente, que avalie os benefícios e os custos advindos da tomada de decisão

individual e social, em um ambiente institucional de mercado-social, mesmo, em tempos de

globalização e de neoliberalismo. O sistema econômico interage com o jurídico-institucional;

consequentemente, o Estado e o Direito assumem papel defensor da ação dos indivíduos,

segundo suficiente flexibilidade para a adjudicação de direitos e fixação de obrigações.

Devem ser vencidas as restrições materiais segundo equiparação dos níveis de

satisfação individuais e coletivos mediante o implemento do tratamento equitativo aos iguais

e diferenciado aos desiguais, promovendo-se, assim, a derradeira justiça em perspectiva

econômica, ao difundir incentivos para a ação socialmente desejada. Portanto, determinando

políticas econômicas progressistas, as leis jurídico-econômicas devem buscar a eficiência para

a adjudicação dos diversos fatores de produção objetivando o desenvolvimento regional, local

e mundial, bem como, a garantia da seguridade e certeza jurídica em pragmática legalista que

combine a racionalidade material do economista e a formal do jurista, conforme consenso

para a governabilidade substantiva e a inclusão social segundo o PEES. O comércio justo,

dessa forma racional e progressista, deve adjudicar direitos e determinar obrigações pautando

eficientemente as relações dos agentes econômicos nas trocas internacionais entre ricos e

pobres, maximizando resultados esperados e considerando as externalidades e o reflexo social

sofrido pela sociedade presente, e mesmo, futura, de forma a serem compensados, na

totalidade, os prejuízos sociais, determinados pelo ganho privado imediato dos participantes

do processo de negociação internacional, com relação aos demais indivíduos contemporâneos

à tomada de decisão – alteridade - e às gerações futuras – condescendência para com a própria

espécie.

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Destarte, a lógica que deve sustentar a nova organização do capital, segundo visão do

Fair Trade, perpassando a ampliação de mercados, pela integração econômica, obtendo-se

economias de escala, diminuição de custos produtivos e aumento da produção, por outro lado,

deve, em um primeiro momento, elevar preços – considerados justos, com intuito de ser

promovida a inclusão social dos pequenos e mais desfavorecidos ou não competitivos países,

mormente, pertencentes ao Hemisfério Sul para, em longo prazo, possibilitar-se a

competitividade internacional embasada na eficiência produtiva. Compatibilizam-se, com tal

lógica, em termos de práxis ideológico-normativa, os fins racionais econômicos do Direito e a

necessidade elementar de equidade, distributividade e comutatividade, através do PEES, uma

vez adotado o apropriar individual racional - uso eficiente dos recursos e relevadas as

consequências sociais – externalidades causadas pela tomada de decisão jurídico-econômica.

Evidentemente que políticas de comércio com base em Fair Trade devem ser políticas

de Estado contrapostas ao minimalismo estatal e justificadas pelo fortalecimento das

sociedades civis envolvidas – dos países importadores e dos exportadores. De suma

importância, então, a ação estatal complementar na atividade econômica, implementando

padrões de distributividade e equidade capazes de propiciar a inclusão de todos os cidadãos

presentes, respeitados os interesses das gerações futuras e conforme ao mínimo normativo -

MEL. Supera-se, dessa forma, as perspectivas do Estado neoliberal, tão somente orientado

para a desumana lucratividade na economia de mercado e eficiência desconsideradora, no

cálculo econométrico, de tantas variáveis de cunho social e próprias de uma justiça econômica

distributiva; assim, efetivando-se, o Estado Líbero-Social, na medida em que se permite

prioridade para a tomada de decisão segundo o PEES, seja pelo ente privado ou pelo Estatal,

desde que, invariavelmente, maximizando-se o uso da riqueza para os participantes do

processo de desenvolvimento, mormente, integrados, eliminando-se as externalidades

causadas pela ação no mercado-social e possibilitando-se a negociação para a consequente

diminuição dos custos de transação.

Ao Direito Internacional Econômico e ao Direito Econômico Internacional que

difundam o Fair Trade compete indicar as medidas de política jurídico-econômica próprias

para possibilitar a justiça econômica, segundo o PEES, dando entendimento teórico-jurídico

ao mundo real, sob pena de esterilidade da lei. Em situação ideal de mercado Líbero-Social, a

utilidade dos escassos recursos será maximizada e será verificada justiça social se, a cada um,

segundo sua capacidade - eficiência – tornar-se possível ser distribuído a respectiva parte da

felicidade ou bem-estar social. Associam-se, pois, as ideias de justiça distributiva, comutativa

e eficiente segundo adjudicação racional da riqueza para os agentes e respectiva compensação

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daqueles que sofram as imposições –externalidades, advindas do processo econômico de

mercado-social, segundo seus méritos, respeitando-se, definitivamente, o outro – alteridade.

Por outro lado, a injustiça reflete falhas de mercado pelas quais a distribuição ideal de

recursos e a adjudicação eficiente destes terminam prejudicadas em função do desperdício, do

mau uso e da escassez, fazendo urgir a ação do Estado como reorganizador das relações

econômico-sociais através do Direito.

Em virtude do desequilíbrio econômico-social, próprio das práticas neoliberais que

vem fragilizando as economias dos diversos países na Sociedade Internacional de Estados,

práticas como as de Fair Trade, implicam em um rejuvenescimento econômico-social, um

verdadeiro alento contra a postura empresarial socialmente irresponsável e infrativa de

mercado, determinante de concentrações econômicas ineficientes, em meio à ineficácia na

proteção das relações consumeristas e de implementação da responsabilidade social do

empresário. Nesse diapasão, compete, ao Direito, em função da utilização do parâmetro da

eficiência como justiça jurídico-econômica, passar, então, a determinar a obrigação de

compensação dos perdedores do sistema e a eliminação da pragmática que entrave ou

contrarie os ditames do PEES e do MEL, em busca de um mercado-social.

Agora, o importante é recompor o mapa econômico-mundial reordenando-se a

geografia entre o Hemisfério Norte e o Sul, equiparando-se as arestas de séculos de

colonização e de práticas econômicas nefastas que levaram à cisão econômica entre nações

ricas e pobres. Ao que parece, somente um comércio de trocas justas, com consumo ético e

uma pragmática socialmente inclusora pode, segundo persuasão jurídico-econômica, em nível

de mercado, propiciar, para ambas as partes -neste caso, países pactuantes do Fair Trade, grau

de satisfação que lhes permita otimizar sua ação em sociedade e promover melhor bem-estar

social através do uso eficiente dos escassos recursos. Se a análise econômica de custos e

benefícios de um mercado extremamente capitalista não considera critérios distributivos e,

preconizando maiores lucros para um grupo, submete outro a carências, por outro lado, a

distribuição regressiva das riquezas de uma sociedade leva a maiores injustiças em termos

materiais. Assim, devem ser considerados critérios progressistas de distribuição e aplicação de

riqueza que não levem à estagnação ou inoperância da atividade econômica. É o que se

defende segundo o Mínimo Ético-Legal - MEL Estatal, a partir do Princípio da Eficiência

Econômico-Social - PEES, com vistas à inovadora prática econômica tal qual vista no Fair

Trade.

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Referências

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Solidário – SCJS, cria sua Comissão Gestora Nacional, e dá outras providencias. Disponível

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Autores: Abili Lázaro Castro de Lima. Yuri Gabriel Campagnaro,

O Neoliberalismo e a privatização dos bancos estaduais no Brasil: alterações nas

diretrizes governamentais e legislações no contexto político-econômico

Neoliberalism and the privatization of public state banks in Brasil: changes on

governmental policies and laws on political and economic context

Resumo. O neoliberalismo surgiu em contraposição ao Estado intervencionista, que buscava

pleno emprego. Em reação à crise da estagflação na década de 1970, tornou-se sistema

econômico e político hegemônico em alguns países. Propunha o fim do gigantismo do Estado,

as privatizações e o controle da inflação, defendendo o mercado livre. Serviu como estratégia

de acumulação do capital e restauração do poder da classe mais rica. No Brasil, seu principal

marco foi o Plano Real nos anos 1990, que diminuiu a inflação e realizou privatizações,

dentre as quais a dos bancos estaduais públicos. Estes serviam ao desenvolvimento regional

até que, com a crise de liquidez externa dos anos 1980, se tornaram apêndices das finanças

estaduais, o que os deteriorou. Com inúmeros problemas operacionais, o governo federal

optou pela privatização, abrindo o setor para o capital internacional e ampliando a influência

privada, adequando-se às teorizações neoliberais. O direito frente a esse processo modificou-

se, respondendo aos interesses econômicos e políticos.

Abstract. Neoliberalism arose in opposition to the interventionist State, which sought full

employment. In reaction to the stagflation crises of the 70's, it has become the hegemonic

political and economic system in some countries. It proposed the end of the gigantism of the

State, privatization and inflation control, defending free marcket. It was a strategy of capital

accumulation and power restoration of the richest class. In Brazil, its main mark is the Plano

Real in the 90's, which reduced inflation and conducted privatizarions, among which the

publics state banks. These helped regional development until, with the external liquidity

crises of the 80's, have become state finances's appendages, what has deteriorated them. With

numerous operational problems, the federal government opted for privatization, opening the

sector to international capital and expanding private influence, adapting to the neoliberal

theories. In this.process, Law has changed in response to economic and political interests.

Palavras chave. Neoliberalismo, privatização, bancos estaduais, Plano Real

Key words. Neoliberalism, privatization, state public banks, Plano Real

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1. A revolução monetarista e a doutrina neoliberal

Em 1989, após o colapso da URSS e a vitória do capitalismo ocidental, Francis

Fukuyama escreveu o artigo “Fim da História?”, no qual afirmava que a civilização havia

chegado na estabilização das relações sociais, em que todos os conflitos doravante seriam

resolvidos pela democracia e que nenhum acontecimento ultrapassaria a bonança do mercado

– consolidava-se assim o “fim da história” político e econômico. Todavia, esse não foi o único

período em que esse debate foi pautado na sociedade. Na década de 1920, havia muitos

pensadores que defendiam a vitória completa do livre mercado como sistema político-

econômico insuperável. Porém, em 1929, o sistema econômico predominante se mostrou

inviável pela grande crise econômica, seguida da Grande Depressão, com efeitos nocivos no

mundo todo.

Interpretando esse evento, John Maynard Keynes concluiu que a crise poderia ter

sido evitada. Para proteger o sistema econômico capitalista e a iniciativa individual, Keynes

assumiu como indispensável uma intervenção do Estado mais ampla e coordenada. Em

especial, a questão do emprego deveria ser o centro da atividade estatal. Essa concepção é

correlata às pesquisas de A. W. Phillips e Richard Lipsey, entre os anos de 1958 e 1962, que

desenvolveram a chamada “curva de Phillips”, Segundo esse estudo, a taxa de variação dos

salários nominais está relacionada diretamente com a inflação, o que permite a conclusão de

que a relação entre desemprego e inflação, embora não linear, é inversa, ou seja, quanto maior

o desemprego, menor a inflação, e vice-versa (AVELÃS NUNES, 1991, p. 16-18). Com base

nessa conclusão, as políticas econômicas de muitos países que desejavam conciliar o combate

à inflação com níveis baixos de desemprego seguiram a teoria da Curva de Phillips. Essas

políticas consistiam em suportar moderado nível de desemprego, um nível socialmente aceito,

para reduzir o ritmo de subida de preços (idem, p. 19).

Entretanto, estudos começaram a demonstrar que a aplicação dessa teoria não

conseguia manter de forma tão estável e previsível a taxa de inflação, que variava

consideravelmente de um país para outro e aumentava com o tempo dentro do próprio país

(AVELÃS NUNES, 1991, p. 24). A partir de 1970 e 1971, os países mais ricos (como

Inglaterra e EUA) apresentavam situações de inflação crescente, apesar de taxa de

desemprego relativamente alta e crescente, além de taxas decrescentes do Produto Nacional

Bruto - a manutenção dos níveis de emprego apenas era possível às custas de uma inflação

que aumentava. Esse fenômeno é o chamado “estagflação”, que tanto Avelãs Nunes (1991, p.

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25) quanto David Harvey (2008, p. 22) citam como uma importante consequência das

políticas intervencionistas. Avelãs Nunes caracteriza a estagflação como a:

Coexistência de uma taxa crescente de desemprego com uma taxa decrescente de aumento do PNB em termos reais e uma taxa crescente de inflação, ou de uma taxa elevada de desemprego com uma taxa (muito) baixa crescimento do PNB em termos reais (estagnação) e com uma taxa elevada e/ou crescente de inflação (AVELÃS NUNES, 1991, p. 26).

Após a Grande Depressão, os governos vivenciaram, portanto, um período de

economia saudável, aliando o controle da inflação às baixas taxas de desemprego, até que a

estagflação desenvolvesse um ambiente preocupante. David Harvey chama essa concepção

política praticada de “liberalismo embutido”. Segundo esse autor, o liberalismo embutido

produziu crescimento econômico nos anos 1950 e 1960, mediante políticas fiscais e

monetárias keynesianas. O Estado internalizara as relações de classe (HARVEY, 2008, p. 21).

Os Estados intervencionistas eram vistos com grande aceitação pela maioria da

sociedade. Além de estabilizarem as relações econômicas, esses Estados conseguiram (ao

menos temporariamente) controlar o desemprego com níveis muito baixos. Da mesma forma,

o grande número de programas sociais favorecia vários e amplos setores da sociedade, até

então excluídos do acesso a condições mínimas, como saúde e educação. Mas essa conjuntura

não agradava a totalidade da população. O 1% mais rico nunca havia concentrado tanta

riqueza comparativamente ao restante da sociedade: ao final dos anos 1970, a parcela da renda

nacional do 1% mais rico dos EUA chegou a 15%. Em 1999, o 0,1% mais rico detinha 6% da

renda nacional (HARVEY, 2008, p. 26). Harvey coloca o fenômeno da estagflação inserido

numa crise de acumulação do capital por parte da classe capitalista (HARVEY, 2008, p. 22).

Com essa instabilidade econômica acima descrita, havia um ambiente favorável à

afirmação das teses monetaristas. As políticas keynesianas não se adaptavam mais à

conjuntura de inflação crescente. A década de 1970 sofria processos de crise, o que muitos

julgavam ultrapassado na economia. Aproveitando-se da crise do petróleo, o monetarismo

atacou o keynesianismo, colocando-o na defensiva (AVELÃS NUNES, 1991, p. 31).

Um pequeno grupo se congregou em torno do filósofo Friedrich von Hayek para

criar a Mont Pelerin Society em 1947. Hayek afirmava que era fundamental a batalha das

ideias (HARVEY, 2008, p. 31). O grupo recebe financiamento econômico e apoios políticos,

mas permaneceu à margem até a década de 1970, quando foram criados reservatórios de

ideias (think tanks) bem financiados e foram ocupados por esses intelectuais espaços

universitários, como o da Universidade de Chicago.

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Neste contexto, surge a teoria econômica de Milton Friedman, segundo o qual a

Depressão não foi causada pelo fracasso do livre mercado, mas pela falha do governo na área

monetária. As crises cíclicas seriam um problema mais político do que econômico, um

problema de administração – a economia é fundamentalmente sã e suas perturbações advêm

da esfera monetária. Assim, como Nunes cita de Tobin, “Friedman fez reviver a crença pré-

keynesiana na estabilidade automática do sistema” (AVELÃS NUNES, 1991, p. 37-39).

Negando a Curva de Phillips, para Friedman, a política monetária não pode controlar

nem a taxa de juro nem a taxa de desemprego (idem, p. 39). Após um primeiro período de

baixa na taxa de juro, o aumento na expansão da quantidade de moeda acaba, inversamente,

aumentando as mesmas taxas de juros. Por isso, para ele, a centralidade na taxa de variação de

quantidade de moeda consiste no núcleo da política monetária. Friedman também coloca que

é impossível manter o desemprego em níveis considerados convenientes. O autor nega a

estabilidade na relação entre inflação e desemprego. Para ele, a política de garantir níveis

aceitáveis de desemprego era uma das causas da estagflação. O central da política econômica

é controlar e impedir a inflação. O desemprego é uma consequência automática, embora

indesejável – e deve-se, entretanto, adotar medidas para atenuá-lo, sabendo ser impossível

haver emprego a todos, havendo uma “taxa natural de desemprego” (idem, p. 50).

Para solucionar a crise da estagflação, Friedman faz um estudo sobre o fenômeno da

inflação em seu livro “Liberdade de Escolher”. Segundo o autor, em todos os grandes países,

o volume de moeda é determinado pelo governo, o que tem sido a principal razão da confusão

sobre a causa e a cura da inflação. O autor coloca, nestes termos, que a inflação é uma

“doença”. Não se trata de um fenômeno inteiramente capitalista nem socialista, pois países

que adotavam ambos os regimes sofriam com a inflação. É mundial, mas não internacional,

pois cada país carece separadamente de suas mazelas. O fenômeno não é produzido pelos

sindicatos nem pelos empresários – a moeda é o elemento central (FRIEDMAN, Milton,

FRIEDMAN, Rose, 1980, p. 260).

A inflação é um fenômeno monetário e as formas modernas de moeda não estão

sujeitas a limites físicos, tal como ocorre com a produção, por isso a produtividade é um fator

coadjuvante. Como conceito, pode-se dizer que a inflação é produzida pelo aumento mais

rápido da quantidade de moeda do que da produção. Esse crescimento monetário exagerado é

provocado pelos governos, devido ao aumento de gastos estatais, política contra o

desemprego, políticas econômicas erradas, etc. (idem, p. 260-261).

A cura dessa “doença”, segundo o economista neoliberal, é fácil de receitar mas

difícil de implementar. A solução evidente é reduzir a taxa de crescimento monetário, mas é

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difícil mobilizar a vontade política para tomar as medidas necessárias, pois há efeitos

colaterais dolorosos envolvidos. Quando a inflação inicia num país, os efeitos primários são

positivos, pois as pessoas adquirem a capacidade de gastar mais sem que outras gastem

menos. Entretanto, o aumento dos gastos eleva os preços, fazendo com que a demanda fique

menos ativa, o que, por sua vez, provoca uma estagnação no crescimento econômico. Para

reverter o cenário, o governo tenta injetar mais moeda, causando mais inflação e aumentando

o problema. A cura dessa situação é a redução da quantidade de moeda em circulação, cujos

efeitos colaterais são menos crescimento econômico e desemprego temporariamente alto,

além do fato de que a inflação demora um pouco para reduzir. Os benefícios, segundo

Friedman, apenas aparecem um ou dois anos depois da adoção das medidas (idem, p. 266).

2. Acumulação por espoliação: o neoliberalismo e suas práticas

A doutrina política e econômica do neoliberalismo remonta ao final dos anos 1940, a

partir de seus principais corifeus: Friedrich von Hayek, Ludwig von Mises, Milton Friedman

e Karl Popper. O movimento só conseguiu obter protagonismo enquanto doutrina econômica

em 1973 com a crise do Petróleo e em 1979, com a eleição de Margareth Thatcher como

primeira ministra da Inglaterra e de Paul Volcker como presidente do Federal Reserve Bank

(FED), além da eleição, pouco tempo depois, do presidente dos EUA Ronald Reagan, em

1981 (HARVEY, 2003, p. 130). Entretanto, antes da ocupação desse espaço, ocorreram

experiências neoliberais importantes, mas em outros ambientes, principalmente, o governo do

ditador Augusto Pinochet no Chile. Para compreender essa experiência é necessário situar-se

em Chicago, a partir da década de 1950. Nesse ambiente, esta escola econômica ficou muito

famosa devido a seu líder, Milton Friedman.

Esta Escola passou a ser chamada de “Escola de Chicago”. Porém, o produto de suas

teorizações não predominou nesse período, anos que foram marcados por governos

desenvolvimentistas e intervencionistas no mundo inteiro. Mesmo assim, o governo dos EUA

e as grandes corporações desse país perceberam que a doutrina intervencionista não

propiciava uma abertura de mercado a lhes favorecer, em especial na América Latina

(KLEIN, 2007, p. 72). Noam Chomsky (1999, p. 23), em seu livro “O Lucro ou as Pessoas?

Neoliberalismo e a Ordem Global”, afirma que há documentos do governo dos EUA agora

disponíveis que descrevem os governos populistas da década de 1960 e 1970 na América

Latina como ameaças a um ambiente propício para o investimento privado.

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Portanto, os EUA buscaram formar desenvolver, formar e disseminar uma concepção

ideológica para as lideranças desses países latinos para direção diversa da que estavam

tomando até então. Por exemplo, patrocinaram a Universidade de Chicago para recrutar

jovens estudantes chilenos, para que estes ocupassem posteriormente cargos governamentais –

foi o chamado “Projeto Chile” (KLEIN, 2007, p. 76). Esses estudantes eram chamados de

Chicago Boys. Porém, mesmo após formados e atuando na Universidade Católica do Chile,

não conseguiam o respaldo esperado. Havia forte apoio ao governo social-democrata de

Salvador Allende, que adotava medidas radicalmente contrárias às neoliberais (idem, p. 80).

Após o golpe militar do general Augusto Pinochet, os Chicago Boys foram

incorporados em seu governo para a construção de uma nova ordem econômica chilena. Pela

primeira vez, as medidas neoliberais puderam ser testadas na economia de um país, a nível

nacional (idem, p. 97). O próprio Milton Friedman reconheceu a influência que esses

estudantes neoliberais tiveram no Chile (SIQUEIRA, 2000, p. 13-14), além da importância

para o próprio movimento do neoliberalismo.

Como o final do governo Allende sofrera instabilidades políticas que afetaram a

economia do país, quando Pinochet chegou ao poder, o Chile estava em péssimas condições,

inclusive devido a restrições econômicas impostas pelos EUA (idem, p. 6). As medidas

tomadas pela ditadura não conseguiram sanar essa situação. Para tentar resolver essa situação,

em 1975, o próprio Milton Friedman viajou ao Chile e aconselhou a tomada de medidas para

incrementar mais cortes orçamentários e mais privatizações, mas com maior velocidade,

utilizando as palavras “tratamento de choque”. Pinochet adotou esses conselhos, embora tenha

mantido estatal o setor estratégico do cobre. Como resultado, os 10% mais ricos do Chile

aumentaram sua renda em 83%, enquanto, do outro lado da moeda, o Chile se tornou o 8° país

mais desigual do mundo (KLEIN, 2007, p. 106). Evidentemente, essa situação de

desigualdade desestruturou a sociedade chilena.

Dessa forma, essa experiência histórica do Chile foi o laboratório inicial para a

implementação do neoliberalismo como um sistema hegemônico. Foi somente após essas

ocorrências que o neoliberalismo tornou-se dogma político e econômico dominante, no final

da década de 1970.

O ano de 1979, quando Margareth Thatcher foi eleita primeira ministra da Inglaterra,

serviu como marco simbólico da ascensão do neoliberalismo, ainda que a implementação das

políticas neoliberais tenha se dado de modo gradual (JESSOP, 2003, p. 2-3). A inflação estava

em 26% e havia 1 milhão de pessoas desempregadas, em 1975 (HARVEY, 2008, p. 67). Seu

governo, portanto, tinha a intenção de acabar com a estagflação e alterar as práticas do Estado

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socialdemocrata. Segundo Bob Jessop (2003, p. 4), o governo Thatcher foi caracterizado por

três principais frentes: um projeto autoritário de populismo nacionalista, um projeto de Estado

centralizado e uma estratégia neoliberal de acumulação.

Suas medidas principais consistiram em enfrentar o poder sindical, reverter os

compromissos do Estado de bem-estar, privatizar as empresas públicas e induzir forte fluxo de

investimento externo. Além disso, contraiu a emissão monetária, baixou em muito os

impostos sobre altos rendimentos, aboliu os controles ao capital financeiro e criou níveis

altíssimos de desemprego (ANDERSON in SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 12). Foi

um ataque concreto, mas também ideológico (KLEIN, 2007, p. 159). Jessop (2003, p. 5), que

sintetizou sua estratégia de acumulação nas seguintes medidas: liberalização do mercado,

desregulação da economia, privatização dos serviços estatais, “mercadificação” do setor

público, internacionalização da economia e redução de impostos. Praticamente todos os

setores da economia que estavam em mãos do Estado foram privatizados – a indústria de aço,

de água, de eletricidade, de gás, as telecomunicações, as companhias aéreas, a indústria do

petróleo, o sistema público de habitação e os serviços municipais (HARVEY, 2008, p. 70).

Aliado a essas medidas, Thatcher controlou os protestos do forte sindicalismo inglês,

reprimindo a greve do maior sindicato do país (o dos trabalhadores do carvão), demitindo

quase mil funcionários de uma só vez (KLEIN, 2007, p. 167). Esse controle, que fez o número

de greves cair drasticamente após o término de seu governo, foi fundamental para a

implementação de suas políticas (HARVEY, 2008, p. 69)

Nos EUA, também em 1979, Paul Volcker tornou-se presidente do Federal Reserve

Bank (FED) e mudou radicalmente a política monetária dos EUA, destinada a conter a

inflação, não importando as consequências para o trabalho. A taxa real de juro aumentou

muito e se tornou positiva. Foi o chamado “choque Volcker” citado tanto por Naomi Klein

(2007, p. 193), quanto por David Harvey (2008, p. 33). A vitória de Ronald Reagan também

foi crucial. Houve maior desregulamentação, cortes de impostos e no orçamento e ataques aos

sindicatos, fazendo cair muito o nível do salário real (HARVEY, 2008, p. 34).

Muitos autores afirmam que é difícil descrever o que é o neoliberalismo na prática,

pois há evidentes desvios de sua teoria, além de sua dinâmica variar de acordo com lugar e

época. A maioria das análises dos autores estudados dividem o neoliberalismo em sua teoria e

sua implementação, para citar como exemplos Noam Chomsky (1999, p. 39), David Harvey

(2008, p. 75) e Emir Sader (1995, p. 148).

Não obstante, é possível identificar linhas gerais. Os Estados neoliberais

incrementam a importância das instituições financeiras, mas garantindo a integridade e

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solvência destas, com o compromisso de usarem o monetarismo como fundamento da

política, considerando central a solidez da moeda (HARVEY, 2008, p. 83). O Estado

neoliberal não admite fracassos financeiros, mesmo que ocorram por culpa dessas instituições.

O mercado financeiro cresceu muito, o que se evidencia pelo fato de que em 1971, apenas

10% das transações financeiras internacionais eram de natureza especulativa, enquanto que

em 1995, essas transações passaram a representar 95% do total (CHOMSKY, 1999, p. 26).

Domesticamente, o neoliberalismo é hostil a qualquer manifestação de solidariedade

social que restrinja a acumulação do capital - “flexibilidade” é o mantra no mercado de

trabalho (HARVEY, 2008, p. 85). Embora alguns trabalhadores se beneficiem, as assimetrias

quanto às informações e ao poder deixam o trabalhador em desvantagem. Dessa forma,

aumentou muito a desigualdade social, causando uma restauração do poder econômico da

classe alta (idem, p. 35). Segundo o autor inglês (2008, p. 86), o controle ao trabalho e a

exploração são componentes essenciais da restauração de classe neoliberal. No mesmo

sentido, Atílio Borón afirma que as políticas neoliberais são claramente políticas de exclusão

social (SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 155).

Outro fator predominante é a importância que as grandes corporações adquirem. O

Estado utiliza-se da coerção para garantir os interesses daquelas, o que parece se contradizer

com a teoria neoliberal, no que se refere à influência dos grupos de interesses. “A fronteira

entre o Estado e o poder corporativo tornou-se cada vez mais porosa” (HARVEY, 2008, p.

88). Para Chomsky (1999, p. 22), o neoliberalismo veio a favorecer as grandes empresas

internacionais, impulsionadas pelo governo dos EUA. Naomi Klein, em vários trechos do seu

livro “A Doutrina do Choque” (2007), critica esse mesmo aspecto.

Harvey enuncia as principais contradições do neoliberalismo (2008, p. 89-90), o qual

demonstra ser uma forma de organização social instável ou de transição, conforme se deflui

das seguintes constatações: a) De um lado o Estado deve ser relegado a um segundo plano, de

outro, deve atuar para garantir um clima de negócios favorável - o nacionalismo atrapalha as

liberdades de mercado mais gerais. b) O autoritarismo nas práticas de mercado não condiz

com os ideais de liberdade individual – há uma gigantesca assimetria entre o poder das

grandes corporações e dos cidadãos comuns. c) O individualismo irresponsável dos

operadores financeiros produz instabilidade crônica - a desregulação financeira facilita

comportamentos que exigem uma nova regulação para evitar crises. d) Embora a competição

seja prioridade, há uma consolidação do poder e domínio econômico em pouquíssimas

grandes corporações, criando verdadeiros monopólios. e) O ímpeto para as liberalidades de

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mercado produz incoerência social - a falta de solidariedade social faz ressurgir formas

autoritárias de nacionalismo e populismo, para preencher esse hiato.

Harvey propõe, em seu livro “O Novo Imperialismo” (2003), uma nova análise sobre

a acumulação do capital no sistema capitalista atual. Partindo na noção que Karl Marx tem de

acumulação primitiva do capital, ele chega à ideia de “acumulação por espoliação”. O

conceito de acumulação primitiva de Marx traz elementos que estão no modo de operação do

capitalismo até os presentes dias, como a expulsão dos camponeses de suas terras, por

exemplo. Ainda assim, é necessário preencher algumas lacunas desse modelo clássico.

Alguns mecanismos que Marx apontava foram aprimorados, em especial, o sistema

de crédito e o capital financeiro, principalmente após a ascensão do neoliberalismo como

medida política hegemônica. Outros mecanismos novos foram criados, como a propriedade

industrial e intelectual, além da onda de privatizações, consistindo numa verdadeira

expropriação. Essas medidas, assim como na época de Marx, são impostas pelo próprio

Estado, mesmo que contra a vontade popular (HARVEY, 2003, p. 122-123).

Harvey afirma que o capital hoje sofre uma crise de sobreacumulação: condição em

que excedentes de capital ficam ociosos sem ter escoadouros lucrativos (idem, p. 124). Com

isso, ele diverge da teoria de Rosa Luxemburgo, de que a crise do capital seria uma crise de

subconsumo (idem, p. 115). Para solucionar essa crise, portanto, a acumulação por espoliação

é importante, pois libera ativos (inclusive força de trabalho) a custo muito baixo, permitindo

que o capital sobreacumulado possa se apossar desses ativos e dar-lhes um uso lucrativo.

A privatização é uma dessas medidas que abre campos a serem apropriados pelo

capital sobreacumulado. Outra que pode servir para esse escoamento é a desvalorização dos

ativos de capital e da força de trabalho, o que requer uma prévia desvalorização, ou seja, uma

crise de algum tipo. Essas crises podem ser orquestradas, planejadas, e é nisto que se centra a

atuação do sistema financeiro internacional, principalmente, pelo Fundo Monetário

Internacional (FMI): orquestrar essas desvalorizações para permitir que a acumulação por

espoliação ocorra sem causar um colapso geral (idem, p. 125-126).

Essa análise se encaixa muito bem no pensamento de Naomi Klein, autora do livro

“A Doutrina do Choque” (2007) traz fatos, dados e reportagens investigativas para concluir

que o capitalismo hoje se sustenta em desastres, em crises, em choques. A autora analisa

várias experiências históricas (com inúmeras referências fáticas) em que o neoliberalismo foi

implementado pelo Estado: Chile, Inglaterra, China, Rússia, Iraque, etc. Nessas experiências

foi possível identificar consequências comuns que surgiram após as medidas de choque do

neoliberalismo, sendo as principais um aumento muito grande da desigualdade social e da

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concentração de renda e o protagonismo e lucratividade das grandes corporações, muitas

vezes chefiadas por membros do Estado.

O movimento que Milton Friedman deslanchou, nos anos 1950, fica mais bem compreendido se o entendermos como a tentativa do capital multinacional de recapturar a fronteira altamente lucrativa e sem leis que Adam Smith, o pai intelectual dos neoliberais de hoje, tanto admirou – contudo, com um desvio. Em vez de viajar pelas “nações selvagens e bárbaras” de Adam Smith, onde não há legislação do Ocidente (uma operação prática agora inviável), esse desatou a desmantelar, de modo sistemático, todas as normas e os regulamentos existentes, para recriar aquele estado anterior sem leis. Os colonizadores de Smith realizaram seus lucros recordes por meio da apropriação, por “uma bagatela”, daquilo que ele descreveu como “terras desperdiçadas”. As multinacionais de hoje veêm programas governamentais, ativos públicos e tudo que não está à venda como terreno a ser conquistado e tomado – correios, parques nacionais, escolas, securidade social, defesa civil e qualquer outra coisa administrada pelo poder público (KLEIN, 2007, p. 283).

Entretanto, como afirma Harvey (2008, p. 166-167), apesar do aumento da

concentração de capital, o neoliberalismo não conseguiu estimular sua acumulação a níveis

satisfatórios. Os dados de crescimento econômico comprovam que a neoliberalização não

estimulou o crescimento mundial. Nos países que realizaram as políticas neoliberais, como na

ex-União Soviética, América Latina e África, os resultados mostram cenários de estagnação e

de até colapsos econômicos, enquanto que no sudeste asiático, onde a economia conta com

maior intervenção do Estado, há registros de crescimento.

É nesse sentido que “A redução e o controle da inflação são o único sucesso

sistemático que a neoliberalização pode reivindicar”, segundo Harvey (2008, p. 168). Atílio

Borón concorda com essa conclusão (SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 145). Perry

Anderson (in SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 15-19) coloca que esse êxito foi

incontestável, acompanhado da recuperação dos lucros. A terceira vitória do neoliberalismo

consiste no forte crescimento das taxas de desemprego, aumentando a desigualdade, o que

segundo o autor é uma estratégia deliberada do neoliberalismo, não consistindo em

contradição com a teoria, pois a democracia nunca foi um valor central no sistema neoliberal.

Essas medidas eram realizadas com o intuito principal de reanimar o capitalismo

mundial, com taxas de crescimento estáveis, objetivo o qual o neoliberalismo não obteve

sucesso. Como afirma enfaticamente Perry Anderson (in SADER, Emir, GENTILI, Pablo,

1995, p. 15), “Entre os anos 70 e 80 não houve nenhuma mudança – nenhuma – na taxa de

crescimento, muito baixa nos países da OCDE”.

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Portanto, os fatos empíricos parecem contestar que o neoliberalismo seja considerado

solução, fator explicável por dois principais motivos, segundo David Harvey. Primeiramente,

houve uma forma de desenvolvimento desigual, em que uns países se desenvolveram às

custas de outros, fazendo com que exemplos de sucessos obscurecessem que na maior parte

dos países o sistema fracassou. Outro motivo é que a acumulação de capital pela parcela mais

rica da população aumentou muito, sendo o neoliberalismo, nesse aspecto, um sucesso

(HARVEY. 2008, p. 169). Anderson (SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 17) afirma

que uma das razões para esse alento do neoliberalismo é a queda do comunismo no momento

em que os limites de suas políticas se tornavam mais claros no mundo ocidental.

Dessa forma, o neoliberalismo promoveu uma redistribuição de riqueza por meio de

uma acumulação por espoliação, nos moldes da acumulação primitiva do capital, segundo o

pensador (HARVEY, 2008, p. 172). Salama vai no mesmo sentido que as conclusões de

Harvey acerca da acumulação por espoliação: “Se analisarmos com precisão o que tem sido (e

são) as políticas neoliberais, concluiremos que elas foram (e são) fundamentalmente políticas

econômicas de exclusão social” (SADER, Emir, GENTILI, Pablo, 1995, p. 155).

Apresentou-se até aqui a crítica sobre a frequente aliança entre o neoliberalismo e

governos antidemocráticos, sobre a incoerência que o neoliberalismo apresenta entre sua

teoria e sua prática, sobre os seus efeitos sociais negativos e sobre a sua consequente

concentração de renda e redistribuição do capital por meio de crises e de espoliações. No

próximo item, iremos analisar a adoção das medidas neoliberais no contexto brasileiro, as

quais irão colaborar na compreensão das privatizações do setor bancário.

3. O neoliberalismo no Brasil: do Consenso de Washington ao Plano Real

Após a aplicação das políticas neoliberais nos países centrais da ordem capitalista

mundial, EUA e Inglaterra, nos anos 1980, ações dessa índole foram incentivadas para a

aplicação em outros lugares. Na América Latina, com a elevação da taxa de juros norte-

americana em 1979, os países latino-americanos que detinham empréstimos com os EUA

viram essa dívida aumentar enormemente, o que, somado à crise do petróleo de 1973,

deflagrou a chamada “crise da dívida externa” nesses países (FILGUEIRAS, 2006, p. 53). Foi

frente a esse contexto de economias debilitadas que a política do neoliberalismo nos países

periféricos foi consolidada, mediante o chamado Consenso de Washington.

O Consenso surgiu de um encontro, de acordo com o qual as políticas adequadas

para solucionar os problemas econômicos eram uma rigorosa disciplina orçamentária,

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contendo os gastos públicos. As políticas de estabilização deviam se centralizar na

liberalização comercial e financeira. Também fundamentais os investimentos externos diretos,

em todos os setores da economia. Nesse sentido, as privatizações, para atribuir maior

eficiência e competitividade aos setores privados nacionais. Conforme Filgueiras (2006, p.

96), de Tavares e Fiori, o Consenso de Washington consistiu em regras de condicionalidade

para obtenção do apoio dos governos centrais e órgãos internacionais. Assim, ocorreu abertura

comercial e desregulamentação financeira e cambial em toda a América Latina.

Abili Lima (2002, p. 160) afirma que o Consenso de Washington, inaugurado a partir

dos Acordos de Bretton Woods, defendia acabar com a inflação, privatizar e deixar o mercado

regular a sociedade, sendo as grandes corporações os principais agentes sociais. Também cita

Boaventura de Sousa Santos, segundo o qual o Consenso representa um novo contrato social

internacional, colocado como única opção possível (LIMA, 2002, p. 230).

Ramón Béjar (2004, p. 24) elenca consequências positivas do Consenso, que seria o

aumento do respaldo das instituições financeiras internacionais. Em linhas mais imediatas, a

redução da inflação, a disciplina fiscal que reduziu o déficit orçamentário foram saldos

positivos. Elogia, da mesma forma, a liberalização financeira e as privatizações, que na

América Latina, entre 1988 e 2000, atingiram mais de 1000 empresas ao todo. No entanto, o

próprio Béjar (2004, p. 24-25) afirma que houve resultados negativos. Em termos de

crescimento econômico, redução da pobreza, redistribuição de renda e condições sociais, os

resultados foram desalentadores – o aumento do PIB na região foi de 1% em toda a década, o

desemprego aumentou e a pobreza se ampliou: ao final dos anos 1990, a América Latina

apresentava maior desigualdade que qualquer outra região do mundo quanto à distribuição

dos ativos (incluindo a terra). Nesse sentido, segundo Bresser-Pereira (2003, p. 15), o

Consenso de Washington não tem mais eficácia, em parte pois foi concretizado, em parte

devido ao seu fracasso em desenvolver a América Latina.

Com poucas exceções, os países latino-americanos foram incapazes de eliminar os

obstáculos estruturais a uma acumulação e a um crescimento rápido e sustentável ao passar

rapidamente de uma estratégia de desenvolvimento de dentro para uma de desenvolvimento

de fora. A liberalização da economia fez voltar o crescimento da dívida externa, o que,

juntamente com o aumento do investimento externo direto, contribuiu para a instabilidade

financeira, pois aumentaram as obrigações externas sem gerar a capacidade necessária para

atendê-las (BÉJAR, 2004, p. 33-34).

Essa trajetória histórica pode ser muito bem observada no Brasil, desde os anos 1980

até o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, FHC, em 2001. A principal síntese

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dessas políticas em âmbito nacional é o Plano Real, objeto de estudo do livro “A História do

Plano Real”, de Luiz Filgueiras. O Plano, segundo o professor, é um produto de uma

confluência mundial de três fenômenos: a doutrina neoliberal, a reestruturação produtiva e a

reafirmação do capitalismo. No Brasil, esses fenômenos começaram a ganhar corpo no

governo Collor, em 1990, mas se fortaleceram nos governos de FHC (FILGUEIRAS, 2006, p.

30-31). Aponta o autor que o Plano faz parte de um projeto maior, de redefinição da economia

brasileira, inserindo-a na ordem global do Consenso de Washington.

O milagre econômico da ditadura militar ocorreu às custas da aceleração do

endividamento externo, porém, após a elevação dos juros norte-americanos e a queda da

liquidez internacional nos anos 1980, o que ocorreu foi a estagnação do crescimento, déficits

comerciais e aumento da inflação, apresentando a redução da demanda interna, com efeito

forte sobre a atividade econômica, o emprego e a renda (idem, p. 71). Com a contínua

aceleração da inflação neste período e a manutenção da indexação, tornavam-se cada vez mais

inflacionários os impactos de novos choques. Nesse sentido, o exato conceito de hiperinflação

é controverso. O mais comum vem do autor Philip Cagan, que considera que a hiperinflação

começa no mês em que a inflação atinge 50% mensais e termina no mês em que cai abaixo

desse valor, permanecendo assim por mais de um ano. Com base nesse critério, o Brasil

apenas teria registrado hiperinflação em 4 meses no fim do governo Sarney. Porém, há outros

estudos, como o de Stanley Fischer, que utiliza o critério de inflação “muito alta”. Tomando

por base esse estudo, o Brasil apresentou inflação “muito alta” por 182 meses, chegando ao

fantástico valor inflacionário de 20.759.903.275.651% (FRANCO, 2005, p. 264-266).

Como já afirmado, em reação e essas situações foi realizado o Consenso de

Washington (CASTRO, 2005, p, 144). Internamente, alterou-se a concepção sobre a causa e o

combate da inflação e criou-se uma nova medida para tentar solucionar os problemas

econômicos, uma política dita heterodoxa, mas que, segundo Gustavo H. B. Franco (2005, p.

267), não interferia nas práticas desenvolvimentistas. Passou-se do “gradualismo” para o

“tratamento de choque”.

A primeira experiência nesse sentido foi o Plano Cruzado em 1986 (FILGUEIRAS,

2006, p. 77-79). Vários planos foram realizados desde então: planos Cruzado I (1986),

Cruzado II (1987), Bresser (1987), Verão (1989), Collor (1990) e Collor II (1991). Em todos,

usava-se a ferramenta do congelamento de preços, que não conseguia baixar a inflação

(FRANCO, 2005, p. 267-268). Esses planos eram todos reprises uns dos outros, revivendo o

mesmo fracasso e acabando por piorar as mazelas que intencionavam resolver (FRANCO,

2005, p. 270). Todas estas tentativas promoviam o congelamento de preços sob a ideia de

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coordenação de expectativas, porém, deixavam de considerar a contraposição dessa possível

vantagem com os desequilíbrios de mercados decorrentes (CYSNE, 2000, p. 28). Entretanto,

segundo Filgueiras (2006, p. 83), foram fundamentais para a concepção futura do Plano Real.

Gustavo Franco (2005, p. 274-275) defende que os planos de estabilização antes do

Real esgotaram a utilização de propostas coercitivas para estabilizar a economia. Eram

necessárias amplas e profundas reformas e o Plano Real veio para atacar as principais causas

da inflação. O surto inflacionário mais recente no Brasil, que ocorreu na década de 1980,

instaurando a crise no modelo de industrialização adotado à época, fez emergir propostas de

reformas estruturais em direção ao mercado. O Plano Real se insere nesse tipo de

interpretação, sendo, além de um modo de combater a inflação, uma série de reformas

estruturais, redefinindo o papel do Estado e do país (NOVELLI, 2009, p. 01).

A matriz que embasou a elaboração do Plano Real foi, principalmente, segundo

Filgueiras (2006, p. 94), o Consenso de Washington e a experiência do Plano Cruzado, sendo

que este último, por sua vez, serviu de referência como um exemplo negativo, indicando os

procedimentos que não deveriam ser repetidos. O Plano Real se manifestou em três fases

distintas: o ajuste fiscal, a criação da Unidade de Referência do Valor (URV) e a instituição da

nova moeda, o Real. Como elemento essencial, ocorreu a revisão constitucional, visando

efetivar reformas liberais e possibilitar a quebra dos monopólios estatais pela privatização

(FILGUEIRAS, 2006, p. 101).

A fase do ajuste fiscal procurou reorganizar o setor público e reduzir os gastos do

governo, o que foi possibilitado pela criação do Fundo Social de Emergência (FSE). Essa fase

se propôs ser uma “âncora cambial” dos preços, garantindo que o governo apenas gastaria o

que arrecadasse. Essa âncora tratava-se da estabilização do valor da moeda fixando-se seu

valor na taxa cambial, assegurando o investimento externo por juros altos e reserva de

dólares, protegendo a moeda da fuga de capitais decorrentes de uma eventual desvalorização

do câmbio (devido a essa proteção, o termo âncora). Afirma Filgueiras (2006, p. 103-104)

que, conforme se percebeu após a implementação do Plano, a âncora era apenas um discurso

na busca de credibilidade para a nova moeda.

A segunda etapa foi a da criação da Unidade de Referência do Valor (URV), cujo

objetivo era, atrelada ao dólar, preparar a âncora cambial do real. A Unidade foi o embrião da

nova unidade monetária, uma moeda incompleta que cumpria uma das funções de uma moeda

plena. Foi muito importante, pois retirou o caráter abrupto da passagem monetária (diferente

do Plano Cruzado). Alinhando os preços relativos, possibilitou-se que no Real não fosse

refletida a inflação passada. Na prática, apesar de algumas distorções, seu resultado foi a

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queda imediata da inflação e o fim da inflação inercial. Sua principal inovação foi tornar

desnecessários mecanismos coercitivos de intervenção nas atitudes dos agentes econômicos,

consistindo numa espécie de terceira via entre a ortodoxia e heterodoxia (idem, p. 104-108). A

URV criou uma moeda estável seguindo, em etapas, o caminho inverso ao da desagregação da

moeda. “A construção era em tudo inovadora: uma 'dolarização virtual' num sistema

bimonetário no qual tanto a URV quanto o Cruzeiro Real tinha 'curso legal', sendo que aquela

'para servir exclusivamente como padrão de valor monetário'” (FRANCO, 2005, p. 275).

A fase final foi a transformação da URV em Real, explicitando a âncora cambial. A

taxa de câmbio foi fixada pelo Banco Central em um dólar igual a um real, contendo vastas

reservas de dólares, porém sem a conversibilidade do Real em dólar, o que tornou o regime

mais flexível. O sucesso do Real em conter a inflação também ocorreu, além da URV, devido

à variedade de políticas macroeconômicas tomadas após esse período – tratava-se de uma

verdadeira mudança de paradigma (idem, p. 276). Dessa forma, além do programa de

estabilização e da abertura comercial e financeira, as reformas do Estado e da ordem

econômica juntamente com as privatizações consistiram em dimensão crucial do Plano Real.

O Plano Real foi realizado durante o governo de Itamar Franco, tendo sido gerido por

FHC como Ministro da Economia. Com esse saldo político, FHC foi eleito Presidente da

República e as reformas da ordem econômica foram realizadas já no seu primeiro ano de

governo. As reformas do Estado foram implementadas com maior dificuldade (FILGUEIRAS,

2006, p. 111-112). Expandiram-se as privatizações, ampliando quais setores e empresas

estavam sujeitos.

As justificativas para privatizar eram de natureza estrutural e de natureza conjuntural.

Dentre as estruturais, estavam as razões ideológicas, de eficiência, de mudança de setores

estratégicos, amadurecimento e fortalecimento do setor privado. Dentre as conjunturais,

encontravam-se a necessidade de assegurar credibilidade ao capital estrangeiro e aos órgãos

internacionais, abater a dívida pública para impedir a crise fiscal e manter a estabilidade

monetária, entre outros. O principal dos argumentos oficiais, entretanto, era a questão da

redução da dívida pública (idem, p. 112-113). O que ocorreu foi o oposto, pois as empresas

privatizadas realizam grandes exportações, ampliando o rombo da balança comercial

(BIONDI, 1999, p. 24). Como o governo assumiu grande parte das dívidas das estatais

vendidas, a dívida interna aumentou. Ao mesmo tempo, as compradoras brasileiras tomaram

empréstimos internacionais para poderem comprar, aumentando a dívida externa (idem, p. 9).

De acordo com o BNDES, entre 1991 e 1999 foram privatizadas 64 empresas

estatais, num valor total de US$ 28,861 milhões. Somando-se as vendas federais com as

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estaduais, o valor total desse mesmo período chega a US$ 88,3 bilhões. No governo Collor,

foram 18 empresas vendidas, no governo Itamar Franco, 15. Incluindo o setor de

telecomunicações, 85% do valor arrecadado deu-se durante o governo de FHC

(FILGUEIRAS, 2006, p. 114-115). Aloysio Biondi (1999, p. 23), em seu texto “O Brasil

Privatizado”, nega que a arrecadação do Estado com as privatizações tenha sido de R$ 85,2

bilhões de reais, como afirmava o governo, devido ao fato de que nessa conta não foram

consideradas dívidas assumidas pelo Estado: “as privatizações não reduziram a dívida e o

'rombo' do governo. Ao contrário, elas contribuíram para aumentá-los. O governo ficou com

dívidas – e sem as fontes de lucros para pagá-las” (idem, p. 24). As dívidas do Tesouro em

1999 eram de R$ 130 bilhões, quase todo o orçamento da União nesse ano (R$ 160 bilhões).

Conforme Paulani, citado por Filgueiras (2006, p. 116), o resultado objetivo das

privatizações foi o fortalecimento de grupos específicos, a desnacionalização e aumento de

monopólios em quase todos os setores. Quanto à questão da dívida interna, as privatizações

não impediram seu crescimento expressivo. Não houve sucesso também quanto à permissão

de entrada de capitais estrangeiros. A crise cambial abateu o Brasil mesmo com essa política.

As condições estruturais do Brasil continuam precárias, persistindo a dependência externa.

O Plano Real obteve sucesso em seu objetivo explícito, qual seja, acabar com a

inflação, no entanto, aprofundou e criou novos desequilíbrios estruturais, desencadeando uma

instabilidade macroeconômica, que ficou escancarada após a crise mexicana em 1994 pelo

crescimento de déficits na balança comercial do Brasil. A sustentação da âncora cambial

mediante altas taxas de juros deteriorou todas as variáveis, exceto a inflação. O crescimento

quase inexistente levou ao aumento do desemprego. A dívida pública interna aumentou, como

já colocado, apesar das privatizações, causando aumento no déficit fiscal e,

consequentemente, nos tributos. A consequência foi o aumento da dependência externa do

país, sustentado por capitais de curto prazo, e de sua dívida, cada vez mais em mãos do setor

privado (FILGUEIRAS, 2006, p. 149-150). Para compensar o fim do imposto inflacionário,

elevou-se a poupança externa, por meio de uma elevação adicional no gasto público. Com

isso o país passou a necessitar da captação de poupança externa perigosamente elevada

(CYSNE, 2000, p. 47). Nesse mesmo sentido, para o economista Reinaldo Gonçalves (1994,

p. 11), a vulnerabilidade externa tem sido a principal causa de instabilidade e crise no Brasil a

partir de 1995, provocada pelo projeto neoliberal de abertura da economia, erros na estratégia

do governo e adoção de políticas que para ele são inadequadas.

Segundo afirma Luiz Filgueiras (2006, p. 117), nunca antes a economia brasileira

havia sido tão determinada pela conjuntura internacional, e neste contexto o Plano Real

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passava por fases diferentes de acordo com os acontecimentos externos. Assim sucedeu na

crise do México em 1994, na crise dos países asiáticos em 1997-1998 e na crise da Rússia em

1998. Esta última levou à criação do Programa de Estabilidade Fiscal, que criou a Lei de

Responsabilidade Fiscal e forçou um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A perda das reservas do país e o crescimento do déficit público explicitavam a crise

econômica do Brasil, com sua impossibilidade de cumprir compromissos internacionais e

manter o Plano Real. A ajuda do FMI era uma etapa natural do Plano, tanto que o governo se

comprometeu a manter sua política cambial. Os principais pontos do acordo foram metas do

Programa de Estabilidade Fiscal e o compromisso de limitar os gastos com os juros da dívida.

Os empréstimos serviram para aumentar as reservas do país, dando segurança aos capitais

financeiros internacionais e aos grandes investidores nacionais. Mesmo assim, no fim de

1998, a situação continuava problemática (idem, p. 142-145).

Essas políticas também tiveram efeitos sobre o mercado de trabalho, em especial, às

taxas de desemprego. Segundo Filgueiras, o Plano Real, que primeiramente fez cair essas

taxas, foi responsável por sua posterior elevação, fator preocupante de todo o primeiro

governo de FHC (idem, p. 147). Apesar da tendência de aumento dessas taxas em decorrência

da reestruturação produtiva, as medidas adotadas pelo Brasil no Plano Real diminuíram a

capacidade de ofertas e oportunidades ocupacionais, além da baixa qualidade dos empregos

criados. Em 1989, esta taxa era de 3,35%, e em 1998, 7,59% (idem, p. 170-171).

Sob o aspecto da relação com o sindicalismo, o governo FHC se assemelhou ao de

Thatcher, que, para introduzir as políticas neoliberais, teve de derrotar o movimento sindical

do país, em especial, a greve dos mineiros, conforme item anterior. Assim FHC fez, punindo

judicialmente, mediante o Tribunal Superior do Trabalho, a greve dos petroleiros

(ANTUNES, 2005, p.32). Afirma o autor que o “Período [dos quatro primeiros anos do

governo FHC que se passara] (...), para a insuspeita revista inglesa The Economist, é

comparável à Era Thatcher” (idem, p. 39). Para Ricardo Antunes, “O país da Era FHC é hoje

um país socialmente devastado, desindustrializado, submisso ao sistema financeiro

internacional, paraíso produtivo das transnacionais que frequentemente se apoderam dos

recursos públicos dos estados” (idem, p. 46). Citando Fiori, afirma que o “Governo Cardoso

(…) se trata do governo mais antinacional de nossa história republicana” (idem, p. 60).

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4. A privatização dos bancos estaduais do Brasil

Dentre as várias medidas neoliberais adotadas no Brasil durante os anos 1990, uma

delas foi a privatização de vários bancos pertencentes aos Estados da Federação. Os primeiros

bancos públicos estaduais foram criados na região Sudeste – 1909 em São Paulo, 1911 em

Minas Gerais e Espírito Santo – devido à necessidade de impulsionar o setor agrícola e a

indústria nacional, pois faltava interesse privado em explorar essas atividades. Favoreceu à

sua criação a escassez na oferta de crédito de longo prazo por parte dos bancos privados e a

apropriação de um imposto inflacionário, que as beneficiava (LUZ & GÓIS, 2008, p. 6). Com

o tempo, essas instituições passaram pelo dilema de financiar setores estratégicos de alto risco

e baixa lucratividade e, ao mesmo tempo, manterem-se economicamente viáveis, sendo essa

contradição intrínseca a seu funcionamento (DALL'ACQUA, 1997, p. 10).

As novas fontes de recursos encontradas pelos Estados na década de 1970 se deram

mediante créditos externos diretos e pelas suas estatais e bancos, além de transferências

internas dos órgãos federais. Houve, nessa época, incentivo ao endividamento e ampliação

dos gastos dos Estados, aprofundando o vínculo destes com seus bancos, que intermediavam o

endividamento (GUTIÉRREZ, 2006, p. 6-7). Essa política gerou um crescente desequilíbrio

fiscal, reduzindo a poupança pública e provocando déficits fiscais, os quais, até o fim dessa

década, eram financiados com crédito externo (DALL'ACQUA, 1997, p. 14). As primeiras

operações foram em 1974 e continuaram até o fim da década. Todavia, no começo dos anos

1980, o cenário se alterou (idem, p. 29-30). O segundo choque do petróleo em 1979 resultou

na moratória do México em 1982, desencadeando forte crise cambial. Com intensa recessão

na década de 1980 e aumento da inflação, foi necessário elevar as taxas de juros. Os governos

estaduais federalizaram suas dívidas externas, emitiram títulos públicos, mobilizando-se para

financiarem a si próprios e suas empresas. Para os Estados não quebrarem, os bancos

estaduais tornaram-se seus credores. Os bancos captavam depósitos caros e de prazos curtos,

que poderiam ser retirados a qualquer momento e realizavam empréstimos por taxas não

condizentes com esse risco (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 47-48).

Após 1982, com o fim dos recursos externos, os bancos nacionais passaram a captar

recursos no mercado interno, por meio de depósitos e aplicações no mercado doméstico,

fazendo com que a liquidez das instituições públicas dependesse desse tipo de captação. O

Banco Central respondeu diluindo a crise no sistema econômico, transferindo a

responsabilidade da dívida assumida na década de 1970 para toda a sociedade, pelo imposto

inflacionário e a elevação da taxa de juros (DALL'ACQUA, 1997, p. 16-18).

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Isso ampliou a vulnerabilidade dos bancos estaduais, presos a aplicações de alto risco

e liquidação duvidosa, sem forças de se reestruturarem rapidamente como o capital privado.

Com o colapso no mercado financeiro internacional, o corte de empréstimos e repasses da

União e as restrições ao crédito interno, restava aos governos estaduais e a suas empresas

concentrarem o crédito nas instituições dos próprios Estados. Os bancos estaduais tornaram-se

apêndices do Tesouro, respondendo às demandas dos governos mesmo que isso os

deteriorasse. Portanto, afirma Lopreato (2002, p. 133) que não é possível analisar os bancos

estaduais separadamente dos Estados e mesmo do desenvolvimento das finanças públicas do

país nos anos 1980.

No âmbito estadual, a crise evidenciou o comprometimento entre governos, Tesouro,

empresas e agentes financeiros estatais, por meio de operações triangulares, em que os

governos, para desviarem de restrições ao endividamento impostas pela União, utilizavam-se

de suas empresas ou bancos para levantar os recursos a serem repassados para o Tesouro

(idem, p. 116-117). As condições de financiamento dos Estados foram deterioradas, o que se

agravou após o fracasso do Plano Cruzado em 1987, forçando vários dos quais a utilizarem

recursos de terceiros. Não havia alternativa senão recorrer a rolagens da dívida e atrasos no

pagamento de débitos, a fim de conter gastos, ampliando a quantidade de empréstimos, o que

favoreceu a deterioração financeira do fim da década de 1980 (idem, p. 120-121).

A relação com os Estados é intrínseca a esses bancos e não é um fator ruim por si só,

sempre foram instrumentos aos entes federativos e garantidores de empréstimos para setores

prioritários. Com isso, ampliavam a liberdade de gestão financeira estadual e, em

contrapartida, expandiam-se também. O que foi específico da década de 1980 foi a utilização

dos bancos como instrumentos auxiliares no financiamento estadual e o envolvimento destes

com a crise dos Estados (idem, p. 129-130). Os bancos se tornaram os principais credores de

seus Estados, honrando operações externas não pagas pelas empresas estatais e sendo

avalistas destas, função que provocou rápida deterioração financeira nas instituições,

expondo-as a operações de risco e de liquidação duvidosa (GUTIÉRREZ, 2006, p. 24).

As instituições financeiras estaduais eram muito criticadas por possuírem diversos

problemas estruturais e operacionais e tomarem políticas inadequadas, o que contribuiria para

deterioração destas. Primeiramente, os dirigentes desses bancos eram escolhidos pelos

governadores e demissíveis ad nutum, o que leva a uma descontinuidade administrativa

decorrente de oposições partidárias. Os bancos se sujeitavam às regras de concorrência

pública e licitação, o que aumentava seus custos (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 27-28).

Segundo Salviano Junior (2004, p. 31), a principal prática equivocada, entretanto, eram os

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empréstimos aos controladores, pois, havendo inadimplência, era muito difícil arranjar meios

de cobrança.

Havia regras que proibiam essa ocorrência, porém, a interpretação da Lei n.°

4.595/64, que vedava os empréstimos, era bastante elástica, até que a Resolução CMN n.°

346/75 facultou estes se autorizados caso a caso pelo Banco Central. Em 1986, a Lei do

Colarinho Branco, Lei n.° 7.492/86, art. 17, definiu como crime o empréstimo a controlador.

Mais tarde, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei n.° 101/2000, art. 36, reforçaria a proibição.

Outro problema que contribuiu para declínio dos bancos estaduais foi a concessão de crédito

em desacordo com a técnica bancária: acima dos limites cadastrais das empresas, alta

concentração de riscos, contínua liberação de recursos à empresas com nítida incapacidade de

pagamento e concessão de novos créditos apenas para liquidar operações vencidas, além de

deferir empréstimos sem exigir parecer conclusivo (idem, p. 31-36).

O endividamento dos bancos com seus Estados foi realmente predominante e ocorreu

em detrimento às regras impeditivas. Apesar de uma estrutura legal de controle ao

endividamento dos governos estaduais, a internalização das dívidas e a assunção dos débitos

das estatais não respeitaram a legislação, segundo Dall'acqua (1997, p. 40). Na verdade, a não

observação das regras e a não aplicação das sanções previstas reforça a tese de Lopreato,

segundo o qual (2002, p. 129), “é simplismo demais privilegiar a corrupção e a má gerência

para explicar a situação dos BEs [bancos estaduais], deixando em segundo plano o

envolvimento com o setor público” e “a crise dos BEs não se limitava a um problema de

ordem técnica” (2002, p. 133), sendo os problemas administrativos consequências e não

causas da má situação das instituições.

A fragilidade dos bancos estaduais no final dos anos 1980 colocava o impasse ao

Banco Central sobre se ele injetaria liquidez nos bancos ou se interviria diretamente.

Deteriorados financeiramente, os bancos estaduais passaram a depender de assistência

financeira do Banco Central, que aumentou quase 80 vezes durante a crise – em 1982

equivalia a R$ 5 milhões, em 1983 passou a R$ 409 milhões (DALL'ACQUA, 1997, p. 56).

Além desse aporte direto, o Banco Central criou vários programas de auxílio durante a década

de 1980, os quais incluíam linhas especiais de empréstimos e renegociação de dívidas

passadas, com o objetivo de evitar o colapso do sistema financeiro estadual. O primeiro foi o

Programa de Apoio Creditício, o PAC, instituído em 1983, o qual consolidava as dívidas dos

bancos junto ao Banco Central e continha esquema de financiamento, atingindo sete bancos

estaduais (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 55-56).

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Entretanto, o problema real do sistema financeiro estadual não foi diretamente

atacado pelo PAC, qual seja, a baixa qualidade dos ativos oriundos do aumento dos créditos

para o setor público. O Banco Central procurava colocar pouca pressão sobre os bancos mais

problemáticos, buscando diluir o custo por todo o sistema financeiro. As condições do PAC

eram boas, tanto que os bancos resolveram o problema de liquidez sem adotar medidas fortes

para melhorar a qualidade dos ativos, mas houve falhas: permitia que a baixa qualidade dos

empréstimos dos bancos permanecesse após sua aplicação imediata e colocava no Banco

Central a responsabilidade de dar liquidez aos bancos, indiretamente financiando os gastos

parafiscais dos Estados (DALL'ACQUA, 1997, p. 58-59).

Nesse processo estava inserida a redefinição das relações políticas entre a União e os

Estados, após anos de ditadura, em que prevalecia o domínio federal. Foi esse motivo que

forçou o Banco Central a inicialmente não tomar medidas de ruptura, evitando a intervenção

ou liquidação extrajudicial dos bancos num primeiro momento, solução indicada pelo FMI.

Esse foi o caminho adotado no Programa de Recuperação Econômico-Financeira (Proref) em

1984, optando pela negociação. Entretanto, esse programa de saneamento não obteve êxito

porque não tocou no problema das relações dos bancos com seus Estados, o que manteve a

instabilidade (LOPREATO, 2002, p. 133-134). O Proref lançava nova linha de crédito e

refinanciava a dívida dos bancos, fixando objetivos às instituições (SALVIANO JUNIOR,

2004, p. 56). Justamente o rigor das condições de ingresso desestimulou a participação dos

bancos, forçando o Banco Central a criar estímulos adicionais, fazendo quinze instituições

aderirem ao Programa, que, como o PAC, reafirma-se, não tratou da principal causa dos

problemas, o crédito com o setor público (DALL'ACQUA, 1997, p. 65-67).

A precária recuperação do Proref foi impedida pelo sucesso inicial do Plano Cruzado

em 1986 e a desaceleração da inflação, com o consequente fim dos recursos inflacionários. O

setor financeiro privado reestruturou-se rapidamente, com corte de despesas e

redirecionamento para operações de crédito, mas os bancos estaduais tiveram dificuldades

(GUTIÉRREZ, 2006, p. 26). Foi próximo a esse período que o governo limitou os

empréstimos dos bancos a seus Estados, em 1984 com a Resolução CMN n.° 905/84. cujas

penalidades foram perdoadas na administração seguinte, tornando inócua a medida

(SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 57). Em 1986 a Lei do Colarinho Branco, como já citado,

estabeleceu como crime os empréstimos a controlador. Entretanto, essas medidas legislativas

não foram capazes de resolver as crises financeiras das instituições, em virtude da

instabilidade do país no período (GUTIÉRREZ, 2006, p. 27).

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Assim, no ano de 1987, o Banco Central, baseado no diagnóstico de que os

problemas dos bancos estaduais advinham do comportamento dos administradores e do

acionista majoritário, criou o Regime de Administração Temporária (Raet), por meio do

Decreto-Lei n.° 2.321/87, aplicado a oito bancos. Essa medida buscava limitar a relação entre

Estado e seu banco. Conforme suas justificativas, o Decreto-Lei reconhece a “gestão

temerária ou fraudulenta de seus administradores”. Por isso, o Raet implicava, inclusive, a

perda do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal da instituição. Também

determinava o normal funcionamento do banco e dava plenos poderes ao Conselho Diretor,

agora nas mãos do Banco Central (DALL'ACQUA, 1997, p. 67-68). Essa intervenção também

federalizou parte da dívida, livrando os Estados das obrigações mais imediatas (LOPREATO,

2002, p. 135-136). “A intervenção nos bancos estaduais era consequência de sua utilização ao

limite pelos governos estaduais como substitutos das fontes de financiamento federal e

externa” (GUTIÉRREZ, 2006, p. 28). A disputa entre Banco Central e governadores causada

pelo Raet, impasse central, não foi tocada (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 58-59).

O insucesso das atuações do Banco Central exigiu do governo federal a rolagem da

dívida dos Estados e Municípios pela Lei n.° 7.614/87 e novo programa de saneamento aos

bancos estaduais, que explicitamente reconhecia a articulação entre bancos e entes

federativos, o Programa de Saneamento dos Bancos Estaduais, inserido pelo CMN em 1987.

Novamente, as restrições financeiras dos Estados inviabilizaram o Programa e

potencializaram os problemas dos bancos, obrigados a contraírem operações de curto prazo e

alto risco, além de carregarem alta dívida mobiliária (LOPREATO, 2002, p. 138-140).

Como já visto, as Resoluções do Senado e do Banco Central não impediram a

utilização dos bancos estaduais como instrumentos de financiamento do déficit dos Estados.

Esses bancos eram forçados a perder o caráter de agência de fomento e se tornarem

financiadores dos déficits dos governos estaduais (DALL'ACQUA, 1997, p. 74). Porém, esse

processo se acentua no anos 1990, quando as operações de crédito com o setor público

ampliam-se rapidamente. A situação se agravou com a guerra fiscal intensificada pelas

isenções tributárias e o aumento da taxa de juros. As instituições foram sobrevivendo devido a

socorros sistemáticos até que o total das dívidas estaduais fossem renegociadas e fosse criado

o Plano Real em 1994, que alterou a conjuntura econômica do país, conforme já analisado

(GUTIÉRREZ, 2006, p. 33-36). A reformulação do sistema financeiro era importante para a

adaptação ao Plano (LOPREATO, 2002, p. 229), porque o sistema bancário contribuía com a

inflação, indiretamente emitindo moeda por resgates de dívidas dos estados pelo Banco

Central (CYSNE, 2000, p. 6). A baixa inflação alcançada permitiu que o governo federal

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elaborasse um projeto contra os problemas dos bancos estaduais, problemas agravados pelo

próprio Plano, que pôs um fim na inflação e em suas receitas (GUTIÉRREZ, 2006, p. 35).

Entretanto, as reformas do sistema financeiro eram apenas uma parte da

reestruturação global da economia pelo Plano Real. Em 1998, o Programa de Privatizações de

Collor foi revitalizado por FHC pela Lei n.° 9.491/1998, a Nova Lei de Desestatização

(VIEIRA, 2007, p. 1-2). O Plano Nacional de Desestatização (PND) ocorreu em quatro fases

e como afirma Cysne (2000, p. 9) não começou no Plano Real, foi apenas intensificado por

ele. A primeira foi iniciada ainda em 1981, negociando empresas que haviam sido estatizadas

quando em situação falimentar (reprivatizações). Atingiu 39 empresas, no valor total de US$

735 milhões. A segunda fase, que começou em 1990, dirigiu-se a empresas estatais produtoras

de bens, principalmente do setor siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, atingindo 20

empresas, no valor de US$ 5,4 bilhões. A terceira etapa, implementada a partir de 1993,

realizou mudanças institucionais nas regras para a privatização, possibilitando a utilização de

créditos contra o Tesouro (moedas podres), a venda das participações do Estado e eliminando

restrições a investidores estrangeiros. A quarta fase teve início em 1995, tratando também da

concessão de serviços públicos (CYSNE, 2000, p. 9-10).

Concomitantemente a esse processo, foram realizadas as duas principais políticas de

reestruturação: o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema

Financeiro Nacional (Proer), aos bancos privados, e o Programa de Incentivo à Redução da

Presença do Estado na Atividade Bancária (Proes), aos públicos (LUZ & GÓIS, 2008, p. 10-

11). O Proer foi voltado à reorganização operacional e societária dos bancos privados em crise

e à facilitação da entrada de instituições estrangeiras, com o fim de aumentar a concorrência

no setor (LOPREATO, 2002, p. 229). O Programa incentivava a incorporação de instituições

insolventes por outros bancos e era complementado por outras medidas, objetivando garantir a

solidez do sistema financeiro (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 69). Foi instituído pela MP n.°

1.179/95, regulamentada pela Resolução n.° 2.208/95, que disciplinou a aquisição por meio

de linhas de crédito, incentivos fiscais, benefícios tributários e isenções no cumprimento de

resoluções. A intenção era estabilizar o sistema sem prejuízo para os clientes. Entre 1994 e

1998, houve 62 alterações de controle acionário, 33 incorporações e 44 liquidações de bancos,

sendo a venda do Bamerindus ao HSBC um marco, pois foi a primeira vez que a insolvência

de um grande banco nacional foi resolvida pela venda a um estrangeiro (CORAZZA &

OLIVEIRA, 2007, p. 5-7).

Após o controle de uma crise generalizada pelo Proer, foram tomadas medidas

adicionais e em 1994 foi decretado o Raet nos dois maiores bancos estaduais, o Banespa e o

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Banerj (idem, p. 7-8). Impulsionado por essas medidas, com a visão de que os bancos

estaduais eram empecilhos à política monetária, o governo federal instituiu o Proes, mediante

a MP n.° 1.514/96, cujo principal objetivo era a redução da quantidade de bancos públicos dos

Estados, que podiam optar por duas situações. Para receberem financiamento total de suas

dívidas para com os bancos, perderiam o controle sobre estes, que seriam privatizados,

extintos, liquidados, federalizados ou transformados em Agências de Fomento. Poderiam

também receber metade do total da dívida, financiando com o governo federal o restante,

garantindo o controle da instituição, sob novas regras de administração (GUTIÉRREZ, 2006,

p. 41-42). A União financiava 100% do custo de ajuste em todas as situações, exceto quando

tratava-se de saneamento sem privatização, caso em que o empréstimo equivalia a 50% das

necessidades (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 81). Os principais argumentos apontavam

problemas estruturais, causados pela concentração excessiva de créditos, com alta

inadimplência, e grande volume de emissão de títulos públicos estaduais (BRANDÃO, 2009,

p. 08). O Programa visava evitar a falência das instituições, eliminar o financiamento dos

déficits dos Estados pelos bancos e conter emissões monetárias que alimentassem a inflação

(CORAZZA & OLIVEIRA, 2007, p. 08-09).

Dessa forma, em novembro de 1996, foi firmado acordo entre a União e SP, no qual a

União incluiu no financiamento a dívida mobiliária em troca da transferência de 51% do

capital votante do Banespa ao governo federal, para posterior privatização. Com isso, o

programa se expandiu para o resto do país (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 81-83). Em 1997,

ocorreram as duas primeiras privatizações, com a venda do Banerj para o Itaú por R$ 311,1

milhões e do Credireal para o Banco Nacional de Crédito, mais tarde incorporado pelo

Bradesco. Após a venda de vários bancos, em 2000, ocorreram as maiores privatizações, do

Banestado e Banespa. O Itaú comprou o Banestado por R$ 1.799,26 milhões, com ágio de

346,46%, consolidando sua posição nacional, em resposta à participação de bancos

estrangeiros. Na venda do Banespa, pela primeira vez, além da compra do Bandepe, um banco

estadual teve seu controle desnacionalizado, vendido ao espanhol Santander por R$ 7,05

bilhões com ágio de 281%. Alguns bancos mantiveram sua condição, como o Banrisul, BRB,

Banpará, Banestes e NCNB, o qual em 2008 foi incorporada pelo Banco do Brasil

(BRANDÃO, 2009, p. 10-11). Quando foi lançado o Proes, existiam 36 instituições sob

controle das unidades federativas. Dos Estados que tinham bancos estaduais, apenas não

participaram do Programa o Distrito Federal e a Paraíba. Remanesceram 8 bancos comerciais

estaduais (6 reestruturadas e 2 federalizadas para privatização) e 1 de desenvolvimento. Os

outros 15 foram extintos (GUTIÉRREZ, 2006, p. 47-48).

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A criação das Agências de Fomento, por meio da Resolução CMN n.° 2.828/01,

respondeu a reivindicações dos Estados. Estas estavam proibidas de captar recursos junto ao

público, recorrerem ao redesconto ou à reserva bancária do Banco Central, tendo suas

atividades reguladas pela Autoridade Monetária, diferentemente dos bancos estaduais. As

principais fontes de financiamento dessas instituições eram os recursos do BNDES, de

organizações internacionais e de créditos fiscais orçamentários (idem, p. 49).

Segundo Brandão (2009, p. 11), o processo de privatização dos bancos estaduais

atendeu aos interesses do capital financeiro nacional e internacional, visto que apenas grupos

financeiros podiam participar dos leilões. Essas mudanças acentuaram a concentração

bancária no país, o que se identifica pela redução do número de bancos e variáveis como

percentuais de ativos detidos pelas instituições (CORAZZA & OLIVEIRA, 2007, p. 9). Além

disso, o resultado evidente foi a acentuada redução no número de bancos estaduais em

atuação, espaço preenchido pelo setor privado nacional e por instituições estrangeiras.

Segundo o governo federal, a entrada das instituições financeiras internacionais aumentaria a

concorrência e acabaria com a possibilidade de os Estados ampliarem suas capacidades fiscais

e criarem dificuldades para a política monetária (GUTIÉRREZ, 2006, p. 48-49).

Foram proporcionados vários incentivos para a participação de grupos financeiros

nos leilões, como retirada de débitos trabalhistas e previdenciários dos passivos dos bancos,

possibilidade de usar “Certificados de Privatização” (moedas podres), isenção de impostos,

além do saneamento das instituições (BRANDÃO, 2009, p. 12). A dificuldade nas

negociações, as reedições das Medidas Provisórias e as dificuldades operacionais prorrogaram

várias vezes os prazos do Proes, o que se deve à intenção do governo de aumentar o número

de adesões ao programa (SALVIANO JUNIOR, 2004, p. 87-88). Isso foi feito de várias

formas, abrindo para participação de instituições estrangeiras, flexibilizando o cumprimento

de normas, vendas realizadas sem ágio, tratamentos excepcionais para o cumprimento de

dispositivos prudenciais e regulamentares. Incentivo polêmico foi o dos créditos tributários

repassados aos compradores, que passaram a ser mais lucrativos após a privatização. Outra

vantagem foi o estado assumir contas da administração e pagamentos de salários de

funcionários do banco privatizado por cinco anos (idem, p. 99-101). Ao Banco Central foram

abertos 49 processos administrativos contra as instituições e ou seus administradores. Foram

enviados ao Ministério Público 10 denúncias de indícios de crimes (idem, p. 130).

Por fim, “o Proes exigiu da União a emissão de títulos no valor de R$ 61,4 bilhões

(...). Estão incluídos nesse valor títulos emitidos para, em última análise, sanear os bancos

estaduais”, por meio do refinanciamento das dívidas dos estados com os bancos. Só o estado

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do Paraná emitiu R$ 5.197,63 milhões, ou seja, mais de R$ 5 bilhões em títulos. O total

arrecadado com as privatizações foi de R$ 11,4 bilhões, incluindo as subsidiárias e coligadas

de cada conglomerado e considerando a venda das ações e eventuais sobras (SALVIANO

JUNIOR, 2004, p. 128-130). O total de recursos emitidos pelo Proes foi de cerca de R$ 62

bilhões em títulos federais e as privatizações atingiram o valor total de R$ 11,14 bilhões em

receitas (GUTIÉRREZ, 2006, p. 43).

Para a efetivação das diversas privatizações que ocorreram no Brasil na década de

1990 até o início do séc. XXI, inspiradas no ideário neoliberal, foi realizado um processo de

revisão da ordem jurídica, culminando na criação da Lei de Responsabilidade Fiscal e em

revisão constitucional (FILGUEIRAS, 2006, p. 101), o que rendeu uma disputa intensa nos

tribunais à época (SALVIANO JUNIOR p. 120). Um banco estadual, sociedade de economia

mista, é regulado pela Lei de Criação da Instituição Financeira, Lei das Sociedades Anônimas,

normas do Banco Central, normas do Conselho Monetário Nacional, normas da Comissão de

Valores Mobiliários, Constituição Estadual e Federal (DALL'ACQUA, 1997, p. 18-19).

As instituições financeiras eram protegidas do capital privado internacional, sendo

consideradas como setores estratégicos da economia nacional. O art. 192, III, da Constituição

da República, antes da alteração procedida pela Emenda Constitucional n.° 40/03,

condicionava a participação de capital estrangeiro em instituições financeiras, a fim de

dificultar essa possibilidade. As Constituições Estaduais de 23 dos 25 Estados que possuíam

bancos a eles vinculados impediam a transformação ou extinção destes por ato advindo do

governo federal (SALVIANO JUNIOR p. 120). O que se concretizou na prática foi a venda de

alguns bancos para o capital estrangeiro e a intervenção do Banco Central, federalizando as

instituições financeiras estaduais para privatizá-las (idem, p. 84). Com a promulgação da

Constituição de 1988, a presença de capital estrangeiro no sistema bancário nacional foi

praticamente proibida, porém, o artigo 52 das Disposições Constitucionais Transitórias

possibilitava o acesso em três casos: interesse nacional, reciprocidade a outro país e por

acordos internacionais. Utilizando-se do primeiro argumento que o governo flexibilizou o

ingresso dos estrangeiros durante um contexto de fragilidade e concentração de liquidez. A

Resolução CMN n.° 1.535/88 permitiu a participação, sendo um marco de política liberal no

Sistema Financeiro Nacional (CORAZZA & OLIVEIRA, 2007, p. 04). Em 1993, realizaram-

se mudanças institucionais nas regras para a privatização, possibilitando a utilização de

créditos contra o Tesouro (moedas podres), até então proibidas (CYSNE, 2000, p. 9-10).

Portanto, ocorreu uma ampla reforma na legislação vigente, a começar pela alteração

constitucional, que aboliu a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital

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nacional. Foi realizada abertura comercial, em 1988 e 1989, com a redução de tarifas, e, em

1990, com a eliminação das barreiras não tarifárias às importações (idem, p. 9-13). Também

implementou-se abertura financeira a partir de 1988, quando foram elevados os investimentos

de portfólio (fundos de privatização, fundos para investimentos em empresas emergentes,

entre outros) e a participação do Brasil nos investimentos diretos mundiais, elevações que

refletem modificações normativas. No caso dos portfólios com a Resolução n.° 1.289/87 e

seus anexos posteriores e no caso do investimento direto as reformas constitucionais e a Lei

n.° 9.245/95 (idem, p. 17). Nesse processo está inserida a promulgação da Lei de

Responsabilidade Fiscal, que além de aumentar a rigidez no controle das instituições

financeiras, definiu como crime empréstimos ao controlador.

Conclusão

A intenção principal deste artigo foi apresentar a privatização dos bancos estaduais,

bem como as alterações nas políticas públicas e legislações a respeito do tema, inserida no

contexto econômico e político internacional específico, como uma escolha que adotou as

ideias e premissas do neoliberalismo. A trajetória dos bancos acompanhou a conjuntura

internacional. No primeiro momento, até o começo da década de 1980, em que havia grande

liquidez externa, os bancos estaduais serviram como indutores do desenvolvimento de seus

Estados, num contexto político intervencionista. Após a crise de liquidez da década de 1980,

padeceram de instrumentos de alívio de seus Estados, o que os deteriorou imensamente. Essa

crise teve como reação o neoliberalismo e, com a retomada da liquidez internacional durante o

Plano Real, decidiu-se privatizar os bancos públicos estaduais e ampliar o mercado privado

nesse setor, favorecendo a acumulação do capital internacional e nacional além da formação

de monopólios.

A venda das instituições públicas não foi uma conclusão lógica e direta advinda da

situação em que se encontravam. De fato, havia muitas irregularidades e problemas

estruturais, além de desempenho econômico preocupante, porém, a privatização foi uma

escolha política do governo. Para que fossem vendidos, os bancos foram reestruturados,

muitas vezes, os recursos de seus saneamentos vieram das próprias instituições, por meio de

aumento de tarifas. “Diante disso, a questão que fica é: se o governo tomou medidas para

reestruturar essas instituições para depois vendê-las, por que não o fez para mantê-las

funcionado?” (LUZ & GÓIS, 2008, p. 13).

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De fato, o modo como foram realizadas as privatizações, por meio da possibilidade

de utilização de moedas podres, incentivos massivos do Estado aos compradores, como

assunção de dívidas, às vezes, superiores ao valor de venda do banco deixam dúvidas acerca

da efetiva e real vantajem que as vendas tiveram para o País.

Como dito, a internacionalização do setor aumentou muito, o que é temerário, pois

coloca em mãos privadas controles sobre remuneração do funcionalismo público e Tesouros

estaduais, embora isso seja condizente com as concepções neoliberais. A concentração

bancária se elevou enormemente, o que demonstra como uma reforma dita liberal

impulsionou um verdadeiro monopólio na área.

Por fim, fica evidente o papel que o direito desempenhou nesse processo: reagiu aos

anseios econômicos. Quando previa sanções a irregularidades advindas de situações

econômicas, estas não eram aplicadas, quando o governo federal criava normas e programas

para ganhar a disputa contra os Estados, suas prerrogativas foram observadas, porém,

falhando em aplicar sanções quando decorrentes de impossibilidades de cumprimento

oriundas de condições econômicas e políticas.

O Direito foi um instrumento de estabilização e remodelação de novas relações

políticas pelo governo federal, comprometido com o ideário neoliberal, sendo na verdade uma

representação da correlação de forças que permeou todo o processo de privatização dos

bancos estaduais. As suas medidas protetivas ao Estado foram ou ignoradas ou remodeladas

de acordo com os interesses pró-mercado das reformas nas políticas públicas do período.

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ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA E DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DA

INICIATIVA PRIVADA NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS

FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA E O PRINCÍPIO DA GARANTIA DA

APLICAÇÃO DOS MEIOS FINANCEIROS NECESSÁRIOS AO

DESENVOLVIMENTO1

ECONOMIC AND FINANCIAL ORDER AND DEVELOPMENT: THE ROLE OF

PRIVATE INITIATIVE TO THE CONCRETIZATION OF FUNDAMENTALS

OBJECTIVES OF REPUBLIC, AND THE PRINCIPLE OF ASSURANCE OF

APPLICATION OF NECESSARY FINANCIAL MEANS TO DEVELOPMENT

Vinicius Figueiredo Chaves2

Resumo: Este artigo aborda o papel da iniciativa privada na concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, assumindo o financiamento aos agentes econômicos como elemento chave na promoção do desenvolvimento nacional. Após uma análise inicial sobre o surgimento, sentidos e conceitos da ordem econômica e a sua distinção em relação à Constituição econômica, segue-se ao estudo da ordem econômica e financeira estatuída na Constituição de 1988, que indica a consagração da livre iniciativa. Por fim, discute-se a possibilidade de se inferir, na Lei Fundamental, enquanto norma implícita, o princípio da garantia da aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento, expresso nos textos constitucionais de outras Repúblicas, como Portugal, Moçambique e Timor Leste. A consagração deste princípio indicaria uma incumbência prioritária do Estado brasileiro no sentido de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, com reflexos na necessidade de discussão permanente sobre o arranjo institucional mais adequado à realidade nacional. Palavras-chave: Desenvolvimento; ordem econômica e financeira; financiamento.

Abstract: This paper discusses the role of private initiative for the full accomplishment of main objectives of Federative Republic of Brazil, taking financial investments over economic agents as key element to the promotion of national development. Upon the initial analysis on the raise, purposes and concepts of economic order, and its distinction to the economic Constitution, it follows the study of economic and funding, stated on the 1988 Constitution, which indicates the success of free initiative. All in all, it is

1 Este trabalho reúne conclusões parciais das pesquisas para a dissertação de mestrado do autor. 2 Mestrando em Direito Público e Evolução Social pela UNESA/RJ, sob a orientação do Professor Doutor Nilton Cesar da Silva Flores; pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Professor Auxiliar da UNESA/RJ e Professor Substituto da UERJ.

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mentioned the possibility of infer from the Fundamental Law, as implicit order, the principle of assurance of application of necessary financial means to the development, expressed on constitutionals literature of other Republics as Portugal, Mozambique, and East Timor. The consecration of this principle would indicate priority incumbency of Brazilian State on the meaning of assuring the efficient work of the markets, with reflects on the necessity of permanent discussion concerning the institutional arrangement, adequate to the national reality.

Key words: Development; economic order; funding.

Sumário: Considerações iniciais; 1. Surgimento, sentidos e conceitos da expressão “ordem econômica” e a sua distinção em relação à “Constituição econômica”; 2. Ordem econômica e financeira na Constituição de 1988; 2.1. Estado brasileiro e atividade econômica; 2.2. A consagração da livre iniciativa e o papel da iniciativa privada na concretização dos objetivos fundamentais da República; 3. O financiamento como instrumento de viabilização da promoção do desenvolvimento e concretização dos objetivos fundamentais da República; 4. O princípio da garantia da aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento e a incumbência prioritária do Estado de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados; Conclusões.

Considerações iniciais

Desenvolvimento é um tema em destaque nas últimas décadas. Países e

organizações internacionais, engajados em torno da necessidade de se garantir bem-

estar a todos os indivíduos de todas as sociedades, têm empreendido esforços voltados à

criação de condições favoráveis a sua plena realização, pautados em análises

econômicas, jurídicas, sociais, históricas e culturais. Por sua importância e significado,

o desenvolvimento foi alçado à natureza de direito humano, gerando aos Estados o

dever de sua promoção, o que implica na imprescindibilidade de formulação de políticas

e criação de arranjos institucionais adequados à melhora das condições de vida de seus

nacionais. Por outro lado, permanecem presentes muitos obstáculos de várias ordens

que problematizam a transformação, em realidade, deste compromisso para com as

pessoas e os povos. Ainda vivemos num mundo caracterizado por brutais diferenças em

relação à qualidade de vida e marcado por tensões sociais decorrentes da exclusão e da

privação de meios para a satisfação das necessidades humanas, o que eleva o

desenvolvimento à condição de maior problema de nosso tempo.

Observando a realidade nacional, é possível identificar que, não obstante uma

inegável melhora na distribuição de riquezas e indicadores sociais nos últimos tempos, o

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Brasil se mostra ainda incapaz de propiciar condições à satisfação plena das

necessidades humanas fundamentais e, portanto, encontra-se inserido num grupo de

países onde permanece um inaceitável hiato entre o possível e o realizado em matéria de

bem-estar e qualidade de vida. A simples referência, no texto constitucional, ao

desenvolvimento e demais objetivos fundamentais da República, não se mostra

suficiente para a sua plena consumação. Vinte e cinco anos sob a égide da Carta Política

indicam que o Direito, por si só, não será capaz de promover as transformações tão

necessárias ao país, e a realidade demonstra que o Brasil (e todos os seus atores sociais

e agentes de transformação) conserva grandes desafios diante de um enorme conjunto

de demandas e carências. O desenvolvimento, assim, é também o maior problema de

nosso país.

A hipótese deste trabalho ergue-se em meio a este cenário de necessidade de

antecipação de uma sociedade que se deseja construir e que seja capaz de atender as

necessidades fundamentais das pessoas, superando o atual estágio por um estado de

coisas superior. As muitas discussões sobre desenvolvimento e concretização dos

demais objetivos fundamentais da República esbarram numa questão essencial e pouco

investigada no campo da ciência jurídica: como financiar tais objetivos, para garantir a

sua efetiva realização? A construção de respostas possíveis a esta tão complexa e tão

crucial questão demanda permanentes análises e reflexões concretas e específicas, assim

como discussões teórico-filosóficas. Depende do exame das relações entre o Direito e a

Economia e, mais especificamente, entre o Direito e o desenvolvimento, o que impõe o

estudo da ordem econômica e financeira, do papel da iniciativa privada na concretização

dos objetivos fundamentais da República e também da necessidade de financiamento

para impulsionar os projetos empresariais transformadores. Em meio às diversas

questões fundamentais possíveis, uma assume especial relevância: i) a possibilidade de

se admitir o princípio da garantia da aplicação dos meios financeiros necessários ao

desenvolvimento, presente expressamente em textos de outras Constituições, como

princípio implícito na sistemática constitucional brasileira. Deste princípio decorria a

incumbência prioritária do Estado de assegurar o funcionamento eficiente dos

mercados, assim como as decisivas funções de criação e manutenção de um arranjo

institucional adequado à realidade nacional, capaz de maximizar o potencial

transformador da atividade econômica.

A investigação indica a necessidade de ampliação dos horizontes de cogitação

normalmente afeitos aos juristas, para lidar com categorias não exclusivas do discurso

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jurídico, e assim assume um esforço de pesquisa interdisciplinar, que dialoga com a

intersecção entre o Direito, a Economia e as instituições, em busca de caminhos para

transformar a sociedade e promover o desenvolvimento.

No item 1, serão analisados o surgimento, sentidos e conceitos da expressão

“ordem econômica” e a sua distinção em relação à “Constituição econômica”. Em

seguida, o item 2 será dedicado a uma abordagem da ordem econômica e financeira na

Constituição de 1988, com considerações acerca da diminuição da intervenção direta do

Estado brasileiro, enquanto empreendedor, na econômia, e também sobre a consagração

da livre iniciativa e o papel da iniciativa privada na concretização dos objetivos

fundamentais da República, cenário do qual decorre a necessidade de financiamento

para o exercício da atividade econômica pelos particulares. O item 3 apresentará o

financiamento como instrumento de viabilização da promoção do desenvolvimento e

concretização dos objetivos fundamentais da República. Finalmente, no item 4 serão

examinados o princípio da garantia da aplicação dos meios financeiros necessários ao

desenvolvimento, assim como a possibilidade de que seja considerado implícito na

sistemática constitucional brasileira, do que decorreria a incumbência prioritária do

Estado de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, pela criação e manutenção

de arranjos institucionais adequados à realidade nacional.

Surgimento, sentidos e conceitos da expressão “ordem econômica” e a sua distinção em

relação à “Constituição econômica”

As ações e relações sociais podem ser orientadas pela existência de ordens

legítimas estatuídas, cuja vigência pode lhes ser atribuída pelos agentes em virtude de

tradições, crenças afetivas ou racionais, vale dizer, estatutos existentes cuja legalidade é

considerada legítima pelos participantes em virtude de acordos entre os interessados, ou

em virtude da relação imposição/submissão. São denominadas simples convenções

quando a sua vigência resta garantida por costumes consagrados no seio de

determinados círculo de pessoas ou sociedade; são Direito quando a observação da

ordem não é voluntária e a sua violação pode implicar coação3. Dentre as muitas ordens

possíveis de serem estatuídas no seio de determinada sociedade, encontra-se a ordem

3 WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Traduação de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 19-21.

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econômica que, portanto, pode ser observada no plano sociológico, enquanto costume

ou convenção, e também no jurídico, em seu sentido normativo, isto é, como Direito.

As primeiras constituições escritas não se preocupavam em disciplinar a

atividade econômica, visto que as contingências políticas e ideológicas da época se

encontravam voltadas para questões como direitos e garantias individuais fundamentais,

organização do Estado e separação de poderes4. A ordem econômica adquiriu uma

dimensão jurídica somente a partir do momento em que os textos constitucionais

passaram a discipliná-la de forma sistemática5, o que, como visto, não significa a

inexistência de ordens econômicas sob o ponto de vista sociológico.

A regulação da atividade econômica em sede constitucional traduz um

acontecimento histórico relativamente recente, associado à passagem do Estado liberal

ao Estado social.6 Segundo Nazar7, “a expressão ‘ordem econômica’ surgiu na primeira

metade do século XX, com a Constituição de Weimar, de 1919”. Para Ferreira Filho8,

há autores9 que contestam essa primazia e apontam a anterioridade da Constituição

mexicana de 1917, no entanto, tal carta constitucional não apresentaria sequer um

esboço de tratamento sistemático da atividade econômica.

Não obstante as eventuais controvérsias acerca da origem histórica da

sistematização constitucional do econômico, o fato é que “ordem econômica” é uma

expressão polissêmica, que revela diferentes sentidos. Destacando as diferenças entre os

pontos de vista jurídico e sociológico10, o ensinamento de Vital Moreira11. - em um primeiro sentido, “ordem econômica” é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um

4 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 45. 5 SILVA, A.L.M. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 6. 6 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. G. Curso de Direito Constitucional. – 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1405. 7 NAZAR, Nelson. Direito econômico. 2ª ed. rev., ampl. e atual. – Bauru, SP: EDIPRO, 2009, p. 65. 8 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 379. 9 Para Leonardo Vizeu Figueiredo, “a primeira Carta Constitucional a tratar da ordem econômica e social foi a Constituição do México de 05 de fevereiro de 1917, que dispôs sobre propriedade privada, tratando de formas originárias e derivadas de aquisição da propriedade, abolindo, ainda, o caráter absoluto da propriedade privada, submetendo seu uso, incondicionalmente, ao interesse público (função social da propriedade), fato que serviu de sustentáculo jurídico para a transformação sociopolítica oriunda da reforma agrária ocorrida naquele país e a primeira a se realizar no continente latino-americano.” FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 45. Segundo Américo Luís Martins da Silva, a disciplina sistemática da ordem econômica teve início com a Constituição mexicana de 1917. SILVA, A.L.M. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 6. 10 WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Traduação de Regis Brabosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 209. 11 VITAL MOREIRA. A Ordem Jurídica do Capitalismo. Coimbra: Centelha, 1973, p. 67-71.

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conceito de fato e não de um conceito normativo ou de valor (é conceito do mundo do ser, portanto); o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e materiais, ou seja, relação entre fatores econômicos concretos; conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato; - em um segundo sentido, “ordem econômica” é expressão que designa o conjunto de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica; - em um terceiro sentido, “ordem econômica” significa ordem jurídica da economia.

Ao analisar as constatações de Vital Moreira, Grau12 distingue a ordem

econômica enquanto mundo do “ser” e do “dever-ser”, qualificando aquela como fato

econômico, que engloba as ações efetivas de dada economia; e esta como parcela da

ordem jurídica de uma determinada sociedade, portanto, dotada de sentido normativo.

Para o autor, a “ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não

é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica

(mundo do ser).”

A lição acima permite duas constatações interessantes em relação à expressão

“ordem econômica”: i) a possibilidade de formulação e adoção de diferentes conceitos,

levando-se em consideração cada um dos sentidos em que pode ser empregada; ii) a

observação de que a “ordem econômica”, enquanto ordem jurídica da economia, é mais

ampla e se difere da “Constituição econômica” que, por sua vez, agrupa apenas aquelas

normas de caráter fundamental à disciplina do cenário e dos agentes econômicos de

determinada sociedade. Em outras palavras, a Constituição econômica é a Constituição

juridicamente definida da economia13, isto é, um conjunto de preceitos que opera a

institucionalização de determinada ordem econômica (mundo do ser) e estabelece

princípios e regras fundamentais ordenadores da economia, consagradores de um

determinado sistema econômico14. Tal distinção é também enfatizada por Ramos15, para

quem:

12 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 15ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Malheiros, 2012, p. 68-70. 13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 380. 14 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 15ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Malheiros, 2012, p. 79. 15 RAMOS, Elival da Silva. O Estado na Ordem Econômica. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito Constitucional: constituição financeira, econômica e social. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, 2011, p. 345-346.

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Não há que se confundir a ordem econômica ou a ordem jurídica da economia com a Constituição econômica: esta compreende apenas os princípios e regras fundamentais da ordem econômica. Por conseguinte, a ordem econômica é muito mais extensa do que a Constituição econômica, constituindo-se aquela de todas as normas ou instituições jurídicas que têm por objeto as relações econômicas. Entre essas, só algumas possuem caráter fundamental e se inserem, pois, na Constituição econômica.

Identificados o surgimento, os possíveis sentidos e o conceito para a expressão

“ordem econômica”, assim como as diferenças entre esta e a “Constituição econômica”,

segue-se a análise da ordem econômica e financeira estabelecida na Constituição de

1988.

Ordem econômica e financeira na Constituição de 1988

Antes de discorrer sobre a ordem econômica e financeira vigente, importante

uma breve análise histórica16 dos modelos adotados pelas constituições anteriores. A

Constituição de 1934, inspirada na Constituição de Weimar de 1919, teria sido a

primeira na história constitucional brasileira a comportar considerações sobre a ordem

econômica17, com a inserção de um título autônomo – “Da Ordem Econômica e Social”

-, o qual veiculava um discurso inovador com a introdução de princípios relacionados à

justiça social.18 O pioneirismo em questão inspirou as constituições seguintes. Quanto

ao tema, vale destacar as apreciações de Peixinho a Ferraro19:

a) 1934. Visava, prioritariamente, à promoção da indústria e à proteção dos trabalhadores urbanos através da intervenção estatal; b) 1937. O modelo de Estado não exercia intervenção direta, mas de mera coordenação dos agentes econômicos, ou seja, a intervenção limitava-se à defesa de interesses nacionais; c) 1946. Reconhecia a livre iniciativa e livre concorrência. Era sensível aos ideais de realização da justiça social e conciliava aqueles princípios com a valorização do trabalho humano. Ampliou as possibilidades de intervenção e institucionalizou o planejamento; d) 1967. Marcou o retorno da organização e exploração das atividades econômicas para a iniciativa

16 Conforme destaca Américo Luís Martins da Silva, não obstante o constitucionalismo econômico ter sido implantado a partir da Carta de 1934, as Constituições brasileiras de 1824 e 1891 também tratavam de alguns aspectos econômicos ou de formas de intervenção do Estado nesta seara. SILVA, A.L.M. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 6. 17 GUEDES, Marco Aurélio Peri. Estado e ordem econômica e social: a experiência constitucional da República de Weimar e a Constituição Brasileira de 1934. – Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 114-115. 18 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. G. Curso de Direito Constitucional. – 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1406. 19 PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzani Andrade. Direito ao Desenvolvimento como Direito Fundamental. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI (p. 6964-6965). [on line]. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2012.

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privada do Estado menos intervencionista. Buscava atingir o desenvolvimento social e econômico através do fortalecimento da empresa privada, estabilidade de preços, aumento da oferta de emprego e fortalecimento do mercado; e) EC nº 1 de 1969. Diminuiu as possibilidades de intervenção estatal. Preocupou-se com o desenvolvimento nacional, justiça social e valorização do trabalho humano, adotado o planejamento como instrumento de desenvolvimento econômico.

A avaliação das constituições brasileiras pretéritas indica que determinados

valores ora assumiram a natureza de fundamentos da ordem econômica, ora se

revelaram como princípios. A ideia de fundamento estaria relacionada com aspectos

causais da ordem econômica, relacionadas aos objetivos por ela pretendidos, ao passo

que princípios seriam elementos de sua efetivação.20

Passando ao estudo da ordem econômica e financeira estruturada na CRFB/88,

percebe-se que o texto constitucional faz alusão a uma única ordem, ao invés de duas.

Em outras palavras, a Carta Política não sistematiza uma “ordem econômica” e uma

“ordem financeira”, mas um conjunto de regras e princípios que englobam a

normatização tanto da atividade econômica quanto da financeira. Esta opção do

constituinte parece indicar uma estreita inter-relação entre os aspectos econômicos e

financeiros. Isto significa que a dinamização e maximização do “econômico” guarda

estreita conexão com o “financeiro”, vale dizer, com a criação de adequados

instrumentos e mecanismos que lhe deem suporte e condições de alcançar as suas

finalidades maiores.

Abrindo o primeiro capítulo do título que trata da ordem econômica e

financeira, estão enunciados os princípios gerais da atividade econômica. A

compreensão acerca da importância de tais elementos norteadores pode ser entendida já

a partir da leitura de seu artigo inaugural, indicando que a ordem econômica é fundada

na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa21, e tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Isto significa que a

existência digna e a justiça social compreendem as finalidades maiores da ordem

20 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 166. 21 A livre iniciativa é também enunciada como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [on line]. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 de outubro de 2012.

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econômica, como expressão de um regime que não aceita as profundas desigualdades, a

pobreza absoluta e a miséria.22 Portanto, a ordem econômica, mundo do ser – relações

econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) - deve ser entendida como um

dos principais instrumentos para a realização da dignidade humana, princípio

fundamental da República23, e estruturada e dinamizada de forma a maximizar o seu

potencial para atingir os objetivos da República Federativa do Brasil, em especial a

promoção da existência digna de que todos os brasileiros devem gozar.24

Prosseguindo a análise, nota-se a opção por um determinado modelo

econômico (capitalista), além da descrição das formas como deve se operar a

intervenção do Estado no domínio econômico, a partir das quais fica clara a adoção de

um sistema híbrido, que simultaneamente congrega aspectos liberais e sociais.25 Pode-se

verificar também que, em que pese ter na livre iniciativa um de seus fundamentos – com

liberdade de exercício de quaisquer atividades econômicas, sinalizando, assim, um

regime de mercado, de cunho capitalista - há também “normas voltadas para a

construção de um modelo de Estado Social, com valorização do trabalho e justiça

social”26, onde restam evidentes as preocupações com aspectos relacionados a redução

de desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego.

Todas as questões enunciadas acima permitem concluir que a Carta Política

encarregou diferentes atores - Estado, mercado e terceiro setor27-, pelas transformações

da sociedade na direção estabelecida pelo texto constitucional, relacionadas às

finalidades maiores por ele pretendidos. De acordo com este regime, o desenvolvimento 22 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 710. 23 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. [on line]. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:... III – a dignidade da pessoa humana. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 de outubro de 2012. 24 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 222. 25 Segundo Simone Lahorgue Nunes, ao examinar-se o art. 170 da CRFB/88 “encontramos no dispositivo constitucional citado princípios liberais – da propriedade privada e da livre concorrência – bem como princípios intervencionistas – da soberania nacional, da função social da propriedade, da defesa do consumidor e do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte, princípios estes que deverão ser harmonizados entre si.” NUNES, Simone Lahorgue. Os fundamentos e os limites do poder regulamentar no âmbito do mercado financeiro. – Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 41. 26 PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzani Andrade. Direito ao Desenvolvimento como Direito Fundamental. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI (p. 6967). [on line]. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2012. 27 O terceiro setor é composto por entidades de caráter privado, não governamental, que realizam atividades em favor da sociedade, sem objetivo de lucro. Este trabalho não examinará a participação e importância do terceiro setor na promoção do desenvolvimento.

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nacional e a justiça social constituem-se nos objetivos da ordem econômica e social, que

é embasada por fundamentos e princípios que representam pautas conformadoras

incontestáveis impostas a todos; vale dizer: ao Estado e aos cidadãos.28 Consubstancia

um meio para a construção do Estado Democrático de Direito.29

De fato, as matrizes constitucionais conferem inegável relevância ao papel da

ordem econômica, o que implica na necessidade de busca de suas finalidades e respeito

aos seus princípios. Sendo assim, as ações voltadas a sua dinamização não podem ser

encaradas como um fim em si mesmo. Muito pelo contrário, elas são um meio de

promover o bem-estar social, de valorizar a condição humana e assegurar ao homem

uma existência digna. Em outras palavras, constituem pressuposto para a construção de

uma sociedade mais justa e igualitária e impõem o exame das demais decisões e

princípios fundamentais que se encontram expressa ou implicitamente presentes no

texto constitucional.

Estado brasileiro e atividade econômica

O Estado brasileiro teve uma participação destacada na economia até a década

de 80, com grande expansão das empresas estatais. A partir dos anos 1940 e 1950, deu-

se início à formação do setor produtivo estatal com a criação da Companhia Siderúrgica

Nacional (1942), Companhia Vale do Rio Doce (1942), Fábrica Nacional de Motores

(1943), a Companhia Nacional de Álcalis (1943), o Banco Nacional do

Desenvolvimento Econômico (1952), a Petrobrás (1953). Nas décadas de 60 e 70 o

setor público ampliou a sua intervenção direta nas atividades econômicas, tendo sido

criadas a Eletrobrás (1960), a Telebrás (1972), além de diversas subsidiárias da

Petrobrás e da Companhia Vale do Rio Doce.30

Não obstante o histórico de participação ativa do Estado em diversas atividades

econômicas entre as décadas de 40 e 80, o Diploma Fundamental de 1988 consagrou um

regime que prestigia a iniciativa privada e defere ao Estado participação apenas

28 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Estado e a Ordem Econômica. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito Constitucional: constituição financeira, econômica e social. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, 2011, p. 282. 29 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica. 15ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Malheiros, 2012, p. 305. 30 GIAMBIAGI, Fabio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas – teoria e prática no Brasil. – 2ª ed., rev. e atual. – Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 89-90-91-92-93.

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supletiva na esfera econômica.31 O art. 17332 da Lei Fundamental, ao designar que o

Estado somente poderá exercer atividade econômica em caráter excepcional, nas

hipóteses ressalvadas na Constituição33, ou quando necessário aos imperativos da

segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, estabelece uma norma que rompe a

“concepção que erigia o Estado como motor do desenvolvimento e lhe confiava a gestão

de setores-chave da economia”34, modelos ordenadores verificados outrora como base

da organização jurídica do fato econômico. Assim, a primeira indagação a fazer é:

estaria o Estado, mediante as normas constantes dos artigos 170 e 173, completamente

desvinculado da ordem econômica? A resposta só pode ser negativa.

Em que pese a consagração da primazia da iniciativa privada e o

distanciamento do Poder Público em relação à exploração direta de atividade

econômica, foram reservadas ao Estado relevantes funções, no sentido de promover a

organização, o equilíbrio e a eficiência do sistema econômico voltadas à efetivação dos

objetivos pretendidos pela Constituição e pela própria ordem econômica. Estas missões

estão elencadas no art. 174 da Lei Fundamental, cabendo-lhe atuar como agente

normativo e regulador da atividade econômica, além de exercer, na forma da lei, as

incumbências de fiscalização, inventivo e planejamento.35 Tal como observa Chevallier,

“o Estado permanece presente na economia, mas de maneira mais distanciada, como

‘supervisor’, cuja presença é indispensável para assegurar a manutenção dos grandes

equilíbrios e criar as condições propícias ao seu desenvolvimento.”36 Em outras

31 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Estado e a Ordem Econômica. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito Constitucional: constituição financeira, econômica e social. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, 2011, p. 273. 32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [on line]. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 de outubro de 2012. 33 Os instrumentos de participação do Estado na economia são a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias. 34 CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno = L`État post-moderne / Jacques Chevallier; prefácio de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.8. 35 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [on line]. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 de outubro de 2012. 36 CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno = L`État post-moderne / Jacques Chevallier; prefácio de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.8.

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palavras, assiste ao Estado disciplinar dita atividade sobretudo em vista de objetivos

sociais.37

Ante o modelo econômico vigente e frente à sistemática constitucional, inúmeras38

podem ser as ações tomadas pelos poderes públicos na órbita econômica, dentre as quais

medidas voltadas à mobilização e canalização de recursos financeiros indispensáveis à

expansão das atividades econômicas, o que confere extrema relevância ao papel da

iniciativa privada na concretização dos objetivos fundamentais da República, e também

estudos acerca dos papeis políticos e jurídicos do Estado brasileiro em relação ao

estabelecimento de arranjos institucionais que maximizem a eficiência do sistema

financeiro.

A consagração da livre iniciativa e o papel da iniciativa privada na concretização dos

objetivos fundamentais da República

No plano da Constituição de 1988, a livre iniciativa foi consagrada como um

dos princípios fundamentais, políticos e estruturantes do Estado brasileiro, constituindo-

se como fundamento da República Federativa do Brasil. De acordo com esta

sistemática, não há dúvida de que os particulares ostentam a posição de principais atores

da ordem econômica brasileira.39 A iniciativa privada tem a primazia no plano da

atividade econômica. É a regra, sendo a iniciativa estatal a exceção.40

Enquanto princípio constitucional, a livre iniciativa consiste no desdobramento

de um princípio maior – o da liberdade -, e certamente não se limita ou se esgota nos

conceitos de liberdade econômica ou liberdade de empresa, expressando a autonomia

37 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Estado e a Ordem Econômica. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito Constitucional: constituição financeira, econômica e social. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, 2011, p. 273. 38 Giovani Clark cita compra e venda de moeda estrangeira; elevação ou redução dos tributos; ampliação do volume da moeda nacional na economia; edição de normas legais de remessa de lucros ao exterior, de repressão ao poder econômico e de defesa do consumidor; emissão de títulos públicos no sistema financeiro. CLARK, Giovani. Política Econômica e Estado. [on line]. Disponível em <http//:www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000100014&lng=em&nrm=iso>. Acesso em 19 de julho de 2012. 39 BARROSO, Luis Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. [on line]. Redae – Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, nº 14, maio/junho/julho de 2008, ISSN 1981-1861. Disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/redae-14-maio-2008-luis%20roberto%20barroso.pdf>. Acesso em 18 de dezembro de 2012. 40 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 394.

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individual empreendedora.41 Englobaria, assim, todos os arranjos de iniciativa

individual, isto é, a possibilidade de escolha de caminhos profissionais e atividades

econômicas, como forma de se maximizar a eficiência na produção e de justiça na

repartição do produto, mas sem a interferência direta do Estado no jogo do mercado.42

Certamente, esta concepção transforma a atividade econômica exercida pelo

particular em instrumento para a consecução de objetivos fundamentais do Estado

brasileiro, e confere à iniciativa privada um relevante papel, não apenas de busca de

interesses econômicos próprios, mas também e principalmente capaz de atender

exigências sociais cada vez mais presentes no cotidiano da sociedade brasileira. Em

outras palavras, a livre iniciativa deve se manter compromissada com os valores éticos,

voltados à preservação da existência humana em condições dignas43. Trata-se, assim, de

um conjunto de atribuições transformadoras, que transcendem aspectos meramente

econômicos, comprometidas com o desenvolvimento do país, melhor qualidade de vida

e o bem-estar das pessoas, das quais advém a permanente necessidade de mudanças nos

referenciais do empreendedorismo, no sentido do fiel desempenho de uma função

social.

Retomando a análise do art. 170, é possível verificar a existência de dois

comandos essenciais advindos do sistema econômico institucionalizado, quais sejam: a)

compete preferencialmente à iniciativa privada tanto a organização quanto a exploração

das atividades econômicas; b) é dever do Estado prestar aos particulares o estímulo e o

apoio necessários à organização e exploração das atividades econômicas.44 Isto significa

que, por se tratar de um fator-chave na capacidade de desenvolvimento da sociedade,

enquanto instrumento da realização de objetivos fundamentais albergados no texto

constitucional, as atividades econômicas desenvolvidas pela iniciativa privada devem

ser permanentemente estimuladas, vale dizer, o incentivo à ordem econômica deve ser

entendido como um projeto nacional, onde o Estado deverá atuar como indutor deste

processo, no sentido da criação e manutenção de um arranjo institucional adequado à

sustentação do processo de desenvolvimento.

Certamente, a execução da atividade empresarial demanda a existência de

condições financeiras que habilitem os agentes econômicos, especialmente as 41 RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 360. 42 SILVA, A.L.M. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 35. 43 RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 360. 44 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Estado e a Ordem Econômica. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito Constitucional: constituição financeira, econômica e social. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 6, 2011, p. 273.

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companhias abertas (sociedades anônimas), a desempenhar os seus objetos sociais, pois,

desprovidas de recursos, não serão capazes de conseguir os meios materiais

imprescindíveis as suas atividades. Acontece que, em muitos casos, os recursos próprios

são insuficientes para a sua consecução, o que limita a capacidade de realização dos

investimentos necessários aos desideratos da sociedade como um todo, e impõe a busca

de captação de recursos externos, provenientes de terceiros.45 Nestas condições, o

financiamento pode ser considerado instrumento de viabilização da promoção do

desenvolvimento.

O financiamento como instrumento de viabilização da promoção do desenvolvimento e

concretização dos objetivos fundamentais da República

Como visto acima, a opção do constituinte de 1988 no que diz respeito à

estrutura e sistema de papéis relacionados à ordem econômica, com a adoção de um

sistema econômico descentralizado, caracterizado por um regime de mercado e uma

economia “de empresa”, indica um relevante papel à iniciativa privada, que orienta a

reflexão sobre a necessidade da consolidação de um modelo de contínuo estímulo ao

empreendedorismo.

De acordo com esta concepção, a maximização desse potencial transformador

depende de mecanismos de financiamento voltados à expansão da atividade econômica

desenvolvida pelos particulares, especialmente as empresas46, afinal, como sinaliza a

doutrina, “não se alcança bem-estar social sem desenvolvimento econômico. Não é

concebível o desenvolvimento econômico sem o crescimento das empresas. Não é

viável o crescimento das empresas sem o financiamento da produção.”47

É neste contexto que cresce de relevância o estudo do sistema financeiro

nacional e de suas estruturas institucionais viabilizadoras da promoção do

desenvolvimento, a partir de uma série de instrumentos e mecanismos de financiamento

45 SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos parâmetros para a intervenção do Estado na economia. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 32-33. 46 Neste trabalho a conceituação do fenômeno “empresa” não seguirá a forma utilizada pelo Código Civil de 2002, que adota o seu perfil funcional, isto é, enquanto atividade econômica e organizada. Aqui, a palavra “empresa” deverá ser entendida como unidade de produção de bens ou serviços. 47 ARAÚJO PENNA, Estella de. Desenvolvimento Econômico e Mercado de Capitais – A Nova Lei das S.A. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 4, nº 11, 2001, p. 267.

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para o exercício e expansão da atividade econômica. Quanto ao tema, as palavras de

Figueiredo48: Observe-se que nos Estados que se organizam em torno de sistemas econômicos descentralizados, baseados em valores de livre-iniciativa e liberdade de concorrência, como é o caso da República Federativa do Brasil, o sistema financeiro nacional assume inegável papel de ente garantidor do desenvolvimento sócio econômico da Nação. Isto porque se trata de relevante instrumento de garantia de acesso a crédito e maximização do bem-estar econômico.

Não se pode duvidar que, por englobar questões tão cruciais à sociedade como

um todo, o tema do financiamento demanda a atenção do Direito, seja no que diz

respeito ao estabelecimento do arranjo institucional mais adequado às finalidades de

promoção do desenvolvimento, seja no sentido da intervenção do Estado no setor,

legitimada pela necessidade de realização do interesse público e com vistas à

perseguição do bem-estar social. Assim, no que diz respeito ao incentivo e fomento ao

exercício da atividade econômica, a tarefa do Estado engloba, entre outros pontos

igualmente importantes, as questões, cruciais nos modelos de economia descentralizada,

de natureza capitalista e fundadas na livre iniciativa, que se manifestam a partir de duas

necessidades, as quais devem ser consideradas complementares entre si: i) garantia da

aplicação de meios e recursos financeiros imprescindíveis ao processo de

desenvolvimento nacional; ii) assegurar o funcionamento eficiente dos mercados.

O princípio da garantia da aplicação dos meios financeiros necessários ao

desenvolvimento e a incumbência prioritária do Estado de assegurar o funcionamento

eficiente dos mercados

As normas constitucionais contemplam regras e princípios. Os princípios

fundamentam o ordenamento jurídico e são as suas normas-chave, atuando como

vínculos a estabelecer um bloco sistemático, no sentido de conferir unidade ao sistema

jurídico. São entendidos como o oxigênio das Constituições na época do pós-

positivismo, e graças a eles os sistemas constitucionais assumem unidade de sentido e

auferem a valoração de sua ordem normativa.49 Tal como ensina Ferreira Filho50,

48 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 373-374. 49 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. – 15ª ed., atual. – São Paulo: Malheiros, 2004, p. 271-288.

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“mesmo em Estados que possuem Constituição escrita, se desenvolvem normas não

escritas que completam ou interpretam as normas escritas”.

No que diz respeito à tipologia dos princípios, permite-se listar como

constitucionais aqueles que se encontram expressamente referidos no texto da

Constituição, assim como outros que possam ser inferidos a partir dele.51 Assim, a

estrutura constitucional compõe-se de: i) princípios explícitos, recolhidos no texto da

Constituição; ii) princípios implícitos: deduzidos como resultado da análise de preceitos

constitucionais.52

Ao invés de buscar uma definição para “princípios constitucionais”, é oportuno

procurar identificar suas principais características, assim sintetizadas por Ramos:53

1. Têm a qualidade inquestionável de norma jurídica, e por se encontrarem no vértice do sistema jurídico possuem grau mais alto de positividade do que aqueles inseridos nos Códigos, em face do que são proprietários de maior peso. Por tudo, qualificam-se como norma de eficácia suprema; 2. São as normas-chave da ordem jurídico-constitucional, vale dizer, operam como vínculos que congregam as normas constitucionais, e assim respondem pela formação unitária e coerente do sistema; 3. São fontes primárias de normatividade, de modo que submetem toda a criação, interpretação e aplicação do Direito; Significa dizer que exigem a adequação das normas secundárias e de todas as ações e procedimentos aos valores que materializam; 4. São expressão dos valores fundamentais que a vontade social elege, característica da qual extraem sua autoridade e legitimidade; 5. Corporificam os ideais maiores da sociedade, pelos quais se definem a identidade político-ideológica do Estado, se fixam as premissas básicas da ordem jurídica, se conformam as estruturas institucionais concebidas, se estabelecem os direitos e garantias fundamentais da cidadania, aos quais se acha vinculado o exercício do poder; enfim, retratam objetivamente as conquistas historicamente acumuladas pelas experiências sociais, políticas, econômicas, jurídicas etc., de uma comunidade.

Especificamente em relação à Constituição econômica, esta pode ser encarada

em dois sentidos: formal e material. No aspecto formal, reúne um conjunto de normas

que, incluídas no texto constitucional, escritas, versam o econômico, definindo pontos

fundamentais da organização jurídica da economia; em seu aspecto material, abrange

todas aquelas normas que definem pontos fundamentais da organização econômica,

estejam ou não expressamente referenciadas no documento formal que é a Constituição

50 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 416. 51 RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 270-271. 52 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 15ª Ed./ revista. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 152. 53 RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 262.

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escrita.54 Nessa linha de posicionamento, resta indiscutível a possibilidade de se inferir,

na Constituição econômica, princípios não expressamente estabelecidos pelo legislador

constituinte, mas que, pela sistemática constitucional, fazem-se presentes de forma

implícita.

Presente expressamente nas Constituições de Portugal (art. 101)55,

Moçambique (art. 126)56 e Timor Leste (art. 142)57, o princípio da garantia da aplicação

dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento pode ser considerado implícito

na CRFB/88. Ao referenciar o desenvolvimento já no preâmbulo da Constituição de

1988 e enunciá-lo como um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, o

legislador constituinte o alçou ao patamar de valor supremo da sociedade brasileira,

corporificando os ideais maiores do corpo social. Assim, a sua promoção não pode ser

tratada como mero ideal, mas algo a ser efetivamente perseguido e assegurado pelo

Estado.

No caso brasileiro, o desenvolvimento necessita ser socialmente inclusivo e

melhor distribuído entre as regiões do país, gerador de empregos cada vez mais

qualificados, assim como de renda, qualidade de vida e bem estar. Desenvolvimento que

sinalize um futuro mais promissor, capaz de reduzir o inaceitável hiato entre o realizável

e o realizado em matéria de direitos fundamentais. Nesta esteira, a sua realização não

pode prescindir de meios financeiros e recursos capazes de incrementá-lo

permanentemente, a partir das alternativas institucionais disponíveis.

No modelo estipulado na Lei Fundamental, o Estado, em regra, não

explorará diretamente atividade econômica, sendo esta exercida prioritariamente pela

iniciativa privada. De acordo com esta concepção, se não exerce atividade econômica

ou se o faz em mínima escala, o Estado não tem capacidade de produção suficiente da 54 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 380-381. 55 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa de 1976. [on line]. Art. 101. O sistema financeiro é estruturado por lei de forma a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social. Disponível em <http://www.dre.pt/comum/html/legis/crp.html>. Acesso em 10 de dezembro de 2012. 56 MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique de 2004. Constituição da República de Moçambique. [on line]. Art. 126. O sistema financeiro é organizado de forma a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social do país. Disponível em <http://www.mozambique.mz/pdf/constituicao.pdf>. Acesso em 10 de dezembro de 2012. 57 TIMOR LESTE. Constituição da República Democrática de Timor Leste de 2002. [on line]. Art. 142. O sistema financeiro é organizado por lei de forma a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social. Disponível em <http://www.timor-leste.gov.tl/wp-content/uploads/2011/11/CRDTL-Anotada)PORTAL1.pdf>. Acesso em 10 de dezembro de 2012.

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riqueza de que necessita (absolutamente) para assegurar a todos uma existência digna,

devendo atuar no sentido da consolidação de um ambiente de estímulo ao

empreendedorismo e favorável ao exercício e expansão da atividade econômica. Isto

significa que deve ser assumida, dentre as incumbências prioritárias do Estado

brasileiro, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados58, que tem no

financiamento o seu principal pressuposto.

Pelas razões aduzidas, o princípio da garantia da aplicação dos meios

financeiros necessários ao desenvolvimento infere-se a partir da sistemática

constitucional, devendo repercutir diretamente no estabelecimento de um arranjo

institucional nacional59 compatível com a ideologia consagrada na Constituição, que

potencialize alternativas de financiamento para a atuação dos agentes econômicos. Tal

concepção impõe ao sistema financeiro nacional (e, por conseguinte, aos mercados em

que se subdivide e instituições que o compõem) alguns papeis específicos em busca a

efetivação do desenvolvimento, tais como o estímulo à formação, captação e segurança

das poupanças, com o incentivo a sua destinação aos investimentos produtivos e

transformadores. Particularmente em relação à captação, este princípio deve orientar a

criação uma série de mecanismos de atração de fluxos de investimentos internacionais,

de modo que tais recursos, somados à poupança interna, sejam direcionados para

impulsionar os projetos transformadores, capazes de incrementar o processo de

evolução que o país tanto necessita.

Tais escolhas e ações políticas são primordiais e cruciais para a promoção do

desenvolvimento. A partir delas o sistema financeiro se tornará mais ou menos capaz e

adequado a realizar as funções que deles se esperam, e assim maximizar as

58 Esta incumbência é expressamente prevista na alínea f do art. 81 da Constituição da República Portuguesa. PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa de 1976. [on line]. Art. 81. Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito econômico e social: ... f) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados... Disponível em <http://www.dre.pt/comum/html/legis/crp.html>. Acesso em 10 de dezembro de 2012. 59 Os sistemas financeiros dos Estados contemporâneos se encontram baseados em diferentes tipos de organização institucional financeira (sistemas baseados nos mercados de capitais, sistemas baseados na participação dos governos e bancos públicos e sistemas baseados em instituições financeiras privas), com igual diversidade no que diz respeito ao modo de desempenho de suas funções. Neste sentido, os ensinamentos John Zysman: “There are three distinct tipes of financial sistems, each of wich has different consequences for the political ties between banks, industry and finance, as well as different implications for the process by wich industrial change occurs. The three types are: i) a system based on capital markets with resources allocated by prices estabilished in competitive markets; ii) a credit-based system with critical prices administered by goverment, and; iii) a credit-based system dominated by financial institutions. ZYSMAN, John. Governments, Markets and Growth: Financial Systems and Politics of Industrial Change.” (Fourth printing) - New York, EUA: Cornell Paperbacks, 1994, p. 55.

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possibilidades de os atores sociais contribuírem para a concretização sustentável dos

objetivos fundamentais da República.

Considerações finais

O processo de desenvolvimento de um Estado nacional pressupõe a realização

de uma série de ajustes e arranjos institucionais, em busca da criação de um ambiente

apto ao crescimento sustentável e permanente, que lhe permita alcançar os seus

objetivos fundamentais.

A realidade nacional demonstra que o Brasil (e todos os seus atores sociais e

agentes de transformação) tem grandes desafios diante de um enorme conjunto de

demandas e carências sociais, um longo caminho a percorrer para garantir efetividade à

Constituição, especialmente, à concretização de seus objetivos maiores. Neste sentido,

precisa construir pontes que o permitam evoluir de um passado que não se aceita a um

futuro que se deseja, capazes de fazê-lo alcançar os esperados degraus na escada do

desenvolvimento.

A leitura da ordem econômica e financeira estruturada na Constituição de 1988

indica que criação de tais arranjos deve levar em conta algumas premissas, assumidas

como fatores-chave para a realização a concretização sustentável dos objetivos da

República, na construção de pontes que permitam ao país evoluir de um passado que

não se aceita a um futuro que se deseja, capazes de fazê-lo alcançar os esperados

degraus na escada do desenvolvimento.: i) atores privados são essenciais na promoção

do desenvolvimento; ii) a importância do financiamento como meio de impulsionar o

desenvolvimento; iii) a imprescindibilidade da garantia da aplicação dos meios e

recursos financeiros necessários ao desenvolvimento.

A aplicação dos meios e recursos financeiros necessários ao desenvolvimento

irá desaguar num maior nível de captação por parte dos atores sociais e na consequente

maximização da capacidade de impulsionar grandes projetos empresariais

transformadores da realidade social, tendo como resultado um ciclo virtuoso de mais

emprego, mais renda e mais arrecadação tributária, capaz de gerar bem-estar social e

qualidade de vida. O financiamento, portanto, deve ser entendido como um dos

pressupostos do desenvolvimento com inclusão social.

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Os decisivos papéis destinados à iniciativa privada na realização da

materialidade da constituição, na busca dos objetivos fundamentais da República e no

encontro da sociedade com o seu projeto de valores não excluem a atuação do Estado

perante a ordem econômica e financeira. Muito pelo contrário, a diminuição de sua

atuação empreendedora lhe impõe papel central na dinamização da ordem econômica e

financeira. O Poder Público, portanto, tem importante função no estabelecimento de

arranjos institucionais adequados à realidade nacional, que potencializem a aplicação

dos meios e recursos financeiros necessários ao desenvolvimento, sendo sua

incumbência prioritária assegurar o regular e eficiente funcionamento dos mercados.

A concretização dos objetivos da República, por sua complexidade, não

depende apenas de aspectos jurídicos, mas também econômicos, financeiros, sociais,

culturais. Somente a soma de todos estes fatores será capaz de romper as amarras que

impedem a evolução e qualificação de níveis gerais de bem estar. De tal modo,

necessário que o debate acadêmico em torno das questões relacionadas à promoção do

desenvolvimento sugira caminhos para o encontro de soluções que nos permitam

superar os complexos desafios na sua realização.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

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OS CUSTOS DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA EFICIÊNCIA E DO ACESSO À JUSTIÇA NA PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL Sônia Barroso Brandão Soares – UFF/RJ*

THE COST OF ELECTRONIC AND JUDICIAL PROCEDURE AND THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLES OF EFFICIENCY AND ACCESS TO JUSTICE IN THE

COURTS

RESUMO Este artigo mostra como o processo eletrônico auxilia no cumprimento do princípio

constitucional da eficiência, aqui considerado em sua dimensão de utilização ótima dos

recursos disponíveis para o Poder Judiciário prestar a jurisdição. O artigo apresenta a

atividade processual como uma prestação de serviços que, apesar de monopolizada pelo

Estado, pode ser tratada da mesma maneira que qualquer outra. Duas abordagens, uma

analítica e outra econômica, são apresentadas e geram modelos que exibem os custos da

atividade processual: custos de produção e de transação. O artigo afirma que os custos de

produção são fixos, restando economizar nos custos de transação. O ambiente do processo

eletrônico é descrito e, com base no art. 14 da Lei 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico),

são explicadas duas maneiras de economizar nos custos de transação: no uso de software livre

e de padrões para interação e maior celeridade e eficiência dos atos processuais realizados. Ao

final, se fará um cotejo do custo de transação processual com os custos sociais de acesso à

justiça envolvidos na implantação do PJe.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Eletrônico; Custos; Eficiência; Acesso à Justiça

ABSTRACT This article presents how E-Process helps to accomplishing the constitutional principle

of efficiency, here considering the tools provided by E-Process to help making justice work.

The article presents lawsuit activity as a service delivery that, although monopolized by the

State, can be treated just like any other. Two approaches - analytical and economic - are

presented and generate models that show the costs of lawsuit activity: production and

transaction costs. The paper states that production costs are fixed, remaining to economize in

transaction costs. The environment of the electronic process is described and, based on art. 14

of Law 11.419/2006 (Law of E-Process), two ways of economizing on transaction costs are

explained: use of free software and use of standards for interaction with optimization of the

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judicial acts implemented, making them more efficient and faster. Finally, it will be presented

a study on the conflict between the implementation of the electronic judicial process and the

social cost evoked of access to justice.

KEYWORDS: E-Process; Costs; Efficiency; Access to justice

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2 Descrevendo abordagens e construindo modelos. 2.1

Abordagem analítica do processo judicial eletrônico. 2.2 Abordagem econômica e o processo

judicial eletrônico. 2.2.1. Fases econômicas da atividade judicial. 2.2.2. Custos da atividade

processual. 3. Materializando modelos: ambiente do processo eletrônico. 3.1. Sobre software e

interação. 3.1.1. Uso de código aberto e de software livre. 3.1.2. Padronização da interação. 4.

A eficiência do processo judicial eletrônico e o acesso à justiça. 4.1 O que é mesmo eficiência

em termos de processo eletrônico? 4.2 Caminhando para o futuro no processo judicial

eletrônico. 5. Conclusão. 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo da atividade processual é, segundo Ada Pelegrini Grinover, o “harmonizar

as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores

humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste.”(1997:19) Isto é conseguido por meio da

prestação jurisdicional, que acontece tendo como prestador o Estado, que tem o seu

monopólio. Mas esta prestação jurisdicional não deve acontecer sem que seja pelo menor

custo possível.

O princípio da economia processual, de acordo com o enunciado por Humberto

Theodoro Júnior (2001:261-262), citando Hernando Devis Echandia (1974:51), pauta-se pelo

seguinte: “O processo civil deve-se inspirar no ideal de propiciar às partes uma Justiça

barata e rápida, do que se extrai a regra básica de que 'deve tratar-se de obter o maior

resultado com o mínimo de emprego de atividade processual'”. Claro está que a regra também

se aplicaria ao processo do trabalho e às ações que envolvem direitos ambientais, do

consumidor, econômico e empresarial.

Estas simples palavras constroem uma ponte entre o Direito e a Economia, fazendo

com que se possa modelar a atividade processual como um processo de produção em que

resultado final é a prestação jurisdicional e que deve correr no maior nível de eficiência

econômica possível. Como os ritos processuais já se encontram insculpidos nas respectivas

leis, resta modelar estes rituais de maneira a materializá-los da maneira menos custosa

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possível.

O artigo que se seguirá, fruto de pesquisa de grupo interdisciplinar e interinstitucional

sobre a informatização da prestação jurisdicional em seus aspectos éticos, legais, econômicos,

jurídicos e tecnológicos, abordará a problemática do processo judicial eletrônico em relação à

teoria dos custos de transação desenvolvida por O. Williamson com base em R. Coase,

levantando um questionamento sobre o possível trade-off entre eficiência do processo judicial

eletrônico e o acesso amplo, geral e público à justiça, garantido constitucionalmente.

A metodologia empregada para a elaboração do presente artigo é a dialética descritiva,

em que se descreverá o funcionamento técnico do PJe e de suas nuanças econômicas, e se fará

um estudo do aparente conflito entre princípios constitucionais no que se refere à

implementação do PJe e a garantia do acesso à justiça com a narrativa dos problemas

surgidos.

2. DESCREVENDO ABORDAGENS E CONSTRUINDO MODELOS

Modelos podem ser construídos a partir de diferentes abordagens e, por isto, deve-se

escolher qual ou quais abordagens adotar para somente então construir modelos. Este artigo

usará duas abordagens para construir modelos da atividade processual: a abordagem analítica

geral-particular e a abordagem econômica dos custos de transação.

A primeira abordagem - analítica geral-particular - também é conhecido pelo nome de

top-down1. Ela será utilizada por ser suficientemente geral para abarcar a atividade processual

como um todo, sem se preocupar com as especificidades de cada caso.

A segunda abordagem – econômica – será baseada na Nova Economia Institucional,

mais especificamente a Economia dos Custos de Transação2. Esta abordagem se preocupa

*O presente artigo é fruto de pesquisa conjunta envolvendo os Profs. Drs. Felipe Maia Galvão França

(Programa de Engenharia de Sistemas e Computação – COPPE) e Maria da Graça Derengowski Fonseca (IE/UFRJ) e o Doutorando Marcus Vinicius Brandão Soares (Programa de Engenharia de Sistemas e Computação – COPPE).

1 Esta metodologia pode ser encontrada em GANE, Chris, SARSON , Trish. Análise Estruturada de Sistemas. São Paulo: LTC, 1983.; YOURDON, Edward. Análise Estruturada Moderna. 3 ed. São Paulo: Campus/Elsevier, 1998. ; entre outros.

2 A Nova Economia Institucional parte de pressupostos diferentes dos da Economia Neoclássica, sendo um dos mais interessantes o da restrição cognitiva e de memória do agente econômico. Esta restrição faz com que o agente seja portador de uma racionalidade limitada, em contraposição ao que se pode chamar de racionalidade completa (ou apenas racionalidade), pressuposto utilizado na Economia Neoclássica. A racionalidade limitada faz com que o agente econômico esteja sujeito a comportamentos oportunistas, fazendo com que o encontro das curvas de oferta e da demanda que

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justamente com os custos do cumprimento dos ritos da atividade processual, que são regidos

pelas leis processuais.

2.1 Abordagem analítica do processo judicial eletrônico

A atividade processual, na sua forma mais geral, pode ser apresentada da seguinte

maneira: o cidadão produz um estímulo - chamado de acionamento – à Justiça, que é a faceta

jurisdicional do Estado, e a Justiça responde ao cidadão com a respectiva prestação

jurisdicional. Isso está descrito na figura a seguir:

Figura 1 – Modelo de Atividade Processual

É importante observar que instituições como o Ministério Público também podem

fazer o papel do cidadão, funcionando como substitutos processuais ou como litigantes

principais nas ações coletivas. Mas, para os objetivos do presente artigo, o cidadão como

representante da sociedade (dos jurisdicionados) é suficientemente geral. Pode-se, desta

maneira, modelar a atividade processual como uma prestação de serviços por parte do Estado

diante do acionamento do cidadão.

Neste primeiro nível, a atividade processual parece ser extremamente simplificada,

sendo uma abstração da realidade. Deve-se, então, aumentar o nível de detalhamento para que

o modelo se aproxime cada vez mais da prática, que é por demais complexa.

José Carlos de Araújo Almeida Filho fornece este segundo nível de detalhamento da

existem nos manuais tradicionais de Economia não seja atingido instantaneamente e sem custos. Estes custos são os custos de transação. Para um aprofundamento do tema: SIMON, Herbert Alexander. A Behavioral Model of Rational Choice, Quarterly Journal of Economics, vol. 69:99-188, 1955. COASE, Ronald. Harry. The Nature of The Firm. Economica, New Series, V. 4, N. 16. (Nov., 1937), pp. 386-405. COASE, Ronald Harry. The Problem of Social Cost (1960) 3 Journal of Law and Economics. pp. 1-44. FURUBOTN, Erik Grundtvig, RICHTER, Rudolf. Institutions and Economic Theory – The Contribuition of the New Institutional Economics. University of Michigan Press. 2000.; entre outros.

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atividade processual, escrevendo que “com a citação válida, forma-se a relação jurídico-

processual, formando-se a triangulação denominada trium actum personarum, ou seja, o

autor requer ao Estado que este cumpra sua função jurisdicional, chamando o réu ao

processo.”(2010:94)

A figura 2 correspondente à relação jurisdicional acima descrita encontra-se a seguir:

Figura 2 – Trium Actum Personarum

Observa-se, neste nível, que existem basicamente três atores envolvidos na atividade

processual: o Autor, o Réu e o Estado Juiz. Estes atores tem que se comunicar de maneira a

dar andamento ao processo. Pela figura acima, pode-se notar que esta comunicação não

acontece de maneira desorganizada, mas segundo um rito insculpido doutrinariamente,

nomeado Teoria Angular. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior se é certo que o processo vincula três pessoas – autor, réu e juiz -, não menos exato é que o órgão jurisdicional se coloca no plano superior do Poder do Estado e as partes se submetem à sua soberania. (...) Daí a teoria de Hellwig, hoje a mais aceita pelos modernos processualistas, segundo a qual relação processual tem a forma angular, estando os direitos e deveres processuais de cada parte voltados para o juiz. Os litigantes, dessa forma, não atingem um ao outro diretamente, mas apenas através de decisões do juiz.” (2001:262)

A figura correspondente à Teoria Angular encontra-se a seguir:

Figura 3 – Teoria Angular

A Teoria Angular é o último nível mais geral possível de detalhamento da atividade

processual. Um detalhamento além deste nível iria na direção de um estudo de caso, que não é

o objetivo deste artigo.

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2.2 Aborgadem econômica no processo judicial eletrônico

Economicamente, a atividade processual exibe duas fases bem distintas e que se

alternam: uma chamada de fase de produção processual e outra chamada de fase de transação

processual, que serão explicadas a seguir3.

2.2.1. Fases econômicas da atividade judicial

Na fase de produção processual a preponderância da atividade processual é a de

construção intelectual de conteúdos por parte do autor e do réu visando ao convencimento do

juiz. O que também é uma construção intelectual. Esta produção nada mais é que a

combinação e/ou transformação de insumos em bens e/ou serviços4, sendo que, neste caso, os

insumos utilizados, bem como os bens produzidos são bens de informação5.

Na fase de transação processual a preponderância é a do tráfego dos conteúdos

produzidos na fase de produção processual, que são (1) a petição, (2) a citação válida, (3) o

retorno ao juiz pelo réu (respostas: contestação, reconvenção ou exceção) e (4) o retorno ao

autor pelo juiz (réplica). Não há produção intelectual durante o tráfego dos conteúdos, ou

seja, acontece apenas, nas palavras de Oliver Williamson, a “transferência de um bem ou

serviço através de uma interface tecnologicamente separável. Um estágio de atividade

termina e outro começa.” (1985:1)

Essas duas fases estão ilustradas na figura a seguir, que apresenta a Teoria Angular

complementada por elementos da tria actum personarum e que sintetiza as fases de produção

e transação processuais: 3 Esta divisão baseia-se no critério descrito pelo professor Henrik Mathiesen na sua Enciclopédia de Governança Corporativa, Disponível em: <http://e.viaminvest.com/B11ResearchTraditions/TCE/Exhi_1DecomposeTC.asp>. Acesso em: 19 nov .2010. Também explorado por Stiglitz em sua obra sobre custos de racionalização da economia política citada nas referências ao final deste artigo. 4 Leia-se por todos sobre a transformação de bens em serviços em PINDICK, Robert S., RUBINFELD, Daniel L.. Microeconomia. 6 ed. Trad. Professor Eleutério Prado. Londres: Pearson-Prentice Hall, 2006. 5 O processo é um bem de informação, ou seja, um produto de uma ação humana que tem um custo para ser apresentado ao mundo real, e tem por função retratar os atos ocorridos no processo. Veja-se a respeito em SHAPIRO, Carl, VARIAN, Hal R. Economia da Informação – Como os princípios econômicos se aplicam à era da internet. 6. ed. Trad. Ricardo Inojosa. Rio de Janeiro: Campus,1999.

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Figura 4 – Produção e Transação Processuais (Teoria Triangular + Tria Actum Personarum)

Pela figura, nota-se que os fluxos de informações existentes entre os atores do

processo ganharam nome e já denotam a informação que conduzem. Com o uso intenso de

computadores pelo Poder Judiciário, pelas partes, e com a modernização da comunicação

entre estes computadores, cada vez mais a fase de transação processual foi transferida aos

computadores e ao meio de comunicação entre eles. Consequentemente, os fluxos

aumentaram muito e a estrutura computacional teve de ser legalmente disciplinada. É

justamente isso que a Lei 11.419/2006, que regulamentou o Processo Judicial Eletrônico

(PJe), veio fazer, como pode ser visto no objetivo da lei, transcrito a seguir:

Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências.”

O caput do artigo 1º da Lei 11.419/2006 é ainda mais claro:

Art. 1o O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. (grifos nossos)

2.2.2. Custos da atividade processual

Como o modelo apresentado decompõe a atividade processual em produção processual

e transação processual, o custo total da atividade processual vai ser a soma dos custos de

produção processuais com a soma dos custos de transação processuais. Como os custos de

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produção processuais, isto é, das atividades intelectuais dos atores processuais que são o

Autor, o Réu e o Juiz são, em geral, fixos e conhecidos (honorários mínimos advocatícios são

tabelados pela OAB e as custas e emolumentos judiciais são fixados em tabela da

Corregedoria Geral de Justiça, por exemplo), resta diminuir os custos de transação

processuais.

Uma primeira materialização, muito simples, deste último modelo em direção ao

cotidiano da Justiça já exibe alguns custos materiais e imateriais, como a seguir:

Custos materiais:

(1) Custo do transporte de ida e volta do autor e do réu ao fórum, onde se encontra o juiz;

(2) Tempo utilizado nas filas de entrada dos protocolos gerais (PROGER);

(3) Custo do material (papel, tinta etc...) utilizados na confecção dos documentos que

tramitam;

(4) Custo das cópias e autenticações de documentos (papel e custos cartoriais);

(5) Custo do material (papel, tinta etc...) utilizado na confecção dos autos;

(6) Custo do espaço utilizado nas varas para armazenagem dos autos;

(7) Outros custos tais como o custo da energia elétrica consumida para movimentar o

fórum etc.

Custos imateriais:

(1) Custo de conversão de dados de bases de dados diferentes de tribunal para tribunal;

(2) Custo do treinamento do pessoal em diferentes sistemas pela falta de padronização;

(3) Custo de treinamento de pessoal dos cartórios e dos advogados, promotores,

defensores e juízes para manuseio do processo judicial eletrônico etc.

Boa parte destes custos pode ser minimizada, ou mesmo eliminada, utilizando-se o

processo eletrônico. A seguir Será apresentado um modelo de ambiente do processo

eletrônico, segundo a Lei 11.419/2006.

3. MATERIALIZANDO MODELOS: AMBIENTE DO PROCESSO ELETRÔNICO

A lei 11.419/2006 regula a atividade processual ligada à transação processual. Nem

poderia ser diferente já que, como descrito anteriormente, a produção processual é ligada ao

trabalho intelectual dos atores processuais. Tomando por base o descrito nesta lei, pode-se

descrever uma estrutura básica do ambiente do processo eletrônico como na figura abaixo:

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Figura 4 – Modelo de ambiente do processo eletrônico segundo a Lei 11.419/2006

Explicando brevemente a figura, o autor, o réu e o juiz vão se comunicar via

programas de computador que pedem serviços computacionais (software-cliente na figura)

que interagem com outros programas de computador que prestam serviços computacionais

(software-servidores na figura) através de meios de comunicação (*Net na figura). Os

software-servidores também deverão ser comunicar com outros software que permitam, por

exemplo, acesso a bases de dados. Todos esses que trabalham do lado da prestação de serviço

deverão ser mantidos por profissionais de Informática/Tecnologia da Informação que

trabalham para a Justiça.

3.1. Sobre software e interação

Pode-se facilmente observar que a necessidade do uso de software, tanto do lado dos

tomadores de serviços jurisdicionais (autor e réu) quanto do lado do prestador (juiz) vai levar

a uma profusão de software e de interação entre eles muito grande. Estas duas palavras-chave,

quais sejam, software e interação levam diretamente ao caput artigo 14 da lei 11.419/2006,

transcrito a seguir e ao qual se restringirá a economia processual buscada neste texto:

Art. 14. Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.” (grifos nossos)

3.1.1. Uso de código aberto e de software livre

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O primeiro ponto a ser explicado aqui é a expressão usada na lei “programas com

código aberto“. Só uma discussão em torno desta expressão, que foi uma tradução da

expressão inglesa open source, já seria suficiente para, pelo menos, mais um artigo. Para os

fins a que este artigo se destina e do ponto de vista prático, citando o antropólogo Eric S.

Raymond, “open source is a marketing program for free software6”, ou seja, código-aberto e

software livre podem ser considerados o mesmo objeto7.

Software livre são programas de computador, softwares, que são facilmente legíveis e

inteligíveis pelo ser humano, modificáveis, executáveis para qualquer propósito e

compartilháveis, isto é, livremente distribuíveis, ou seja, que estão de acordo com as quatro

liberdades enumeradas abaixo pela Free Software Foundation8:

A liberdade para executar o programa, para qualquer propósito (liberdade nº 0);

A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas

necessidades (liberdade nº 1). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade;

A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo

(liberdade nº 2);

A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo

que toda a comunidade se beneficie (liberdade nº 3). Acesso ao código-fonte é um pré-

requisito para esta liberdade.

O licenciamento de software livre é gratuito, ou seja, seu custo é zero. E para os

software livres licenciados pela GPLv29 ainda existe o parecer de que esta licença, de origem

norte-americana, tem validade jurídica para a Administração Pública no Brasil10

Além disso, no caso do software livre não existem mecanismos de monitoramento

constante de acessos aos software-servidores com objetivo de auditoria de cumprimento de

contratos, ou seja, não há desperdício de processamento. Também não há licenças de acesso.11

6 Numa tradução livre: “códigos-abertos são uma programa de marketing para o software livre”. A

explicação disso está no fato de que software livre é uma expressão usada pela academia e que afugenta o mercado, pois a palavra livre tem a conotação de grátis, sem preço. Códigos-abertos é uma expressão mais voltada para o mercado, pois não provoca a mesma reação.

7 Esta generalização já foi utilizada por Marcus Vinicius Brandão Soares nos seus comentários ao art 14 da lei 11.419/2006. Vide a obra José Eduardo de Resende Chaves Júnior (Coordenador) . Comentários à lei do processo eletrônico. São Paulo: LTR, 2010, pp. 139-142.

8 Tradução livre da página da Free Software Foundation: http://www.fsf.org/licensing/essays/free-sw.html

9 Sigla de General Public License version 2. 10 Leia-se a respeito em FERRAZ JR, Tércio Sampaio, LEMOS, Ronaldo e FALCÃO, Joaquim. Direito do software livre e a administração pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 11 Em alguns softwares proprietários (Microsoft, Apple e Oracle), notadamente os que são software

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3.1.2. Padronização da interação

O segundo ponto diz respeito à padronização. Neste caso, a padronização será restrita

à interação, que pode acontecer basicamente de três maneiras: (1) entre usuários finais

humanos e programas de computador; (2) entre os próprios programas de computador; e (3)

entre programas de computador e bases de dados.

No caso da interação entre usuários finais e programas de computador, o usuário final

deve, na medida do possível, ser envolvido no processo de construção da interface, pois se

isso não acontecer, a probabilidade dos programas de computador serem enxergados mais

como empecilhos do que como aliados é muito alta.12 Além disso, é altamente recomendável

que a interface dos programas que interagem com o usuário final seja muito similar em

qualquer lugar para onde este usuário se desloque, pois assim o custo do treinamento em uma

nova interface humano-computador é minimizado e as chances de uso frequente e produtivo

do programa aumentam consideravelmente13.

No caso da interação entre os próprios programas de computador, se os dados

necessitarem de qualquer tipo de conversão, isso vai gerar mais um custo computacional que

vai se refletir em uma maior demora no fluxo dos dados, além de, obviamente, usar mais

CPU, pois não mais haverá uma simples transação, mas também produção, pois os dados

terão de ser transformados para serem compatibilizados entre os dois programas.

No caso da interação entre os programas e as bases de dados, como o trabalho no

servidores, existem mecanismos para monitoramento do número de acessos ao software e o comparam com o número de licenças de acesso adquiridas pelo usuários para fins de auditoria. Estes mecanismos de monitoramento usam o poder de computação do usuário em proveito do licenciador e não deste último. Para maior aprofundamento, ver BRANDÃO SOARES, Marcus Vinicius. Reducing Transaction Costs with GLW Infrastructure. pp. 240-254. In St.AMANT, Kirk, STILL, Brian. Handbook of research on open source – technological, political and social perspectives. London: Idea Group Publishing. 2007. Ver também BRANDÃO SOARES, Marcus Vinicius. Reducing Transaction Costs in Information Infrastructures using FLOSS Disponível em <http://131.193.153.231/www/issues/issue9_11/soares/index.html>. Acesso em: 01 dez. 2010.

12 Veja-se, por exemplo, o que vem informado em recente relatório da OAB Nacional (OAB apresenta relatório sobre uso do PJe – obtido em www.oab.org.br/noticia/relatório , acessado em 10.03.2013) sobre os problemas que vem sendo enfrentados por advogados, no manuseio do PJe, quando da distribuição de petições mais longas (mais de 5 páginas) ou de anexos (documentos, fotos, vídeos etc.).

13 Para uma maior aprofundamento no assunto, ver as obras HECKEL, Paul. Software amigável – técnicas de projeto de interface para uma melhor interface com o usuário. Rio de Janeiro, RJ: Campus. 1993; LAUREL, Brenda. The art of human-computer interface design. 5 ed. Massachussets: Addison Wesley, 1995; SOUZA, Clarisse Sieckenius, LEITE, Jair Cavalcanti, PRATES, Raquel Oliveiras, BARBOSA, Simone. Projeto de interfaces de usuário: perspectivas cognitivas e semióticas. Jornada de Atualização em Informática (JAI), Congresso da SBC, 1999. Disponível em http://doutorlinux/CIDE4/arquivos/apostilaInterfaces.pdf. Acesso em: 25 nov. 2010.

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Poder Judiciário é orientado a fluxos e, consequentemente, a entradas e saídas, podem ocorrer

problemas da mesma maneira que ocorrem no caso da interação de programas do programas:

a necessidade de qualquer tipo de conversão vai ocasionar maior uso de CPU (produção,

como já descrito antes), maior demora no fluxo dos dados e, com isso, maior gasto de tempo.

Ou seja, o ciclo se fecha na ineficiência da prestação jurisdicional.

Uma das grandes vantagens da padronização da interação é a chamada economia de

redes14. A economia de redes faz com que um padrão que é utilizado por vários usuários

agregue valor ao sistema onde é usado em escala geométrica, a chamada Lei de Metcalfe, que

diz, segundo Hal Varian e Carl Shapiro (1999:184), que “o valor de uma rede cresce com o

quadrado do número de usuários”15. No caso específico do processo eletrônico, diante de

uma base instalada16, o incremento de computadores, software e usuários que utilizem padrões

já adotados pela base agrega valor à base como um todo, contribuindo para a economicidade

do processo eletrônico.

4. A EFICIÊNCIA DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO E O ACESSO À

JUSTIÇA

Dando sequência ao presente artigo, após a análise de como se estrutura em termos de

prestação de serviços o PJe e como são utilizados os recursos econômicos para a sua

obtenção, com redução dos seus custos de transação e implantação, passa-se agora ao estudo

de como pode haver um custo social extremamente importante na efetivação do PJe, ainda

que se garanta a eficiência da prestação jurisdicional.

4.1 O que é mesmo eficiência em termos de processo judicial eletrônico?

14 Veja-se a respeito em ECONOMIDES, Nicholas. The economics of networks. International journal

of industrial organization vol. 14, no. 2 (March 1996) 15 Tradução livre de “the value of a Network goes up as the square of the number of the users”. 16 Base instalada é o estado atual de uma determinada infraestrutura de informações. Uma

infraestrutura de informações é “uma base instalada heterogênea, padronizada, aberta, que evolui e que é compartilhada”. Tradução livre de “An [information] infrastructure is a shared, evolving, open, standadized, and heterogeneous installed base.” (HANSETH, Ole. From Systems and Tools to Networks and Infrastructures – From Design to Cultivation. Towards a Theory of ICT Solutions and its Design Methodology Implications.) Disponível em http://heim.ifi.uio.no/~oleha/Publications/ib_ISR_3rd_resubm2.html>. Acesso em: 29 nov. 2010.

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Já se falou em capítulo anterior sobre o que significaria um programa de dados

eficiente (software) para a consecução da prestação jurisdicional. Neste item, entretanto,

deve-se analisar pela prática dos tribunais com a instalação do PJe o que de fato se deve tomar

por eficiência.

Flávio Galdino (2005:199-201), citando os ensinamentos de Cass Sunstein e Stephen

Holmes17, na importante obra The Cost of Rights18, partindo de uma formulação de Análise

Econômica do Direito (AED), informa que existe uma estreita relação entre o custo da

implementação de um direito (eficiência na prestação jurisdicional) e a sua significação social

(facilitação do acesso à justiça). Logo, não é de se espantar que ao implementar o PJe nos

tribunais brasileiros, em que pese a excelente perspectiva de melhoria na eficiência

administrativa das ações e na celeridade da prestação jurisdicional, alguns percalços quanto ao

acesso à justiça de populações mais carentes de recursos e de informação (geralmente

representadas pelos defensores públicos) vão aparecer.

Tal situação está evidente nos recentes relatórios apresentados por inúmeros

advogados e defensores de comarcas mais distantes dos grandes centros, especialmente em

relação às dificuldades materiais de acesso à internet e às novas tecnologias da informação.

Cite-se, por exemplo, o ocorrido no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região – Rio de

Janeiro – que entrou em colapso no ano de 2011, quando sua plataforma de dados migrou para

o novo PJe, porém numa modalidade de programação de acesso com tamanho nível de

segurança que praticamente inviabilizava a que advogados e defensores peticionassem.19

Ainda que se trate de um direito constitucional fundamental, o de acesso à justiça

(artigo 5º, XXXV CF/88), todas as vezes que se sofra lesão ou ameaça de lesão a direito, nem

sempre este acesso estaria garantido se os operadores do direito, advogados, defensores,

promotores e juízes, não estiverem aptos ao manuseio do PJe, seja pela falta de informação

segura sobre como acessá-lo, seja pelas dificuldades materiais de acesso, especialmente no

interior dos estados (falta de banda larga, falta de computadores, falta de treinamento etc.).

Assim, fica evidente que a prometida “eficiência” do processo com o PJe fica

comprometida, e com ela também o acesso à justiça, se tais dificuldades não forem

contornadas. Ou seja, o custo social da implantação do PJe não pode ser tanto que inviabilize

o seu verdadeiro e mais ínsito propósito: o de facilitar e acelerar o acesso à justiça e a solução

de conflitos. 17Ambos professores de Política Econômica do Departamento de Ciência Política, um da Universidade de Chicago e o segundo da Faculdade de Direito de Princeton na Universidade de Nova Iorque. 18 Cambridge University Press, 1999. 19 O caso foi narrado na edição do jornal Tribuna do Advogado, edição de fevereiro de 2012.

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Por outro lado, até por uma questão ambiental, não se deve permitir o velho discurso

do retorno ao processo em papel e suas mazelas (dificuldades de armazenamento, manuseio,

conservação e transporte). De fato, o papel não faz falta. O que falta é que os dados e

equipamentos eletrônicos e de mídia para a realização do munus processualis esteja

disponível para todos e em igualdade de condições. Do contrário, até mesmo formalmente,

vai-se negar o princípio da justiça distributiva (todos são iguais perante a lei). Nem tão iguais

são se não tem condições iguais de defenderem seus direitos no Judiciário.

4.2 Caminhando para o futuro no processo judicial eletrônico

É fato que o PJe é uma realidade em várias cidades e que veio para ficar. Logo, o que

se deve ter é uma perspectiva real de como contornar as dificuldades enfrentadas inicialmente.

E aí vai-se para a perspectiva de onde tudo começa: na sala de aula da graduação e nos cursos

de pós-graduação.

Levantando-se a grade curricular dos diversos cursos de Graduação em Direito no

país, observa-se que em menos de 10% há a presença de qualquer disciplina alusiva ao

processo judicial eletrônico20 e, quando há, em sua maioria são disciplinas eletivas (optativas).

Ou seja, os alunos de graduação em Direito continuam aprendendo o processo como no papel

e não como na vida real, ou melhor, virtual com a qual terão que conviver.

Nos cursos de pós-graduação, a realidade não é tão diferente; tendo apenas algumas

universidades, como a pioneira Universidade Federal de Santa Catarina, curso específico

sobre Processo Eletrônico para formar professores e pesquisadores na área de atuação.21Ora,

se nem a pesquisa está voltada para a matéria, como seria possível se pensar em formar novos

disseminadores que irão atuar como multiplicadores do conhecimento do manuseio real do

processo eletrônico, apresentando críticas e fomentando seu aprimoramento, bem como

reconhecendo suas falhas e tentando contorná-las para um futuro mais eficiente?

Mais: como se pode conceber, já no ano de 2013, em que o Brasil investe numa

internacionalização de sua influência, que ainda não se esteja adaptado ao processo eletrônico,

quando em todos os países desenvolvidos tal já é realidade desde pelo menos meados a final

do século XX?

Fato é que, infelizmente, dado ao despreparo para se lidar com essa nova realidade que

20 Informação obtida junto ao endereço eletrônica do Ministério da Educação na parte relativa a cursos de

graduação oficiais e bases de dados (www.mec.gov.br). Acesso em 12.03.2013. 21 Vide www.mec.gov.br e www.capes.gov.br. Acesso em 12.03.2013.

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se nos apresenta no dia a dia do foro, até mesmo para se aprovar o projeto de reforma do

Código de Processo Civil para adaptá-lo à nova realidade do PJe, há que se ter cautela para

não inviabilizar sua própria aprovação.

5. CONCLUSÃO

Este artigo mostrou como rumar em direção ao cumprimento do princípio processual

da economia e constitucional da eficiência utilizando o que é preconizado pela Lei do

Processo Eletrônico para economizar em determinados custos e promover uma maior

celeridade na prestação jurisdicional. A atividade processual foi modelada como uma

prestação de serviços usual e o desdobramento dos modelos – analítico e econômico - foi

utilizado para a decomposição da prestação em duas espécies de custos: de produção e de

transação. Como os custos de produção são fixos, restou economizar nos custos de transação.

Usando o artigo 14 da lei do PJe como apoio, procurou-se mostrar dois fatores nos quais a

economia em custos de transação pode ser obtida: usando software livre e padronizando

interações.

Por outro lado, também ficou evidente que o uso das novas tecnologias da informação,

ainda que com propósitos constitucionais e administrativos de tornar mais eficiente e célere a

prestação jurisdicional, não pode negar o custo social que a ele se vincula, tais como o não

acesso à justiça em locais onde a telecomunicação ainda não evoluiu ao ponto de poder

promover um acesso igual a todos, pobres e ricos, ao processo judicial.

Finalmente, uma perspectiva futura de solução deste verdadeiro trade-off passa

necessariamente pela adequação dos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação em

Ciências Jurídicas das universidades para evitar que o futuro operador do Direito complete

seu curso e descubra que nada sabe para operacionalizar o processo eletrônico. Aliás, numa

perspectiva de disseminação da cultura do processo judicial eletrônico, a reformulação de tais

currículos poderia vir alicerçada na política pública de expansão das universidades públicas

para o interior do país (REUNI II) como solução, por exemplo, para a carência material dessas

comunidades, garantindo, portanto, o verdadeiro acesso à justiça social e jurídica.

6. REFERÊNCIAS

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PLANEJAMENTO ENERGÉTICO E ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL COMO

DESAFIOS DO DIREITO E DA ECONOMIA PARA O DESENVOLVIMENTO

ENERGY PLANNING AND INSTITUTIONAL ORGANIZATION

AS CHALLENGES OF LAW AND ECONOMICS FOR DEVELOPMENT

José Osório do Nascimento Neto∗∗∗∗

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Direito ao desenvolvimento e Economia nos 25 anos da Constituição cidadã; 3. Planejamento energético nacional: ações determinantes e orientações indicativas para o desenvolvimento; 4. Análise crítica institucional do setor energético brasileiro: um aprofundamento necessário ao debate; 5. Planejamento e ações institucionais a partir do Direito Econômico da energia: reflexões necessárias para a atualidade; 6. Considerações finais; Referências.

RESUMO

Sob a ótica do Direito Econômico, a presente pesquisa acadêmica tem por objetivo fornecer, de uma forma descritivo-interpretativa, uma visão multidisciplinar do planejamento energético e da organização institucional em análise como desafios do Direito e da Economia, no contexto do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental e constituído da República Federativa do Brasil. Para tanto, preliminarmente, serão abordados os aspectos gerais dos conceitos de planejamento e suas respectivas variantes, aliadas aos fundamentos jurídicos e econômicos, a partir de onde se pode estabelecer a relação entre o chamado planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Num segundo momento, parte-se para o estudo da organização institucional também dentro do setor energético, sendo fundamental o conhecimento de sua estrutura, cuja dinâmica de funcionamento impacta diretamente sobre as intensas análises e abordagens dos institutos do Direito Econômico da Energia, em especial, produção, circulação e consumo energéticos. Neste contexto, são analisados os instrumentos legais de incentivo energético, que dispõem sobre a Economia da Energia (modelos institucionais e de investimentos setoriais); e, sobre a Tecnologia da Energia (uso eficiente de energia e fontes alternativas), ambas pautadas pela referencia da sustentabilidade, fundamental ao desenvolvimento como objetivo da República Federativa do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: PLANEJAMENTO ENERGÉTICO; ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL; DIREITO E ECONOMIA; DESENVOLVIMENTO.

∗ Professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) e da Faculdade Cenecista de Campo Largo. Doutorando e Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Contemporâneo com ênfase em Direito Público pela Universidade Candido Mendes. Graduado em Direito também pela PUCPR. Realizou aperfeiçoamento de EaD Docência: Metodologia do Ensino Superior e Metodologia de Pesquisa Científica, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Membro da Comissão de Direito da Infraestrutura e Estudo das concessões públicas – OAB/PR. Membro da Associação Paranaense de Direito e Economia – ADEPAR. Advogado.

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ABSTRACT

From the perspective of Economic Law, this research aims to provide academic, in a descriptive and interpretative, a multidisciplinary view of energy planning and organizational challenges such as institutional analysis of Law and Economics, in the context of national development goal fundamental and consists of the Federative Republic of Brazil. For that, preliminarily, we discuss the general aspects of planning concepts and their variants, combined with the legal and economic grounds, from where one can establish the relation between the determinant called planning for the public sector and indicative for the private sector . Secondly, we start to study the institutional organization also within the energy sector, and fundamental knowledge of its structure, whose dynamic operating directly impacts on intense analysis and approaches Institutes of Energy Economic Law, in particular, production, circulation and consumption of energy. In this context, analyzes the legal instruments to encourage energy they have on the Economics of Energy (institutional models and sector investment) and on the Energy Technology (energy efficiency and alternative sources), both guided by the reference sustainability, fundamental development objective of the Federative Republic of Brazil.

KEY WORDS: ENERGY PLANNING; INSTITUTIONAL ORGANIZATION; LAW AND ECONOMICS; DEVELOPMENT.

1. INTRODUÇÃO

Existem, no País, poucos pontos de referência para o estudo do Planejamento

Energético e que tenham como objetivo principal coletar informações sobre tecnologias,

atividades e, especialmente, organização institucional do setor. O Ministério da Ciência e

Tecnologia (MCT), por exemplo, tem sido um dos principais organizadores desses centros e

vários possuem atividades financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq), pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), pela

Caixa Econômica Federal (CEF), pelo Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento

(LACTEC) e, mais recentemente, pelos Fundos Setoriais – CT-Energ, dentre outros.

Sob a ótica do Direito e da Economia, o método e forma de abordagem deste

tipo de questão constituem um conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com maior

segurança e economia, permitem alcançar o objetivo dos conhecimentos válidos, trançando-

se, por conseguinte, o caminho a ser seguido pelos principais institutos do Direito Econômico,

especial, o da Energia, assim, traduzidos pelas seguintes palavras: produção, circulação e

consumo energéticos.

Em outras palavras, a forma de abordagem pode ser não apenas quantitativa,

como também qualitativa. Explica-se: por contribuir para a descrição da complexidade dos

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fenômenos institucionais, assim explicados – pela relação entre Direito e Economia; e, pelos

impactos das modelagens determinantes do setor público e indicativas do setor privado, como

instrumentos jurídicos constitucionais, sempre no âmbito do planejamento energético

brasileiro –, esta abordagem capacita o pesquisador a compreender e analisar os processos

dinâmicos, mediante a interação entre os componentes envolvidos no contexto da pesquisa,

todos focados na busca e no possível cumprimento de um dos objetivos da República

Federativa do Brasil: o desenvolvimento nacional.

Assim, a proposta deste estudo acadêmico, alcançando a qualidade de

orientações teórico-empíricas necessárias, poderá se tornar não apenas uma contribuição para

o avanço do conhecimento científico no campo do planejamento energético, como, também,

uma crítica construtiva necessária ao debate da organização institucional setorial, a partir

importante relação entre o Direito e a Economia.

2. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E ECONOMIA NOS 25 ANOS DA

CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

O desenvolvimento é um conceito incutido no pensamento ocidental que é

tomado quase como uma lei da natureza. O desenvolvimento tradicional usa recursos

humanos e financeiros, a infraestrutura e os recursos naturais, compromissado com a ideia de

lucro gerador do progresso. Assim, quando surgiu o interesse pela medição do nível de

desenvolvimento, colocou-se desde logo a questão de como avaliar os padrões atingidos pelos

diversos países e de como acompanhar os seus progressos ou eventuais regressos. Para tanto,

os economistas já dispunham do conceito de Produto Interno Bruno (PIB), um agregado

estatístico, cuja função é quantificar a totalidade ou o conjunto de todos os bens e serviços

disponibilizados aos habitantes de um dado país ou região em certo período de tempo,

normalmente um ano (NUSDEO, 2002, p. 14).

Em razão da grande divergência a respeito do termo desenvolvimento, surgem

basicamente duas correntes doutrinárias. A primeira defende que o termo significa

crescimento econômico, numa relação proporcional em que quanto maior este maior aquele.

A segunda propõe uma noção muito mais ampla e complexa, ao sustentar que o

desenvolvimento deve refletir-se na sociedade em geral com uma interface em relação a temas

como proteção ao meio ambiente, direitos humanos, sustentabilidade e redistribuição da

justiça, todos pautados pela compreensão do direito ao desenvolvimento.

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Da mesma forma, mas sob outra perspectiva de referencia, Amartya Sen (2010,

p. 16) afirma que o desenvolvimento é uma forma ou medida da expressão da liberdade. Ele

crítica a corrente que coloca em relevo apenas o aspecto do crescimento econômico, por

entender que ela representa uma visão curta da expressão que possui maior significado, na

medida em que o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), embora importante para

medir o aumento da renda, a industrialização e o avanço da tecnologia, de outro deve servir

para verificar se ele veio acompanhamento do aumento das liberdades como, por exemplo,

maior acesso à educação e saúde.

De fato, com o advento da Constituição brasileira de 1988, símbolo do

processo de redemocratização político-social brasileira, a ordem econômica passou a merecer

um novo tratamento, mais consentâneo com a reafirmação dos direitos fundamentais dos

cidadãos (PINTO; VIVA, 2003, p. 6), reforçando-se, nestes 25 anos, a ideia de que para a

defesa dos comandos constitucionais de dignidade da pessoa humana, da busca da igualdade

social, da livre iniciativa, da função social da empresa e da soberania econômica, há, também,

uma necessidade do planejamento para garantir a efetivação da Constituição brasileira de

1988, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

3. PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NACIONAL: AÇÕES DETERMINANTES E

ORIENTAÇÕES INDICATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina a

obrigação da função de planejamento para o Estado, em seu artigo 174, caput, ao estabelecer

que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma

da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o

setor público e indicativo para o setor privado”. O Estado brasileiro, portanto, não pode se

limitar a fiscalizar1 e incentivar os agentes econômicos privados. Deve também planejar.

(BERCOVICI, 2006, p. 153).

O modelo de planejamento previsto na Constituição de 1988 visa à instituição

de um sistema de planejamento com grande participação do Poder Legislativo e vinculação do

plano ao orçamento e os fins enunciados no texto constitucional. No texto constitucional,

1 “Fiscalizar” significa verificar se algo ocorre, sob a motivação de efetivamente fazer com que ocorra ou não, ou seja, prover a eficácia das normas produzidas e medidas encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica, dando concreção aos princípios que conformam a ordem econômica. Cf.: RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 304.

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estão estipuladas as bases para um planejamento democrático, com aumento da transparência

e controle sobre o gasto público, ao exigir coerência entre o gasto anual do governo e o

planejamento de médio e longo prazos. (BERCOVICI, 2003, p. 204-205), razão pela qual

pode se entender o Estado, por meio do planejamento, como o principal promotor do

desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do desenvolvimento, o Estado deve

ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funções e readequar seus órgãos e

estrutura.

A função de planejamento, então, diz respeito às diretrizes e metas que deverão

determinar a atuação do Estado na utilização dos recursos públicos e são consubstancializadas

através das leis orçamentárias instrumentalizadoras da despesa pública, projetando uma

expressão da vontade do Estado ao definir as suas diretrizes políticas determinadas

constitucionalmente (ELALI; PINHEIRO, 2012, p. 14).

O planejamento de energia, em especial, tem como objetivo promover a

utilização racional das diversas formas de energia existentes em um dado sistema energético,

otimizando o seu suprimento, conforme as políticas econômicas e socioambientais vigentes,

ambas em sintonia com a realidade dos outros sistemas que interagem com este setor. Tem-se,

portanto, o espaço geográfico do sistema energético, objeto de um planejamento, que encara,

em si mesmo, uma grande complexidade de numerosas disciplinas como a Engenharia, a

Economia, o Direito e as Ciências Sociais. (GONÇALVES, 2009, p. 50). A título de exemplo,

o negócio da energia movimenta quase 8% (oito por cento) do PNB no Brasil, e o

investimento em energia chegou a absorver, no início da década de 1980, quase 4% (quatro

por cento) do PNB, ou seja, praticamente um quinto do investimento nacional

(GOLDEMBERG; MOREIRA, 2005, p. 215-228).

A partir deste contexto, acredita-se que o direito fundamental à boa

administração estará a exigir, para alcançar sua plena potencialidade em favor da sociedade,

uma abertura de informações, uma confiança recíproca entre Estado planejador e sociedade,

que se traduzirá na explicitação das políticas públicas, e na abertura intelectual para debatê-las

à exaustão, de molde a extrair de cada qual, o máximo de aprendizado (VALLE , 2008, p. 87-

110). Assim, para a concretização sustentável do desenvolvimento como um dos objetivos da

República Federativa do Brasil, o planejamento energético traduz-se por um instrumento

jurídico e econômico, cuja gestão estratégica pode e deve compreender, entre outras

temáticas: a economia da energia, os modelos energéticos de produção e consumo, bem como

o fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) da energia, que serão trabalhos nos itens

abaixo deste trabalho.

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4. ANÁLISE CRÍTICA INSTITUCIONAL DO SETOR ENERGÉTICO

BRASILEIRO: UM APROFUNDAMENTO NECESSÁRIO AO DEBATE

O Direito “ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações entre

pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão, os efeitos sobre

a distribuição ou alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos

agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e

as Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional”

(ZYLBERSZTAJN; SZTAJN. 2005, p. 3).

Sobre este ambiente institucional e de gerenciamento de energia no Brasil, é

interessante lembrar que com o processo de privatização da indústria brasileira, iniciaram-se

as discussões sobre como a sociedade poderia exercer controle sobre os preços de energia, a

prioridade de investimentos, a qualidade de serviços e a preservação ambiental. A falta de

financiamentos de longo prazo apropriados é um outro ponto de entrave apontado. A aversão

dos financiadores ao risco é grande, pois as renováveis apresentam alto custo de produção, o

mercado ainda não está bem consolidado, a tecnologia muitas vezes não está difundida e a

escala de produção é reduzida. Por isso, torna-se importante superar algumas barreiras

políticas e legais, de forma que o financiador se sinta mais confortável em apoiar as fontes

alternativas de energia (COSTA, 2005, p. 21).

Assim, com relação à garantia de fortalecimento das Instituições, aliada ao

descarte de interferências políticas no setor energético, acredita-se num diálogo de qualidade

entre setor público, empresários e sociedade na questão da mudança das relações de consumo,

sendo necessário assumir o compromisso de proteção do direito ao desenvolvimento alinhado

às garantias de uma Constituição Cidadã.

A título de exemplo, o Plano Nacional de Consumo lançado pelo Governo

Federal, no dia 15 de março de 2013 , prevê uma série de ações, centradas na atuação de

órgãos do governo federal e na aprovação de uma lei de fortalecimento dos PROCONs

estaduais, cujas deliberações passarão a ter poder de execução semelhante ao de uma decisão

judicial. Além disso, o Plano cria também um observatório nacional para monitorar as

relações entre fornecedor e consumidor, composto por três comitês técnicos que trabalharão

pra reduzir os conflitos nos serviços regulados, aprimorar o atendimento aos turistas nacionais

e estrangeiros, melhorar o atendimento e criar indicadores de qualidade para o consumo.

Esses grupos terão a participação de ministérios e agências reguladoras, entre as quais a

ANEEL.

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5. PLANEJAMENTO E AÇÕES INSTITUCIONAIS A PARTIR DO DIREITO

ECONÔMICO DA ENERGIA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A

ATUALIDADE

A partir deste contexto, pode-se inferir como objetivos do planejamento com

estratégia e da modelagem organizacional de referencia energética: (i) o debate sobre o

processo de diagnose organizacional do setor; (ii) o conhecimento não apenas teórico, mas

também empírico sobre a análise de relevância como processo aplicado na decisão estratégica

organizacional da governança corporativa2; (iii) a discussão em torno da geração da estratégia

organizacional, capaz de avaliar a importância das influências do contexto cultural e político,

bem como mecanismos para dirigir necessárias mudanças no sistema energético; e, por fim,

(iv) entender o processo de planejamento e preparação das estratégias, com a respectiva

modelagem organizacional para a implementação e controle delas.

5.1. ECONOMIA DA ENERGIA: MODELOS INSTITUCIONAIS DE

FINANCIAMENTOS E DE INVESTIMENTOS NO SETOR

O estudo do planejamento e das ações institucionais da Economia da Energia

perpassa pelos modelos de investimentos nos sistemas de produção, enfatizando: (i) os

aspectos econômico, social e ambiental para o setor energético; (ii) políticas públicas de

fomento à Ciência, Tecnologia & Inovação (C,T&I); (iii) desenvolvimento de indústrias de

rede, capazes de alimentar o Sistema Integrado Nacional de Energia – SIN; (iv) geopolítica da

energia, decorrente do SIN, aproximando ambientes regionais, norte-sul/leste-oeste; e, (v)

política econômica tarifária e sua relação com o uso de bem público no meio ambiente.

Como modelo institucional energético, aliado ao estudo da Economia da

Energia, é importante ressaltar, também, as intensas análises e abordagens dos institutos do

Direito Econômico da Energia, em especial, produção, circulação e consumo energéticos. É

justamente neste contexto que se dá a avaliação do ciclo de vida das cadeias de processos

produtivos de energia intensivos, da otimização dos sistemas energéticos, bem como da

previsão de oferta e demanda.

2 Sobre “governança corporativa”, recomenda-se, entre outras sugestões, a leitura de: ROSSETI, José Paschoal; ANDRADE, Adriana. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

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Apenas a título exemplificativo, o Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômicos e Social (BNDES) espera no quatriênio 2013-2016 investimentos no valor de R$

166 bilhões no setor elétrico. O montante é 3,6% maior que os R$ 160 bilhões aplicados no

quatriênio 2008-2011, segundo o boletim "Perspectiva de Investimentos" divulgado no dia 04

de março de 2013. 3 O setor de infraestrutura, como um todo, deve receber no período R$ 489

bilhões, 36,2% mais que no período anterior. No total, o país deve receber investimentos R$

3,807 trilhões, 29% mais que entre 2008 e 2011. Portanto, nota-se que o setor energético será

o maior destino de investimentos da área de infraestrutura, de acordo com BNDES,

reforçando-se a ideia de grande responsabilidade sobre o seu planejamento e ações

institucionais.

Nos últimos 12 anos, o setor de energia eólica brasileiro recebeu investimentos

de US$ 14 bilhões.4 O montante equivale ao que está sendo empregado para construir a usina

hidrelétrica de Belo Monte. Deste total, R$ 5 bilhões, ou 35%, foram desembolsados pelo

BNDES. No dia 25 de fevereiro de 2013, em matéria divulgada pela Agência do Canal

Energia, o veículo setorial destacou que, segundo a chefe de pesquisa e análise para América

Latina da Bloomberg Energy Finance, Maria Gabriela da Rocha Oliveira:

o peso do BNDES sobre o setor eólica tem um lado positivo e outro negativo. Positivo porque tem ajudado a impulsionar o desenvolvimento do setor de energia eólica e renovável em geral, sendo o único país na América Latina com recursos próprios suficientes para impulsionar políticas de incentivo às energias renováveis. Ruim (...) é que a atuação do BNDES impede que outros bancos de desenvolvimento ativos na região ofereçam financiamento no país, como é o caso em outras partes da América Latina.5

Na mesma direção e logo na sequencia, no início de março de 2013, o Governo

Federal brasileiro também apresentou a potenciais investidores, em Nova Iorque (EUA), as

perspectivas de investimentos no setor de infraestrutura no Brasil para os próximos anos. No

setor, foram destacados os projetos de geração e transmissão a serem licitados entre 2013 e

2017, que podem, se confirmados, gerar aportes de US$ 74,4 bilhões no país. No período, a

perspectiva é contratar 32.917 MW, que demandarão investimentos de US$ 60,5 bilhões. A

maior parte é formada por hidrelétricas, que somam 21.421 MW, com aporte previsto de US$

3 BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Perspectivas do investimento 2013. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/perspectivas_investimentos/boletim_perspectivas_2013C.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2013. 4 GESEL/UFRJ – Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. BNDES concentra 35% dos investimentos em eólicas no Brasil. Biblioteca virtual. Disponível em: <http://www.nuca.ie.ufrj.br/blogs/gesel-ufrj/index.php?/archives/33167-BNDES-concentra-35%25-dos-investimentos-em-eolicas-no-Brasil.html>. Acesso em: 10 mar. 2013. 5 Idem.

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40 bilhões. As fontes complementares – eólica, biomassa e PCHs (Pequenas Centrais

Hidrelétricas) – formarão um portfólio de 10.050 MW, o que resultará em investimentos de

US$ 19 bilhões. Poderão ser contratados ainda 1,5 mil MW em térmicas a gás natural, que

demandarão aporte de US$ 1,5 bilhão6.

Em síntese, é importante notar, entre outros aspectos econômicos que a

perspectiva de planejamento do BNDES está em linha com a divulgada também pelo Governo

Federal, no que diz respeito aos investimentos no uso eficiente das fontes alternativas de

energia.

5.2. TECNOLOGIA DA ENERGIA: O USO EFICIENTE DE ENERGIA E AS

FONTES ALTERNATIVAS

As fontes “alternativas” refere-sem, em geral, àquelas formas de energia fora

do padrão dominante, distintas das ligadas aos combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás

natural e urânio), sem indicar, necessariamente, que serão renováveis; afinal, há combustíveis

fósseis alternativos, como o xisto, o gás de carvão, a turfa e as areias oleosas. Além disso,

uma energia alternativa, quando não renovável, pode ter tantos problemas quanto as

tradicionais. São os casos do xisto betuminoso, das areias oleosas e dos combustíveis

sintéticos a partir de carvão e do gás natural, que são combustíveis fósseis, porém, pouco

utilizados. (SIMIONI, 2006, p. 92).

Assim, o estudo do planejamento e das ações institucionais da Tecnologia da

Energia, por sua vez, perpassa por questões do Meio Ambiente, como o uso eficiente de

energia e suas respectivas fontes alternativas, mudanças climáticas7, avaliação e risco de

impactos ambientais da sua respectiva atividade econômica.

Sabe-se que a Economia é considerada a ciência da escolha racional, ao passo

que o Direito é impulsionado por valores morais e culturais de uma determinada sociedade.

Sob este aspecto, é necessário levar-se em consideração estímulos e incentivos de diferentes

esferas, entre os quais o do Meio Ambiente, que ganha destaque por meio do caput do art. 225

6 ABEEOLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica. Governo quer atrair investimentos de US$ 74,4 bilhões para o setor até 2017. Disponível em: <http://www.abeeolica.org.br/index.php/noticias/271-governo-quer-atrair-investimentos-de-us$-74,4-bilh%C3%B5es-para-o-setor-at%C3%A9-2017.html>. Acesso em: 15 mar. 2013. 7 Sobre o impacto da energia sobre “mudanças climáticas”, sugere-se, entre outras leituras: NASCIMENTO NETO, José Osório do; FERREIRA, Heline Sivini; GONÇALVES, Ana Paula Rengel. Mudanças climáticas, etanol e sustentabilidade: a queima da palha da cana-açúcar em debate. In: SILVA, Solange Teles da; LEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Sandra Veronica. (Org.). Mudança do clima: desafios jurídicos, econômicos e socioambientais. São Paulo: Fiuza, 2011, v. 2, p. 160-180.

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da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual “todos têm direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Em outras palavras, torna-se necessária uma política deliberada de

desenvolvimento, em que se garanta tanto o desenvolvimento econômico como o social que,

apesar de interdependentes, não existem um sem o outro. O desenvolvimento só pode ocorrer

com a transformação das estruturas sociais, o que faz com que o Estado desenvolvimentista

deva ser um Estado mais capacitado e estruturado do que o Estado Social tradicional.

(BERCOVICI, 2005, p. 67). Isso significa dizer que, política ambiental vinculada a uma

política econômica, assentada nos pressupostos do desenvolvimento sustentável, é

essencialmente uma estratégia de risco destinada a minimizar a tensão potencial entre

desenvolvimento econômico e sustentabilidade ecológica (DERANI, 2008, p. 140).

Sob esta vertente, a concretização sustentável do desenvolvimento como um

dos objetivos da República Federativa do Brasil ganha também a sua respectiva projeção a

partir de um planejamento energético com qualidade. Afinal, trata-se de um instrumento não

apenas jurídico e econômico, capaz de definir políticas econômicas energéticas, mas, também,

de eficiência e eficácia em proteção ao meio ambiente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em resposta à problemática apresentada, podem ser extraídas algumas

conclusões articuladas, com as quais se pretende contribuir para o debate desse importante

tema da atualidade:

(i) o caráter diferencial do direito ao desenvolvimento, entre outros aspectos, se

concentra na singularidade do fenômeno da constitucionalização dos ordenamentos jurídicos

contemporâneos, promovido ante uma Constituição Cidadã que, nestes 25 anos, reforça seu

caráter principiológico, pautado pela defesa da dignidade da pessoa humana, da busca da

igualdade social, da livre iniciativa, da função social da empresa, da soberania econômica e,

também, do planejamento estatal;

(ii) este instituto do planejamento, determinante para o setor público; e, indicativo

para o setor privado, suporte do princípio do desenvolvimento nacional, decorre do caput do

art. 174 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, merecendo especial

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atenção ao ser analisado de forma setorial (não no sentido restrito da palavra, mas, sim, à

temática energética em debate);

(iii) o embasamento do planejamento energético, suporte do princípio do

desenvolvimento com sustentabilidade, decorre do caput do art. 225 da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de

vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para

as presentes e futuras gerações”;

(iv) ora, para a concretização sustentável do desenvolvimento como um dos

objetivos da República Federativa do Brasil, o planejamento energético traduz-se por um

instrumento jurídico e econômico, cuja gestão estratégica pode e deve compreender, entre

outras temáticas: (a) Economia da Energia, contendo modelos de investimentos nos sistemas

de produção e enfatizando os aspectos econômico, social e ambiental para o setor, políticas

públicas de fomento, indústrias de rede, geopolítica da energia e política econômica tarifária;

(b) Modelos energéticos de produção e consumo, baseados na avaliação do ciclo de vida das

cadeias de processos produtivos de energia intensivos, da otimização dos sistemas

energéticos, bem como da previsão de oferta e demanda; e, (c) Ciência e Tecnologia da

Energia, envolvendo questões do Meio Ambiente, como o uso eficiente de energia e suas

respectivas fontes alternativas, mudanças climáticas, avaliação e risco de impactos ambientais

da sua respectiva atividade econômica;

(v) sob uma perspectiva de leitura paralela e complementar, tem-se a análise

crítica da organização institucional do setor energético brasileiro, por ganhar contornos de

interesse público primário, merecendo, portanto, uma atenção mais rigorosa, em virtude das

consequências que ocasionam para o conjunto da sociedade e que reforçam o debate em torno

do direito ao desenvolvimento. Em outras palavras, não apenas a busca de um modelo de

investimento para o setor energético exige a investigação de uma arquitetura especial, cujo

domínio de conhecimento perpassa pela crítica acadêmica; mas, também, sua forma de gestão

e organização, que impactam diretamente nos padrões de controle, de monitoramento, de

zoneamento e de licenciamentos ambientais, sendo todos estes, exemplos de instrumentos

jurídicos para dar eficiência e efetividade ao desenvolvimento energético nacional;

(vi) no que diz respeito à existência de fundos setoriais de investimentos, como

representativos institucionais, por si somente, configura apenas a condição inicial necessária,

todavia mais que insuficiente para equacionar racionalmente o papel dos investimentos no

desenvolvimento nacional; sendo, justamente, nesse contexto, que se insere a importância de

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uma organização institucional setorial, necessária à construção harmônica de um

planejamento energético eficaz e condizente com o direito ao desenvolvimento;

(vii) por outro lado, a relação entre política econômica (nos ditames dos

investimentos público e privado) e o Meio Ambiente, em especial, no que diz respeito ao setor

energético, tem relação direta, entre outras modalidades, com: (a) as políticas de incentivos à

disseminação do uso das fontes renováveis; (b) a avaliação de impactos socioambientais, com

uso de metodologias apropriadas, decorrentes da implantação de sistemas de produção e de

consumo de energia; e, (c), formas de gestão com qualidade, governança corporativa e

auditorias no seguimento ambiental do setor, todos necessários à imposição do Poder Público

e de toda coletiva em defender e preservar o meio ambiente energético.

Em síntese, não apenas o planejamento energético, mas também a sua

organização institucional estão diretamente relacionados aos atuais desafios do Direito e da

Economia, em especial, no que diz respeito a um dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: garantir o desenvolvimento nacional, sempre alinhado às garantias

constitucionais de dignidade da pessoa humana, de uma sociedade livre, justa e solidária,

capaz de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

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POLÍTICA ECONÔMICA, CRISE E DEMOCRACIA: PROPOSTA DE UMA

ABORDAGEM PROCEDIMENTAL DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA

ECONOMIA

ECONOMIC POLICY, CRISIS AND DEMOCRACY: PROPOSAL FOR A

PROCEDURAL APPROACH TO STATE INTERVENTION IN ECONOMY

Marcelo Valença-Ramos1

RESUMO

O objetivo do presente artigo é defender o reconhecimento da política econômica como

uma das dimensões mais relevantes do processo político democrático para a partir disso

sugerir critérios que possam fundamentar uma abordagem procedimental da intervenção

do Estado na economia, em que seja reconhecido seu caráter cíclico, admitindo que a

definição da extensão e profundidade desta intervenção é matéria essencialmente

política, e não constitucional. Conclui-se que o entrincheiramento de decisões

econômicas na Constituição – sejam elas afeitas ao liberalismo econômico ou à

intervenção estatal – retira do debate político importantes instrumentos de política

econômica, limitando as possibilidades de que o Estado dispõe para combater crises

econômicas cada vez mais frequentes, o que pode, em última análise, significar um

maior risco de crises político-institucionais e uma ameaça à própria democracia.

Palavras-chave: Economia. Política. Estado. Intervenção. Crise. Democracia.

Procedimental.

ABSTRACT

This article aims to defend the acknowledgement of economic policy as one of the most

important dimensions of the democratic political process. It argues a procedural

approach to State intervention in economy, which acknowledges its cyclic character and

the fact that the extension and depth of such intervention is essentially a political, not a

1 Advogado no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito e Mestrando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

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constitutional matter. The conclusion is that the entrenchment of economic decisions in

the Constitution, whether they are liberal or interventionist, withdraws from the political

debate important economic policy tools which the State could use to combat ever more

frequent economic crises. The absence of such tools could lead to a higher risk of

political and institutional crises which may jeopardize democracy itself.

Keywords: Economy. Politics. State. Intervention. Crisis. Democracy. Procedural.

1. INTRODUÇÃO

É lugar comum entre muitos juristas brasileiros a ideia de que a economia

possui leis próprias que escapam ao controle do legislador e do processo democrático.

Assim como qualquer determinação do Estado sobre as leis da física seria

absolutamente inócua, o mesmo se sucederia em relação às leis da economia. Nesse

sentido, a tentativa normativa de limitação dos juros bancários máximos para proteger

os mutuários2 seria tão eficaz quanto uma delirante deliberação normativa que visasse

alterar a lei da gravidade, com o intuito de evitar quedas que possam machucar as

pessoas ou danificar seus bens. Assim como as águas de um rio caudaloso demais para

ser contido, as forças econômicas encontrariam curso próprio na sociedade, e seus

efeitos podem ser ainda mais danosos do que aqueles que o legislador quis evitar com

suas medidas. A referida limitação dos juros anuais, por exemplo, poderia acabar por

limitar a oferta de crédito na sociedade, prejudicando – muito mais do que favorecendo

– a coletividade3.

Esses juristas sustentam um modelo de organização econômica baseado no

livre funcionamento do mercado, no qual os atores econômicos são dotados de maior

liberdade de atuação, sujeita apenas a certas constrições básicas. A intervenção jurídica

2 Previsto na redação original do §3º do Art. 192 da Constituição de 1988 (revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003): “§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”

3 Estudo do Banco Central do Brasil apresentado na ADIn 4-7 (transcrita no corpo do voto do Min. Rel. Sidney Sanches), proposta pelo Partido Democrático Trabalhista contra a aprovação, pela Presidência da Repúbica, do Parecer SR-70, da Consultoria Geral da República. No mesmo sentido, MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tabelamento de Juros - Juros Reais e sua conformação jurídica. Revista de Direito Público, Vol. 88, p. 184.

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neste modelo de organização econômica se restringe às normas de direito privado4,

destinadas a organizar a manifestação e o encontro da vontade das partes.

Este visão decorre, em certa medida, da concepção das ciências econômicas

como o estudo comportamental dos indivíduos e instituições no que se refere à

produção e circulação de riquezas. As ciências econômicas refletiriam, assim, o

comportamento natural e intrínseco do homem quando inserido no jogo econômico, isto

é, nas relações sociais de produção e circulação dos bens necessários para sua

subsistência.

Também corrobora este entendimento a ideia de racionalidade econômica, pilar

da teoria clássica5, segundo a qual os indivíduos realizam escolhas econômicas

buscando sempre a maximização de sua utilidade. No entanto, a aceitação acrítica deste

conceito leva a graves distorções. Em vez de refletir uma concepção científica

imparcial, a polivalência do conceito de racionalidade econômica e sua expansão do

nível individual para uma racionalidade sistêmica da sociedade traz implícita consigo a

ideologia do liberalismo econômico, para a qual as intervenções do Estado na economia

devem – sob o risco de incorrer em irracionalidade – se ater ao mínimo necessário para

a garantia do regular funcionamento do sistema, mínimo este normalmente identificado

com a garantia da propriedade, da execução dos contratos e da segurança interna e

externa6. Neste sentido, a racionalidade mascara o fato de que a política econômica

muitas vezes busca a manutenção do status quo, o que se mostra particularmente grave

no caso de países em desenvolvimento.

Estes dois conceitos de racionalidade, a individual e a coletiva, ambos

sustentáculos científicos do liberalismo econômico clássico, foram desmistificados pela

mais moderna doutrina econômica com o desenvolvimento da teoria dos jogos e da

crítica à ideia de racionalidade. Autores como Amartya Sen7 demonstraram não existir o

axioma da racionalidade econômica em nenhum desses níveis; tratar-se-ia, na verdade,

de ficções que, em vez de explicar, embaralham o entendimento sobre o iter psicológico

que os agente econômicos percorrem na tomada de suas decisões acerca da produção e

circulação de riquezas.

4 OGUS, Anthony I. Regulation: Legal Form and Economic Theory. Oxford: Hart Publishing, 2004, p. 1. 5 MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. Trad. de Allan V. Hastings. São Paulo: Thompson

Learning, 2007, p.4. 6 POSNER, Richard. A. A Economia da Justiça. Trad. de Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF

Martins Fontes, 2010, p. 143. 7 SEN, Amartya. Rational fools: A Critique of the Behavioral Foundations of Economic Theory.

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Em contraposição a este modelo de livre funcionamento do mercado, outra

parte da doutrina vem desenvolvendo um olhar crítico sobre o papel do Estado

Brasileiro na economia. Para estes, a promoção dos direitos fundamentais garantidos na

Constituição e a superação da situação de subdesenvolvimento necessariamente

requerem um maior controle estatal dos atores e relações econômicas8. Esta visão

sustenta, portanto, um modelo de organização econômica que podemos chamar de

coletivista, em que cabe ao Estado dirigir ou encorajar o comportamento dos agentes

econômicos para alcançar objetivos que não seriam atingidos sem algum tipo de

intervenção9.

Em todas as sociedades industrializadas existe uma tensão entre estes dois

modelos de organização econômica, com os defensores do modelo de livre

funcionamento do mercado normalmente se situando à direita do espectro político, e os

do modelo coletivista, à esquerda10. Não obstante, as duas abordagens parecem ter uma

destacada característica comum: uma visão bastante apaixonada e abrangente da

interação entre os fenômenos econômicos e o papel do Estado, que frequentemente

assume contornos quase partidários nas discussões públicas sobre o papel da política

econômica, turvando a possibilidade de uma discussão realista, e menos ideológica11,

sobre o papel da política econômica no Estado democrático de direito.

Partindo do reconhecimento de que a “relação entre Estado e economia é

dialética, dinâmica e mutável, sempre variando segundo as contingências políticas,

ideológicas e econômicas”12, e de que a economia é um dos principais subsistemas da

sociedade por compreender as relações de produção e circulação dos escassos recursos

materiais necessários para a vida das pessoas, o objetivo do presente estudo é (i) afirmar

a política econômica como uma das dimensões mais relevantes do processo político

democrático e, a partir disso, (ii) indicar critérios que possam fundamentar uma

abordagem procedimental13 da intervenção do Estado na economia, em que os

8 BERCOVICI, Gilberto. Política Econômica e Direito Econômico. Revista da Fundação Brasileira de Direito Econômico, nº 3, p. 17-38. Disponível em < http://www.fbde.org.br/>, acesso em setembro de 2012.

9 OGUS, op. cit., p. 2. 10 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O caráter cíclico da intervenção estatal. Revista de Economia

Política, vol. 9, nº 3, julho-setembro 1989, p. 118; STIGLITZ, Joseph E. On the Economic Role of the State. In The Economic Role of the State. Arnold Heertje (ed.), Oxford: Basil Blackwell, 1989, p. 56-57.

11 BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 118. 12 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p.

202. 13 HABERMAS, Jürgen. Legitimation Crisis. Trad. de Thomas McCarthy. Cambridge: Polity Press, 1992.

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operadores do direito reconheçam seu caráter cíclico, admitindo que a definição da

extensão e profundidade desta intervenção é matéria essencialmente política, mas sem

descuidar, contudo, das finalidades e dos limites estabelecidos na Constituição.

2. RAZÃO PÚBLICA E POLÍTICA ECONÔMICA

O conceito de razão pública desenvolvido por John Rawls pode fornecer uma

interessante demarcação dos limites que os modelos de organização econômica acima

descritos devem observar na discussão sobre o papel do Estado no domínio econômico.

Partindo do reconhecimento de um pluralismo razoável – que caracteriza as

sociedades modernas não apenas pelo pluralismo de doutrinas religiosas, filosóficas e

morais abrangentes (i.e. que se fundamentam em valores que não são amplamente

compartilhados pela sociedade, como os de fundo religioso, moral, etc.), mas também

de um pluralismo de doutrinas incompatíveis entre si, mas ainda assim razoáveis14 –, o

conceito de razão pública de Rawls indica quais são os argumentos a que podemos

recorrer quando discutimos questões relacionadas ao bem comum em assuntos

fundamentais de justiça, de modo a permitir que se alcance um consenso sobreposto em

sociedades com valores e visões de mundo bastante divergentes15.

As teorias desenvolvidas no âmbito das ciências sociais aplicadas – em que

provas empíricas são relativas e conclusões dependem de uma infinidade de fatores –

podem ser consideradas razões abrangentes, uma vez que suas proposições não

necessariamente representam o consenso sobreposto das comunidades científica ou

política. É assim que novas teorias surgem, desenvolvem-se e são superadas por

melhores explicações do homem e do mundo, o que garante o progresso dessas

disciplinas através dos tempos.

Na economia política, é possível enxergar tanto o modelo de livre

funcionamento do mercado quanto o coletivista como razões econômicas abrangentes,

na medida em que representam diferentes visões ideológicas sobre a justiça econômica.

Não se quer dizer com isso, entretanto, que tais argumentos sejam incompatíveis com

14 MENDONÇA, José Vicente Santos de. A Interpretação do Direito Econômico e o Ideal de Razão Pública: o Caso da Intervenção Direta Monopolística e Concorrencial. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. São Paulo, 2009, p. 4.259. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/ arquivos/Anais/sao_paulo/2442.pdf>, acesso em outubro de 2012.

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foros de discussão pautados pela razão pública. Pelo contrário, a política econômica

deve ser objeto de ampla discussão pela sociedade e reflexo de seus anseios, mas a

cristalização de um ou outro modelo como verdades absolutas necessariamente afasta o

modelo oposto do debate, o que não se coaduna, portanto, com o ideal de razão pública.

É nesse sentido que Claudio Pereira de Souza Neto e José Vicente Santos de

Mendonça falam em um fundamentalismo na interpretação do princípio constitucional

da livre iniciativa, caracterizado pela tentativa de se introduzir, no campo dos direitos

fundamentais, doutrinas abrangentes particulares16.

Já é possível identificar o caráter eminentemente ideológico dos modelos de

organização econômica do Estado anteriormente identificados. Isso sugere a

importância da ideia de que as maiorias democráticas possam imprimir à política

econômica do Estado – observados os fins e limites estabelecidos pela Constituição – a

sua concepção econômica, seja ela mais próxima do modelo de livre funcionamento do

mercado ou do coletivista.

Uma análise histórica da intervenção estatal na economia pode fornecer

interessantes argumentos a respeito do assunto.

3. O CARÁTER CÍCLICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL

Uma análise dos níveis e modos de intervenção estatal na economia ao longo

dos tempos é capaz de demonstrar com clareza o seu caráter cíclico ou pendular.

A formação do Estado moderno guardou estreita relação com o

desenvolvimento econômico. A existência de uma unidade político-administrativa capaz

de arrecadar impostos e realizar investimentos de monta é amplamente reconhecida

como uma das principais razões que permitiram que Portugal e Espanha – dois dos

primeiros países europeus a se tornarem Estados nacionais – se lançassem em

expedições marítimas e se consolidassem como as maiores potências econômicas do

período mercantilista17, caracterizado pelo profundo dirigismo estatal das atividades

econômicas18.

16 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. MENDONÇA, José Vicente Santos de. Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa. A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Cláudio Pereira de Souza Neto & Daniel Sarmento (coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.721.

17 FAUSTO, Boris. História do Brasil, 13ª ed. São Paulo: Edusp, 2008, p. 22. 18 NASCIMENTO, Floriano de Lima. Uma breve história da economia ocidental: do mercantilismo aos

dias atuais. Revista da Fundação Brasileira de Direito Econômico, cit., p. 106-107.

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Posteriormente, com a explosão das revoluções liberais, o advento do

liberalismo econômico clássico forneceu o substrato teórico para a consolidação do

Estado liberal, em que a intervenção estatal foi drasticamente reduzida em benefício da

autorregulação do mercado através da chamada mão invisível19.

Antes mesmo da crise de 1929, o fim do Estado liberal já era prenunciado pelo

surgimento, a partir de 1914, das economias de guerra, que exigiram, através da ampla

disciplina pública da economia, a mobilização de todos os agentes econômicos no

chamado esforço de guerra.20 Foi com a crise do período do entre guerras, contudo, que

o liberalismo econômico sofreu seu mais duro revés até então, com sua expulsão do

cenário político por mais de meio século21.

A retração econômica sem precedentes desde o advento do capitalismo impôs a

necessidade de que os Estados interviessem radicalmente na economia para tentar

debelar os efeitos deflagrados pela crise. Os fundamentos teóricos para esta radical

mudança na relação entre o Estado e a economia foram fornecidos, no plano econômico,

pelas teorias de John Maynard Keynes, e no plano político e jurídico, pelas reformas

implementadas nos Estados Unidos da América através do New Deal22.

No último quarto do século XX, contudo, o liberalismo econômico voltou à

pauta política dos Estados ocidentais. Após a crise do petróleo de 1973 e a recessão que

se seguiu, foi ganhando força no ideário político e econômico a visão de que a melhor

alternativa era aquela sustentada pelo neoliberalismo. Dois dos teóricos mais

conhecidos desta ideologia – Friedrich Von Hayek e Milton Friedman – foram

agraciados com o prêmio Nobel de economia em 197423 e 197624, respectivamente, o

19 SMITH, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Project Gutenberg, 2009. Disponível em <www.gutenberg.org>, acesso em outubro de 2012. Registre-se, contudo, que a expressão invisible hand é referida uma única vez na obra, e em contexto bastante diferente daquele usualmente atribuído a Smith (em que se fala na mão invisível do mercado). Para uma crítica da leitura ideológica e restrita da obra de Adam Smith, cf. SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Trad. de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das Letras, 1999, p. 38 e seguintes.

20 VENANCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico: O Direito Público Econômico no Brasil, ed. fac-similar. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 11.

21 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 - 1991, 2ª ed. Trad. de Marcos Santarrita. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995, p. 99.

22 SUSTEIN, Cass. O Constitucionalismo Após o The New Deal. Regulação Econômica e Democracia: O Debate Norte-Americano. Paulo Mattos (Coord.). São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 131- 242.

23 Premiado juntamente com Gunnar Myrdal “for their pioneering work in the theory of money and economic fluctuations and for their penetrating analysis of the interdependence of economic, social and institutional phenomena". <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1974/>, acesso em novembro de 2012.

24 Premiado “for his achievements in the fields of consumption analysis, monetary history and theory and for his demonstration of the complexity of stabilization policy”. <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/ economics/laureates/1976/>, acesso em novembro de 2012.

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que deu apoio ao desenvolvimento e adoção da cartilha do neoliberalismo25 –

consubstanciada no Consenso de Washington – por diversos Estados, capitaneados

pelos governos de Ronald Reagan nos EUA e de Margareth Thatcher no Reino Unido26.

A análise histórica demonstra que a intervenção do Estado na economia parece

obedecer a um movimento pendular, em que posições opostas se alternam de tempos em

tempos, e cuja fase de predominância geralmente se encerra após a ocorrência de uma

crise27. Desde a década e 1920 os economistas vêm estudando este padrão de

desenvolvimento econômico verificado desde o fim do século XVIII, caracterizado por

um processo cíclico de expansão e contração do Estado em uma série de ondas longas

de 50 a 60 anos, denominadas de ondas de Kondratieff em homenagem ao economista

russo Nikolai Kondratieff, que desenvolveu a teoria28.

Em trabalho pioneiro na doutrina econômica brasileira sobre o tema, Luiz

Carlos Bresser-Pereira parte do conceito de ondas de Kondratieff e de dados empíricos

relevantes para sustentar que a intervenção estatal expande-se e contrai-se ciclicamente,

e que a cada novo ciclo o modo com que o Estado intervém na economia se altera. A

hipótese defendida pelo economista é a de que a relação ideal entre os dois modelos

(coletivista e de livre mercado) irá necessariamente variar no curso da história de acordo

com o as permanentes transformações da economia:

A razão pela qual a intervenção apresenta um caráter cíclico é mais ou menos óbvia, uma vez estabelecida a ideia. O mercado por si é claramente insuficiente para garantir a acumulação capitalista e não e não possui um mecanismo endógeno para promover uma distribuição da renda socialmente aceitável. Dados estes dois pressupostos, a intervenção estatal é uma condição necessária tanto para o processo de acumulação como para o de distribuição. Desta forma, não obstante toda a crítica ideológica, a intervenção estatal irá ocorrer. E como tende a aumentar em intensidade durante a fase de expansão do ciclo, irá necessariamente provocar distorções, que só serão corrigidas na fase de retração29.

No entender de Bresser-Pereira, tais distorções geralmente são caracterizadas

pela crise fiscal resultante do aumento excessivo de despesas públicas com a

25 HOBSBAWM, op. cit., p. 398. 26 NASCIMENTO, op. cit., p. 112. 27 Diverge-se aqui da famosa teoria de Francis Fukuyama sobre o “fim da História”, conforme a crítica de

KLEIN, Naomi. The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism. Allen Lane, 2007, p. 183. 28 BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 123; HOBSBAWM, op.cit., p. 91-92. 29BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 123.

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manutenção do aparato estatal de intervenção econômica30 – mediante o investimento

em empresas estatais ou a manutenção de órgãos de regulação e fiscalização das

atividades econômicas (como as agências reguladoras). Se o saldo da comparação entre

os benefícios e os problemas do aumento da intervenção estatal se tornar negativo, a

tendência natural é que haja uma retração do intervencionismo estatal.

Existem, portanto, relevantes evidências históricas de que a extensão e a

profundidade da intervenção do Estado na economia variam de acordo com uma

dinâmica política e econômica aparentemente alheia ao universo jurídico. Se em um

momento inicial a ineficiência do livre mercado para promover a distribuição de riqueza

e o consequente aumento das desigualdades sociais causa um aumento da pressão

política por maior intervenção do Estado na economia, é possível que a expansão

responsiva da atividade estatal gere, no longo prazo, um acúmulo de contradições

internas que pressionará pela retração da intervenção econômica estatal. Daí falar-se em

um caráter cíclico de intervenção.

4. DISCRICIONARIEDADE ESTATAL

A globalização e o capitalismo financeiro tornaram a realidade econômica

mundial mais complexa. A crescente interdependência política e econômica global vem

desafiando a aplicação de tradicionais paradigmas do direito público – tais como a

soberania do Estado e a representatividade do Poder Legislativo, desenvolvidos em um

cenário bastante diverso daquele hoje vigente.

Quanto mais complexa esta nova realidade econômica, menos provável será

que normas prévias, gerais e abstratas consigam definir de antemão as condutas que o

Estado e a Administração Pública devem adotar para promover os fins econômicos

previstos na Constituição31. É neste contexto que se pode entender a ideia de

discricionariedade estatal para se alcançar os fins econômicos previstos na Carta.

A justiça distributiva e o desenvolvimento econômico não devem impor um

roteiro de ações pré-determinadas a serem observadas pelo Estado, e é justamente por

tal motivo que diferentes Estados superaram o atraso econômico através de diferentes

arranjos institucionais, cada país adotando aquele mais adequado a seu contexto sócio-

30 BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 127. 31 VALDEZ, Óscar Aguillar. Técnicas del Control Judicial de las Decisiones de La Administración

Económica. Derecho Administrativo y Regulación Económica. J.M. de la Cuétara Martínez, J.L. Martínez López‐Muñiz, F.J. Villar (Org.). La Ley, 2011, p. 586.

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econômico e ao momento histórico e político32. A discricionariedade da ação estatal no

que concerne à intervenção na economia é instrumento essencial para permitir que as

maiorias políticas tenham o poder de decidir a política econômica. Além disso, o Estado

deve dispor de instrumentos de ação em um subsistema social cujas condições

geralmente não são muito estáveis ou duradouras, e em que as mudanças ocorrem com

elevada velocidade, o que pode trazer a reboque crises que requerem respostas

rápidas33.

Óscar Aguillar Valdez refere-se à existência de seis diferentes dimensões da

discricionariedade na intervenção da Administração Pública na Economia34:

a) Discricionariedade de atuação, que diz respeito à decisão de atuar ou

não em determinada situação, ou seja, se o Estado deve ou não intervir de

alguma forma em uma determinada relação econômica, consideradas as

circunstâncias do caso concreto e observada a permissão para que se faça tal

escolha (i.e. a inexistência de norma jurídica do tipo regra que imponha a

ação);

b) Discricionariedade de escolha, que diz respeito à liberdade que a

Administração deve ter, uma vez decidida ou determinada sua atuação pelo

ordenamento jurídico, de escolher, dentre as várias alternativas que se colocam

de forma igualmente razoável, aquela que, no seu entendimento, melhor

promove os fins econômicos previstos na Constituição35;

c) Discricionariedade estratégica, que consiste num espaço de decisão

próprio para que a Administração possa se adaptar às circunstâncias

cambiantes de uma realidade complexa, buscando por meio desta flexibilidade

realizar, da forma mais efetiva possível, as finalidades econômicas

estabelecidas na Constituição36;

32 SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos Parâmetros para a Intervenção do Estado na Economia. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 68.

33 SADDY, A. Formas de Atuação e Intervenção do Estado Brasileiro na Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 221.

34 VALDEZ, op. cit., p. 588. 35 BINEMBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e

constitucionalização, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 38-42. 36 BINEMBOJM, op. cit., p. 40-41.

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d) Discricionariedade de dispensa, que permite a criação de exceções ao

cumprimento de normas impostas à generalidade dos agentes econômicos,

como nos casos em que se concede algum tipo de benefício fiscal37;

e) Discricionariedade de prognóstico, que ocorre nas situações em que a

Administração deve decidir sobre determinadas medidas com base em

prognósticos sobre os efeitos futuros das condutas dos agentes econômicos,

sem que o ordenamento jurídico lhes dê um sentido determinado; e

f) Discricionariedade planejadora, que permite que a Administração tenha

algum grau de liberdade para orientar as atividades dos agentes econômicos

privados, como ocorre quando o Banco Central determina os níveis mínimos de

reservas que as instituições financeiras sob sua fiscalização devem manter38.

As diferentes dimensões da discricionariedade destacadas por Valdez têm

relevância na análise da crise econômico-financeira que irrompeu em 2008 nos EUA e

no Reino Unido e se alastrou por quase todos os Estados desenvolvidos e em

desenvolvimento.

O que se pretende demonstrar é que, em um mundo em que as mudanças

econômicas ocorrem de forma cada vez mais acelerada, a dimensão estratégica da

discricionariedade estatal em relação à intervenção fornece um importante instrumento

para controlar as crises econômicas e evitar que as mesmas desbordem em crises

político-institucionais, especialmente nos países em desenvolvimento. Para tanto, a

discricionariedade que ora importa não é apenas a tradicionalmente definida em

oposição à vinculação da Administração Pública (como função típica do Poder

Executivo), mas sim uma discricionariedade ampla, que alcança também o Poder

Legislativo39 na definição da política econômica.

5. ECONOMIA E DEMOCRACIA: UMA RELAÇÃO COMPLICADA

Há mais de 50 anos, o cientista político estadunidense James Davies formulou

– utilizando dados sobre diversas rebeliões e revoluções, incluindo a francesa, a

americana e a russa – a teoria que chamou de curva J, segundo a qual:

37 BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de Não Tributar: Benefícios Fiscais na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 127.

38 VALDEZ, op. cit., p. 590. 39 COSTA, Alexandre Araújo. O Controle de Razoabilidade no Direito Comparado. Brasília: Thesaurus,

2008, p. 43.

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revoluções são mais propensas a ocorrer quando um prolongado período de desenvolvimento econômico e social é seguido por um período de abrupto retrocesso. As pessoas instintivamente temem que os avanços obtidos mediante grande esforço serão perdidos; seus espíritos tornam-se revolucionários40.

Mais recentemente, utilizando a teoria da curva J, Abby Córdova e Mitchell A.

Seligson desenvolveram pesquisa na América Latina em que avaliam se:

condições econômicas negativas e desapontamento em relação a como o Estado lida com a crise podem se traduzir em mais cidadãos insatisfeitos com suas vidas e céticos quanto à efetividade das eleições em assegurar mudanças nos seus países41.

O objetivo dos pesquisadores é verificar se “cidadãos insatisfeitos em oposição

à democracia representativa podem favorecer alternativas autoritárias à solução de

problemas nacionais como a atual crise econômica”42.

Como o desempenho econômico é frequentemente utilizado pelos cidadãos

para aferir a legitimidade política do Estado, crises econômicas profundas e/ou

duradouras podem acarretar uma descrença generalizada na legitimidade institucional

dos poderes constituídos, bem como afetar a confiança da população no sistema de

democracia representativa. Neste particular, também merecem consideração a ainda

incipiente consolidação das instituições democráticas na América Latina e o fato de que

os regimes autoritários que dominaram a região na segunda metade do século XX

contaram com apoio de algumas camadas da população, apoio este cuja intensidade

variou conforme o país e a época e em função do desenvolvimento econômico que os

regimes autoritários promoveram43.

O que importa para o presente trabalho é reconhecer o risco institucional para a

democracia que a negação de uma discricionariedade estratégica da atuação econômica

do Estado pode representar.

40 DAVIES, James C. Toward a Theory of Revolution. In: American Sociological Review 27 (1), 1962, p. 5. Disponível em <http://www.vanderbilt.edu/econ/faculty/Vrooman/j-curve-theory.pdf>, acesso em outubro de 2012. Trecho traduzido livremente.

41 CÓRDOVA, Abby. SELIGSON, Mitchell A. Economic Crisis and Democracy in Latin America. In: PS: Political Science & Politics, vol. 42, issue 4, 2009, p. 673-678. Trecho traduzido livremente.

42 Idem. 43 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o Longo Caminho, 5ª ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2004, p. 191-192.

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Obviamente não se pretende com isso sugerir que a democracia é um

empecilho para o desenvolvimento econômico, como parece ser o entendimento de

correntes políticas mais conservadoras. Como demonstrou Amartya Sen, todas as crises

de escassez de alimentos e fome aguda verificados nos últimos séculos ocorreram em

Estados autoritários, sem instituições democráticas desenvolvidas44, o que evidencia a

importância da democracia para o atendimento das necessidades econômicas mais

fundamentais.

No entendimento de Sen, a existência de eleições periódicas, oposição

organizada e liberdade de imprensa – todos eles foros de razão pública característicos

do Estado democrático de direito – oferecem um excelente incentivo para que os

governos façam tudo o que for possível para evitar as crises de fome aguda e escassez

de alimentos, o que não ocorre em regimes autoritários, como é exemplo frequente a

Coreia do Norte45.

Com efeito, é possível perceber que o entrincheiramento de decisões

econômicas na Constituição, ao cristalizar e retirar do debate político importantes

instrumentos de política econômica, limita as possibilidades de que o Estado dispõe

para combater crises econômicas cada vez mais frequentes, o que pode, em última

análise, significar um maior risco de crises político-institucionais e um perigo para a

própria democracia.

No âmbito da União Europeia, o debate sobre a discricionariedade estratégica e

o direito das maiorias democráticas determinarem os rumos da política econômica teve

destaque na avaliação da constitucionalidade que a Corte Constitucional da Alemanha46

fez do European Stabilization Mechanism (ESM)47, um órgão de socorro para os países

da Zona do Euro em dificuldades financeiras, que vai gerenciar um fundo de auxílio de

€500 bilhões, capitalizado mediante contribuições de cada Estado membro da UE,

calculadas de acordo com o mesmo critério de capitalização do Banco Central Europeu

44 SEN, Amartya. A ideia de justiça. Trad. de Denise Bottmann e Ricardo D. Mendes. São Paulo: Cia. das Letras, 2011, p. 376.

45 Idem, p. 377. 46 Na sessão de 12 de setembro de 2012 foram julgados os casos 2 BvR 1390/12, 2 BvR 1421/12, 2 BvR

1438/12, 2 BvR 1439/12, 2 BvR 1440/12, e 2 BvE 6/12. Um tradução para o inglês dos trechos mais importantes do acórdão está disponível na página da Corte na internet, em <http://www.bverfg.de/ en/decisions/rs20120912_2bvr139012en.html>, acesso em setembro de 2012.

47 O Tratado que criou o ESM foi originalmente celebrado pelos ministros das finanças de 17 países da zona do Euro em 11 de julho de 2011. No entanto, uma versão modificada do Tratado, incorporando emendas elaboradas com o objetivo de melhorar a eficácia do ESM, foi celebrada em Bruxelas em 2 de fevereiro de 2012. O Tratado entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2012, e o ESM foi inaugurado em 8 de outubro do mesmo ano, após ratificação por todos os 17 países da zona do Euro.

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(correspondente ao percentual da população e do produto interno bruto de cada país no

total da zona do Euro).

O objetivo das ações propostas perante a Corte Alemã era impedir que o

Presidente da República Federal da Alemanha promulgasse as normas que ratificavam o

tratado que criou o ESM48. A Corte Constitucional, no entanto, reconheceu uma ampla e

legítima margem de atuação do Estado na assunção do compromisso perante o ESM e

na condução de sua política econômica:

There is a violation of Article 38 (1) of the Basic Law in particular if the German Bundestag relinquishes its parliamentary budget responsibility with the effect that it or a future Bundestag can no longer exercise the right to decide on the budget on its own responsibility (BVerfGE 129, 124 <177>). The decision on public revenue and public expenditure is a fundamental part of the ability of a constitutional state to democratically shape itself (see BVerfGE 123, 267 <359>). The German Bundestag must therefore make decisions on revenue and expenditure with responsibility to the people. In this connection, the right to decide on the budget is a central element of the democratic development of informed opinion (see BVerfGE 70, 324 <355-356>; 79, 311 <329>; 129, 124 <177>). […] When examining whether the amount of payment obligations and commitments to accept liability will result in the Bundestag relinquishing its budget autonomy, the legislature has broad latitude of assessment, in particular with regard to the risk of the payment obligations and commitments to accept liability being called upon and with regard to the consequences then to be expected for the budget legislature's freedom to act; the Federal Constitutional Court must in principle respect this latitude. The same applies to the assessment of the future soundness of the Federal budget and the economic performance capacity of the Federal Republic of Germany (BVerfGE 129, 124 <182-183>), including the consideration of the consequences of alternative options of action.49

48 Os principais argumentos que fundamentaram as ações propostas são assim resumidos pelo relatório do Acórdão: “The approval of the Treaty establishing the European Stability Mechanism has the effect of transferring essential duties and powers to the European Stability Mechanism in a way which is incompatible with the structural principles of the Basic Law, in particular with the principle of democracy. In this way, the German Bundestag unconstitutionally divests itself of its budget autonomy. The Bundestag also curtails the budget autonomy of a future Bundestag by setting in motion an automatic process of liability and performance which such a future Bundestag cannot escape. The instruments of the stability support are substantially extended in contrast to the European Financial Stability Facility. As part of the comprehensive provisions on allocation of tasks in Article 3 TESM, the European Stability Mechanism is empowered to make far-reaching decisions with extremely serious and scarcely foreseeable consequences for the budgets of the Member States. Thus it ultimately becomes a financing bank, but without being subject to banking supervision. If the European Stability Mechanism receives a banking licence, it will be able to obtain loans in a practically unlimited amount in return for depositing government bonds with the European Central Bank; Germany will share liability for default on these loans in the amount of its share of the capital of the European Central Bank.”

49 2 BvR 1390/12..., cit. Sem os destaques no original.

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O trecho acima transcrito é bastante eloquente na demonstração da importância

prática de algumas dimensões da discricionariedade anteriormente analisadas,

notadamente: (i) a discricionariedade estratégica, caracterizada pela própria instituição

e aprovação do ESM como um mecanismo de combate às crises econômicas deflagradas

no âmbito da UE; (ii) a discricionariedade de prognóstico, consubstanciada no

reconhecimento, pela Corte Constitucional, da legitimidade e capacidade institucional

do Poder Legislativo para avaliar os riscos e obrigações envolvidos na criação do ESM

para o Estado Alemão, inclusive no que diz respeito a futuros impactos no orçamento

federal e no desempenho econômico do Estado Alemão; e, principalmente, (iii) a

discricionariedade de atuação e de escolha, representada pelo reconhecimento de que

as questões econômicas dizem respeito ao poder de que o Estado Constitucional se

defina democraticamente.

6. CRISES ECONÔMICAS E LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO ESTATAL

A crise econômica que eclodiu em 2008 e cujos efeitos ainda se fazem

presentes fornece um interessante contexto para se analisar a legitimidade democrática

da política econômica dos Estados.

Países que nos últimos anos alcançaram elevados níveis de bem-estar social ao

mesmo tempo em que experimentaram uma crescente inserção no capitalismo

financeiro global viram-se subitamente na situação de ter que adequar suas políticas

fiscais e econômicas a desígnios de governos estrangeiros ou supranacionais para terem

garantido o acesso a pacotes de socorro que impediriam a sua bancarrota50.

Tais desígnios invariavelmente recomendam medidas de austeridade fiscal e

contenção de despesas, o que causa impactos imediatos nos custos para a manutenção

do welfare state. Políticas públicas sociais e assistenciais são diretamente afetadas,

causando significativo sacrifício do nível de bem-estar social alcançado.

Tais medidas de austeridade vêm causando enorme insatisfação e mobilização

popular em diversos países, com especial intensidade naqueles mais gravemente

afetados pela crise (como Islândia, Espanha e Grécia), opondo parcelas significativas da

população contra os representantes dos Poderes Legislativo e Executivo em virtude dos

50 Vide o European Stabilization Mechanism mencionado anteriormente.

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pacotes de medidas de contenção propostos51. Mesmo naqueles países em que os

partidos de oposição ascenderam ao poder empunhando bandeiras contra as medidas de

austeridade fiscal e diminuição do déficit público, os discursos eleitorais mais

inflamados foram rápida e espontaneamente abrandados tão logo seus representantes

tenham tomado posse.

Este cenário fornece uma boa oportunidade para se avaliar os fundamentos de

legitimidade democrática do Estado em situações de grave crise econômica, em que

parcelas significativas da população se opõem aos projetos e propostas dos Poderes

Executivo e Legislativo.

Partindo do reconhecimento do papel dinâmico do Estado no sistema

capitalista e da análise habermasiana dos elementos formais do Direito, Gunther

Teubner empreendeu uma importante análise sobre a superação do formalismo jurídico

por uma abordagem substantiva do direito52, caracterizada, dentre outras evoluções, por

uma superação da idealização do individualismo e autonomia dos cidadãos pela

regulação econômica e social dos assuntos coletivos. Esta mudança rumo a um direito

substantivo é limitada, entretanto, por algumas crises inter-relacionadas que impedem

que a legislação se torne totalmente substantiva, das quais podemos destacar duas

especialmente relevantes para os fins do presente trabalho53:

a) a intervenção estatal esbarra numa crise de racionalidade, representada

pela complexidade dos processos sócio-econômicos, que são demasiadamente

densos, complexos e potencialmente contraditórios para serem adequadamente

apreendidos nos mecanismos de controle intervencionista do Estado54; e

b) paralelamente, emerge uma crise de legitimação do capitalismo: em

virtude do crescimento do papel do Estado em administrar a economia, o

mecanismo de mercado perde seu poder de legitimar os resultados distributivos

do sistema capitalista. Na medida em que aumenta a intervenção estatal em

substituição ao livre funcionamento do mercado, o sistema político se torna

51 HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa. Trad. de Denilson L. Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p. 42-43.

52 TEUBNER, Gunther. Substantive and Reflexive Elements in Modern Law. Law & Society Review, volume 17, number 2, 1983, p. 252 et seq.

53 HABERMAS, 1992, cit., p. 45- 50. 54 TEUBNER, cit., p. 268.

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progressivamente dependente do apoio das maiorias também em relação a suas

decisões político-econômicas.

Com ajuda deste conceitos, é possível afirmar que a política econômica deve

refletir os anseios das maiorias democráticas em virtude de dois aspectos distintos, mas

complementares: primeiramente, os processos do sistema econômico não podem ser

integralmente apreendidos pela elaboração de normas jurídicas prévias, gerais e

abstratas em virtude de seu natural dinamismo e complexidade. Com efeito, quanto

mais engessada for a atuação econômica do Estado em virtude do entrincheiramento de

normas de Direito Econômico do tipo regra na Constituição, maior será o risco de que

ocorra a referida crise de racionalidade.

Além disso, o engessamento da ação estatal gera, nas cada vez mais frequentes

situações de crise, significativos riscos de instabilidade no sistema político-institucional.

Daí, portanto, a defesa de uma abordagem procedimental da intervenção estatal na

economia, isto é, um reconhecimento da política econômica como elemento essencial –

e em certa medida até mesmo definidor55 – da democracia representativa, e que deve,

portanto, ser responsivo aos desejos das maiorias, e não isolado mediante o

entrincheiramento de doutrinas como o livre funcionamento do mercado ou o modelo

coletivista no texto constitucional.

Aproxima-se aqui, portanto, das conclusões de José Vicente dos Santos

Mendonça, para quem:

(i) o debate sobre maior ou menor intervenção do Estado na economia deve se limitar ao campo da política ordinária, e não ao campo da política constitucional; (ii) a doutrina brasileira de Direito Econômico lida, em sua grande maioria, com razões não-públicas. [...] A maior ou menor intervenção do Estado na economia é tema de política ordinária, não de política constitucional, uma vez que a Constituição de 1988 é compromissória e, respeitadas certas garantias mínimas – as quais correspondem, pari passu, ao conceito de ‘razoabilidade’ das doutrinas abrangentes de Rawls – todas elas seriam, em princípio, compatíveis com o texto da atual carta56.

Adicione-se a isso, contudo, que a principal razão para tanto não se resume ao

fato de que as razões dessas ideologias são abrangentes, mas sim que decorrem

55 Uma vez que as tradicionais classificações de orientações político-partidárias entre direita e esquerda decorre em larga medida de concepções econômicas.

56 MENDONÇA, cit., p. 4256;4269.

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primordialmente do caráter dinâmico do sistema econômico e da necessidade de que as

políticas públicas sejam dotadas de agilidade e de instrumentos que lhe permitam

acompanhar a evolução da economia, evitando crises de racionalidade ou legitimidade.

Este é, entretanto, um debate que ainda precisa avançar no Brasil, como

demonstra o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº

46, proposta pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição perante o

Supremo Tribunal Federal, em que se pleiteava o afastamento da Lei nº. 6.538 de 1978

– que regula os serviços postais e estabelece o monopólio da Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos sobre a entrega de correspondências em território brasileiro – sob

o argumento de que tal lei não fora recepcionada pela Constituição de 1988, já que

violaria os preceitos fundamentais da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre

exercício de qualquer trabalho.

Os principais argumentos debatidos na Corte se limitaram a uma polarização

em torno da defesa de uma atuação subsidiária do Estado (voto do Min. Marco

Aurélio57), de um lado, e de uma atuação dirigente do Estado (voto do Min. Eros

Grau58), de outro.

7. CONCLUSÕES

Em síntese conclusiva, os principais argumentos apresentados neste trabalho

podem ser assim resumidos:

a) embora exista uma óbvia tensão entre o modelo de livre funcionamento do

mercado e o modelo coletivista de organização da economia, ambos têm em comum

57 “É chegada a hora de reconhecer a crise do modelo adotado, porquanto a implicar intervenção desnecessária em uma área que consegue perfeitamente sustenta-se a partir da iniciativa privada resultando, ainda, na submissão de um setor da economia à dispensável subordinação de fatores políticos.

Ao reconhecer que a atividade econômica não é própria do Estado, torna-se de menor importância o interminável e insolúvel debate que permeia a exata definição do que vem a ser precisamente o serviço postal – se se trata de serviço público ou de atividade econômica no sentido estrito. Essa discussão envolve conotações de sectarismo ideológico que descamba para a retórica e para o jogo de palavras e conceitos, o que simplesmente não é necessário para resolver o problema versado nesta argüição.”

58 “A realidade nacional evidencia que nossos conflitos são trágicos. A sociedade civil não é capaz de solucionar esses conflitos. Não basta, portanto, a atuação meramente subsidiária do Estado. No Brasil, hoje, aqui e agora --- vigente uma Constituição que diz quais são os fundamentos do Brasil e, no artigo 3º, define os objetivos do Brasil (porque quando o artigo 3º fala da República Federativa do Brasil, está dizendo que ao Brasil incumbe construir uma sociedade livre, justa e solidária) --- vigentes os artigos 1º e 3º da Constituição, exige-se, muito ao contrário do que propõe o voto do Ministro relator, um Estado forte, vigoroso, capaz de assegurar a todos existência digna. A proposta de substituição do Estado pela sociedade civil, vale dizer, pelo mercado, é incompatível com a Constituição do Brasil e certamente não nos conduzirá a um bom destino.”

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uma visão abrangente sobre o papel do Estado, que frequentemente parte de razões não-

públicas para defender suas ideologias sobre o papel do Estado na economia, impedindo

uma discussão realista e menos partidária;

b) há relevantes evidências históricas de que a extensão e a profundidade da

intervenção do Estado na economia variam de acordo com uma dinâmica política e

econômica alheia ao universo jurídico. Daí falar-se em um caráter cíclico de

intervenção;

c) numa realidade em que as mudanças econômicas ocorrem de forma cada vez

mais acelerada, o reconhecimento de uma discricionariedade estatal em relação à

intervenção na economia fornece uma importante ferramenta de prevenção e combate às

crises econômicas;

d) a democracia e a economia mantêm uma relação complexa, como mostram os

fatos de que (i) o desempenho econômico é frequentemente utilizado por uma larga

maioria da população para aferir a legitimidade política do Estado e (ii) crises

econômicas profundas e/ou duradouras podem acarretar uma descrença generalizada na

legitimidade institucional dos poderes constituídos, bem como afetar a confiança da

população no sistema de democracia representativa;

e) apesar do risco institucional que a negação de uma discricionariedade

estratégica da atuação econômica do Estado pode representar, obviamente não se

defende aqui a autonomia absoluta do Estado para definir sua política econômica. A

questão central reside na efetividade dos controles democráticos, para que a política

econômica represente os desejos das maiorias;

f) neste sentido, o entrincheiramento de decisões econômicas na Constituição –

sejam elas afeitas ao liberalismo econômico ou à intervenção estatal – retira do debate

político importantes instrumentos de política econômica, limitando as possibilidades de

que o Estado dispõe para combater crises econômicas cada vez mais frequentes, o que

pode, em última análise, significar um maior risco de crises político-institucionais; e

g) em vista disso e de eventos verificados no bojo da crise econômico-financeira de

2008, propõe-se uma abordagem procedimental da intervenção estatal na economia,

mediante o reconhecimento da política econômica como elemento central da

democracia representativa, que deve ser imediatamente responsivo aos desejos das

maiorias, e não isolado do debate público no texto constitucional. Este, no entanto, é um

debate que ainda precisa avançar no Brasil.

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TRIBUTAÇÃO, MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO SOBRE OS

IMPACTOS DA POLÍTICA FISCAL DE DESONERAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS SOBRE AS POLÍTICAS DE MOBILIDADE

URBANA E SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

TRIBUTACIÓN, MOVILIDAD Y DESARROLLO: UN ESTUDIO SOBRE LOS

IMPACTOS DE LA POLÍTICA FISCAL DE REDUCIÓN DEL IMPUESTO SOBRE

PRODUCTOS INDUSTRIALIZADOS SOBRE LAS POLÍTICAS DE MOVILIDAD

URBANA Y SOBRE EL DESARROLLO SUSTENTABLE

Thiago Penido Martins

Leandro Henrique da Silva Alves

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo, a partir do estudo da extrafiscalidade doImposto sobre Produtos Industrializados, enquanto importante instrumento de políticaeconômica, analisar os efeitos das recentes políticas fiscais anticíclicas praticadas no Brasil,com o intuito de demonstrar que as medidas adotadas tem precarizado sobremaneira amobilidade urbana nas metrópoles brasileiras, na medida em que estimula o consumodesordenado e irracional de automóveis, que gera o inchaço dos centros urbanos ecompromete, por conseguinte, o fluxo de pessoas e mercadorias nas vias públicas dos grandescentros urbanos, ao ponto de desestimular o desenvolvimento da economia nacional. Tem-se,portanto, como objetivo, demonstrar a necessidade de que haja uma maior interdependência eum maior diálogo entre as políticas fiscais e as políticas de mobilidade urbana edesenvolvimento sustentável, de forma a conciliar a promoção do pleno emprego, daprodução e circulação de riquezas, do desenvolvimento econômico, com a promoção damobilidade urbana e garantia do desenvolvimento sustentável das cidades e regiõesmetropolitanas.

PALAVRAS-CHAVE: Imposto sobre Produtos Industrializados. Extrafiscalidade. PolíticasFiscais. Mobilidade urbana. Bem-estar Social. Qualidade de vida. DesenvolvimentoSustentável.

RESUMEN: El presente trabajo tiene por objetivo, a partir del estudio de la extrafiscalidadedel Impuesto sobre Productos Industrializados, importante instrumento de política económica,analizar los efectos de las recientes políticas fiscales anticíclicas practicadas en Brasil, con elobjetivo de demostrar que las medidas adoptadas han precarizado sobremanera la movilidadurbana en las metrópolis brasileñas, en la medida en que estimula el consumo desordenado yirracional de automóviles, que genera la hinchazón de los centros urbanos y compromete, asípues, el flujo de personas y mercancías en las vías públicas de los grandes centros urbanos, al

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punto de desestimular el desarrollo de la economía nacional. Por lo tanto, tiene el objetivo dedemostrar la necesidad de que haya una mayor interdependencia y un mayor diálogo entre laspolíticas fiscales y las políticas de movilidad urbana y desarrollo sustentable, de forma aconciliar la promoción del lleno empleo, de la producción y circulación de riquezas, deldesarrollo económico, con la promoción de la movilidad urbana y garantía del desarrollosustentable de las ciudades y regiones metropolitanas.

PALABRAS-LLAVE: Impuesto sobre Productos Industrializados. Extrafiscalidade. PolíticasFiscales. Movilidad urbana. Bienestar Social. Calidad de vida. Desarrollo Sustentable.

1. INTRODUÇÃO

Por mais contundente que seja a ideologia capitalista neoliberal, que apregoa ser

nefasta a intervenção do Estado no domínio econômico, sustentando que este deveria ater-se

apenas à ordem política e social, o papel estatal, desde muito, é absolutamente proeminente no

campo da economia, por meio da promoção de políticas anticíclicas que impeçam ou atenuem

os impactos dos ciclos econômicos, bem como ao assumir a condição de agente propulsor do

crescimento e desenvolvimento nacional.

Não obstante, o Estado é incapaz de gerar riqueza própria. E, portanto, torna-se

imperativo, no Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, a apropriação estatal

de uma parte da renda ou do produto gerado pela sociedade, a fim de se prover dos recursos

necessários à concretização das finalidades de governo, à consumação de seus objetivos

fundamentais, no exercício de seu papel de garantidor do progresso econômico, da

distribuição da renda e do bem estar social.

Dessa forma, os tributos, além de ser a principal fonte de se financiar o Estado,

responsável pela implantação de políticas públicas de educação, saúde, segurança, infra-

estrutura, são a forma mais racional e equitativa de se custear a máquina administrativa, se

levar “em consideração o elevado grau de endividamento e o risco de financiamento do

Estado por meio da emissão de moeda, por ter efeito inflacionário devastador”, conforme

constatado pelo Programa Nacional de Educação Fiscal1.

1 O PNEF – Programa Nacional de Educação Fiscal – “é um programa de âmbito nacional, integrado pelosMinistérios da Educação, Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional, Escola Superior deAdministração Fazendária - ESAF e Secretarias de Fazenda e de Educação estaduais e tem como objetivosensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo, levar conhecimentos aos cidadãos sobreadministração pública, incentivar o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos recursos públicos, Criar

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Em que pese a idéia de os recursos de natureza tributária mostrarem-se, a princípio,

como a “única fonte de financiamento do Estado fundada em regras econômicas socialmente

justas”, segundo o Programa Nacional de Educação Fiscal (2008), o que se vê de fato é que os

impostos incidentes sobre o consumo deturpam a eficiência da economia, uma vez que, sendo

indiretos, tornam-se também impostos regressivos, que impõem uma carga fiscal maior sobre

a parcela de mais baixa renda da população.

Em outras palavras, todos pagam pelos impostos indiretos porque estes se encontram

embutidos nos preços do produto e, assim, os contribuintes que auferem menor renda pagam

proporcionalmente mais do que aqueles que recebem maiores remunerações. Nesse sentido,

relevantes são as considerações tecidas por RIBEIRO, JÚNIOR, MENDONÇA:

A forte incidência da tributação sobre o consumo é uma perversa opçãoda política econômica brasileira. Ela encarece os bens e serviços,comprimindo a demanda, com consequências negativas sobre a produção,a oferta de empregos e o crescimento econômico do país. Reduz acapacidade de consumo das famílias de rendas média e baixa. Assim, obrasileiro paga duas vezes: i) diretamente, como consumidor, pelos tributosembutidos no preço final, e ii) indiretamente pelo ônus que estaincidência impõe ao crescimento da produção interna. O problema centralnesta questão diz respeito ao financiamento do Estado brasileiro viatributação. A população de baixa renda suporta uma elevadatributação indireta, evidenciando que são as classes consumidoras etrabalhadoras que financiam o Estado por meio de tributos regressivos ecumulativos. A contrapartida deste peso tributário é mínima. Osinvestimentos públicos não crescem proporcionalmente ao esforço tributárioexigido dos contribuintes, evidenciando uma dupla situação de injustiçasocial. A carga tributária é suportada pelas classes de menos renda que nãorecebem a contrapartida necessária em bens e serviços públicos. (2011, p.15)

Além disso, as políticas fiscais implantadas, no Brasil, nos últimos anos, mostram-se

mal formuladas e, ao mesmo tempo, revelam a falta de planejamento do governo,

principalmente no que tange a extrafiscalidade do Imposto sobre Produtos Industrializados

(IPI), a qual deveria se pautar na alocação eficiente da renda e na consequente promoção e

satisfação do interesse público. Ao contrário, as medidas de intervenção do Estado tem sido

elaboradas de maneira muito pontual e específica, altamente direcionadas a favorecer certas

atividades no mercado interno, sem se levar em conta e sequer analisar os potenciais impactos

nos diversos setores na economia e da própria sociedade.

condições para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão”. Disponível emhttp://www.receita.fazenda.gov.br/educafiscal/pnef.htm, acessado em 01/09/2012.

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Como exemplo, as regiões metropolitanas no Brasil vislumbram uma abrupta afetação

e deterioração na sua mobilidade urbana, fruto do aumento exacerbado da frota de veículos e

motocicletas que é estimulado pelas políticas de redução das alíquotas do Imposto Sobre

Produtos Industrializados, sem contar a falta de prioridade dos investimentos públicos com

esse setor da sociedade.

Diante disso, o presente trabalho pretende elucidar, através de uma revisão

bibliográfica, a relevância da extrafiscalidade do Imposto Sobre Produtos Industrializados na

economia brasileira e, por meio de uma pesquisa quantitativa, avaliar os impactos da redução

da alíquota deste imposto na economia, no sentido de demonstrar que tal política estimula em

demasia o transporte individual motorizado em detrimento do transporte coletivo,

deteriorando a mobilidade urbana nas regiões metropolitanas do País, bem como

comprometendo a promoção do desenvolvimento sustentável das cidades.

Para tanto, buscou-se demonstrar a falta de planejamento do governo na formulação e

implantação das políticas fiscais anticíclicas e que tais medidas de intervenção do Estado são

elaboradas de maneira muito pontual e específica, altamente direcionadas a favorecer certas

atividades no mercado interno, sem se levar em conta e sequer analisar os potenciais impactos

nos diversos setores econômicos. Ante tal contexto, realça-se a necessidade de demonstrar

importância da extrafiscalidade do Imposto Sobre Produtos Industrializados para o cenário

econômico nacional, especialmente os efeitos da redução da alíquota na mobilidade urbana e

qualidade de vida das pessoas.

2. O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI

2.1 Breve Histórico

A origem do Imposto Sobre Produtos Industrializados remonta ao século XIX, com a

cobrança do Imposto de Consumo (denominação originária) sobre a comercialização do fumo

e instituído pela Lei n.º 25, de 03 de dezembro de 1891, tendo como fato gerador a saída de

produtos do estabelecimento fabril (TORRES, 2006). Contudo, há quem defenda a idéia de

que o imposto de consumo tenha surgido num período ainda mais remoto, na época do

descobrimento do Brasil:

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Para alguns tratadistas, a instituição do Imposto de Consumo ocorreu muitoantes da lei de 1891. Eles entendem que o Imposto de Consumo foiinstituído no Brasil com a criação das Capitanias Hereditárias nos anos de1534 e 1535, quando havia a cobrança do quinto sobre a produção de ouroe outros metais, e dízimos quando se tratava de gado e produtosexportáveis. (TORRES, 2006)

Com a reforma tributária de 1965, institucionalizada pela Emenda Constitucional nº 18

de 1946, o Imposto de Consumo teve sua natureza jurídica e econômica reformulada,

(VARSANO,1996), passando a se chamar Imposto sobre Produtos Industrializados. Observa-

se, no entanto, que o atual fato gerador se assemelha muito ao do antigo imposto:

Não apenas no Brasil, mas em diversos sistemas tributários forâneos, olegislador abandonou a expressão imposto sobre o consumo (...). Antes pormotivos psicológicos-tributários, quer-se vincular o imposto ao empresário,tornando-o pouco perceptível aos olhos dos consumidores-leigos e nãoempresários. (...) Mas, a rigor, quer do ponto de vista jurídico (...) quer doponto de vista econômico, o imposto foi modelado para ser suportado peloconsumidor. (COÊLHO, 2008).

Posteriormente, assim como a maior parte da legislação tributária, a normatização do

Imposto Sobre Produtos Industrializados foi recepcionada pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, e, desde então, vem sofrendo modificações que visam tanto

fortalecer a máquina arrecadatória do Estado bem como atender as vindicações da economia

doméstica.

2.2 Características

O Imposto Sobre Produtos Industrializados, nos termos do inciso IV, do artigo 153, da

Constituição da República, é tributo de competência da União, que incide sobre operações

comerciais com produtos industrializados nacionais e estrangeiros. Assim, para se definir as

hipóteses incidência deste tributo, é considerada como industrialização “qualquer operação

que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do

produto, ou o aperfeiçoe para consumo”, conforme disposto no artigo 4º do Decreto 7.212/10.

Desse modo, o fato gerador do tributo também concretiza-se no desembaraço

aduaneiro de produto de procedência estrangeira e na saída do produto nacional do

estabelecimento produtor, de acordo com o artigo 35 do Decreto 7.212/10. Ainda, segundo

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Código Tributário Nacional, também constitui fato gerador do Imposto Sobre Produtos

Industrializados a arrematação de bens estrangeiros apreendidos e levados a leilão, apesar de a

legislação ordinária não tratar tal incidência.

A base de cálculo do Imposto Sobre Produtos Industrializados para produtos

industrializados no País é “o valor total da operação de que decorrer a saída do

estabelecimento industrial”, e, para produtos de procedência estrangeira, “o valor que servir

ou que serviria de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, por ocasião do despacho de

importação, acrescido do montante desses tributos e dos encargos cambiais efetivamente pagos

pelo importador ou dele exigíveis”, conforme disposições contidas na Lei n.º 7.798/89.

Trata-se, portanto, de um tributo indireto, já que, além de ser ad valorem, o

contribuine de fato não é o mesmo que o contribuinte de direito - uma vez que na realidade,

quem o suporta o encargo econômico é consumidor final, embora sua inicidência ocorra na

etapa de industrialização - e não vinculado, uma vez que sua cobrança independe de qualquer

contraprestação de serviços ou bens públicos ao contrituinte por parte do Estado.

Com o objetivo de impor controle à tributação estatal e, com isso, conferir proteção

ao patrimônio privado, a Constituição Federal de 1988 preceitua, em seu artigo 150, inciso I,

que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar

tributo sem lei que o estabeleça, conforme aponta CARVALHO (2008). Nestes termos,

institui-se o chamado princípio da legalidade tributária que, em tese, além de atribuir limites à

ação fiscal do Estado de constranger a propriedade particular, concede bases para segurança

jurídica, já que os tributos não poderão ser instituídos ou alterados pela discricionariedade do

poder público.

Não obstante, concomitantemente, o texto constitucional consigna, nos termos do

parágrafo primeiro, do artigo 153, a faculdade do poder executivo de alterar as alíquotas do

Imposto Sobre Produtos Industrializados, dentro dos limites legais, se a necessidade de

observãncia do princípio constitucional tributário da anterioridade do exercício fiscal,

conforme preceituado pelo parágrafo primeiro, do artigo 150, da Constituição da República.

Ademais, nos termos do parágrafo terceiro, do artigo 153, da Constituição da República a

instituição do Imposto Sobre Produtos Industrializados deverá observar as seguintes

características:

Art. (...)

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

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II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cadaoperação com o montante cobrado nas anteriores;

III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.

IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelocontribuinte do imposto, na forma da lei.

A relevância do Imposto Sobre Produtos Industrializados na economia brasileira se

deve à sua natureza não cumulativa, seletiva e extrafiscal. Quanto a ser não cumulativo,

significa que o Imposto Sobre Produtos Industrializados não pode ser cobrado sob efeito

cascata, ou seja, o imposto não pode constituir-se na própria base de incidência. Sendo assim,

a cada operação que enseja a incidência do imposto deve ser compensado, abatido o valor

devido com o montante cobrado em transações anteriores.

A respeito de ser seletivo, vale destacar que “o IPI se subordina ao princípio da

seletividade, que é um dos subprincípios da capacidade contributiva, a significar que o

tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos:

quanto menor a utilidade do produto tanto maior deverá ser a alíquota, e vice-versa”,

(TORRES, 2009, p. 377). Dessa forma, o termo seletividade identifica a aplicação prática do

princípio constitucional da capacidade contributiva através da progressão de alíquotas.

(BARRETO, 1998, p. 40).

A seletividade mostra-se, portanto, como uma característica fundamental do Imposto

Sobre Produtos Industrializados e que o torna num imposto “instrumento de justiça social, na

medida em que o legislador pode (e deve) ajustar o impacto tributário que cada classe social

é capaz de suportar, protegendo, evidentemente, os menos favorecidos, os quais, em

contraposição com as classes mais abastadas, não têm condições de suportar um ônus fiscal

muito elevado” (TORRES, 2006, p. 02).

Contudo, como já mencionado, a realidade brasileira aponta para a “regressividade”

dos impostos indiretos em consequência da deficiente legislação tributária, o que depreca a

urgência de uma reforma fiscal.

3. A EXTRAFISCALIDADE DO IPI

De modo geral, a extrafiscalidade de tributos no ordenamento jurídico brasileiro pode

ser entendida como sendo a utilização do imposto para fins além da mera arrecadação: o

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tributo é utilizado para fins regulatórios, como instrumento de política econômica do governo,

seja ela de fomento ou de proteção de certos segmentos da economia e/ou sociedade. A

relevância do tema se fundamenta ainda mais na complexidade do sistema tributário nacional,

haja vista que a legislação fiscal é extensa e esparssa, o que exige uma análise com maior

rigor e acuidade.

Ante a normatização tributária brasileira vigente, há de se ficar claro, conforme

destaca MACHADO (2006), que política arrecadatória não se confunde com política

tributária: ambas são espécies de políticas fiscais, porém com finalidades distintas. A

primeira, como o próprio nome diz, é meramente arrecadatória, voltada puramente para o

custeamento dos gastos governamentais. Já política tributária deve visar à justiça fiscal,

pautando-se pela eficiente alocação de recursos na economia, à satisfação das necessidades

sociais e promovendo, por conseguinte, o desenvolvimento econômico. Obviamente, quando

o Estado pratica sua política de justiça fiscal, implementa, concomitantemente, sua ação

arrecadatória – que não deve ter um fim em sim mesma –, ou seja, arrecada recursos

(públicos) para atender os próprios interesses, porém estes devem consubstanciar-se na

vontade cidadã, coletiva.

A “prática” dos governantes e dos legisladores brasileiros, contudo, não conduz muito

bem essa distinção, entre a arrecadação e a justiça fiscal. Ambas as políticas tem sido

implantadas com o único intuito de inflar o erário e, muitas vezes, sem o menor critério,

extirpando o interesse coletivo. Como reposta à ausência de política tributária adequada, tem-

se uma descomunal carga tributária, demasiadamente elevada, que se traduz num

estrangulamento dos orçamentos domésticos, na ineficácia estatal na prestação de serviços

públicos e na resultante precarização da distribuição da renda e do bem estar social.

Pertinentemente, política tributária – a justiça fiscal estatal apresentada – é a que

converge para o ramo da extrafiscalidade do tributo, isto é, a utilização do imposto para tudo

aquilo que suplanta a consecução de receitas tributárias, como a criação de marcos

regulatórios que propiciem um ambiente econômico financeiro estável. Trata-se de ações de

incentivos ou desistímulos aos agentes econômicos acerca de certos comportamentos ou

condutas, conforme destaca NOGUEIRA (1986), e podem abranger as isenções tributárias, as

concessões de benefícios fiscais dentre outros.

Vai ao encontro dessa perspectiva a visão de FANUCCHI (1976, p.54 e seg.), segundo

a qual a extrafiscalidade de um tributo se mostrará, então, sempre que na sua cobrança

existirem "outros interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos

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financeiros", como a redução dos impostos ou de suas alíquotas para desenvolver um pólo

comercial, promoção do pleno emprego, proteção do mercado interno, dentre outros

exemplos.

Complementarmente, a extrafiscalidade ocorre quando o há um direcionamento do

ordenamento tributário no "intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos

econômicos e sociais de seus destinatários”, segundo NABAIS (1998, p. 629). A esse

respeito, DERZI (1996, p. 233) acrescenta que "a doutrina e a jurisprudência têm

reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular

comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de

benefícios e incentivos fiscais".

Ao adentrar ainda mais no ramo do direito econômico fiscal, NABAIS mostra que

existe uma dualidade extrafiscal, isto é, que a atividade tributária estatal secciona-se em dois

setores: a dos agravamentos fiscais e o dos benefícios fiscais, a saber:

Como já referimos e ao contrário do que a doutrina em geral faz,distinguimos entre o direito fiscal tout court ou direito fiscal clássico e odireito econômico fiscal. Pois bem, como igualmente resulta do que fomosdizendo, podemos definir o direito econômico fiscal como o conjunto denormas jurídicas que regula a utilização dos instrumentos fiscais, isto é, dosimpostos e dos benefícios fiscais, com o principal objetivo de obterresultados extrafiscais, mormente em sede de política econômica e social.Ou por outras palavras, a disciplina jurídica da extrafiscalidade. Um conjuntode normas que apenas formalmente integram o direito fiscal, já que têm porfinalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultadoseconômicos ou sociais e não a obtenção de receitas para fazer face àsdespesas públicas. E ao dizermos isto, nos termos em que o fazemos,estamos já a aludir aos dois grandes domínios ou sectores do direitoeconômico fiscal: o domínio ou sector dos impostos extrafiscais ou deagravamentos extrafiscais de impostos e o domínio ou sector dos benefíciosfiscais. A cada um destes dois domínios ou sectores vamos, pois, dedicaros números que se seguem. NABAIS (2003, p. 7)

A esse respeito, BECKER (2010) discorre que a extrafiscalidade de um tributo

apresenta-se em duas vertentes: a extrafiscalidade “proibitória” e a extrafiscalidade

“indutiva”. A face “proibitória” da extrafiscalidade não deve ser ententida no sentido de que o

Estado decida vetar ou reprimir certa conduta ou operação econômica – o que seria uma

abordagem traumática e pouca efetiva para sociedade. Mas na acepção de que o poder estatal

valer-se-á da gravação tributária no intuito de tornar a operação tão onerosa ao ponto de que,

se praticada, seja feita com reservas. Trata-se, portanto, de um esforço por parte do governo

de provocar um enquadramento do comportamento ou mudança de mentalidade dos agentes

econômicos (empresas e famílias) sem que se cause traumas sociais.

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Um exemplo de adoção da extrafiscalidade “proibitória” do Imposto Sobre Produtos

Industrializados é prática consistente na fixação de elevadas alíquotas do imposto para

produtos como cigarro e bebida alcóolica, as quais se justificam pela tentativa de se inibir

(mas não reprimir) o consumo substâncias que podem colocar em risco a saúde do indivíduo.

Nesse sentido, o fumo e a ingestão de bebibas alcóolicas são tidos como condutas particulares

que não integram o interesse da coletividade, haja vista sua nocividade. E, portanto, são

reprováveis (ou o seu excesso), porém o Estado não pode ou, ao menos, não deseja torná-las

ilícitas e proibir a sua prática.

A respeito desse tipo intervenção estatal inibidora ou desestimuladora, NABAIS

aponta que:

Mais, entre nós, como de resto lá fora, não está constitucionalmente vedadaa possibilidade de o Estado utilizar o imposto (e quem diz o imposto diz oagravamento do imposto) com o objetivo ou finalidade principal oudominante de se evitar certos comportamentos econômicos e sociais dosseus destinatários (impostos sufocantes na terminologia alemã, e destrutivataxes na designação anglo-saxônica), caso em que, em rigor, não estamosface a (verdadeiros) impostos subsumíveis na ‘constituição fiscal’ (dominadapor uma exigente reserva de lei e pelo princípio da igualdade aferido pelacapacidade contributiva), mas antes perante típicas medidas de intervençãoeconômica e social por via fiscal a subsumir na ‘constituição econômica’(ancorada num flexível princípio da legalidade e nas exigências do princípioda proibição do excesso ou da proporcionalidade lato sensu). Por isso,impõe-se nesta sede distinguir muito claramente os verdadeiros impostosou impostos fiscais, que têm por objetivo ou finalidade principal a obtençãode receitas, dos falsos impostos ou impostos extrafiscais cuja finalidadeprincipal é, em direitas contas e no limite, evitar ou obstar à verificação dorespectivo pressuposto de facto ou facto gerador. O que os configura comoverdadeiros ‘impostos suicidas’, os quais, como bem se compreende, nãopodem ter por suporte a ‘constituição fiscal. (1998, p. 32)

Mesmo com toda voracidade arrecadatória, por vezes, o Estado é incapaz de assegurar

à população projetos essenciais, como na área da saúde, educação, habitação, segurança,

emprego, preservação do meio ambiente, comércio exterior, política industrial, conforme

salienta CARRAZA (2002, p. 87). Nesse sentido, a indução apresenta-se como a segunda

faceta da extrafiscalidade tributária, conforme preleciona BECKER (2010, p. 633-635), e se

refere à imprescindível ação do Estado de dar incentivos ou estimular condutas nos agentes

econômicos (conforme já exaustivamente comentado) por meio da não tributação – como a

não incidência, imunidade e a insenção ou afastamento da aplicabilidade da hipótese de

incidência – e da redução de alíquotas, com o objetivo único de se promover o crescimento

econômico, a inclusão social ou o fomento de determinado setor ou atividade da economia –

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uma tentativa de se sanar as lacunas deixadas ou criadas pela ineficiência da máquina pública.

Conforme sustenta NABAIS, “finalmente, há que se assinalar que o segmento mais

operacional da extrafiscalidade é, sem sombra de dúvida, o dos benefícios fiscais” (1998, p.

29), ou da face extrafiscal da indução.

4. AS POLÍTICAS FISCAIS ANTICÍCLICAS NO BRASIL

Dado o grau de interdependência das economias mundiais, a conhecida crise do

mercado imobiliário, iniciada no ano 2007, nos Estados Unidos, rapidamente se alastrou para

o resto mundo e se transformou na crise financeira internacional de 2008, conforme destaca

PIRES (2009). Os países, de modo geral, passaram a vislumbrar a drástica redução de suas

demandas agregadas: estava instaurado o colapso dos mercados internos e externos. Em

resposta à profunda redução nas vendas, à retração do mercado consumidor interno e do setor

exportador, inicia-se nas economias globalizadas um processo de deflação que deflagra um

cenário ainda maior de insolvências, falências, uma intensa agravação da recessão mundial.

Todos os países do mundo sofreram os impactos da crise, em maior ou menor grau, haja vista

peculiaridades dos fundamentos econômicos de cada um.

No Brasil, como já mencionado, não foi diferente: dentre outras conseqüências, a

cotação das ações negociadas na bolsa de valores apresentaram forte queda em virtude do

grande fluxo que se desencadeou do capital expeculativo estrangeiro em direção aos países de

origem; houve uma súbita e expressiva alta do dólar e intensa contração do mercado

consumidor.

Em que pese o fato do Brasil ter se mostrado menos vulnerável do que em crises

anteriores – graças à maior solidez de seus indicadores macroeconômicos, resultante das

políticas econômicas estruturantes iniciadas com o plano real, dentre as quais se destacam a

de metas de inflação, do câmbio flutuante, da responsabilidade fiscal que viabilizaram um

acúmulo substancial das reservas cambiais e a decorrente estabilidade econômica no cenário

internacional – os efeitos sofridos pela economia brasileira da crise de 2008 foram

significativos (o segmento de automóveis comerciais e leves, por exemplo, registrou uma

queda de 26%, nos meses novembro e dezembro de 2008 em relação ao mesmo período do

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ano anterior). Esse panorama, portanto, exigiu do governo medidas de fomento e de injeção

de liquidez.

Nesse sentido, a administração federal anunciou, em dezembro de 2008, por meio da

edição Medida Provisória n.º 451/08, a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos

Industrializados incidente sobre a fabricação de automóveis, no período compreendido entre

janeiro e março de 2009, renúncia fiscal estimada em R$ 1 bilhão de reais. Tal política

tributária visava à redução dos estoques desse setor, os quais cresceram rapidamente em

virtude da queda expressiva da demanda, medida que foi prorrogada, posteriromente, por mais

três meses, mediante a edição do Decreto 6.809/09, ou seja, passou a viger até 30 de julho

daquele ano.

O resultado mostrou que, mesmo com a política de redução do Imposto sobre Produtos

Industrializados, o setor aumobilístico encerrou o ano de 2009 em queda, especialmente em

função dos resultados obtidos nos segmentos de caminhões, ônibus, motos e implementos. Ao

mesmo tempo, no entanto, a diminuição da alíquota do imposto foi determinante para

recuperar o ramo de automóveis comerciais e leves ao longo do ano e atenuar queda geral do

setor. De acordo com os dados do Anuário 2009 da FENABRAVE2, essa fatia de mercado

registrou um crescimento de 12,7%, (FENABRAVE, 2009). Em 2009, durante sete meses,

foram emplacados mais de 200 mil automóveis por mês, com destaque o mês de setembro, em

que se registrou 249,5 mil unidades emplacadas (FENABRAVE, 2009).

Nesse mesmo ano, o Brasil, que ocupava 6º maior mercado automobilístico do mundo,

subiu para a 5ª posição do ranking mundial de frota de automóveis (veículos comerciais leves

e de passeio), com um total de 3.009.191 unidades, ficando abaixo apenas dos Alemanha

(3.982.467), Japão (4.577.288), China (9.848.086) e Estados Unidos (10.421.142).

No ano seguinte, 2010, o setor automobilístico brasileiro voltou a crescer aos mesmos

patamares anteriores à crise, ao nível de 12,64% em relação ao ano de 2008, atingindo uma

frota de 3.328.254 automóveis vendidos. Com esse desempenho, o País subiu mais uma

posição no ranking mundial (por dois anos consecutivos) ultrapassando a Alemanha e se

tornando a 4ª maior frota de automóveis comercializada do planeta, segundo FENABRAVE

(2010). No mesmo ano, a China ultrapassou os Estados Unidos (11.589.498), ocupando o 1º

lugar (13.302.857), e o Japão (4.918.726) permaneceu na 3ª colocação no ranking.

2 A Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores – Fenabrave – é a entidade representativa dosetor de Distribuição de Veículos no Brasil. A entidade reúne 51 Associações de Marcas de automóveis, veículoscomerciais leves, caminhões, ônibus, implementos rodoviários, máquinas agrícolas e motocicletas.

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No ano 2011, o mundo ainda havia acabado de se recuperar totalmente da recessão

mundial de 2008, quando eclodiu uma nova crise, agora, na União Européia que, como a

anterior, se espalhou rapidamente por todo o planeta. Desta vez, as causas se encontravam no

elevado endividamento público de vários países que compõe o bloco econômico,

principalmente a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda, bem como na falta de

coordenação política da União Européia, com destaque no campo monetário, para resolver

questões do crescimento das dívidas públicas.

Então, não apenas os países que compõem o bloco, mas todas as economias mundiais

voltaram a vislumbrar a fuga de capitais de investidores, a retração do crédito, as variações

cambiais indesejáveis, o desaquecimento do mercado interno, o aumento do desemprego.

Além disso, alguns países da União Européia perceberam uma diminuição dos seus ratings3, o

que tornava ainda mais frágeis as políticas de recuperação econômica.

Obviamente, muitos desses efeitos foram percebidos no Brasil. No início do ano, o

Estado se viu obrigado a tomar medidas de austeridade econômica, contendo-se o crédito e

aumentando-se os juros. Contudo, mesmo diante de tal arrefecimento da demanda, o mercado

automobilístico atingiu crescimento de 4,9% e o segmento de automóveis 2,9% em relação a

2010.

A princípio, como resposta à chegada da crise internacional e tentativa de se estimular

a demanda agregada, o governo federal implantou duas políticas fiscais para o setor

automotivo: a primeira consistente em um programa de redução da base de cálculo do

Imposto sobre Produtos Industrializados para as empresas e, a segunda, consistente na

diminuição da alíquota do próprio tributo, conforme a explanação que se segue.

Por meio da Medida Provisória nº 563/12, que entrou em vigor em agosto 2012 e, no

mês seguinte, foi convertida Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, o governo brasileiro

instituiu o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia

Produtiva de Veículos Automotores (INOVAR-AUTO), “para conceder às empresas

3 “Um rating é a opinião da S&P’s da condição geral de cumprimento da obrigação pelo devedor, ou suacapacidade em relação a um produto específico ou outra obrigação financeira, baseada em fatores de risco”.Disponível em www.standardandpoors.com.br, Acesso em 20/09/2012. Assim, O "rating" é uma opinião sobre acapacidade de um país ou uma empresa saldar seus compromissos financeiros. A avaliação é feita porempresas especializadas, as agências de classificação de risco, que emitem notas, expressas na forma de letrase sinais aritméticos, que apontam para o maior ou menor risco de ocorrência de um "default", isto é, desuspensão de pagamentos. Para publicar uma nota de risco de crédito, os especialistas dessas agênciasavaliam além da situação financeira de um país, as condições do mercado mundial e a opinião de especialistasda iniciativa privada, fontes oficiais e acadêmicas.

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habilitadas redução da base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI

incidente sobre tratores, automóveis e chassis.”4

Com peculiar distinção, este programa, regulamentado pelo Decreto Nº 7.819, de 3 de

outubro de 2012, configura-se em um benefício fiscal federal de redução de base de cálculo

para o Imposto sobre Produtos Industrializados (e não de alíquota) e possui o objetivo de

fomentar o desenvolvimento tecnológico, bem como incentivar a inovação e a proteção ao

meio ambiente na indústria automotiva. Para tanto, poderá se beneficiar do incentivo somente

aquelas empresas que se enquadrarem ou se habilitarem ao programa através do atendimento

às regras e critérios definidos em lei.

De acordo com a Nota Descritiva à Medida Provisória 563/12, são justificativas a

implementação do programa:

(...) o aumento da competitividade brasileira, de modo a evitar o fechamentode fábricas, a redução na produção industrial e a perda de postos detrabalho. Argumenta-se que, diante do acirramento da competição mundialnessa indústria, ações em favor do desenvolvimento tecnológico, dainovação, da segurança e da proteção ao meio ambiente na indústriaautomotiva se mostram urgentes. A importância das medidas é por fimreafirmada dada a natureza estratégica do setor envolvido, dos impactos esinergias positivas sobre toda a atividade econômica em nosso País e danecessidade de sinalizar a direção da política para o setor, para que nãosejam adiadas importantes decisões de investimento. (Nota Descritiva daMedida Provisória 563/12)

Tendo em vista que, para produzir efeitos, o programa INOVAR-AUTO requer a

prévia habilitação das empresas, e que isso poderia colocar em stand by política de

recuperação e incentivo do consumo para aquecer a economia e elevar o crescimento do

produto interno bruto, o governo decidiu pela edição da Medida Provisória 567/12 que passou

a viger em maio de 2012 e estabeleceu a redução da alíquota do IPI de 7% para 0%, para

carros até 1.000 cilindradas, de 11% para 5,5%, para carros flex ou movidos a álcool de 1.000

a 2.000 cilindradas, e de 4% para 1%, para os utilitários. A desoneração do setor, que

vigoraria até 31 de agosto, foi prorrogada por mais quatro meses, encerrando-se no final do

ano, em 31 dezembro de 2012, conforme Decreto N.º 7.567/11.

Não obstante, em 27 de dezembro de 2012, a Presidente da República decretou a

continuidade da alíquota reduzida do Imposto sobre Produtos Industrializados (Decreto Nº

7.879/12) com intuito de estimular mais o crescimento econômico do País. Dessa vez, com a

4 Disponível em http://www2.camara.gov.br. Acesso em 25/09/2012.

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peculiaridade de que alíquota será elevada gradualmente em 1º de abril de 2013 e 1º de julho

de 2013, até retornar ao patamar normal. Ou seja, o incentivo fiscal do Imposto sobre

Produtos Industrializados perdurará até o mês de junho de 2013.

O resultado não poderia ser diferente: até agosto de 2012 foram licenciados mais 2,23

milhões de veículos leves no ano, ou seja, um aumento de 6,9% em relação ao mesmo período

do ano anterior (Jan-Ago/ 2011) e de 15,4% na comparação com o mês de julho de 2012.

Além disso, o total de veículos licenciadaos atingiu 2,5 milhões unidades em agosto de 2012 e

se mostra crescente a cada ano.5

Constata-se, portanto, que as políticas fiscais anticíclicas praticadas pelo governo

durante os anos de 2008 a 2012 tem se mostrado eficazes no que diz respeito ao fomento do

mercado automobilístico brasileiro ante as crises econômicas mundiais, uma vez que vem

sendo capazes de estimular a demanda e alavancar as vendas das empresas do setor. Contudo,

uma pergunta se mostra imprescindível neste contexto: qual o verdadeiro custo social dessas

medidas de fomento da economia? Seriam estas políticas fiscais anticiclicas compatíveis com

a política nacional de mobilidade urbana e com a promoção do desenvolvimento sustentável?

5. MOBILIDADE URBANA

5.1 Características da Mobilidade Urbana no Brasil

De acordo com MDT6, FNRU7 (2009) “A mobilidade urbana é o atributo das cidades

que se refere à facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano, tanto

por meios motorizados quanto não motorizados. Resulta da interação entre os deslocamentos

5 Fonte: Renavan5/Denatran5. Disponível na Carta da ANFAVEA5 N.º 316 – Setembro de 20126 MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos – é uma iniciativa daAssociação Nacional de Transportes Públicos e representada por “uma articulação de organizações nãogovernamentais, entidades representativas de trabalhadores, empresas operadoras e fabricantes deequipamentos para o transporte público, associações de profissionais liberais, universidades, movimentospopulares e governos”, cujo objetivo é “inserir na agenda social e econômica da Nação o Transporte Público,um serviço essencial, como um direito para todos, visando à inclusão social, à melhoria da qualidade de vida eao desenvolvimento sustentável com geração de emprego e renda”. Disponível em http://mdt-mdt.blogspot.com.br/ e em http://www.antptv.com.br/, acessado em 05/09/2012.7 FNRU – Fórum Nacional de Reforma Urbana – “é um grupo de organizações brasileiras que lutam por cidadesmelhores para todos nós. São movimentos populares, associações de classe, ONGs e instituições de pesquisaque querem promover a Reforma Urbana”, tem como objetivo lutar por políticas que garantam direitos básicos detodos, como moradia de qualidade, água e saneamento, transporte acessível e eficiente. Disponível emhttp://www.forumreformaurbana.org.br/index.php/quem-somos/historico.html, acessado em 05/09/2012.

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de pessoas e bens com a cidade”.8 Sob essa perspectiva, devem ser pensadas as precárias

condições de mobilidade e a baixa qualidade de vida da população brasileira que mora nos

grandes centros urbanos, já que se mostram tão incompatíveis com um País que representa a

7º economia do planeta e cujo mercado interno se exibe tão potente e promissor. Portanto,

oportuna e imprescindível esta reflexão.

Com o desenvolvimento das economias globais e o aprofundamento da concorrência

mundial, as cidades brasileiras se viram em um cenário de crescentes desvantagens: “o

transporte público foi sistematicamente sucateado, enquanto o número de automóveis cresce

vertiginosamente”, e a maioria não conta com um plano público de governo a favor do

transporte público. Ao contrário, vislumbram a falta de racionalização e integração nos

sistemas viários urbanos.

A situação é crítica: nossas calçadas perderam espaço físico para os carrose foram esquecidas como um meio de circulação de pessoas. É umaverdadeira aventura utilizá-las, pois além da falta de conservação, grandeparte delas foi transformada em acessos para os automóveis, criandoobstáculos aos pedestres e sendo responsáveis por mais de 20% dosacidentes de percurso. Nas grandes cidades, as principais artérias viáriasestão congestionadas e tem sido priorizadas para os carros, temos poucoscorredores de ônibus, nenhum de Veículo Leve sobre Trilho – VLT e umarede de metrô e ferrovia urbana muito abaixo da necessidade. (MDT, FNRU,2009).

A precariedade das condições de mobilidade urbana é uma realidade generalizada nas

regiões metropolitanas do País, fruto do descaso do poder público que se confirma por meio

do baixo nível de investimentos no setor e da falta de engajamento da sociedade na busca por

soluções efetivas. Além disso, as políticas implantadas estimulam em demasia o transporte

individual motorizado e, por outro lado, desconsideram o “retrato” social brasileiro de que a

maior parte da população ainda não possui capacidade financeira para adquirir um veículo e

que frota existente de carros e motocicletas não consegue viajar livremente pelas ruas das

cidades sem causar caos no trânsito.

Na verdade, verifica-se que nos grandes centros urbanos inexiste uma integração entre

as políticas implementadas pelos setores de transporte público coletivo, de infraestrutura, de

distribuição e escoamento da produção, bem como da base viária de pedestres e ciclovias, ou

seja, uma verdadeira “falta uma política que vincule a Mobilidade Urbana à Política de

Desenvolvimento Urbano”. Conforme apontado e destacado pelo MDT, FNRU (2009), ao

8 Nos termos do artigo 4º da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei Federal n.º 12.587, considera-semobilidade urbana as condições em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano.

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analisar essa ausência de comunicação entre as políticas de mobilidade urbana e de

desenvolvimento urbano:

Tradicionalmente, o trânsito, o transporte público coletivo e a distribuição debens e mercadorias são tratados de forma desarticulada, como se todosesses deslocamentos não fizessem parte de um mesmo conjunto. Ascidades foram transformadas em espaços para a circulação do automóvel.A frota aumentou, o sistema viário foi adaptado e ampliado e órgãosgovernamentais foram criados para garantir boas condições de fluidez.Com a carência do transporte coletivo e as facilidades dadas para a comprae posse de veículos, o uso do transporte individual foi intensificado,aumentado os congestionamentos, os acidentes e a poluição ambiental.Para contrapor essa visão segmentada, desenvolveu-se o conceito deMobilidade Urbana, que tem como objetivo explicitar como está sendopraticada a circulação no País, identificando os privilégios aos automóveis,principalmente na apropriação do sistema viário, as exclusões sociais, osdireitos violados, entre outros. (MDT, FNRU, 2009, p. 14).

Esse quadro torna-se ainda mais grave quando se leva em conta outras três

características da sociedade brasileira: (1) o fato de ser predominantemente urbana, já que

aproximadamente 80% da população vive em cidades; (2) o transporte público coletivo e o

não motorizado correspondem a 70% de todos os deslocamentos, enquanto os automóveis

realizam apenas os outros 30% das viagens; (3) não obstante, o transporte individual ocupa

“mais de 80% dos espaços das vias (incluindo calçadas, via carroçável e canteiros), o que

implica na privatização dessas vias e na perda de velocidade dos ônibus, comprometendo a

segurança e fluidez de pedestres e ciclistas”. (MDT, FNRU, 2009).

Além disso, outro ponto relevante é que o vertiginoso crescimento das cidades para as

áreas periféricas nas últimas décadas, ocorrido no Brasil, ampliou e, ao mesmo tempo,

agravou as necessidades de se ter um sistema de transporte eficiente, adequado às condições

da sociedade, que permita acessibilidade de todos e, assim, viabilize o crescimento e o

desenvolvimento econômico sustentável dos grandes centros urbanos. Isto porque sem o

acesso aos serviços públicos essenciais, especialmente o de transporte público, as pessoas

estão limitadas para desenvolver suas capacidades, exercer seus direitos, ou para acessar

oportunidades.9

9 (...) A mobilidade Urbana deve ser garantida para todos e todas: homens, mulheres, crianças, idosos, pessoascom deficiência ou mobilidade reduzida, gestantes, obesos, sem discriminação. A liberdade de ir e vir, direitogarantido pela Constituição Federal, é o princípio que norteia a mobilidade urbana e deve ser exercido comautonomia e liberdade pelos indivíduos. É preciso pensar a mobilidade urbana na perspectiva do direito à cidade,estruturado em três eixos: o direito de ir e vir e circular livremente nos diferentes espaços da cidade; o direito aoespaço público, ao seu uso e apropriação; e o direito a acessar os serviços e equipamentos públicos”. MDT,FNRU (2009).

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A questão da mobilidade urbana tornou-se tão relevante e preocupante que, no início

de 2012, concretizando os preceitos constitucionais contidos no inciso XX, do artigo 21, que

estabelecem a competência da União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, bem

os contidos no artigo 182, que prevêem a necessidade de elaboração da política de

desenvolvimento urbano, destinada a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, foi editada a Lei Federal 12.587, que

instituiu diretrizes para a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, nos termos do artigo 5º da Lei Federal n.º

12.587 de 2012, possui como alguns seus princípios o fomento à acessibilidade universal, a

garantia do desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e

ambientais, a equidade de acesso dos cidadãos ao transporte público, bem como a promoção

da eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.10

Cumpre salientar, que a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana ainda

preconiza, de forma expressa e inequívoca, com uma de suas principais diretrizes, a garantia

da “prioridade dos modos de transporte não motorizado sobre os motorizados e dos serviços

de transporte coletivo sobre o transporte individual motorizado”11, estabelecendo como um

de seus objetivos, “proporcionar a melhoria nas condições urbanas da população no que se

refere à acessibilidade e mobilidade”, bem como “promover o desenvolvimento sustentável

com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e

cargas nas cidades.”12

Ocorre, todavia, que o que se tem verificado no cenário brasileiro é a completa

ausência de diálogo entre as políticas fiscais anticíclicas, especialmente a política fiscal de

redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados, e as políticas de mobilidade

urbana e de desenvolvimento urbano, o que tem acarretado em sérios prejuízos para toda a

coletividade e para a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros. Infelizmente, o que se tem

presenciado, é a adoção de políticas fiscais que ao invés de incentivarem a elaboração e

execução de políticas de transporte coletivo eficiente, tem fomentando um movimento em

favor do transporte individual e pouco eficiente.

10 Incisos I, II, II e IX, do artigo 5º, da Lei Federal n.º 12.587 de 2012.11 Inciso II, do artigo 6º, da Lei Federal n.º 12.587 de 2012.12 Incisos III e IV, do artigo 7º, da Lei Federal n.º 12.587 de 2012.

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5.2 O crescimento da frota de veículos e motocicletas nas metrópoles brasileiras e a

precarização da mobilidade urbana.

As estatísticas impressionam. Em 2011, as 12 metrópoles brasileiras registraram um

total de 20.525.124 veículos, o que representa 44% de toda a frota brasileira. Ainda, de 2001 a

2011, o crescimento do número de automóveis nos grandes centros urbanos do País foi de

77,8%, aproximadamente, o equivalente a 8,9 milhões de veículos novos – um adicional por

ano de cerca de 890 mil automóveis – de acordo com relatório do INCT Observatório das

Metrópoles13 (2011), doravante INCT (2011).

Nesses dez anos, entre as maiores metrópoles do Brasil, Belo Horizonte foi que

apresentou o mais elevado crescimento relativo (acima da média nacional, inclusive) de

108,5% – a frota de veículos na metrópole mineira passou de 841.060 para 1,7 milhão

veículos, quase 100 mil veículos por ano. E dentre todas, Manaus é a que lidera o ranking.

Mesmo ocupando a 10º colocação no ranking nacional de crescimento relativo de 2001 a

2011, à maior metrópole brasileira, São Paulo, pertence a maior frota de veículo do País, cerca

8,2 milhões de veículos. Em seguida o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cada uma com 2,8

milhões e 1,7 milhões de automóveis, respectivamente. 14

“Se por um lado a frota metropolitana de automóveis representa quase metade de

toda a frota brasileira, não se pode fazer a mesma afirmação para a frota de motocicletas”15,

apenas 23,3% (4,2 milhões, em termos absoluto), do total de 18.319.502 motocicletas

registradas até dezembro de 2011, se encontra nas doze metrópoles analisadas. Não obstante,

deve-se destacar que todas as metrópoles brasileiras registraram elevadíssimo aumento na

frota de motocicletas de 289,4% (isto é, 3,1 milhões em termos absoluto), sendo que a maioria

cresceu acima da média nacional (316.904 motocicletas por ano). A frota de motocicletas

mais que triplicou nas metrópoles de Belém, Salvador, Manaus, Brasília (RIDE DF16), Recife,

13 INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) é um programa nacional, promovido em uma parceria doCNPq com as agências estaduais de fomento à pesquisa, que visa apoiar os grupos de maior destaque, e comreconhecido papel de liderança em suas áreas de atuação. Disponível em https://www.ufmg.br, acessado em10/10/2012.

O INCT Observatório das Metrópoles está sob a coordenação geral do IPPUR - Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível emhttp://observatoriodasmetropoles.net, acessado em 10/10/2012.14 INCT, 201115 INCT, 201116 Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal (RIDE DF), nucleada pela CapitalFederal.

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Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte.. Dentre estas, se destaca o centro urbano paraense

que registrou um aumento de 708,3% nos dez anos.

No ranking das metrópoles com maiores frotas de motocicletas, o três primeiros

lugares são ocupados também por São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte com 1,4

milhões, 0,4 milhões e 0,3 milhões de motocicletas, respectivamente. A partir desses dados

estatísticos, confirma-se que:

As metrópoles brasileiras têm enfrentado nos últimos anos o que podemoschamar de uma “crise da mobilidade urbana”, resultante, sobretudo, daopção pelo modo de transporte individual em detrimento das formascoletivas de deslocamento. O ritmo de crescimento no número de veículossupera o da população na maioria dos casos. Um sistema eficiente demobilidade é essencial para o acesso ao mercado de trabalho, à educação,ao consumo e ao lazer, ou seja, é uma condição fundamental para aconstrução do chamado bem-estar urbano. (INCT, 2011).

Desse modo, constata-se que as políticas de mobilidade urbana praticadas no Brasil,

além de serem obsoletas e excludentes, tem comprometido a capacidade produtiva das regiões

metropolitanas do País. Isso porque, ao contrário do que se espera, ao instituir a má utilização

dos equipamentos públicos e urbanos, estimulam a ocorrência dos congestionamentos e

prejuízos, extirpam os investimentos diretos privados, precariza a circulação das pessoas

instaurando grande o mal estar social.

Essa situação é agravada em razão da ausência de análise critica e de reflexão mais

aprofundada sobre as conseqüências provenientes das recentes políticas fiscais anticíclicas de

redução das alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados. Isto porque, a redução da

alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados incidente sobre a produção de veículos

automotores, ao invés de priorizar a adoção de meios de transporte coletivo eficientes,

preferencialmente, pouco poluentes, tem privilegiado o transporte individual motorizado.

Nesse sentido:

Priorizando o transporte público coletivo e o transporte não motorizado,como a bicicleta; quando se reduzem drasticamente os níveis de poluiçãodos transportes motorizados; quando se associam à política de uso do soloprioridades como as moradias em áreas que concentrem oportunidades detrabalho e serviços públicos, aproveitando-se o acesso facilitado aotransporte público coletivo já existente e os imóveis subutilizados nas áreasdotadas de infra-estrutura urbana. (MDT, FNRU, 2009, p. 22).

O que deve haver é uma maior interdependência e um maior diálogo entre as políticas

fiscais e as políticas de mobilidade urbana e desenvolvimento sustentável, de forma a não se

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privilegiar apenas a promoção do pleno emprego, da produção e circulação de riquezas, ou

mesmo a consecução dos interesses de determinados setores econômicos, como, por exemplo,

o setor automobilístico, em detrimento da promoção da mobilidade urbana e do

desenvolvimento sustentável das cidades e regiões metropolitanas, em desrespeito, inclusive,

às diretrizes estabelecidas na Lei Federal n.º 12.587 de 2012.

Devem ser elaboradas políticas fiscais destinadas a incentivar a adoção de transportes

coletivos pouco poluentes e eficientes, que atendam de forma mais eficaz aos interesses da

coletividade, garantindo o acesso da população a sistemas de transporte coletivo ágeis e

eficientes, mitigando custos ambientais e socioeconômicos do deslocamento de pessoas entre

cidades e regiões metropolitanas. É o que preconiza o artigo 17, da Lei Federal n.º 12.587 de

2012, quando preceitua que os Estados deverão propor políticas tributárias específicas e de

incentivos para a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Além do mais, o inciso III, do artigo 23, da Lei Federal n.º 12.587 de 2012, ainda

prevê como importante instrumento de gestão da mobilidade urbana, a possibilidade de que os

entes federativos instituam tributos sobre os serviços de transporte urbano e sobre a

infraestrutura urbana, objetivado desestimular o uso de determinados modos de serviços de

mobilidade (modos pouco eficientes e individualizados), vinculando o uso das receitas

tributárias arrecadadas à investimentos em infraestrutura e ao transporte público, em especial,

ao transporte não motorizado.

Essa mudança de perspectiva, inclusive, vem sendo objeto de discussões legislativas

no âmbito dos Estados, em especial, do Estado de Minas Gerais, onde já existem estudos que

propõe a redução da alíquota do Imposto Sobre Propriedade de Veículo Automotores (IPVA)

para aqueles que optarem por deixar seus automóveis em casa durante os dias da semana.

Ocorre, todavia, que a eficácia de medidas como essa, depende de investimentos maciços,

concomitantes e urgentes no transporte coletivo de qualidade e de baixo custo, de modo a

desestimular a utilização dos meios de transporte individual.

6. CONCLUSÕES

O Imposto Sobre Produtos Industrializados é um imposto indireto, seletivo, não

cumulativo e extrafiscal. Sua extrafiscalidade ganha notoriedade porque é o que o faz um

importante instrumento de política econômica, por meio do qual o governo brasileiro pode

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implantar medidades de fomento e proteção do mercado interno, de justiça social e alocação

igualtária da renda, e, portanto, de promoção do desenvolvimento econômico do Brasil.

De fato, o estudo realizado permitu constatar que as políticas fiscais anticíclicas

praticadas pelo governo, nos últimos 5 anos, especialmente a de redução da alíquota do

Imposto sobre Produtos Industrializado, mostraram-se eficazes no que diz respeito ao fomento

do mercado automobilístico brasileiro ante as crises econômicas mundiais, já que

impulsionaram a demanda e as vendas das empresas do setor.

Infere-se, no entanto, que se foram efetivas para o crescimento, o mesmo não se pode

dizer quanto ao desenvolvimento econômico sustentável do Brasil, já que, ao mesmo tempo,

provocam um grande inchaço dos centros urbanos e comprometem, por conseguinte, o fluxo

de pessoas e mercadorias nas vias públicas dos grandes centros urbanos do País, dado que

estimulam o consumo de forma desordenada e irracional de automóveis.

Confirma-se, pois, que a sociedade anseia por mudanças na gestão da mobilidade

urbana, mediante a adoção de políticas públicas inclusivas, ambientalmente sustentáveis, que

sejam capazes de promover consideráveis melhorias, tanto na circulação nas cidades, quanto

na qualidade de vida das populações envolvidas. Essas transformações se mostram ainda mais

relevantes por se tratar de direito e garantia fundamental estabelecidos pela Constituição da

República.

À luz dos ditames constitucionais, deve-se pensar a urgência da reforma das políticas

públicas de acessibilidade urbana sob a égide dos “direitos e garantias fundamentais”. As

condições atuais constituem grande afronta a dignidade humana. O processo de urbanização

das cidades brasileiras caracteriza-se pela segregação territorial, numa lógica de exclusão

social, a partir do momento em que expulsa, gradualmente, a população dos centros para as

periferias e, ao mesmo tempo, gera uma concentração dos empregos e serviços públicos nos

centros urbanos, intensificando a necessidade de transporte público, de qualidade e eficiente,

capaz de suprir os deslocamentos entre grandes distâncias.

Ademais, apresenta-se inadequado e inadmissível o argumento de que investimentos

no setor de transporte, em específico o coletivo, são demasiadamente elevados e que, por isso,

a economia brasileira não possui condições de suportá-los. Ao contrário, deve se considerar os

resultados de se investir nesse segmento vão para além de se requalificar os centros urbanos:

os tornam mais eficientes – já que as pessoas poderão se deslocar mais rapidamente e as

empresas se apresentam mais competitivas e com empregados mais produtivos –, reduz a

exclusão social e, consequentemente, cria condições para maior retorno tributário do governo

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(nas três esferas administrativas) e para o desenvolvimento econômico, com geração de

empregos e renda, qualidade de vida e inclusão social. Isso se ratifica quando se pensa a

mobilidade urbana de forma sustentável.

Nesse sentido, vale observar que constitui grande equívoco considerar que a

construção e ampliação da infra-estrutura viária (grandes avenidas, pontes, túneisé a solução

para o caos da mobilidade urbana. Isto porque, o alto índice de ocupação dos espaços urbanos

implica na necessidade de que o poder público tenha que desapropriar inúmeras propriedade

privadas para a execução de obras em sua estrutura viária, o que torna os empreendimentos

demasiadamente caros, afetando os orçamentos públicos, em razão do alto custo com o

pagamento de indenizações para os expropriados, política que traz como consequência a

necessidade de se promover o aumento da carga tributária.

Torna-se necessária, portanto, a formulação de políticas, por parte do Estado, que

objetivem garantir a equidade no uso do espaço público, a democratização da utilização das

vias públicas por meio dos vários tipos de transporte, à exceção do individual motorizado, ou

seja, políticas que privilegiem o transporte coletivo (eficiente e com qualidade), de forma que

os usuários lhe dêem preferência. Não se trata de um processo de se abolir os automóveis –

aliás, é puramente legítimo possuí-los –, mas de se disciplinar e regular a utilização desse

meio de transporte.

Ao se elaborar políticas fiscais anticíclicas e, mais especificamente, do fomento de

setores econômicos via concessão de incentivos fiscais por meio da redução da alíquota do

Imposto sobre Produtos Industrializados, que seja feita em relação a qualquer outro segmento

que não o automotivo, a menos que se tenha uma eficiente estrutura de mobilidade urbana,

que seja inclusiva, sustentável, que propicie tanto a circulação de pessoas como a da produção

da economia, capaz de assegurar o bem estar social, a qualidade de vida das pessoas, o

desenvolvimento econômico, sob pena ao se privilegiar o transporte individual em detrimento

do coletivo, comprometer, inclusive, o desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira.

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