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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 27 FILOSOFIA DO DIREITO Coordenadores PROF. DR. LAFAYETTE POZZOLI PROF. DR. ENOQUE FEITOSA SOBREIRA FILHO 2014 Curitiba

FILOSOFIA DO DIREITO - editoraclassica.com.breditoraclassica.com.br/novo/ebooksconteudo/Filosofia do Direito.pdf · Nossos Contatos Coleção Conpedi/Unicuritiba. São Paulo Rua José

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  • 2014 Curitiba

    Coleo CONPEDI/UNICURITIBA

    Organizadores

    Prof. Dr. oriDes MezzarobaProf. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa

    Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeiraProf. Dr. ViViane Colho De sllos-Knoerr

    Vol. 27

    FILOSOFIA DO DIREITO

    Coordenadores

    Prof. Dr. lafayette PozzoliProf. Dr. enoque feitosa soBreira filho

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  • Nossos Contatos So Paulo Rua Jos Bonifcio, n. 209, cj. 603, Centro, So Paulo SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.brRedes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE

    Equipe Editorial

    EDITORA CLSSICA

    Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJos Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lvia Gaigher Bsio Campello Lucimeiry Galvo

    Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Arajo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Sllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

    Conselho Editorial

    F488Filosofia do direito

    Coleo Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Colho Sllos-Knoerr.Coordenadores : Lafayette Pozzoli/Enoque Feitosa Sobreira Filho.Ttulo independente - Curitiba - PR . : vol.27 - 1 ed. Clssica Editora, 2014.495p. :

    ISBN 978-85-8433-015-7

    1. Ontologia jurdica. 2. Axiologia jurdica.I. Ttulo. CDD 340.1

    Editora Responsvel: Vernica GottgtroyCapa: Editora Clssica

  • MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

    Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

    Vice-Presidente Aires Jos Rover

    Secretrio Executivo Gina Vidal Marclio Pompeu

    Secretrio-Adjunto

    Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

    Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa Joo Marcelo Assafim

    Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

    Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

    Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

    Colaboradores

    Elisangela Pruencio Graduanda em Administrao - Faculdade Deciso

    Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administrao - UFSC

    Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Cincias da Computao UFSC

    DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

    XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitrio Curitiba / Curitiba PR

  • Sumrio

    APRESENTAO ........................................................................................................................................

    O PODER NORMALIZADOR EM FOUCAULT E SUA RELAO COM O DIREITO (Vivian Von Hertwig e Fernandes de Oliveira) ............................................................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    O ESTUDO DO PODER EM FOUCAULT ....................................................................................................

    O PODER DISCIPLINAR .............................................................................................................................

    O BIOPODER ..............................................................................................................................................

    A NORMALIZAO ....................................................................................................................................

    A RELAO ENTRE O PODER NORMALIZADOR E O DIREITO EM FOUCAULT ......................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A CONSTITUIO DA RETRICA DA PRXIS NA RELAO ENTRE A RETRICA, A FILOSOFIA E O DIREITO, NO REALCE AO DISCURSO JUDICIAL E NA VALORIZAO DO ETHOS DO ORADOR (Alessandro Severino Valler Zenni) ............................................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    A CONCEPO DE UMA TOTALIDADE FSICA, TICA E POLTICA NA RELAO ENTRE RETRICA, FILOSOFIA E DIREITO ...............................................................................................................................

    O REALCE DO DISCURSO JUDICIAL E A TENTATIVA DE SUA HARMONIA COM A CONCEPO DE UM DISCURSO DELIBERATIVO E EPIDCTICO .................................................................................................

    O RETOR E O ETHOS COMO FONTE DE PERSUASO NO DIREITO: A CENTRALIZAO DO ETHOS NUMA AUTORIDADE PRVIA DO RETOR FRENTE AO AUDITRIO .......................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O PROCEDIMENTALISMO NAS SOCIEDADES MODERNAS A PARTIR DE HABERMAS (Eduardo Seino Wiviurka) ..................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    A SOCIEDADE MODERNA E A CRISE DA LEGITIMAO ........................................................................

    O PARADIGMA PROCEDIMENTAL DO DIREITO E A DEMOCRACIA DELIBERATIVA ..............................

    CONSIDERAES FINAIS .........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

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  • A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CONDIO DE UNIDADE ENTRE DEVER TICO E DEVER JURDICO: REFLEXES A PARTIR DE KANT, RAWLS E DWORKIN (Jaci Rene Costa Garcia) .....

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    A DIGNIDADE HUMANA A PARTIR DA FILOSOFIA MORAL KANTIANA .................................................

    A RELAO DA TEORIA DA JUSTIA DE RAWLS COM A TICA KANTIANA ..........................................

    A TEORIA DE RAWLS COMO UMA TEORIA PROFUNDA DE DIREITOS: A LEITURA ORIGINAL DA TEORIA DA JUSTIA ELABORADA POR DWORKIN ...................................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A TICA NAS RELAES DIALGICAS: O JUSTO A PARTIR DA PLURALIDADE DE INSTNCIAS SOCIAIS (Afonso Soares de Oliveira Sobrinho) ..........................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    DILEMAS EXISTENCIAIS DO JUSTO NA CONTEMPORANEIDADE: ENTRE O TER E O SER .........

    PAUL RICOEUR E A CONCEPO DA JUSTIA COM EQUIDADE ............................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A TICA, A MORAL, OS PRINCPIOS E O CONSTITUCIONALISMO MODERNO (Cesar Marci) ..........

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    MORAL, TICA E DIREITO .........................................................................................................................

    OS PRINCPIOS E O CONSTITUCIONALISMO MODERNO .......................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A INFLUNCIA DO GIRO LINGUSTICO-PRAGMTICO DA FILOSOFIA NO SCULO XX PARA A POLITICA DELIBERATIVA DE JRGEN HABERMAS (Mateus de Moura Ferreira) ..................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    WITTGENSTEIN E AS INVESTIGAES FILOSFICAS: OS JOGOS DE LINGUAGEM E AS SEMELHANAS DE FAMLIA COMO CONCEPO PRAGMTICA DA FILOSOFIA ............................................................

    A TEORIA DOS ATOS DE FALA DE JOHN L. AUSTIN: EM BUSCA DA COMPLEXIDADE LINGUISTICA DA REALIDADE ................................................................................................................................................

    O GIRO LINGUISTICO-PRAGMTICO E A POLTICA DELIBERATIVA DE JURGEN HABERMAS .............

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A JUSTIA EM TOMS DE AQUINO(Ana Rita Nascimento Cabral) .........................................................

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  • INTRODUO ............................................................................................................................................

    TOMS DE AQUINO: NOTAS BIOGRFICAS ............................................................................................

    CONTEXTO HISTRICO- CULTURAL EM QUE VIVEU TOMS DE AQUINO ...........................................

    A JUSTIA EM TOMS DE AQUINO ........................................................................................................

    CONCLUSO .............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A JUSTIA SOCIAL UMA QUESTO DE RECONHECIMENTO OU DE (RE) DISTRIBUIO: O DEBATE ENTRE FRASER E HONNETH (Robison Tramontina) .................................................................................

    CONSIDERAES INICIAIS .......................................................................................................................

    O PARADIGMA DO RECONHECIMENTO: A PROPOSTA DE HONNETH ..................................................

    O PARADIGMA DA DISTRIBUIO E RECONHECIMENTO: O MODELO DE FRASER .............................

    ALCANCES E LIMITES DA PROPOSTA DE FRASER ...................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A NATUREZA E O FEMININO A PARTIR DE MERLEAU-PONTY: UMA LEITURA ECOFEMINISTA (Daniela Lopes de Faria) .............................................................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    O MOVIMENTO ECOFEMINISTA ..............................................................................................................

    A FILOSOFIA FENOMENOLGICA DE MERLEAU-PONTY .......................................................................

    O QUIASMA ENTRE O ECOFEMINISMO E A FILOSOFIA DE MERLEAU-PONTY ..................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    A POLTICA DA TOLERNCIA COMO RECONHECIMENTO (Larissa Cristine Daniel Gondim) ...............

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    A TRADIO LIBERAL DA TOLERNCIA ...................................................................................................

    TOLERNCIA COMO RECONHECIMENTO: UMA REFORMULAO .......................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    AS EXPERINCIAS DE PARTICIPAO E A FILOSOFIA DA CONSCINCIA (Apolo Antunes Filho e Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez) ................................................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    PARA ALM DA FANOMENOLOGIA ..........................................................................................................

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  • TEORIA DA HISTRIA ................................................................................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

    ATIVISMO JUDICIAL, PS-POSITIVISMO E O CONTROLE DAS DECISES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Andr Garcia Xerez Silva) ..........................................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    BREVE HISTRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL ........................................

    ATIVISMO JUDICIAL E PS-POSITIVISMO ...........................................................................................

    CONTROLE POLTICO VERSUS CONTROLE HERMENUTICO DAS DECISES DO PODER JUDICIRIO .

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    DIREITO E SOCIEDADE: CONTRIBUIO DO REALISMO JURDICO (David Fadul e Jos Edmilson de Souza-Lima) ................................................................................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    O REALISMO JURDICO ............................................................................................................................

    A ORDEM JURDICA DO CAPITALISMO ...................................................................................................

    O DIREITO COMO FERRAMENTA DE CONTROLE SOCIAL .......................................................................

    TABULA RASA ............................................................................................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    HEIDEGGER E DWORKIN DILOGO PARA A FUNDAMENTAO ONTOLGICA DA TEORIA DA RESPOSTA CORRETA (Thais Sampaio da Silva) .........................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    A FILOSOFIA DE HEIDEGGER ...................................................................................................................

    DWORKIN E A TESE DA NICA RESPOSTA CERTA ..................................................................................

    CONCLUINDO: VERDADE COMO INTERPRETAO ................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    JOHN RAWLS E A QUESTO DA JUSTIA UMA ABORDAGEM HISTRICA (Andr Lus Fernandes Dutra e Tatiane de Abreu Fuin) ..................................................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    PERSPECTIVA HISTRICA .........................................................................................................................

    PERSPECTIVA TERICA .............................................................................................................................

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  • JOHN RAWLS, AUTOR E OBRA ................................................................................................................

    SOCIEDADE, DIREITO E JUSTIA .............................................................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    LIBERDADE E AO, COMO FENMENO POLTICO, SEGUNDO HANNAH ARENDT (Marilucia Flenik)

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    A POLTICA DEMOCRTICA ......................................................................................................................

    A VONTADE COMO FATOR DE LIBERDADE ..............................................................................................

    AO COMO QUALIDADE DO EU POSSO E NO DO EU QUERO ....................................................

    A VIDA COMO ESCOLHA PESSOAL ..........................................................................................................

    O PODER DE EFETUAR MILAGRES E A FORA DOS PRINCPIOS ...........................................................

    O PERDO E A PROMESSA COMO CATEGORIAS POLTICAS .................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    O DIREITO COMO UM PROCESSO EMANCIPATRIO: A EPISTEMOLOGIA DIALTICA NO BRASIL (Horcio Wanderlei Rodrigues e Leilane Serratine Grubba) .......................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    NOTAS INTRODUTRIAS SOBRE A DIALTICA: DE HEGEL MARX ......................................................

    A EPISTEMOLOGIA DIALTICA DE LYRA FILHO ......................................................................................

    CONHECER O DIREITO: ENTRE O JURDICO E O SOCIAL ........................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    O FUTURO DO DIREITO EM TEMPOS DE GLOBALIZAO: ALGUMAS PROPOSTAS PARA O SC. XX (Mateus Barbosa Gomes Abreu) ................................................................................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    OS PROCESSOS DE GLOBALIZAO E AS TRANSFORMAES DO DIREITO NO FINAL DO SC. XX ......

    ALGUMAS PROPOSTAS PARA O SC. XXI .................................................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    O HBITO DA OBDIENCIA E O RECONHECIMENTO DA NORMATIVIDADE DO DIREITO PELA ACEITABILIDADE RACIONAL EM SENTIDO FORTE (Ana Lusa De Navarro Moreira e Thomas da Rosa de Bustamante) ..........................................................................................................................................

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  • INTRODUO ...........................................................................................................................................

    O DIREITO COMO COMANDO DO SOBERANO E O PRINCPIO DA UTILIDADE ....................................

    O HBITO DA OBEDINCIA: ENTRE SANES E RAZES .......................................................................

    O DIREITO COMO PRTICA SOCIAL ARGUMENTATIVA DE ASPECTOS JURDICOS E INCLUSIVE MORAIS A INSUFICINCIA DA ACEITAO DO PONTO DE VISTA INTERNO ......................................

    A AUTONOMIA POLTICA E O PRINCPIO DO DISCURSO COMO FONTE DA NORMATIVIDADE DO DIREITO .....................................................................................................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

    PROPRIEDADE CAPITALISTA VERSUS PROPRIEDADE HUMANA: A REFLEXO DE SANTO TOMSRETOMADA POR MOUNIER (Lino Rampazzo) ..........................................................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    O TEMA DO FURTO E DO ROUBO NA SUMA TEOLGICA ..................................................................

    O DIREITO DE PROPRIEDADE NA QUESTO DO FURTO E DO ROUBO ..............................................

    MOUNIER: DA PROPRIEDADE CAPITALISTA PROPRIEDADE HUMANA .............................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    TEORIA DA REDISTRIBUIO E DO RECONHECIMENTO DE NANCY FRASER: APLICABILIDADE E CONCRETUDE NOS 25 ANOS DO (NEO) CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DE GNERO (Nelson Camatta Moreira e Yumi Maria Helena Miyamoto) .......................................................

    INTRODUO ............................................................................................................................................

    A PERSPECTIVA DE GNERO PARA A COMPREENSO DO ESPAO PBLICO E ESPAO PRIVADO E AS ESFERAS DE ESTRUTURAO DOS PAPIS SOCIAIS DE HOMENS E MULHERES ..................................

    TEORIA DA REDISTRIBUIO E DO RECONHECIMENTO DE NANCY FRASER ......................................

    APLICAO DA TEORIA DA REDISTRIBUIO E DO ECONHECIMENTO DENANCY FRASER NAS QUESTES DE GNERO NO ESTADO DEMOCRTICO DEDIREITO BRASILEIRO: POLTICAS PBLICAS E COMPORTAMENTO SOCIAL ..................................................................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIA ..............................................................................................................................................

    UMA ANLISE SOBRE O DIREITO E A DECISO JURDICA NA PERSPECTIVA DE JRGEN HABERMAS (Candida Joelma Leopoldino) .....................................................................................................................

    NOTAS INTRODUTRIAS ..........................................................................................................................

    A IDEOLOGIA HABERMASIANA E AS SUAS CONCEPES ACERCA DO DIREITO (MODERNO) ............

    O DIREITO E ALGUMAS DE SUAS OUTRAS ACEPES ...........................................................................

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  • A DECISO JURDICA NO PENSAMENTO DE J. HABERMAS ...................................................................

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

    UMA APROXIMAO DO DIREITO S IDEIAS DE HEIDEGGER CONTIDAS NO TEXTO A POCA DAS IMAGENS DE MUNDO (Mrcia Regina Pitta Lopes Aquino) ..........................................................

    INTRODUO ...........................................................................................................................................

    AS MANIFESTAES ESSNCIAS DA POCA MODERNA .......................................................................

    A ESSNCIA DA CINCIA MODERNA .......................................................................................................

    CONCLUSO ..............................................................................................................................................

    REFERNCIAS ............................................................................................................................................

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  • Carssimo(a) Associado(a),

    Apresento o livro do Grupo de Trabalho Filosofia do Direito, do XXII Encontro

    Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Direito (CONPEDI),

    realizado no Centro Universitrio Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1

    de junho de 2013.

    O evento props uma anlise da atual Constituio brasileira e ocorreu num ambiente

    de balano dos programas, dada a iminncia da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

    da promulgao da Carta Magna de 1988, a chamada Constituio Cidad necessita uma

    reavaliao. Desde seus objetivos e desafios at novos mecanismos e concepes do direito,

    nossa Constituio demanda reflexes. Se o acesso Justia foi conquistado por parcela

    tradicionalmente excluda da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

    processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

    parcelamentos das dvidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

    do calote dos precatrios. Cito apenas um dentre inmeros casos que expem os limites da

    Constituio de 1988. Sem dvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

    Nacional j antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhes s ruas.

    Com relao ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

    tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido evidente o aumento da

    produo na rea, comprovvel inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

    mbito desse encontro sero publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

    mudana dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs o que tem contribudo no

    apenas para o propsito de aumentar a pontuao dos programas, mas de reforar as

    especificidades de nossa rea, conforme amplamente debatido nos eventos.

    Por outro lado, com o crescimento do nmero de artigos, surgem novos desafios a

    enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentao dos trabalhos e o de (2)

    aumentar o nmero de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

    todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competncia, permitiram-

    nos entregar no prazo a avaliao aos associados. Tambm gostaria de parabenizar os autores

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    11

  • selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

    mais difcil.

    Nosso PUBLICA DIREITO uma ferramenta importante que vem sendo aperfeioada

    em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

    seu desenvolvimento. No obstante, j est em fase de testes uma nova verso, melhorada, e

    que possibilitar sua utilizao por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

    para eventos.

    O INDEXA outra soluo que ser muito til no futuro, na medida em que nosso

    comit de rea na CAPES/MEC j sinaliza a relevncia do impacto nos critrios da trienal de

    2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefcios para os programas sero

    sentidos j nesta avaliao, uma vez que implicar maior pontuao aos programas que

    inserirem seus dados.

    Futuramente, o INDEXA permitir estudos prprios e comparativos entre os

    programas, garantindo maior transparncia e previsibilidade em resumo, uma melhor

    fotografia da rea do Direito. Destarte, tenho certeza de que ser compensador o amplo esforo

    no preenchimento dos dados dos ltimos trs anos principalmente dos grandes programas ,

    mesmo porque as falhas j foram catalogadas e sua correo ser fundamental na elaborao da

    segunda verso, disponvel em 2014.

    Com relao ao segundo balano, aps inmeras viagens e visitas a dezenas de

    programas neste trinio, estou convicto de que o expressivo resultado alcanado trar

    importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

    alm da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

    dificuldades, no possvel imaginar outro cenrio que no o da valorizao dos programas do

    Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderana do professor Martnio, que soube

    conduzir a rea com grande competncia, dilogo, presena e honestidade. Com tal conjunto de

    elementos, j podemos comparar nossos nmeros e critrios aos das demais reas, o que ser

    fundamental para a avaliao dos programas 06 e 07.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    12

  • Com relao ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Braslia, da III

    Conferncia do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

    estado da arte do Direito e Desenvolvimento, alm da apresentao de artigos de pesquisadores

    do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em So Paulo lanaremos um novo

    livro com o resultado deste projeto, alm de prosseguir o dilogo com o IPEA para futuras

    parcerias e editais para a rea do Direito.

    No poderia concluir sem destacar o grande esforo da professora Viviane Colho de

    Sllos Knoerr e da equipe de organizao do programa de Mestrado em Direito do

    UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

    No foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realizao de um evento que

    agregou tantas pessoas em um cenrio de to elevado padro de qualidade e sofisticada

    logstica e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avanar ainda mais.

    Curitiba, inverno de 2013.

    Vladmir Oliveira da Silveira

    Presidente do CONPEDI

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    13

  • Apresentao

    O Livro Ensaios sobre Filosofia do Direito no Sculo XXI fruto do Grupo de

    Trabalho Filosofia do Direito desenvolvido no XXII Encontro Nacional do

    CONPEDI/UNICURITIBA, no primeiro semestre de 2013. Todos os artigos passaram pelo

    processo de avaliao cega por dois professores, conforme plataforma do CONPEDI. Analisam

    aspectos importantes no campo da Filosofia do Direito no Sculo XXI, propiciando uma

    melhor compreenso do direito e sua hermenutica para a efetividade jurisdicional e expresso

    do acesso justia. So pesquisas produzidas no mbito dos Programas de Estudos Ps-

    Graduados em Direito do Pas e agora, com a publicao do presente livro, colocadas

    disposio de pesquisadores do direito e da sociedade em geral.

    Vale consignar que todos os trabalhos foram desenvolvidos tendo como parmetro as

    linhas de pesquisa dos programas que os pesquisadores so vinculados, sendo possvel

    identificar no escritos presentes no livro a presena de uma apreciao do princpio da

    dignidade humana como um fio condutor no todo da obra.

    No mundo do direito tem uma antiga constatao de que o direito inerente aos seres

    humanos e deve ter como escopo estimular e promover a pessoa humana. Considerando-se a

    necessidade de valorizar a realidade local, a elaborao das leis deve respeitar os valores das

    pessoas. Enfim, so anlises contidas nos artigos que daro uma grande contribuio cincia

    do direito.

    Como no livro a maioria dos autores nova no campo da pesquisa e das publicaes,

    vale aqui lembrar o pensamento do Professor Andr Franco Montoro sobre o brocardo jurdico:

    cincia e humildade devem caminhar juntas. Isto como forma de afirmar a importncia de

    publicaes resultantes de trabalho acadmicos como o presente. neste sentido o apoio do

    CONPEDI publicao de livro como o presente que pode seguramente apontar para um

    ensejo de revelao de talentos de jovens pesquisadores, com trabalhos inditos e significativos

    no contexto da difuso da produo cientfica, ganhando o direito, e a sociedade como um

    todo, com tal feito.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    14

  • O CONPEDI est sendo estimulador de trabalhos que podem muito contribuir para a

    sociedade, assumindo a responsabilidade de incentivar a difuso do pensamento jurdico de

    novios conjuntamente com juristas consagrados como os Professores Horcio Wanderlei

    Rodrigues e Lino Rampazzo, dentre outros. Um ambiente que possibilita um amplo

    intercmbio de ideias.

    O livro est dividido em trs partes: Parte I Filosofia do Direito: ensaios sobre a

    ontologia jurdica. Parte II Filosofia do Direito: ensaios sobre a axiologia jurdica. Parte III

    Filosofia do Direito: ensaios sobre a epistemologia jurdica. A distribuio dos artigos deu-se

    tendo em vista os seus contedos, mas tambm levou em conta o fato de que os pesquisadores

    que apresentam trabalhos no GT-Filosofia do Direito no CONPEDI tem uma histria de

    desenvolvimento de estudos nos ltimos anos e j publicaram livros a partir do GT. Isto

    facilitou a diviso dos artigos no presente livro. Mas tambm vale registrar que os

    Coordenadores do presente livro tm sido coordenadores do GT-Filosofia do Direito nos

    ltimos anos.

    Por fim, vale consignar que a obra escrita traduz com fidelidade o que consta do site do

    CONPEDI: O CONPEDI tem como objetivo incentivar os estudos jurdicos de ps-graduao

    nas diferentes instituies brasileiras de ensino universitrio; colaborar na definio de

    polticas jurdicas para a formao de pessoal docente da rea jurdica, opinando, junto s

    autoridades educacionais, sobre os assuntos de interesse da pesquisa e da ps-graduao em

    Direito; defender e promover a qualificao do ensino jurdico, bem como sua funo

    institucional e seu papel social.

    No h, numa obra da natureza desta, que apresentar artigos. Remetemos o leitor

    diretamente aos mesmos para, a partir da sua prpria leitura e reflexo, construir a avaliao

    mais pertinente a cada um dos escritos componentes da coletnea que tem em mos.

    Os organizadores.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    15

  • Coordenadores do Grupo de Trabalho

    Professor Doutor Lafayette Pozzoli PUC SP

    Professor Doutor Enoque Feitosa Sobreira Filho UFPB

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    16

  • O PODER NORMALIZADOR EM FOUCAULT E SUA RELAO COM O DIREITO

    THE NORMALIZING POWER IN FOUCAULT AND ITS RELATIONSHIP TO LAW

    Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira1

    RESUMO

    O presente artigo objetiva verificar a possvel relao existente entre o poder normalizador e o

    direito em Foucault. Para isso, apresenta inicialmente as precaues metodolgicas de Foucault

    no estudo do poder, demonstrando a especificidade de sua abordagem em relao s anlises

    tradicionais do poder, como a que decorre da teoria jurdico-poltica da soberania.

    Em seguida, busca analisar o funcionamento e as principais caractersticas do poder disciplinar,

    que atua sobre os corpos dos indivduos, e do biopoder, que age sobre as populaes, bem como

    sua atuao na sujeio dos indivduos (tanto a nvel individual quanto como parte integrante de

    uma coletividade), alm de indicar as variaes na forma de normalizao efetivada pelos

    mecanismos disciplinares e reguladores, diferenciando a normao da normalizao em sentido

    estrito.

    Ademais, examina diferentes leituras a respeito da relao entre o poder normalizador e o direito

    em Foucault, ressaltando a possibilidade de o direito atuar como vetor da normalizao, bem

    como a idia foucaultiana de um direito novo, liberto tanto dos mecanismos normalizadores

    quanto do princpio da soberania. Sublinha, por fim, a necessidade de os operadores do direito

    atentarem para a relao entre os mecanismos de normalizao e o direito, no apenas para

    constatar as hipteses em que este veicula certa carga de normalizao, mas para que seja

    possvel comear a se pensar num direito novo.

    Palavras-chave: Poder normalizador; Poder disciplinar; Biopoder; Normalizao; Direito novo.

    ABSTRACT

    This article aims to verify the possible existing relatioship between normalizing power and law in

    Foucaults thinking. For this, it initially presents Foucaults methodological precautions in the

    study of power, demonstrating the specificity of his approach in relation to the traditional analysis

    of power, such as the one arising from sovereignty juridical-political theory.

    It then seeks to analyze the operation and the main features of disciplinay power, which acts on

    individuals bodies, and biopower, that acts on populations, as well as their role in the subjection

    1 Mestranda em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paran. Especialista em Ministrio Pblico

    Estado Democrtico de Direito pela Fundao Escola do Ministrio Pblico do Estado do Paran. Advogada.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    17

  • of individuals (both individually and as part of a collectivity), besides indicating the variations in

    the form of normalization performed by disciplinary and regulators mechanisms, distinguishing

    normation from normalization in the strict sense.

    Moreover, it examines different readings concerning the relationship between normalizing power

    and law in Foucault, emphasizing the possibility of law to act as a vector of normalization, as

    well as the foucauldian idea of a new law, freed both from normalizing mechanisms and

    sovereignty principle. It stresses, finally, the need for law professionals to attend to the

    relationship between normalizing mechanisms and law, not only to verify the hypotheses in

    which law conveys a certain load of normalization, but to make it possible to start thinking about

    a new law.

    Key-words: Normalizing power; Disciplinary power; Biopower; Normalization; New law.

    1. INTRODUO

    Assim como a filosofia poltica, que freqentemente restringe o poder ao poder emanado

    de uma fonte central como o Estado (VEYNE, 2011, p. 168), o conhecimento jurdico, em geral,

    estuda o poder apenas em termos de soberania, reconhecendo a existncia de um soberano (seja

    um indivduo, seja uma coletividade) considerado fonte nica de autoridade e detentor do poder

    que incide sobre os indivduos. Nesse modelo, o direito e a lei correspondem s formas assumidas

    pelo poder estatal para controlar a vida das pessoas, principalmente atravs de comandos

    racionais que devem ser obedecidos pela populao. (FONSECA, R., 2004, p. 275).

    Contrapondo-se a essa anlise meramente jurdica do poder, Foucault dedicou-se,

    principalmente na dcada de 70, a estudar outros mecanismos de poder existentes nas sociedades,

    que surgiram a partir dos sculos XVII e XVIII e que, dotados de procedimentos, instrumentos e

    discursos completamente diferentes, no poderiam ser suficientemente explicados pela teoria

    jurdico-poltica da soberania.

    Trata-se do poder disciplinar e do biopoder, que consistem em formas de exerccio de

    poder que atuam, respectivamente, sobre os corpos individuais e as populaes, com o intuito de

    adequ-los a uma mdia, uma norma ou a uma determinada curva de normalidade, sendo por isso

    considerados poderes normalizadores.

    Neste contexto, a partir da especificidade do estudo do poder empreendido por Foucault,

    busca-se analisar as caractersticas e o modo de exerccio dos mecanismos disciplinares e do

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    18

  • biopoder, o papel da norma e as diferentes formas de normalizao, bem como as relaes que

    podem ser estabelecidas entre a norma e o direito no pensamento foucaultiano.

    2. O ESTUDO DO PODER EM FOUCAULT

    Ao estudar o poder, Michel Foucault no objetivava desenvolver uma nova teoria geral

    do poder, que apreendesse sua essncia com base em caractersticas gerais, nem compreender sua

    origem, assim como o fazem grande parte das teorias tradicionais, mas sim entender o como do

    poder e por onde ele passa, identificando o domnio especfico em que se exercem as relaes de

    poder numa sociedade (BORGES, 2005, p. 73) e seus efeitos na constituio das subjetividades.

    Para realizar seu programa de pesquisa conhecido como analtica do poder (BORGES,

    2005, p. 73) desenvolvido principalmente na dcada de 70 (FONSECA, R., 2004, p. 260), com o

    intuito de se afastar da anlise jurdica do poder, centrada nas idias de soberania e obedincia

    dos indivduos (FOUCAULT, 2005, p. 32), e se aproximar de questes relacionadas dominao

    e sujeio, Foucault estabeleceu cinco precaues de mtodo que demonstram a especificidade de

    seu estudo sobre o poder quando comparado com as anlises tradicionais.

    Afirmava o filsofo francs, primeiramente, que seu objetivo era apreender o poder em

    suas ramificaes capilares, nas extremidades menos jurdicas de seu exerccio, no ponto em que

    ele incorporado nas instituies, consolidando-se em tcnicas de interveno material.

    (FOUCAULT, 2005, p. 32). Assim, diferente das teorias macroscpicas do poder, que situam seu

    exerccio num ponto especfico como o Estado, Foucault buscava estudar as inmeras prticas

    heterogneas e estratgias de poder disseminadas pela sociedade em mltiplas relaes de fora

    (BRANCO, 1993, p. 28-29), da o termo microfsica do poder. Com efeito, segundo o prprio

    filsofo, o poder o nome dado a uma situao estratgica complexa, numa sociedade

    determinada (FOUCAULT, 2007, p. 103).

    Desta forma, percebe-se que para Foucault, segundo R. Fonseca,

    (...) ao contrrio do que supe o discurso jurdico, as relaes sociais que resultam das

    relaes de poder so constitudas na base, nos prolongamentos capilares do poder (nas

    famlias, nas relaes interindividuais, etc.), e no a partir do Estado. A dominao que

    caracteriza a sociedade disciplinar, assim, iniciou-se a partir dos mais rasteiros

    mecanismos de controle e sujeio, constitudos nas prprias extremidades do poder e no a partir de um discurso poltico derivado da vontade do Estado. (FONSECA, R.,

    2002, p. 118-119).

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    19

  • Em segundo lugar, buscava estud-lo no a partir do onde, preocupando-se com quem

    ocupa o poder e quais suas intenes, mas sim a partir do como, com foco no seu

    funcionamento, em seus efeitos reais (FOUCAULT, 2005, p. 33-34), analisando como as relaes

    de sujeio atuam na constituio dos indivduos. (FONSECA, R., 2002, p. 118).

    Por sua vez, a terceira precauo de mtodo relaciona-se compreenso do poder no

    como um fenmeno de dominao de uns sobre outros, como algo que apenas alguns detm e

    exercem sobre outros. Para Foucault, o poder no pode ser localizado e apropriado como se fosse

    um bem, pois funciona em cadeia, circulando pelos indivduos, que esto sempre em posio de

    exerc-lo e simultaneamente de suport-lo. E ao mesmo tempo em que o poder transita por tais

    intermedirios, ele os constitui, o que faz com que os indivduos sejam um efeito do poder.

    (FOUCAULT, 2005, p. 35).

    De acordo com a quarta precauo, deve-se realizar um estudo ascendente do poder, que

    parte da anlise da atuao dos mecanismos de poder infinitesimais, dotados de tecnologias

    prprias, para ento verificar o modo como, em determinado contexto e mediante certas

    transformaes, eles foram se tornando economicamente lucrativos e politicamente teis,

    passando a ser colonizados e anexados por mecanismos gerais e formas de dominao global.

    (FOUCAULT, 2005, p. 36-38).

    Por fim, com base na quinta precauo, afirma Foucault (2005, p. 40) que inexistem

    edifcios ideolgicos nas extremidades capilares de poder, mas sim instrumentos de formao e

    acmulo de saber, que consistem em tcnicas de observao e registro, procedimentos de

    investigao e pesquisa, enfim, discursos atrelados a prticas de sujeio (FONSECA, R., 2002,

    p. 119) e conformao dos indivduos. Na realidade, para o filsofo francs, poder e saber geram

    um complexo indissocivel e so correlativos, pois no haver um poder sem seu regime de

    verdade, como no haver uma verdade sem seu regime de poder (FONSECA, R., 2002, p. 92).

    Conforme explica Machado,

    Todo ponto de exerccio de poder , ao mesmo tempo, um lugar de formao de saber.

    assim que o hospital no apenas local de cura, mquina de curar, mas tambm

    instrumento de produo, acmulo e transmisso do saber. Do mesmo modo que a

    escola est na origem da pedagogia, a priso da criminologia, o hospcio da psiquiatria.

    E, em contrapartida, todo saber assegura o exerccio de um poder. Cada vez mais se impe a necessidade do poder se tornar competente. Vivemos cada vez mais sob o

    domnio do perito. Mais especificamente, a partir do sculo XIX, todo agente do poder

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    20

  • vai ser um agente de constituio de saber, devendo enviar aos que lhe delegaram um

    poder, um determinado saber correlativo do poder que exerce. assim que se forma um

    saber experimental ou observacional. Mas a relao mais intrnseca: o saber enquanto

    tal que se encontra dotado estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O

    saber funciona na sociedade dotado de poder. enquanto saber que tem poder.

    (MACHADO, 2002, p. XXI-XXII).

    Percebe-se, a partir dessa mtua implicao, a importncia dada por Foucault ao

    complexo poder-saber, pois ao mesmo tempo em que no h relao de poder sem a formao de

    um campo de saber, todo saber gera novas relaes de poder. (MACHADO, 2002, p. XXI).

    De forma mais geral, as precaues acima referidas so assim enunciadas por Foucault

    ao resumir sua linha metodolgica:

    (...) em vez de orientar a pesquisa sobre o poder para o mbito do edifcio jurdico da soberania, para o mbito dos aparelhos de Estado, para o mbito das ideologias que o

    acompanham, creio que se deve orientar a anlise do poder para o mbito da dominao

    (e no da soberania), para o mbito dos operadores materiais, para o mbito das formas

    de sujeio, para o mbito das conexes e utilizaes dos sistemas locais dessa sujeio

    e para o mbito, enfim, dos dispositivos de saber. (FOUCAULT, 2005, p. 40).

    Embora Foucault no negasse a importncia histrica da teoria jurdico-poltica da

    soberania, chegando a afirmar que durante o feudalismo ela havia sido capaz de explicar a

    contento a mecnica geral do poder, ressaltava sua insuficincia para tratar dos novos

    mecanismos de poder que surgiram a partir dos sculos XVII e XVIII, cujos procedimentos,

    instrumentos e discursos, completamente diferentes e dotados de uma nova lgica, no poderiam

    ser devidamente transcritos em termos de soberania. (FOUCAULT, 2005, p. 41-46).

    3. O PODER DISCIPLINAR

    Os sculos XVII e XVIII foram marcados, segundo o filsofo (FOUCAULT, 2005, p.

    288), pelo aparecimento de uma nova mecnica do poder, composta por tcnicas essencialmente

    centradas no corpo individual: o poder disciplinar. Trata-se de um poder que, funcionando por

    meio de uma economia calculada e permanente, objetivava ordenar as multiplicidades por meio

    da distribuio espacial dos corpos individuais e adestrar os indivduos atravs de treinamentos,

    aumentando suas foras para torn-los mais teis e simultaneamente diminuindo-as com o intuito

    de torn-los mais obedientes. (FOUCAULT, [2006], p. 119).

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    21

  • As disciplinas consistem em mtodos que possibilitam o controle detalhado das

    operaes do corpo e que impem aos indivduos uma relao de docilidade-utilidade atravs da

    constante sujeio de suas foras. (FOUCAULT, [2006], p. 118). Assim explica o filsofo:

    O momento histrico das disciplinas o momento em que nasce uma arte do corpo

    humano, que visa no unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco

    aprofundar sua sujeio, mas a formao de uma relao que no mesmo mecanismo o

    torna tanto mais obediente quanto mais til, e inversamente. Forma-se ento uma

    poltica das coeres que so um trabalho sobre o corpo, uma manipulao calculada de

    seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. (FOUCAULT, [2006], p. 119).

    Embora muitos processos disciplinares j existissem h algum tempo, nos conventos e

    nos exrcitos, por exemplo, no decorrer dos sculos XVII e XVIII que as disciplinas acabam se

    tornando frmulas gerais de dominao, surgindo uma anatomia poltica que corresponde a

    uma nova mecnica do poder, cujas tcnicas comearam a se multiplicar por todo o corpo social

    (FOUCAULT, [2006], p. 118-120).

    Com efeito, o esquema disciplinar acaba se generalizando pela sociedade moderna

    (FONSECA, R., 2002, p. 109), atingindo inmeras instituies e inclusive rgos estatais, como

    a polcia, de modo que se pode falar na formao de uma sociedade disciplinar. Isso no significa

    que o poder disciplinar tenha substitudo todas as outras formas de exerccio de poder, mas que se

    infiltrou em meio s demais, prolongando-as e permitindo a conduo dos efeitos do poder at as

    mais nfimas ramificaes, assegurando desta forma uma distribuio infinitesimal das relaes

    de poder. (FOUCAULT, [2006], p. 178).

    Para atingir suas finalidades, o poder disciplinar se utiliza de trs principais

    instrumentos: a vigilncia hierrquica, a sano normalizadora e o exame.

    As tcnicas de vigilncia hierrquica consistem em dispositivos que tornam claramente

    visveis aqueles sobre os quais se aplicam as disciplinas e tambm, at certo ponto, os

    incumbidos da fiscalizao, permitindo que o domnio sobre os corpos seja realizado por meio

    das leis da tica e da mecnica, sem necessidade de recorrer fora ou violncia (FOUCAULT,

    [2006], p. 148). Nas palavras de Foucault, a vigilncia

    permite ao poder disciplinar ser absolutamente indiscreto, pois est em toda parte e

    sempre alerta, pois em princpio no deixa nenhuma parte s escuras e controla

    continuamente os mesmos que esto encarregados de controlar; e absolutamente

    discreto, pois funciona permanentemente e em grande parte em silncio.

    (FOUCAULT, [2006], p. 148).

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    22

  • Nesse contexto, em que o aparelho disciplinar perfeito possibilitaria que um nico olhar

    pudesse ver tudo de forma permanente (FOUCAULT, [2006], p. 146), a vigilncia hierrquica

    encontra seu maior aperfeioamento no panptico, figura arquitetnica imaginada por Jeremy

    Bentham e que constituiu o ponto de referncia a partir do qual Foucault, constatando a

    existncia de um sistema de vigilncia geral na sociedade moderna, definiu-a como sociedade

    panptica. (FONSECA, R., 2002, p. 108).

    Outro recurso de adestramento utilizado pelo poder disciplinar a sano

    normalizadora, que consiste em um pequeno mecanismo penal, dotado de delitos, sanes,

    instncias de julgamento e procedimentos prprios, localizado abaixo da dimenso estritamente

    jurdica (FONSECA, R., 2002, p. 109), que qualifica e reprime comportamentos considerados

    desviantes em relao a uma ordem artificialmente imposta. (FOUCAULT, [2006], p. 149-150).

    A sano disciplinar tem como objetivo reduzir os desvios atravs da correo, do

    castigo disciplinar, aplicado preferencialmente na forma de aprendizado forado, ou seja, por

    meio da exaustiva repetio da ordem infringida (BORGES, 2005, p. 98-99). Na realidade, deve-

    se salientar que tal processo de treinamento e correo dos indivduos opera com um duplo

    sistema, de gratificao-sano, que permite qualificar os comportamentos e desempenhos a

    partir dos valores opostos de bem e mal, identificando os desvios, estabelecendo hierarquias

    entre os indivduos, castigando pelo rebaixamento e recompensando pela promoo na escala

    hierrquica. (FOUCAULT, [2006], p. 150-151).

    Por sua vez, o terceiro mecanismo corresponde ao exame, que combina as tcnicas da

    vigilncia hierrquica e da sano normalizadora, colocando em funcionamento relaes de poder

    que permitem a formao de todo um campo de saber (FOUCAULT, [2006], p. 154). O exame,

    cujos procedimentos so acompanhados de um sistema de registro e acumulao de documentos,

    leva documentao da individualidade e faz de cada indivduo um caso a ser descrito,

    mensurado, classificado, comparado aos demais, treinado, normalizado, etc. Desta forma,

    atribuindo a cada um o status de sua prpria individualidade, o exame tem uma importante

    atuao na constituio dos indivduos como efeito e objeto de poder e de saber. (FOUCAULT,

    [2006], p. 154-160).

    Portanto, atuando com base em critrios normalizadores veiculados por determinados

    discursos, que estabelecem uma mdia, um parmetro geral ao qual os indivduos so

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    23

  • constantemente comparados e constrangidos para a ele se adequarem, o poder disciplinar situa os

    indivduos no centro de um sistema de controle, fazendo-os sofrer a incidncia de poderes

    permanentes e constritivos que moldam (ainda que no integralmente) suas condutas e sua

    prpria subjetividade. (FONSECA, R., 2004, p. 265).

    4. O BIOPODER

    Alm do poder disciplinar, que atua sobre os corpos individuais, Foucault tambm faz

    uma anlise, ainda que fragmentria (FONSECA, R., 2004, p. 266), de outro poder normalizador,

    que atua sobre as populaes: o biopoder ou biopoltica.

    Trata-se de uma nova tecnologia de poder que surge durante a segunda metade do sculo

    XVIII e que no suprime o poder disciplinar, mas o integra, modificando-o parcialmente.

    Diferente da tcnica disciplinar, voltada individualizao, o biopoder se dirige ao homem-

    espcie, multiplicidade dos homens na medida em que constituem uma massa global, uma

    populao afetada por processos de conjunto prprios da vida, como o nascimento, a morte, a

    doena, etc. (FOUCAULT, 2005, p. 289).

    Segundo Foucault, so esses processos de srie, como a natalidade, mortalidade,

    longevidade, incapacidades biolgicas diversas, alm de inmeros problemas econmicos e

    polticos, que constituram os primeiros objetos de estudo e alvos de controle do biopoder

    (FOUCAULT, 2005, p. 290). Embora tais fenmenos sejam aleatrios e imprevisveis quando

    considerados individualmente, so fenmenos coletivos que produzem importantes efeitos

    econmicos e polticos quando analisados em nvel global. (FOUCAULT, 2005, p. 293).

    Assim, atravs de mecanismos como as previses, estimativas estatsticas, medies

    globais, o biopoder busca intervir nesses fenmenos no a nvel individual, mas no que eles tm

    de geral, estabelecendo mecanismos reguladores com o intuito de fixar um equilbrio global,

    manter uma mdia, otimizar um estado de vida (estimulando a natalidade e reduzindo a

    mortalidade, por exemplo). (FOUCAULT, 2005, p. 293-294).

    Diferente da teoria clssica da soberania, em que o soberano tinha o direito de fazer

    morrer ou deixar viver, o biopoder objetiva maximizar as foras, otimizar a vida, interferir no

    modo de viver atravs dos mecanismos de previdncia, consistindo assim em um poder de fazer

    viver e deixar morrer (FOUCAULT, 2005, p. 294). Nesse sentido, afirma R. Fonseca (2004,

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    24

  • p. 267) que trata-se cada vez mais de um poder que gere a vida, ao invs de um poder que

    produz a morte.

    A biopoltica consiste, desta forma, num poder normalizador que age sobre as

    populaes com o objetivo de adequar seus fenmenos gerais a um determinado padro. Esta

    forma de poder, assim como a tcnica disciplinar, tambm atua sobre os sujeitos (ainda que em

    outro nvel, como integrantes de uma coletividade), podendo estes ser considerados, at certo

    ponto, produto do poder. (FONSECA, R., 2004, p. 268-269).

    Saliente-se que apesar das inmeras diferenas existentes entre os mecanismos

    disciplinares e os regulamentadores, isso no faz com que eles se tornem excludentes e

    incompatveis entre si. Pelo contrrio, como atuam em nveis diversos (a disciplina centrada no

    corpo e o biopoder centrado na vida), podem articular-se, operando conjuntamente em torno de

    um elemento que se aplica a ambos, que a norma (FONSECA, R., 2002, p. 114).

    Antes de passar anlise da normalizao, parece importante frisar que a incidncia dos

    poderes normalizadores no significa que estes sejam totalmente determinantes da constituio da

    subjetividade, que no haja espao de liberdade e autoconstituio do sujeito. A partir da natureza

    relacional das correlaes de poder, afirma o prprio Foucault que h uma multiplicidade de

    focos de resistncia, que consistem no outro termo das relaes de poder, e que esto distribudos

    irregularmente por toda a rede de poder, podendo suscitar desde clivagens sociais e remodelao

    dos indivduos para resistir ao poder em alguma de suas manifestaes at (ainda que mais

    raramente) rupturas radicais2. (FOUCAULT, 2007, p. 105-107). Conforme explica Veyne:

    2 Segundo Foucault, os focos de resistncia no so exteriores ao poder, mas fazem parte da prpria relao de poder,

    estando por isso presentes em toda a rede. Em suas palavras: (...) l onde h poder h resistncia e, no entanto (ou

    melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posio de exterioridade em relao ao poder (...). Elas [as

    correlaes de poder] no podem existir seno em funo de uma multiplicidade de pontos de resistncia que

    representam, nas relaes de poder, o papel de adversrio, de alvo, de apoio, de salincia que permite a preenso.

    Esses pontos de resistncia esto presentes em toda a rede de poder. Portanto, no existe, com respeito ao poder, um

    lugar da grande Recusa alma da revolta, foco de todas as rebelies, lei pura do revolucionrio. Mas sim

    resistncias, no plural, que so casos nicos: possveis, necessrias, improvveis, espontneas, selvagens, solitrias,

    planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifcio; por

    definio, no podem existir a no ser no campo estratgico das relaes de poder. Mas isso no quer dizer que

    sejam apenas subproduto das mesmas, sua marca em negativo, formando, por oposio dominao essencial, um reverso inteiramente passivo, fadado infinita derrota. As resistncias no se reduzem a uns poucos princpios

    heterogneos; mas no por isso que sejam iluso, ou promessa necessariamente desrespeitada. Elas so o outro

    termo das relaes de poder; inscrevem-se nestas relaes como o interlocutor irredutvel. Tambm so, portanto,

    distribudas de modo irregular: os pontos, os ns, os focos de resistncia disseminam-se com mais ou menos

    densidade no tempo e no espao, s vezes provocando o levante de grupos ou indivduos de maneira definitiva,

    inflamando certos pontos do corpo, certos momentos da vida, certos tipos de comportamento. Grandes rupturas

    radicais, divises binrias e macias? s vezes. mais comum, entretanto, serem pontos de resistncia mveis e

    transitrios, que introduzem na sociedade clivagens que se deslocam, rompem unidades e suscitam reagrupamentos,

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    25

  • Em parte alguma podemos escapar s relaes de poder: em compensao, sempre

    podemos, e em toda parte, modific-las; pois o poder uma relao bilateral; ele faz par com a obedincia, que somos livres (sim, livres) para conceder com mais ou menos

    resistncia. (...) O dispositivo menos o determinismo que nos produz do que o

    obstculo contra o qual reagem ou no reagem nosso pensamento e nossa liberdade.

    (VEYNE, 2011, p. 168-169).

    Desta forma, embora as prticas e estratgias de poder estejam disseminadas por toda a

    sociedade, atuando na constituio da subjetividade dos indivduos, a liberdade e o pensamento

    permitem a reao do sujeito (VEYNE, 2011, p. 169-170), de forma que este se constitui,

    segundo R. Fonseca (2002, p. 97), no apenas pela sujeio, mas tambm por meio de prticas de

    libertao.

    5. A NORMALIZAO

    De acordo com M. Fonseca (2012, p. 92), a partir dos estudos em que Foucault se dedica

    com maior profundidade aos mecanismos de poder e sua implicao na constituio da

    subjetividade, pode-se dizer que a norma compreende um domnio de estados e situaes que

    permitem a concretizao de tecnologias positivas de poder, caractersticas das sociedades

    modernas.

    Por sua vez, segundo Ewald (1993, p. 108), a norma consiste em uma maneira de um

    grupo se dotar de uma medida comum segundo um rigoroso princpio de auto-referncia, sem

    recurso a nenhuma exterioridade, quer seja a de uma idia quer a de um objeto. Trata-se,

    portanto, de uma medida comum extrada do prprio grupo a quem se dirige, em relao qual

    cada indivduo poder medir-se, avaliar-se e identificar-se.

    Ela possibilita, assim, ordenar e articular multiplicidades com base num princpio de

    pura referncia a si. Ao mesmo tempo em que torna cada indivduo comparvel a outro,

    fornecendo o parmetro, permite tambm a cada um reconhecer-se diferente dos demais,

    encerrando-se em sua prpria individualidade (EWALD, 1993, p.108-109).

    Para Foucault (2005, p. 302), a norma o elemento que circula entre o disciplinar e o

    regulamentador, que pode ser aplicada tanto ao corpo que se busca disciplinar quanto populao

    percorrem os prprios indivduos, recortando-os e os remodelando, traando neles, em seus corpos e almas, regies

    irredutveis. (FOUCAULT, 2007, p. 105-107).

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    26

  • que se visa regulamentar. Contudo, embora tanto o poder disciplinar quanto o biopoder sejam

    normalizadores, diferenciam-se quanto ao tipo de normalizao levada a efeito por cada um.

    (FONSECA, M., 2012, p. 207).

    No caso da disciplina, a funo de normalizao consiste em buscar adequar as pessoas,

    os gestos, os comportamentos, a um modelo pr-estabelecido, construdo em funo de um

    resultado esperado, sendo considerado normal quem capaz de se conformar a essa norma e

    anormal quem no . Assim, na normalizao disciplinar, h uma anterioridade da norma em

    relao identificao do normal e do anormal, razo pela qual afirma Foucault (2008, p. 75-

    76) que se trata mais de um processo de normao que de normalizao propriamente dita.

    Por sua vez, no biopoder tem-se primeiramente, atravs de estatsticas e medies da

    populao, uma identificao do normal e do anormal, das diferentes curvas de normalidade

    de um corpo social. A normalizao ento consiste em tentar reduzir as normalidades mais

    desviantes, mais desfavorveis, aproximando-as de um estado considerado mais favorvel, que

    serve como norma (FOUCAULT, 2008, p. 82-83). Nesse sentido, afirma Foucault (2008, p. 83):

    o normal que primeiro, e a norma se deduz dele, ou a partir desse estudo das normalidades

    que a norma se fixa e desempenha seu papel operatrio, podendo por isso se falar em

    normalizao em sentido estrito.

    A normalizao, portanto, efetivada por mecanismos disciplinares e reguladores, os

    quais desencadeiam, respectivamente, processos de normao e de normalizao em sentido

    estrito. Nesse contexto, a assim designada sociedade de normalizao consiste, segundo Foucault

    (2005, p. 302), na sociedade em que cruzam, conforme uma articulao ortogonal, a norma da

    disciplina e a norma da regulamentao.

    Assim, conforme explica R. Fonseca, a sociedade de normalizao aquela em que as

    pessoas sofrem a incidncia, a partir de formas particulares, dessas duas tecnologias de poder que

    atuam em mbitos distintos (FONSECA, R., 2002, p. 115), mas tambm do direito, que como

    ser visto a seguir, pode ser invadido pelas normas e se tornar seu veculo (FONSECA, R., 2004,

    p. 277).

    6. A RELAO ENTRE O PODER NORMALIZADOR E O DIREITO EM FOUCAULT

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    27

  • Primeiramente, deve-se ressaltar que inexiste, em Foucault, o desenvolvimento de uma

    teoria ou um pensamento sistemtico a respeito do direito. Apesar disso, as referncias ao direito

    e s suas prticas so muito freqentes em seus trabalhos (FONSECA, M., 2012, p. 22-28).

    De acordo com R. Fonseca (2002, p. 117), numa primeira leitura das obras do filsofo se

    poderia pensar que inexiste qualquer relao entre o poder da norma e o poder do direito, que eles

    teriam naturezas muito distintas e at incompatveis, de forma que a diferena existente na lgica

    interna de cada um tornaria impossvel fazer uma analtica do poder que tratasse simultaneamente

    dos dois modelos. Assim, haveria duas opes excludentes entre si: ou se analisa o poder com

    base na idia de soberania, como faz o direito, ou com foco nos mecanismos de normalizao.

    De um lado, com base na idia de poder do Estado com que trabalham os juristas,

    haveria um soberano detentor do poder e, numa relao descendente (e apenas nessa direo e

    sentido), os sditos ou cidados que sofrem sua incidncia. A lei e o direito aparecem aqui como

    faces desse poder, consistindo nas formas assumidas pelo aparato do Estado para regular a vida

    das pessoas. De outro lado, haveria o poder normalizador (disciplinar e biopoltico), que aquele

    que se espraia por todas as relaes sociais, manifestando-se em discursos legitimadores, como o

    saber clnico, caracterizado pelo exerccio contnuo, pela inexistncia de sano

    institucionalizada, por um sistema de vigilncia intermitente, um aparato de regras,

    normalizaes, controle, e que detm um papel bastante importante na sujeio dos indivduos.

    (FONSECA, R., 2004, p. 275).

    Essa leitura da incompatibilidade, segundo a qual o filsofo francs teria estabelecido

    uma separao total entre o direito e a norma, ignorando suas inter-relaes (FONSECA,

    R.,2002, p. 117-120), corresponde viso defendida por Boaventura de Sousa Santos (2011, p.

    264), para quem Foucault exagera a incompatibilidade entre o poder do direito e o poder da

    norma, passando ao largo das complexas circulaes de sentido e possveis interpenetraes que

    podem ocorrer entre elas.

    Contudo, segundo R. Fonseca (2004, p. 275-276), Foucault nunca afirmou haver uma

    incompatibilidade entre essas formas de poder, mas apenas uma diferena, que foi sempre

    enfatizada em razo do privilgio, ou at exclusividade, da abordagem restrita apenas faceta

    jurdica do poder, vigente no pensamento poltico e jurdico desde Hobbes.

    Assim, buscando resgatar uma tradio que havia sido esquecida diante da prevalncia

    do discurso jurdico, tradio essa que via o poder como um exerccio contnuo e incessante de

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    28

  • foras e a poltica como a continuao da guerra por outros meios, o filsofo traz tona o

    discurso da guerra e intensifica a diferenciao entre o poder soberano e o poder normalizador,

    podendo por isso dar a impresso de que seriam incompatveis. (FONSECA, R., 2002, p. 121).

    No entanto, seguindo a afirmao de Boaventura de Souza Santos de que existe

    circulao de sentido e cumplicidade entre o poder jurdico e o normalizador, R. Fonseca (2004,

    p. 276) defende outra leitura da relao entre direito e norma em Foucault: a leitura da

    implicao, segundo a qual o direito e a norma podem atuar de forma conjunta, ter uma relao

    de reciprocidade, podendo o direito veicular o poder normalizador. Desta forma, haveria apenas

    diferena (e no incompatibilidade) entre norma e direito e, eventualmente, at implicao.

    Tal implicao, alis, apontada pelo prprio Foucault ao afirmar que o funcionamento

    global da sociedade de normalizao pode ser explicado pelo exerccio simultneo do poder do

    direito e da norma, em que cada vez mais os discursos e os procedimentos normalizadores

    invadem e colonizam o direito (FOUCAULT, 2005, p. 46).

    Um exemplo disso pode ser verificado no estudo do filsofo a respeito do aparecimento

    das prises, em que ele identifica o deslocamento das prticas punitivas do sculo XVIII em

    direo ao aprisionamento com uma maior preocupao com o controle dos indivduos, diante da

    noo de periculosidade (FONSECA, R., 2002, p. 123-124). A priso tem a mesma funo que

    diversas outras instituies modernas: fixar os indivduos em um aparelho de normalizao das

    condutas (FONSECA, M., 2012, p. 165). Assim, tipificando as condutas e estabelecendo formas

    de punio aos ilcitos, como o aprisionamento, o direito se apropria das questes do controle e

    da normalizao (FONSECA, R.,2002, p. 124).

    A relao entre a norma e o direito tambm estudada por Mrcio Alves da Fonseca

    que, diante da fragmentao da temtica do direito nos textos foucaultianos, busca identificar trs

    imagens do direito em Foucault, que decorrem de diferentes abordagens (FONSECA, M., 2012,

    p. 30). Referido autor afirma (2012, p. 296-297) que, num plano conceitual, encontramos uma

    primeira oposio entre norma e direito, que pode ser reconhecida quando o filsofo explicita a

    concepo de poder que objeto de seu estudo, contrapondo-a ao modelo jurdico-discursivo de

    anlise do poder, relacionado teoria da soberania. O direito aparece aqui como lei ou conjunto

    das estruturas da legalidade (FONSECA, M., 2012, p. 95).

    J no plano das prticas, surge outra imagem do direito, o direito normalizado-

    normalizador. Aqui, j no se pode separar normalizao e direito, como se o direito constitusse

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    29

  • um domnio independente, distinto ou isento dos mecanismos de normalizao. H uma relao

    de implicao, de dependncia e complementaridade entre a norma e o direito. Trata-se, assim, de

    um direito normalizado, porque penetrado pelas prticas da norma, e ao mesmo tempo

    normalizador, funcionando como agente e vetor da normalizao. Aqui, o direito pensado a

    partir dos procedimentos de dominao e sujeio inerentes s prticas e saberes jurdicos

    (FONSECA, M., 2012, p. 240).

    Deve-se ressaltar, neste ponto, seguindo o entendimento de R. Fonseca (2004, p. 277),

    que tanto a norma quanto o direito podem atuar de forma independente no plano das prticas. A

    norma pode se aplicar sem o recurso ao direito e este no precisa ser necessariamente

    normalizador. Contudo, ambos podem funcionar em conjunto, como ocorre com freqncia,

    incidindo sobre as pessoas atravs dos mesmos mecanismos. Nas palavras do autor: so como

    crculos que se superpe parcialmente (contendo uma rea de interseo comum), mas que ao

    mesmo tempo mantm uma rea no invadida pelo outro (FONSECA, R., 2004, p. 277).

    Buscando demonstrar concretamente a idia do direito como veculo do poder

    normalizador, referido autor (2002, p. 153-166) apresenta inmeras situaes em que a legislao

    trabalhista veicula uma carga de normalizao sobre os trabalhadores, tais como as hipteses

    legais de dispensa por justa causa, por exemplo, que consubstanciam sem dvida uma forma de

    controle do comportamento dos empregados que visa adequ-los a um determinado padro de

    conduta, sob pena de serem dispensados justificadamente.

    Na mesma esteira, Borges (2005, p. 188) afirma que h uma srie de institutos

    normalizadores materializados na jurisdio penal brasileira, tais como a justia negocial, a

    suspenso condicional do processo, a testemunha indigna de f, as penas alternativas, o

    interrogatrio, etc. Em relao s penas alternativas, por exemplo, assevera que a converso da

    pena privativa de liberdade em restritiva de direitos exige, por si s, a comprovao de certo grau

    de normalizao no acusado (no reincidncia, conduta socialmente adequada, personalidade que

    no ostente traos de periculosidade e crime de baixa lesividade), e que tais penas impem ao ru

    o cumprimento de restries de cunho moralizador, tais como a prestao de servios

    comunidade, a proibio de freqentar determinados lugares e a obrigao de se recolher aos

    finais de semana (BORGES, 2005, p. 176).

    J em relao terceira imagem do direito presente em Foucault, segundo M. Fonseca

    (2012, p. 287-288), trata-se de uma nova oposio entre normalizao e direito, que tem como

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    30

  • referncia o plano das prticas e que em nada se assemelha primeira oposio conceitual,

    relacionando-se a prticas do direito consistentes em formas de resistncia aos mecanismos de

    normalizao. Trata-se do direito novo, antidisciplinar, mas que ao mesmo tempo estaria liberto

    do princpio da soberania, referido por Foucault na aula de 14 de janeiro de 1976 do curso Em

    Defesa da Sociedade3 (2005, p. 47).

    De acordo com M. Fonseca (2012, p. 243-244, 286), essa imagem do direito pode ser

    reconhecida em duas diferentes posturas encontradas nos trabalhos do filsofo: (i) a negativa, que

    consiste na desconfiana quase generalizada das formas do direito (produo e contedo das leis,

    estrutura das instncias de julgamento, organizao dos saberes jurdicos), em razo de sua

    colonizao pelos mecanismos de normalizao; (ii) a positiva, referente valorizao de atitudes

    que expressam uma forma de resistncia dos indivduos em ser sujeitados. Trata-se de atitudes

    crticas, que s so possveis a partir da ao refletida dos indivduos, as quais extrapolam o

    direito positivo e fundam a pretenso a novos direitos.

    Ressalte-se que, segundo Borges (2005, p. 119), Foucault aparentemente agiu de forma

    proposital ao no estabelecer um caminho para se chegar ao direito novo, pois no acreditava

    numa frmula para pensar este direito novo, mas em vrias formas possveis que deveriam ser

    desenvolvidas livremente e longe de qualquer tentativa de normalizao por parte de seu

    discurso, at porque segundo seu prprio mtodo genealgico, h inmeras atitudes crticas

    possveis, que se encontram em constante enfrentamento. (BORGES, 2005, p. 123).

    7. CONSIDERAES FINAIS

    Verifica-se, portanto, que apesar das inmeras diferenas existentes entre o poder

    normalizador e o poder jurdico, bastante enfatizadas por Foucault em razo da prevalncia da

    abordagem jurdica do poder na teoria poltica moderna, tais formas de exerccio do poder no

    so incompatveis entre si e podem inclusive atuar de forma conjunta, incidindo sobre os sujeitos

    por meio dos mesmos mecanismos.

    Conforme foi mencionado, o direito no raramente perpassado por estratgias

    normalizadoras decorrentes do poder disciplinar e do biopoder, funcionando como agente e vetor

    3 Segundo o filsofo (FOUCAULT, 2005, p. 47), no recorrendo soberania contra a disciplina que poderemos

    limitar os prprios efeitos do poder disciplinar. Tal afirmao parece se estender tambm ao biopoder, no se

    restringindo ao poder disciplinar.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    31

  • da normalizao. No entanto, muitos juristas no apenas desconhecem a existncia dos

    mecanismos de normalizao e sua atuao na sujeio dos indivduos, como tambm, por

    conseqncia, ignoram por completo a possibilidade de uma dimenso normalizadora incrustada

    no poder jurdico.

    Assim, enquanto o saber jurdico continua trabalhando com a categoria abstrata do

    sujeito de direito, baseada nas idias de autonomia privada, interesse, contrato, igualdade entre

    as partes, racionalidade, poder do Estado, etc., os indivduos reais esto cada vez mais cercados

    por dispositivos de saber e tecnologias de poder que os tornam progressivamente mais sujeitados,

    controlados e normalizados. (FONSECA, 2004, p. 279).

    Diante dessa situao, o estudo dos mecanismos de normalizao e de sua relao com o

    poder jurdico aparece como um imperativo para os operadores do direito, no apenas com o

    intuito de constatao das inmeras situaes em que o direito veicula uma carga de

    normalizao, mas tambm para que se possa talvez comear a pensar num direito novo,

    consubstanciado por atitudes crticas refletidas, questionadoras e que busquem resistir

    normalizao.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    jurisdio penal. 200 f. Tese apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Doutora

    no Programa de Ps-Graduao em Direito, da Faculdade de Direito, do Setor de Cincias

    Jurdicas, da Universidade Federal do Paran, em 12 de maio de 2005.

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    Paulo, v. XLI, n. 169, p. 28-39, jan./mar. 1993.

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    2011.

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

    33

  • A CONSTITUIO DA RETRICA DA PRXIS NA RELAO ENTRE A

    RETRICA, A FILOSOFIA E O DIREITO, NO REALCE AO DISCURSO JUDICIAL E

    NA VALORIZAO DO ETHOS DO ORADOR

    LA COSTITUZIONE DELLA RETORICA DELLA PRAXIS NELLA RAPPORTO TRA

    LA RETORICA, LA FILOSOFIA E IL DIRITTO, NELLEVIDENZIA DELLO

    DISCORSO GIUDIZIARIO E NELLA VALORIZZAZIONE DELLO ETHOS

    DELLORATORE

    RESUMO

    O objetivo analisar a retrica jurdica de Ccero. Defende-se que o Arpinate construiu um

    paradigma original, ao unir a filosofia retrica e ao direito, ao realar o ethos individual do retor

    na construo dos argumentos do discurso e ao dar nfase no discurso judicial. Oferece uma

    perspectiva poltica e jurdica misso do retor na sociedade. A abordagem feita conforme o

    modelo desenvolvido por Joo Maurcio Adeodato. A retrica, como metdica, descreve as

    estratgias utilizadas por Ccero para mobilizar a opinio do auditrio (retrica metodolgica).

    Essas estratgias sero desenvolvidas base do ambiente material em que o orador, o discurso e o

    auditrio esto inseridos (retrica dos mtodos).

    Palavras-chave:

    CCERO; RETRICA JURDICA; FILOSOFIA DO DIREITO

    RIASSUNTO

    L'obiettivo analizzare la retorica giuridica di Cicerone. Si sostiene che lArpinate costruito un

    paradigma originale per mezzo della costituzione della retorica della praxis nella rapporto tra la

    retorica, la filosofia e il diritto, nellevidenzia dello discorso giudiziario e nella valorizzazione

    dello ethos delloratore. Offre un punto di vista politico e giuridico alla missione del retore nella

    societ. L'approccio fatta secondo il modello sviluppato da Joo Maurcio Adeodato. La

    retorica, come metodica, descrive le strategie utilizzate da Cicerone per mobilitare lopinione

    COLEO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 27 - Filosofia do Direito

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  • dellauditrio (retorica metodologica). Queste strategie saranno sviluppate sulla base

    dell'ambiente materiale in cui sono inseriti l'oratore, il discorso e lauditrio (retorica dei metodi).

    Parole-chiave:

    CICERONE; RETORICA GIURIDICA; FILOSOFIA DEL DIRITTO

    Sumrio: 1. Introduo: um novo enfoque sobre a retrica de Ccero a partir da

    interveno do orador na realidade em que vive. 2. A concepo de uma totalidade fsica,

    tica e poltica na relao entre r