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ALEXANDRE DE MORAES DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS Teoria Geral Comentários aos arts. l e a 59 da Constituição da República Federativa do Brasil Doutrina e Jurisprudência 10a Edição SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2013

Direitos Humanos Fundamentais - Alexandre de Moraes

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ALEXANDRE DE MORAES

DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Teoria Geral

Comentários aos arts. l e a 59 da Constituição da República Federativa do Brasil

Doutrina e Jurisprudência

1 0 a E d ição

SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2013

© 1997 by Editora Atlas S.A.

1. ed. 1997; 2. ed. 1998; 3. ed. 2000; 4. ed. 2002; 5. ed. 2003; 6. ed. 2005; 7. ed. 2006; 8. ed. 2007; 9. ed. 2011; 10. ed. 2013

Capa: Leonardo Hermano Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Moraes, Alexandre de

Direitos humanos fundamentais : teoria geral, comentários aos arts. 1a a 5= da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência /

Alexandre de Moraes. - 10. ed. - São Paulo : Atlas, 2013.

Bibliografia. ISBN 978-85-224-7863-7

1. Brasil - Constituição (1988) - Artigos 1a a 5a 2. Direitos humanos -

Brasil I. Título. II. Série.

97-4255CDU-342.7(81)

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Direitos humanos fundamentais : Normas constitucionais: Direito

público 342.7(81)2. Brasil : Normas constitucionais : Direitos humanos fundamentais : Direito

público 342.7(81)

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n“

9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n“ 10.994,

de 14 de dezembro de 2004.

Impresso no Brasil/Prínfed in Brazil

i-Yóí. /wneeio ífí: M, Pereira•yudndt i is tüdeu i do Su d o es te du Bahia air.pa:: - í n o ta r da Conquista - BA

rxiT.ipMr: Còd Acervo:

.„ ,L „ ,J À~ ? ■

pp

Editora Atlas S.A.

Rua Conselheiro Nébias, 1384

Campos Elísios

01203 904 São Paulo SP

011 3357 9144

atlas.com.br

16 Direitos Humanos Fundamentais * Moraes

A incom parável im portância dos direitos hum anos fundam entais não conse­gue ser explicada po r qualquer das teorias existentes, que se m ostram insuficien­tes. Na realidade, as teorias se com pletam , devendo coexistirem , pois som ente a partir da form ação de um a consciência social (teoria de Perelm an), baseada principalm ente em valores fixados na crença de um a o rdem superior, un iver­sal e im utável (teoria ju sna tu ra lis ta), é que o legislador ou os tribunais (esses principalm ente nos países anglo-saxões) encon tram substra to político e social pa ra reconhecerem a existência de determ inados direitos hum anos fundam en­tais como in tegrantes do ordenam ento juríd ico (teoria positivista). O cam inho inverso tam bém é verdadeiro , pois o legislador ou os tribunais necessitam fun­dam en tar o reconhecim ento ou a própria criação de novos direitos hum anos a partir de um a evolução de consciência social, baseada em fatores sociais, econô­micos, políticos e religiosos.

A necessidade de interligação dessas teorias pa ra p lena eficácia dos direitos hum anos fundam entais, conform e já visto, foi exposta no preâm bulo da Consti­tuição francesa de 3-9-1791, quando se afirmou: “O povo francês, convencido de que o esquecim ento e o desprezo dos direitos naturais do hom em são as causas das desgraças do m undo, resolveu expor, num a declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis.”

Dessa form a, é possível afirm ar que a ciência dos direitos hum anos transfor­m ou-se em verdadeira disciplina au tônom a e in ter-relacionada com diversas ou ­tras disciplinas, tais como o Direito, a Filosofia, a Política, a H istória, a Sociologia, a Economia, a M edicina.

7 Direito internacional dos direitos humanos: conceito, finalidade e evolução histórica

A necessidade prim ordial de proteção e efetividade aos direitos hum anos possibilitou, em nível internacional, o surgim ento de um a disciplina au tônom a ao direito in ternacional público, denom inada Direito Internacional dos Direitos H um anos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da p lena eficácia dos direitos hum anos fundam entais, por m eio de norm as gerais tu te ladoras de bens da vida prim ordiais (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, m oral, en tre outros) e previsões de instrum entos políticos e jurídicos de im plem entação dos m esm os. Como ressaltado por Flávia Piovesan, “o Direito Internacional dos Direitos H um anos visa a garan tir o exercício dos direitos da pessoa hum ana” (Di­reitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 43).

A evolução histórica da proteção dos direitos hum anos fundam entais em diplom as internacionais é relativam ente recente, iniciando-se com im portantes declarações sem caráter-vinculativo, para posteriorm ente assum irem a form a de

Parte I - Teoria Geral 17

tra tados internacionais, no in tuito de obrigarem os países signatários ao cum pri­m ento de suas norm as.

A Declaração Universal dos Direitos do Hom em, assinada em Paris em 10 de dezem bro de 1948, constitui a mais im portan te conquista dos direitos hum anos fundam entais em nível internacional, pois como ensina Francisco Rezek, “até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirm ar que houvesse, em direito in ternacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tem a dos direitos hum anos” (Direito internacional público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 223).

E laborada a partir da previsão da Carta da ONU de 1944, que em seu art. 55 estabeleceu a necessidade de os Estados-partes prom overem a proteção dos direitos hum anos, e da composição, por parte da O rganização das Nações Uni­das, de um a Comissão dos Direitos H um anos, presidida por E leonora Roosevelt, a Declaração Universal dos Direitos do Hom em afirm ou que o reconhecim ento da dignidade hum ana inerente a todos os m em bros da fam ília hum ana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundam ento da liberdade, da justiça e da paz no m undo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resu ltaram em atos bárbaros que ultra jaram a consciência da H um anidade e que o advento de um m undo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do tem or e da necessidade tem sido a mais alta aspiração do hom em com um . A Declaração Universal dos Direitos H u­m anos ado tada e proclam ada pela Resolução n s 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, reafirm ou a crença dos povos das Nações Unidas nos direitos hum anos fundam entais, na d ignidade e no valor da pessoa hum ana e na igualdade de direitos do hom em e da mulher, visando à prom oção do progresso social e à m elhoria das condições de vida em um a am pla liberdade.

Os 30 artigos da Declaração consagraram , basicam ente, os princípios da igualdade e dignidade humanas; a vedação absoluta à discriminação de qualquer espécie, seja em razão de raça, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra na­tureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição; o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal; a expressa proibição à escravidão, ao tráfico de escravos ou servidão; a proibição à tortura, ao tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante; o princípio do ju iz natural; o acesso ao Judiciário; a vedação às prisões, detenções e exílios arbitrários; os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; o princípio da reserva legal; a inviolabilidade à honra, à imagem e à vida privada; a liberdade de locomoção; o asilo político; o direito à nacionalidade; o direito de propriedade; a liberdade de pensamento, consciência, opinião, expressão e religião; o direito de re­união, de associação e de sindicalização; os direitos políticos; o direito ao trabalho e à livre escolha de profissão, com a conseqüente justa remuneração que lhe assegure, assim como à sua fam ília, uma existência compatível com a dignidade humana; o direito ao repouso e ao lazer; direito à instrução e à vida cultural.

18 Direitos Humanos Fundamentais s Moraes

Prevê-se, ainda, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua fam ília saúde e bem-estar, inclusive alim entação, vestuá­rio, habitação, cuidados m édicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desem prego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (artigo XXV).

A Declaração Universal dos Direitos H um anos considera a fam ília como n ú ­cleo na tu ra l e fundam ental da sociedade, consagrando seu direito à proteção da sociedade e do Estado. Consagra-se, ainda, o direito dos hom ens e m ulheres de m aior idade de contrair m atrim ônio. Além disso, a m atern idade e a infância terão direitos a cuidados e assistência especiais.

O instrum ento form al adotado pela Declaração Universal dos Direitos H u­m anos, conform e já citado, foi resolução da Assembleia, não constituindo seus dispositivos obrigações jurídicas aos Estados-partes. H ildebrando Accioly e Ge­raldo Eulálio do N ascim ento e Silva relem bram que o caráter não vinculativo da D eclaração já era previsto desde a constituição da Comissão inicial, afirm ando que, “não obstante a ênfase dada ao reconhecim ento dos direitos hum anos, a Senhora Roosevelt reiterou a posição de seu país, no sentido de que a Declaração não era um tra tado ou acordo que criava obrigações legais. Aliás, a afirm ativa era desnecessária. Conforme foi visto, não obstan te a im portância que algum as resoluções tenham tido, a doutrina é unânim e ao afirm ar que não são de im ­plem entação obrigatória” (M anual de direito in ternacional público. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 368). Conforme relem bra Francisco Rezek, “por mais de um a vez, ante gestões externas fundadas no zelo pelos direitos hum anos, certos países reagiram lem brando a na tu reza não convencional da Declaração” (direi­to internacional público. Op. cit. p. 224). Flávia Piovesan critica esse posiciona­m ento, concluindo que, apesar da inexistência de força juríd ica obrigatória e vinculante, a Declaração “vem a a testar o reconhecim ento universal de direitos hum anos fundam entais, consagrando um código com um a ser seguido por todos os Estados” (Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 176).

A referida Declaração prevê som ente norm as de direito m aterial, não estabe­lecendo nenhum órgão jurisdicional in ternacional com a finalidade de garan tir a eficácia dos princípios e direitos nela previstos.

O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos H um anos na própria d a ta de sua adoção e proclam ação, 10-12-1948.

Ressalte-se que an teriorm ente à Declaração Universal dos Direitos do Ho­m em , nesse m esm o ano, em abril de 1948, a IX Conferência Internacional Am eri­cana, realizada em Bogotá, havia aprovado a Resolução XXX, consagrando a De­claração A m ericana dos Direitos e Deveres do Hom em, que com seus 38 artigos trazia previsões m uito sem elhantes àquelas já narradas.

Parte I - Teoria Geral 19

A partir disso, a proteção in ternacional dos Direitos H um anos passou a in- tensificar-se, com a aprovação de inúm eras declarações e tra tados internacionais.

Em 9-12-1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução n a 260 A (III), ratificando a Convenção pa ra a prevenção e a repressão do crime de genocídio; em 28-7-1951, foi ado tada a Convenção relativa ao Estatuto dos refugiados, aprovada pela Resolução n 2 429 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas. N ovam ente e com a finalidade de proteção dos “refugiados” foi aprovado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, em 16-12-1966, pela Resolução n Q 2.198 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Nessa m esm a data, foi adotado pela Resolução ns 2.200-A (XXI) da Assem­bleia Geral das Nações Unidas im portante docum ento in ternacional garantidor de direitos fundam entais, denom inado “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”, onde foram previstos diversos direitos, tais como a autodeterm inação dos povos, no sentido de livrem ente determ inarem seu estatu to político e asse­gurarem livrem ente seu desenvolvim ento econôm ico, social e cultural; o direito à vida; a proibição da to rtu ra ; a possibilidade de o condenado à m orte te r o direito de ped ir indulto ou com utação da pena; a escusa de consciência; direito à liberdade; acesso ao Judiciário; excepcionalidade das prisões preventivas; inde­nização por erro judiciário; direito ao respeito e dignidade hum ana; bem como os demais direitos já consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O Brasil tam bém é signatário da Declaração do Direito ao Desenvolvim ento, de 4-12-1986; da Declaração e Program a de Ação de Viena, de 25-6-1993; De­claração de Pequim ado tada pela quarta conferência m undial sobre as m ulheres, de 15-9-1995.

O rol dos Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos Hum anos assina­dos pela República Federativa do Brasil é com pletado pelos seguintes docum entos: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16-12-1966; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 21-12-1965; Convenção Am ericana sobre Direitos Hum anos - Pacto de San José da Costa Rica, de 22-11-1969; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18-12-1979; Convenção contra a Tortura e outros Tratam entos ou Penas Cruéis, Desum anas ou Degradantes, de 10-12-1984; Convenção Interam ericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 9-12-1985; Con­venção sobre os Direitos da Criança, de 20-11-1989; Convenção Interam ericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 6-6-1994, e ratifi­cada pelo Brasil em 27-11-1995.

Im portante ressaltar algum as previsões da Convenção Am ericana de Direitos Hum anos - Pacto de San José da Costa Rica, de 22-11-1969, que reafirm aram o propósito dos Estados Am ericanos em consolidar no Continente, dentro do qua­dro das instituições dem ocráticas, um regim e de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos hum anos essenciais.

Os 82 artigos do referido Pacto dividem -se em três partes: Deveres dos Esta­dos e Direitos Protegidos; Meios de Proteção; e Disposições Gerais e Transitórias.

Ressalte-se, portan to , que, diferentem ente da Declaração Universal dos Di­reitos do Hom em, o Pacto de San José da Costa Rica não traz som ente norm as de caráter m aterial, prevendo órgãos com petentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cum prim ento dos com prom issos assum idos pelos Estados- -partes. Esses órgãos são a Comissão Interam ericana de Direitos H um anos e a Corte In teram ericana de Direitos Hum anos.

Em relação aos direitos hum anos fundam entais, garantem -se principalm en­te: direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; direito à vida; direito à in­tegridade pessoal; proibição da escravidão e da servidão; direito à liberdade pessoal; principio do ju iz natural; acesso ao Judiciário; princípio da inocência; princípio da legalidade e da retroatividade; direito à indenização; proteção da honra e da dig­nidade; liberdade de consciência e de religião; liberdade de pensamento e de expres­são; direito de retificação ou resposta; direito de reunião; liberdade de associação; proteção da fam ília; direito ao nome; direitos da criança; direito à nacionalidade; direito de propriedade; direito de circulação e residência; direitos políticos; princípio da igualdade perante a lei.

A respeito da incorporação de direitos hum anos fundam entais previstos em atos e tra tados internacionais no ordenam ento jurídico in terno brasileiro, confe­rir Parte II, item 5.127.

-L- Direitos Humanos Fundamentais * Moraes

8 Conceito e características dos direitos humanos fundamentais

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser hum ano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por m eio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecim ento de condições m ínim as de vida e desenvolvim ento da personalidade hum ana pode ser definido como direitos hu­manos fundam entais.

A Unesco, tam bém definindo genericam ente os direitos humanos fundam en­tais, considera-os por um lado um a proteção de m aneira institucionalizada dos direitos da pessoa hum ana contra os excessos do poder com etidos pelos órgãos do Estado, e por outro, regras para se estabelecerem condições hum anas de vida e desenvolvim ento da personalidade hum ana (Les dimensions internationales des droits de Vhomme. Unesco, 1978, p. 11).

Pérez Luno apresenta-nos um a definição com pleta sobre os direitos funda­m entais do hom em , considerando-os um conjunto de faculdades e instituições que, em cada m om ento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos or­denamentos jurídicos em nível nacional e internacional (CASTRO, J. L. Cascajo, LUNO, Antonio-Enrique Pérez, CID, B. Castro, TORRES, C. Gómes. Los derechos

Parte I - Teoria Geral 2 3

norm as definidoras dos direitos e garantias fundam entais têm aplicação im ediata (CF, art. 5a, § I a). Essa declaração pura e sim plesm ente por si não bastaria se outros m ecanism os não fossem previstos para torná-la eficiente (por exemplo, m andado de injunção e iniciativa popular).

10 Direitos fundamentais e garantias institucionais

Trata-se de clássica distinção da doutrina alem ã, como lem bra Canotilho, para a qual as garantias institucionais (Einrichtungsgarantien) com preendiam as garantias jurídico-públicas (Institutionnelle Garantien) e as garantias jurídico- -privadas (Institutsgarantie).

As garantias institucionais, apesar de m uitas vezes virem consagradas e p ro ­tegidas pelas leis constitucionais, não seriam verdadeiros direitos atribuídos d i­retam ente às pessoas, m as a determ inadas instituições, que possuem sujeito e objeto diferenciados.

Assim, a m atern idade, a família, a liberdade de im prensa, o funcionalism o público, os entes federativos são instituições protegidas d ire tam ente como rea ­lidades sociais objetivas e só ind iretam ente se expandem para a proteção dos direitos individuais. Concluindo esse raciocínio, Canotilho afirm a que “a p ro tec­ção das garantias institucionais aproxim a-se, todavia da protecção dos direitos fundam entais quando se exige, em face das intervenções lim itativas do legislador, a salvaguarda do ‘m ínim o essencial’ (núcleo essencial) das instituições” (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Alm edina, 1993. p. 517).

11 Direitos fundamentais na Constituição de 1988 - Classificação

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundam entais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos.

Assim, a classificação ado tada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero direitos e garantias fundam entais:

• direitos individuais e coletivos - correspondem aos direitos d iretam ente ligados ao conceito de pessoa hum ana e de sua própria personalidade, como, por exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade. Basicam ente, a Constituição de 1988 os prevê no art. 5a e serão detalhadam ente es tu ­dados nos com entários aos incisos do citado artigo;

• direitos sociais - caracterizam -se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por fi­nalidade a m elhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando

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à concretização da igualdade social, que configura um dos fundam entos de nosso Estado Dem ocrático, conform e preleciona o art. I a, IV A Cons­tituição Federal consagra os direitos sociais a partir do art. 6a;

• direitos de nacionalidade - nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determ inado Estado, fazendo deste indivíduo um com ponente do povo, da dim ensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cum prim ento de deveres impostos;

• direitos políticos - conjunto de regras que disciplina as form as de a tu a ­ção da soberania popular. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, perm itindo-lhe o exercício concre­to da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de m a­neira a conferir os atributos da cidadania. Tais norm as constituem um desdobram ento do princípio dem ocrático inscrito no art. I a, parágrafo único, da Constituição Federal, que afirm a que todo o poder em ana do povo, que o exerce por m eio de representan tes eleitos ou diretam ente. A Constituição regulam enta os direitos políticos no art. 14;

• direitos relacionados à existência, organização e participação em parti­dos políticos - a Constituição Federal regulam entou os partidos políticos como instrum entos necessários e im portantes para preservação do Esta­do D em ocrático de Direito, assegurando-lhes au tonom ia e p lena liberda­de de atuação, para concretizar o sistem a representativo.

Além da citada classificação constitucional dos direitos humanos fundam en­tais, a dou trina enum era inúm eras e diferentes classificações term inológicas so­bre o tem a, sem, contudo, ap resen tar diferenciações essenciais em relação ao seu tra tam ento .

Pim enta Bueno, analisando a Constituição do Im pério, apresentava-nos um a divisão tripartida dos direitos fundam entais em relação às pessoas: direitos n a tu ­rais ou individuais, direitos civis e direitos políticos, para concluir afirm ando que

“os prim eiros são filhos da natureza, pertencem ao hom em porque é ho ­m em , porque é um en te racional e m oral, são propriedades suas e não criaturas da lei positiva, são atributos, dádivas do Criador. Os segundos ou civis com preendem duas partes, um a que se com põe dos m esm os direi­tos individuais reconhecidos e garantidos pela lei civil, ou tra que resulta puram ente das instituições e disposições cíveis de cada nacionalidade. Os terceiros ou políticos são filhos unicam ente das leis ou constituições polí­ticas, são criações das conveniências e condições destas, e não faculdades natu ra is” (Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: M inistério da Justiça e Negócios Interiores, 1958. p. 379).

Parte I - Teoria Geral 43

.: r.stituinte de 1988 com o imobilismo da tradicional teoria da separação de : : deres, atribuindo função de atuação a determ inado órgão do Estado, que é o Ministério Público, para assegurar a eficácia dos direitos indisponíveis previstos _ ela própria Constituição” (Criminologia e juizado especial criminal. São Paulo:-.-das, 1997. p. 71).

1" Direitos humanos fundamentais da criança e do adolescente - inimputabilidade penal (CF, art. 228)

O tra tam en to constitucional aos direitos das crianças e adolescentes m ostra- -se diferenciado, como dem onstra o Título VIII, Capítulo VII - Da fam ília, da criança, do adolescente e do idoso - , em v irtude da especial condição de pessoa em desenvolvim ento. A Constituição brasile ira seguiu a tendência in ternacional consagrada no art. 1Q da Convenção dos Direitos da Criança, que estabelece ser r iança todo o ser hum ano com menos de 18 anos. Desta form a, a criança tem direito a um a proteção especial ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual e ;: cial, por meio de um a form a de vida saudável e normal e em condições de liber- zzde e dignidade.

A citada convenção, ado tada pela resolução n s L.44 (XLIV) da Assembleia I-eral das Nações Unidas, em 20 de novem bro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setem bro de 1990, estabelece a obrigatoriedade dos Estados-partes em assegurarem a toda criança sujeita à sua jurisdição, sem discrim inação de qualquer tipo, independen tem en te de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou ou tra origem nacional, é tn ica ou social, posição econôm ica, im pedi­m entos físicos, nascim ento ou qualquer ou tra condição da criança, de seus pais :>ü de seus represen tan tes legais, os direitos nela previstos.

Note-se que a Convenção sobre os Direitos da Criança, apesar de estabelecer em até 18 anos de idade o ser hum ano que deve ser considerado criança, não fixa r.enhum a regra sobre a im putabilidade penal, perm itindo, inclusive, a possibili­dade de aplicação de penas privativas de liberdade, desde que legalm ente im pos­tas. Conforme prevê seu art. 37, nenhum a criança será privada de sua liberdade de form a ilegal ou arbitrária , devendo a detenção, reclusão ou prisão de um a criança ser efetuada em conform idade com a lei e apenas como últim o recurso, e durante o mais breve período de tem po que for apropriado. Ainda é prevista a im possibilidade de a criança ser subm etida a to rtu ra ou a tra tam entos ou penas cruéis, desum anas ou degradantes, ou, ainda, a pena de m orte, prisão perpétua sem possibilidade de livram ento.

Dessa m aneira, a previsão etária pa ra classificar-se o ser hum ano como crian­ça prevista na citada Convenção, m esm o que repetida pela Constituição do Es- tado-parte, não se confunde com a idade m ínim a para a im putabilidade penal.

O fato de constitucionalm ente prever-se como criança o ser hum ano com m e­nos de 18 anos não necessariam ente obriga que a im putabilidade penal seja reco-

4 2 Direitos Humanos Fundamentais 8 Moraes

órgão esta tal com esses contornos jurídico-políticos, apesar da diversidade de nom es: ombudsm an na Suécia, mediateur na França, comissário parlam en tar na Inglaterra, provedor da justiça em Portugal, prokuratura na Rússia, defensor do povo na Espanha.

A ideia m odernam ente defendida, portan to , é da necessidade de instituições independentes, paralelas aos tradicionais poderes de Estado, e com a m issão de tu te la r os direitos fundam entais, fiscalizando o cum prim ento po r parte do poder esta tal das previsões constitucionais e legais, e exigindo a cessação e reparação de eventuais ilegalidades ou abusos de poder ao Poder Judiciário.

Na Constituição Federal de 1988, o M inistério Público recebeu essa vital in ­cum bência, ao ter consagrado com um a de suas funções o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 129, II). Assim, dentre as várias funções atuais do M inistério Público, encontra-se a proteção ao status (Jellinek) constitucional do indivíduo, em suas diversas po ­sições. Uma das posições do status constitucional corresponde à esfera de liber­dade dos direitos individuais, perm itindo a liberdade de ações, não ordenadas e tam bém não proibidas, garantindo-se um espectro to tal de escolha, ou pela ação ou pela omissão. São os cham ados status negativos. O utra posição coloca o ind i­víduo em situação oposta à da liberdade, em sujeição ao Estado, na cham ada es­fera de obrigações, é o status passivo. O status positivo, po r sua vez, perm ite que o indivíduo exija do Estado a prestação de condutas positivas, ou seja, reclam e para si algo que o Estado estará obrigado a realizar. Por fim, tem os o status ativo, pelo qual o cidadão recebe com petências para participar do Estado, com a finalidade de form ação da vontade estatal, como é o caso do direito de sufrágio. Conclui- -se, portan to , que a teoria dos status evidencia serem os direitos fundam entais um conjunto de norm as jurídicas que atribuem ao indivíduo diferentes posições frente ao Estado.

Portanto, tam bém é função do M inistério Público, jun tam en te com os Pode­res Legislativo, Executivo e Judiciário, garan tir ao indivíduo a fruição de todos os seus status constitucionais. Essa ideia foi consagrada pelo legislador constituinte de 1988, que en tendeu por fortalecer a Instituição, dando-lhe independência e autonom ia, bem como a causa social para defender e proteger. Um órgão, no dizer de M anoel Gonçalves Ferreira Filho, “de prom oção da defesa social desses direitos” (Direitos humanos fundam entais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 126).

Essa ideia de M inistério Público como defensor dos direitos e garantias fun ­dam entais é defendida tam bém por Salvador A lem any Verdaguer, que afirma: “El M inistério Fiscal es una institución que tiene por m isión prom over la acción de la justicia en defensa de la legalidad, de los derechos de los ciudadanos y dei in terés público tu te lado por la Ley” (Curso de derechos hum anos. Barcelona: Bosch, 1984. p. 93).

Corroborando a ideia da im portância da a tuação do M inistério Público na efetividade dos direitos hum anos fundam entais, Sm anio afirm a que “rom peu o

4 4 Direitos Humanos Fundamentais * Moraes

nhecida som ente após essa idade. Assim, por exemplo, a Constituição espanhola, que se com patibiliza com a citada Convenção, em seu art. 12, estabelece que los espaholes son mayores de edad a los dieciocho anos. Tal previsão, como já decidiu o Suprem o Tribunal Constitucional espanhol, não im pede que os Estados signatá­rios estabeleçam legalm ente um a idade abaixo dos dezoito anos em que se possa reconhecer a im putabilidade penal, havendo, portan to , p lena possibilidade cons­titucional de se subm eter a jurisdição penal alguém com m enos de dezoito anos, desde que previsto expressam ente em lei (LLORENTE, Francisco Rubio. Derechos fundam en ta lesy princípios constitucionales. Barcelona: Ariel, 1995. p. 86).

Ocorre, porém , que a situação brasileira é diferenciada, pois a Constituição Federal de 1988, expressam ente em seu art. 228, previu, den tre os vários direitos e garantias específicos das crianças e dos adolescentes, a seguinte regra: são pe­nalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Essa previsão transform a em especialíssimo o tra tam en to dado ao m enor de 18 anos em relação à lei penal. Dessa form a, impossível a legislação ordinária prever responsabilidade penal aos m enores de 18 anos.

A questão, todavia, deve ser analisada em seu aspecto m ais complexo, qual seja, a possibilidade de alteração constitucional que possibilitasse um a redução da idade geradora da im putabilidade penal. Seria possível um a em enda constitu­cional, nos term os do art. 60 da Constituição Federal, p ara alteração do art. 228?

Entendem os impossível essa hipótese, por tratar-se a inim putabilidade penal, prevista no art. 288 da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem subm etidos à persecução penal em Juízo, nem tam pouco poderem ser responsabilizados crim inalm ente, com conseqüente aplicação de sanção penal. Lem bremo-nos, pois, que essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do m enor de 18 anos, enquanto garantia positiva de liberdade, igualm ente transform a-se em garantia negativa em relação ao Estado, im pedindo a persecução penal em juízo.

Assim, o art. 288 da CF encerraria h ipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art. 59, cuja possibilidade já foi declarada pelo Su­prem o Tribunal Federal em relação ao art. 150, III, b (ADin n2 939-7/D F - confe­rir com entários ao art. 52, § 22), e, consequentem ente, au tên tica cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4a, IV (não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais).

18 Preâmbulo constitucional

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- -estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de um a sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

Parte II: COMENTÁRIOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS AOS ARTS. l ü A 5°

TÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1 - A República Federativa do Brasil, form ada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo­crático de Direito e tem como fundam entos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

I V - o s valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

1.1 Fundamentos da República Federativa do Brasil - Princípio da dignidade humana

A República Federativa do Brasil, form ada pela união indissolúvel dos Esta­dos e M unicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Dem ocrático de direito e tem como fundam entos:

• a so b e ran ia : consistente, na definição de M arcelo Caetano, em

“um poder político suprem o e independente, entendendo-se por poder suprem o aquele que não está lim itado por nenhum outro na ordem in­te rn a e por poder independen te aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariam ente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes suprem os dos outros povos” (Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 1, p. 169).

É a capacidade de ed itar suas próprias norm as, sua própria ordem juríd ica (a com eçar pela Lei M agna), de tal m odo que qualquer regra he- terônom a só possa valer nos casos e nos term os adm itidos pela própria Constituição. A Constituição traz a form a de exercício da soberania po­pu lar no art. 14. O sentido dem ocrático previsto no parágrafo único do art. I a da Constituição Federal ao proclam ar que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição, obriga-nos à in terpretação de que a titulari-

4 8 Direitos Humanos Fundamentais * Moraes

dade dos m andatos no executivo ou legislativo som ente serão legítimos quando puderem ser relacionadas, de m aneira m ediata ou im ediata, a um ato concreto de expressão popular. Assim, som ente poderão ser considerados representantes populares aqueles cujos m andatos resultam de eleição popular. Em consonância com essa previsão, a Constituição Federal proclam a, no art. 14, que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Não bastasse isso, a própria norm a constitucional consagra a im utabi­lidade do voto direto, secreto, universal e periódico (CF, art. 60, § 42, II);

• a c id ad an ia : represen ta um status do ser hum ano, apresentando-se, si­m ultaneam ente , como objeto e direito fundam ental das pessoas;

• a d ig n id a d e d a p e sso a h u m an a : a dignidade é um valor espiritual e m oral ineren te à pessoa, que se m anifesta singularm ente n a au tode ter­m inação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das dem ais pessoas, constituindo-se um m ínim o invulnerável que todo esta tu to jurídico deve assegurar, de m odo que, som ente excepcionalm ente, possam ser feitas lim itações ao exercí­cio dos direitos fundam entais, m as sem pre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intim idade, à honra, à im agem , den tre outros, apare­ce como conseqüência im ediata da consagração da dignidade da pessoa hum ana como fundam ento da República Federativa do Brasil. Esse fun­dam ento afasta a ideia de predom ínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrim ento da liberdade individual. A ideia de dignidade da pessoa hum ana encontra no novo texto constitucional to ­tal aplicabilidade em relação ao planejam ento familiar, considerada afam ília célula da sociedade, seja derivada de casam ento, seja de união iestável en tre hom em e mulher, pois, fundado nos princípios da dignida- 1de da pessoa hum ana e da patern idade responsável, o p lanejam ento fa- im iliar é livre decisão do casai, com petindo ao Estado propiciar recursos 1educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qual- 1quer form a coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (CF, art. 226, § 72). O princípio fundam ental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa hum ana apresenta-se em um a dupla con­cepção. Prim eiram ente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos dem ais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundam ental de tra tam ento igualitário dos próprios sem elhantes. Esse dever configura-se pela exi­gência do indivíduo respeitar a dignidade de seu sem elhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundam ental resum e-se a três princípios do direi­to rom ano: honestere vivere (viver honestam ente), alterum non laedere (não prejudique ninguém ) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que

5 6 Direitos Humanos Fundamentais • Moraes

Direito de defesa e dignidade da pessoa hum ana: STF - “O direito de defesa constitui pedra angular no sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das ex­pressões do princípio da dignidade da pessoa humana” (STF - 2- T. - HC 89.176 - Rei. Min. Gilmar Mendes, julgamento: 22-8-2006). Nesse sentido: Súmula Vinculante 14 do STF: “E direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com­petente de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”Dignidade da pessoa hum ana e direito dos portadores de necessidades especiais: STF - ‘A Lei 8.800/1994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de neces­sidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e digni­dade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados” (STF - Pleno - ADI 2.649 - Rei. Min. Carmen Lúcia, julgamento: 8-5-2008).Estado democrático de direito e liberdade: STJ - “A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático e a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exce­ção e a Constituição Federal nega validade ao que o Juiz decidir sem fúndamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na decisão a eficácia pretendida pelo Juiz se amalgamadas com suficientes razões” (Ementário STJ, ns 15/632 - HC ne 3.871-0 - RS. rei. Min. EDSON VIDIGAL. 5a T. Unânime. DJ 13-11-95).

Dignidade da pessoa hum ana e liberdade individual: STF - “A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. I 2, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor- -fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo” (STF - Pleno - HC 85.237 - Rei. Min. Celso de Mello, julgamento: 17-3-2005). Conferir, no m esm o sentido: STF - 2a T. - HC 95.492 - Rei. Min. Cezar Peluso, julga­mento: 10-3-2009.Dignidade da pessoa hum ana e delito de redução à condição análoga à de escravo:STF - ‘A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e à efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quais­quer condutas que possam ter tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de traba­lho” (STF - Pleno - RE 398.041 - Rei. Min. Joaquim Barbosa, julgamento: 30-11-2006).

Parte II - Comentários Doutrinários e Jurisprudenciais aos Arts. I o a 52 t i '/

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Acesso à Justiça e pessoa jurídica: STF - “A pessoa jurídica pode ser beneficiária da assistência judiciária gratuita desde que demonstre a falta de recursos para arcar com as sustas processuais e os honorários advocatícios, não bastando a simples declaração de t ábreza. Com esse entendimento, o Tribunal manteve decisão do Min. Marco Aurélio, Presidente, que indeferira o pedido de assistência judiciária gratuita formulado por pes­soa jurídica sem a devida comprovação da insuficiência de recursos” (STF - Pleno - Re- uamação (AgR-ED) nB 1.905/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 15-8-02 .Informativo STF n2 277).

5 .3 D ire ito à v id a

A Constituição Federal garante que todos são iguais peran te a lei, sem dis­tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros re ­sidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundam ental de todos os direitos, pois o seu asseguram ento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito s. existência e exercício de todos os dem ais direitos.

A Constituição Federal assegura, portanto , o direito à vida, cabendo ao Esta­do assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a prim eira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se te r vida digna quanto à subsistência.

O direito hum ano fundam ental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição hum ana, ou seja, direito à alim entação, . estuário, assistência m édico-odontológica, educação, cultura, lazer e dem ais condições vitais. O Estado deverá garan tir esse direito a um nível de vida adequa­do com a condição hum ana respeitando os princípios fundam entais da cidadania, dignidade da pessoa hum ana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundam entais da República Federativa do Brasil de construção de um a sociedade livre, ju sta e solidária, garan tindo o desenvolvim ento nacional e erradicando-se a pobreza e a m arginalização, reduzindo, portan to , as desigual­dades sociais e regionais.

Dessa form a, ao Estado cria-se um a dupla obrigação:

• obrigação de cuidado a toda pessoa hum ana que não disponha de recur­sos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;

• efetivação de órgãos com petentes públicos ou privados, através de p e r­missões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos adequados que p retendam prevenir, d im inuir ou extinguir as deficiên­cias existentes para um nível m ínim o de vida digna da pessoa humana.

O início dessa preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista , tão som ente, dar-lhe o enquadram ento legal, e, “do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a fecundação do óvulo

8 8 Direitos Humanos Fundamentais « Moraes

pelo esperm atozóide, resu ltando um ovo ou zigoto. Assim o dem onstram os a rgu ­m entos colhidos n a Biologia. A vida viável começa, porém , com a nidação, quan ­do se inicia a gravidez. Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá no prólogo do livro Derecho a la vida e institución fam iliar, de Gabriel Del Estai, M adrid, Eapsa, 1979, em lição lapidar, o em brião ou feto represen ta um ser individualizado, com um a carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da m ãe, sendo inexato afirm ar que a vida do em brião ou do feto está englobada pela vida da m ãe.

N inguém pode ser privado arb itrariam ente de sua vida. Esse direito, que é o prim eiro da pessoa hum ana, tem em sua concepção atual conflitos com a pena de m orte, as práticas abortivas e a eutanásia, como posteriorm ente analisados.

Constituição Política da República do Chile: Art. 19 - “... La ley protege la vida dei que está por nacer”.

Calendário gregoriano e prim eiro dia de vida: STJ - “A legislação penal sufragou o calendário gregoriano para o cômputo do prazo. O período do dia começa à zero hora e se completa às 24 horas. Inclui-se o dia do começo. A idade é mencionada por ano. Não se leva em conta a hora do nascimento. O dia do começo, normativamente, independe do instante da ocorrência do nascimento. Termina às 24 h. Assim, a pessoa nascida ao meio-dia completa o primeiro dia de vida à meia-noite” (Ementário STJ n2 8/736 - REsp ne 16.849-0 - SE rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. 6- T. Unânime. DJ 14-6-93).Relatividade do direito à vida: Conforme destacado pelo Supremo Tribunal Federal, “Reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida ante o texto constitucio­nal, cujo art. 5a, XLVII, admitiria a pena de morte no caso de guerra declarada na forma do seu art. 84, XIX. No mesmo sentido, citou previsão de aborto ético ou humanitário como causa excludente de ilicitude ou antijuridicidade no Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a proteção ao direito à vida comportaria diferentes gradações, consoante o que esta­belecido na ADI 3510/DF” (STF - Pleno - ADPF 54/DF, rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 11 e 12-4-2012, Informativo STF n2 661).

Direito à vida e ausência de declaração de inconstitucionalidade do tipo penal do aborto, in abstrato: Conforme destacou o STF, “se mostraria despropositado veicular que o Supremo examinaria a descriminalização do aborto, especialmente porque existiria distinção entre aborto e antecipação terapêutica de parto. Nesse contexto, afastou as ex­pressões ‘aborto eugênico’, ‘eugenésico’ ou ‘antecipação eugênica da gestação’, em razão do indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia” (STF - Pleno - ADPF 54/DF, rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 11 e 12-4-2012, Informativo STF n2 661).

Proteção ao direito à vida e questão do “aborto do feto anencéfalo” como preceitos fundam entais: O Supremo Tribunal Federal, em questão de ordem e por maioria de vo­tos, reconheceu o cabimento de arguição de descumprimento de preceito fundamental para analisar lei anterior à Constituição Federal (caso: Aborto e anencefalia: STF - Pleno - ADPF/DF n2 54 - questão de ordem - rei. Min. Marco Aurélio - decisão: 20-10-2004, Informativo STF n2 366). Como destacado pelo Supremo Tribunal Federal, foram apon­tados “como violados os preceitos dos arts. I 2, IV (dignidade da pessoa humana); 52, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade); 6e, caput, e 196 (direito à

Parte II - Comentários Doutrinários e Jurisprudenciais aos Arts. I - a 52 8 9

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saúde), todos da CF, e, como ato do Poder Público, causador da lesão, o conjunto norma­tivo ensejado pelos arts. 124, 126, caput, e 128 ,1 e II, do Código Penal, requerendo, em última análise, a interpretação conforme à Constituição dos referidos dispositivos do CÇ a fim de explicitar que os mesmos não se aplicam aos casos de aborto de feto anencéfa­lo”; consequentemente, entendeu existir “necessidade do pronunciamento do Tribunal, a fim de se evitar a insegurança jurídica decorrente de decisões judiciais discrepantes acerca da matéria”, e, apontando “a inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesivida- de alegada, apontando-se, como fundamento, o que verificado relativamente ao habeas corpus 84025/RJ (DJU de 25-6-2004), da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, no qual a paciente, não obstante recorrer a essa via processual, antes do pronunciamento defini­tivo pela Corte, dera à luz a feto que veio a óbito em minutos, ocasionando o prejuízo da impetração”, concluiu afirmando que “quanto ao caráter acentuadamente objetivo da ADPF e a necessidade de o juízo da subsidiariedade ter em vista os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional - a ação direta de inconstitucionali- dade e a ação declaratória de constitucionalidade. Assim, incabíveis estas, como no caso de controle de legitimidade do direito pré-constitucional, possível a utilização daquela” (STF - Plenário - ADPF 54 QO/DF, rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 27-4-2005 - Infor­mativo STF n2 385, p. 1).Cabimento de arguição de descum prim ento de preceito fundam ental em relação à lei anterior à Constituição - Presença do princípio da subsidiariedade: STF - “En- tendeu-se, nos termos do voto do relator, que os requisitos concernentes à ação foram devidamente atendidos (Lei n2 9.882/99, arts. l s, 3S e 42, § l 2). Salientando de um lado a presença de argumentos em torno de valores básicos inafastáveis no Estado Democrá­tico de Direito e, de outro, os enfoques do Judiciário com arrimo em conclusões sobre o alcance dos dispositivos do Código Penal que dispõem sobre o crime de aborto, concluiu- -se pela necessidade do pronunciamento do Tribunal, a fim de se evitar a insegurança jurídica decorrente de decisões judiciais discrepantes acerca da matéria. Assentou-se a inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade alegada, apontando-se, como fundamento, o que verificado relativamente ao habeas corpus 84025/RJ {DJU de 25-6- 2004), da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, no qual a paciente, não obstante recorrer a essa via processual, antes do pronunciamento definitivo pela Corte, dera à luz a feto que veio a óbito em minutos, ocasionando o prejuízo da impetração. Ressaltou-se, também, o que consignado na ADPF 33 MC/PA (DJU de 6-8-2004), por seu relator, Min. Gilmar Mendes, quanto ao caráter acentuadamente objetivo da ADPF e a necessidade de o juízo da subsidiariedade ter em vista os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional - a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitu­cionalidade. Assim, incabíveis estas, como no caso de controle de legitimidade do direito pré-constitucional, possível a utilização daquela” (STF - Plenário - ADPF 54 QO/DF, rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 27-4-2005 - Informativo STF ne 385, p. 1). Ressalte-se que foram “vencidos os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie que não conheciam da ação por considerar, em síntese, que o pedido de interpretação conforme dos artigos implicaria ofensa ao princípio da reserva legal, criando mais uma hipótese de excludente de punibilidade. Vencido, da mesma forma, o Min. Carlos Velloso que julgava incabível a arguição, em razão de a pretensão da arguente eqüivaler, em última análise, a uma declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de disposições legais pré-constitucionais. Determinou-se, por fim, o retorno dos autos ao relator para examinar se é caso ou não da aplicação do art. 62, § l s da Lei n2 9.882/99”. Conferir tam bém em

9 2 Direitos Humanos Fundamentais • Moraes

cas na Segunda Guerra Mundial” (Ementário STJ nQ 15/191 - REsp ns 69.345-0 - PE. rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. 6- T. Unânime. DJ 6-5-96).

Direito à vida e à saúde: TRF - 1- Região - “Mandado de Segurança - Ato Judicial - Bloqueio de Cruzados Novos - Medida Liminar em Ação Cautelar - AI - Efeito Suspensivo - Situação Especial - Afasta-se a aplicabilidade da norma da Lei n2 8.076/90 quando a medida liminar que determinou o desbloqueio dos cruzados novos se fulcra em motivos relacionados com tratamento da saúde própria ou de familiar. CF: arts. 5Q, caput, 6e, 196 e 226. MS para atribuir efeito suspensivo a AI que se denega. (MS 90.01.16761-6-DF, I a Seção, maioria, rei. o Sr. Juiz Jirair Aram Meguerian, entre outros). Segurança denegada, na esteira dos precedentes da Seção” (MS 90.01.17430-2 - DF - I a S. - rei. Juiz Hércules Quasímodo - DJU 6-4-92).

Gratificação por risco de vida: STJ - “Administrativo - Gratificação de risco de vida - In­corporação. A Lei Complementar n2 41, de 21-12-1987, pelo art. 89, determinou o paga­mento da gratificação de risco de vida, a partir de l 2 de janeiro de 1988, aos policiais civis de São Paulo, em efetivo exercício de seus cargos. Os recorrentes passam a ter o direito de receber a gratificação, além dos vencimentos que já vinham percebendo” (Ementário STJ n2 05/40 - REsp n2 14.753-0 - PR. reg. n2 9100191191. rei. Min. Garcia Vieira. I a T. Unânime. DJ 9-3-92).

Proteção à vida do índio: STF - “A competência para julgar ação penal em que impu­tada a figura do genocídio, praticado contra indígenas na disputa de terra, é da Justiça Federal. Na norma definidora da competência desta para demanda em que envolvidos direitos indígenas, inclui-se a hipótese concernente ao direito maior, ou seja, a própria vida” (2a T. - RExtr. n2 179.485/AM - rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 10 nov. 1995, p. 38326).

5.3.1 Q uestão do aborto

A Constituição, é im portan te ressaltar, protege a vida de form a geral, inclu­sive a u terina, pois a gestação gera um tertium com existência d istin ta da m ãe, apesar de alojado em seu ventre. Esse tertium possui vida hum ana que iniciou-se com a gestação, no curso da qual as sucessivas transform ações e evoluções bioló­gicas vão configurando a form a final do ser hum ano.

A penalização do aborto (Cl? art. 124) corresponde à proteção da vida do nascituro, em m om ento an terio r ao seu nascim ento. A Constituição Federal, ao prever como direito fundam ental a proteção à vida, abrange não só a vida extrau- terina, m as tam bém a in tra-u terina, pois qualifica-se com verdadeira expectativa de vida exterior. Sem o resguardo legal do direito à vida in trau terina, a garantia constitucional não seria am pla e plena, pois a vida poderia ser obstaculizada em seu m om ento inicial, logo após a concepção.

A Convenção Am ericana de Direitos H um anos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22-11-1969 e ratificada pelo Brasil em 25-9-1992, em seu art. 4 a, esti­pula “Direito à vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o m om ento da concepção. N inguém pode ser privado da vida arb itrariam ente.”

Parte II - Comentários Doutrinários e Jurisprudenciais aos Arts. 1“ a 5S 9 3

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Analisando a possibilidade da despenalização do aborto, sob o prism a de sua constitucionalidade, um a vez que envolve o direito à vida, Quiroga Lavié afirm a que o tem a se vincula com a árdua questão filosófica sobre o m om ento inicial da ."ida. O constitucionalista argentino, após relem brar que nos Estados Unidos foi considerada legal a despenalização do aborto nos três prim eiros m eses de gesta­ção (Caso Roe vs. W ade, 1972), conclui que o aborto deve ser despenalizado em algum as hipóteses (aborto eugenésico, perigo de vida para a m ãe e resu ltan te de estupro), um a vez que a vida é tam bém liberdade sexual e violar a liberdade é um a form a de a ten tar contra a vida.

“También m erece protección la vida de la m adre, en cuanto se encuen- tra enriquecida por los valores que le incum ben al ejercer su libertad se­xual (su dignidad como ser hum ano), y no sólo como ser biológico. Es por ello que consideram os que se debe m odificar el Código Penal con el objeto de que se despenalice, tam bién, el aborto de la m ujer violada (aunque no sea idiota o dem ente); la vida es tam bién libertad y violar la libertad es una form a de a ten tar contra la vida” - (Op. cit. p. 365-366).

O Código Penal brasileiro, em seu art. 128, expressam ente prevê a possibili­dade do aborto terapêutico e aborto sentimental ou humanitário, da seguinte for­ma: Não se pune o aborto praticado por médico: I - s e não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. A legis­lação brasileira não prevê a possibilidade do aborto eugenésico, ou seja, quando há sério e fundado perigo para o filho, seja em virtude de um a grave predispo­sição hereditária , seja por doenças m aternas, duran te a gravidez ou, ainda, por qualquer outro fator externo (álcool, drogas, radiação, m edicam entos etc.) que possam acarretar enfermidades psíquicas, corporais, deformidades.

Entendem os em relação ao aborto que, além das hipóteses já perm itidas pela lei penal, na im possibilidade de o feto nascer com vida, por exemplo, em casos de acrania (ausência de cérebro) ou, ainda, com provada a to ta l inviabilidade de vida ex trau terina, por rigorosa perícia m édica, nada justificaria sua penalização, um a vez que o direito penal não estaria a serviço da finalidade constitucional de proteção à vida, m as sim estaria ferindo direitos fundam entais da mulher, igual­m ente protegidos: liberdade e dignidade humanas. Dessa form a, a penalização nesses casos seria de flagrante inconstitucionalidade.

Cf. No mesmo sentido do texto: FRANCO, Geraldo Francisco Pinheiro. Impossível a sobre- vida do feto, deve ser autorizado o aborto. Boletim IBCCRIM, na 11.

Vida e dignidade da pessoa hum ana. Possibilidade de interrupção de gravidez de feto anencéfalo: O STF garantiu o “direito da gestante de submeter-se a antecipação terapêutica de parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo, previamente diagnosti­cada por profissional habilitado, sem estar compelida a apresentar autorização judicial

?'4 Direitos Humanos Fundamentais Moraes

ou qualquer outra forma de permissão do Estado”, ressaltando que “na espécie, aduziu inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os de parte da sociedade que desejasse proteger todos os que a integrariam, independentemente da condição física ou viabilidade de so­brevivência. Sublinhou que o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente (...) Observou que seria improcedente a alegação de direito à vida dos anencéfalos, haja vista que estes seriam termos antitéticos. Explicou que, por ser o anencéfalo absolutamente inviável, não seria titular do direito à vida, motivo pelo qual o conflito entre direitos fun­damentais seria apenas aparente, dado que, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontraria o direito à vida ou à dignidade humana de quem estivesse por vir. Assentou que o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, seria juridicamente morto, de maneira que não deteria proteção jurídica, principal­mente a jurídico-penal. Corroborou esse entendimento ao inferir o conceito jurídico de morte cerebral da Lei 9.434/97, de modo que seria impróprio falar em direito à vida intra ou extrauterina do anencéfalo, natimorto cerebral. Destarte, a interrupção de gestação de feto anencefálico não configuraria crime contra a vida, porquanto se revelaria conduta atípica (...) não se coadunaria com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, de modo a privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não dete­ria sequer expectativa de vida fora do útero e aniquilar-se, em contrapartida, os direitos da mulher ao lhe impingir sacrifício desarrazoado” (STF - Pleno - ADPF 54/DF, rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 11 e 12-4-2012, Informativo STF ns 661).

Interrupção de gravidez de feto anencéfalo e afastam ento da proteção à criança e ao adolescente prevista na Constituição: STF - “Afastou a aplicação, na espécie, dos preceitos da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, especialmente, os artigos 6° e 23 (‘Art. 6-, 1. Os Estados Partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida. 2. Os Estados Partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. (...) Art. 23. 1. Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e de­cente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimula­rão e assegurarão a prestação da assistência solicitada, que seja adequada ao estado da criança e as circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados’) . Do mesmo modo, repeliu a aplicação da Constituição no que determinaria a proteção à criança e ao adolescente, de sorte que a eles fosse viabilizado o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao res­peito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, ficando a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Isso porque seria inimaginável falar-se desses objetivos no caso de feto anencéfalo, em virtude da impossibilidade de, ao ocorrer o parto, vir-se a cogitar de criança e, posteriormente, de adolescente” (STF - Pleno - ADPF 54/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, decisão: 11 e 12-4- 2012, Informativo STF n2 661).

Parte II - Comentários Doutrinários e Jurisprudenciais aos Arts. l'J a 5Ü 95

:uziu 5.3.2 Questão da eutanásia e do suicídio~ ver'eger O direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configu-;; s°- :á-lo como um direito de liberdade que inclua o direito à própria morte. 0 Estado,-a’ a principalmente por situações fáticas, não pode prever e impedir que alguém dis-

P“ais> ponha de seu direito à vida, suicidando-se ou praticando eutanásia. Isso, porém,"ro^ não coloca a vida como direito disponível, nem a morte como direito subjetivo do

indivíduo. O direito à vida não engloba, portanto, o direito subjetivo de exigir-se ~inte a própria morte, no sentido de mobilizar-se o Poder Público para garanti-la, por

ajn _ meio, por exemplo, de legislação que perm ita a eutanásia ou ainda que forneçanão meios instrumentais para a prática de suicídios.

: -tou O ordenam ento jurídico-constitucional não autoriza, portanto, nenhum a das' espécies de eutanásia, quais sejam, a ativa ou passiva (ortotanásia). Enquanto

a primeira configura o direito subjetivo de exigir-se de terceiros, inclusive do nt próprio Estado, a provocação de morte para atenuar sofrimentos (morte doce ou

homicídio por piedade), a segunda é o direito de opor-se ao prolongamento ar-- futa úficial da própria vida, por meio de artifícios médicos, seja em caso de doenças

um incuráveis e terríveis, seja em caso de acidentes gravíssimos (o chamado direitomte- à morte digna).

■;tos Em relação ao suicídio, não por outro motivo, a nossa legislação penal tipifi­ca como crime induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para quem o faça, desde que o suicídio se consume ou da tentativa resultar lesão corporal

5 e grave (Cp art. 122). No caso da eutanásia, a lei penal tipifica a conduta como_“t°s homicídio (Cp art. 121).

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° 5.4 Princípio da igualdade

- de--=m A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos,ãa prevendo a igualdade de aptidão, um a igualdade de possibilidades virtuais, ou seja,

-. eis todos os cidadãos têm. o direito de tratam ento idêntico pela lei, em consonânciamia- tom os critérios albergados pelo ordenamento jurídico . Dessa forma, o que se veda.: da são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratam ento-tj . desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do-3 a próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades,

363 somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discri-~ss~ minador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, semj113 que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as"^a chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais,^ meta a ser alcançada não só por meio de leis, mas também pela aplicação de

- . 4. políticas ou programas de ação estatal (Direito público: estudos e pareceres. SãoPaulo: Saraiva, 1996. p. 59).