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Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

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9a Edição

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EDITORA ATLAS S.A.Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios)

01203-904 São Paulo (SP)Tel.: (0 _ _ 11) 3357-9144 (PABX)

www.EditoraAtlas.com.br

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ALEXANDRE DE MORAES GIANPAOLO POGGIO SMANI©

LEGISLAÇÃOPENAL

ESPECIALSérie FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Abuso de autoridade - Lei n2 4.898/65

Crimes hediondos - Lei n2 8.072/90

• Sonegação fiscal e previdenciária - Leis n55 8.137/90 e 9.983/00

• Lei de tóxicos - Leis n25 6.368/76 e 10.409/02

• Execução penal e penas alternativas - Leis n— 7.210/84 e 9.714/98

• Código de Trânsito Brasileiro - Lei nQ 9.503/97

• Juizado Especial Criminal - Leis n— 9.099/95 e 10.259/01

• Estatuto do Desarmamento - Lei ne 10.826/03

9- Edição

Revista e ampliada

SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2006

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Uniminas fdttopa atta^a Biblioteca ® 1998 by EDIT0RA ATLAS SA'

1. ed. 1998; 2. ed. 1999; 3. ed. 2000; 4. ed. 2001; 5. ed. 2002; 6. ed. 2002: 7. pH. 2004; 8. ed. 2005; 9. ed. 2006

UNIMINAS18959

Foto da capa: Agência Keystone

Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Moraes, Alexandre deLegislação penal especial / Alexandre de Moraes, Gianpaolo Poggio

Smanio. - 9. ed. - São Paulo : Atlas, 2006. - (Série fundamentos jurídicos)

Bibliografia.ISBN 85-224-2057-2 (Obra completa)

ISBN 85-224-4339-4

1. Direito penal - Legislação 2. Direito penal - Legislação - Brasil I. Smanio, Gianpaolo Poggio. II. Título. III. Série.

98-1740 CDU-344(81) (094)

índice para catálogo sistemático:

1. Brasil: Leis : Direito penal especial 344(81) (094)

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei ns 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nfi 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Impresso no Brasil/Printed in Brazil

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Viviane, Giuliana e Alexandre

Agradeço o amor, carinho e alegria que sempre me foram gentilmente doa­dos. Espero poder retribuir.

Alexandre

À minha esposa Cinthia, e aos meus filhos Gianluca e Maria Carolina, pelo amor recebido.

Aos meus pais, Dido e Heloísa, pe­los caminhos ensinados.

Gianpaolo

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Sum á r io

Nota do coordenador, 27

Prefácio, 29

1 ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ns 4.898/65, 311 Introdução, 312 A representação prevista na Lei ne 4.898/65, 323 Responsabilidade criminal, 33

3.1 Objetividade jurídica, 333.2 Sujeito ativo, 343.3 Sujeito passivo, 343.4 Elemento subjetivo, 353.5 Consumação e tentativa, 35Artigo 3e da Lei ns 4.898/65, 364.1 Atentado à liberdade de locomoção, 364.2 Atentado à inviolabilidade de domicílio, 374.3 Atentado ao sigilo de correspondência, 384.4 Atentado à liberdade de consciência e crença e ao livre exercí­

cio do culto religioso, 404.5 Atentado à liberdade de associação, 424.6 Atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercí­

cio do voto, 424.7 Atentado ao direito de reunião, 434.8 Atentado à incolumidade física do indivíduo, 44

4.8.1 Abuso de autoridade e lesões corporais, 44

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

4.9 Atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercí­cio profissional, 46

5 Artigo 49 da Lei ne 4.898/65, 465.1 Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual,

sem as formalidades legais ou com abuso de poder, 475.2 Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou

constrangimento não autorizado em lei, 515.3 Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a

prisão ou detenção de qualquer pessoa, 515.4 Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção

ilegal que lhe seja comunicada, 525.5 Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a pres­

tar fiança, permitida em lei, 535.6 Cobrar o carcereiro ou agente da autoridade policial carcera-

gem, custas, emolumentos ou quaisquer outras despesas, des­de que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto a seu valor, 54

5.7 Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolu­mentos ou de qualquer outra despesa, 54

5.8 O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal, 54

5.9 Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de me­dida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir, imediatamente, ordem de liberdade, 55

6 Sanções penais, 557 Prescrição, 568 Procedimento, 56

2 CRIMES HEDIONDOS E ASSEMELHADOS - LEI Ne 8.072/90, 581 Previsão legal, 582 Critérios de fixação de crimes hediondos, 583 Conceito, 59

3.1 Homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente e homicídio qualificado, 61

3.2 Recebimento parcial de denúncia por homicídio qualificado, 623.3 Júri e quesitação sobre a hediondez do homicídio, 64

4 Abrangência da lei dos crimes hediondos, 644.1 Tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, 654.2 Terrorismo, 65

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SUMÁRIO-"

4.3 Tortura, 664.3.1 Conseqüências penais e processuais do crime de tortu­

ra, 695 Conseqüências penais e processuais da Lei ne 8.072/90, 71

5.1 Insuscetibilidade de anistia, graça e indulto, 725.2 Insuscetibilidade de liberdade provisória ou fiança, 735.3 Cumprimento da pena integralmente em regime fechado dos

crimes hediondos e assemelhados, 745.3.1 Impossibilidade de concessão de sursis e benefícios pri­

sionais nas hipóteses de crimes hediondos ou asseme­lhados, 76

6 Possibilidade de apelação em liberdade (art. 2-, § 2Q), 787 Lei dos crimes hediondos e prisão temporária (art. 2S, § 3Q), 808 Estabelecimentos penais de segurança máxima, 819 Livramento condicional e Lei ns 8.072/90 - regras para o livramento

condicional nos crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tortura e terrorismo, 81

10 Majoração das penas dos crimes hediondos, 8210.1 Estupro e atentado violento ao pudor - alterações nas penas

privativas de liberdade, 8211 Delação premiada na extorsão mediante seqüestro, 8312 Bando ou quadrilha para a prática de crimes hediondos, tortura, trá­

fico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo, 8412.1 Delação premiada e desmantelamento do bando ou quadrilha

para a prática de crimes hediondos e assemelhados, 8613 Causa especial de aumento de pena, 8714 Prazo processual para tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, 88

3 SONEGAÇÃO FISCAL - LEI Ns 8.137/90, 891 Legislação sobre sonegação fiscal, 892 Revogação da Lei ns 4.729/65, 893 Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, 90

3.1 Histórico - A extinção da punibilidade com o pagamento inte­gral do débito antes do recebimento da denúncia, 90

3.2 Extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito em qualquer fase do processo, 91

3.3 Parcelamento do débito e extinção da punibilidade, 924 Refis e conseqüências penais, 935 Autonomia da instância penal, 946 Representação fiscal do art. 83 da Lei ne 9.430/96, 957 Conceito de sonegação fiscal, 978 Competência, 97

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

9 Comentários gerais ao art. I 2 da Lei ne 8.137/90, 979.1 Natureza jurídica, 979.2 Elementos normativos do tipo, 989.3 Possibilidade de erro de tipo, 999.4 Possibilidade de erro de proibição, 999.5 Oferecimento da denúncia pelo Ministério Público - desneces­

sidade de inquérito policial, 999.6 Sujeito ativo, 1009.7 Concurso de agentes, 1019.8 Sujeito passivo, 1029.9 Objetividade jurídica, 1029.10 Condutas, 1029.11 Consumação e tentativa, 1039.12 Desistência voluntária, 1039.13 Elemento subjetivo do tipo, 1049.14 Concurso de delitos, 1049.15 Sonegação fiscal e conflito aparente de normas, 104

10 Comentários ao inciso I do art. l s da Lei ne 8.137/90, 10510.1 Conduta, 10610.2 Sujeitos ativo e passivo, 10610.3 Concurso de agentes, 10610.4 Elemento subjetivo, 10610.5 Consumação e tentativa, 107

11 Comentários ao inciso II do art. l e da Lei nQ 8.137/90, 10811.1 Conduta, 10811.2 Natureza jurídica, 10811.3 Elemento subjetivo, 10811.4 Sujeitos ativo e passivo, 10911.5 Consumação e tentativa, 109

12 Comentários ao inciso III do art. I 9 da Lei ne 8.137/90,10912.1 Conduta, 10912.2 Objeto material, 10912.3 Objetividade jurídica, 11012.4 Elemento subjetivo, 11012.5 Consumação e tentativa, 11112.6 Conflito aparente de normas - crime de duplicata simulada

(CP, art. 172), 11113 Comentários ao inciso IV do art. l s da Lei nQ 8.137/90,112

13.1 Condutas, 11213.2 Objeto material, 11213.3 Consumação e tentativa, 11313.4 Elemento subjetivo, 113

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UNIMINA5-BIBLI0TECA___________ SUMÁRIO 11

14 Comentários ao inciso V do art. l e da Lei n9 8.137/90, 11314.1 Conduta, 11314.2 Consumação e tentativa, 11414.3 Elemento subjetivo, 114

15 Comentários ao parágrafo único do art. I 2 da Lei n2 8.137/90,11416 Sanção penal para as condutas previstas no art. I 9 da Lei n2 8.137/90,

11517 Comentários ao art. 22 da Lei ne 8.137/90, 11518 Comentários ao inciso I do art. 22 da Lei n2 8.137/90, 116

18.1 Condutas, 11618.2 Elemento subjetivo, 11618.3 Consumação e tentativa, 117

19 Comentários ao inciso II do art. 22 da Lei n2 8.137/90, 11719.1 Conduta, 11719.2 Elemento subjetivo, 11919.3 Consumação e tentativa, 119

20 Comentários ao inciso III do art. 22 da Lei n9 8.137/90, 119 '20.1 Condutas, 11920.2 Sujeito ativo, 12020.3 Elemento subjetivo, 12020.4 Consumação e tentativa, 120

21 Comentários ao inciso IV do art. 29 da Lei n2 8.137/90, 12121.1 Condutas, 12121.2 Objetividade jurídica, 12121.3 Sujeito ativo, 12221.4 Sujeito passivo, 12221.5 Elemento subjetivo, 12221.6 Consumação e tentativa, 122

22 Comentários ao inciso V do art. 22 da Lei n2 8.137/90, 12222.1 Condutas, 12322.2 Objetividade jurídica, 12322.3 Sujeito ativo, 12322.4 Sujeito passivo, 12322.5 Elemento subjetivo, 12322.6 Consumação e tentativa, 12422.7 Concurso de crimes, 124

23 Sanção penal para as condutas previstas no art. 2Q da Lei n2 8.137/90, 124

24 Delação premiada, 12425 Apropriação indébita previdenciária, 12526 Sonegação de contribuição previdenciária, 127

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

4 / LEI DE TÓXICOS - LEI N2 6.368/76 E LEI N2 10.409/02,1301 Conceito e finalidade da lei de tóxicos, 1302 Modificações da nova Lei Antitóxicos (Lei n210.409/02), 1303 Previsão legal das substâncias entorpecentes, 1314 Lei n2 6.368/76 e normas penais em branco, 1325 Art. 12 da Lei n9 6.368/76, 133

5.1 Objetividade jurídica, 1335.2 Sujeito ativo, 1335.3 Sujeito passivo, 1345.4 Condutas, 1345.5 Condutas típicas dos arts. 12 e 16 - guardar, trazer consigo e

adquirir, 1375.6 Elemento normativo do tipo, 1395.7 Consumação e tentativa, 1395.8 Tráfico ilícito de entorpecentes - flagrante preparado e espera-

do, 1396 Figuras equiparadas do § l 2 do art. 12 da Lei n2 6.368/76, 140

6.1 Conceito de matéria-prima destinada à preparação de substân­cia entorpecente ou que determine dependência física ou psí­quica, 141

6.2 Semear, cultivar e fazer colheita, 1427 Figuras equiparadas do § l 2 do art. 12 da Lei n2 6.368/76, 143

7.1 Induzir, instigar e auxiliar, 1447.2 Utilização de local, 1447.3 Incentivo e difusão do uso indevido ou do tráfico ilícito, 144

8 Art. 13 da Lei n2 6.368/76, 1459 Art. 14 da Lei n9 6.368/76, 14510 Art. 15 da Lei n9 6.368/76 - crime culposo, 14711 Art. 16 da Lei n9 6.368/76, 148

11.1 Objetividade jurídica, 14811.2 Sujeito ativo, 14911.3 Sujeito passivo, 14911.4 Objeto material, 14911.5 Condutas e elemento normativo, 14911.6 Consumação e tentativa, 15011.7 Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade

por pena de multa no art. 16,15112 Art. 17 da Lei n2 6.368/76 - violação de sigilo, 15113 Causas de aumento de pena - art. 18 da Lei ne 6.368/76,152

13.1 Associação como causa de aumento de pena, 15214 Isenção de pena, 154

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SUMÁRIO 1 3

15 Procedimento criminal com as modificações da Lei ne 10.409/02, 15515.1 Possibilidade de apelação em liberdade e contagem em dobro

do prazo procedimental - art. 35 da Lei n2 6.368/76,15715.2 Laudo de dependência, 157

16 Regras de competência do tráfico ilícito de entorpecentes, 15817 Novos instrumentos de investigação, 160

v 18 Transação penal entre o Ministério Público e o indiciado, 160

5 EXECUÇÃO PENAL - LEI Ne 7.210/84,1621 Finalidade da lei de execuções penais, 1622 Natureza jurídica da execução penal, 1623 Regras internacionais de proteção aos direitos dos reclusos - ONU, 1634 Princípios da LEP, 1665 Competência, 167

5.1 Regras de competência, 1676 Direitos dos sentenciados, 168

6.1 Assistência à saúde, 1706.2 Educação, 1706.3 Assistência religiosa, 1706.4 Assistência jurídica, 170

7 Execução das penas privativas de liberdade, 1717.1 Guia de recolhimento, 1727.2 Fuga do sentenciado, 1737.3 Sistema progressivo, 1737.4 Quadro geral de penas, 1747.5 Regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade, 175

8 Regime fechado, 1758.1 Requisitos para cumprimento da pena privativa de liberdade

em penitenciária, 1769 Regime semi-aberto, 176

9.1 Fixação inicial do regime semi-aberto, 17710 Regime aberto, 178

10.1 Fixação inicial do regime aberto, 17811 Questões relevantes sobre os regimes de cumprimento da pena, 17812 Do regime disciplinar diferenciado, 18013 Regimes e soma de penas, 181

13.1 No mesmo processo, 18113.2 Em processos diversos, 182

14 Unificação de penas, 18214.1 Critério para a unificação de penas no limite de 30 anos, 183

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

15 Progressão de regimes, 18415.1 Impossibilidade de progressão em saltos (regime fechado para

regime aberto), 18515.2 Requisitos para a progressão, 186

15.2.1 Requisito temporal, 18715.2.2 Mérito do sentenciado, 18715.2.3 Parecer da comissão técnica de classificação, 18715.2.4 Realização de exame criminológico, 18815.2.5 Oitiva do ministério público, 188

16 Requisitos especiais para a progressão do regime semi-aberto para o aberto, 18816.1 Aceitação do programa e das condições gerais impostas pelo

juiz, 18916.2 Aceitação das condições especiais fixadas pelo juiz, 18916.3 Comprovação de trabalho ou da possibilidade de fazê-lo ime­

diatamente, 18916.4 Compatibilidade do sentenciado com o regime aberto, 190

17 Características da progressão de regime, 19018 Prisão-albergue domiciliar, 191

18.1 Inexistência de casa de albergado e possibilidade de concessão de prisão-albergue domiciliar fora das hipóteses do art. 117 da LEP, 192

19 Regressão de regime, 19419.1 Hipóteses de regressão, 195

19.1.1 Prática de fato definido como crime doloso, 19519.1.2 Prática de falta grave, 19519.1.3 Unificação de penas, 19619.1.4 Frustrar os fins da execução, no caso de estar no regi­

me aberto, 19619.1.5 Não-pagamento da multa cumulativa, no caso de regi­

me aberto, 19720 Autorização de saída, 197

20.1 Da permissão de saída (arts. 120 e 121 da LEP), 19720.1.1 Autoridade que concede a permissão, 19720.1.2 Características, 198

20.2 Da saída temporária, 19820.2.1 Hipóteses, 19820.2.2 Requisitos especiais, 19920.2.3 Autoridade competente, 19920.2.4 Características, 19920.2.5 Causas de revogação da saída temporária, 200

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SUMÁRIO

21 Remição, 20021.1 Trabalho interno do sentenciado, 20121.2 Do contrato de trabalho, 20121.3 Trabalho externo do sentenciado, 20221.4 Contagem da remição, 20221.5 Remição e preso provisório, 20321.6 Remição e medida de segurança, 20321.7 Remição e cômputo de horas extras, 20321.8 Remição e impossibilidade de trabalhar, 204

22 Detração, 20422.1 Características, 20422.2 Regras da detração, 205

23 Execução das penas restritivas de direito, 20623.1 Cabimento das penas restritivas de direitos, 20723.2 Início da execução da pena restritiva de direitos, 20823.3 Espécies de penas restritivas de direitos, 208

24 Pena de multa, 20924.1 Aplicação da pena pecuniária, 21024.2 Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade

pela pena de multa, 21024.3 Inexistência de equivalência quantitativa entre o número de

dias-multa, como pena substitutiva, e a duração da pena priva­tiva de liberdade aplicada originariamente, 211

24.4 Cumulação de penas de multa, 21124.5 Competência para a execução da pena pecuniária, 21224.6 Prescrição da pena de multa, 21324.7 Correção monetária na pena pecuniária, 213

25 Execução das medidas de segurança, 21325.1 Início da execução da medida de segurança, 21425.2 Realização dos exames para averiguação da cessação da peri-

culosidade, 21425.3 Desintemação ou liberação do sentenciado, 21525.4 Medidas de segurança e princípios da legalidade e anteriorida-

de, 21525.5 Medidas de segurança e inexistência de vaga em hospital de

custódia e tratamento psiquiátrico, 21625.6 Ausência de realização de perícia médica, 216

26 Incidentes da execução, 21626.1 Das conversões, 21726.2 Quadro geral dos incidentes da execução, 21726.3 Conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva

de direitos, durante a execução da pena, 217

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

26.4 Conversão da pena privativa de liberdade em medida de segu­rança, 218

26.5 Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, 219

26.6 Requisitos específicos de conversão das penas restritivas de di­reito em relação à prestação de serviços à comunidade, 220

26.7 Em relação à limitação de fim de semana, 22126.8 Em relação à interdição temporária de direitos, 221

27 Do excesso ou desvio, 22128 Agravo em execução, 222

6 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, 2241 A Lei nQ 9.099/95 e o Código de Trânsito Brasileiro, 2242 Suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para di­

rigir veículo automotor, 2253 Multa reparatória, 2264 Circunstâncias agravantes, 2265 Inexistência de prisão em flagrante e fiança, 2276 Do crime de homicídio culposo no trânsito, 227

6.1 Direção do veículo automotor, 2286.2 Veículo automotor, 2286.3 Lugar do crime, 2286.4 Compensação e concorrência de culpas, 2286.5 Concurso de pessoas, 2286.6 Causas de aumento de pena, 2296.7 Suspensão condicional do processo, 2306.8 Homicídio culposo em competição na via pública sem autoriza­

ção legal, 2306.9 Homicídio culposo em estado de embriaguez, 2306.10 Ação penal, 2306.11 Pai que entrega veículo a menor, 231Do crime de lesão corporal culposa no trânsito, 2317.1 Elementos do tipo, 2317.2 Absorção do crime de direção sem habilitação, 231Do crime de omissão de socorro no trânsito, 2328.1 Objetividade jurídica, 2328.2 Qualificação doutrinária, 2328.3 Sujeito ativo, 2328.4 Sujeito passivo, 2338.5 Elementos objetivos do tipo, 2338.6 Elemento subjetivo do tipo, 234

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SUMÁRIO 17

8.7 Consumação e tentativa, 2348.8 Norma complementar explicativa, 2348.9 Subsidiariedade expressa, 2348.10 Ação penal, 2348.11 Rito processual, 2348.12 Transação penal, 234

9 Do crime de fuga do local do acidente, 2359.1 Objetividade jurídica, 2359.2 Questão da constitucionalidade, 2359.3 Qualificação doutrinária, 2359.4 Sujeito ativo, 2359.5 Sujeito passivo, 2359.6 Elementos objetivos do tipo, 2359.7 Elementos subjetivos do tipo, 2369.8 Exclusão de ilicitude, 2369.9 Eficácia da fuga, 2369.10 Consumação e tentativa, 2369.11 Fuga e omissão de socorro, 2369.12 Ação penal, 2369.13 Lei ng 9.099/95, 237

10 Do crime de embriaguez ao volante, 237 -10.1 Vigência do art. 34 da Lei das Contravenções Penais, 23710.2 Objetividade jurídica, 23710.3 Sujeito ativo, 237 10.4- Sujeito passivo, 23810.5 Elementos objetivos do tipo, 23$

10.5.1 Questões, 238 i10.5.2 Sob influência de álcool ou substância análoga, 23910.5.3 Prova da influência do álcool, 23910.5.4 Expondo a dano potencial, 240

10.6 Natureza jurídica do crime, 24010.7 Conduta eventualmente permanente, 24010.8 Elemento subjetivo do tipo, 24110.9 Consumação e tentativa, 24110.10 Ação penal, 24110.11 Rito processual, 24110.12 Concurso de crimes, 241

11 Do crime de violação da suspensão ou proibição de se obter permis­são ou habilitação para dirigir veículo automotor, 24211.1 Objetividade jurídica, 24211.2 Sujeito ativo, 242

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

11.3 Sujeito passivo, 24211.4 Conduta típica, 24311.5 Elemento subjetivo do tipo, 24311.6 Consumação, 24311.7 Tentativa, 24311.8 Ação penal, 24311.9 Rito processual, 243

12 Do crime de disputa em competição automobilística não autorizada (racha), 24312.1 Vigência do art. 34 da Lei das Contravenções Penais, 24412.2 Objetividade jurídica, 24412.3 Sujeito ativo, 24412.4 Sujeito passivo, 24412.5 Elementos objetivos do tipo, 24512.6 Elemento subjetivo do tipo, 24512.7 Elemento normativo do tipo, 24512.8 Natureza do crime de “racha”, 24512.9 Concurso de crimes, 24512.10 Consumação, 24612.11 Tentativa, 24612.12 Ação penal, 24612.13 Rito processual, 246

13 Do crime de direção sem habilitação, 24613.1 Concurso de normas incriminadoras (art. 32 da LCP), 24713.2 Objetividade jurídica, 24913.3 Sujeito ativo, 24913.4 Sujeito passivo, 24913.5 Natureza jurídica do crime de direção sem habilitação, 24913.6 Abolitio criminis, 25013.7 Concurso de agentes, 25013.8 Elementos objetivos do tipo, 25013.9 Questões, 25113.10 Ação penal, 25213.11 Rito processual, 252

14 Do crime de permissão ou entrega temerária da direção de veículo automotor, 25214.1 Objetividade jurídica, 25314.2 Sujeito ativo, 25314.3 Sujeito passivo, 25314.4 Elementos objetivos do tipo, 25314.5 Natureza jurídica do crime, 254

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14.6 Elemento subjetivo do tipo, 25414.7 Consumação e tentativa, 25414.8 Ação penal, 25414.9 Rito processual, 25514.10 Lei n2 9.099/95, 255

15 Do crime de velocidade incompatível, 25515.1 Objetividade jurídica, 25515.2 Sujeito ativo, 25515.3 Sujeito passivo, 25515.4 Elementos objetivos do tipo, 25615.5 Elemento subjetivo do tipo, 25715.6 Consumação, 25715.7 Tentativa, 25715.8 Concurso de normas, 257

16 Do crime de fraude processual, 25816.1 Objetividade jurídica, 25816.2 Sujeito ativo, 25816.3 Sujeito passivo, 25816.4 Elementos objetivos do tipo, 25816.5 Elemento subjetivo do tipo, 25916.6 Consumação, 25916.7 Tentativa, 25916.8 Concurso de normas, 259

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL, 2601 Juizado Especial Criminal, 260

1.1 Constituição, 2601.1.1 Competência, 260

1.2 Infrações penais de menor potencial ofensivo, 2611.2.1 A aplicação da Lei ns 10.259/01, 2621.2.2 Contravenções penais, 2641.2.3 Crimes, 265

1.3 Objetivos e princípios, 2661.3.1 Objetivos, 2661.3.2 Princípios, 266

2 Da Competência e dos Atos Processuais, 2682.1 Competência, 268

2.1.1 Prorrogação de competência, 2692.2 Atos processuais, 269

2.2.1 Funcionamento do juizado especial, 269

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

2.2.2 Prevalência do princípio da instrumentalidade das for­mas, 270

2.2.3 Prática de atos processuais fora da jurisdição do juizado especial criminal, 270

2.2.4 Registro escrito dos atos essenciais, 2712.3 Citação, 271

2.3.1 Citação pessoal ou real, 2712.3.1.1 Pessoalmente, 2722.3.1.2 Por mandado, 2722.3.1.3 Por precatória, 272

2.3.2 Não-cabimento da citação por edital, 2722.4 Intimações, 273

2.4.1 Defesa técnica obrigatória, 273 Da Fase Preliminar e da Transação Penal, 2743.1 Desnecessidade de inquérito policial, 2743.2 Requisitos do termo circunstanciado, 2743.3 Autoridade policial e termo circunstanciado, 2753.4 Juizados especiais e atos de investigação, 2763.5 Prisão em flagrante e fiança, 2763.6 Designação da audiência preliminar, 277

3.6.1 Fases da audiência preliminar, 2783.6.2 Composição dos danos civis, 278

3.6.2.1 Função do conciliador, 2783.6.2.2 Representação do ofendido, 2793.6.2.3 Intervenção do Ministério Público, 2793.6.2.4 Extensão da reparação de danos, 2793.6.2.5 Características da sentença homologatória da

composição civil, 2793.6.2.6 Efeitos na área penal da composição civil ho­

mologada por sentença, 2793.6.3 Representação verbal, 280

3.6.3.1 Momento para seu oferecimento, 2803.6.3.2 Ofendido menor, 280

Fluxograma, 2813.7 Da transação penal, 282

3.7.1 Natureza jurídica da transação penal, 2823.7.2 Pressupostos da transação penal, 2823.7.3 Impedimentos da transação penal, 2833.7.4 Reincidência e transação penal, 2843.7.5 Procedimento da transação penal, 284

3.7.5.1 Da proposta inicial, 284

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SUMÁRIO 21

3.7.5.2 Da aceitação, 2853.7.5.3 Da homologação, 2863.7.5.4 Da inexistência de transação penal, 288

3.7.6 Impossibilidade da transação penal ex officio, 2883.7.7 Natureza jurídica da sentença homologatória da tran­

sação penal, 2913.7.8 Requisitos da sentença homologatória, 2923.7.9 Efeitos da sentença homologatória, 2923.7.10 A transação penal e a ação penal de iniciativa priva­

da, 2933.7.11 Atuação dos conciliadores ou dos juizes leigos, 2943.7.12 A transação penal e o perdão judicial, 2943.7.13 Pressupostos da transação penal e a coisa julgada, 2943.7.14 Transação penal e concurso de agentes, 2943.7.15 Transação penal e assistente da acusação, 2953.7.16 Transação penal e suspensão condicional do proces­

so, 2953.7.17 Transação penal e retroatividade, 2963.7.18 Conseqüências ao descumprimento da transação penal

pelo autor do fato, 296Fluxograma, 297

4 Do Procedimento Sumaríssimo, 2994.1 Oferecimento da denúncia, 299

4.1.1 Arquivamento do termo circunstanciado, 2994.1.2 Transação penal, 2994.1.3 Diligências imprescindíveis, 3004.1.4 Complexidade do fato, 300

4.1.4.1 Rejeição da remessa do termo circunstanciado ao juízo comum, 301

4.2 Características da denúncia oral, 3014.2.1 Requisitos da denúncia oral, 302

4.2.1.1 Exposição do fato criminoso com suas circuns­tâncias, 302

4.2.1.2 Qualificação do autor do fato, 3024.2.1.3 Classificação do crime, 3034.2.1.4 Testemunhas: rol e número máximo, 3034.2.1.5 Materialidade da infração penal, 303

4.3 Citação do acusado, 3044.4 Testemunhas, 3044.5 Conciliação civil e transação penal, 305

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

4.6 Audiência, 3054.6.1 Redesignação das audiências, 3054.6.2 Exclusão das provas, 306

4.7 Recebimento da denúncia ou da queixa, 3064.8 Interrogatório do réu, 3074.9 Debates orais, 3074.10 Resumo dos fatos relevantes, 3074.11 A sentença, 307

5 Sistema Recursal, 3085.1 Criação das turmas recursais, 3085.2 Participação do Ministério Público junto às turmas recursais,

3085.3 Prazo recursal diferenciado, 3085.4 Cabimento da apelação, 3095.5 Rejeição da denúncia, 3095.6 Acórdão da turma recursal, 3095.7 Recursos possíveis no Juizado Especial Criminal, 3095.8 Interposição da apelação, 3105.9 Cabimento do recurso extraordinário, 3105.10 Possibilidade de a turma recursal declarar a inconstitucionali­

dade de lei ou ato normativo (controle difuso de constitucio- nalidade), 311

5.11 Recurso extraordinário e mandado de segurança no caso de concessão ex officio da suspensão condicional do processo, 312

5.12 Cabimento do recurso especial, 3135.13 Habeas corpus contra ato do juiz especial, 3135.14 Habeas corpus contra ato da turma recursal, 3145.15 Mandado de segurança, 3165.16 Mandado de segurança. Legitimidade do Promotor de Justiça

para impetração, 3175.17 Revisão criminal, 3195.18 Embargos de declaração, 319

5.18.1 Prazo, 3195.18.2 Requisitos, 3195.18.3 Interposição dos embargos, 3195.18.4 Efeito suspensivo, 3195.18.5 Extensão dos embargos, 3205.18.6 Erros materiais, 320

6 Da Execução, 3206.1 Juízo competente para execução da pena de multa, 3206.2 Extinção da punibilidade, 320

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SUMÁRIO 23

6.2.1 Pena de multa, 3206.2.2 Natureza jurídica da pena de multa, 3216.2.3 Aplicação da pena pecuniária, 3216.2.4 Requisitos para a substituição da pena privativa de li­

berdade pela pena de multa, 3216.2.5 Fixação da pena de multa, 3216.2.6 Execução da pena pecuniária no caso de não-paga-

mento, 3226.2.7 Modo de conversão da pena de multa em privativa de

liberdade, 3236.2.8 Parcelamento da pena de multa, 3236.2.9 Questão da correção monetária na pena pecuniária, 3236.2.10 Momento de atualização da pena de multa, 323

6.3 Execução das penas impostas pelo Juizado Especial Criminal, 3247 Suspensão Condicional do Processo, 324

7.1 Ação penal pública condicionada, 3247.2 Momento de apresentação da representação, 3257.3 Prazo para representação, 3257.4 Vias de fato, 3257.5 Art. 129, §§ 62 e 7S, 3257.6 Aplicação da Súmula 594 do Supremo Tribunal Federal, 3257.7 Retroatividade do artigo 88, 3267.8 Da suspensão condicional do processo, 326

7.8.1 Suspensão “consensual” do processo (art. 89), 3267.8.2 Inexistência de direito subjetivo do acusado, 3267.8.3 Inconstitucionalidade do entendimento sobre existên­

cia de direito subjetivo do acusado, 3287.8.4 Finalidade, 3287.8.5 Requisitos para o oferecimento da “suspensão consen­

sual” por parte do Ministério Público, 3287.8.6 Impossibilidade de concessão da suspensão ex officio

pelo Poder Judiciário, sem aceitação do acusado, 3307.8.7 Impossibilidade de concessão da suspensão ex officio

pelo Poder Judiciário, sem oferecimento do Ministério Público, 331

7.8.8 Não-cabimento de habeas corpus perante a recusa fun­damentada do Ministério Público em oferecer suspen­são condicional do processo, 331

7.8.9 Momento da proposta de suspensão condicional do processo, 332

7.8.10 Pressupostos para homologação da suspensão, 333

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.8.11 Período de prova da suspensão condicional do proces­so, 333

7.8.12 Condições obrigatórias, 3337.8.13 Condições facultativas, 3347.8.14 Réu que não concorda com as condições obrigatórias

e/ou facultativas impostas na suspensão, 3347.8.15 Prescrição, 3347.8.16 Causas de revogação obrigatória da suspensão condi­

cional do processo, 3347.8.17 Inquérito policial arquivado, 3357.8.18 Transação penal e revogação da suspensão, 3357.8.19 Causas de revogação facultativa da suspensão condi­

cional do processo, 3357.8.20 Causa de desconsideração da suspensão condicional

do processo, 3357.8.21 Aplicabilidade da regra da suspensão. Retroativida-

de/irretroatividade, 335Fluxograma, 336Fliixograma, 3377.8.22 Impossibilidade da concessão de sursis ao sentenciado

cuja suspensão condicional do processo haja sido revo­gada, 338

7.8.23 Impossibilidade de concessão do regime aberto ao sen­tenciado cuja suspensão condicional do processo haja sido revogada, 338

8 Prazo de representação nos crimes de lesão corporal dolosa de natu­reza leve e lesão corporal culposa, 338

9 Processos com sentença de primeiro grau e pendentes de recurso, 33910 Vítima em local incerto e não sabido, 339

8 ESTATUTO DO DESARMAMENTO - LEI NQ 10.826/03, 3401 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido, 340

1.1 Objetividade jurídica, 3401.2 Sujeito ativo, 3401.3 Sujeito passivo, 3411.4 Elementos objetivos do tipo, 341

1.4.1 Local da prática do crime, 3411.4.2 Elemento normativo do tipo, 3411.4.3 Requisitos para aquisição de arma de fogo, 3421.4.4 Distinção com os arts. 14 e 16 do Estatuto, 343

1.5 Elemento subjetivo do tipo, 3431.6 Consumação e tentativa, 343

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SUMÁRIO 25

1.7 Suspensão condicional do processo, 3431.8 Concurso de crimes, 3441.9 Vigência do dispositivo, 3441.10 Período de atipicidade da conduta, 3441.11 Inexistência de abolitio cnminis, 3451.12 Novatio legis incriminadora, 3451.13 Crime praticado sobre a vigência de ambas as leis, 345Omissão de cautela, 3462.1 Objetividade jurídica, 3462.2 Sujeito ativo, 3462.3 Sujeito passivo, 3462.4 Elementos objetivos do tipo, 3472.5 Elemento subjetivo do tipo, 3472.6 Consumação e tentativa, 3472.7 Concurso com posse ou porte de arma de fogo, 3482.8 A contravenção do art. 19, § 2-, letra C, da LCP, 348Crime equiparado, 3483.1 Objetividade jurídica, 3483.2 Sujeito ativo, 3493.3 Sujeito passivo, 3493.4 Elementos objetivos do tipo, 3493.5 Elemento subjetivo do tipo, 3503.6 Consumação e tentativa, 350Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, 3504.1 Objetividade jurídica, 3504.2 Sujeito ativo, 3514.3 Sujeito passivo, 3514.4 Elementos objetivos do tipo, 351

4.4.1 Objeto material, 3514.4.2 Arma quebrada, 3524.4.3 Arma desmuniciada, 3524.4.4 Arma de brinquedo, 3524.4.5 Elemento normativo do tipo, 353

4.5 Elemento subjetivo do tipo, 3544.6 Consumação e tentativa, 3544.7 Concurso de crimes, 354

4.7.1 Porte de arma e homicídio, 3544.7.2 Porte de arma e roubo, 355

4.8 Crime inafiançável, 3554.9 Aplicação da lei penal no tempo, 355

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Disparo de arma de fogo, 3555.1 Objetividade jurídica, 3555.2 Sujeito ativo, 3565.3 Sujeito passivo, 3565.4 Elementos objetivos do tipo, 3565.5 Elemento subjetivo do tipo, 3575.6 Consumação e tentativa, 3575.7 Subsidiariedade, 357

5.7.1 Distinção com o art. 132 do Código Penal, 3585.8 Porte e disparo, 3585.9 Crime inafiançável, 359Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, 3596.1 Objetividade jurídica, 3596.2 Sujeito ativo, 3596.3 Sujeito passivo, 3596.4 Elementos objetivos do tipo, 360

6.4.1 Elemento normativo, 3606.5 Elemento subjetivo do tipo, 3606.6 Consumação e tentativa, 3606.7 Absorção e concurso, 3616.8 Vedação a liberdade provisória, 3616.9 Figuras equiparadas, 361Comércio ilegal de arma de fogo, 3637.1 Objetividade jurídica, 3637.2 Sujeito ativo, 3637.3 Sujeito passivo, 3637.4 Elementos objetivos do tipo, 3647.5 Elemento subjetivo do tipo, 3647.6 Consumação e tentativa, 364Tráfico internacional de arma de fogo, 3648.1 Objetividade jurídica, 3648.2 Sujeito ativo, 3658.3 Sujeito passivo, 3658.4 Elementos objetivos do tipo, 3658.5 Elemento subjetivo do tipo, 3658.6 Consumação e tentativa, 365Causas de aumento de pena, 366Proibição de liberdade provisória, 366

Bibliografia, 367

índice remissivo, 371

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N o t a d o c o o r d e n a d o r

A Editora Atlas, com o objetivo de proporcionar aos candidatos de con­cursos jurídicos, estudantes e profissionais do Direito obras atualizadas, prá­ticas e de fácil consulta, lança a presente série FUNDAMENTOS JURÍDICOS, que versa sobre temas fundamentais de todas as áreas do Direito, de manei­ra completa, sintética e objetiva. Os vários temas foram escritos por autores de reconhecida experiência profissional e didática, que, aliando o exercício de suas funções no Poder Judiciário e no Ministério Público à atividade aca­dêmica em diversas faculdades e cursos preparatórios para ingresso nas car­reiras jurídicas, procuraram apresentar textos concisos e atualizados, de sim­ples manejo e conteúdo completo. Essa série, portanto, pretende possibilitar visão geral dos principais institutos dos diversos ramos do Direito, analisando as normas positivadas na legislação com base em sua interpretação doutriná­ria e jurisprudencial.

Alexandre de Moraes

Coordenador

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Prefác io

• ------------------------------

A idéia deste livro surgiu a partir das aulas de Legislação Penal Especial que dividimos durante algum tempo. As discussões que tivemos sobre os re­levantes temas aqui tratados mostraram a necessidade de uma obra de dou­trina que mantivesse os textos conjuntamente para análises comparativas mais aprofundadas. Dos alunos, obtivemos as informações sobre as dificulda­des do estudo doutrinário das matérias em questão, principalmente para os concursos jurídicos.

Aqui estão, portanto, as duas pretensões que movem o lançamento des­ta obra: a análise conjunta da chamada Legislação Penal Especial e a facilita- ção dos estudos de nossos alunos e de outros estudiosos de direito.

Pretendemos apresentar uma doutrina objetiva e atualizada, inclusive trazendo o posicionamento jurisprudencial sobre as matérias, a fim de possi­bilitar uma visão completa para seu estudo.

Aceitaremos sempre de bom grado as críticas e sugestões para o aprimo­ramento do livro em edições futuras.

Os Autores

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Abuso de A utoridade - LEI Na 4.898/65

1 INTRODUÇÃO

A Lei n2 4.898/65 regula o direito de representação e o processo de res­ponsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autorida­de. Basicamente, reprimem-se as condutas atentatórias aos principais direitos e garantias fundamentais do homem, protegendo o indivíduo contra even­tuais abusos praticados pelo Estado, por meio de suas autoridades ou agen­tes, no exercício do poder.

Conforme salientado por Alexandre de Moraes,

“na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de po­der estão indissoluvelmente combinados. O povo escolhe seus represen­tantes, que, agindo como mandatários, decidem os destinos da nação. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive com a previsão de direitos hu­manos fundamentais do cidadão relativamente aos demais cidadãos e ao próprio Estado”.1

O abuso de autoridade implicará a responsabilidade administrativa, civil e penal, conforme preleciona o caput do art. 62.

Em relação à responsabilidade administrativa, deverá ser instaurado procedimento para a apuração do desvio de conduta funcional, com plena garantia de ampla defesa e do contraditório2 e, uma vez caracterizado o ilíci­

1 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.p. 20.

2 STF, 2- T. - Agravo regimental em agravo de instrumento n8 142.847/SP, Rel.Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 5 fev. 1993, p. 849; STJ, 5a T. - RMS na1.911-1/PR, Rel. Min. Jesus Costa Lima - Ementário STJ, 08/055.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

to administrativo, deverão ser aplicadas as sanções disdplinares previstas no § l s, do art. 6e, quais sejam: advertência, repreensão, suspensão do cargo, função ou posto por prazo de 5 a 180 dias, com perda de vencimentos e vantagens, desti­tuição de função, demissão, demissão a bem do serviço público. Observe-se que, quando o funcionário público não estiver sujeito a regramento especial, o processo administrativo é regulado, supletivamente, pela Lei n2 8.112/90 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).

No tocante à responsabilidade Civil, deverá ser apurada por meio de ação civil indenizatória, aplicando-se ao caso o Código de Processo Civil (§ 2- do art. 6e e art. 11).

Por fim, a lei prevê a responsabilização criminal pelas condutas consis­tentes em abuso de autoridade, prevendo diversos tipos penais em seus arts. 3e e 4e.

Os crimes de abuso de autoridade previstos nessa lei especial inserem-se entre os chamados crimes de responsabilidade impróprios, ou seja, verdadei­ras infrações penais, sancionadas com penas privativas de liberdade.

2 A REPRESENTAÇÃO PREVISTA NA LEI N° 4.898/65

A Lei ns 4.898/65 estabelece, em seus arts. I 2 e 2S, o direito de repre­sentação a ser exercido pelo ofendido, vítima de conduta abusiva praticada por autoridade, no exercício de sua função pública, prevendo que o direito de representação será exercido por meio de petição. Conforme a lei, a representa­ção será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abu­so de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se houver.

Essa norma reafirma uma prerrogativa democrática, prevendo a possibi­lidade do exercício do direito de petição consagrado constitucionalmente pelo art. 5e, XXXIV, que assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, o aces­so ao Poder Público, em defesa da legalidade constitucional e do interesse publico.3

Conforme salientado pelo Supremo Tribunal Federal,

“o direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático. Tra- ta-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qual­

3 TRF, I a Região - 2* T. - REO nB 90.01.03175-7/DF, Rel. Juiz Hércules Quasímodo,Diário da Justiça, Seção II, 15 abr. 1990; TRF, 1- Região - 2a T. - AMS ns 89.01.24751-8/MG,Rel. Juiz Souza Prudente, Diário da Justiça, Seção II, 5 nov. 1990.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ns 4.898/65 33

quer interessado - mesmo aqueles destituídos de personalidade jurídica - com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva”.4

A previsão legal tem por finalidade a comunicação formal de fato para eventual apuração de responsabilidade administrativa, civil ou penal, dirigida:

• à autoridade superior competente para aplicação da sanção discipli­nar, com base no poder hierárquico inerente à administração pública;

• ao Ministério Público, órgão legitimado privativamente para a instau­ração da ação penal pública.

Ressalte-se, novamente, que a natureza jurídica da representação pre­vista nos arts. 1- e 2e da Lei constitui exercício de direito de petição e não condição de procedibilidade da ação penal por crime de abuso de autorida­de, pois, como determina o art. 1Q da Lei n2 5.249/67, a falta de representa­ção do ofendido, nos casos de abuso de autoridade, não obsta a iniciativa ou o curso de ação pública.

Dessa forma, trata-se do direito à delatio cnminis, permanecendo, po­rém, a existência da ação penal pública incondicionadà nos crimes de abuso de autoridade.

3 RESPONSABILIDADE CRIMINAL

Nos arts. 3Q e 4Q, a Lei ne 4.898/65 tipifica diversas condutas atentató­rias aos direitos e garantias fundamentais, cujas considerações básicas serão analisadas a seguir.

3.1 Objetividade jurídica

Os tipos penais incriminadores prevêem dupla objetividade jurídica, pois, ao mesmo tempo, defendem o interesse ao normal funcionamento da administração, a partir do exercício regular de seus poderes delegados pelo povo (objetividade jurídica mediata), e a plena proteção aos direitos e garan­tias fundamentais constitucionalmente consagrados (objetividade jurídica imediata).

4 STF, Pleno - ADin n2 1.247/PA - medida cautelar, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1995, p. 28.354.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

3.2 Sujeito ativo

O sujeito ativo das condutas previstas pela lei é a autoridade, considera­da para esse fim, toda pessoa que exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente ou sem remunera­ção, nos termos de seu art. 5Q.

O conceito é amplo e acaba por vincular a noção de autoridade não so­mente à condição de funcionário público, mas também ao exercício de função pública, entendendo-se esta como qualquer atividade que visa a fins próprios do Estado. Assim, é absolutamente imprescindível que a conduta delituosa tenha sido praticada no exercício de função pública. Trata-se, portanto, de crime próprio.

Dessa forma, podem ser sujeitos ativos do crime de abuso de autorida­de: advogado na cobrança de dívida ativa,5 serventuário da Justiça,6 guar- das-notumos,7 comissários de menores,8 vereador.9 Também aquele que exerce a função de guarda-civil municipal pode ser sujeito ativo do delito de abuso de autoridade.10

Importante salientar que terceiros que não exerçam funções públicas so­mente poderão ser responsabilizados a título de participação, nos termos do art. 29 do Código Penal, uma vez que a qualidade de autoridade é elementar dos tipos penais.11

Ainda é possível que seja sujeito ativo do crime de abuso o funcionário público que, embora não esteja no exercício de sua função, invoque, ao reali­zar o ato, a autoridade de que é investido. É o caso, por exemplo, de policial que, de folga, detenha ilegalmente pessoa, invocando para tal o cargo que ocupa.

3.3 Sujeito passivo

Os crimes de abuso de autoridade têm dupla subjetividade passiva, sen­do o Estado o sujeito passivo mediato, na condição de titular da administra­

5 RT 443/406.6 RT 434/354.7 RT 370/188.8 RT 309/429.9 RT 216/401.

10 TJ/SP, Apelação Criminal na 127.316-3/Porto Feliz, Rel. Des. Jarbas Mazzoni - j. 7-2-94.

11 JESUS, Damásio E. Do abuso de autoridade. Justitia 59/43; JUTACrim 66/440.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI N8 4.898/65 35

ção pública, enquanto o titular do direito ou garantia constitucional violada é o sujeito passivo imediato.

3.4 Elemento subjetivo

Os crimes de abuso de autoridade exigem o dolo, salientando Damásio E. de Jesus que o

“crime reclama um ânimo próprio, que é elemento subjetivo do injusto: vontade de praticar as condutas sabendo o agente que está exorbitando do poder. Esse elemento se liga à culpabilidade e à antijuridicidade. Não se trata de dolo específico, em face de não encontrarmos frente àquele fim ulterior, extrínseco ao fato”.12

Assim, conforme salientado pela jurisprudência,

“nos abusos de autoridade, o elemento subjetivo do injusto deve ser apreciado com muita perspicácia, merecendo punição somente as con­dutas daqueles que, não visando à defesa social, agem por capricho, vin­gança ou maldade, com o conseqüente propósito de praticarem perse­guições e injustiças. O que se condena, enfim, é o despotismo, a tirania, a arbitrariedade, o abuso, como indica o nomenjuris do crime”,13

pois,

“se o agente age objetivando a defesa social, embora possa se enganar na interpretação dos fatos, supondo que sua ação é correta e legítima, não há que se falar em abuso de autoridade, dada a inexistência do dolo”.14

Concluindo, em matéria de abuso de autoridade, é imprescindível a ocorrência de dolo e, assim, não comete o crime o policial que, na suposição de estar agindo corretamente, executa prisão em flagrante, dada a inexistên­cia de dolo.15

3.5 Consumação e tentativa

O crime de abuso de autoridade consuma-se com o atentado aos direi­tos e garantias fundamentais previstos no art. 32 e por meio das ações ou omissões exigidas pelo art. 4e da lei, bastando o perigo de dano.

12 JESUS, Damásio E. de. Do abuso de autoridade. Justitia 59/48.13 JVTACrim 84/400.14 BMJ 92/3.15 RJDTACrim 01/51; 09/53.

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As hipóteses previstas no art. 32 não admitem tentativa, pois seus tipos penais incluem-se entre os crimes de atentado. Em tese, porém, será possível a tentativa nos crimes previstos no art. 4e.

4 ARTIGO 35 DA LEI N9 4.898/65

A Lei n2 4.898/65 prevê que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção; à inviolabilidade do domicílio; ao sigilo de correspondência; à liberdade de consciência ou de crença; ao livre exercí­cio do culto religioso; à liberdade de associação; aos direitos e garantias le­gais assegurados ao exercício do voto; ao direito de reunião; à incolumidade física do indivíduo; aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.16

4.1 Atentado à liberdade de locomoção

A Constituição Federal consagra o direito à livre locomoção no território nacional em tempo de paz, autorizando diretamente a qualquer pessoa o in­gresso, a saída e a permanência, inclusive com os próprios bens (art. 5e, XV). Em caso de guerra, contrario sensu do próprio texto constitucional, haverá possibilidades de maior restrição que, visando à segurança nacional e à inte­gridade do território nacional, poderá prever hipóteses e requisitos menos flexíveis.

O direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, englobando quatro situações:

• direito de acesso e ingresso no território nacional;

• direito de saída do território nacional;

• direito de permanência no território nacional;

• direito de deslocamento dentro do território nacional.

A destinação constitucional do direito à livre locomoção abrange tanto os brasileiros quanto os estrangeiros, sejam ou não residentes no território na­cional.

Trata-se, porém, de norma constitucional de eficácia contida, cuja lei or­dinária pode delimitar a amplitude, por meio de requisitos de forma e fundo, nunca, obviamente, de previsões arbitrárias. Assim, poderá o legislador ordi­

16 Conferir, para um estudo aprofundado dos direitos e garantias fundamentais: MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Adas, 1998.

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nário estabelecer restrições referentes ao ingresso, saída, circulação interna de pessoas e patrimônio.17

Além disso, o próprio texto constitucional, em hipótese excepcional, li­mita o direito de locomoção ao prever no art. 139 a possibilidade de, na vi­gência do estado de sítio decretado, ser fixada obrigação de as pessoas permane­cerem em localidade determinada.

Dessa forma, o desrespeito a essa liberdade pública consagrada consti­tucionalmente, por parte de condutas ilícitas da autoridade pública, consis­tentes em tolher a liberdade de locomoção, tipificará abuso de autoridade.18

4.2 Atentado à inviolabilidade de domicílio

O art. 5-, XI, consagra a inviolabilidade do domicílio. No sentido consti­tucional, o termo domicílio tem amplitude maior do que no direito privado ou do senso comum, não sendo somente a residência, ou, ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se domicílio todo lo­cal, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente,19 pois nessa relação entre pessoa e espaço preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.20

A própria Constituição Federal, porém, estabelece as exceções à inviola­bilidade domiciliar. Assim, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de fla­grante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por de­terminação judicial.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não pode ser transformada em garantia de impuni­dade de crimes, que em seu interior se praticam.21

Assim, violação de domicílio legal, sem consentimento do morador, é permitida, porém somente nas hipóteses constitucionais:

• DIA - flagrante delito,22 ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ain­da, por determinação judicial. Somente durante o dia, a proteção constitucional deixará de existir por determinação judicial.

• NOITE - flagrante delito, ou desastre, ou para prestar socorro.

17 STJ, 6- T. - RHC nfi 1.944/SP, Rel. Min. Pedro Adoli, Diário da Justiça, Seção I, 24ago. 1992, p. 13.001.

18 JUTACrim 71/301.19 Serviço de Jurisprudência do STF, Ementário ns 1.804-11.20 BARILE, Paolo. Diritti delVuomo e libertà fondamentali. Bolonha: 11 Molino, 1984.

p. 154.21 RTJ 74/88 e 84/302.22 RT 670/273; TJSP, RT 688/293.

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O desrespeito à inviolabilidade domiciliar, salvo nas hipóteses constitu­cionais, tipifica o delito de abuso de autoridade.

Ressalte-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que não caracteriza o delito de abuso de autoridade, previsto no art. 3Q, b, dessa lei, a diligência policial em residência com a comprovada finalidade lícita de de­tectar possível crime de seqüestro.23

Questão complexa diz respeito à violação de domicílio praticado por funcionário público no exercício de suas funções, em flagrante abuso de po­der. Nessa hipótese, concordamos com Alberto Silva Franco, para quem deve ser aplicado o tipo penal qualificado previsto no art. 150, § 2S, do Código Pe­nal, pois o abuso de poder constitui circunstância legal específica de outro crime.24 Em sentido contrário, Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas entendem que deve ser aplicado o art. 3S, b, da Lei n9 4.898/65, em virtude do princípio da especialidade.25

4.3 Atentado ao sigilo de correspondência

A Constituição Federal, no art. 5S, XII, garante a inviolabilidade do sigi­lo da correspondência. Ocorre que nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspon­dências sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.26

A interpretação do inciso XII, do art. 52,’ da Constituição Federal deve ser feita de modo a entender que a lei ou a decisão judicial poderão, excep­cionalmente, estabelecer hipóteses de quebra das inviolabilidades da corres­pondência, sempre visando salvaguardar o interesse público e impedir que a consagração de certas liberdades públicas possa servir de incentivo à prática de atividades ilícitas.27

Conforme preleciona Ada Pellegrini Grinover

23 TJ/SP, Reclamação ns 24.610-0/São Paulo, Rel. Des. Luís de Macedo, j. 23-11-94.24 FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudendal. 4 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 1.871.25 FREITAS, Gilberto Passos de, FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de autoridade.

5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 33.26 Cf. em relação à relatividade das liberdades públicas: MORAES, Alexandre de. Pro­

vas ilícitas e proteção aos direitos humanos fundamentais. Boletim IBCCrim nB 63, fev. 1998. p. 13.

27 RT 600/353.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI N° 4.898/65 39

“as liberdades públicas não são mais entendidas em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de convivência da;s liberdades, pelo qual nenhuma delas pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias”.28

A análise do direito comparado reforça a idéia de relatividade dessas in- violabilidades. O art. 72 da Constituição do Reino da Dinamarca, promulga­da em 5-6-1953, expressamente prevê que qualquer violação do segredo de correspondência postal telegráfica e telefônica, somente poderá ocorrer, se ne­nhuma lei justificar uma exceção particular, após decisão judicial. O art. 12 da Lei Constitucional da Finlândia prevê que será inviolável o segredo das comunica­ções postais, telegráficas e telefônicas, salvo as exceções estabelecidas em lei. Igualmente, o art. 15 da Constituição Italiana prevê que a liberdade e o segre­do da correspondência e de qualquer outra forma de comunicação são inviolá­veis. Sua limitação pode ocorrer somente por determinação da autoridade judi­ciária, mantidas as garantias estabelecidas em lei.

Importante destacar que a previsão constitucional, além de estabelecer expressamente a inviolabilidade das correspondências, implicitamente proíbe o conhecimento ilícito de seus conteúdos por parte de terceiros.

Ressalte-se, em relação aos direitos dos sentenciados à pena privativa de liberdade, a total aplicabilidade do sigilo de comunicações, com as restrições já analisadas. Nesse sentido, decidiu o Pretório Excelso:

“Carta de presidiário interceptada pela administração penitenciária - Possibilidade excepcional e desde que respeitada a norma do art. 41, parágrafo único da Lei n2 7.210/84 - Inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”.29

Com base nessa orientação, conclui Julio Fabbrini Mirabete que

“desaparecerá, porém, a ilicitude de qualquer violação dos direitos de comunicação do preso se for ela realizada para impedir a prática de in­fração penal, para obstar a remessa ou recebimento de objetos proibi­dos, para preservar a segurança do presídio, para impedir a fuga ou mo­tins, ou seja, em todas as hipóteses em que avulte o interesse social ou se trate de proteger ou resguardar direitos ou liberdades de outrem ou do Estado, também constitucionalmente assegurados”.30

Em conclusão, respeitados os parâmetros da relatividade das liberdades públicas, qualquer atentado contra o sigilo das comunicações configurará o crime em questão.

28 Liberdades públicas e processo penal. São Paulo: Saraiva, 1976. p. 306.29 STF, l s Turma, HC ns 70.814-5/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Se­

ção I, 24 jun. 1994, p. 16.650 - RT 709/418.30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 139.

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4.4 Atentado à liberdade de consciência e crença e ao livre exercício do culto religioso

A conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagra­ção de maturidade de um povo, pois, como salientado por Themistocles Brandão Cavalcanti, é ela verdadeiro desdobramento da liberdade de pensa­mento e manifestação.31

A abrangência do preceito constitucional, protegido pelo art. 3o, d, da Lei n2 4.898/65, é ampla, pois, sendo a religião o complexo de princípios que dirigem pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constran­gimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desres­peito à diversidade democrática de idéias, filosofias e à própria diversidade espiritual.

A interpretação da Carta Magna brasileira e do art. 3e, d, da Lei nQ 4.898/65 deve ser a mesma, pois, ao consagrar a inviolabilidade de crença re­ligiosa, assegura proteção, respectivamente, ao local do culto e suas liturgias.32

Ressalte-se que a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo.

Constituirá abuso de autoridade a conduta que restringir o pleno exer­cício da crença e do culto religioso. Assim, decidiu o Supremo Tribunal Fe­deral que:

“Suspensão condicional da pena. Suas condições. Caso em que se proibiu o beneficiário de freqüentar, auxiliar ou desenvolver cultos reli­giosos que forem celebrados em residências ou em locais que não sejam especificamente destinados ao culto. Trata-se de condição que é contrá­ria ao princípio inscrito no § 5o, do art. 153, da Constituição, sobre a li­berdade religiosa. A Justiça deve estimular no criminoso, notadamente o primário e recuperável, a prática da religião, por causa do seu conteúdo pedagógico, nada importando o local.”33

Igualmente, constitui abuso de autoridade a fixação de pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade em templo re­ligioso, por ofensa à garantia constitucional da liberdade de prestar culto.34

31 Princípios gerais de direito público. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p. 253.32 STJ, 6a T. - HC ne 1.498/RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro, Diário da Justiça,

Seção I, 16 ago. 1993, p. 15.994.33 STF, Ia T. - Rextr. ne 92.916/PR, Rel. Min. Antonio Neder - RTJ 100/329.34 RT 620/353.

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18959 UMIMINA5-BIBLI0TECAABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ng 4.898/65 41

Note-se, porém, que a Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não forem contrários à ordem, tranqüilidade e sos­sego públicos, bem como compatíveis com os bons costumes.35 Dessa forma, a questão das pregações e a das curas religiosas devem ser analisadas de for­ma a não obstaculizar a liberdade religiosa garantida constitucionalmente, e tampouco acobertar práticas ilícitas.36

Obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liber­dade religiosa não atinge um grau absoluto, não sendo, pois, permitido a qualquer religião ou culto atos atentatórios à lei, sob pena de responsabiliza­ção civil e criminal.

Assim, não constitui abuso de autoridade a atuação do agente público para reprimir a prática religiosa que, pelo exagero dos gritos e depredações no interior do templo,37 perturbem o repouso e o bem-estar da coletividade,38 pois estará atuando no exercício do poder de polícia que não afronta a liber­dade de culto.39

Assim, poderá o agente público determinar o fechamento de templps re­ligiosos em áreas estritamente residenciais, sem que com isso pratique abuso de autoridade.40

Igualmente, é lícita a atuação do poder público em reprimir a prática de curandeirismo, pois a garantia constitucional da liberdade de crença não au­toriza prática terapêutica a pretexto de livre exercício de culto religioso.41

Obviamente, porém, conforme já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo,

“não pratica o delito de curandeirismo o dirigente de seita religiosa re­gularmente registrada que se limita a pregar o Evangelho, difundindo a cura de enfermidades pela fé, conduzindo-se como simples instrumento nas mãos de Deus”.42

35 STF, RTJ 51/344.36 STJ - RT 699/376.37 RT 21/326.38 TJ/PR, Ia Cdvel - Apelação Cível nfi 24.267, Rel. Des. Oto Sponholz - publicado

em 8-2-92; TJ/PR, Apelação Cível na 54.433 - 2a Cdvel, Rel. Des. Altair Patítucd - dedsão: 17-10-94.

39 TJ/SP, Rel.: Andrade Marques - Apelação Cível 146.692-1 - Diadema - 1B-10-91; TJ/SP, Rel. Andrade Marques - Apelação Cível 152.224-1 - Itatíba - 29-10-91; TJ/SP, 1® Cd­vel - AC 125.688-1, Rel. Luiz de Azevedo - dedsão: 2-10-90.

40 RT 606/84; 640/167; 669/188; 676/98.41 RT 671/362.42 RJDTACrim 01/77.

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4.5 Atentado à liberdade de associação

E plena a liberdade de associação desde que para fins lícitos e vedada a de caráter paramilitar. Sua criação e, na forma da lei, a de cooperativas inde­pendem de autorização, vedada a interferência estatal em seu funcionamen­to, constituindo-se um direito, que, embora atribuído a cada pessoa (titular), somente poderá ser exercido de forma coletiva, com várias pessoas (CF, art. 5Q, XVII).

Dessa forma, ninguém poderá ser compelido a associar-se ou mesmo a permanecer associado.

A existência de uma associação como pessoa jurídica depende somente do ato voluntário de seus membros e não do reconhecimento do Estado, do mesmo modo como o nascimento das pessoas naturais não se confunde com o registro delas. Assim, o Estado não pode limitar a existência de associação, salvo nos casos previstos na Constituição, podendo tão-só estabelecer requisi­tos para a classificação das associações em diversas categorias (civis, mercan­tis - sociedades anônimas, responsabilidade limitada etc.), que, conseqüente­mente, produzirão efeitos jurídicos diversos.

A interferência arbitrária do Poder Público no exercício desse direito in­dividual pode acarretar responsabilidade tríplice:

• de natureza penal, constituindo, eventualmente, crime de abuso de autoridade, tipificado no art. 3Q,f, da Lei ne 4.898/65;

• de natureza político-administrativa, caracterizando-se, em tese, crime de responsabilidade, definido na Lei n9 1.079/50;

• de natureza civil, possibilitando aos prejudicados indenizações por danos materiais e morais.

4.6 Atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto

O voto é um direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social de soberania popular na democracia representativa. Além disso, aos maiores de 18 e menores de 70 anos é um dever, portanto, obrigatório.

A Constituição Federal prevê diversas características do voto: personali­dade, obrigatoriedade formal, liberdade, sigilosidade, periodicidade, igualda­de. Além disso, como regra, a Carta Magna prevê ser o voto direto.43

43 Conferir sobre Direitos políticos e direito de voto: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 212 ss.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI N g 4.898/65 43

As condutas das autoridades públicas tendentes a violar quaisquer das características do voto configurarão crime de abuso de autoridade, além de eventual delito eleitoral.

4.7 Atentado ao direito de reunião

A Constituição Federal garante em seu art. 5S, XVI, que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, indepen­dentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anterior­mente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente, tratando-se, pois, de direito individual o coligar-se com outras pessoas, para fim lícito.

O direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de ex­pressão, exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas que tem por finalidade o intercâmbio de idéias, a defesa de interesses, a publici­dade de problemas, determinadas reivindicações. Desta forma, o direito de reunião apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito individual em rela­ção a cada um de seus participantes e um direito coletivo no tocante a seu exercício conjunto.

A Constituição Federal determina que o direito de reunião deverá ser exercido independentemente de autorização; assim, veda atribuição às auto­ridades públicas para análise da conveniência ou não de sua realização, im­pedindo as interferências nas reuniões pacíficas e lícitas em que não haja le­são ou perturbação da ordem pública, que, se ocorrerem, configurarão o crime de abuso de autoridade previsto no art. 39, h, da Lei ne 4.898/65.

Isto não exclui, por óbvio, a necessidade constitucional de comunicação prévia às autoridades a fim de que exercitem as condutas a elas exigíveis, tais como a regularização do trânsito, a garantia da segurança e da ordem públi­ca, o impedimento de realização de outra reunião.44

Como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, se a intenção policial for a de frustrar a reunião, seu comportamento é criminoso.45

Por fim, anote-se que, nas hipóteses excepcionais do Estado de Defesa (CF, art. 136, § l 9,1, a) e do Estado de Sítio (CF, art. 139, IV), poderá haver restrições ao direito de reunião, ainda que exercido no seio da associação, permitindo-se inclusive, neste último caso, a própria suspensão temporária desse direito individual.

44 RT 258/511.45 Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 259.

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4.8 Atentado à incolumidade física do indivíduo

Consiste na ofensa praticada pelo agente da administração, no exercício de um cargo, emprego ou função, contra o indivíduo, de modo a atingir sua integridade física. Irrelevante, no caso, tenha a conduta deixado vestígios, à medida que a violência se caracteriza pelo emprego de força física, maus- tratos ou vias de fato.

Na hipótese de essa ofensa configurar tortura,46 aplicar-se-á a Lei nQ 9.455/97. Nem toda a violência praticada por funcionário no exercício de suas funções caracteriza o crime de abuso de autoridade. Há casos em que a violência é permitida e necessária, inserindo-se no estrito cumprimento de dever legal. E o caso do policial que emprega licitamente força física propor­cional para conter resistência à prisão em flagrante. O excesso, porém, deve ser punido a título de abuso de autoridade, desde que se identifique o ele­mento subjetivo do injusto.

Assim, a autoridade policial deve agir estritamente dentro dos limites le­gais, mesmo que a vítima a desrespeite, devendo, nesse caso, efetuar sua pri­são, autuando-a pelo crime de desacato, e não investir contra sua integridade corporal, em atitude que corporifica o delito de abuso de autoridade.47

Ainda, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu caracterizado o cri­me de abuso de autoridade na hipótese em que investigadores de polícia dis­pararam tiros de revólver contra um preso em fuga que se achava algemado, ferindo-lhe a perna direita e, quando este já estava caído e dominado, de- ram-lhe outro tiro na perna esquerda e passaram a agredi-lo com pontapés.48

4.8.1 Abuso de autoridade e lesões corporais

Importante analisar a hipótese de resultar lesões corporais da conduta abusiva do agente.

A doutrina e a jurisprudência dividem-se, ora entendendo tratar-se de concurso material, ora aplicando o princípio da absorção em relação ao deli­to de abuso de autoridade.

Assim, minoritariamente entende-se que fica a lesão corporal absorvida pelo delito de abuso de autoridade, e isso ocorre porque a lei em questão te­ria revogado o art. 322 do Código Penal, sem répetir, contudo, disposição ali inserida, qual seja, “além da pena correspondente à violência”.

46 Conferir capítulo sobre a lei dos crimes hediondos.47 RJDTACrim 25/43.48 TJ/SP, Apelação Criminal n2 105.624-3/Jacareí, Rel. Des. Andrade Cavalcanti, j.

25-11-91.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI N g 4.898/65 45

Entendemos, porém, e conforme posição dominante, que se aplica a re­gra de concurso material de crimes, uma vez que o abuso de autoridade, por si, já configura fato típico; e, se da conduta advém efetiva ofensa à integrida­de física além do abuso, tem-se por configurado o crime previsto no art. 129 do Código Penal.

Em defesa da ocorrência de concurso material de delito, saliente-se, como o fez o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que o crime de abu­so de autoridade tem por objetivo resguardar os direitos constitucionais da cidadania de eventuais abusos por parte de qualquer pessoa que exerça auto­ridade publica, finalidade esta diversa da do art. 129 do CP, que é a proteção da integridade física ou da saúde da pessoa.49

Assim, se o agente atua com abuso de autoridade, e causa lesões corpo­rais na vítima, é aplicável a regra do concurso material.50

Na hipótese de os crimes de abuso de autoridade e lesão corporal serem praticados por policial militar em serviço, a Justiça comum será competente para o primeiro, enquanto caberá à Justiça castrense o processo e o julga­mento do crime de lesões corporais.51

Como ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça, os crimes praticados por policiais militares, tais como os de lesão corporal e ameaça, por estarem elencados no Código Penal Militar, são da competência da Justiça Militar, en­quanto os de abuso de autoridade e vias de fato são da competência da Justi­ça Comum.52

Nesse sentido, a Súmula 172 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autorida­de, ainda que praticado em serviço.”

49 RJDTACrim 22/43.50 STF, RTJ 101/595; STJ, 5a T. - REsp. n212.614-0/MT, Rel. Min. Flaquer Scartezzi­

ni - Ementário STJ, 06/696; TJ/PR, Grupo de Câmaras Criminais - CC nB 58.942, Rel. Juiz Mi- lani de Moura, publicado em 28-3-94. Em sentido contrário, há o entendimento de ficar absorvido o delito de lesões corporais pelo crime de abuso de autoridade (art. 3a, Lei n9 4.898/65), uma vez que a lesão “leve ou grave, encontra-se contida na expressão atentado à incolumidade física do indivíduo da lei especial” (TACRIM/SP, 12a Câm. - Apelação n2 972.571, j. 20-11-95).

51 STJ, 3a Seção - CC n2 762/MG, Rel. Min. Costa Leite - Ementário STJ, 01/462. No mesmo sentido: STJ, 3a Seção - CC n2 1.077/SP, Rel. Min. Carlos Thibau - Ementário STJ, 04/557; STJ, 3a Seção - CC n2 2.686-0/RS, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 05/591; STJ, 5a T. - HC n2 1.040-0/MT, Rel. Min. Assis Toledo - Ementário STJ, 05/606; STJ, 3* Se­ção - CC n2 9.334-0/SP, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 14/597.

52 STJ, 5* T. - REsp. nB 32.267-8/PR, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 08/712. No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal: STF, 2a T. - Rextr. nB 95.030/SP, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12 abr. 1981; STF, Pleno - HC nB 57.547, Rel. Min. Mo­reira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 29 fev. 1980, p. 00.973.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

4.9 Atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional

A Constituição Federal estabeleceu no inciso XIII, do art. 5Q, o livre exer­cício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei. Dessa forma, consagrou-se o direito ao li­vre exercício de profissão como uma norma constitucional de eficácia contida, pois previu a possibilidade da edição de lei que estabeleça as qualificações necessárias a seu exercício.

Assim, como as normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em “que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados”,53 a legislação poderá estabelecer condicionamentos capacitários desde que apresentem nexo lógico com as funções a serem exercidas,54 jamais podendo prever qualquer requisito discriminatório ou abusivo, sob pena de ferimento do princípio da igualdade.55

Uma vez estabelecidas legalmente as qualificações necessárias para o exercício de profissão, arte ou ofício, qualquer conduta de autoridade pública em desrespeito a essas previsões configurará o crime de abuso de autoridade.

5 ARTIGO 42 DA LEI N9 4.898/65

O art. 4e, da Lei n2 4.898/65 prevê que também constituem abuso de autoridade: ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado em lei; dei­xar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou de­tenção ilegal que lhe seja comunicado; levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança permitida em lei; cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto a seu valor; recusar o carcereiro ou agente de autorida­

53 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: RT, 1982. p. 89-91.

54 TRF/3- Região, 2- T. - REO 91.03.026461/SP, Rel. Juiz Aricê Amaral, Diário da Justiça, Seção II, 26 jul. 1995, p. 46.075.

55 STF, 1* T. - Agravo regimental em agravo de instrumento n9 134.449/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 21 set. 1990, p. 9.784; e STF - RT 666/230.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ng 4.898/65 47

de policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; o ato lesivo da honra ou do pa­trimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou des­vio de poder ou sem competência legal; prolongar a execução de prisão tem­porária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Ressalte-se que a conduta do agente que, eventualmente, tipificar-se tanto no art. 39 quanto no art. 4S, será responsabilizada por crime único, em face dó princípio da especialidade, aplicando-se as penas previstas no § 3Q, do art. 62.56

5.1 Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder

Tal dispositivo repete o texto inserido no art. 350, caput, do -CP. Bem por isso, prevalece na doutrina e jurisprudência que o artigo do Código Penal teria sido derrogado pela lei especial, na parte em que por esta última houve nova regulamentação. Conforme preleciona Damásio de Jesus,

“o art. 350 do CP, que define o crime de ‘exercício arbitrário ou abuso de poder5, foi parcialmente revogado pelo art. 42 da Lei ne 4.898. Tra­ta-se de revogação tácita. O art. 2-, § l e, da Lei de Introdução ao Código Civil, diz que ‘a lei posterior revoga a anterior quando regula inteira­mente a matéria de que tratava a lei anterior’. Assim, o caput e o ne III do art. 350 foram revogados pelas normas das alíneas a e b do art. 4e, permanecendo em vigor os demais incisos”.57

A tutela à liberdade com a conseqüente limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo consiste em uma das maiores conquistas do Direito Constitucional. Assim, a regra constitucionalmente prevista é a liber­dade, com inúmeros direitos e garantias tuteladores da manutenção desse preceito básico em um Estado de Direito. A própria Constituição, porém, pre­vê hipóteses de supressão do direito de liberdade, sempre em caráter excep­cional e taxativo. O desrespeito dessa regra por parte das autoridades públi­cas consistirá em crime de abuso de autoridade.

Dessa forma, em relação ao binômio liberdade-prisão, poderíamos apontar a seguinte regulamentação constitucional, referente a todas as espécies de prisões (penais, processuais, civis e disciplinares). Como regra geral, a liber­

56 RJDTACrim 16/57.57 Do abuso... Justitia 59/48.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

dade e, como exceções taxativas, a possibilidade de prisão em flagrante deli­to ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competen­te, nas hipóteses descritas na lei.

Note-se que, em face do princípio da reserva legal, constitui pressuposto constitucional implícito, porém indispensável ao cerceamento do status liber- tatis, com conseqüente decretação de prisão, a expressa previsão constitucio­nal ou legal das hipóteses ensejadoras. Dessa forma, não poderá a autoridade judiciária competente, arbitrariamente e sem que haja previsão legal, deter­minar o cerceamento da liberdade de algum indivíduo.58 Assim, decidiu o Su­premo Tribunal Federal:

“A Carta de 1988 jungiu a perda da liberdade a certos pressupostos, revelando, assim, que esta se constitui em verdadeira exceção. Indispen­sável para que ocorra é que se faça presente situação, enquadrável no disposto no inciso LXI do rol das garantias constitucionais, devendo, se possuidora de contornos preventivos, residir em elementos concretos que sejam passíveis de exame e, portanto, enquadráveis no art. 312 do Código de Processo Penal.”59

No direito brasileiro, podemos distinguir cinco espécies de prisão, cuja titularidade para decretação, a partir da Constituição de 1988, é exclusiva do Poder Judiciário: prisão penal, prisão processual, prisão administrativa, pri­são civil e prisão disciplinar.

As prisões penais são as resultantes do trânsito em julgado da sentença condenatória e aplicáveis pelo Poder Judiciário, após o devido processo legal, em virtude da prática de uma infração penal.

As prisões processuais englobam as prisões temporárias (Lei ns 7.960/89), em flagrante delito (CPP, arts. 301 a 310); preventivas (CPP, arts. 311 a 316), resultante de pronúncia (CPP, arts. 282 e 408, § P ) e a resultante de sentença condenatória recorrível (CPP, art. 393, I). Anote-se somente que, em relação ao Código de Processo Penal Militar existe uma espécie de prisão processual denominada Menagem, consistente em prisão provisória fora do cárcere, a ser concedida facultativamente pelo juiz-auditor, desde qüe verifi­cada a natureza do crime, os bons antecedentes do acusado e que a pena pri­vativa de liberdade cominada ao crime não exceda quatro anos (CPPM, arts. 263 ss.).

As prisões administrativas são previstas no Código de Processo Penal (art. 329) e em leis especiais, como, por exemplo, Estatuto dos Estrangeiros (Lei ne 6.815/80), Lei de Falência (Decreto-lei ns 7.661/45 - arts. 14, VI, 35, 69, § 59, 151, § 32).

58 Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Hen­rique Cahen editor, 1946. v. 3, p. 295.

59 STF, 2a T. - HC na 71.361/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1994, p. 25.330.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ng 4.898/65 49

Ressalte-se que tanto as hipóteses ensejadoras de prisões administrati­vas do art. 319 do Código de Processo Penal, quanto as previstas em leis es­peciais foram recepcionadas pela nova Constituição, continuando a existir Iem nosso ordenamento jurídico, porém, nos casos em que a legislação previa jo poder de sua decretação à autoridade administrativa, houve alteração da ititularidade, constitucionalmente deferida somente ao Poder Judiciário. Des­sa forma, a autoridade administrativa está absolutamente proibida de decre­tar a prisão administrativa,60 devendo representar à autoridade judicial com- ipetente para que essa analise eventual decretação de prisão. |

As-prisões civis são as decretadas pelo Poder Judiciário nas hipóteses de finadimplemento voluntário e inescusável de dívida de alimentos e do deposi- §tário infiel (CF, art. 5Q, LXVII) e serão estudadas em inciso próprio. 1

Concluímos, portanto, pela total insubsistência das chamadas prisões 1para averiguações, por flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade,61 inclusi- Ive no regime castrense62 que consistem em verdadeiro desrespeito ao direito 1de liberdade63 e são passíveis de responsabilização civil (indenização por da- |nos morais e materiais), criminal (abuso de autoridade - Lei ne 4.898/Ó5)64 e |por ato de improbidade administrativa (Lei nQ 8.429/92 - art. 11, caput e in- Iciso II). |

Assim, caracteriza o crime de abuso de autoridade a prática por policiais Ide indevida prisão,65 por caracterizar flagrante abuso de poder, uma vez que 1não se encontram presentes as hipóteses constitucionais de prisão, previstas Ino inciso LXI do art. 5e da Constituição Federal (“ninguém será preso senão jem flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciá- Iria competente”).66

60 STF, Ia T. - RHC nfi 66.905/PR, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, f10 fev. 1989, p. 383; RT 638/335. I

61 RT 425/352; RT 457/442; RT 535/345; RT 533/419; RT 564/393; RT 581/382; RT |598/385; RT 644/311. |

62 LOUREIRO NETO, José Silva. Processo penal militar. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995. Ip. 78. |

63 Cf. FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, §1989. v. 1, p. 187; MELLO FILHO, José Celso. Constituição federal anotada. 2. ed. São Paulo: |Saraiva, 1986. p. 446; BASTOS, Celso, MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Consti- |tuição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2. p. 291; MIRABETE, Julio Fabbrini. Código... j|Op. cit. p. 334. |

64 RT 654/336; STF, 2- T. - RHC n2 67.441/SP, Rel. Célio Borja, Diário da Justiça, |Seção I, 12 maio 1989, p. 7.794; RT 425/352. |

65 TJ/SP, 2- Ccrim. - Apelação Criminal n2 179.510-3/São Paulo, Rel. Renato Talli, |j. 3-4-95. |

66 TJ/SP, I a Ccrim. - Apelação Criminal n2 116.176-3/SP, Rel. Des. Andrade Cavai- fcanti, j. 23-11-92; RJDTACrim 11/38; TACRIM/SP, 14a Câm. - Apelação nfi 916.213, Rel. Juiz França Carvalho, j. 8-8-95.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

A Constituição Federal exceptua a necessidade de flagrante delito ou or­dem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente para a ocorrência de prisão, nos casos de transgressões militares ou crimes propria­mente militares, definidos em lei (cf. Decreto-lei ns 1.001/69 - art. 9S, I). Tal fato se deve a maior necessidade de disciplina e hierarquia no regime cas- trense. Assim, conforme preceitua o art. 18 do Código de Processo Penal Mi­litar, independentemente do flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até 30 dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente.

Note-se, porém, que esse permissivo constitucional não consagra a pos­sibilidade de arbítrio e ilegalidade no regime castrense. Assim, apesar de o art. 142, § 22, da Constituição Federal estabelecer que não caberá habeas cor­pus em relação a punições disciplinares militares, tal previsão constitucional deve ser interpretada no sentido de que não haverá habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares militares.

Dessa forma, a Constituição Federal não impede o exame pelo Poder Ju­diciário dos pressupostos de legalidade, a saber: hieraquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente.67

Pontes de Miranda, na vigência da Constituição Federal de 1946, já admi­tia a possibilidade de habeas corpus para a presente hipótese e explicava que

“quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente a (a) hie­rarquia, através da qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimentos de ordens, (b) poder disciplinar, que supõe: a atribuição de direito de punir, discipli­narmente, cujo caráter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em algum dos superiores hierárquicos; (c) ato ligado à função; (d) pena, suscetível de ser aplicada disciplinarmente, portanto, sem ser pela Justiça como Justiça”,

para concluir

“ora desde que há hierarquia, há poder disciplinar, há ato e há pena dis­ciplinar, qualquer ingerência da Justiça na economia moral do encadea- mento administrativo seria perturbadora da finalidade mesma das regras que estabelecem o dever de obediência e o direito de mandar”.68

67 STF, HC 70.648-7/RJ - Diário da Justiça, 4 mar. 1994, p. 3.289; JSTJ 4/452; 34/94.

68 MIRANDA Pontes de. História e prática do habeas corpus. 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 479.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ng 4.898/65 51

5.2 Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado em lei

Esse dispositivo legal, na prática, tem sua aplicação voltada à manuten­ção dos direitos do preso não afetados pela restrição a sua liberdade de loco­moção. Em outras palavras, parte-se de uma prisão legal, mas punem-se atos posteriores praticados para colocar o custodiado em situação vexatória ou de constrangimento.

Como salienta Alexandre de Moraes,

“a Constituição Federal, ao proclamar o respeito à integridade física e moral dos presos, em que pese a natureza das relações jurídicas estabe­lecidas entre a Administração Penitenciária e os sentenciados a penas privativas de liberdade, consagra a conservação por parte dos presos de todos os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa livre, com exce­ção, obviamente, daqueles incompatíveis com a condição peculiar de preso, tais como liberdade de locomoção (CF, art. 5Q, XV), livte exercí­cio de qualquer profissão (CF, art. 5e, XIII), a inviolabilidade domiciliar em relação à cela (CF, art. 5-, XI), o exercício dos direitos políticos (CF, art. 15, III). Porém, o preso continua a sustentar os demais direitos e ga­rantias fundamentais, por exemplo, à integridade física e moral (CF, art. 5e, III, V, X e LXIV), a liberdade religiosa (CF, art. 5e, VI), o direito de propriedade (CF, art. 5Q, XXII), entre inúmeros outros, e, em especial, os direitos à vida e à dignidade humana”.69

O desrespeito a esses direitos para submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado em lei caracterizará o delito de abuso de poder.

5.3 Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa

Toda prisão, bem como o local onde se encontra o acusado, deverá, por mandamento constitucional, ser informada, imediatamente, à família do pre­so ou à pessoa por ele indicada, a seu advogado e ao juiz competente, para que, analisando-a, se for o caso, relaxe a prisão ilegal.

A comunicação imediata da prisão ao juiz competente e aos familiares ou pessoa indicada pelo preso consiste em verdadeira garantia de liberdade,

69 Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Adas, 1997. p. 239.

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pois dela dependem outras garantias expressamente previstas no texto cons­titucional, como a análise da ocorrência ou não das hipóteses permissivas para a prisão (inciso LXI - “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”), com a possibilidade de relaxamento por sua ilegalidade (inciso LXV - “a prisão ile­gal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”), ou nos casos de legalidade, se possível for, a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança (LXVI - “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”).

Dessa forma, a comunicação deve ser feita no mínimo tempo possível, uma vez que a não-imediatidade configurará o delito previsto no art. 4Q, d, da Lei n2 4.898/65.

Ressalte-se que a falta de comunicação da prisão, nos moldes determi­nados pela Constituição Federal, não acarreta sua nulidade,70 desde que rea­lizada de acordo com o ordenamento jurídico, importando porém na respon­sabilização da autoridade policial omissa.71

A responsabilização da autoridade policial e de seus agentes será civil (indenização por danos materiais e morais) e criminal (abuso de autoridade - Lei ne 4.898/65). Da mesma forma, aquele que desrespeitar essa garantia constitucional deverá ser responsabilizado por ato de improbidade adminis­trativa, uma vez que sua ação ou omissão configurará atentado contra os princípios da administração pública, em especial em relação ao dever de le­galidade, pois com sua conduta estará retardando ou deixando de praticar, indevidamente, ato de ofício (Lei ne 8.429/92 - art. 11, caput e inciso II).

5.4 Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada

Trata-se de crime personalíssimo, posto só poder ser praticado por auto­ridade judiciária, que possui a obrigação constitucional de relaxar, imediata­mente, a prisão ilegal (CF, art. 5e, LXV).

Assim, tendo a autoridade judiciária competente conhecimento de que alguém se encontra preso ilegalmente, deverá, imediatamente, determinar a soltura.

Observe-se que, se a vítima for criança ou adolescente, o crime será o previsto no art. 234 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

70 STJ, 6- T. - RHC nB 4.274-5/RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro - Ementário, 12/257; STF, “A falta de comunicação da prisão não importa o relaxamento desta, quando realizada de acordo com a lei” (RHC nfi 32.837, Rel. Min. Nelson Hungria, Diário da Justiça, 7 jun. 1954, p. 1.612).

71 RTJ 33/419; 104/1090; STF, 2* T. - RHC ne 62.187/GO, Rel. Min. Aldir Passari­nho, Diário da Justiça, Seção I, 8 mar. 1995, p. 2.599.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI N B 4.898/65 53 §

5.5 Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei

A Constituição Federal, reforçando a tutela ao princípio da presunção de inocência e ao direito à liberdade, estabeleceu que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.72

Trata-se de mais um inciso do art. 5e configurador de uma garantia do

A conduta da autoridade pública que levar à prisão e nela deter quem jquer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei, configurará flagran- j

te inconstitucionalidade, e é tipificada como crime de abuso de autoridade jpelo art. 4Q, e, da Lei n9 4.898/65.

As hipóteses de concessão de liberdade provisória com e sem fiança en- contram-se no Capítulo VI do Código de Processo Penal.

No art. 321 do CPP, estabelece-se uma espécie de liberdade provisória jobrigatória sem fiança, pois o réu livrar-se-á solto da prisão, independente­mente de fiança no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou al­ternativamente, cominada pena privativa de liberdade ou quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder três meses.

Ressalte-se, ainda, que a Lei nQ 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Ci- Ivis e Criminais) estabeleceu em seu art. 69, caput, nova hipótese de conces­são obrigatória de liberdade provisória sem fiança, pois ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em fia- jjgrante, nem se exigirá fiança.73 J

íNos demais casos, a liberdade provisória sem fiança será concedida pela iautoridade judicial nas hipóteses do art. 310 do Código de Processo Penal. A |primeira hipótese refere-se à concessão de liberdade provisória caso se verifi- |

72 No sentido de configurar direito fundamental do preso a análise necessária e fun­damentada por parte da autoridade competente dos requisitos infraconstitudonais previstos para a concessão da fiança ( “quando a lei admitir...”): STJ, 5a T. - REsp. nQ 21.021/G0, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção I, 17 ago. 1992, p. 12.508; STJ, 6a T. - RHC na 2.556/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 3 maio 1995, p. 7.812; STJ, 6a T. - RHC n2 3.61 l/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I, 29 ago. 1994, p. 22.219. STJ, 6a T. - RHC n2 3.670/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Jus­tiça, Seção I, p. 27.190; STJ, RHC nB 4.233/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I, 19 jun. 1995, p. 18.750.

73 Cf. PAZZAGLINI, MORAES, SMANIO e VAGGIONE. Juizado especial criminal. 2. ed. São Paulo: Aüas, 1997. p. 39.

status libertatis do indivíduo, cuja regulamentação foi transferida ao legisla­dor ordinário.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

que pelo auto de prisão em flagrante delito que o agente praticou o fato aco­bertado por alguma excludente de ilicitude (CP, art. 23). Na segunda hipóte­se, genérica e subsidiária às demais, deverá ser concedida liberdade provisória sem fiança pelo juiz, quando verificar-se a inocorrência de qual­quer das hipóteses permissivas de prisão preventiva. Dessa forma, o juiz de­verá analisar se, no caso concreto, decretaria a prisão preventiva do acusado; se sua conclusão for negativa, não poderá manter a prisão em flagrante, de­vendo, pois, conceder a liberdade provisória sem fiança.

Os arts. 322 a 350 do referido diploma processual penal disciplinam o instituto da fiança. Fiança é a garantia efetivada pelo acusado, direta ou indi­retamente (terceiros), nas hipóteses previstas em lei, consistente em depósito em dinheiro ou valores, com a finalidade de mantê-lo em liberdade durante o processo. A fiança pretende estabelecer um vínculo entre o acusado e o processo de maneira a obrigá-lo ao comparecimento a todos os atos do pro­cesso. Cabe anotar que o direito processual brasileiro admite a concessão de fiança tanto por parte da autoridade policial, nas infrações punidas com deten­ção ou prisão simples, quanto pela autoridade judicial em todas as hipóteses.

5.6 Cobrar o carcereiro ou agente da autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou quaisquer outras despesas, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto a seu valor

5.7 Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa

Tais dispositivos não proporcionam maiores comentários. Nossa legisla­ção em vigor não prevê qualquer cobrança de despesas ou emolumentos por parte dos carcereiros.

5.8 O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal

Protegem-se as liberdades públicas ou os direitos fundamentais do indi­víduo contra abusos praticados no exercício do poder de polícia.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Na 4.898/65 55

5.9 Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir, imediatamente, ordem de liberdade

Essa previsão legal foi incluída na Lei de Abuso de Autoridade pela Lei n2 7.960/89 e repete, basicamente, o comando contido no art. 350, II, do CP, que, nesse aspecto, se encontra derrogado.

Trata-se de crime doloso, omissivo próprio, que se consuma com a con­duta negativa da autoridade que, decorrido o prazo concedido para a restri­ção da liberdade, deixa de expedir ordem de liberdade, ou, então, deixa de cumpri-la, quando expedida pela autoridade competente.

6 SANÇÕES PENAIS✓

O art. 6e, § 39, da Lei n2 4.898/65 estabeleceu para os crimes de abuso de autoridade três modalidades de pena, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente:

• multa de cem a cinco mil cruzeiros - Observe-se que os limites estabe­lecidos nesse dispositivo estão derrogados, pois se aplica o Código Pe­nal, que estabelece o sistema de dias-multa, entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 dias-multa. Quanto ao valor do dia-multa, tem-se o mínimo de 1/30 e o máximo de cinco vezes o salário mínimo, levan- do-se em conta, para sua fixação, a capacidade econômica do acusado;

• detenção de 10 dias a seis meses - Ressalte-se que se a pena privativa de liberdade foi aplicada cumulativamente com a pena de multa, não haverá possibilidade de sua substituição da prisão por multa, confor­me a Súmula 171 do Superior Tribunal de Justiça;74

• perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra fun­ção pública por prazo de até três anos - Trata-se de pena principal e autônoma a ser aplicada isolada ou cumulativamente com a sanção pecuniária e com a pena privativa de liberdade. Conforme salienta Rui Stocco,

“a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outrafunção pública, que o Código Penal de 1940 definia como penas acessó­rias e, agora, como efeitos da condenação e como penas restritivas de

74 Súmula 171 “Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de li­berdade e pecuária, é defeso a substituição da prisão por multa.”

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

direitos, sempre foram consideradas penas principais na Lei de Abuso de Autoridade”75

Estabelece, ainda, o § 5a do referido dispositivo, a possibilidade de co- minação, de “forma autônoma ou acessória”, da pena de proibição do exercí­cio de função dentro do Município da culpa pelo prazo de um a cinco anos, se o agente for policial, civil ou militar.

7 PRESCRIÇÃO

A Lei nQ 4.898/65 não estabeleceu normas prescricionais específicas, pelo que devem ser aplicadas as regras previstas pelo Código Penal. Assim, para as penas pecuniária e privativa de liberdade, previstas no § 3e, do art. 6S, aplica-se o art. 109, VI, do Código Penal, que estabelece o prazo prescri- cional em dois anos.76

8 PROCEDIMENTO

O procedimento previsto para os crimes de abuso de autoridade é o su- maríssimo.

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, iniciando-se por denúncia oferecida pelo Ministério Público, independentemente-de in­quérito policial ou justificação, uma vez que pode vir embasada com peças de informação.77

A lei estabelece em seu art. 13 que o Ministério Público terá o prazo de 48 horas, a partir da representação da vítima, para oferecimento de denún­cia. Saliente-se que o excesso do prazo de 48 horas, previsto pelo art. 13 da Lei ne 4.898/65, não acarreta decadência do direito de o Ministério Público oferecer denúncia, uma vez tratar-se de ação penal pública incondicionada, mas tão-somente acarreta a possibilidade de apresentação de queixa-crime subsidiária, nos termos do art. 16 da citada lei78 e do art. 52, LIX, da Consti­tuição Federal. Igualmente, ressalte-se que somente haverá possibilidade de apresentação da queixa-crime subsidiária, prevista no art. 16 da Lei ne

75 Apud FRANCO, Alberto Silva. Op. dt. v. 2. p. 30.76 RTJE 78/195.77 TACRIM/SP, 14a Câm. - HC nfi 282.400, Rel. Rene Ricupero, j. 14-11-95.78 STF - RTJ 95/166.

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ABUSO DE AUTORIDADE - LEI Ns 4.898/65 57

4.898/65, quando ficar devidamente comprovada a inércia do Ministério Pú­blico.79 Como decidiu o Supremo Tribunal Federal,

“a admissibilidade da ação penal privada subsidiária da pública pressu­põe, nos termos do art. 5S, LIX, da CF a inércia do Ministério Público em adotar, no prazo legal (CPP, art. 46), uma das seguintes providências: oferecer a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou requisitar diligências”.80

Na hipótese de o órgão do Ministério Público entender não configurado o delito de abuso de autoridade, deverá promover o arquivamento. A Lei nQ 4.898/65, em seu art. 15, repetiu a regra do art. 28 do Código de Processo Penal, permitindo ao juiz, no caso de considerar improcedentes as razões in­vocadas pelo órgão do Ministério Público, remeter os autos ao Procurador- Geral, que poderá oferecer a denúncia, designar outro órgão ministerial ou ainda insistir no arquivamento, quando então será obrigatório.

Oferecida a denúncia, o juiz terá o prazo de 48 horas para decidir por seu recebimento ou rejeição. No despacho em que receber a denúncia* o juiz determinará a citação do réu e designará data para audiência de instrução e julgamento. Importante salientar que a lei estabelece o prazo improrrogável de cinco dias do recebimento da denúncia, para que o juiz designe audiência, demonstrando a intenção do legislador em coibir as condutas abusivas por parte das autoridades públicas.

O art. 18 da lei permite que as testemunhas de acusação e de defesa se­jam apresentadas em juízo, independentemente de intimação.

Na audiência de instrução e julgamento, o réu será qualificado e inter­rogado, depois serão ouvidas as testemunhas e o perito, se houver, passan- do-se, imediatamente, aos debates. O órgão do Ministério Público e o advo­gado terão, sucessivamente, 15 minutos para cada um, prorrogáveis por mais 10 minutos, a critério do juiz. Encerrados os debates, o juiz proferirá imedia­tamente a sentença.

O sistema recursal aplicável à Lei de Abuso de Autoridade é o do Código de Processo Penal.

79 STF, 2a T. - HC na 71.282/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I,18 nov. 1994, p. 31.392; STF - RTJ 60/680.

80 Informativo do STF na 43, STF, Habeas corpus n2 74.276-RS, Rel. Min. Celso de Mello, 3-9-96. No mesmo sentido: STF, Pleno - RHC na 68.314/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 15 mar. 1991, p. 2.648; STF - “Em si mesma, a titularidade privati­va da ação penal pública, deferida pela Constituição ao Ministério Público, veda que o poder de iniciativa do processo de ação penal pública se configure ã outrem” (Pleno - HC n2 68.413/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,18 out. 1991, p. 14.549); STJ, 5a T. - RHC na 2.363-0/DF, Rel. Min. Jesus Costa Lima - Ementário, 07/645.

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2Crimes Hediondos e

Assemelhados - Lei n2 8.072/90

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1 PREVISÃO LEGAL

• Constituição Federal - art. 5S inciso XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os defi­nidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

• Lei ns 8.072/90 - parcialmente alterada pela Lei ns 8.930/94 e pela Lei ns 9.269/96.

2 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DE CRIMES HEDIONDOS

Doutrinariamente, há a possibilidade de três critérios de fixação dos chamados crimes hediondos. São os critérios legal, judidalou misto.

Entende-se por critério legal aquele em^que^o próprio legislador diz quais são os delitos que ele considera hediondos, de forma taxativa.

Diferentemente, o criténojüãicial autoriza ao magistrado, erii'vntude da gravidade objetiva do fato, ou pela maneira de execução do delito, conside­rar no/fato concreto a jnfagçãp_D£naF^emg=çEm%hediondo. pQr-ter €ausadcr intensarepiüsa^ÒãéãajféeTconsèqu?mtemeate-^jiii7^dêrarapücarjada^ as ■Córiseqüênria^pénais e processuais penais.

Por fim, temos o critério misto, que conjuga ambos os critérios anterio­res, de forma que o legislador define, exemplificativamente, alguns crimes como hediondos, permitmdó, porém7 ao-magistrado-arextensãe-desserolrde- pendendo do fato concreto.e em virtude da gravidade objetiva do delito.

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CRIMES HEDIONDOS E ASSEMELHADOS - LEI N8 8.072/90 5 9

O legislador brasileiro optou pelo critério legal, definindo na Lei ne 8.072/90, posteriormente alterada pela Lei n2 8.930/94, quais os delitos que serão considerados hediondos.

3 CONCEITO

CrimÊjiedicmdü^JKLBrasily^ião-é-o-que no caso concreto se mostra re­pugnante, asqueroso, depravado, horrível, sádico, cruel, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execuções, ou pela finalidade do agen­te, mas sim aquele definido de forma taxativa pelo legislador ordinário.

Ressaltê-se que a Constituição Federal, por meio de norma constitucio­nal de eficácia limitada, previu algumas conseqüências penais e processuais aos crimes hediondos, autorizando, porém, que ole^isladoxordinário os defi­nisse.---- Os crimes hediondos foram relacionados, deforma absolutamente taxati­va, no art. I 2 da Lei n2 8.072/^0, que passou a ter nova redação dp acordo com o art. l s da Lei nfr 8:930/94. (

Assim, são considerados hediondos os seguintes crimes, tanto consuma­dos quanto tentados:1

• homicídio (CP, art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicí­dio qualificado (CP, art. 121 § 22,1, II, III, IV e V);

• latrocínio (CP, art. 157, § 32 in fine);• extorção qualificada pelai morte (CP, art. 158, § 22);• extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (CP, art. 159 caput

e §§ l 2, 22, 32);• estupro (CP, art. 213, caput e sua combinação com o art. 223 caput e

parágrafo único);2

1 STF, 2- T. - HC n° 73.649-1/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça - RT 732/566.

2 Importante ressaltar que tanto o estupro/atentado violento ao pudor simples, quanto os qualificados pelo resultado (CP, art. 223) são crimes hediondos (STF, 2* T. - HC n2 73.649-1/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça - RT 732/566), não assistindo ra­zão ao julgado do TJ/MS que desconsiderou o caráter hediondo do estupro simples, após o advento da Lei na 8.930/94 {RT 732/677).

Em sentido contrário, porém, entendeu o Supremo Tribunal Federal que: “não se conside­ram hediondos os crimes de estupro e atentado violento ao pudor (CP, arts. 213 e 214), quan­do deles não resultar lesão corporal grave ou morte. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para afastar da condenação do paciente pela prática dos mencionados crimes a qualificação do crime como hediondo e estabelecer o regime inicialmente fechado como o de cumprimento da pena”. (STF - 2- T. - HC na 80.479/RJ - Rel. Min. Nelson Jobim, decisão: 5-12-00. Informativo STF nfi 213).\

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

• atentado violento ao pudor (CP, art. 214, caput e sua combinação com o art. 223 caput e parágrafo único);

• epidemia com resultado morte (CP, art. 267, § l s);

• falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto desti­nado a fins terapêuticos ou medicinais (CP, art. 273, caput, e § l 2, § 1S-A e § 12-B);

• crime de genocídio previsto nos arts. 1Q, 2e e 32 da Lei n2 2.889, de 12-10-1956.

Importante ressaltar que a Lei nQ 8.930/94 fez duas importantes altera­ções, no tocante ao rol de crimes hediondos previstos anteriormente pela Lei ne 8.072/90. Primeiramente, passou a definir como crime hediondo o homi­cídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de. extermínio, ainda:quHTòmétido por um só agente, e o homicídio qualificado. Logicamen­te, em virtude do princípio constitucional da irretroatividade da lei penal in pejus, previsto no art. 52, XL, aos homicídios praticados antes da edição da Lei ne 8.930/94 não se aplica a lei dos crimes hediondos, e tampouco qual­quer de suas conseqüências. Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justi­ça, “se a lei dos crimes hediondos é um posterius em relação ao fato (homicí­dio), não pode ser aplicada, sob pena de violação do princípio da anterioridade da lei penal”.3

Além disso, retirou do crime de envenenamento de água potável ou.de substância alimentícia ou medicinal qualificado com resultado morte (CP, art. 270 c.c. art. 285) o caráter de hediondo. Tal delito, que constava do elenco original do art. I 2 da Lei ne 8.072/90, foi excluído na redação da Lei n- 8.930/94. Note-se que não houve abolitio cnminis em relação ao fato des­crito como infração penal pelo art. 270 c.c. art. 285, ambos do Código Penal, mas somente se retirou sua classificação de crime hediondo, e, conseqüente­mente, a aplicação das regras penais e processuais da Lei n2 8.072/90. Nessa hipótese, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais benigna Qex mitior), inclusive em relação à eficácia da coisa julgada,4 uma vez que a lei nova é mais benéfica.

Por fim, a Lei n2 9.695, de 20-8-1998, acrescentou ao rol dos crimes he­diondos a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto desti­nado a fins terapêuticos ou medicinais, crime previsto no art. 273, caput, e § l 2, § l e-A e § l e-B, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n2 9.677, de 2-7-1998.

3 STJ, 5a T. - HC n2 4.179/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I,15 abr. 1996, p. 115.527. No mesmo sentido: RT 730/482.

4 Conferir sobre irretroatividade da lei penal mais severa e retroatividade da lei pe­nal mais benigna: MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atías,1997. p. 222-224.

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CRIMES HEDIONDOS E ASSEMELHADOS - T.F.I Ng 8.072/90 61

O Presidente da República vetou parcialmente, por contrariar o interes­se público, o Projeto de Lei n- 39, de 1998, que resultou na Lei ns 9.695/98, ^ deixando de sancionar a criação de mais uma espécie de crime hediondo, qual seja, a corrupção, adulteração, falsificação ou alteração de substância ou produto alimentício destinado a consumo, tomando-o nocivo à saúde ou redu­zindo-lhe o valor nutritivo (CP, art. 272, caput, e § l a-A e § l 2, com a redação dada pela Lei nQ 9.677, de 2-7-1998), uma vez que, segundo as razões do veto,

“o tipo penal previsto no art. 272, ao descrever as diversas condutas passíveis de punição, contempla a adulteração de produtos alimentícios que possa causar danos à saúde ou reduzir o seu valor nutritivo. A últi­ma situação descrita - adulteração de produtos alimentícios com redu­ção do valor nutritivo - poderá ensejar que se considere crime hediondo qualquer alteração, ainda que insignificante, de produto alimentício que acarrete a redução de seu valor nutritivo. A abertura textual do tipo pe­nal sob análise pode permitir sua aplicação com amplo grau de subjeti­vidade ou discrição. Tal fato já seria suficiente per se para se não, reco­mendar a sua inclusão no rol dos crimes considerados hediondos. E fácil ver, outrossim, que uma análise acurada das conseqüências indica que, em muitos casos, tal qualificação acabará por afrontar a idéia de razoa- bilidade ou de proporcionalidade positivada entre nós, np art. 52, inciso LIV, da Constituição (princípio do devido processo legal). E certo, ou­trossim, que a qualificação de uma dada ação ou omissão como crime hediondo não pode ser banalizada, sob pena de se retirar o significado específico que o constituinte e o legislador pretenderam conferir a esse

' especialíssimo mecanismo institucional”.5

3.1 Homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente e homicídio qualificado

Note-se que o referido dispositivo legal inclui o homicídio doloso sim­ples no rol dos crimes hediondos, desde que presente o requisito da atividade típica de grupo de extermínio. A natureza jurídica da expressão grupo de ex­termínio deve ser vista como um pressuposto da hediondez. A conceituação do grupo de extermínio deve ser diferenciada da conceituação de co-autoria ou de quadrilha ou bando, já que a lei não as equiparou. Podemos, portanto,

5 Mensagem Presidencial n2 976, Diário Oficial da União, 21-8-1998, encaminhandoo veto parcial e suas razões ao Presidente do Congresso Nacional.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

considerar a existência de um grupo de extermínio a partir de três pessoas, desde que essa associação tenha por finalidade a mortandade, a chacina, de pessoas determinadas por uma característica especial, seja política, social, re­ligiosa, racial, étnica seja qualquer outra capaz de caracterizar a vítima ou as vítimas como membros de um grupo a ser exterminado. Essa conceituação abrange, por força da lei, o crime praticado por uma só pessoa, evidenciando que o executor direto da conduta de matar deve ser um dos membros do gru­po de extermínio, aquele ao qual foi destinada a missão de executar o plano delitivo.

Damásio de Jesus classifica esse crime hediondo como condicionado, pois depende da verificação de um requisito ou pressuposto, qual seja, que o delito tenha sido praticado em atividade típica de grupo de extermínio.6

Além do homicídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio, o homicídio qualificado, em qualquer de suas formas, é conside­rado crime hediondo.

A lei excluiu o homicídio privilegiado, por ser o mesmo incompatível com a hediondez. Tal incompatibilidade se revela ainda quando o homicídio for privilegiado-qualificado, ficando afastada a hediondez.7 Cómo esclarece Damásio de Jesus,

“se, no caso concreto, são reconhecidas ao mesmo tempo uma circuns­tância do privilégio e outra da forma qualificada do homicídio, de natu­reza objetiva, aquela sobrepõe-se a esta, uma vez que o motivo determi­nante do crime tem preferência sobre a outra. De forma que, para efeito de qualificação legal do crime, o reconhecimento do privilégio descarac­teriza o homicídio qualificado”.8

3.2 Recebimento parcial de denúncia por homicídio qualificado

Na hipótese de o membro do Ministério Público oferecer denúncia por homicídio qualificado, tratando-se conseqüentemente de crime hediondo, ca­berá ao magistrado a decisão de receber ou rejeitar a denúncia, não poden­do, pois, nesse primeiro momento, receber a denúncia por homicídio simples, desclassificando a tipificação penal dada pelo titular da ação penal e, conse­qüentemente, afastar as previsões penais e processuais da Lei n2 8.072/90.

6 Boletim IBCCrim n2 29, abr. 1995.7 Nesse sentido, conferir: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: leis penais e sua

interpretação jurisprudendal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. v. 2. p. 574.8 O homiddio, crime hediondo. Boletim IBCCrim nfi 22, out. 1994. Conferir ainda:

STF - Pleno - HC ns 76.196/GO - Rel. Min. Maurído Corrêa. Informativo STF ne 214.

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CRIMES HEDIONDOS E ASSEMELHADOS - LEI Ng 8.072/90 6 3

O momento do recebimento da denúncia não pode ser utilizado pelo magistrado para, desclassificando o delito, desde logo demonstrar seu enten­dimento em relação aos fatos narrados na exordial, pois estaria o órgão jul­gador imputando ao denunciado uma infração penal, sem que houvesse ocorrido o devido processo legal. Ressalte-se que a Constituição Federal con­sagrou, na área penal, em respeito à teoria dos freios e contrapesos (chéks and balances), o sistema acusatório, em que existe separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, sendo a exclusividade da titularidade da ação penal pública do Ministério Público (CF, art. 129,1), enquanto a fun­ção jurisdicional pertence ao Poder Judiciário. Confusão de funções haveria se pudesse o magistrado impor, desde logo, qual a infração penal pela qual o acusado seria processado, imputando-lhe, dessa maneira, uma infração pe­nal. Como ensina o Supremo Tribunal Federal,

“não cabe ao juiz, ao receber a denúncia, desclassificar o crime nela nar­rado, hipótese distinta da prevista do art. 383 do CPP (‘O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da de­núncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mâis gra­ve’), que faculta ao magistrado tal possibilidade no momento de prola- tar a sentença”,9

pois, como ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça,

“a definição jurídica dos fatos supostamente delituosos cabe ao Ministé­rio Público como titular que é da ação penal”.10

Caso, erroneamente, o magistrado receba uma denúncia regularmente ofertada pelo Ministério Público, porém desclassificando a imputação de ho­micídio qualificado para homicídio simples, caberá ao Parquet a interposição de recurso em sentido estrito, pelo recebimento parcial da denúncia, e de mandado de segurança para obtenção de efeito suspensivo ao citado recurso, de forma a impedir-se o início do devido processo legal, por meio de uma im­putação realizada pelo próprio magistrado.11

9 STF, 2* T. - HC nfi 76.024/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, 12-12-97 - Informativo STF, nB 96.

10 STJ, 6a T. - RHC na 4.881/RJ - Rel. Min. Anselmo Santiago, Diário da Justiça, Se­ção I, 24 nov. 1995, p. 44.625.

11 TJ/SP - Mandado de Segurança n8 184.218-3/0, da Comarca de São Paulo, Tribu­nal de Justiça, Rel.: Des. Cardoso Perpétuo, onde se entendeu que "a pretensão do impetrante se mostra arrazoada e justa. É que tramitando a ação penal com a restrição contida no recebi­mento parcial da denúncia poderá essa circunstância ocasionar prejuízos ao Ministério Públi­co, na persecução, na hipótese de ser provido o recurso em sentido estrito interposto. Tudo que tenha sido realizado deverá ser anulado, renovando a instância penal, e é inegável que o direito de acusação poderá ficar coarctado”.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

3.3 Júri e quesitação sobre a hediondez do homicídio

Questão altamente relevante diz respeito à necessidade ou não de quesi­tação feita pelo juiz ao Conselho de Sentença sobre a hediondez do homicídio.

Entendemos que a decisão sobre a hediondez do crime, seus pressupos­tos e suas conseqüências é de competência exclusiva do juiz, cabendo ao Tri­bunal do Júri apenas julgar o fato, sua autoria e as qualificadoras constantes na pronúncia e no libelo-acusatório.

Dessa forma, se o Conselho de Sentença entender tratar-se de homicídio qualificado, conseqüentemente, o juiz, ao proferir a sentença, aplicará, por força da lei, todas as conseqüências da lei dos crimes hediondos.

O problema maior ocorre, porém, na hipótese de condenação por homi­cídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Uma vez quesitada a autoria e materialidade, e tendo o réu sido condenado, caberá ao próprio juiz-presidente a análise da existência ou não da atividade típica de grupo de extermínio, pressuposto necessário para a caracterização do delito de homicídio simples como crime hediondo. Como ensina Damásio E. de Jesus,

“a Lei ns 8.930/94 não criou uma figura típica de crime de homicídio. Não há um novo tipo simples ou qualificado. Ter sido a morte da vítima executada em ação típica de grupo de extermínio não é elementar e nem circunstância do crime de homicídio... os efeitos decorrentes da he­diondez são estranhos à decisão dos jurados. No processo comum o Juiz não indaga do Conselho de Sentença se o réu poderá apelar em liberda­de, se o cumprimento da pena se fará em determinado regime, se o li­vramento condicional poderá ser requerido com o cumprimento de 1/3 ou 2/3 da pena ou se caberá graça ou indulto. Assim, condenando o réu por homicídio doloso simples ou comum (não hediondo), a sentença deve mencionar se poderá apelar em liberdade, cujo direito apresenta a primariedade e os bons antecedentes como condições (art. 594 do Códi­go de Processo Penal). E o Júri não é questionado sobre esses dois pres­supostos. Durante a execução da pena são cabíveis, em tese, a graça e o indulto. Os membros do Conselho de Sentença não são indagados sobre esses institutos. São questões de competência exclusiva do juízo singular na sentença condenatória ou na fase da execução da pena”.12

4 ABRANGÊNCIA DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

A Lei n9 8.072/90, denominada lei dos crimes hediondos, abrange não só as infrações penais enumeradas em seu art. I 9, mas também os crimes de tor­tura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e o terrorismo, que, apesar

12 Boletim IBCCrim, n2 29, abr. 1995.

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de não serem hediondos, são considerados pela própria Constituição Federal (CF, art. 5e, XLIII) como assemelhados. Conseqüentemente, a eles aplicam-se todas as regras penais e processuais previstas na citada lei, conforme o art. 2- da Lei ne 8.072/90.

4.1 Tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins

Em relação ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, importante ressaltar que, somente os tipos penais previstos nos arts. 12, 13 e 14 da Lei n2 6.368/76 são considerados assemelhados aos hediondos, uma vez que o delito do art. 16 se refere ao usuário, e não ao tráfico.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, por suas duas Turmas, em de­cisões recentes (HC 75.978 e 70.207), entendeu que o crime previsto no art. 14 da Lei ne 6.368/76 (associação para a prática do tráfico de entorpecentes) não está inserido no rol do art. 2-, da referida Lei n2 8.072/90, não consistin­do, assim, em crime assemelhado aos crimes hediondos. Portanto, as conse­qüências previstas na lei dos crimes hediondos não se aplicam para o crime de associação para fins de tráfico, conforme o entendmiènfõTirmad©-pele-STF^--

4.2 Terrorismo

Atualmente, inexiste delito com o nomem juris “terrorismo”, porém con­cordamos com Antonio Scarance Fernandes que entende ter o art. 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei n2 7.170/83) tipificado o terrorismo, por incon- formismo político ou para a obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações clandestinas ou subversivas, podendo ser aplicadas as conse­qüências da hediondez.13 Diferentemente, Alberto Silva Franco entende que inexiste tipo penal definidor do terrorismo e, conseqüentemente, a Lei n2 8.072/90, nesse ponto, é inócua. Como ressaltado pelo citado autor,

“a falta de um tipo penal que atenda, no momento presente, à denomi­nação de terrorismo e que, ao invés de uma pura cláusula geral, expo­nha os elementos definidores que se abrigam nesse conceito, toma inócua, sob o enfoque de tal crime, a regra do art. 22, da Lei ne 8.072/90”.14

O Decreto n2 3.018, de 6-4-1999,15 promulgou a Convenção para preve­nir e punir os atos de terrorismo configurados em delitos contra as pessoas e a extorsão conexa, quando tiverem eles transcendência internacional, que ha­via sido concluída em Washington, em 2-2-1971. Ressalte-se, porém, que não há nenhum crime tipificado.

13 RT 660/261.14 FRANCO, Alberto Silva. Crimes... Op. dt. p. 580.15 Diário Oficial da União, 7 abr. 1999, p. 3.

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4.3 Tortura

O art. 5e da Constituição Federal prevê que ninguém será submetido a tortura16 nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III); prevê tam­bém que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. O art. 5e, XLIII, da Constituição Federal é uma norma constitucional de eficácia limita­da, pois necessita da atuação do legislador infraconstitucional para que sua eficácia se produza. Assim, quanto à inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia, foi editada a lei dos crimes hediondos (Lei ne 8.072/90), porém, no tocante à definição do crime de tortura, tomou-se necessária a edição de lei infraconstitucional, de competência da União (art. 22,1, da CF), tipificando-os, em razão do próprio preceito constitucional do art. 5e, XXXIX.

O termo tortura, para a Assembléia Geral das Nações Unidas, significa

“qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimi­dar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo ba­seado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofri­mentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consenti­mento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofri­mentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”.17

Questão controvertida, decidida pelo Supremo Tribunal Federal, consi­derou por maioria de votos (6 x 5 ), que existia lei tipificando o delito de tor­tura, quando praticado contra criança ou adolescente, ao analisar a constitu- cionalidade do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente.18

16 Dicionário Aurélio: Verbete: tortura [Do lat. tortura.] S. f. 1. Suplício ou tormento violento infligido a alguém. 2. V. tortuosidade. 3. Fig. Grande mágoa. 4. Lance difícil.

17 Art. Ia da Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desu­manos ou degradantes, adotada pela Resolução na 39/46 da Assembléia Geral das Nações Uni­das, em 10-12-1984.

18 STF - ‘Tortura contra criança ou adolescente - Existência jurídica desse crime no Direito Penal Positivo brasileiro - Necessidade de sua repressão - Convenções internacionais subscritas pelo Brasil — Previsão Típica constante do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n2 8.069/90, art. 233) - Confirmação da constitudonalidade dessa norma de tipificação penal - Delito imputado a policiais militares - Infração penal que não se qualifica como crime militar - Competência da Justiça comum do Estado-membro - Pedido deferido em parte” (Pleno - HC n2 70.389-5/SP, Rel. Min. Celso de Mello; j. 23-7-1994). Nesse sentido também: HC 74.332-RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, 24-9-96 - Informativo STF, na 47.

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O Min. Marco Aurélio, posicionando-se em sentido contrário, afirmava que o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente não poderia ser con­siderado como crime de tortura, pois,

“a simples menção à tortura, sem que se defina o comportamento sufi­ciente a confígurá-la, deixa ao sabor da capacidade até mesmo intuitiva daquele que exerce o ofício judicante o alcance da norma penal, a con­clusão sobre a prática, ou não, do crime ao qual o contexto jurídi- co-constitucional impõe conseqüências das mais gravosas, como são o afastamento da graça, do indulto e da anistia, da fiança, o elastecimento da prisão temporária e o cumprimento da pena, na sua integralidade, no regime fechado. A insegurança grassará e, o que é pior, o julgamento das ações penais correrá à conta da formação do julgador. Como redigi­do o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, reclama-se pos­tura do magistrado que contraria a máxima gizada por Nélson Hungria em Comentários ao código penal, Forense, RJ, 1958, 1/86, t. 1, consoan­te a qual ‘a lei penal deve ser interpretada restritivamente quando preju­dicial ao réu e extensivamente no caso contrário’. O juiz partirá para o campo da interpretação extensiva, definindo ele próprio o que se enten­de como crime de tortura e assumindo, com isso, a posição reservada ao legislador”.19

A divergência foi solucionada pelo legislador que, ao editar a Lei n2 9.455, de 7-4-1997, definiu os crimes de tortura (art. I 2) e, expressamente em seu art. 42, revogou o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n2 8.069/90). As elementares características do crime de tortura são “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”.

A Lei n2 9.455, de 7-4-1997, em seu art. I 2 define o crime de tortura. Note-se que, mesmo antes da edição da referida lei, a jurisprudência já defi­nia tortura como

“a composição de ações empregadas por uma ou mais pessoas, com re­lação a outra, ou outras, que, pelo modo violento e degradante, quer no aspecto físico, quer psíquico, com o perdurar do tempo, acaba por der­rotar toda a resistência natural inerente ao ser humano, tomando-o de­sorientado, depressivo e sujeito às mais várias reações, dentre elas, aquela que mais interessa a quem tortura - o irremediável medo”.20

O art. I 2 da citada lei, ao definir o crime de tortura, diz:

19 Temas de direito penal, nosso direito positivo e a tortura. Revista Brasileira de Ciên­cias Criminais nfi 8. São Paulo: RT, 1994. p. 93.

20 TJ/SP - Apelação Criminal n2 192.122-3 - Taubaté - 2a Câmara Criminal, Rel. Pra­do de Toledo - 16-10-95.

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“Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou men­tal: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da víti­ma ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa - II - subme­ter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de vio­lência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (para os dois incisos a pena é de dois a oito anos de reclusão); § 1Q Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segu­rança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal; § 2° Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos; § 3e Se re­sulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclu­são de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezes­seis anos.”

Ressalte-se que a presente lei veio atender à Organização das Nações Unidas que exige, no art. 42 da citada Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, que

“cada Estado-parte assegurará que todos os atos de tortura sejam conside­rados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmo aplicar-se-á à tenta­tiva de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura” .

A citada Lei nQ 9.455/97 prevê que aqueles que forem condenados pela prática das condutas típicas definidas pelo legislador ordinário como crime de tortura estarão sujeitos, além da pena privativa de liberdade, a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo do­bro do prazo da pena aplicada (art. I o, § 5o). Dessá forma, o agente que so­frer condenação pela prática do delito de tortura, além de perder seu cargo, função ou emprego público, não poderá exercer outro cargo, função ou em­prego público, durante o dobro do prazo de sua pena privativa de liberdade.

O legislador infraconstiturional, no intuito de combater prática inaceitá­vel, porém de longa data utilizada pelo sistema repressivo estatal, na colheita de provas e/ou no tratamento carcerário,21 previu expressamente, além das já citadas sanções de perda e interdição do cargo, função ou emprego públi-

21 STF, Pleno - HC n® 41.888, Rel. Min. Evandro Lins, Diário da Justiça, 28 abr. 1965; STJ, 1® T. - RMS ne 17 - SP. Reg. n9 89.0008777-0. Rel.: Min. Garcia Vieira. DJ 20-11-89; STJ, 3a Seção - CC na 3.532-5/SP, Rel. Min. Assis Toledo. Ementário STJ, 07/659; STJ, 31 Seção CC ns 13.980-0/SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini. Ementário STJ, 14/595; TJ/PR, Ia Cdvil - Apelação Cível na 29.744, Rel. Des. Oto Sponhoz, publicado em 2-4-90.

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co, uma causa especial de aumento de pena no § 42, do art. I a, da Lei ne 9.455/97. Assim, aumenta-se a pena de um sexto até um terço se o crime é cometido por agente público. A legislação veio reforçar o espírito constitucio­nal de combate a tortura, inclusive estatal, previsto nos incisos III e XT.TTT do art. 5e, bem como ao determinar serem inadmissíveis no processo, por consti­tuírem provas ilícitas.22

Por fim, a Lei nQ 9.455/97 prevê uma hipótese de extraterritorialidade penal, determinando a aplicação da legislação brasileira ainda quando o cri­me não for cometido em território nacional, se a vítima for brasileira ou en- contrandp-se o agente em local sob jurisdição brasileira (art. 22).

4.3.1 Conseqüências penais e processuais do crime de tortura

Em relação às conseqüências penais e processuais da Lei n2 9.455/97, o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Além disso, o condenado deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, pos- sibilitando-se, pois, a progressão aos regimes semi-aberto e aberto, conforme requisitos da Lei de Execuções Penais. O legislador deixou de repetir a fór­mula genérica da Lei n2 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos), na qual se pro­ibia, igualmente, a concessão de indulto e qualquer possibilidade de progressão de regimes.

Importante realçar esses dois aspectos derrogados da Lei n2 8.072/90 em relação ao crime de tortura: vedação de progressão de regime e impossibili­dade de concessão de indulto.

A Lei nQ 9.455/97, por ser posterior e especial em relação à Lei nfi 8.072/90, acaba por permitir ao condenado por crime de tortura a concessão de progressão de regimes de cumprimento da pena, uma vez que somente prevê a obrigatoriedade de fixação do regime inicial fechado. Da mesma forma, por não repetir a impossibilidade de concessão de indulto, acaba por permiti-lo.

Acabou-se, por péssima técnica legislativa, diferenciando o crime de tor­tura dos demais crimes assemelhados aos crimes hediondos. Essa incoerência foi ressaltada pelo Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que “pode ser triste que, assim, ao torturador se reserve tratamento mais leniente que ao miserá­vel Vaposeiro’ de trouxinhas de maconha: foi, no entanto, a opção da lei que - suposta a sua reafirmada constitucionalidade - é invencível, na medida em que, no tocante ao regime de execução, o art. 5e, XLIII, da Constituição não impôs tratamento uniforme a todos os crimes hediondos”.23

22 STJ, 6a T. - RHC n2 2.132-2/BA, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro. Ementário STJ, 06/708; TJ/SP, Apelação Cível ng 236.701-2, Rel. Marrey Neto - decisão: 31-5-94.

23 STF - Ia T. - HC n2 80.634-1/SP - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Diário da Justi­ça, Seção 1, 20 abr. 2001, p. 107.

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Discordamos, porém, de Alberto Silva Franco quando afirma que

“a extensão da regra do § 72, do art. I 2, da Lei n2 9.455/97, para todos os delitos referidos na Lei nQ 8.072/90, equaliza hipóteses fáticas que estão constitucionalmente equiparadas e restabelece, em sua inteireza, a racionalidade e a sistematização do ordenamento penal. Além disso, re­presenta uma tomada de posição do legislador ordinário em sintonia com o texto constitucional”.24

A Lei ne 9.455/97 é especial em relação à Lei ne 8.072/90 referindo-se tão-só e especificamente ao delito de tortura, não tendo, pois, o condão de derrogar normas expressas referentes aos demais crimes hediondos e asseme­lhados. Note-se, ainda, que as previsões de cumprimento da pena integral­mente em regime fechado e a impossibilidade de concessão de indulto para os crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terroris­mo foram estabelecidas infraconstitucionalmente, e, como tal, não necessa­riamente devem guardar total sintonia com as regras previstas para o delito de tortura, permanecendo, pois, com integral vigência. Diversa é a hipótese que se refere às conseqüências constitucionais para os crimes hediondos e as­semelhados - vedação de graça ou anistia e de concessão de fiança - em que o próprio legislador constituinte determinou um tratamento paritário a todas as infrações penais definidas como hediondas, ao tráfico ilícito de entorpe­centes, à tortura e ao terrorismo.

Nesse sentido, decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal:

“O Tribunal indeferiu pedido de habeas corpus em que se pretendia a aplicação da Lei ne 9.455/97 - que assegura ao condenado por crime de tortura o instituto da progressão do regime de cumprimento da pena (art. l e, § 7e) - a réu condenado por crime hediondo (latrocínio). Afas­tando a alegação de que o art. 5e, XLIII, da CF teria tratado de forma isonômica tais crimes ( ‘a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetí­veis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecen­tes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem‘), o Tribunal afirmou que a Lei n2 9.455/97 não derrogou o art. 2-, § I a, da Lei n2 8.072/90, que impõe aos condenados por crime hediondo o cumprimento integral da pena em regime fechado. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que deferiam a ordem. HC 76.371-SP - Rel. originário Min. Marco Aurélio, red. para o acórdão Min. Sydney Sanches, 25-3-98.” (Informativo STF n2104 - Capa).

E, ainda, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que analisando exaustivamente a questão entende que:

24 Crimes hediondos.... Op. dt. p. 590.

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UNIMINAS-BIBLIOTECACRIMES HEDIONDOS E ASSEMELHADOS - LEI Ng 8.072/90 71

“Realmente, o § 7- do art. l e da Lei n2 9.455 dispõe que ‘o condena­do por crime previsto nesta lei (tortura), salvo hipótese do § 2% iniciará o cumprimento da pena em regime fechado'

Por essa regra, qualquer que seja a quantidade da pena aplicada, mesmo quando o condenado for primário e de bons antecedentes, o re­gime prisional será fechado no início. Logo, são permitidas as progres­sões, se satisfeitos os requisitos objetivos e subjetivos (art. 112 da LEP).

A circunstância de ter a legislação ordinária sido mais benevolente quanto ao regime prisional no crime de tortura não pode causar nenhu­ma estupefação, diante da permissão que lhe foi dada pela Lei Magna. Esta impede apenas a fiança, a graça e a anistia, sem impor outros ri­gores.

Outrossim, cumpre observar que, na comparação dos crimes hedion­dos ou equiparados, uns causam maiores danos sociais do que outros. Daí as variações nos parâmetros das penas. Os limites mínimos e máxi­mos são diferenciados, segundo a natureza e a gravidade de cada crime. Se os parâmetros são diferenciados, nada impede que o mesmo ocorra com relação aos regimes prisionais. Correto se mostra, portanto* o com­portamento do Poder Constituinte quando deixou de estabelecer o regi­me prisional para os diferentes crimes hediondos ou equiparados, con­cedendo maior liberdade de escolha, nessa parte, ao legislador comum.

Por aí se vê que o § 7e da Lei ne 9.455, de. 1997, não derrogou o § 1Q do art. 2- da Lei ne 8.072, de 1990. Nem mesmo qualquer influência pode ter na interpretação da última disposição. Não há que se cogitar em analogia in bonam partem, devido às naturezas e diferenciações dos diversos crimes hediondos.”25

Neste sentido, a Súmula 698 do Supremo Tribunal Federal: “Não se es­tende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regi­me de execução da pena aplicada ao crime de tortura.”

5 CONSEQÜÊNCIAS PENAIS E PROCESSUAIS DA LEI W 8.072/90

A Lei nQ 8.072/90 prevê diversas conseqüências penais e processuais pe­nais para os chamados crimes hediondos e assemelhados. Assim, em seu art. 2S estipula que os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de

25 TJ/SP - 2a Ccrim - Ap. Crim, n2 229.087-3/7 - Itapecerica da Serra - Rel. Des. Sil­va Pinto, j. 20-10-97. Nesse mesmo sentido: “A Lei n2 9.455/97 que deu tratamento diferen­ciado ao regime carcerário do crime de tortura foi uma exceção ao regime estabelecido pela Lei nfi 8.072/90, a qual, indusive, não é inconstitucional, segundo a lição pacífica dos tribunais, referendado o entendimento pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal” (TJ/SP - HC n° 1.065/98 - 7a Câmara Criminal - Rel. Des. Carlos Brazil, decisão: 21-7-98).

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entorpecentes e o terrorismo são insuscetíveis de anistia, graça e indulto e de fiança e liberdade provisória. Além disso, o § 1Q, do citado art. 2S, determina que a pena prevista para os crimes hediondos e assemelhados será cumprida integralmente em regime fechado.

Os demais parágrafos do art. 2e prevêem duas conseqüências penais para os crimes hediondos e assemelhados: necessidade de decisão judicial fundamentada sobre a possibilidade de o réu apelar em liberdade e prisão temporária.

Em relação a todas essas previsões, os efeitos penais trazidos pela Lei dos Crimes Hediondos seguem o princípio da irretroatividade da lei penal mais grave (CF, art. 5Q, XL e CP, art. 2Q, parágrafo único). Em relação às nor­mas de caráter processual penal, a aplicabilidade é imediata, conforme pre- ceitua o art. 2S, do Código de Processo Penal, pois vigora a regra da anterio- ridade da lei diante do ato processual e não em relação à conduta típica do agente.26 Ressalte-se que as normas que disciplinam a concessão ou proibição de fiança e liberdade provisória, como ensinava José Frederico Marques, são normas processuais, “uma vez que não passam de medidas cautelares de coa­ção processual”,27 logo de aplicabilidade imediata.

5.1 Insuscetíbilidade de anistia, graça e indulto

A Constituição Federal dispõe que os crimes hediondos serão insuscetí­veis de anistia e graça, tendo a legislação infraconstitucional acrescentado o indulto.

Concordamos com a doutrina majoritária de Damásio E. de Jesus, Antô­nio Lopes Monteiro e Ministro Luiz Vicente Cemicchiaro, para os quais,

“em se analisando, finalisticamente, o art. 5e, XLIII, percebe-se que a proibição constitucional significa excluir da clemencia principis os auto­res de crimes hediondos. Não faz sentido, pela Constituição, afastar o favor do Presidente da República, individualmente concedido, mas au­torizar o benefício só porque, no mesmo decreto, foram contempladas outras pessoas. Sufragar-se-ia conclusão meramente formal, em dado simplesmente numérico. Realça, aqui, o significado altamente negativo do crime hediondo, incompatível com a tradicional clemência”.28

26 STJ, 5a T. - HC na 2.086, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção I, 8 nov. 1993, p. 23.569.

27 Tratado de direito processual penal. São Paulo : Saraiva, 1980. p. 74. Nesse mesmo sentido: RT 210/320. Cf., ainda, sobre a natureza processual das normas disciplinadoras de medidas cautelares: BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 286.

28 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na constituição. 2. ed. São Paulo: Re­vista dos Tribunais, 1991. p. 172. Nesse mesmo sentido: STF, Ia T. - HC n2 71.643/RS, Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 25 nov. 1994, p. 32.301.

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Em sentido contrário posicionam-se Francisco de Assis Toledo e Alberto Silva Franco, para quem é inaceitável a proibição do indulto por Lei ordiná­ria, pois, no art. 84, XII, a Constituição prevê expressamente o indulto e o atribui à competência discricionária do Chefe do Executivo. Dessa forma, esse poder discricionário somente encontra seus efeitos no próprio texto constitucional, não podendo ser restringido pelo legislador ordinário.

Ressalte-se, por fim, que, em relação ao crime de tortura, definido na Lei n9 9.455, de 7-4-1997, o § 69, do art. I 9, expressamente, afirmou: O crime de tortura é insuscetível de graça ou anistia. Dessa forma, acabou por revogar a proibição à concessão do indulto ao crime de tortura, prevista anteriormen­te pela Lei n9 8.072/90, uma vez que a lei posterior também revoga a lei ante­rior quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (LiCC, art. 29,§ l 9).

5.2 Insuscetíbilidade de liberdade provisória ou fiança

O legislador constitucional previu no art. 5e, XLffl, que a lei considerará crimes inafiançáveis a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e dro­gas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Ocorre, porém, que na Lei n2 8.072/90 o legislador ordinário, além de vedar a fiança (o que de­veria fazer por expressa manifestação no plano constitucional), considerou tam­bém inadmissível, nos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpe­centes e drogas afins e de terrorismo, a concessão da liberdade provisória.

Não nos parece padece^^âe^consBfticiònaMade o^rere^áo"dispositivo constitucional, uma vez que o tratamento das hipóteses de liberdade provisó­ria é meramente infraconstitucional, sendo, em regra, realizado pelo próprio Código de Processo Penal. Dessa forma, nada impede que outra espécie nor­mativa ordinária (Lei n9 8.072/90), de idêntica hierarquia ao Código de Pro­cesso Penal, possa prever algumas hipóteses proibitivas de concessão de li­berdade provisória, como no presente caso ao tratar dos crimes hediondos e assemelhados.29 Nesse sentido, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao afirmar que

“a lei deve ser cumprida. Tal e qual pretendeu o legislador, que, em gra­ve momento, em que se tem como certa a disseminação extraordinária

29 O Superior Tribunal de Justiça é pacífico nesse sentido: “A lei recusa liberdade provisória a acusado de crime hediondo” (5a T. - RHC na 2.520-0/CE, Rel. Min. Edson Vidigal, Ementário, 07/707). Ainda: STJ - “A prmiariedade e os bons antecedentes não asseguram ao agente o direito de responder solto aeríme de tráfico de entorpecentes, diante da proibição le­gal (art. 2a, ü, da Lei na 8.072/9J2r [6a T. - RHC nfi 1.138/RS, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção I, 10 jun. 1991, p. 7.858). No mesmo sentido: STJ - “Latrocínio é crime he­diondo, insuscetível do benefício da liberdade provisória” (5a T. - HC na 932-0/SP, Rel. Min. Edson Vidigal - Ementário, 05/291).

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dos tóxicos, em todo o mundo, houve por bem, entre nós, editar lei de rigor mais dilatado, que não se reveste de nenhuma inconstitucionalida­de. E, no caso, lei ordinária, emanada do poder competente, que em nada arranhou as garantias individuais asseguradas pela Lei Maior”.30

Ressalte-se que a lei somente não poderia autorizar a concessão de fian­ça nas hipóteses em que, expressamente, o legislador constituinte vedou-as, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Em relação ao crime de tortura, definido na Lei ne 9.455, de 7-4-1997, o § 6-, do art. l s, expressamente afirmou: O crime de tortura é inafiançável. Dessa forma, acabou por revogar a proibição à concessão de liberdade provi­sória ao crime de tortura, prevista anteriormente pela Lei n° 8.072/90, uma vez que a lei posterior também revoga a lei anterior quando regule inteiramen­te a matéria de que tratava a lei anterior (LiCC, art. 2-, § 1Q).

Importantíssimo ressaltar que a proibição da concessão da liberdade provi­sória em nada influencia o relaxamento da prisão em flagrante por excesso de prazo na instrução do feito. Neste sentido, a Súmula 697 do Supremo Tribunal Federal: “A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hedion­dos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.”

5.3 Cumprimento da pena integralmente em regime fechado dos crimes hediondos e assemelhados

iféjo hk J /OT- O § l s,ddo art?. 2Q, da presente lei prevê que a pena aplicada em razão

da prática de crimes hediondos ou assemelhados será integralmente cum­prida em regime fechado, vedando-se qualquer espécie de progressão aos regimes semi-aberto ou aberto. Essa previsão não padece de qualquer in­constitucionalidade.31

A obrigatoriedade legal do cumprimento integral da pena, em caso de condenação por crimes hediondos ou assemelhados, em regime fechado não ofende o princípio da individualização da pena, uma vez que se trata de ma­téria infraconstitucional a ser disciplinada por Lei ordinária. Assim, da mes­ma forma como o legislador ordinário tem a discricionariedade para a criação de regimes de cumprimento de pena, bem como de hipóteses de progressão e regressão entre os diversos regimes previstos, poderá também instituir algu­mas hipóteses em que a progressão estará absolutamente vedada.

Como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal,

“à lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o le­gislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida

30 TJ/SP, Rec. 108.716-3/6, Rel. Des. Djalma Lofrano.31 STF, 2a T. - HC n2 75.634-4/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção

I, 12 dez. 1997, p. 65.567.

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pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em rela­ção aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fi­xação do regime prisional”.32

Importante destacar, contudo, que, em novo julgamento, a composição atual do Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco, declarou a incons­titucionalidade do § l s, do art. 2e, da Lei ne 8.072/90 (Lei dos Crimes He­diondos), que veda a progressão de regime para os condenados por crimes hediondos e assemelhados. A favor do novo posicionamento, votaram os Mi­nistros Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence; enquanto os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim mantiveram o anterior po­sicionamento da Corte, no sentido da constitucionalidade do referido preceito (STF - Pleno - HC nQ 82.959/SP - Rel. Min. Marco Aurélio, decisão: 23-2-06). Esse novo posicionamento tem aplicação imediata, aplicando-se, inclusive, aos processos em andamento, por ser lei penal mais benéfica.

Saliente-se, porém, que, se na decisão judicial constar a fixação do re­gime fechado somente como regime inicial de cumprimento da pena, 'afastan- do-se portanto a incidência do § 1Q, do art. 2Q, da Lei ne 8.072/90,33 sem que tenha havido recurso do Ministério Público e, conseqüentemente, tenha ocor­rido o trânsito em julgado, nada impedirá a progressão durante a execução da pena, em respeito ao princípio da coisa julgada.34 Como ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal,

“não se trata de preservar, aqui, a orientação do Plenário desta Corte, que considera constitucional o referido dispositivo (art. 2e, § l e). Tra­ta-se, isto sim, de preservar a coisa julgada, pela qual ficou o réu conde­nado a cumprir a pena em regime inicialmente fechado e com a pro­gressão a que eventualmente vier a fazer jus”.35

32 STF, Pleno - HC n2 69.603-1/SP, Rel. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção I, 23 abr. 1993. p. 6.922. Neste mesmo sentido, diversos julgados do STF: HC 75.634-4/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU, 12 dez. 1997, p. 65.567; HC 59.657.1-SP, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU, 18 jun. 1993, p. 12.111; HC 70.657.6-MS, 2a T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, 29 abr. 1994, p. 9.716; HC 70.044.6-SP, 2® T., Rel. Min. Paulo Brossard, DJU, 7 maio 1993, p. 8.330; HC 70.121.3-SP, 2a T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, 16 abr. 1993, p. 6.430. Igualmen­te, o Superior Tribunal de Justiça: 6a T. - REsp 5.261-SP, Rel. Min. José Cândido, DJU, 3 dez. 1990, p. 14.332 e 5a T. - REsp 60.733-7-SP, Rel. Min. José Dantas.

33 O juiz deverá expressamente afastar a incidência do § 1®, do art. 2a da lei, pois, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “não teria, portanto, sentido atribuir-se à ex­pressão ‘inicialmente’ utilizada pelo magistrado, a intenção de não aplicar disposição expressa de lei federal e afrontar a jurisprudência, quando isso não resulte de manifestação induvidosa a respeito” (STJ, 5a T. - HC nB 3.497-0/CE, Rel. Min. Assis Toledo - Boletim AASP na 1919/106-e, de 4 out. 1995).

34 STJ, 6a T. - HC nfi 5.101/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves - RT 740/557.35 STF, I a T. - HC 75.470-8/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I,

12 dez. 1997, p. 65.567.

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Igualmente, por tratar-se de norma penal, o sentenciado condenado por crime praticado antes da Lei ne 8.072/90, poderá progredir, preenchidos to­dos os requisitos legais, aos regimes semi-aberto e aberto.36

Importante observar, porém, que a nova composição do Supremo Tribu­nal Federal está analisando a possibilidade de alteração do posicionamento que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos e assemelhados, em face dos princípios da individuali­zação da pena e da isonomia.37 Em virtude da relevância de eventual altera­ção, o STF analisa, inclusive, a possibilidade de concessão e efeitos ex nunc (não retroativos) à eventual declaração de inconstitucionalidade do § l 2 do art. 2S da Lei n2 8.072/90.38

Entretanto, enquanto este novo julgamento não é finalizado, o Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, mantém seu posicionamento pela constitucionalidade do referido artigo, e, conseqüentemente, pela im­possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos e assemelhados.39

Note-se que, em face do art. I 2, § 72, da Lei ne 9.455, de 7-4-1997, que definiu os crimes de tortura (“O condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do § 2% iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”), haverá naquelas hipóteses possibilidade de progressão aos demais regimes de cum­primento de pena.

Em relação à inaplicabilidade da Lei n2 9.455/97 à Lei n2 8.072/90, conferir item 4.3.1 - Conseqüências penais e processuais do crime de tortura.

5.3.1 Impossibilidade de concessão de sursis e benefícios prisionais nas hipóteses de crimes hediondos ou assemelhados

Em face da regra prevista no § l 2, do art. 2Q, da Lei n2 8.072/90, que obriga seja cumprida integralmente a pena privativa de liberdade decorrente

36 STJ, 55 T. - REsp. nfi 10.678/PR, Rel. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 30 mar. 1992, p. 3.997; onde são citados dois precedentes: STJ, REsp. ne 289/PR e STJ, REsp. na 9.938/PR.

37 STF - Pleno - HC 82959/SP - Rel. Min. Min. Marco Aurélio - decisão: 2-12-2004 - Informativo STF nB 372, p. 2

38 Conforme se manifestou o Ministro Gilmar Mendes, em voto-vista, “considerando o reiterado posicionamento do Tribunal quanto ao reconhecimento da constitucionalidade da vedação da progressão de regime nos crimes hediondos e as possíveis conseqüências decorren­tes da referida declaração nos âmbitos civil, processual e penal, ressaltou que o efeito ex nunc conferido deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime de progressão” (STF - Pleno - HC 82959/SP - Rel. Min. Mar­co Aurélio - decisão: 2-12-2004 - Informativo STF n2 372, p. 2).

39 Conferir: STF - HC nB 87.703/DF - Min. Ellen Grade, decisão: 6-1-2006; HC n2 87.650/MS - Min. Ellen Gracie, decisão: 26-12-2005; HC ns 87.621/SP - Min. Ellen Gracie, decisão: 26-12-2005.

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de condenação por crime hediondo ou assemelhado em regime fechado, im­possível a concessão de sursis, visto que a lei não deixa margem para a sus­pensão condicional da pena.

Assim, a pena privativa de liberdade derivada de condenação judicial com trânsito em julgado por crime hediondo e assemelhado deve ser cumpri­da integralmente em regime fechado; logo, contrario sensu, jamais poderia ser suspensa condicionalmente. Nesse sentido, manifestou-se o Pretório Excelso, afirmando que “o instituto do sursis é incompatível com o tratamen­to penal dispensado pelo legislador aos condenados pela prática dos chama­dos crimes hediondos”.40

Em virtude da mesma incompatibilidade, não será possível àquele que cumpre pena por crimes hediondos ou assemelhados, em face do § 1Q, do art. 29, a concessão de prisão domiciliar41 e trabalho externo.42

Observe-se, porém, que a nova composição da 1- Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu possível a substituição de pena privativa de liber­dade por restritiva de direitos no caso de condenação pelo art. 12 da Lei n2 6.368/76 (tráfico de entorpecentes). Conforme decidiu o STF, não há “óbice à aplicação da regra do art. 44 do CP à pena privativa de liberdade imposta pela prática de crime em questão, tendo em conta que: a) embora a Lei 8.072/90 determine o cumprimento da pena privativa de liberdade em regi­me integralmente fechado, nada dispôs acerca da suspensão condicional ou da suspensão da mesma pena; b) a constitucionalidade do impedimento de progressão de regime encontra-se em discussão pelo Plenário; c) a Lei 9.714/98, posterior à Lei 8.072/90, ao ampliar a possibilidade de substitui­ção da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, não abri­gou princípio ou norma que obstasse a sua aplicação aos chamados crimes hediondos, senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou gra­ve ameaça à pessoa; d) no crime de tráfico ilícito de entorpecentes não há, em regra, o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa”.43

Entendemos, contudo, que deva prevalecer - enquanto estiver em vigor a Lei n2 8.072/90 - o posicionamento anterior do Supremo Tribunal Federal, pois incompatível com o texto legal e com a gravidade que envolve as condu­tas relacionadas ao tráfico ilícito de entorpecentes a possibilidade de suspen­são ou de substituição da pena privativa de liberdade.

40 STF, 1* T. - HC na 72.697/RJ, Rel. p/ acórdão: Min. Celso de Mello, j. 19-3-96. Em igual sentido: STJ, 5a T. - REsp. ns 60.733-7/SP, Rel. Min. José Dantas, j. 17 maio 1995. Em sentido contrário, admitindo a possibilidade de sursis, em v irtude de ausência de vedação legal: STJ, 6a T. - REsp. nfi 91.851, Rel. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 24 fev. 1997, p. 3.356.

41 STF, Ia T. - HC n2 96.606-6, Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I,11 dez. 1992, p. 23.664; STJ, 5a T. - RHC ns 5.105, Rel. Min. Cid Fláquer Scartezzini, Diário da Justiça, Seção I, 18 mar. 1996, p. 7.586; RJTJSP 136/475.

42 RT 720/340.43 STF - Ia T. - HC na 84.928/MG - Rel. Min. Cezar Peluzo, decisão: 27-9-2005.

Informativo STF n2 403.

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6 POSSIBILIDADE DE APELAÇÃO EM LIBERDADE (ART. 2e, § 2a)

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a pre­sunção de inocência, um dos princípios básicos do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal.44

A presunção de inocência é uma presunção juris tantum, que exige para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa. Essa ga­rantia já era prevista no art. 9S da Declaração Francesa dos Direitos do Ho­mem e do Cidadão, promulgada em 26-8-1789 (“Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado”).

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucio- nalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídi- co-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status liberta- tis.45 Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias,46 preventivas,47 por pronúncia48 e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.49

O art. 2-, § 2- , da presente lei, afirma que, em caso de sentença conde­natória, o juiz decidirá, fundamentadamente, se o réu poderá apelar em li­berdade.

Conforme decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal,

“o art. 2- da Lei ne 8.072/90 por exigir o recolhimento à prisão comopressuposto de admissibilidade do recurso de apelação, não afronta o

44 Cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.

45 Súmula 9 - STJ: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a ga­rantia constitucional da presunção de inocência.”

46 STJ, 5a T. - RHC n8 1.576-0/SC, Rel. Min. José Dantas - Ementário, 05/675.47 STJ, 5® T. - RHC na 51 l/SP, Rel. Min. Costa Lima - Ementário, 03/604; STJ, 6- T. -

RHC na 2.813-0/ES, Rel. Min. Pedro Acioli - Ementário, 08/760.48 STF, Ia T. - HC na 69.026/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,

4 set. 1992, p. 14.091.49 O STF decidiu pela constítucionalidade do art. 594 do CPP - STF - HC 72.366-SP,

Rel. Min. Néri da Silveira, sessão de 13-9-95. Ficaram vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Francisco Rezek, Marco Aurélio, limar Galvão e Sepúlveda Pertence. No mesmo sentido: STF, I a T. - HC na 72.171/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 27 out. 1995, p. 36.332; STF, 2a T. - HC na 71.401-3/MS, Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Se­ção I, 8 set. 1995, p. 28.355.

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disposto no art. 5e, LVII, da Constituição Federal, à luz do qual as restri­ções à liberdade individual só se admitem em caráter excepcional sob motivação convincente do juiz em sua sentença. A presunção de não-culpabilidade não se opõe aos arts. 393, I, e 594 do CPP e ao art. 22, § 2Q, da Lei ne 8.072/90 que estabelecem a prisão provisória poste­rior à sentença condenatória. Nos crimes hediondos “a regra - que é a proibição de apelar solto - só é afastada (o que é exceção) por decisão fundamentada do juiz em sentido contrário” (HC n2 69.667-RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 26-2-93, p. 2.357). No mesmo sentido: HC n2 70.634-PE (DJU 24-6-94, p. 16.649); HC ne 69.901-G0 (DJU 26-3-93, p. 5.005); HC n2 70.634-PE (DJU 24-6-94, p. 16.649), todos relatados pelo Ministro Francisco Rezek”.50

Ressalte-se, porém, que as prisões processuais devem ser fundamentadas, demonstrando-se a presença dos requisitos necessários às medidas cautela- res51 - fumus botii iuris e periculum in mora -, pois a prisão para apelar so­mente é legítima e conforme o princípio constitucional da presunção da ino­cência quando sua necessidade cautelar se mostra patente.52

Dessa forma, sempre, portanto, deve ser demonstrada, fundamentada- mente, a necessidade da custódia provisória.53 Como ressaltado pelo Supe­rior Tribunal de Justiça,

“Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentada- mente se o réu poderá apelar em liberdade: Seja para vedá-la, seja para consenti-la. A prisão processual tem como pressuposto a necessidade. Assim, quando o réu responde ao processo em liberdade, impor que re­corra preso, necessário se faz indicar, na decisão, o fato novo para evi­denciar a mudança do tratamento. Não pode ser, evidente, a simples condenação. Se assim fosse, retomar-se-ia a período superado pela le­gislação brasileira que consentia a constrição do exercício do direito de liberdade, pela natureza da infração penal, ou pela sanção cominada.”54

50 STF, 2a T. - HC n9 71.401-3/MS, Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Se­ção I, 8 set. 1995, p. 28.355.

51 Ementário STJ, n210/712 - RHC n9 3.365-7 - SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchia- ro. Sexta Turma. Unânime. DJ 4-4-94; STJ, 6a T. - RHC ne 3.715-6/MG, Rel. Min. Adhemar Maciel - Ementário, 11/690.

52 STF - RTJ 148/752. Nesse mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “Os Juizes e Tribunais estão sujeitos, expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis do acusado, devendo sempre fundamentar a decisão que decre­tar, revogar ou deixar de ordenar a prisão provisória do réu; assim, a prisão decretada na sen­tença de pronúncia, ainda que se trate de crime classificado como hediondo, não impede, por si só, a liberdade provisória se demonstrado que a dedsão da custódia carece de fundamentação válida e substanriosa a justificar a sua necessidade” (STJ - 6a T. - HC ns 5.247/RJ - Rel. Min. Willian Patterson; j. 16-12-1997).

53 STJ - 5a T. - RHC n2 1.569/RJ, Rel. Min. Costa Lima, Diário da Justiça, Seção 1,13 abr. 1992, p. 5.003.

54 STJ, 6& T. - HC ne 3.356-8/PA, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro; j. 11-4-1994.

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O que o juiz nunca poderá deixar de fazer é demonstrar a necessidade da prisão.55

O mesmo raciocínio é plenamente aplicável em relação às condenações por tráfico ilícito de entorpecentes, pois há a prevalência do art. 2-, § 2-, da Lei n9 8.072/90 em relação ao art. 35 da Lei de Tóxicos, permitindo-se que, mesmo nessas hipóteses, o condenado possa apelar em liberdade, desde que o juiz, fundamentadamente, conceda-lhe essa possibilidade.56

Na hipótese de o sentenciado já se encontrar preso no momento da sen­tença condenatória passível de recurso, a cautelaridade da medida provisória restritiva da liberdade já se mostra patente, pelo que não poderá o réu apelar em liberdade.57 Como ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, “não se aplica o disposto no art. 2-, § 2Q, da Lei nQ 8.072/90, se o réu já se encontra­va preso quando da sentença condenatória”.58 Assim, o réu que respondeu o processo por crime hediondo ou assemelhado preso somente poderá apelar se continuar recolhido à prisão.59

7 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E PRISÃÒ—TEMPORÁRIA (ART. 2S, § 3g) ^ A

Em relação aos crimes hediondos e seus assemelhados, a duração da prisão temporária é mais dilatada, prevendo a lei o prazo de 30 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 30 dias, em casos de extrema e com­provada necessidade.60 Assim, a prisão temporária nessas hipóteses não po­derá exceder o prazo máximo de 60 dias, sob pena de flagrante ilegalidade,61

55 Sobre a necessidade de fundamentação na sentença: STJ, 6- T. - RHC n9 4.365-2/RN, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I, 3 abr. 1995, p. 8.149. Cf. TORON, Alberto Zacharias. A constituição de 1988 e o conceito de bons antecedentes para apelar em liberdade. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 70-80.

56 STJ, 54 T. - RHC na 1.077/MG, Rel. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I,27 maio 1991, p. 6.972; STJ, 6a T. - RHC n9 1.462/SP, Rel. Min. Vicente Chemicciaro, Diário da Justiça, Seção I, 28 out. 1991, p. 15.263.

57 STJ, 5a T. - RHC nfi 1.141/RJ, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção 1,10 jun. 1991, p. 7.857.

58 STF, 2* T. - HC n2 71.889-2/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 24 de fev. 1995, p. 3.678.

59 STJ, 5* T. - RHC nfi 1.141/RJ, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção 1,10 jun. 1991, p. 7.857.

60 STJ, RHC n2 4.877, Rel. Min. Fláquer Scartezzini, Diário da Justiça, Seção I, 23 out. 1995, p. 35.685.

61 STJ, RHC nfi 5.657, Rel. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 4 nov. 1996, p. 42.489; STJ, HC n2 2.181-9, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I, 6 dez. 1993, p. 26.677.

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nada impedindo, porém, que seja decretada sucessivamente a prisão preven­tiva.62

8 ESTABELECIMENTOS PENAIS DESEGURANÇA MÁXIMA

A Lei n2 8.072/90 prevê em seu art. 32 que a União manterá estabeleci­mentos penais de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presí­dios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.^ ' ■■■ '. l i V>-: V . ' j /

9 LIVRAMENTO CONDICIONAL E LEI N° 8.072/90 - REGRAS PARA O LIVRAMENTO CONDICIONAL NOS CRIMES HEDIONDOS, TRÁFICO ILÍCITODE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS, TORTURA E TERRORISMO

O art. 52 da Lei n2 8.072/90 acrescentou ao art. 83 do Código Penal os seguintes requisitos para a concessão de livramento condicional para os cri­mes hediondos e assemelhados:

• cumprimento de mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo - essa previsão deverá ser conjugada com o § l 2 do art. 22, obrigando-se ao sentenciado o cumprimento dos 2/3 da pena em regime integral fechado, sem possibilidade de qualquer progressão;

• ausência de reincidência específica por parte do apenado - o reincidente específico é aquele que, após condenação transitada em julgado por crime hediondo ou assemelhado, vem a cometer novo crime hedion­do ou assemelhado, qualquer que seja, dentro do prazo do art. 64, in­ciso I, do Código Penal (cinco anos). Não se exige para a reincidência específica que o agente tenha praticado dois crimes hediondos ou as­semelhados idênticos.63 Àquele que apresentar a reincidência específi-

62 STJ, RHC ns 2.763-4, Rel. Min. Pedro Adoli, Diário da Justiça, Seção I, 27 set. 1993, p. 19.832.

63 Cf.: RT 660/264. Contra o sentido do texto e adotando uma posição mais restritiva na análise da reinddênda específica, Alberto Silva Franco ensina que essa idéia está vinculada à definição de crimes da mesma natureza e por tal se entendem não apenas os delitos previs­tos no mesmo dispositivo legal, mas também os que, embora previstos em dispositivos legais diversos, apresentam, pelos fatos que os constituem ou por seus motivos determinantes, carac­teres fundamentais comuns (Crimes... Op. dt.).

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ca, impossível será a concessão de livramento condicional, sendo-lhe, portanto, obrigatório o cumprimento integral da pena em regime fe­chado.

Dessa forma, o sentenciado por crime hediondo ou assemelhado deverá, para obter o livramento condicional, preencher todos os requisitos genéricos do art. 83 do Código Penal e os dois requisitos específicos do art. 5- da Lei n2 8.072/90.64

10 MAJORAÇÃO DAS PENAS DOS CRIMES HEDIONDOS

O art. 62 da Lei ne 8.072/90 aumentou as penas para os crimes previstos nos arts. 157, § 3a, 159, caput e seus §§ l 2, 2e e 32; 213, 214, 223, caput e pa­rágrafo único; 267, caput; 270, caput, todos do Código Penal.

Todas as alterações, por expressa determinação legal, constam do pró­prio texto do Código Penal.

O legislador não mencionou qualquer majoração na pena do delito he­diondo previsto no art. 158, § 2e (extorsão com resultado morte), do Código Penal, por absoluta desnecessidade, uma vez que seu preceito secundário nos remete ao § 32 do art. 157 (latrocínio). Conseqüentemente, houve igual au­mento de pena.

Observe-se, ainda, que em relação ao art. 159, do Código Penal (extor­são mediante seqüestro), apesar do aumento do quantum da pena privativa de liberdade, a lei deixou de prever pena de multa. Dessa forma, houve o que se denomina abolição penal da pena de multa, que passou a inexistir para o art. 159. Por ser norma de conteúdo penal, que se refere à aplicação de pena, tem caráter retroativo; portanto, beneficia mesmo aqueles que cometeram o delito antes da vigência da lei dos crimes hediondos.

10.1 Estupro e atentado violento ao pudor -alterações nas penas privativas de liberdade

Em relação aos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, a lei dos crimes hediondos trouxe significativas alterações.

Assim, a pena abstratamente cominada para ambos os delitos foi au­mentada para seis a dez anos e, no caso do resultado mais grave, a pena pre­

64 RT 720/427.

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vista passou a ser de oito a doze anos, no caso de lesão corporal grave e doze a vinte e cinco anos no caso de morte.

Igualmente, previu o art. 9e da lei, que estando a vítima em uma das hi­póteses do art. 224 do Código Penal, haverá aumento de metade da pena.

A conjugação dessas normas resulta na previsão de uma pena in abstra­to de nove a quinze anos, quando a vítima do estupro ou do atentado violen­to ao pudor for menor de catorze anos.

Ocorre, porém, que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nQ 8.069/90), igualmente havia proposto alterações nos arts. 213 e 214 do Código Penal, prevendo um aumento da pena privativa de liberdade para o agente que cometesse esses delitos contra menores de quatorze anos, que passaria a ser de reclusão de quatro a dez anos.

A lei dos crimes hediondos foi publicada, passando a entrar em vigor, em 25-7-1990, enquanto que o ECA foi publicado em 13-7-1990, porém só entraria em vigor noventa dias após sua publicação.

Esse problema surgido em virtude da sucessão de leis penais no tempo foi solucionado, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, com a in­terpretação de que

“não subsistiu a alteração introduzida no art. 214 do CP, pela Lei ne 8.069/90, porquanto no período da vacatio-legis, esta foi parcialmente revogada pela Lei ne 8.072/90, de vigência imediata, que disciplinou de modo diverso as matérias de que tratou os itens 4 e 5 do art. 263. Não é lógico, nem jurídico conceber pena mais branda para o atentado violen­to ao pudor quando a vítima é menor de quatorze anos. O contra-senso é evidente e, segundo princípio assente da hermenêutica, deve sempre preferir-se a exegese que faz sentido à que não faz”.65

Ressalte-se, por fim, que, embora já fosse pacífica a interpretação juris- prudencial quanto à revogação tácita dos parágrafos únicos dos arts. 213 e 214, incluídos no Código Penal pelo ECA, houve, posteriormente, revogação expressa pelo art. 1Q da Lei ne 9.281, de 4-6-1996.

11 DELAÇÃO PREMIADA NA EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO

O art. 72 da Lei dos Crimes Hediondos acrescentou um parágrafo ao art. 159 do Código Penal, posteriormente modificado pela Lei nQ 9.269/96, tendo

65 STJ, 6* T. - REsp. ns 20.726-9/SP, Rel. Min. Costa Leite, Diário da Justiça, Seção I,l 2 jun. 1992, p. 8.060.

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a seguinte redação: se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o de­nunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena re­duzida de um a dois terços.

Tal norma consagra a chamada delação premiada, que introduz em nos­so direito mais uma regra do direito premial, já prevista em diversos ordena­mentos jurídicos.

Essa previsão de delação premiada eficaz, que configura uma causa de diminuição de pena, exige quatro requisitos:66

• a prática de um crime de extorsão mediante seqüestro consumado;

• que o fato tenha sido praticado em concurso de pessoas - a revelação deve partir de um dos concorrentes do crime, seja co-autor ou partí­cipe;

• delação do concorrente do crime à autoridade - o termo autoridade para efeitos dessa lei refere-se àquelas relacionadas com o sistema de persecução penal do Estado, englobando, portanto, autoridades poli­ciais civis e militares, membros do Ministério Público e do Poder Judi­ciário;

• eficácia da delação - a delação deve ser eficaz, permitindo-se efetiva­mente a libertação da vítima, a teor do que ocorre no arrependimento eficaz do art. 15 do Código Penal, de modo que, na hipótese de o su­jeito fornecer à autoridade todas as informações necessárias para a li­bertação do seqüestrado, não se efetivando esta por qualquer circuns­tância, não se aplicará o beneficio especial, embora possa incidir uma atenuante genérica prevista no art. 65, III, b, do Código Penal. Assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, decidindo que

“a regra do § 42, do art. 159 do Código Penal, acrescentada pela Lei ns8.072/90 pressupõe a delação à autoridade e o efeito de haver facilita­do a libertação do seqüestrado”.67

Trata-se de causa obrigatória de diminuição da pena. Assim, presentes as circunstâncias do tipo privilegiado, a pena deve ser reduzida, beneficiando somente o delator, não se comunicando aos co-agentes que em nada auxilia­ram a libertação da vítima. Além disso, por ser de conteúdo benéfico e nor­ma de direito penal, o dispositivo tem aplicação retroativa, alcançando os fa­tos cometidos antes da entrada em vigor da Lei ne 8.072/90. Note-se que, nessa hipótese de retroatividade, a diminuição legal aplicar-se-á em relação à antiga pena privativa de liberdade prevista para o delito de extorsão median­te seqüestro (reclusão, de oito a vinte anos).

66 Cf. sobre o tema: MENDES, Carlos Alberto Pires; CUSTÓDIO, Rosier Batista. Dela­ção premiada reconhecida no TACRIM. Boletim IBCCrim na 31, jul. 1995.

67 STF, 2a T. - HC ns 69.328-8/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 5 jun. 1992, p. 8.430.

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12 BANDO OU QUADRILHA PARA A PRÁTICA DE CRIMES HEDIONDOS, TORTURA, TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS E TERRORISMO

O art. 82 da Lei nQ 8.072/90 prevê que será de três a seis anos de reclu­são a pena prevista no art. 288 (“mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, se associarem para o fim de cometer crimes”) do Código Penal, quando se tra­tar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Ocorre que, no ordenamento jurídico brasileiro, antes da edição da Lei nQ 8.072/90, já conviviam duas espécies de bando ou quadrilha tipificadas como crime. Uma no art. 288 do Código Penal, que previa a necessidade de no mínimo quatro pessoas associarem-se para a prática de quaisquer crimes, tendo como pena reclusão de um a três anos; outra no art. 14 da Lei ne 6.368/76, cuja previsão exigia a associação de no mínimo duas pessoas, com o fím de praticar, reiteradamente ou não, os crimes previstos nos arts. 12 e13 da referida Lei ns 6.368/76 (Lei de Tóxicos) para sua configuração, apenan- do-as com reclusão de três a dez anos.

Aparentemente, haveria conflito entre as normas previstas no art. 14 da Lei n2 6.368/76 (bando ou quadrilha para tráfico ilícito de entorpecentes) e no art. 82 da Lei n2 8.072/90 (bando ou quadrilha para crimes hediondos e asse­melhados), uma vez que o tráfico ilícito de entorpecentes é um crime asseme­lhado aos hediondos. Basicamente, o conflito dar-se-ia em relação à pena e em relação à quantidade mínima de pessoas para tipificação da infração penal.

Ressalte-se, porém, que o delito de bando ou quadrilha para a prática específica de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, em face do princí­pio da especialidade, não foi revogado, sendo tão-somente derrogado em seu preceito secundário, ou seja, quanto à pena. Dessa forma, sua descrição típi­ca continua sendo a do art. 14 da Lei de Tóxicos, que exige, para sua tipifica­ção, no mínimo duas pessoas, porém, em relação à pena, aplica-se o art. 82 da Lei n2 8.072/90.68

Permaneceu, portanto, no ordenamento jurídico a tipificação de bando ou quadrilha com a finalidade específica de praticar tráfico ilícito de entorpe­centes e drogas afins (no mínimo duas pessoas), não obstante a entrada em vigor da Lei n2 8.072/90.69

68 JESUS, Damásio E. Anotações da Lei na 8.072/90. Fascículos de Ciências Penais, ns 4. 1990. Cf., ainda: RTJ 143/208; RT 664/272.

69 STF, Ia T. - HC nB 69.411-0/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Diária da Justiça, Seção I, 14 ago. 1992, p. 12.226; STF, P T. - HC na 69.329-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 7 ago. 1992, p. 11.780; STF, I a T. - HC na 68.996-5/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 8 maio 1992, p. 6.266. Contra esse entendimento: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos... Op. cit. p. 232.

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Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, afirmando que,

“tratando-se de associação para o tráfico de drogas, prevalece a tipifica­ção do art. 14 da Lei n2 6.368/76, vale dizer, a associação de duas ou mais pessoas, para praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas, tipifica o delito do art. 14 da Lei n2 6.368/76. A pena a ser aplicada será a prevista no art. 82 da Lei n2 8.072/90, isto é, reclusão de três a seis anos”.70

Dessa forma, com o advento da Lei n2 8.072/90, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com três espécies diversas de bando ou quadrilha:

I a) Bando ou quadrilha genérica - ocorrerá quando mais de três pes­soas se associarem com a finalidade de praticar quaisquer crimes, excetuan- do-se os crimes hediondos e assemelhados. Nessa espécie, tanto a definição típica quanto a pena, que é de reclusão de um a três anos, são previstas no art. 288 do Código Penal.

2a) Bando ou quadrilha específica para a prática de crimes hediondos ou assemelhados - ocorrerá quando mais de três pessoas se associarem com a fi­nalidade específica de praticar crimes hediondos e assemelhados, salvo o trá­fico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Nessa espécie, a definição típica é a prevista no art. 288 do Código Penal, enquanto a pena, que é de reclusão de três a seis anos, é a prevista no art. 82 da Lei nB 8.072/90.

3a) Bando ou quadrilha específica para a prática de tráfico ilícito de en­torpecentes e drogas afins - ocorrerá quando duas ou mais pessoas se associa­rem com o fim específico de praticar os delitos previstos nos arts. 12 e 13 da Lei n2 6.368/76. Nessa espécie, a definição típica será a prevista no art. 14 da citada Lei n2 6.368/76, enquanto a pena será a prevista no art. 82 da Lei n2 8.072/90, ou seja, três a seis anos.

12.1 Delação premiada e desmantelamento do bando ou quadrilha para a prática de crimes hediondos e assemelhados

A lei prevê que o participante e o associado que denunciarem à autori­dade o bando ou quadrilha, envolvidos em crimes hediondos ou assemelha­dos, possibilitando seu desmantelamento, devem ter a pena reduzida de 1/3 a 2/3. Trata-se de causa obrigatória de diminuição de pena, desde que haja o desmantelamento da quadrilha.

70 STF, 2* T. - HC na 73.119-8/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 19 abr. 1996, p. 12.215.

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A lei não indica no que consiste o desmantelamento do bando ou quadri­lha, devendo, portanto, ser interpretada no sentido da necessidade da total interrupção das atividades da associação criminosa.

13 CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA

Duas são as normas previstas pelo art. 9e da Lei ns 8.072/90. A primeira cria uma causa especial de aumento de pena para determinados crimes he­diondos, enquanto a segunda prevê limitação para esse aumento da pena.

Assim, o citado art. 9e prevê uma causa especial de aumento de metade da pena para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3Q; 158, § 2e; 159, caput, e seus §§ l s, 2Q e 3Q; 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único; 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e pará­grafo único, todos do Código Penal, desde que a vitima esteja em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 do Código Penal: vítima menor de 14 anos, débil mental ou não puder oferecer resistência.

Por outro lado, a própria previsão legal determina que o acréscimo de metade da pena deverá respeitar o limite superior de trinta anos de reclusão. Note-se que esse limite se refere à fixação da pena in concreto e não ao cum­primento máximo de pena, durante a execução penal, não se confundindo, portanto, com o art. 75 do Código Penal.

Discute-se a eventual ocorrência de bis in idem na aplicação do art. 224 do Código Penal aos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, pratica­dos com violência presumida, pois, nessas hipóteses, o art. 224 estaria sendo utilizado tanto para presumir-se a violência, quanto para aplicar-se aumento de metade da pena. Entendemos não ocorrer bis in idem em prejuízo do agente do fato delituoso, uma vez que a aplicação das normas é absolutamente diferencia­da, sendo o art. 9S da LCH causa de aumento de pena, enquanto o art. 224 do CP presunção de violência; tendo como semelhança o fato do legislador ter-se aproveitado das hipóteses já narradas no citado art. 224 do Código Penal.

Nesse sentido, por unanimidade, a 2- Turma do Supremo Tribunal Fe­deral decidiu que

“a particular situação da vítima, de não ser maior de 14 anos, é utiliza­da tanto para presumir a violência como para aumentar a pena de meta­de: no primeiro caso é circunstância elementar do tipo penal codificado (art. 214) e no segundo é causa de aumento da pena prevista na lei ex­travagante (art. 9e da LCH). Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor independem da idade da vítima, que pode ser menor ou maior de 14 anos, sendo que os tipos penais exigem que tenha ocorrido violên­cia presumida ou real, ao passo que o agravamento previsto no art. 9S da

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Lei dos Crimes Hediondos aplica-se ao caso, entre outros, em que a víti­ma é menor de 14 anos. Não-ocorrência de bis in idem”.71

Igualmente, decidiu por unanimidade a l â Turma do Supremo Tribunal Federal:

“O fato de a vítima ser menor de quatorze anos pode ser utilizado tanto para presumir a violência como circunstância elementar do tipo (CP, art. 214 c/c 224, a), quanto para aumentar a pena devido à causa de aumento prevista no art. 92 da Lei dos Crimes Hediondos. Com esse entendimento, a Turma, afastando a alegação de bis in idem, indeferiu o pedido de habeas corpus impetrado em favor do réu condenado pelo cri­me de atentado violento ao pudor praticado contra menor, com abuso do pátrio poder, no qual se alegava que o referido art. 99 da Lei n2 8.072/90 só teria aplicação nos crimes sexuais contra menor de catorze anos quan­do resultasse lesão grave ou morte (CP, art. 223). Precedentes citados: HC 76.004-RJ (DJU de 21-8-98); HC 74.780-RJ (DJU de 6-2-98).”72

14 PRAZO PROCESSUAL PARA TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS

O art. 10 da Lei n2 8.072/90 acresceu um parágrafo único ao art. 35 da Lei n2 6.368/76, determinando que os prazos procedimentais serão contados em dobro quando se tratar dos crimes previstos nos arts. 12, 13 e 14 da Lei de Tóxicos. Dessa forma, o prazo fatal para a prolação da sentença de l 2 grau, nessas hipóteses, estando o réu preso, passou a ser de 76 dias.73

Essa norma não alterou os prazos recursais em relação aos delitos pre­vistos na Lei ne 6.368/76, visto que somente se refere à instrução processual penal.74

71 STF - 2a T. - HC nfi 74.780-9/RJ, ReL Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Se­ção I, 6 fev. 1998, p. 3. Conferir ainda: STF - 2a T. - HC nB 80.378-4/AL - Rel. Min. Nelson Jobim, Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91.

72 STF - Ia T. - HC nfi 77.254/SP - Rel. Min. limar Galvão, decisão: 27-10-98 - Infor­mativo STF nfi 129.

73 TJ/SP, HC ns 102.756-3, Rel. Des. Luiz Betanho; RT 664/274.74 STJ - HC na 1.029, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção I, 20 abr.

1992, p. 5.263.

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3Soneg ação Fiscal -

LEI N2 8.137/90

• • • - ---------

1 LEGISLAÇÃO SOBRE SONEGAÇÃO FISCAL '

Consulte-se sobre o tema a seguinte legislação: Lei n2 8.137, de 27-12-90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, dando outras providências; Lei n2 9.080/95, que, em seu art. 22, acrescenta parágrafo único ao art. 16 da Lei n2 8.137/90, criando uma espé­cie de delação premiada; Lei n2 9.249, de 26-12-95, que prevê em seu art. 34 uma causa de extinção da punibilidade em relação aos crimes de sonegação fiscal; Lei n2 9.430, de 27-12-96, que em seu art. 83 regulamenta a represen­tação fiscal para fins penais.

2 REVOGAÇÃO DA LEI N5 4.729/65

A LiCC, em seu art. 22, declara que, não se destinando à vigência tempo­rária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. Completando a disposição, em seu § l 2, a citada Lei de Introdução ao Código Civil prevê que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declara, quando é com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que trata­va a lei anterior.

A Lei n2 8.137/90 reproduziu as normas típicas da Lei ne 4.729/65, re­gulando matéria tratada na lei anterior, razão pela qual considera-se revoga­da parcialmente a Lei n2 4.729/65, com exceção do art. 5e, em substituição aos §§ l 2 e 22, do art. 334 do Código Penal, que tipifica o crime de contraban­do e descaminho, que permaneceu inalterado. Desta forma, a Lei n9 4.729/65

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

foi derrogada, devendo ser aplicada somente aos fatos cometidos antes da Lei n- 8.137/90, que, por ser mais gravosa, é irretroativa.1

3 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO

3.1 Histórico - A extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito antes do recebimento da denúncia

A Lei n9 8.137/90 dispunha, em seu art. 14, que os crimes previstos em seus arts. 1Q a 3Q teriam extinta sua punibilidade quando o agente (contri­buinte ou servidor público) promovesse o pagamento do tributo ou contribui­ção social antes do recebimento da denúncia.2 Esse dispositivo legal foi revo­gado pelo art. 98 da Lei nQ 8.383/91, deixando, portanto, de ser efeito do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia a extinção de pu­nibilidade.3 Logicamente, em face do princípio da irretroatividade da lei pe­nal mais severa (lex gravior), essa alteração não teve aplicação aos fatos an­teriores.4

Ocorre que a Lei n2 9.249, de 26-12-95, em seu art. 34, restaurou o pre­ceito, nos seguintes termos: “art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes de­finidos na Lei ns 8.137/90 e na Lei n- 4.729/65, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do rece­bimento da denúncia”.

Dessa maneira, a causa de extinção da punibilidade decorrente do paga­mento do tributo antes do recebimento da denúncia foi restaurada, voltando a viger em nosso ordenamento jurídico, em face do citado art. 34 da Lei nQ 9.249/95.5

Assim, por se tratar de norma penal mais benigna, houve sua retroativi- dade, nos termos do art. 5e, XL, da Constituição Federal, que consagra o princípio da retroatividade da lei mais benigna (lex mitior), atingindo os feitos em andamento, que tiveram, quando preenchidas as condições legais, qual

1 RT, 697/288; TJ/SP, HC na 173.191/3 - Franca, Rel. Des. Cunha Camargo - 13-10-94; TRF, 3a Região - Ia T. - Apelação criminal nfi 3094258/94, Rel. Juiz Sinval Antu­nes, Diário da Justiça, Seção II, 31 out. 1995, p. 74.960.

2 STF, Jurispenal 7/146; STF - RT 564/411.3 STJ, 5â T. - RHC na 3.651-6/DF, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Diário da Jus­

tiça, Seção I, Ia ago. 1994 - Ementário ne 10/665; TJ/SP, 2- Câmara Criminal - Apelação Cri­minal n2 190.532-3/SP - Rel. Des. Prado de Toledo - 18-12-95; JTJ 156/337 e 158/331.

4 JTJ 163/145.5 TJ/SP, 2a Câmara Criminal, Apelação Criminal ne 189.041-3 - Santa Cruz do Rio

Pardo, Rel. Des. Almeida Sampaio, 6-5-96.

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SONEGAÇÃO FISCAL - LEI Na 8.137/90 91

seja, o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, a decreta­ção da extinção da punibilidade.

Ressalte-se, ainda, que a retroatividade da lei penal mais benigna atinge inclusive a eficácia da coisa julgada. Dessa forma, caso alguém haja pago o tributo antes do recebimento da denúncia, sem que tenha gerado o efeito ex- tintivo de punibilidade, em face da ausência de previsão legal à época do pagamento, mesmo que tenha sido posteriormente condenado, a lex mitior re- troagirá.

3.2 Extinção da punibilidade com o pagamentointegral do débito em qualquer fase do processo

Com o advento da Lei nô 10.684/03, que trata do Refis, o legislador or­dinário alterou o posicionamento tradicional de nosso ordenamento jurídico, passando a considerar que o pagamento integral do débito, mesmo após o re­cebimento da denúncia, é causa extintiva da punibilidade do autor do delito contra a ordem tributária.

Esta é a determinação constante do art. 9Q, § 2-, da referida Lei nQ 10.684/03, nos seguintes termos:

“Art. 9 - É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos cri­mes previstos nos arts. 12 e 2 - da Lei n- 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-lei n -2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica rela­cionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

(...)

§ 2- Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

Mais uma vez, trata-se de lei posterior mais benéfica ao réu e, portanto, tem aplicação retroativa.6

6 Neste sentido, STF, Hábeas Corpus n9 81.929/RJ, Ia Turma, rel. para o acórdãoMin. Cézar Peluso, j. 16 dezembro 2003, publicado no Informativo STF n2 334, com a seguinteementa: “AÇÃO PENAL Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denún­cia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação re­troativa do art. 9B da Lei federal ns 10.684/03, c/c. art. 5a, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extinguea punibilidade do crime tributário.”

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Embora o texto legal mencione o pagamento através de pessoa jurídica, a solução deverá ser a mesma para o pagamento da pessoa física, através da utilização da interpretação extensiva da lei em análise.

Como a referida lei federal não fez diferenciação de tributos para sua aplicação, entendemos ser aplicável a extinção da punibilidade com o paga­mento integral do débito para todos eles, quer sejam municipais, estaduais ou federais. A norma é de natureza penal e não há que se questionar a com­petência federal para a sua edição.

Ainda que o Município ou o Estado não disponham sobre o parcelamen­to dos respectivos débitos tributários, quando ocorrer o pagamento integral do débito ocorrerá a extinção da punibilidade, em qualquer fase do processo penal.

3.3 Parcelamento do débito e extinção da punibilidade

Em sede de crimes de sonegação fiscal, muito se discutiu sobre a ocor­rência ou não da extinção de punibilidade pelo pagamento parcial do débito antes do recebimento da denúncia.

A doutrina e jurisprudência não eram pacíficas nesse sentido, existindo três posicionamentos a respeito:

1- posição: Se o pagamento do parcelamento for inicia­do antes do recebimento da denúncia, extingue-se a punibi­lidade.

2 - posição: O parcelamento do pagamento do tributo não acarreta a extinção da punibilidade, salvo se antes do recebimento da denúncia já houver sido integralizado o, to­tal do débito.

3? posição: O parcelamento do pagamento do tributo será condição suspensiva da extinção da punibilidade.

Reputamos que esta discussão está ultrapassada com a legislação do Re- fis, que estabelece a suspensão da pretensão punitiva enquanto hóuver o par­celamento do débito e a extinção da punibilidade com o seu pagamento inte­gral em qualquer fase do processo.

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SONEGAÇÃO FISCAL - LEI N a 8.137/90

4 REFIS E CONSEQÜÊNCIAS PENAIS

A Lei ns 9.964/00 instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administra­dos pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O ingresso no Refis significa que a pessoa jurídica faz jus a re­gime especial de consolidação e parcelamento de débitos fiscais.

Em seu art. 15, a referida Lei determina a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. I 2 e 2- da Lei n2 8.137/90, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos cri­mes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido programa te­nha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Durante esse período de suspensão da pretensão punitiva, não correrá a prescrição penal, sendo o prazo prescricional igualmente suspenso (art. 15, § l 2, da Lei n2 9.964/00).

A extinção da punibilidade ocorrerá quando a pessoa jurídica relaciona­da com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundôs de tribu­tos e contribuições sociais, inclusive seus acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento (art. 15, § 32, da mesma Lei).

A Lei estende a solução supra-referida para os parcelamentos obtidos al­ternativamente ao ingresso no Refis pela pessoa jurídica, inclusive de débitos não tributários inscritos em dívida ativa (art. 15, § 22, II, da referida Lei).

A Lei ns 10.684/03 alterou a legislação sobre o Refis, ampliando a pro­teção legal em seu art. 92. Primeiramente, abrangeu na suspensão da preten­são punitiva não apenas os arts. I 2 e 22 da Lei ns 8.137/90, mas também os arts. 168-A (Apropriação Indébita Previdenciária) e 337-A (Sonegação de Contribuição Previdenciária) do Código Penal. Além disso, o referido art. 92 não exige que o Refis tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia pe­nal para a obtenção da suspensão da pretensão punitiva, como fazia a Lei n9 9.964/00, podendo ocorrer a suspensão em qualquer fase do processo.

Foram mantidas pela Lei n210.684/03 a suspensão da prescrição duran­te o período de suspensão da pretensão punitiva, bem como a extinção da punibilidade com o pagamento integral dos débitos, inclusive acessórios.

Em se tratando de extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito, notamos que a partir da Lei n2 10.684/03 ela poderá ocorrer em qualquer fase do processo e não mais somente antes do recebimento da de­núncia. Como é lei mais benéfica, ao réu possui aplicação retroativa.7

As conseqüências do Refis alcançam apenas os crimes previstos na lei, não produzindo efeitos para os crimes conexos. Assim, por exemplo, caso

7 Neste sentido, o já referido Habeas Corpus ns 81.929/RJ, Ia Turma, rel. para oacórdão Min. Cézar Peluso, j. 16 dezembro 2003, publicado no Informativo STF n° 334.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

haja denúncia por quadrilha ou bando e sonegação fiscal, o ingresso do agente no programa do Refis causará a suspensão da pretensão punitiva ape­nas da sonegação fiscal, não atingindo o crime de quadrilha ou bando.8

5 AUTONOMIA DA INSTÂNCIA PENAL

Entendemos que as instâncias penal e administrativa são autônomas, não sendo necessário para a propositura da ação penal, ou mesmo para a ins­tauração do inquérito policial, o prévio esgotamento da via administrativa.9 Ressalte-se que a apuração do débito fiscal, na instância administrativa não constitui condição de procedibilidade da ação penal.10

A lei penal descreve fatos típicos que são independentes e autônomos em relação aos fatos econômicos propriamente ditos, pois, “consoante reite­rada orientação pretoriana, não constitui condição de procedibilidade, da ação penal por infração de sonegação fiscal, a apuração do débito tributário na instância administrativa”.11 Da mesma maneira, a interposição de recurso na instância administrativa não afeta a jurisdição penal, de modo que impeça a persecução penal em juízo.12

Assim, o oferecimento da denúncia dispensa esgotar a via administrati­va, posto não ser essa pressuposta, nem tampouco condição jurídica necessá­ria para a atuação do Ministério Público.13

Entretanto, o plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 8161 l/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, em 10-12-2003 (Informativos do STF 286, 326 e 333), por maioria de votos (vencidos os Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Carlos Britto), alterou posicionamento anterior, decidindo que nos crimes referidos no art. l s, da Lei ne 8.137/90, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar ate que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa.

8 Neste sentido, STF, I a Turma, HC 84.223-2-RGS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 27-8-04, p. 71.

9 STF, 2a T. - HC 68.902-7/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I,14 ago. 92, p. 12.226; STJ, 6a T. - RHC ns 3.064/PR, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro, Diá­rio da Justiça, Seção I, 6 jun. 1994, p. 14.292.

10 STJ, 6a T. - REsp. ns 0017766/RS, Rel. Min. Costa Leite, Diário da Justiça, Seção I, 17 ago. 1992, p. 12.509.

11 STJ, 6a T. - RHC na 2.399-9/RS, Rel. Min. Pedro Acioli. Diário da Justiça, 2 ago. 93 - Ementário na 08/765.

12 TRF, 1* Região, HC na 94.01.038546 - Rel. Juiz Vicente Leal, j. 21-3-94.13 STJ, 6a T., RHC nB 3.064-0, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro — 29 mar. 94.

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SONEGAÇÃO FISCAL - LEI N a 8.137/90 9 5

A conseqüência deste posicionamento é que, enquanto pendente recurso administrativo, não há justa causa para o oferecimento da ação penal. A refe­rida decisão do STF ainda impõe a suspensão da prescrição até o julgamento definitivo do processo administrativo.

6 REPRESENTAÇÃO FISCAL DO ART. 83 DA LEI N5 9.430/96

Conforme o texto da Lei ne 9.430/96, a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. I 9 e2- da Lei nQ 8.137/90, de 27-12-90, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Evidentemente, a norma legal não instituiu condição processual de pro- cedibilidade para a propositura da ação penal, por parte do Ministério Públi­co, tratando-se a representação aludida de mera decorrência do direito de petição, no caso, para informar sobre eventual crime praticado.

A norma é voltada para a administração pública, mais especificamente para as autoridades e agentes fazendários, evitando-se a remessa de repre­sentação ao Ministério Público antes da solução administrativa, porém, obri- gando-a após o término dessa.

Assim, em face da autonomia e independência da instância penal, a lei em questão não impede qualquer investigação a ser realizada pela polícia ju­diciária, ou eventuais requisições do Ministério Público ou do Poder Judiciá­rio e a propositura da ação penal correspondente.14

Na ADI 1.571/DF, decidida em 10-12-2003, o STF, através do Rel. Gil­mar Mendes, por maioria de votos (vencidos os Ministros Carlos Britto e Ellen Gracie) julgou improcedente a ação ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 83, caput, da Lei nQ 9.430/96, por entender que a nor­ma impugnada, sendo dirigida à autoridade fazendária, não impede a atua­ção do Ministério Público no tocante à propositura da ação penal.

Ocorre que, com a nova posição adotada pelo STF quanto à necessidade do exaurimento da via administrativa para a propositura da ação penal, res­tou apenas possibilidades investigativas ao Ministério Público enquanto não houver a decisão final na esfera administrativa.

Nesse sèntido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que “o art. 83 da Lei n2 9.430/96 não criou condição de procedibilidade da ação pe­

14 STJ - RT 740/564.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

nal por delito tributário”, afirmando que “esse dispositivo rege atos da admi­nistração fazendária, prevendo o momento em que as autoridades competen­tes da área da administração federal devem encaminhar ao Ministério Público Federal expedientes contendo notitia criminis acerca de delitos con­tra a ordem tributária descritos nos arts. I 2 e 2- da Lei n° 8.137/90”, e, por fim, concluindo que “não está o Ministério Público impedido de agir antes da decisão final no procedimento administrativo”.15

Como observou o Ministro Néri da Silveira,

“é de observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129,1, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averigua­ções cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que à evidência, não se pode­ria obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra le- gis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Adminis­tração Fazendária. Decerto, o art. 83 em foco quer que não aja a Administração desde logo, sem antes concluir o processo administrativo fis­cal, mas essa conduta imposta às autoridades fiscais não impede a ação do MP, que, com apoio no art. 129 e seus incisos, da Constituição, pode­rá proceder, de forma ampla, na pesquisa da verdade, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública, sempre que as­sim entender configurado ilícito, inclusive no plano tributário. Não defi­ne o art. 83, da Lei nQ 9.430/96, desse modo, condição de procedibilida- de para a instauração da ação penal pública, pelo MP, que poderá, na forma de direito, mesmo antes de encerrada a instância administrativa, que é autônoma, iniciar a instância penal, com a propositura da ação correspondente”.16

15 ADIN n® 1.571 - Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 20-3-97 - Informativo STF, n2 64, de 2 abr. 1997. No mesmo sentido: “A representação fiscal a que se refere o art. 83, da Lei n2 9.430/96, estabeleceu limites para os órgãos da administração fazendária, ao determinar que a remessa ao Ministério Público dos expedientes alusivos aos crimes contra a ordem tribu­tária, definidos nos arts. 1B e 22 da Lei n2 8.137/90, somente será feita após a conclusão do processo administrativo fiscal. Todavia, não restringiu o citado dispositivo legal a ação do Mi­nistério Público (CF, art. 129,1)” (STF, 2S T. - HC n2 75.723-5/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 6 fev. 1998, p. 5).

16 Voto do Min. Relator Néri da Silveira na ADin. ns 1.571 - Informativo STF nfi 64,17 a 28 mar. 1997. No mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “CRIMINAL. LEI N2 9.430/96. ART. 83. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. 1. Na pendência de apuração fiscal no âmbito administrativo não há impedimento do oferecimento da denúncia, se na documen­tação remetida ao parquet pelo órgão tributário competente existem notícias de crime a ser apurado” (STJ, 6- T. - RHC n2 6.584/PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Diário da Justiça, Se­ção I, 2 fev. 1998, p. 132).

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7 CONCEITO DE SONEGAÇÃO FISCAL

Sonegação fiscal é a ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habi­lidade, do recolhimento de tributo devido ao Poder Público.

Note-se, porém, que a lei não conceituou o que seja sonegação fiscal, adotando outro critério de identificação, qual seja, considerando delitos con­tra a ordem tributária a supressão ou redução de tributo ou contribuição so­cial ou acessório, e depois enumerando, taxativamente, quais as modalidades de conduta que podem levar a tal supressão ou redução, constituindo generi­camente o que seja sonegação fiscal.

8 COMPETÊNCIA

A competência para julgar os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n2 8.137/90 é da Justiça Comum Estadual, a não ser que afetem os in­teresses da União ou de suas entidades (por exemplo: tributos de arrecada­ção federal).17

9 COMENTÁRIOS GERAIS AO ART. 1§ DA LEI Ne 8.137/90

“Art. 1 - Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes con­dutas:”

9.1 Natureza jurídica

Os crimes descritos neste artigo são qualificados como materiais, ou de resultado, somente se aperfeiçoando com o ato lesivo causado ao erário pú­blico (que deve, então, ser provado). O tipo penal exige o resultado de supri­mir ou reduzir tributo ou contribuição social para sua consumação.

Ressalte-se, porém, que há posicionamento minoritário na doutrina, en­tendendo tratar-se de crimes formais ou de mera conduta, em que se consu­maria com o mero comportamento antijurídico, independentemente de qual­quer lesão causada aos cofres públicos, bastando a intenção de suprimir ou reduzir tributo.

17 Neste sentido, a jurisprudência: STJ CC 2.640-0, Rel. Min. Assis Toledo, DJU, 20 abr. 1992, p. 5.199; STJ - RSTJ 27/58 e 37/43; TJSP - JTJ 152/321.

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9.2 Elementos normativos do tipo

A norma penal tributária, além de descrever condutas, reporta-se a con­ceitos normativos, como tributos e contribuição social devidos.

Elementos normativos necessitam de juízo de valor para seu entendi­mento, ou seja, são os que devem ser analisados em conexão com o mundo das normas. Como acentua Damásio E. de Jesus, “a par dos elementos objeti­vos, o legislador insere na figura típica certos componentes que exigem, para a sua ocorrência, um juízo de valor dentro do próprio campo da tipicidade”, para a seguir concluir que “nos elementos típicos normativos cuida-se de pressupostos do injusto típico que podem ser determinados tão-só mediante juízo de valor da situação de fato”.18

Assim, na presente hipótese, é no Direito Tributário que vamos buscar a conceituação dos elementos normativos do tipo penal, para precisar o alcan­ce da norma.

Tributos são, como definido por Ruy Barbosa Nogueira, “as receitas de­rivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, à vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tri­butário”.19

Em relação às contribuições sociais, a Constituição Federal em seu art. 149, parágrafo único, prevê que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção do domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atua­ção nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do art. 195, § 6S, relativamente às contribuições a que alu­de o dispositivo”. Como ressaltado por Roque Carraza, “com a só leitura des­te dispositivo constitucional, já percebemos que as contribuições sociais são, sem sombra de dúvida, tributos, uma vez que devem necessariamente obede­cer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tribu­tação, no Brasil”, e conclui, no sentido de que “estas contribuições sociais são verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcan­çar). Podem, pois, revestir a natureza jurídica de imposto, de taxa ou de con­tribuição de melhoria, conforme as hipóteses de incidência e base de cálculo que tiverem”.20

18 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1. p. 240.19 NOGUEIRA Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

1989. p. 159.20 CARRAZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 2. ed. São Paulo: Re­

vista dos Tribunais, 1990. p. 273. No mesmo sentido, Ruy Barbosa Nogueira classifica as con­tribuições sociais como espécie dos tributos (Op. cit. p. 159).

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SONEGAÇÃO FISCAL - LEI Ng 8.137/90 ^ 9 9

9.3 Possibilidade de erro de tipo

Eventualmente, poderá ocorrer a exclusão da tipicidade do delito de so­negação fiscal em virtude da ocorrência de erro de tipo. Conforme define o art. 20 do Código Penal, o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo. Assim, erro de tipo é a representação falsa de um ou mais elementos constitutivos de um crime que conduz o agente a sua prática ^ sem consciência de havê-lo realizado. Desta forma, não haverá crime do art. l e da Lei n2 8.137/90, que faz menção à supressão ou redução de tributos, se o agente fraudar tributos, pensando tratar-se de tarifas ou preços públicos, pois estaria configurado o erro de tipo e, conseqüentemente, excluído o dolo.

9.4 Possibilidade de erro de proibição

Nos termos do art. 21 do Código Penal, o erro quanto à ilicitude do fato, quando inevitável, isenta de pena, podendo diminuí-la de um sexto a«um ter­ço quando evitável (causa excludente de culpabilidade). Comete erro de proi­bição aquele que atua convicto de que não age contra o direito, que sua con­duta é lícita. O erro recai sobre a ilicitude do fato. Tal hipótese pode ocorrer em relação à presente lei, quando, por exemplo, o agente deixa de recolher o tributo por entendê-lo não devido; ou porque supõe, sinceramente, estar isento da tributação.

9.5 Oferecimento da denúncia pelo Ministério Público - desnecessidade de inquérito policial

O Ministério Público, enquanto titular privativo da ação penal pública (CF, art. 129,1), poderá oferecer denúncia por crime de sonegação fiscal des­de que possua elementos que comprovem a materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, podendo, portanto, promover os meios que entenda necessários para instauração da ação penal.21

Dessa forma, não se toma obrigatória a instauração de inquérito policial para apuração de infração perial relativa a sonegação fiscal,22 podendo o Mi­nistério Público ajuizar ação penal com base no auto de infração encaminha­do pela autoridade fazendária, autos ou papéis encaminhados por juizes ou

21 STJ, 6a T. - RHC na 0001948/RS, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I,31 maio 1993, p. 10.689.

22 RTJ 76/741; STJ, 6a T. - RHC ns 0002862/SC, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I, 7 mar. 1994, p. 3.678.

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Tribunais (CPP, art. 40),23 ou qualquer outro documento ou peças de infor­mação (CPP, art. 46, § l g),24 desde que, repita-se, essa documentação já pos­sua comprovação da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria.

V9.6 Sujeito ativo

A Seção I do Capítulo I da Lei n- 8.137/90 ocupa-se dos crimes pratica­dos por particulares. Portanto, o sujeito ativo do crime será o particular, vale dizer, a pessoa física do contribuinte.

Nada impede, entretanto, que as pessoas físicas responsáveis pela pes­soa jurídica contribuinte venham a responder pelo delito praticado, caso te­nha o crime sido praticado em favor de sociedade comercial, instituições fi­nanceiras, ou empresa de qualquer natureza. Nestas hipóteses, serão responsáveis penalmente os diretores, administradores, gerentes ou funcio­nários que, de certa forma, tenham participado dolosamente dos atos delituo­sos ou contribuído para sua consumação.25 Ressalte-se, nessas hipóteses, a absoluta necessidade de responsabilidade penal subjetiva,26 pois, como deci­diu o Superior Tribunal de Justiça,

“não obstante considerar-se que nos crimes com pluralidade de agentes como nos societários, a não-exigência da descrição pormenorizada de cada agente no ato tido por delituoso, necessário se faz afirmar que a peça acusatória não pode omitir os mais elementares requisitos que de­monstrem estar presentes as indispensáveis condições para a causa pe- tendi. A atenuação do rigorismo do art. 41, do CPP, não implica em ad- mitir-se denúncia que, nem de longe, demonstre a ação ou omissão

23 TJ/SP, 4- Câmara de Direito Público - Apelação Cível n2 002.940-5 - São Paulo, Rel. Des. Jacobino Rabello, 27-6-96; TJ/SP, 7- Câmara de Férias - jan./96 - Apelação Cível n2 271.025-2 - São Paulo, Rel. Des. Santi Ribeiro, 15-2-96; TJ/SP, 2a Câmara de Férias - jul./96 - de Direito Público - Apelação Cível na 005.740-5, Rel. Des. Alves Bevilacqua, 9-8-96.

24 JTJ 140/289; TJ/SP, 3* Câmara Criminal - RHC n2 125.180-3, Rel. Des. Eduardo Pereira, 24-8-92.

25 STJ, 6a T. - RHC n2 305/SP, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção 1,19 mar. 1990, p. 1.953; RT 613/348; JUTACrim 87/120; TACrim/SP - RT 613/348. Consultar sobre o tema: JESUS, Damásio E. de. A individualização da responsabilidade penal nos crimes cometidos por meio de empresa. Direito penal empresarial. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 1995, p. 51-66.

26 RTJE 44/218; JTACrimSP 89/79. Como decidiu o Supremo Tribunal Federál: “A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sódo de uma empresa não se revela sufidente para autorizar qualquer presunção de culpa, e menos ainda, para justi­ficar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a decretação de tuna conde­nação penal” (RTJ 163/268).

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praticada pelos agentes, o nexo de causalidade com o resultado danoso ou qualquer elemento indiciário de culpabilidade” .27

Nesse mesmo sentido, decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal:

“O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje foi impregnado, em sua es­trutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe ao Mi­nistério Público a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e in­dividualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvér­sia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due process of law, ter em con­sideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no precei­to primário de incriminação. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas.”28 ,

Nas hipóteses em que a lei elege um substituto passivo tributário, o su­jeito ativo será o substituto, obrigado a reter e a recolher o tributo do contri­buinte de fato.

9.7 Concurso de agentes

O concurso de agentes obedece às regras previstas no art. 29, do Código Penal. Admite as modalidades de co-autoria e participação, dependendo da conduta no caso concreto.

OJtrtj.1 da lei ora em estudo dispõe que quem, de qualquer modo, in­clusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Conforme entendeu o Superior Tribunal de Justiça, responde pelo crime de sonegação fiscal o “contador e procurador da empresa que, inobstante ter conhecimento da existência de simulação, fez a escrituração e o controle con­

27 STJ, 5a T. - HC n9 0003335/DF, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, Diário da Justi­ça, Seção I, 7 ago. 1995, p. 23.050. No mesmo sentido e em sede de sonegação fiscal, manifes­tou-se o Tribunal.de Justiça do Estado de São Paulo: “Nos casos de autoria conjunta ou coletiva, e, em especial, nos delitos praticados em sociedade, não se faz indispensável a indivi­dualização da conduta específica de cada agente” (4a Câmara Criminal - Recurso em Sentido Estrito n9 179.330-3 - São Paulo, Rel. Des. Augusto Marin, 12-7-95).

28 R TJ163/268.

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tábil respectivo e assinou, em nome da pessoa jurídica, guia de informação e apuração do ICM, durante o tempo em que durou a fraude”.29

9.8 Sujeito passivo

É o Estado, representado pela Fazenda Pública (federal, estadual ou municipal), ofendida em seus interesses relacionados com a arrecadação dos tributos devidos.

9.9 Objetividade jurídica

É_a_ tutela do erário público, preservando-o de manobras fraudulentas ou de falsidades. “ " " ------

9.10 Condutas

O art. I 2 da lei prevê duas condutas: suprimir e reduzir.

Suprimir significa eliminar, cancelar, extinguir, impedir que apareça. E a eliminação total do tributo.

Reduzir significa diminuir, restringir as parcelas do tributo a ser pago. E a supressão parcial do tributo.

Ressalte-se que o caput do referido art. I 2, ao mencionar o termo acessó­rio, refere-se àquilo que está junto de alguma coisa principal, sem dela fazer parte integrante; dessa forma, significa acessório ao tributo, por exemplo, os juros de mora.

O dispositivo analisado prevê várias modalidades de conduta, por meio das quais o tributo poderá ser suprimido ou reduzido. Embora previstas em incisos destacados, que veremos a seguir, podemos destacar um aspecto co­mum a todas: são manobras, manifestadas mediante simulação, ocultação ou qualquer outra prática ardilosa, intencionalmente dirigidas a iludir a adminis­tração tributária, produzindo uma falsa imagem da realidade.Todas as condu­tas revelam a intenção de enganar o lesado (Fisco).

Assim, para a tipificação de crime de sonegação fiscal não basta tão-so- mente que o agente pratique ou tente praticar qualquer das condutas descri­tas nos incisos I a V do art. I 2 da Lei n2 8.137/90, tomando-se absolutamente

29 STJ, 6a T. - RHC na 305/SP, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção 1,19 mar. 1990, p. 1.953.

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necessário que sua conduta efetiva e intencional suprima ou reduza tributo ou contribuição social e qualquer acessório. Caso isscTnão ocorra, sua condu­ta será atípica em relação aos delitos de sonegação fiscal, podendo configu­rar outra infração penal prevista na legislação ou ainda mero ilícito adminis­trativo.30

Portanto, a Lei nQ 8.137/90 não pune a simples recusa no pagamento total ou parcial do tributo por parte do contribuinte que, amparado em en­tendimento doutrinário e jurisprudencial contrário ao entendimento do Fisco, discute administrativa ou judicialmente o acerto do tributo. Há, obrigatoria­mente, na conduta do agente, a necessidade de utilização de fraude penal.31

9.11 Consumação e tentativa

Tratando-se de modalidades de delitos materiais, ou de resultado, so­mente estará aperfeiçoado o delito com a supressão ou com a redução efetiva do tributo, e não com a mera prática de uma das condutas descritas,nos inci­sos da lei, ou seja, consuma-se o crime quando vence o prazo para o recolhi­mento do tributo, sem que o contribuinte o faça, ou então, quando o contri­buinte realiza o recolhimento parcial do tributo, com valores reduzidos.32

''^J A tentativa será possível sempre que a modalidade da conduta for fraA (cionável.33 '

Nas hipóteses de crimes omissivos próprios, não se pode falar em tenta­tiva, porque ou o indivíduo deixa de realizar o recolhimento total ou parcial do tributo e, conseqüentemente, o delito atinge sua consumação, ou o reco­lhimento total é efetuado e, portanto, não haverá figura típica concretizada. Ressalte-se que a modalidade de suprimir tributo quase sempre é decorrente de modalidade omissiva, devendo ser efetuada a verificação caso a caso.

9.12 Desistência voluntária

Em tese, admite-se a ocorrência do instituto da desistência voluntária em relação às infrações penais de sonegação fiscal. Ocorre, porém, que, na

30 TJ/SP, 2- Câmara Criminal - HC na 178.588-3, Rel. Des. Devienne Ferraz, j. 26-1-95.

31 TA/RS - RT 708/358.32 STF, Ia T. - HC n2 75.945-2/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,

Seção I, 13 fev. 1998, p. 4.33 Sobre a possibilidade ou não de tentativa nos delitos de sonegação fiscal ver dois

estudos de Rui Stoco: RT 675/347; RT 713/325.

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prática, se o contribuinte desistir voluntariamente de utilizar a fraude reali­zada, recolhendo aos cofres públicos, na data do vencimento do tributo, a quantia devida em sua totalidade, não há que se falar em crime algum, visto o iter criminis não ter atingido nem os atos executórios.

9.13 Elemento subjetivo do tipo

Além do dolo de cada conduta descrita no artigo, é necessário para a concretização do tipo penal que o agente tenha um fim especial, uma parti­cular intenção, qual seja, a de sugrjinit-eu^eduzir tributo, ou contribuição e seus acessórios. Sem este elemento subjetivo do tipo, denominado pela teoria clássica como dolo específico, não haverá conduta típica.

9.14 Concurso de delitos

O concurso de crimes entre as infrações relacionadas à sonegação fiscal e os delitos de concussão (CP, art. 316), de corrupção passiva (CP, art. 317 e seu § 2Q),34 de prevaricação (CP, art. 319), de corrupção ativa (CP, art. 323) e contrabando ou descaminho (CP, art. 334),35 entre outros,36 é plenamente possível.

9.15 .Sonegação fiscal e conflito aparente de normas

Ocorrerá a absorção das falsidades eventualmente cometidas e dà utili­zação dos documentos falsos para o cometimento da sonegação fiscal, em virtude da preponderância da lei especial sobre a lei geral.37 Essa absorção, porém, só ocorrerá se a falsidade ou a utilização de documentos falsos tive­

34 STF, Pleno - Reclamação n2 1441/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 29 abr. 1994, p. 9.714.

35 TRF, 2a Região - 2- T. - Apelação Criminal ns 0216.410/92-RJ, Rel. Juiz Sérgio DAndrea, Diário da Justiça, Seção II, 26 out. 1993.

36 STJ, 6a T. - RHC nfi 01.305/SP, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I,19 out. 1992, p. 18.253; STJ, 5a T. - RHC ns 4.675-0/SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, Ementário n2 13/246; TRF, 4* Região - 2a T. - Apelação Criminal na 0415.458/89-RS, Rel. Juiz Dória Furquim, Diário da Justiça, Seção II, 5 set. 1990, p. 24.193; TRF, 4a Região - 2a T. - HC n9 0458.878/94-RS, Rel. Juiz Dória Furquim, Diário da Justiça, Seção II, 3 maio 1995, p. 26.137.

37 STJ, 6a T. - RHC n9 1506/SP, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção I,30 mar. 1992, p. 03.999; RJTJESP 83/406; RT 518/329.

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rem sido crimes-meio para o crime-fim sonegação fiscal.38 Diversa é a hipóte­se em que os crimes são absolutamente autônomos, pois nessas não se aplica nenhum dos princípios utilizados para solucionar o conflito aparente de nor­mas, acarretando, portanto, concurso de delitos. Assim, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça,

“o pagamento de débito fiscal não impede o prosseguimento da ação pe­nal se o agente está sendo denunciado por crime de falsificação de docu­mento e seu uso em processo fiscal, visando a sua extinção (arts. 171, § 3S, e 347, do CP), que, in casu, não se configuram como crimes-fins, do pretenso crime-meio, que é a sonegação fiscal”.39

Dessa forma,

“o falsum destinado exclusivamente a suprimir ou reduzir tributos não constitui crime autônomo diferente da sonegação fiscal. Tendo sido, en­tretanto, falsificados pelo agente da sonegação recibos de terceira pes­soa que, em razão disso, foi injustamente envolvida em procedimento fiscal, a existência desta segunda vítimajjossibilita a caracterização do delito de falsificação documental <3arL29&R ou o aditamento da denún­cia para a descrição de alguma lesão patrimonial”.40

Haverá ainda absorção do delito de estelionato que tiver sido cometido como crime-meio para a sonegação fiscal, pois a configuração dessa última infração fiscal, como delito especial,

“existe, quando o agente, gjgoí alterar a verdade sobre fato juridicamen­te relevante, visa à sonegaçãõ de tributo. A agregação desse elemento novo ao tipo comum dá-lhe o caráter de crime especial. Aparentemente, há concurso de normas, mas a norma msita na lei específica prefere à geral”.41

10 COMENTÁRIOS AO INCISO I DO ART. I9 DA LEI Ne 8.137/90

“Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fa- zendárias.n

38 RT 713/329; TJ/SP, 2a Câmara Criminal - Apelação Criminal na 135.521-3 - José Bonifácio, Rel. Des. Sebastião Junqueira, 26 set. 1994.

39 STJ, 5a T. - RHC nB 4.675-0/SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Ementário nB 13/246.

40 RSTJ 27/90.41 RT 579/305; RTFR 102/257.

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10.1 Conduta

É incriminada a omissão de informação ao Fisco, ou prestação de decla­rações falsas às autoridades fazendárias. Portanto, o inciso traz duas modali­dades de conduta, uma omissiva e outra comissivá.

Omitir é deixar de prestar, é ocultar a informação.

Prestar declaração falsa é fornecer informação adulterada, que não cor­responda à verdade. Falso será tudo aquilo que não for verdadeiro. Desti­na-se a enganar. Pode-se enganar uma só pessoa, ou várias. A falsificação da declaração deve ser realizada de forma a gerar a confiança do enganado, pois a falsificação grosseira não possui idoneidade para caracterizar o crime. A falsificação poderá ser material ou ideológica.

10.2 Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo do crime, nesta modalidade, é o sujeito passivo da obriga­ção fiscal, é aquele que, tendo a obrigação de informar, não o faz, ou presta declaração falsa às autoridades fazendárias. Em se tratando de pessoa jurídi­ca, deve-se responsabilizar as pessoas físicas que tinham o poder/dever de realizar a conduta típica, ou seja, quem tinha o dever jurídico de informar, conforme já analisado anteriormente.

Tratando-se de sociedade administrada por uma só pessoa, esta será a responsável penalmente.

Caso a sociedade seja dirigida por um conselho .de administração, as omissões devem ser atribuídas a todos seus integrantes com responsabilidade definida para a realização da conduta de prestar informações, observando-se a necessidade de demonstração de responsabilidade penal subjetiva.

O sujeito passivo já foi analisado nos comentários gerais ao art. l e da lei.

10.3 Concurso de agentes

O concurso de agente será admitido, tanto na co-autoria, quanto na par­ticipação, conforme já analisado em item anterior.

10.4 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se apresenta como a vontade livre e consciente de praticar uma das modalidades de conduta típica, qual seja, de omitir a informação, ou de prestá-la de forma adulterada, falsa, não

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verdadeira. Não podemos, entretanto, esquecer que, para integralizar a conduta típica, é preciso estar presente a finalidade específica de suprimir ou reduzir o tributo ou a contribuição social, sem o que não haverá delito de sonegação fiscal.

10.5 Consumação e tentativa

Para que se configure o crime tributário, não basta a mera omissão da informação, ou a realização da falsidade, sendo indispensável que essa omis­são ou falsidade da informação visem à redução ou supressão do pagamento do tributo, contribuição ou acessórios e tal intenção seja obtida.

^ Sendo crime de resultado, é indispensável que a supressão ou redução do tributo seja obtida, não bastando a simples omissão ou declaração falsa.

Assim, o momento consumativo do delito é aquele em que o agente ob­teve a vantagem ilícita da redução ou eliminação do tributo ou contribuição social, a partir da omissão ou da falsidade. Assim, conforme decidiu o Supe­rior Tribunal de Justiça, “a consumação ocorre com a prestação da declara­ção falsa ou uso do documento falso perante as autoridades fazendárias, com o resultado ou efeito de suprimir ou reduzir tributo”.42

A possibilidade de tentativa divide a doutrina.

/: Paulo José da Costa Jr. entende que a modalidade omissiva não admite a tentativa, pois, se após a omissão, o agente arrepende-se e declara o tribu­to, não haverá crime nenhum pelo qual deva ser responsabilizado. Diferente­mente, para o citado autor, a modalidade comissiva, por ser conduta fracio- nável, admitirá a forma tentada.43

í?‘Antonio Corrêa44 não admite tentativa em nenhuma das modalidades, uma vez que as entende como crimes instantâneos.

Por fim, encontramos uma terceira posição defendida por Aristides Jun­queira Alvarenga, para quem, em tese, poderia ser aventada a hipótese de ten­tativa. Porém, as infrações tentadas desse inciso do art. I 2 estariam previstas como infrações autônomas no art. 22, inciso I, da mesma lei - que prevê a consumação das condutas independentemente do resultado lesivo - o que, conseqüentemente, acarretaria a responsabilização criminal do agente pelo delito consumado do citado art. 22.45 É a nossa posição.

42 STJ, 5a T. - RHC ns 4.097-1, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I, 13 mar. 1995, p. 5.316.

43 Infrações tributárias e delitos fiscais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 96.44 CORRÊA, Antonio (Coord.). Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1995.45 In: CORRÊA, Antonio (Coord.). Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Revis­

ta dos Tribunais, 1995. p. 57.

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11 COMENTÁRIOS AO INCISO II DO ART. 1® DA LEI N9 8.137/90

“fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitin­do operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;”

11.1 Conduta

Fraudar é enganar, pelo emprego de artifícios, ardis ou outros meios si­milares.

Nos termos da norma penal, a fraude pode ocorrer de duas formas: uma comissiva, por meio da inserção de elementos inexatos; outra omissiva, con­sistindo em não fazer constar determinada operação, efetivamente realizada. Tanto a inserção fraudulenta quanto a omissão da operação mercantil ou do lançamento contábil deverão ser feitas em documento ou livro exigido pela leifiscal.

A lei se refere a omitir operação de qualquer natureza. Tal expressão é por demais ampla, trazendo um tipo por demais aberto, que deve ser restrin­gido para possibilitar sua interpretação e aplicação. Assim, a omissão da ope­ração deve ter relevância, devendo possuir idoneidade para suprimir ou re­duzir tributos, para caracterizar o delito.

11.2 Natureza jurídica

O tipo penal em estudo é norma penal em branco, a ser completada por legislação federal, estadual ou municipal, uma vez que a fraude deve ocorrer em livro exigido pela lei fiscal.

Os livros obrigatórios serão aqueles enumerados pela legislação em vi­gor, podendo variar de Estado para Estado, em caso de tributos estaduais. Caso a fraude ocorra em livros não exigidos pela lei fiscal, mesmo que auxi- liares e úteis para a escrituração, não ocorrerá o crime em questão.

11.3 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na intenção consciente e livre de fraudar a fiscalização tributária, utilizando-se o agente da inserção de da­dos falsos, ou da omissão de alguma operação tributária de relevo. Relem­

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bre-se, novamente, que deverá haver uma finalidade específica visando à su­pressão ou à redução de tributo ou contribuição social.

11,4 Sujeitos ativo e passivo

Os sujeitos ativo e passivo já foram analisados nos comentários gerais ao art. 1Q da lei.

11.5 Consumação e tentativa

Consuma-se a modalidade com a obtenção da vantagem ilícita,/qual seja, a supressão ou a redução indevidas do tributo, mediante a realização da fraude, na modalidade omissiva ou comissiva.

Com relação à tentativa, a doutrina igualmente se divide, conforme já analisado no inciso anterior.

12 COMENTÁRIOS AO INCISO III DO ART. I9 DA LEI N® 8.137/90

“falsificar ou alterar nota fiscal fatura, duplicata, nota de venda, ou qual­quer outro documento relativo à operação tributável”.

12.1 Conduta

Falsificar é inovar com fraude. É contrafazer, reproduzir, imitando. A falsificação pode ser total, quando o documento não existia anteriormente e vem a ser formado completamente com fraude, ou parcial, quando o docu­mento, que também não existia anteriormente, é formado com fraude parcial.

Alterar é modificar por qualquer forma: rasurar, acrescentar, apagar, re­tirar informações de documento já formado, que existia anteriormente.

12.2 Objeto material

Nota Fiscal é o documento que contém a descrição da mercadoria vendi­da, bem como a forma e as condições da alienação.

Fatura é uma relação, com especificações, que acompanha a remessa de mercadorias expedidas.

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Da nota fiscal-fatura, o vendedor poderá emitir um título de crédito de­nominado duplicata, que constitui promessa de pagamento. A lei não permite a emissão de uma duplicata para representar mais de uma fatura ou nota fís­cal-fatura. Ressalte-se que a emissão da nota físcal-fatura é sempre obrigató­ria, enquanto a emissão do título de crédito duplicata é facultativa.

Nota de venda eqüivale à nota fiscal, sem maiores formalidades.

A enumeração do objeto material é exemplificativa e não taxativa, por­tanto, a conduta poderá recair sobre qualquer documento similar aos descri­tos, desde que relativo a uma operação tributável.

Várias são as hipóteses de condutas típicas, por exemplo:

• subfaturamento: o preço constante da nota fiscal é menor do que o preço real da mercadoria vendida. A partir desta nota falsificada par­cialmente, são emitidas faturas e duplicatas;

• unota ca lça d a a nota fiscal que acompanha a mercadoria espelha o valor real, mas aquela que permanece no talonário, com base na qual são escriturados os livros fiscais, assinala valor menor. Assim, a partir da nota alterada são emitidas faturas e duplicatas.

12.3 Objetividade jurídica

A objetividade jurídica é a defesa do erário público. A norma visa pre­servar a correção e a lisura das operações que configuram fatos geradores, ou hipóteses de incidência dos tributos.

Se o dano da conduta for patrimonial de direito privado, o delito será punido com base no Código Penal, configurando, por exemplo, o crime de estelionato, pois somente quando o delito for praticado contra o Fisco, com intenção de fraudar a Fazenda Pública, o crime será de sonegação fiscal.

12.4 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo consistente na vontade livre e consciente de proceder à falsificação ou à alteração do documento.

Também há necessidade da presença do elemento subjetivo do tipo, ou seja, da especial finalidade de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social.

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12.5 Consumação e tentativa

O delito está perfeito quando é obtida a uantagem indevida, consistente na supressão ou r e d u ç ã o d o pagamento do tributo ou contribuição, mediante a falsificação ou alteração do documento.

Admite-se a tentativa.

12.6 Conflito aparente de normas - Crime de Duplicata Simulada (CP, art. 172)

O art. 172 do Código Penal dispõe sobre o delito de duplicata simulada, nos seguintes termos: “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao servi­ço prestado.”

A ação física deste delito é diversa da prevista para a sonegação fiscal, pois na duplicata simulada há uma emissão sem que os documentos correspon­dam a qualquer bem vendido, pouco importando a intenção do agente, en­quanto na sonegação fiscal, o agente falsifica ou altera o documento com o objetivo de reduzir ou suprimir tributo, mas existe um bem vendido, cuja descrição qualitativa ou quantitativamente na nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento semelhante, não corresponde à realidade.

Dessa forma, conforme salientado pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei nQ 8.137/90 não revogou do ordenamento jurídico penal o art. 172 do Códi­go Penal, que se caracteriza “pela emissão de fatura, duplicata ou nota que não corresponda a uma venda ou prestação de serviços efetivamente realiza­das, conduta que se mostra tão punível quanto aquelas que encerrem simula­ção relativamente a qualidade ou quantidade dos produtos comercializados”.46

Em conclusão:

• sonegação fiscal - caracteriza-se pela existência do bem vendido e pela descrição falsa na nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou documento semelhante, com o intuito de fraudar o fisco;

• duplicata simulada - inexiste qualquer bem vendido.

46 STF, 2a T. - HC nQ 72.538/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I,18 ago. 1995, p. 24.898.

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13 COMENTÁRIOS AO INCISO IV DO ART. I2 DA LEI N- 8.137/90

“elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato”.

13.1 Condutas

Elaborar é preparar, arranjar, dispor, formar, organizar.

Distribuir é dar, entregar, repartir para diferentes partes.

Fornecer eqüivale a entregar, suprir, seja a título oneroso ou gratuito.

Emitir é expedir, enviar, pôr em circulação. Ressalte-se, porém, a adver­tência de Heleno Cláudio Fragoso, de que

“a expressão emitir documento é imprópria. Emite-se uma fatura, um cheque, uma nota fiscal: o documento forma-se ou prepara-se. Tecnica­mente, porém, emitir significa pôr em circulação, não bastando, portan­to, que o agente faça uma fatura falsa, se a guarda consigo”.47

Utilizar é empregar com utilidade, tirar proveito de, servir-se de.

A compra e venda de notas “frias” é conduta abrangida pelo tipo penal, respondendo pelo crime tanto o comprador, quanto o vendedor, mesmo que atuem acobertados por pessoas jurídicas, inclusive, quando se utilizam das chamadas “empresas fantasmas”.48

13.2 Objeto material

Documento é todo escrito devido a uma pessoa, contendo declarações de vontade, ou uma exposição de fatos, dotados de relevância jurídica. É todo escrito destinado a servir como meio de prova de fato juridicamente relevan­te. Para o Código de Processo Penal, em seu art. 232, documentos são quais­quer escritos, instrumentos ou papéis públicos ou particulares.

A caracterização do tipo penal exige que o documento seja falso ou ine­xato.

47 Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, n9 12, p. 70.48 Cf. TJ/SP, Apelação Cível n2 227.666-2 - Presidente Epitádo, Rel. Des. Roberto

Stucchi, 22-2-94; TJ/SP, 8a Câmara de Direito Público - Apelação Cfvel nB 273.848-2 - Pirajuí, Rel. Des. Raphael Salvador - 20-3-96.

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O documento deve ser apresentado como genuíno, se materialmente fal­sificado, ou como verídico, se ideologicamente falso. Na falsidade material, o documento é falsificado em sua essência, enquanto na falsidade ideológica, é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo.

13.3 Consumação e tentativa

Consuma-se o crime no momento em que o documento foi elaborado, distribuído, fomeddo, emitido ou utilizado, propiciando ao agente o proveito consistente na supressão ou redução do tributo.

13.4 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo. consistente na vontade consciente e livre por parte do agente de elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar docu­mento que sabe ser falso ou inexato, sendo, portanto, necessária a ciência por parte do agente de que o documento é falso ou inexato. Tal circunstância deve estar abrangida pela intenção do agente.

Quando a lei menciona que o agente deve saber que o documento é fal­so ou inexato, não significa qualquer presunção de dolo, o que não é admiti­do pelo moderno direito penal, tampouco a existência de modalidade culpo­sa da presente infração penal, mas a expressa admissão do dolo eventual.

Também há necessidade da presença do elemento subjetivo do tipo, ou seja, da especial finalidade de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social.

14 COMENTÁRIOS AO INCISO V DO ART. I9 DA LEI Nfi 8.137/90

“negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documen­to equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efe­tivamente realizada, oufomecê-la em desacordo com a legislação”.

14.1 Conduta

O inciso V do art. l s prevê três condutas típicas: negar, deixar de forne­cer e fornecer em desacordo com a legislação, nota fiscal ou documento equiva­lente relativo à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente reali­

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zado. As duas primeiras condutas são de natureza omis§iva, enquanto a terceira é de natureza comissiva.

Negar é ocultar o documento, afirmar sua inexistência. A negativa so­mente será típica se a entrega do documento for obrigatória por lei.

Deixar de fornecer é recusar-se a entregar o documento ao funcionário do Fisco.

Fornecer é entregar. É conduta de natureza comissiva o fornecer em desa­cordo com a legislação. Nessa hipótese, há um elemento normativo do tipo consistente na expressão em desacordo com a legislação, que significa o forne­cimento sem observar as normas da legislação fiscal em vigor.

O tipo penal exige que a nota fiscal ou o documento equivalente sejam relativos a uma venda efetiva ou a um serviço efetivamente prestado, o que significa que a venda anulada, ou a prestação de serviços suspensa não im­portarão em condutas típicas, uma vez que não trazem a obrigatoriedade do fornecimento da nota fiscal ou documento equivalente.

14.2 Consumação e tentativa

O delito estará aperfeiçoado quando houver a negativa do fornecimento do documento, ou seu fornecimento em desacordo com a legislação em vi­gor, vindo o contribuinte a suprimir ou reduzir o tributo devido.

14.3 Elemento subjetivo

O dolo do inciso consiste na vontade livre e consciente de deixar de for­necer nota fiscal, de negar-se a fazê-lo ou de fornecer em desacordo com a legislação vigente. Entretanto, para caracterizar o delito é preciso a presença da especial finalidade do agente pretender suprimir ou reduzir tributo.

15 COMENTÁRIOS AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. I9 DA LEI N9 8.137/90

11 A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou me­nor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V ”

O presente dispositivo é impróprio, pois foge à técnica legislativa, uma vez que essa hipótese não trata da negativa ao fornecimento de nota fiscal ou

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documento equivalente, mas à recusa às exigências da autoridade fazendária durante a fiscalização. Muitas vezes, durante a fiscalização, os fiscais necessi­tam de certos documentos ou livros, caso essa exigência esteja baseada na lei ou regulamento, não poderá ser recusada pelo contribuinte, sob pena de tipi­ficar a conduta prevista no presente parágrafo único. Note-se que somente haverá a ocorrência dessa infração penal se o contribuinte praticá-la com a fi­nalidade de suprimir ou reduzir tributo.

O sujeito ativo deste crime de modalidade omissiva, que não admite a tentativa, é o contribuinte.

A jurisprudência já firmou posição no sentido de que a consumação do referido inciso V independe do prazo fixado pela autoridade administrativa, pois, como ressaltado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

“o crime definido no inciso V do art. I 2 da Lei n2 8.137/90, sob a moda­lidade de omissão quanto à expedição de nota fiscal ou documento obri­gatório, pode consumar-se independentemente da pretendida providên­cia administrativa de intimação prévia do contribuinte, para que, em prazo não excedente a dez dias, venha a atender sua obrigação fiscal, a que se refere o parágrafo único do citado dispositivo”.49 4

16 SANÇÃO PENAL PARA AS CONDUTAS PREVISTAS NO ART. I5 DA LEI Ng 8.137/90

A lei prevê, para todas as condutas tipificadas no art. I 2, pena privativa de liberdade e multa. Assim, o agente estará sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. Ressalte-se que, em virtude da pena privati­va de liberdade mínima ser superior a 1 (um) ano, não será possível o ofere­cimento por parte do Ministério Público da suspensão condicional do proces­so (art. 89 da Lei ne 9.099/95).50

17 COMENTÁRIOS AO ART. 29 DA LEI N9 8.137/90

A Lei n2 8.137/90, após definir os crimes de sonegação fiscal em seu art. I 2, passa a tipificar os fatos considerados assemelhados, ou seja, da mesma natureza, nos termos da lei. Assim, o caput do art. 2e diz: Constitui crime da mesma natureza.

49 TJ/SP, 5a Câmara Criminal - HC ns 167.876-3/7, Rel. Des. Djalma Lograno,21-7-94.

50 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, MORAES, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Pog­gio, VAGGIONE, Luiz Fernando. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei ne 9.099/95. 2. ed. São Paulo: Adas, 1997.

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Entretanto, enquanto o referido art. I a traz crimes materiais ou de dano, uma vez que a lei exigia a supressão ou redução do tributo para seu aperfeiçoamento, no art. 2Q não se exige a ocorrência do resultado para a consumação das condutas nele previstas, tratando-se de delitos formais, que se aperfeiçoam com a prática da conduta típica, não importando a ocorrência de qualquer dano ao erário público para sua consumação.

18 COMENTÁRIOS AO INCISO I DO ART. 2Q DA LEI N9 8.137/90

“fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de paga­mento de tributo”.

18.1 Condutas

Fazer é conduta comissiva que consiste em criar, fabricar, produzir, rea­lizar.

Omitir é conduta de natureza omissiva. Significa negar, deixar de fazer.

Empregar significa usar, aplicar.A declaração será falsa quando não corresponder à verdade sobre seu

objeto. Ocorrerá sempre que estiver escrito no documento aquilo que não corresponder à verdade.

O agente poderá servir-se, no entanto, da modalidade omissiva e deixar de prestar declaração sobre fato gerador de tributo.

A declaração ou a omissão poderão ser sobre rendas auferidas, a bens adquiridos, ou a fatos econômicos, de importância tributária.

A fraude, por sua vez, é o emprego de artificio ou ardil para induzir o Fisco em erro. Poderá ser realizada mediante as condutas já referidas, ou de qualquer outra forma, conforme o tipo legal, que é de enumeração expressa­mente exemplificativa e não taxativa.

Um exemplo prático sobre as condutas tipificadas encontra-se no cha­mado negócio simulado, que tem aparência contrária à realidade, se pratica­das as condutas ora referidas, com o fim de sonegar tributos.

18.2 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é a vontade livre e consciente de fazer de­claração falsa, de omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar qualquer outro meio fraudulento. Porém, exige-se a especial finalidade do

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agente em eximir-se total ou parcialmente do pagamento do tributo, median­te as condutas mencionadas.

18.3 Consumação e tentativa

O delito estará aperfeiçoado quando o agente empregar a fraude com a finalidade de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento do tributo.

Independe, para a consumação do delito, o alcance do resultado preten­dido.

Por ser crime de natureza formal, estará consumado com a prática da conduta descrita no tipo penal, independentemente da produção do resulta­do, que é o não-pagamento, total ou parcial, do tributo.

Os crimes formais admitem em tese a tentativa, desde que sejam pluris- subsistentes, ou seja, desde que se realizem com vários atos. Assim, caso a fraude utilizada se perfaça em vários atos, admitirá a tentativa.

Nas hipóteses, porém, de prestação de declaração falsa, ou omissão de declaração, sobre rendas, bens ou fatos, por se tratarem de delitos unissubsis- tentes, que se realizam com um só ato, não haverá possibilidade da ocorrên­cia da forma tentada.51

19 COMENTÁRIOS AO INCISO II DO ART. 2S DA LEI N9 8.137/90

“deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição so­cial, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

19.1 Conduta

Recolher é depositar aos cofres públicos a quantia recebida, por ter sido descontada ou cobrada de outrem.

Deixar de recolher significa não recolher, forma omissiva de conduta que significa a retenção indevida da quantia descontada ou cobrada do contri­buinte. É uma autêntica apropriação indébita do produto do imposto.

O agente que deveria recolher aos cofres públicos o valor do tributo ou da contribuição social não o faz no prazo legal.

51 Cf. JESUS, Damásio E. de. Direito... Op. dt. p. 293.

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Discute-se se há ocorrência do presente tipo penal em relação ao cobrado pelo vendedor-comerciante do adquirente do produto que não reco­lhe aos cofres públicos os valores percebidos.

A doutrina não é pacífica.

Paulo José da Costa Jr.52 e Celso Bastos53 entendem que o contribuinte é o comprador do produto, entretanto, o responsável pelo débito tributário é aquele que alienou a mercadoria, que deveria recolher a quantia descontada referente ao tributo aos cofres públicos, no prazo legal, e não o faz.54

Diferentemente, em relação ao débito de ICMS declarado e não pago, Roque Carraza entende não haver fato típico na conduta do comerciante que não recolhe o ICMS após a venda do produto ao consumidor final, existindo mero inadimplemento administrativo-físcal. que deverá ser resolvido por exe­cução fiscal. Esclarece que

“o comerciante que não recolhe o ICMS, dentro dos prazos que a lei lhe assinala, não comete delito algum. Muito menos o capitulado no art. 2-,II, da Lei nQ 8.137/90. De fato, ele não está deixando de recolher, no prazo legal, tributo descontado de terceiro. O tributo é devido por ele (em nome próprio). Ele está, simplesmente incidindo em inadimplemen­to. Inadimplemento que poderá acarretar-lhe o dever de pagar, além do tributo, a multa, os juros e a correção monetária. A Fazenda Pública, neste caso, poderá - e, ousamos dizer, deverá - executá-lo nos termos da Lei ne 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais)”.55

^Aristides Junqueira Alvarenga, por sua vez, entende que a falta de reco­lhimento do ICMS, por ser um imposto indireto, está, em princípio, compreen­dida no tipo penal. Entretanto, se houve a declaração, nas%uias adequadas, do ICMS a ser recolhido, e tal recolhimento não ocorrer no prazo legal, pode­rá ocorrer mero inadimplemento, desde que verifique-se a inexistência do dolo de apropriar-se do que é devido à Administração Pública.56

Entendemos que a razão está com Roque Carraza, pois o comerciante que efetuou a venda somente deverá recolher aos cofres públicos o ICMS em momento posterior. Dessa forma, não houve por parte do comerciante a apropriação indevida de valor de tributo descontado anteriormente do adqui­rente das mercadorias, sendo, portanto, sua conduta atípica em relação ao art. 2-, inciso II, da Lei n2 8.130/90. Obviamente, o comerciante poderá ser,

52 Infrações tributárias e delitos fiscais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 127.53 In: CORRÊA, Antonio (Coord.). Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Revis­

ta dos Tribunais, 1995. p. 88-89.54 RJDTACrim 20/15.55 O ICMS e o delito capitulado no art. 2S, II, da Lei na 8.137/90. Problemas conexos.

Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 8. p. 103-110.56 Crimes contra... Op. cit. p. 57-58.

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dependendo da hipótese, responsabilizado por sonegação do ICMS, como in­curso no art. I 2 da referida lei.57

19.2 Elemento subjetivo

É o dolo consistente na vontade livre e consciente de não recolher aos cofres públicos o valor do tributo que descontou ou cobrou.

19.3 Consumação e tentativa

Consuma-se o crime com o não-recolhimento no prazo legal. Portanto, necessário o escoamento do prazo pára o recolhimento do tributo.

Dessa forma, não admite a tentativa, posto ser crime de natureza instan­tânea, que ocorrerá se não recolhido, o tributo, ou, caso recolhido, não have­rá que se falar em crime. '

20 COMENTÁRIOS AO INCISO III DO ART. 29 DA LEI Ns 8.137/90

“exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qual­quer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal”.

20.1 Condutas

Exigir é impor, reivindicar de modo imperioso.

Pagar significa satisfazer o preço avençado, retribuir.

Receber é obter, aceitar.

O tipo penal abrange as instituições financeiras, públicas ou privadas, que arrecadem parcelas correspondentes a incentivos fiscais, bem como aqueles seus intermediários que pratiquem quaisqüeFcfèrcondutas descritas.

As condutas devem ser praticadas sobre parcelas deduzidas de imposto ou de contribuição social, ou deduzíveis dos mesmos. Não abrangem, porém,

57 Conferir nesse sentido: TJ/SP - Recurso em Sentido Estrito n2 219.292-3/4, Indaia- tuba, 2a CCrim., Rel. Des. Silva Pinto, decisão: 16-3-98.

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quaisquer deduções, devendo ser deduções provenientes de um incentivo fis­cal, concedido pela lei.

A primeira modalidade é praticada pelo intermediário, por exemplo, um contador da empresa, que exige do contribuinte um percentual sobre a par­cela deduzida ou dedutível do tributo.

A segunda modalidade corresponde à corrupção ativa, do contribuinte que paga ao intermediário ou à empresa a quantia exigida.

A terceira modalidade, por sua vez, é a conduta daquele que aceita, que recebe uma porcentagem do contribuinte sobre a parcela deduzida a título de incentivo fiscal. Corresponde à corrupção passiva.

20.2 Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa que desempenhe função em empresas ou ins­tituições públicas ou privadas encarregadas de arrecadar as parcelas previs­tas no tipo penal, inclusive as intermediárias da arrecadação.

20.3 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de exigir, pagar ou receber um percentual sobre a parcela dedutí­vel ou deduzida de imposto ou contribuição como incentivo fiscal.

20.4 Consumação e tentativa

O crime estará aperfeiçoado quando ocorrer a exigência, o pagamento, ou o recebimento do percentual, sendo indiferente para sua consumação a quantia efetivamente exigida, paga ou recebida, pois qualquer que seja seu montante, mesmo modesto, consumará o crime.

Igualmente, não se exige para o aperfeiçoamento do crime que seja al-, cançado o resultado pretendido, ou seja, a dedução efetiva do imposto ou da contribuição a título de incentivo fiscal, bastando que seja assinalada pelo agente a parcela dedutível do tributo, para a consumação delitiva.

Quanto à tentativa, se a conduta for divisível em vários atos, tratando-se de crime plurissubsistente, será admitida. Entretanto, se a conduta consistir em um único ato, sendo o delito unissubsistente, a tentativa não será possível.

Na modalidade exigir, em tese poderá haver a tentativa, uma vez que a exigência poderá constar de uma carta, que poderá ser interceptada antes de chegar ao conhecimento do destinatário.

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Da mesma forma, na modalidade receber, poderá haver a aceitação de uma promessa, o que configuraria a tentativa.

Por fim, a modalidade pagar também poderá consistir em conduta com­posta por vários atos, como a remessa de um cheque, por exemplo, e, conse­qüentemente, haverá a possibilidade de configuração da tentativa.

21 COMENTÁRIOS AO INCISO IV DO ART. 2Q DA LEI N5 8.137/90

“deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fis­cal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvi­mento”.

21.1 Condutas

O tipo penal traz duas modalidades de comportamento: uma, de nature­za omissiva, deixar de aplicar, que significa não empregar; outra, de natureza comissiva, consistente em aplicar em desacordo com o estatuído, que represen­ta a aplicação incorreta, pois feita diferentemente do que foi estipulado por norma legal ou administrativa. Aplicar é pôr em prática, realizar, empregar.

O tipo, na modalidade comissiva, é uma norma penal em branco, que precisa ser completada pela norma estatuidora da forma da aplicação de in­centivo fiscal ou de parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento.

As referidas condutas deverão recair sobre incentivos fiscais, que são exonerações tributárias extrafiscais, destinadas à expansão econômica ou ao desenvolvimento de certos ramos da atividade humana. São exemplos de in­centivos as isenções, reduções, estímulos ou devoluções de impostos pagos.

Na conduta incriminada, há uma verdadeira apropriação indébita do in­centivo fiscal por seu beneficiário.

21.2 Objetividade jurídica

A norma penal busca a proteção dos incentivos fiscais, que deverão ser corretamente aplicados. O beneficiário do incentivo deverá empregá-lo de acordo com as determinações legais ou regulamentares.

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21.3 Sujeito ativo

O sujeito ativo do crime é o beneficiário do incentivo fiscal, que não o aplica de acordo com a lei ou com as normas administrativas pertinentes.

21.4 Sujeito passivo

O sujeito passivo do delito é a entidade instituidora do tributo ao qual está vinculado o incentivo. Esta é quem sofre o prejuízo, quem perde a recei­ta tributária.

21.5 Elemento subjetivo

É o dolo genérico consistente na vontade livre e consciente de deixar de aplicar o incentivo fiscal, ou aplicá-lo em desacordo com a determinação le­gal ou regulamentar. Não há, como nas demais hipóteses, modalidade culpo­sa dessa infração penal. Assim, aquele que praticar uma das condutas previs­tas no tipo, por imprudência ou negligência, não incorrerá em conduta delitiva.

21.6 Consumação e tentativa

Consuma-se o crime quando expirar o prazo para aplicação do incentivo ou das parcelas de imposto, sem que esta ocorra, ou, quando for aplicado o incentivo, ou as parcelas de imposto, liberadas por órgão ou autoridade com­petente, em desacordo com o estatuído.

Nesse inciso, não é admitida a tentativa, por tratarem-se de modalida­des de condutas unissubsistentes e instantâneas.

22 COMENTÁRIOS AO INCISO V DO ART. 2a DA LEI Na 8.137/90

“utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública”.

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22.1 Condutas

Utilizar é fazer uso, servir-se, valer-se de alguma coisa.Divulgar é tomar público, propagar, difundir.Pratica o crime aquele que utiliza um programa de computador para

processamento de dados, ou que divulga tal programa, que permita ao sujei­to passivo da obrigação tributária fornecer uma informação exigida por lei para a Fazenda Pública e possuir outra informação, sobre os mesmos fatos.

E norma subsidiária, a ser aplicada caso a conduta não configure crime mais grave, ou seja, caso não configure o crime definido no art. l s da mes­ma lei.

A diversidade de informações deve ser tal, que permita ao sujeito passi­vo da obrigação tributária levar vantagem.

22.2 Objetividade jurídica

A norma visa tutelar o emprego correto da informática para a informa­ção contábil, evitando-se a utilização indevida de programa de processamen­to de dados.

22.3 Sujeito ativo

O sujeito ativo dessa infração penal será, primeiramente, o sujeito passi­vo da obrigação tributária, ou seja, o contribuinte que venha a utilizar-se do programa de processamento de dados, ou que o divulgue.

Também será sujeito ativo aquele estranho à obrigação tributária, que utilizar ou divulgar o programa de processamento de dados que permita ao contribuinte levar vantagem sobre a Fazenda Pública.

22.4 Sujeito passivo

O sujeito passivo do crime será a entidade de direito público lesada, em razão da difusão ou do emprego do programa de processamento de dados.

22.5 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de utilizar programa de dados, ou divulgá-lo, sabendo que a infor­mação será diversa daquela prestada legalmente à Fazenda Pública.

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22.6 Consumação e tentativa

Consuma-se o crime com a mera utilização ou com a divulgação do pro­grama, independentemente do resultado que vier a ser alcançado pelo contri­buinte, ou do prejuízo que vier a sofrer a Fazenda Pública.

A tentativa será em tese possível, caso as condutas do caso concreto se­jam divisíveis, tenham iter cnminis, ou seja, praticadas em vários atos.

22.7 Concurso de crimes

O crime previsto nesse inciso, como a regra sobre a Sonegação Fiscal, absorve as falsidades e o uso dos documentos falsos, ocorridos na utilização do programa de processamento de dados.

23 SANÇÃO PENAL PARA AS CONDUTAS PREVISTAS NO ART. 2* DA LEI Ne 8.137/90

A lei prevê para todas as condutas tipificadas no art. 2-, pena privativa de liberdade e multa. Assim, o agente estará sujeito à pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa. Ressalte-se que, com o advento da Lei n9 10.259/01 e o seu art. 2e, parágrafo único, que alterou o conceito das in­frações penais de menor potencial ofensivo, será possível o oferecimento por parte do Ministério Público da transação penal, prevista no art. 76 da Lei n9 9.099/95. Em relação, porém, à suspensão condicional do processo, presen­tes todos os requisitos previstos no art. 89, da Lei ne 9.099/95, poderá o membro do Ministério Público oferecê-la, caso não ocorra a transação penal.

24 DELAÇÃO PREMIADA

A Lei ns 9.080/95 incluiu no art. 16 da Lei n2 8.137/90 um parágrafo único, trazendo o instituto da delação premiada, permitindo a redução de 1/3 a 2/3 da pena, em caso de confissão espontânea por parte de um dos co-autores ou de um dos participantes da quadrilha, desde que revelasse a trama delituosa, em caso de crimes contra a ordem tributária.

Pelos requisitos exigidos pela lei, para obter o benefício não é necessária a eficácia da delação, uma vez que a lei não exige que a confissão impeça o resultado ou os efeitos do crime praticado.

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25 APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

A Lei n9 9.983, de 14-7-2000, incluiu no Código Penal o crime de apro­priação indébita previdenciária, como art. 168-A, tipificando a conduta de deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contri­buintes, no prazo e forma legal ou convencional, fixando a pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A supramendonada lei revogou, por seu art. 3a, o art. 95 da Lei n9 8.2Í2, de 24-7-1991 (Lei Orgânica da Seguridade Sodal), que tratava dessa matéria, de forma que a conduta passou a estar tipificada no Código Penal. Houve, as­sim, redução da pena máxima, que era de 6 (seis) anos e passou a 5 (cinco) anos, bem como não há mais a equiparação do crime aos delitos contra o sis­tema financeiro nacional, que era feita pelo artigo revogado.

Entretanto, a competência para análise do crime é da Justiça Federal, por tratar-se de contribuição social recolhida aos cofres da União, configu­rando seu interesse na hipótese.

Embora o legislador tenha denominado a conduta de apropriação indé­bita e incluindo-a no art. 168-A do CP, os elementos do tipo são diversos da apropriação, acarretando interpretação diferenciada.

A conduta “apropriar-se”, do crime de apropriação indébita, é de natu­reza comissiva, traduzindo-se na disposição de fazer sua coisa alheia. O agente inverte o título da posse, comportando-se como se fosse o dono.58

Na apropriação indébita previdenciária, a conduta é omissiva própria, pois o agente deixa de praticar uma ação que a norma penal determina, des- cumprindo um dever legal que emana da própria norma incriminadora. O agente não repassa os valores recolhidos dos contribuintes aos cofres públi­cos, no prazo estipulado pelas normas previdenciárias.

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, mas desde que seja o responsável pelo repasse aos cofres públicos, deve ter a obrigação legal de efetuar o repasse após o recolhimento dos contribuintes.

O sujeito passivo é o Estado, especificamente a Seguridade Social. O cri­me é contra a Administração Pública e não contra o patrimônio individual, como a apropriação indébita.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na intenção de reco­lher a contribuição dos segurandos e não repassar no prazo para a previdên­cia social. Não há necessidade do dolo de apropriar-se dos valores, ou seja, o animus rem sibi habendi, a intenção de inverter o título da posse, passando a possuir a coisa como se fosse sua, que é a característica da apropriação indébi­ta, não faz parte do elemento subjetivo do tipo da apropriação previdendária.

58 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Dteito pencd: parte especial. 3. ed. São Paulo: Adas, 2000. p. 95.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O crime é de natureza formal, tendo sua consumação com a prática da conduta de deixar de repassar à previdência social no prazo determinado. Não se exige para a consumação a apropriação dos valores, ou seja, o agente não precisa agir como se fosse o dono dos valores para consumar o delito, como é exigido na apropriação indébita.

Tratando-se de crime omissivo próprio, não é admitida a tentativa, tam­bém ao contrário da apropriação indébita, em que a tentativa é admitida.

O art. 168-A, em seu § l 2, traz condutas equiparadas ao caput. Primeira­mente, no inciso I, quem deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público. Também, no inciso II, aquele que deixar de recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relati­vos à venda de produtos ou à prestação de serviços. Por fim, aquele que dei­xar de pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou va­lores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

A Lei penal prevê a extinção da punibilidade, no § 2-, quando o agente espontaneamente declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

Como o início da ação fiscal ocorre com a notificação do lançamento do tributo, o pagamento deverá ser realizado até este momento. O pagamento efetuado após a notificação não extinguirá a punibilidade, servindo apenas como arrependimento posterior, aplicando-se analogicamente o art. 16 do Código Penal, caso não se configure o perdão judicial. A legislação inovou, ao condicionar a extinção da punibilidade ao início da ação fiscal e não ao início da ação penal, como costumeiramente é feito.

A expressão espontaneamente deve ser interpretada extensivamente, uma vez que, ainda quando o agente for provocado pelo fisco, durante uma investigação, poderá agir espontaneamente para obter a extinção da punibili­dade, não sendo necessário que a iniciativa da confissão e pagamento parta do agente sem qualquer motivação, por puro arrependimento.

A Lei também dispõe, no § 32, sobre o perdão judicial ou a aplica­ção somente da pena de multa, a critério do juiz, sendo o agente pri­mário e de bons antecedentes (requisitos subjetivos), desde que presentes um dos seguintes requisitos objetivos:

l e) o agente tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

2Q) o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, adminis­trativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

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Notamos que a lei não adotou o princípio da insignificância, posto que não considera o fato atípico, mas permite o perdão judicial ou a aplicação apenas da pena de multa, consistindo nesta última hipótese, em tipo privile­giado.

Também anotamos que, nos termos da Súmula 18 do STJ e da jurispru­dência predominante, a sentença que concede perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, embora decisões do STF a tenham considerado condenatória (RTJ 101/1.132 e 117/309).

26 SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

A mencionada Lei ne 9.983, de 14-7-2000, também incluiu no Código Penal o art. 337-A, trazendo a sonegação de contribuição previdenciária, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Igualmente, não foi bem localizada a alteração legislativa, um» vez que se trata de crime contra a ordem tributária, em tudo semelhante ao crime previsto no art. 1- da Lei ns 8.137/90 e em nada semelhante ao crime de subtração de livro ou documento, previsto no art. 337 do Código Penal.

Dessa forma, a criação do art. 337-A retirou parte da incidência do refe­rido art. I 2 da Lei de Sonegação Fiscal, especificamente em relação à contri­buição previdenciária e seus acessórios.

A conduta prevista no tipo penal é suprimir ou reduzir contribuição so- • ciai previdenciária e qualquer acessório. Já analisamos ambas as ações, inclu­sive no que se refere a sua consumação e tentativa, bem como ao elemento subjetivo do tipo e, assim, remetemos o leitor para o Capítulo 3, itens 10,11, 12 e 13 deste livro.59

59 Conforme já destacado nos referidos itens, a responsabilidade penal não é objetiva, pois, como decidiu o STJ: “PREFEITO MUNICIPAL - Contribuição previdenciária. Omissão. Não-recolhimento. O fato-crime reclama conduta e resultado. Analisados do ponto de vista normativo. A responsabilidade penal (Constituição da República e Código Penal) é subjetiva. Não há espaço para a responsabilidade objetiva. Muito menos para a responsabilidade por fato de terceiro. A conclusão aplica-se a qualquer infração penal. ‘Não-recolhimento de contribui­ção previdenciária’ caracteriza crime omissivo próprio. A omissão não é simples não fazer, ou fazer coisa diversa. É não fazer o que a norma jurídica determina. O Prefeito Municipal, como regra, não tem a obrigação (sentido normativo) de efetuar os pagamentos do Município; por isso, no arco de Suas atribuições legais, não lhe cumpre praticar atos burocráticos, dentre os quais elaborar a folha e efetuar pagamentos. Logo, recolher as contribuições previdenciárias.O pormenor é importante, necessário por ser indicado na denúncia. Diz respeito a elemento essencial da infração penal. A ausência acarreta nulidade da denúncia. Não há notícia ainda de hipótese do concurso de pessoas” (CP, art. 29) (STJ - 6a T. - Ag. Reg. no Ag. de Instr. n® 134.427/PR).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Os incisos do art. 337-A trazem as condutas-meio para atingir a su­pressão ou redução da contribuição previdenciária. O inciso I traz: omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem servi­ços. O inciso II dispõe: deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devi­das pelo empregador ou pelo tomador de serviços. Por sua vez, o inciso III diz: omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previ­denciárias.

São três condutas omissivas, mas agora, omissivas impróprias, já que utilizadas para a obtenção de um resultado danoso. Portanto, a simples reali­zação dessas condutas previstas nos incisos, sem a efetivação do caput, confi­guraria tentativa, caso circunstâncias alheias à vontade do agente impedis­sem sua consumação, que está na concretização da supressão ou redução da contribuição previdenciária ou seus acessórios.

Da mesma forma que a apropriação indébita previdenciária, o § l e do art. 337-A dispõe sobre a extinção da punibilidade, se o agente, espontanea­mente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou re­gulamento, antes do início da ação fiscal.

Notamos, agora, que não há necessidade de pagamento das contribui­ções, mas de declaração, confissão e informações devidas, para obtenção do benefício. Mas a conduta deve ser prestada antes do início da ação fiscal, que ocorre com a notificação do lançamento do tributo. A lei inovou mais uma vez, ao não referir ao início da ação penal e sim ao da ação fiscal. A conduta praticada após a notificação não extinguirá a punibilidade, servindo apenas como arrependimento posterior, aplicando-se analogicamente o art. 16 do Código Penal, caso não se configure o perdão judicial.

Assim como na apropriação indébita previdenciária, a expressão espon­taneamente deve ser interpretada extensivamente, uma vez que, ainda quan­do o agente for provocado pelo fisco, durante uma investigação, poderá agir espontaneamente para obter a extinção da punibilidade, não sendo necessá­rio que a iniciativa da confissão e pagamento parta do agente sem qualquer motivação, por puro arrependimento.

O § 2- do art. 337-A, ora analisado, faculta ao juiz a aplicação do per­dão judicial, deixando de aplicar a pena, ou a aplicação somente da pena de multa, mediante os seguintes requisitos:

l s) requisitos subjetivos: primariedade e bons antecedentes do agente;

22) requisito objetivo: que o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previ-

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SONEGAÇÃO FISCAL - LEI N° 8.137/90

dênda sodal, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajui- zamento de suas execuções fiscais.

É importante observar que, neste caso, o pagamento da contribuição so­dal previdenciária, inclusive acessórios, antes do oferecimento da denúnda e após o início da ação fiscal não configura hipótese de perdão judicial, ou de aplicação apenas da pena de multa, como na apropriação indébita previden­ciária.

Houve veto presidencial ao inciso I do art. 337-A, do Código Penal, que tinha a seguinte redação: “I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previden­dária, mesmo que parcelada, indusive acessórios.” A razão do veto foi a con­trariedade ao interesse público, uma vez que a simples concessão do parcela­mento traria a extinção da punibilidade, como vem reconhecendo a jurisprudência.

Notamos, uma vez mais, que a lei não adotou o princípio da insignifi- cânda, posto que não considera o fato atípico, mas permite o perdão judicial ou a aplicação apenas da pena de multa, consistindo, nesta última hipótese, em tipo privilegiado.

Também anotamos, novamente, que, nos termos da Súmula 18 do STJ e da jurisprudência predominante, a sentença que concede perdão judicial é dedaratória de extinção da punibilidade, embora dedsões do STF a tenham considerado condenatória (RTJ 101/1.132 e 117/309).

O § 39 do artigo em questão traz um tipo privilegiado, ao permitir ao juiz que reduza a pena de um terço até a metade, ou aplique apenas a pena de multa, caso o empregador não seja pessoa jurídica e sua folha de paga­mento mensal não ultrapasse R$ 1.510,00 (hum mil, quinhentos e dez reais). Esse valor será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajus­te dos benefícios da previdência social (§ 4e).

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4Lei de Tóxicos - Lei n q 6.368/76

E LEI Na 10.409/02

- • • # ---------------------------------—

1 CONCEITO E FINALIDADE DA LEI DE TÓXICOS

A Lei n2 6.368/76 tem como finalidade o combate à toxicomania: o trá­fico de entorpecentes (importar, exportar, vender), sua entrega ou exposição ao consumo e sua utilização (art. 16).

A toxicomania é um estado de intoxicação periódico ou crônico, nocivo ao indivíduo e à sociedade, pelo consumo repetido de uma droga natural ou sintéti­ca, e apresenta as seguintes características:

• invencibilidade do desejo ou da necessidade de continuidade no con­sumo da droga e em sua procura, por todos os meios;

• tendência para o aumento da dose;

• existência de dependência de ordem psíquica e/ou física.

Ressalte-se que o elemento importante nessa definição é a existência de nocividade individual e social.

2 MODIFICAÇÕES DA NOVA LEI ANTITÓXICOS (LEI N9 10.409/02)

A nova lei antitóxicos, Lei n9 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que en­trou em vigor em 27 de fevereiro de 2002, teve 35 dispositivos vetados pelo Presidente da República, o que resultou em diversas dificuldades de interpre­tação. Entretanto, passamos a mostrar as conseqüências da modificação le­gislativa.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Ng 6.368/76 E LEI Ng 10.409/02 131

As normas dos Capítulos I e II da Lei n2 10.409/02, que dispõe sobre prevenção, erradicação e tratamento revogaram parcialmente as normas da Lei n2 6.368/76, permanecendo apenas os institutos não disciplinados na nova legislação. Tais temas não são tratados neste livro, que pretende abor­dar apenas os aspectos estritamente penais e processuais penais da legislação antitóxicos.

Em relação aos tipos penais, nada foi alterado, uma vez que os dispositi­vos da nova lei que descreviam os crimes foram inteiramente vetados. Assim, permanecem os tipos penais previstos na Lei ne 6.368/76.

No que se refere ao procedimento e à instrução penal, as normas da Lei n210.409/02 revogaram parcialmente a parte processual da Lei n2 6.368/76, permanecendo apenas as normas sobre institutos não regulados pela lei nova. Essas modificações serão objeto de análise em item próprio, que trata do procedimento criminal (n2 15).

3 PREVISÃO LEGAL DAS SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES

As substâncias consideradas entorpecentes vêm previstas nos seguintes atos normativos:

1. convenção única sobre entorpecentes, de 1961, devidamente ratifi­cada pelo Congresso Nacional, promulgada no Brasil em 1964 e re­gulamentada pela Portaria n2 8/67;

2. Decreto-lei n2 159, que equiparou as substâncias capazes de deter­minar dependência física ou psíquica aos entorpecentes para os fins penais e de fiscalização e controle;

3. Portaria n9 26, de 26-7-1974, do SNFMF, que aprovou uma lista­gem referente a substâncias e outra em relação às especialidades farmacêuticas, exigindo amplo e rigoroso controle pelo farmacêuti­co responsável pelo estabelecimento;

4. Portaria n2 18, de 28-9-1973, do SNFMF, com instruções relativas à fiscalização e ao controle das substâncias que determinam depen­dência física ou psíquica e das especialidades que as contenham. Essa portaria enumerou em cinco listas as normas relativas a recei- tuário, compra, venda, devolução, embalagem e escrituração;

5. Portaria n2 18/73, que posteriormente foi revogada pela Portaria n220/77, que, mantendo a idéia geral, atualizou o assunto, havendosempre a ocorrência de revisões periódicas, como as Portarias n^2/84 e 3, 4 e 5 de 31-5-1985, da DIMED - Divisão Nacional de Vigi-

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

lância Sanitária de Medicamentos substituídas pelas Portarias n^ 2/85, 27/86 e 28/86, que relacionaram quais substâncias são en­torpecentes e regulamentaram a fiscalização das substâncias que causem dependência física ou psíquica;

6. Portaria n- 344, de 12-5-1998 - Vigilância Sanitária - relaciona substâncias entorpecentes.1

4 LEI N2 6.368/76 E NORMAS PENAIS EM BRANCO

Os arts. 12 e 16 da Lei de Tóxicos trazem as chamadas normas penais em branco, que são, no dizer de Damásio de Jesus, “disposições cuja sanção é determinada, permanecendo indeterminado o seu conteúdo”. Assim, con­forme ensina o citado autor, “depende, pois, a exeqüibilidade da norma pe­nal em branco (ou ‘cega’ ou ‘aberta’) do complemento de outras normas jurí­dicas ou da futura expedição de certos atos administrativos (regulamentos, portarias, editais). A sanção é imposta à transgressão (desobediência, inob­servância) de uma norma (legal ou administrativa) a emitir-se no futuro”.2

Na presente hipótese, trata-se de norma penal em branco em sentido es­trito, uma vez que o complemento está contido em norma procedente da ins­tância administrativa.

Observe-se que o próprio art. 36 da Lei de Tóxicos considera como subs­tâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica aquelas que assim forem especificadas em lei ou relacionadas pelo serviço nacio­nal de fiscalização da medicina e farmácia do ministério da saúde}

Importante ainda observar-se que, antes do advento do art. 36 da referi­da lei, considerava-se integrado o delito mesmo sem a existência de relacio­namento administrativo da droga, bastando para tal que a substância entor­pecente produzisse ou fosse apta a produzir dependência física ou psíquica. Tal interpretação acabava por resultar em um combate mais efetivo em relação à psicofarmacologia clandestina, pois o surgimento de novas substâncias entor­pecentes, mesmo que ainda não relacionadas nas normas legais, acabaria por configurar o crime, desde que causasse dependência física e/ou psíquica.

1 Ressalte-se que, mesmo após a edição dessa portaria, entendeu o Superior Tribu­nal de Justiça: “O cloreto de etila continua sendo, tal como, v.g., a cocaína, a heroína e a can- nàbis sativa, substância proibida pela Lei na 6.368/76” (STJ - 5a T. - HC n2 7.511/SP - Rel. Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção I, 9 nov. 1998, p. 122).

2 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 16-17.3 STF - RTJ, 139/216 - “Tráfico ilícito de substânda entorpecente. Lei n2 6.368/76,

art. 36. Norma penal em branco. Portaria do DIMED, do Ministério da Saúde, contenedora da lista de substâncias proscritas.” No mesmo sentido: TJ/SP, 3a Ccrim. - HC na 172.849-3 - Bra­gança Paulista, Rel. Des. Gonçalves Nogueira.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Ng 6.368/76 E LEI Ng 10.409/02 133

Ressalte-se, por fim, que, para a complementação da norma penal em branco, não se faz necessário que a obrigatória listagem contenha o nome co­mercial do remédio ou substância química, mas que esteja presente em sua composição alguma substância entorpecente.

5 ART. 12 DA LEI N9 6.368/76

A Lei nQ 6.368/76 prevê em seu art. 12 que constitui crime:

“Importar ou exportar/ remeter, preparar, produzir, fabricar, adqui­rir, vender, expor à venda1ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desa­cordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena: Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento*de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

5.1 Objetividade jurídica

O delito inclui-se entre os que ofendem a incolumidade pública, sob o particular aspecto da saúde pública. Trata-se de um crime de perigo abstrato, ou seja, não exige a ocorrência do dano.

No presente tipo penal, há mais de um bem jurídico tutelado pela lei, sendo que a objetividade jurídica primária, imediata ou principal é a saúde pública, mas também são protegidas, como objetividade jurídica secundária ou mediata, a vida, a saúde pessoal e a família.4

5.2 Sujeito ativo

O sujeito ativo do delito é qualquer pessoa que pratique uma das condu­tas previstas no tipo penal. Não se trata de crime próprio, cuja ação é privati­va de pessoas com qualificação especial, mas de crime que qualquer pessoa pode praticar.

No art. 12 da Lei ns 6.368/76, há somente uma conduta que excepciona a regra do crime comum, exigindo qualidade especial do agente e, portanto,

4 STF - RT 618/407.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

configurando crime próprio. Trata-se do núcleo do tipo “prescrever”, que exi­ge a qualidade de médico ou dentista para sua prática.

5.3 Sujeito passivo

O Estado é o sujeito passivo primário. Secundariamente, serão sujeitos passivos as pessoas que recebem a droga para consumi-la, desde que essa conduta não tipifique o delito do art. 16. Assim, exemplificativamente, será sujeito passivo secundário o alienado mental que receber de outrem, para consumir, qualquer das substâncias descritas no art. 12 da presente lei.

Distinção importante deve ser feita em relação ao art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tipifica como crime as condutas de venda, fornecimento ou entrega, de qualquer forma, a criança e adolescente, sem justa causa, de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida. Essa norma deve ser vis­ta como norma penal subsidiária, no caso de a conduta não ter como objeto material substância entorpecente ou capaz de causar dependência física ou psíquica. A lei refere-se a produtos que tenham componentes capazes de cau­sar dependência física ou psíquica, e não a entorpecentes propriamente ditos.

Dessa forma, caso a conduta, por exemplo, seja de venda de maconha a criança ou adolescente, o crime será o previsto no art. 12, da Lei nQ 6.368/76, e não o crime disposto no ECA.

5.4 Condutas

O art. 12 indica, de modo pormenorizado e taxativo, as ações que po­dem importar em crime. E, apesar de o delito ser conhecido como tráfico de drogas, para sua configuração não é, necessariamente, exigível a ocorrência de ato de tráfico, bastando que, por exemplo, mantenha em depósito, traga consigo.5

Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, “a noção legal de tráfico de entorpecentes não supõe, necessariamente, a prática de atos onerosos ou de comercialização”.6

O delito previsto no art. 12 da Lei n- 6.368/76 pode configurar-se como de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois o agente que pratica, no mes­mo contexto fático e sucessivamente, mais de uma das ações descritas no

5 RJTJSP 97/512; RT 552/321; Bahia Forense, 18/173.6 STF, Ia T. - HC n2 69.806/G0, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,

4 jun. 1993, p. 11.012.

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LEI DE TÓXICOS - LEI N õ 6.368/76 E LEI N õ 10.409/02 135

tipo penal, responderá por crime único, pois as várias condutas, nessa hipóte­se, corresponderão a fases de um mesmo crime.7 Assim, por exemplo, aquele que importa, transporta, mantém em depósito, expõe e, finalmente, vende a mesma substância entorpecente, responderá por crime único.

Igualmente, a prática pelo agente de diversas condutas descritas pelo tipo penal, quando não apresentem entre si nenhuma ligação fática ou suces- sividade, acarretará responsabilidade penal a título de concurso material de delitos. Dessa forma, o agente que importa uma substância entorpecente e, igualmente, transporta outra substância entorpecente, estará cometendo dois delitos absolutamente autônomos e, conseqüentemente, responderá por con­curso hiaterial de delitos.

Portanto, os tipos dos arts. 12, 13 e 16 são daqueles em que a altemati- vidade ou cumulatividade serão igualmente possíveis, dependendo da hipóte­se em concreto, e que precisam ser analisadas à luz dos princípios da especia­lidade, da subsidiariedade e da consunção.

O tipo penal traz várias condutas: importar ou exportar, remeter, prepa­rar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, 'guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo.

Importar é fazer entrar no território nacional. Consuma-se o delito trans­postas as fronteiras do País ou ingressando o entorpecente nos limites do mar territorial e respectivo espaço aéreo. Importante observar que o delito de importar substância entorpecente configura o art. 12 da Lei ne 6.368/76 e não o art. 334 do Código Penal (contrabando), uma vez que há certas merca­dorias cuja importação ou exportação constitui crime especial, com penalida­des mais ou menos graves que a do contrabando; em tais casos, não se aplica o Código Penal, como ocorre com a Lei de Entorpecentes.

Exportar é o ato inverso, ou seja, fazer sair dos limites territoriais brasi­leiros.

Remeter significa enviar para, encaminhar. A conduta foi incluída pela nova lei e aumenta a cobertura penal, abrangendo o momento em que al­guém, dentro do país, encaminha a outrem a substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica, inclusive pelo correio, deixando de guardar ou trazer consigo, desfazendo-se da posse, e transferindo para ter­ceiro.

Preparar significa compor, obter por meio de composição, colocar apta a servir. Algumas substâncias são compostas de outras em si inócuas ou não

7 STF - “A teor do disposto no art. 12 da Lei n2 6.368/76, o crime de tráfico de en­torpecente pode revelar-se mediante procedimentos diversos. A posse e a guarda de entorpe­cente consubstanciam núcleos do tipo e não concurso material considerada a alienação” (2a T. - HC n2 70.035-7/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 26 out. 1993, p. 2.591).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

consumíveis, ocorrendo o delito com a junção das drogas, determinando o surgimento da substância entorpecente.

Produzir é fabricar, criar, seja em pequena, seja em grande escala. Dis­tingue-se de preparar; uma vez que nessa conduta há o pressuposto da exis­tência de componentes diversos, que serão misturados, enquanto o ato de produzir exige maior atividade, inclusive de extração.

Exemplificando, teríamos a conduta de produzir no ato de plantação, extração e processo de fabrico da maconha, enquanto a transformação da co­caína bruta em cloridrato de cocaína, solúvel em solução aquosa, a fim de ser injetada endovenosamente, tipifica a conduta de preparar.

Fabricar é uma variante de preparar e produzir, porém por meio mecâ- nico-industrial.

Vender é alienar mediante contraprestação, em geral, em dinheiro. A permuta, troca ou escambo da substância entorpecente por coisas de outro gênero, para efeitos da Lei n- 6.368/76, configura o verbo-núcleo do tipo pe­nal vender.

Expor à venda é mostrar a substância entorpecente a eventuais compra­dores.

Oferecer significa ofertar, apresentar para ser aceito como dádiva ou em­préstimo, ou mesmo apresentar para suscitar interesse na compra.

Fornecer, ainda que gratuitamente, consubstancia-se em prover, propor­cionar, dar. A qualquer título que seja o fornecimento igualmente caracteri- za-se o delito, ressaltando a lei a irrelevância da própria gratuidade.8 Assim, constituirá crime de tráfico ilícito de entorpecentes a cessão gratuita e even­tual, ainda que de pequena quantidade, de substância entorpecente, uma vez que o art. 12 da Lei n2 6.368/76 não distingue o fornecedor profissional do fornecedor eventual. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal

“a legislação penal brasileira não faz qualquer distinção para efeito deconfiguração típica do delito de tráfico de entorpecentes, entre o com­portamento daquele que fornece gratuitamente e a conduta do que, emcaráter profissional, comercializa a substância tóxica”.9

Ressalte-se, ainda, que a condenação pelo crime de tráfico, ainda que na conduta do fornecimento gratuito, não é vedada pelo fato de ser o agente um usuário da droga.10

8 JC 57/340.9 STF, 1- T. - HC na 69.806/G0, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,

4 jun. 1993, p. 11.012. No mesmo sentido: STJ, 3a Seção - CC na 4.130/RJ, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I, 8 nov. 1993, p. 23.499.

10 STF, I a T. - HC na 69.806/G0, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 4 jun. 1993, p. 11.012.

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LEI DE TÓXICOS - LEI N5* 6.368/76 E LEI N a 10.409/02 137

Ter em depósito significa conservar ou reter a coisa a sua disposição. Nessa conduta, o crime do art. 12 é de consumação permanente, sendo puní­vel o agente que, tendo entorpecente de depósito antes de completar 18 anos, continua a mantê-lo após atingir a maioridade penal.

Transportar significa conduzir a substância tóxica de um lugar a outro, pessoalmente ou por intermédio de terceiro.

Prescrever é receitar, indicar, configurando-se, como já visto, tipo penal próprio.

Ministrar significa introduzir entorpecente no organismo de alguém por qualquer dos meios em que pode ser ele consumido, como, por exemplo, in­gestão, aspiração, injeção, a fim de produzir seus efeitos.

Entregar, de qualquer forma, a consumo encerra o extenso e variado rol de condutas, evidenciando a preocupação do legislador em englobar todas as ações de tráfico ou facilitação do uso, uma vez que se trata de conduta típica genérica e subsidiária a todas as demais previstas no art. 12.

As condutas de adquirir, trazer consigo e guardar serão analisadas no próximo tópico.

5.5 Condutas típicas dos arts. 12 e 16 - guardar, trazer consigo e adquirir

Importante diferenciação a ser analisada diz respeito às condutas típicas de guardar, trazer consigo e adquirir, visto serem previstas tanto no art. 12 quanto no art. 16 da Lei n- 6.368/76.

Adquirir significa obter, gratuita ou onerosamente, a propriedade ou pos­se do entorpecente ou substância que cause dependência física ou psíquica.

Guardar corresponde a ter sob vigilância ou cuidado substância entorpe­cente ou que cause dependência física ou psíquica, de terceira pessoa, ocul- tando-a.

Trazer consigo é o transporte pessoal da substância, levando-a junto ao corpo, ou no próprio corpo, ou ainda, de qualquer outra forma ligada ao agente.

Para que essas condutas sejam tipificadas no art. 16 da Lei ns 6.368/76 há necessidade da presença do elemento subjetivo do tipo - para uso pró­prio -, que demonstra a existência de uma especial destinação na conduta do agente, qual seja, a utilização própria da referida substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica.

Apesar da taxatividade das condutas previstas no art. 16 (guardar, tra­zer consigo e adquirir), a jurisprudência, com razão a nosso ver, vem alargan­

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

do o alcance das mesmas, para considerar como crime no citado art. 16 todas as condutas praticadas com a especial finalidade do uso próprio, independen­te ou não de o agente ser viciado,11 como, por exemplo, transportar para uso próprio,12 preparar para uso próprio, ou mesmo plantar para uso próprio.13

Ressalte-se, porém, que a comprovação da elementar do tipo previsto no art. 16 - uso próprio - nem sempre é de fácil constatação, prevendo a pró­pria lei, em seu art. 37, alguns critérios legais. Assim, para efeito de caracte­rização das condutas criminosas previstas na Lei n2 6.368/76, deverão ser anali­sados a natureza e quantidade da substância apreendida, o local e as condi­ções em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, bem como a conduta e os antecendentes do agente. Deve, igualmente, ser le­vada em conta para efeito de tipificação do delito a forma de acondiciona- mento da substância entorpecente.14

Ressalte-se que esses critérios são interpretativos, não influenciando na tipificação dos delitos. Dessa forma, a quantidade da susbstância apreendida, por não ser elementar do tipo no arts. 12 e 16, deverá ser analisada somente como mais um subsídio para a tipificação do delito. Lembremo-nos de que a noção de grande ou pequena quantidade varia de substância para substância. Por exemplo, no caso da cocaína consumida por via endovenosa, uma dose eqüivale a 0,01 grama, enquanto por aspiração a dose corresponde a 0,1 gra­ma; diferentemente, em um cigarro de maconha há 0,33 gramas da citada substância entorpecente.15

Portanto, na caracterização do delito previsto no art. 12 da Lei n9 6.368/76, não terá importância a quantidade da substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica apreendida se a finalidade de ven­da estiver nitidamente comprovada.16

Assim, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “não descaracteriza o delito de tráfico de substância entorpecente o fato de a Polícia haver apreen­dido pequena quantidade do tóxico em poder do réu”.17

Caso nenhum dos critérios possibilite plena certeza sobre a tipificação legal, deverá ocorrer a interpretação mais favorável ao agente, ou seja, o art. 16 da Lei n9 6.368/76.18

11 RJTJSP 70/373.12 RJTJRS 105/68.13 RT 520/399.14 JM 105/237.15 RT 546/327.16 JC 31/425.17 STF, Ia T. - HC ne 69.806/G0, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,

4 jun. 1993, p. 11.012.18 RJTJRS 114/55; JUTACrim 63/256.

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LEI DE TÓXICOS - LEI N g 6.368/76 E LEI Na 10.409/02 1 3 9

5.6 Elemento normativo do tipo

O tipo penal dos arts. 12 e 16 da Lei nQ 6.368/76 traz o mesmo elemen­to normativo do tipo, consistente na expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Trata-se de um elemento incorpora­do ao tipo penal que diz respeito à licitude ou não da conduta. Portanto, a existência de autorização ou determinação legal ou regulamentar toma a conduta atípica, por configurarem elementos normativos inclusos no próprio tipo penal.

5.7 Consumação e tentativa

A consumação do art. 12 da Lei ne 6.368/76 ocorre quando a conduta do agente consubstancia-se em um dos verbos empregados como núcleos do tipo penal.

Assim, em face da detalhada previsão do art. 12, os atos executórios de uma das condutas, que poderiam em tese configurar tentativa, acabam por tipificar a conduta consumada anterior.19

Ressalte-se que, excepcionalmente, a jurisprudência admite a figura da tentativa em tráfico ilícito de entorpecente, entendendo que o auxílio à utili­zação de entorpecente por terceiro somente se consuma “quando a substân­cia proibida chegar às mãos do destinatário final. Se não chegar, os fatos não passam da esfera do delito tentado”.20 Discordamos desse posicionamento, uma vez que nessa hipótese já haveria consumação de delito na figura típica remeter.

5.8 Tráfico ilícito de entorpecentes - Flagrante preparado e esperado

Importantíssima questão envolve o flagrante do tráfico de entorpecen­tes, no que diz respeito a sua validade, em face de simulação de compra e venda de substâncias entorpecentes por parte da autoridade policial ou de seus agentes, devendo ser feita a distinção entre as hipóteses de flagrante preparado ou provocado e, portanto, nulo, e flagrante esperado, legalmente válido.

19 STF, 2a T. - HC n2 72.658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I,27 out. 1995, p, 36.334; RJTJSP 90/511; TJ/SP, Apelação Criminal, n2 181.618-3 - Tietê - 4a Câmara Criminal, Rel. Augusto Marin - 12-6-95.

20 TJ/SP, Apelação Criminal na 149.306-3 - São Paulo, Rel. Ângelo Gallucci -22-11-93. No mesmo sentido: TJ/SP, Apelação Criminal n2 153.673-3 - São Paulo, Rel. Des. Alberto Marino, 4-4-94.

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140 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Assim, patente é a inocorrência de flagrante provocado, quando, apesar de os policiais terem efetuado a compra, diretamente ou por intermédio de terceiro, o agente já mantinha em depósito ou trazia consigo a substância en­torpecente, pois nessas hipóteses o crime já se encontrava consumado de for­ma permanente quando da compra e venda.21 Nessa hipótese, o ato provoca- dor da autoridade policial ou de seus agentes, em simular o interesse pela compra da substância entorpecente, somente faz com que o agente comprove que a traz consigo, demonstrando, dessa forma, a ocorrência do delito do art. 12.22 Ressalte-se que nesses casos não foi a Polícia que tomou a iniciativa de colocar a substância entorpecente na posse do agente, mas tão-somente o surpreendeu trazendo consigo.23 A Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal (“A/ao há crime quando a preparação do flagrante pela Polícia toma impossível a sua consumação”) incidirá sobre a eventual tentativa de compra e venda da substância entorpecente, mas jamais sobre conduta ilícita anterior, caracteri­zada pelo guardar ou trazer consigo a citada substância.24

Dessa forma, como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo,

“o ardil usado pela Polícia quando tenta adquirir substância entorpecen­te para efetuar a prisão dos vendedores, como traficantes, não caracteri­za a figura do flagrante forjado, uma vez que o tráfico de entorpecente é exercido através de atividade permanente”.25

Igualmente, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que

“a infiltração de agente policial, simulando participar de operação de tráfico internacional, com a finalidade de manter a polícia informada sobre as atividades do grupo, não atrai a incidência da Súmula 145 do STF”.26

6 FIGURAS EQUIPARADAS DO § l e DO ART. 12 DA LEI N9 6.368/76

O § l 9 do art. 12 dispõe que nas mesmas penas incorre quem, indevida­mente, importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à

21 RT 568/281; RJTJSP 115/253.22 RJTJRS 129/45.23 RT 614/333.24 RTJ 95/527.25 TJ/SP, 3* Ccrim. - Apelação Criminal n® 157.320-3 - Limeira, Rel. Des. Irineu Pe-

drotti - 13-11-95.26 STF, 1» T. - HC nB 74.510-SP, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 8-10-96.

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venda ou oferece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada à preparação de substância en­torpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

6.1 Conceito de matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica

Matéria-prima é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica, inde­pendentemente de terem os efeitos farmacológicos das substâncias a serem produzidas.27

Dessa forma, conforme salienta o Supremo Tribunal Federal, é inócua a indagação de estarem ou não o éter e a acetona incluídos na lista de substân­cias entorpecentes, pois a tipificação de delito se dá por ter o agente utiliza­do tais substâncias para o refino da cocaína, e não por serem elas substancias entorpecentes.28

Saliente-se, ainda, que, para os efeitos da Lei nQ 6.368/76, serão consi­deradas como matéria-prima, tanto as substâncias destinadas exclusivamente à preparação de drogas quanto as substâncias que, apesar de terem outras fi­nalidades, eventualmente estejam sendo utilizadas com esse intuito ilícito.29 Obviamente, em relação às substâncias eventualmente utilizadas como matéria- prima destinada à preparação de substância entorpecente, há a necessidade de comprovação de sua destinação criminosa,30 como, por exemplo, a apreen­são de grande quantidade aliada a ausência de prova de sua procedência e inexistência de indicação quanto a sua destinação.31

______________________________________________________LEI DE TÓXICOS - LEI Ng 6.368/76 E LEI NB 10.409/02 141

27 STJ, 5a T. - RHC ns 545/RO, Rel. Min. Assis Toledo - RSTJ 30/87; TJ/SP, 6* Ccrim. - Apelação Criminal n° 152.062-3 - Espírito Santo do Pinhal, Rel. Des. Pereira da Sil­va, j. 29-6-95.

28 RTJ 142/259; RTJ 143/208; RTJ 143/949.29 STF, Ia T. - Rextr. ns 108.726/PR, Rel. Min. Oscar Correa, Diário da Justiça, Seção

I, 26 set. 1986, p. 17.721; STF, Ia T. - RHC na 64.340/MS, ReL Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 3 out. 1996, p. 18.338.

30 RSTJ 30/87.31 RT 613/354. Como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, “Tóxicos - Tráfico -

Caracterização - Apreensão de grande quantidade de tambores de éter e acetona - Produto destinado ao refino de cocaína - Apreensão, ademais, de aeronaves e veículos adaptados ao transporte da droga, bem como farta munição de diferentes calibres” (Apelação criminal n® 103.833-3 - Tietê, Rel. Des. Celso Limongi, j. 15-5-91). No mesmo sentido: TJ/SP, Apelação Criminal 91.096-3 - São Paulo, Rel. Dirceu de Mello - 11-9-91.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

6.2 Semear, cultivar e fazer colheita

Ainda, o referido parágrafo equipara a conduta daquele que semeia, cul­tiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determinem dependência física ou psíquica às condutas do art. 12.

A figura do art. 12, § P , inciso II, dispensa tanto a condição de trafican­te como a de mero usuário, pois que se atém à semeadura e à cultura de substância tóxica, não importando sua finalidade.32 Assim, no caso de planta­ção ou cultivo, irrelevante que se mostre se a destinação do produto é venda ou uso próprio, vez que inexiste diferenciação legal.33

Semeia aquele que põe semente na terra para germinar. Importante questão sobre a conduta de semear diz respeito à posse de sementes de plan­tas que, futuramente, apresentar-se-ão como substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica. O agente que as possui não está semeando, tampouco, a princípio, está trazendo consigo substância entorpe­cente. Portanto, essa conduta será atípica, salvo se nas sementes for encon­trado o princípio ativo de alguma substância entorpecente, quando então es­tará configurado o tipo penal, na conduta de guardar ou trazer consigo.34 Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, que

“se a perícia toxicológica encontra em sementes de maconha o princípioativo do vegetal responsável pelo seu poder intoxicante (tetrahidrocan-nabinol), a simples posse ou guarda de tais sementes tipifica a infraçãopenal”.35

Em relação à posse de sementes, podemos concluir da seguinte ma­neira:36

• Regra - constitui fato atípico por ausência de descrição legal.

• Exceção - será considerado crime se nas sementes for encontrado o princípio ativo de alguma substância entorpecente.

Cultiva quem trabalha a terra, aquele que se dedica à cultura da produ­ção agrícola. E, finalmente, faz colheita aquele que recolhe, o que apanhâ os frutos; o que se serve da produção agrícola.

32 RT 585/343.33 RJTJRS 83/84; RF 274/300.34 RJTJSP 87/387.35 TJ/SP, I a Ccrim. - Apelação Criminal n2 168.650-3 - Matão, Rel. Des. Jarbas Maz-

zoni, j. 6-3-95.36 STJ, 64 T. - HC nQ 1.688/RN, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I,

22 mar. 1993, p. 04.559.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Ng 6.368/76 E LEI N g 10.409/02 143

Ressalte-se importante criação jurisprudencial, no sentido de que uma vez comprovado que a plantação destinava-se a uso próprio, apesar da au­sência de previsão legal, deve-se desclassificar o delito para o art. 16 da Lei n2 6.368/76. Nesse sentido, trazemos à colação importante Acórdão do Tri­bunal de Justiça de São Paulo, que elucida a questão:

“não se pode crer, razoavelmente, fosse o réu ter um arbusto - os de­mais eram muito pequenos - para vender ou fornecer a terceiros. Pelo menos não há a mínima prova disso. Portanto, imperiosa é a desclassifi­cação do fato para a figura do art. 16 da Lei de Drogas realizando-se, para tanto, a interpretação in bonam partem já invocada em julgamen­tos cujas ementas foram trazidas pela nobre defensoria e, aliás, adotada em recente julgamento ocorrido nesta Egrégia Quinta Câmara em 2 de março último relativo à apelação criminal n- 138.957-3/0 de Votupo- ranga e RJTJSP - 109/452, da qual foi Relator o eminente Des. Dante Busana: Punir-se alguém com o mínimo de três anos de reclusão desde que plante maconha, seja em que circunstância for, é o objetivo que não se compadece com o estágio de evolução do Direito Penal moderno, franca e escancaradamente subjetivista (TJSP, AC 21.228, Reí. Dirceu de Mello, RT 593/338)” .37

7 FIGURAS EQUIPARADAS DO § l 8 DO ART. 12 DA LEI Ne 6.368/76

O § 2-, do art. 12 ainda prevê que incorrem nas mesmas penas quem: induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determi­ne dependência física ou psíquica; utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância quç determine dependência física ou psíquica; contribui de qual­quer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

O inciso I do § 22 do art. 12 prevê a instigação, o induzimento ou o au­xílio ao uso de entorpecente ou substância que cause dependência física ou psíquica. O inciso II do citado parágrafo prevê a utilização de local para o uso de substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica. Finalmente, o inciso III prevê a conduta de contribuição para o incentivo ou a difusão do uso indevido das substâncias referidas.

37 TJ/SP, 5* Ccrim. - Apelação Criminal na 176.722-3, Rel. Des. Poças Leitão, j. 16-3-95.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.1 Induzir, instigar e auxiliar

Induzir significa sugerir a idéia, de forma a fazer surgir na cabeça de ou­trem a idéia de praticar a conduta ilícita. Instigar, diferentemente, consiste em encorajar a vontade preexistente do agente que se utilizará da substância entorpecente. Por fim, auxiliar consubstancia-se pela conduta de alguém que fornece meios materiais secundários para que outrem utilize-se da substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica.

Importante ressaltar que, para a configuração da conduta típica prevista no art. 12, § 29, inciso I, da Lei n2 6.368/76, não será obrigatória a existência de corpo de delito, pois em qualquer das três formas de contribuição previs­tas no citado dispositivo legal, poderão ou não resultar vestígios.38

Para a consumação dessa figura típica, há a necessidade de que, no mí­nimo, a substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica chegue à posse do destinatário final, ou seja, daquele que foi induzido, insti­gado ou auxiliado, sob pena de o delito não passar da figura tentada.39

7.2 Utilização de local

O inciso II do § 29 do art. 12 prevê que incorre nas mesmas penas aque­le que utiliza local de que tem propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

A lei não exige, para tipificação do delito, que o agente tenha a proprie­dade do local, bastando a posse, administração, guarda ou a mera vigilância.

Consuma-se o crime com o uso do local para o fim ilícito, ainda que apenas tenha sido utilizado uma única vez, pois não se trata de crime habi­tual, o que exigiria a reiteração de condutas.40

7.3 Incentivo e difusão do uso indevido ou do tráfico ilícito

O indso in do § 2e do citado art. 12, ao prever que incorrerá nas mes­mas penas aquele que contribuir de qualquer forma para incentivar ou difun­

38 JUTACrim 50/315.39 RT 630/295; RT 645/287.40 TJ/SP, Apelação Criminal n2 153.785/4, Rel. Des. Gonçalves Nogueira, j. 24-7-95.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Na 6.368/76 E LEI N a 10.409/02 145

dir o uso indevido ou o tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica, é norma subsidiária em relação aos demais incisos, em virtude de seu caráter genérico.

A ação consiste em praticar algum ato que, de qualquer forma, contri­bua para incentivar ou difundir o uso de drogas, consumando-se com o in­centivo ou difusão. Note-se que as condutas do agente, nessa hipótese, estão direcionadas a pessoa ou grupo de pessoas determinado.

Ressalte-se que, na hipótese de propaganda genérica que induza à utili­zação de entorpecentes ou drogas afins, não se configurará a presente dispo­sição, tratando-se, pois, de apologia de crime, prevista no art. 287 do Código Penal.

8 ART. 13 DA LEI Ne 6.368/76

O art. 13 tipifica a conduta de fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar, maquinismo, aparelho, instruménto ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

A lei incriminou de maneira autônoma as- condutas ligadas à in- fra-estrutura e à aparelhagem para a produção de substância que cause de­pendência física ou psíquica.

Como salienta Vicente Greco Filho, configuraria crime se alguém insta­lasse uma destilaria completa de cocaína, com todos os petrechos necessários para tal, mas não iniciasse a produção ou preparação da droga por não ter comprado ainda matéria-prima, em face da autonomia da figura típica.41

Não se exige para a configuração do delito a exclusividade da aparelha­gem e dos instrumentos para a fabricação, preparação, produção ou transfor­mação de substância entorpecente. Basta que os instrumentos e aparelhos es­tejam sendo utilizados para a prática dessa finalidade ilícita.

9 ART. 14 DA LEI Ne 6.368/76

O art. 14 da lei tipifica o delito de bando ou quadrilha para a prática de tráfico ilícito de entorpecentes, ao tipificar como crime o fato de associa- rem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13 dessa lei.

41 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 107.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Como encontra-se analisado no capítulo destinado aos crimes hedion­dos, o delito de bando ou quadrilha para a prática específica de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, previsto no art. 14 da Lei n2 6.368/76, em face do princípio da especialidade, não foi revogado, sendo tão-somente der- rogado em seu preceito secundário, ou seja, quanto à pena. Dessa forma, sua descrição típica continua sendo a do art. 14 da Lei de Tóxicos, que exige para sua tipificação, no mínimo, duas pessoas, porém, em relação à pena, aplica-se o art. 82 da Lei n2 8.072/90.42

Permaneceu, portanto, no ordenamento jurídico, a tipificação de bando ou quadrilha com a finalidade específica de praticar tráfico ilícito de entorpe­centes e drogas afins (no mínimo, duas pessoas), apesar da entrada em vigor da Lei n° 8.072/90.43

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, afirmando que

“tratando-se de associação para o tráfico de drogas prevalece a tipifica­ção do art. 14 da Lei n2 6.368/76, vale dizer, a associação de duas ou mais pessoas, para praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas, tipifica o delito do art. 14 da Lei n2 6.368/76. A pena á ser aplicada será a prevista no art. 82 da Lei n2 8.072/90, isto é, reclusão de três a seis anos”.44

O delito do art. 14 consuma-se com o acordo prévio e duradouro entre dois ou mais participantes de unirem-se com a finalidade de praticarem tráfi­co ilícito de entorpecentes. Conforme salientado pelo Supremo Tribunal Fe­deral,

“a quadrilha é delito permanente que se consuma com o fato da associa­ção e cuja unidade perdura, não obstante a multiplicidade dos cri- mes-fim cometidos por todos ou alguns dos integrantes” .45

42 JESUS, Damásio E. de. Anotações da Lei ns 8.072/90. Fascículos de Ciências Penais, na 4, 1990. Cf., ainda: RTJ 143/208; RT 664/272.

43 STF, Ia T. - HC nB 69.411-0/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I,14 ago. 1992, p. 12.226; STF, 1* T. - HC na 69.329-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 7 ago. 1992, p. 11.780; STF, Ia T. - HC n.s 68.996-5/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 8 maio 1992, p. 6.266. Contra esse entendimento: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos... Op. cit. p. 232.

44 STF, 2â T. - HC n.a 73.119-8/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,19 abr. 1996, p. 12.215. No mesmo sentido: STF, 2a T. - HC na 72.862-6/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 25 out. 1996, p. 41.028; STF, 2* T. - HC n9 73.119-8/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 19 abr. 1996, p. 12.215. Em sentido contrário, entendendo pela revogação do art. 14 da Lei nfi 6.368/76 pelo art. 8a da Lei dos Crimes Hediondos, conferir: TJ/SP, Apelação criminal n2135.468-1 - Poá, Rel. Des. Dante Busana, j. 27-5-93.

45 STF, Pleno - Extr. na 625/Itália, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 3 fev. 1995, p. 1.021.

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LEI DE TÓXICOS - LEI NQ 6.368/76 E LEI N g 10.409/02 147

A consumação do delito de bando ou quadrilha para a prática de tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins não depende da apreensão de subs­tância entorpecente,46 tampouco da prática efetiva do delito previsto no art.12, havendo, inclusive, plena possibilidade de concurso material entre os de­litos previstos nos arts. 12 e 14 da Lei n2 6.368/76, desde que fique demons­trado que a associação de pessoas continha um ajuste prévio e duradouro, afastando-se, portanto, da mera reunião ocasional de co-autores para a práti­ca de determinado crime de tráfico ilícito de entorpecentes.47

Como ressaltado por Vicente Greco Filho, para a consumação do delito

“haverá necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste préviono sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verda­deira societas sceleris, em que a prática de se associar seja separada davontade necessária à prática do crime visado”.48

Em conclusão, para a tipificação do delito autônomo previsto no art. 14 da Lei n2 6.368/76 será necessária a presença dos seguintes elementos:49

• duas ou mais pessoas;

• acordo prévio dos participantes;

• vínculo associativo duradouro;

• finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem de­pendência física ou psíquica.

10 ART. 15 DA LEI N° 6.368/76 - CRIME CULPOSO

O art. 15 prevê o único crime culposo da lei: Prescrever ou ministrar cul- posamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em dose evidentemente maior que a necessária, ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Trata-se de crime próprio, pois o sujeito ativo somente pode ser o médi­co, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem no exercício regu­lar de sua profissão.50

46 STJ, 5a T. - RHC n® 1096/RJ, Rel. Min. José Dantas, Diário da Justiça, Seção I, 6 maio 1991, p. 5.671.

47 RSTJ, 30/296; STJ, 5a T. - REsp. n8 2.701/RJ, Rel. Min. José Dantas, Diário da Jus­tiça, Seção I, 28 maio 1990, p. 4.739; STJ, 5a T. - REsp. ne 38.184/SP, Rel. Min. Assis Toleto, Diário da Justiça, Seção I, 25 out. 1993, p. 22.509.

48 Tóxicos. Op. dt. p. 109.49 STF, 1* T. - HC nB 66.974, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. 7-4-89; JUTACrim, 57/280.50 JUTACrim 51/300.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O presente crime tipifica duas condutas: prescrever e ministrar.

A primeira conduta prevista no tipo penal é a de prescrever culposamen- te substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em dose evidentemente maior que a necessária. Note-se que essa conduta exige que o paciente esteja recebendo, legal e terapeuticamente, substância entorpecente para tratamento de saúde. A conduta do agente consiste em, culposamente, receitar uma dose evidentemente excessiva. O termo evidente­mente demonstra a necessidade de uma grande diferença entre os níveis acei­táveis da dose e a quantidade ministrada.51

A segunda conduta prevista no art. 15 é a de ministrar culposamente substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Nessa hipótese, ao receitar a substância entorpecente, o sujeito ativo desrespeita alguma deter­minação legal ou regulamentar.

Em ambas as condutas, a consumação ocorre quando o agente entrega a receita ao paciente ou a terceiro, independentemente da aquisição da subs­tância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determi­nação legal ou regulamentar.52

11 ART. 16 DA LEI N9 6.368/76

O art. 16 da lei tipifica a conduta de adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regu­lamentar.

A Lei n2 8.072/90 não se aplica às figuras típicas definidas no art. 16, uma vez que estas não se enquadram na qualificação de tráfico ilícito de en­torpecentes e drogas afins, mas sim referem-se ao usuário.53

11.1 Objetividade jurídica

O delito inclui-se, assim como o art. 12, entre os que ofendem a incolu- midade pública, sob o particular aspecto da saúde pública.54 Trata-se de um crime de perigo abstrato, ou seja, não exige a ocorrência do dano.

51 JESUS, Damásio E. de. Lei antitóxicos anotada. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 65.52 Nesse sentido: GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. Op. dt. p. 114.53 STJ, 6* T. - REsp. ns 40.940-3/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel - Ementário STJ,

09/325. Cf.: MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 227.54 RTJ 130/842; 130/1177; RT 702/334; RDP 2/99.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Na 6.368/76 E LEI Ne 10.409/02 149

11.2 Sujeito ativo

Sujeito ativo do delito é qualquer pessoa que pratique uma das condu­tas previstas no tipo penal. Não se trata de crime próprio, cuja ação é privati­va de pessoas com qualificação especial, mas de crime que qualquer pessoa pode praticar.

11.3 Sujeito passivo

Sujeito passivo é a coletividade.

11.4 Objeto material

Objeto material do delito (previsto no art. 16 da Lei ns 6.368/76) é a substância entorpecente ou que determina dependência física ou psíquica, jjjjlsendo que, conforme ensina Damásio de Jesus, não configuram objeto mate- ;£■rial do crime ■£

“após aspiração pela seringa (TSJP, Acrim 53.006, Rel. Des. Ary Belfort, 'RT 624/289); após injeção aplicada pelo próprio usuário (TJSP, Acrim :122/35, JTJ 143/301). Ainda que recente e induvidoso o uso pretérito !da droga por afirmação testemunhai ou pericial (TJSP, Acrim 122/315,JTJ 143/301)”.55

11.5 Condutas e elemento normativo

O art. 16 prevê três condutas típicas: adquirir, guardar e trazer consigo.

Todas as condutas foram analisadas, comparativamente com o art. 12, no item 4.5.

Ressalte-se que o simples fato de alguém portar entorpecente, ainda que não o tenha experimentado, configura a infração do art. 16 da Lei ns 6.368/76,56 sendo que a quantidade da droga não desnatura o delito, mesmo sendo ínfima, pois como decidiu o Superior Tribunal de Justiça,

“o crime de uso de entorpecente é contra a Saúde Pública e a porção mí­nima utilizada pelo agente é irrelevante para a configuração do delito”.57

55 Tóxicos. Op. dt. p. 68.56 RT 552/305.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Note-se que a lei não traz, no art. 16, a figura típica de “fumar” ou “uti­lizar” a substância entorpecente, porém, para fumar cigarro de maconha o agente necessita trazê-lo consigo, o que basta para a configuração do delito.58

Importante, ainda, analisar se o descobrimento de conduta pretérita de alguém que tenha, supostamente, adquirido, guardado ou portado substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica poderia ser res­ponsabilizado criminalmente, ainda que não tenha havido nenhuma apreen­são da droga. Entendemos que o fato é atípico, pois para a configuração do delito é necessário que se comprove o caráter entorpecente da substância, o que somente se fará por meio de exame químico-toxicológico, no qual se analisará a presença ou não do princípio ativo da substância apreendida. A responsabilização a título do art. 16 por fato pretérito, sem que tenha havido apreensão do objeto material, jamais possibilitaria a tipicidade exigida pela lei, pois não se poderia comprovar a natureza entorpecente da substância.59

A análise do elemento normativo do tipo presente no art. 16 - sem auto­rização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar - igualmen­te foi realizada no item 4.6.

11.6 Consumação e tentativa

A consumação do art. 16 da Lei n2 6.368/76 ocorre quando a conduta do agente consubstancia-se em um dos verbos empregados como núcleos do tipo penal,60 independentemente da ocorrência de dano físico ou psíquico a alguém. A doutrina e a jurisprudência dividem-se em relação à possibilidade de tentativa do art. 16, ora entendendo-a possível,61 ora não admitindo de forma nenhuma.62 Concordamos com Damásio de Jesus,63 que admite a possi­bilidade de tentativa na figura típica adquirir, uma vez que essa conduta pode ser fracionada em vários atos executórios que, por circunstâncias alheias à

57 STJ, 6- T. - REsp. na 24.844/SP, Rel. p/Acórdão Min. José Cândido de Carvalho Fi­lho, Diário da Justiça, Seção I, 21 nov. 1994, p. 31.787.

58 TACRIM/SP, Apelação Criminal ne 210.983, Rel. Juiz Albano Nogueira; RT560/312; 574/460; 583/350; 599/326. Em sentido contrário, entendendo que o legislador não quis punir a conduta de quem está fazendo uso da substância entorpecente, por enten­dê-la privada de danosidade social e, conseqüentemente, o fato é atípico: JESUS, Damásio E. de. Lei antitóxicos... Op. dt. p. 70; TJ/SP, 5a Ccrim. - Apelação Criminal na 156.247-3/1, Rel. Des. Dante Busana, j. 29-9-94.

59 RT 464/346; 536/339; 574/398; 587/364; RJTJSP 104/461. Em sentido contrário, entendendo a existência de fato típico: RTJ 88/104.

60 RT 619/405; RJTJSP 108/488.61 RJTJSP 112/507; RJTJRS 107/15; RT 515/392.62 RT 533/397; 622/281.63 Lei antitóxicos... Op. cit. p. 73.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Ng 6.368/76 E LEI N g 10.409/02 151

vontade do agente, podem não atingir a finalidade do agente em adquirir substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica para uso próprio.

11.7 Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena de multa no art. 16

A antiga divergência jurisprudencial sobre a possibilidade de aplicação do art. 60, § 22, do Código Penal, em relação ao art. 16 da Lei n2 6.368/76, no sentido da possibilidade ou não de substituição da pena privativa de liber­dade por pena de multa foi solucionada pela edição da Súmula n2171 do Su­perior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de li­berdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.”

Portanto, como a estipulação da detenção pelo art. 16 é cumulativa com a multa, não é possível sua substituição pela sanção pecuniária.

12 ART. 17 DA LEI N5 6.368/76 - VIOLAÇÃO DE SIGILO

O art. 17 da lei tipifica a conduta de violar de qualquer forma o sigilo de que trata o art. 26 da Lei, sendo que o art. 26 prevê que

“os registros, documentos ou peças de informação, bem como os autos de prisão em flagrante e os de inquérito policial para a apuração dos crimes definidos nesta Lei serão mantidos sob sigilo, ressalvadas, para efeito ex­clusivo de atuação profissional, as prerrogativas do juiz, do Ministério Pú­blico, da autoridade policial e do advogado na forma da legislação específi­ca. Instaurada a ação penal, ficará a critério do juiz a manutenção do sigilo”.

O crime é próprio e somente poderá ser praticado por funcionário públi­co ou advogado, desde que tenham tomado conhecimento do objeto do sigilo (art. 26) em razão da função.64

64 Por tratar-se de crime próprio, não poderá ser cometido por jornalista (RT 575/364).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O sujeito passivo é a coletividade, tratando-se de crime de perigo e, con­seqüentemente, basta a violação da norma, sem nenhuma necessidade de dano.

A violação do sigilo corresponde à revelação de segredo constante nos registros, documentos ou peças de informação, ou, ainda, nos autos de prisão em flagrante ou do inquérito policial, consumando-se o delito quando tercei­ra pessoa tomar conhecimento do fato sigiloso.

13 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA - ART. 18 DA LEI Ns 6.368/76

O art. 18 da Lei n2 6.368/76 estipula que as penas dos crimes previstos na lei serão aumentadas de um a dois terços:

• no caso de tráfico com o exterior ou de extraterritorialidade da lei penal - refere-se somente às hipóteses de tráfico, logo, incide sobre as penas dos arts. 12,13 e 14 da lei;

• quando o agente tiver praticado o crime prevalecendo-se de função pú­blica relacionada com a repressão à criminalidade ou quando, muito embora não titular de função pública, tenha missão de guarda e vigilân­cia - é imprescindível para a caracterização dessa causa de aumento o nexo causai entre o crime e a função pública ou a missão de guarda ou vigilância;

• se qualquer deles decorrer de associação ou visar menores de 21 (vinte e um) anos ou pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capaci­dade de discernimento ou de autodeterminação;

• se qualquer dos atos (preparação, execução ou consumação) ocorrer nas imediações ou no interior de estabelecimentos de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esporti­vas ou beneficentes> de locais de trabalho coletivo de estabelecimentos penais, ou de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qual­quer natureza, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou do local.

13.1 Associação como causa de aumento de pena

O art. 18, III, determina que as penas dos crimes definidos na Lei ns 6.368/76 sejam aumentadas de um a dois terços quando qualquer deles de­correr de associação.

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LEI DE TÓXICOS - LEI Ne 6.368/76 E LEI N » 10.409/02 153

Ocorre, entretanto, que o art. 14 prevê como crime autônomo a associa­ção de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13.

Dessa forma, a aplicação do art. 18, III, somente ocorrerá quando a pre­sença de duas ou mais pessoas para a prática das condutas previstas nos arts. 12 e 13 não apresentar as características necessárias para a configuração do delito autônomo do art. 14, ou seja, não estiver presente o requisito de víncu­lo associativo duradouro. Assim, se a presença de dois ou mais agentes apre­sentar a característica de casualidade, sem qualquer comprovação de vincula­ção duradoura, estará configurada somente a causa especial de aumento de pena prévista pelo inciso III do art. 18.65 A ausência do animus associativo, portanto, afasta a incidência do art. 14 da lei, tratando-se de mera co-autoria e, em conseqüência, aplicando-se o art. 18.66

Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal,

“a associação eventual ou concursos delinquentium, causa majorante da pena nos delitos de entorpecentes, prevista na lei extravagante, eqüivale ao concurso de pessoas do direito penal codificado. O legislador^estre- mou no inciso III, do art. 18, da Lei ne 6.368/76, duas hipóteses distin­tas: de um lado, decorrer o delito de associação criminosa, e, de outro, visar a menores ou hipossuficientes. Se houve o crime definido no art.12 da Lei de Tóxicos, e para praticá-lo associaram-se duas ou mais pes­soas - embora assim tenham procedido para o fim único - da prática de um só crime, cabe o acréscimo da qualificadora prevista no item III, do art. 18, da mesma lei”.67

Se, porém, houver o ânimo de associação duradoura, somente tipifi- car-se-á o delito do art. 14, não sendo aplicável o art. 18, III, pois constituiria bis in idem, à medida que o mesmo fato estaria sendo duplamente penalizado.

Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar a im­possibilidade de concurso material entre o delito de associação, tipificado no art. 14, e o de tráfico em quadrilha, previsto no art. 12, combinado com o art. 18, III, entendendo somente possível o concurso material entre o art. 12 e o art. 14, sem a aplicação da causa especial de aumento de pena.68

65 RT 587/298, RJTJSP 88/396. No mesmo sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Tóxicos. Concurso de Agentes. Eventualidade. Majorante do inciso III, art. 18, da Lei nfl 6.368/76, bem aplicada no caso, por não configurada sodetas criminis, que é versada no art. 14” (STJ - Pleno - Resp. na 63.580/DF - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Diário da Justiça, Seção I, 6 out. 1997).

66 STJ, 5a T. - REsp. n2 123.237/SC, Rel. Min. José Arnaldo, Diário da Justiça, Seção I, 6 out 1997, p. 50.032; JUTACrim 54/351; RT 613/354.

67 STF, 2a T. - HC n2 71.639-3, Rel. Min. Maurício Correa, j. 7-2-95.68 STJ, 6a T. - REsp. ns 1196/RS, Rel. Min. Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção I,

24 set. 1990, p. 9.988.

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14 ISENÇÃO DE PENA

O art. 19 da Lei n2 6.368/76 traz norma semelhante à do art. 26 do Có­digo Penal, dispondo sobre excludente de culpabilidade para aquele que, em razão da dependência, ou sob o efeito de substância entorpecente ou que de­termine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infra­ção penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se com esse entendimento.

Dessa forma, se o agente de qualquer delito, e não apenas dos delitos pre­vistos na Lei de Tóxicos,69 praticá-lo em razão de dependência ou sob o efeito de substância entorpecente ou capaz de determinar dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior, a norma aplicável sobre a imputabilidade será a do art. 19 da lei especial e não a do art. 26 do Códi­go Penal.

O critério adotado pela citada norma é o biopsicológico, ou seja, não basta para a inimputabilidade que exista dependência ou influência de subs­tância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Tam­bém, o agente, no momento da conduta, deve ser inteiramente incapaz de entender o ato ou de determinar-se de acordo com o entendimento. Assim, somente com a presença de ambos os requisitos, constatados por laudo peri­cial,70 o agente poderá ser considerado inimputável.

Relembre-se que uma vez reconhecida a inimputabilidade, o juiz, me­diante o devido processo legal, reconhecendo a existência de um fato típico e ilícito, absolverá o réu em virtude de fundamentada dependência, com fulcro no art. 29 da Lei n2 6.368/76, e determinará a obrigatoriedade de tratamen­to médico, que poderá ser em regime de internação hospitalar, nos termos do art. 10, caput, da Lei nQ 6.368/76, ou em regime ambulatorial, conforme o art. 10, § l 2, da referida lei.

Nota-se que a Lei n2 6.368/76 não se refere a medida de segurança, mas sim a tratamento médico, razão pela qual não há necessidade de verificação de eventual periculosidade do réu, bastando a verificação dos critérios médi- co-periciais.

69 TJ/SP, Apelação Criminal na 148.478-3 - Bariri, Rel. Des. Nelson Fonseca, j. 16-6-94.

70 STF, 2a T. - HC nfi 70.898/SP, Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 22 set. 1995, p. 30.590; STJ, 6a T. - RHC nB 1.479/SP, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, Diário da Justiça, Seção I, 9 dez. 1991, p. 18.047; TJ/ES, Apelação Criminal na 1930.002.173, Rel. Des. Geraldo Correia Lima, j. 24-8-94.

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Igualmente, a Lei ne 6.368/76, em seu art. 19, parágrafo único, regula­menta a semi-imputabilidade, determinando que se o agente não possuir ao tempo da conduta a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em face da dependência ou influência de entorpecente ou substância capaz de causar dependência fí­sica ou psíquica, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Igualmente, não se possibilita a aplicação de medida de segurança, mas tão-somente a di­minuição da pena privativa de liberdade.

15 PROCEDIMENTO CRIMINAL COM AS MODIFICAÇÕES DA LEI N5 10.409/02

Inquérito policial Prazo de conclusão - agente preso: 15 dias; agente sol­to: 30 diasEsses prazos poderão ser duplicados pelo juiz a pedido justificado da autoridade policial.

Denúncia Prazo de 10 (dez) dias, independentemente de o acu­sado estar preso ou solto. A denúncia poderá ser emba- sada com o laudo de constatação de substância entorpecente, firmado por perito oficial, ou, na falta deste, por pessoa idônea, escolhida, preferencialmente, entre as que tenham habilitação técnica. O laudo de exame químico-toxicológico deverá ser juntado aos au­tos até o dia anterior ao designado para a audiência de instrução e julgamento.

Citação do acusado para apresentar defesa preliminar

Prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Defesa preliminar Prazo de 10 (dez) dias a partir da juntada do mandado aos autos ou da primeira publicação do edital de cita­ção. Caso a resposta não seja oferecida no prazo, o juiz nomeará defensor para apresentá-la em 10 (dez) dias.

Interrogatóriopreliminar

Prazo de 5 (cinco) dias, com réu preso, ou de 30 (trinta) dias, caso solto, a partir do oferecimento da denúncia.

Manifestação do Ministério Público

Apresentada a defesa, o juiz concederá prazo de 5 (cin­co) dias para manifestação do MP.

Recebimento da denúncia

Prazo de 5 (cinco) dias a partir da manifestação do MP sobre a defesa preliminar. O juiz poderá, caso entenda imprescindível, determinar a realização de diligências, antes de decidir, com prazo máximo de 10 (dez) dias.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Audiência de instrução e julgamento

Não há prazo fixado na lei, mas a indicação do art. 41 de que será realizado interrogatório na audiência, mos­tra, por analogia, que o prazo máximo deverá ser aquele de trinta dias, previsto para o interrogatório do réu solto.

Interrogatório, oitiva de testemu­nhas de acusação e de defesa

Trata-se de audiência concentrada, em que será reali­zado novo interrogatório do réu, agora sob julgamento de mérito da causa, bem como serão ouvidas as teste­munhas tanto da acusação quanto da defesa, no núme­ro legal de cinco para cada parte.

Debates Na própria audiência (20 minutos para a acusação e defesa, prorrogáveis por mais 10 minutos, a critério do juiz).

Sentença Na própria audiência, logo após os debates, ou no pra­zo de 10 (dez) dias, caso o juiz não se julgue habilita­do para julgar de imediato.

Recursos Previsão genérica do Código de Processo Penal.

Reputamos aplicável o procedimento previsto na Lei n9 10.409/02, ape­sar da má redação de seu art. 27, que dispõe: “O procedimento relativo aos processos por crimes definidos nesta Lei rege-se pelo disposto neste Capítu­lo...” Ocorre que os crimes não são os definidos na lei nova, uma vez que fo­ram vetados, permanecendo a descrição típica dos delitos efetuada pela Lei n9 6.368/76.

Não nos parece ser a melhor solução ignorar as modificações processuais da lei nova (Lei n9 10.409/02), apenas porque seus tipos incriminadores fo­ram vetados. Evidentemente, a lei nova que está em vigor trata dos processos por crimes relativos a entorpecentes, que estão ainda previstos na lei antiga (Lei n9 6.368/76). A interpretação da lei não pode levar ao absurdo de consi­derar que a lei está em vigor, mas não se refere a qualquer crime, porque seus tipos penais específicos foram vetados. É preciso buscar na interpretação sistemática e teleológica da lei, harmonizar os diversos textos normativos vi­gentes, dando sentido e coerência ao sistema jurídico. Daí nossa conclusão pela aplicabilidade dos dispositivos processuais da nova lei.

A não-aplicação dos dispositivos processuais da referida Lei n9 10.409/02 não acarreta nulidade processual, a não ser na hipótese de efetivo prejuízo para as partes. Neste sentido, posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, com a seguinte redação:

“Proc. Penal - Tráfico de entorpecentes - Lei n9 10.409/02 - Defesa Preliminar - Ausência - Necessária a configuração do efetivo prejuízo - Inocorrência.

Conforme decidiu esta Turma, por ocasião do julgamento do HC 26.900/SP, conquanto aplicável o art. 38 da Lei ne 10.409/02, a nulida­

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de em razão da ausência de defesa preliminar, prevista no referido dis­positivo legal, deve vir acompanhada de efetivo prejuízo à defesa. Nocaso isso inocorre. Recurso desprovido.”71

15.1 Possibilidade de apelação em liberdade e contagem em dobro do prazo procedimental - art. 35 da Lei n9 6.368/76

O art. 35, caput, da Lei ne 6.368/76 determina que o réu condenado por infração aos arts. 12 ou 13 da Lei não poderá apelar sem recolher-se à pri­são. Conforme já anteriormente analisado (item 6, do Capítulo 2 que trata dos crimes hediondos e assemelhados), o art. 29, § 2-, da Lei n9 8.072/90 prevalece, permitindo que, mesmo nas hipóteses referidas na Lei Antitóxicos, o condenado possa apelar em liberdade, desde que o juiz assim o permita em decisão fundamentada.

Essas disposições supra-referidas não sofreram qualquer alteração com a Lei n9 10.409/02, continuando aplicável o mesmo raciocínio aqui exposto, uma vez que a tipificação das condutas criminosas continua sendo feita na Lei n9 6.368/76.

Em relação ao parágrafo único do referido art. 35 da Lei Antitóxicos, que estipulava a contagem em dobro dos prazos procedimentais aí previstos, nas hipóteses de seus arts. 12, 13 e 14, reputamos não estar mais em vigor, em face do advento da Lei n910.409/02.

Isto porque os prazos procedimentais foram todos alterados pela Lei n9 10.409/02, que tem aplicação obrigatória para os crimes tipificados na Lei n9 6.368/76. O novo procedimento previsto alterou substancialmente a for­ma da resposta processual aos crimes da Lei de Entorpecentes, não havendo compatibilidade entre os novos dispositivos e a regra prevista no citado pará­grafo único.

Além do mais, o dispositivo do mencionado parágrafo único é inaplicá- vel, porque determina a contagem em dobro de prazos procedimentais que não mais existem, pois foram alterados pela referida Lei n910.409/02.

15.2 Laudo de dependência

O juiz poderá dispensar a realização de laudo médico-legal sobre a inim- putabilidade do réu, quando entendê-lo desnecessário.72 O citado laudo será necessário somente se houver dúvida quanto à integridade da autodetermi­

71 STJ, Rec. Ord. em HC na 15.415-SP, 5a Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 10-5-04, p. 304.

72 RTJ 95/570; 118/83.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

nação do réu ou se existirem fortes evidências de que o comportamento deli­tuoso tenha ocorrido em virtude da dependência do réu ao uso de substância entorpecente.73

16 REGRAS DE COMPETÊNCIA DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES

Em regra, a competência para o processo e o julgamento de tráfico ilíci­to de entorpecentes é da Justiça Estadual.74

O art. 27 define a competência, dispondo que o processo e o julgamento do crime de tráfico com o exterior caberão à Justiça Estadual com interve- niência do Ministério Público respectivo,75 se o lugar em que tiver sido prati­cado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal,76 com recur­so, atualmente, em virtude da nova Constituição Federal, para o Tribunal Regional Federal77 e não para o Tribunal Estadual, que somente terá compe­tência recursal quando não se tratar de tráfico ilícito internacional.78

Ressalte-se que o citado artigo foi integralmente recepcionado pela nova ordem constitucional que prevê, em seu art. 109, § 3-, que determina que serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos se­gurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previ­dência social e segurado, sempre que a comarca

“não seja sede de vara do juízo federal', e, se verificada essa condição, a leipoderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadaspela Justiça estadual”.79

O tráfico com o exterior caracteriza-se tanto pela remessa da substância entorpecente para país estrangeiro, quanto pelo ingresso da substância entor­pecente em território nacional, proveniente de país estrangeiro.80 Porém, a simples participação de estrangeiros na prática do tráfico ilícito de entorpe­

73 STF, 2a T. - HC n® 71.334/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I,19 maio 1995, p. 13.994.

74 Súmula nB 522 do STF - “Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, en­tão, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julga­mento dos crimes relativos a entorpecentes.”

75 RSTJ 34/91.76 STF, 1- T. - HC ns 59.662/MS, Rel. Min. Rafael Mayer, Diário da Justiça, Seção I, 2

abr. 1982, p. 2.884.77 RTJ 144/853; RSTJ 24/74.78 RSTJ 25/39.79 STJ, 6a T. - REsp. nB 36.313/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Se­

ção I, 18 out. 1993, p. 21.891.80 RTJ 90/484. Em sentido contrário: RTJ 121/1059.

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centes, por si só, não caracteriza o delito como internacional e, conseqüente­mente, não exige que haja alteração de competência.81 Igualmente, não é a simples origem estrangeira do entorpecente suficiente para atrair a compe­tência da Justiça Federal, sendo necessária uma somatória de condições, que demonstrem circunstâncias de desenvolvimento de uma operação internacio­nal,82 tais como a existência de uma unidade na cooperação internacional en­tre pessoas, estendendo os efeitos da prática ilícita a mais de um país.83 Assim, conforme já decidido pela Justiça Federal,

“a apreensão de cloridrato de cocaína no Brasil, em poder de brasileiros, sem qualquer indicação de que seria transferida para o exterior, exclui a competência da Justiça Federal”.84

Para a definição da competência da Justiça Federal, necessário que o ór­gão do Ministério Público tipifique o delito como tráfico ilícito internacional. Tratando-se de Comarca onde inexista Vara da Justiça Federal, o órgão do Ministério Público estadual que oferecer a denúncia por tráfico internacional de drogas estará agindo no exercício de atribuição federal e o juiz de^Direito que recebê-la estará exercendo competência jurisdicional federal. Observe-se que, nesses casos, mesmo que no momento da decisão o juiz de Direito, no exercício de jurisdição federal, desclassifique o delito para o art. 16 da lei, o recurso cabível deverá ser dirigido ao Tribunal Regional Federal, pois o mo­mento fixador da competência foi o oferecimento da denúncia.85

Na hipótese de conflito de competência entre a Justiça Estadual e a Jus­tiça Federal, competirá ao Superior Tribunal de Justiça dirimir a questão, de maneira a decidir se se trata ou não de tráfico ilícito de entorpecentes. Diver­samente ocorre se, nos termos do art. 27 da Lei n2 6.368/76 e investido de jurisdição federal, o juiz de Direito remete os autos a uma Vara Federal, e esta entende ser incompetente, suscitando o conflito negativo. Nesse caso, trata-se de conflito negativo de competência entre um juiz de Direito, no exercício de jurisdição federal, e um juiz federal, sendo, portanto, competen­te para dirimi-lo o Tribunal Regional Federal, nos termos do art. 108,1, e, da Constituição Federal.86

81 STJ, 3a Seção - CC n9 2.233/AM, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, Diário da Justi­ça, Seção I, 16 out. 1991, p. 14.461.

82 RSTJ 03/870.83 TJ/SP, HC ns 164.227-3 - São Paulo, Rel. Des. Süva Pinti, j. 23-5-94.84 TRF, Ia Região - 3* T. - Rec. Crim. n2 94.01.33633-4/PA, Rel. Juiz Fernando Gon­

çalves, Diário da Justiça, Seção II, 27 abr. 1995, p. 24.643.85 RT 669/373.86 RSTJ 63/355.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

17 NOVOS INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

A Lei n2 10.409/02 trouxe a previsão de novos instrumentos de investi­gação criminal, independentemente dos meios já previstos pela Lei do Com­bate ao Crime Organizado (Lei ns 9.034/95).

A Lei prevê, em seu art. 33, em qualquer fase da persecução penal, duas medidas de investigação, que dependem de autorização judicial, com oitiva obrigatória do Ministério Público:

a) a infiltração de policiais em quadrilhas, grupos, organizações ou bandos, com o objetivo de colher informações sobre as operações ilícitas por eles realizadas;

b) a não-atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem, saiam ou transitem no território bra­sileiro, para, em colaboração com outros países ou não, a identifica­ção e responsabilização do maior número possível de integrantes das operações de tráfico e distribuição. A autorização dessa medida depende de que sejam conhecidos o itinerário provável e a identifi­cação dos agentes do delito e colaboradores, bem como de garantias das autoridades competentes dos países de origem ou trânsito con­tra fuga de suspeitos ou extravio de produtos.

A Lei também admite, no art. 34, que o Ministério Público e a autorida­de policial requeiram ao juiz, havendo indícios suficientes da prática crimi­nosa:

a) acesso a documentos e informações fiscais, bancárias, patrimoniais e financeiras dos envolvidos;

b) colocação sob vigilância, por período determinado, de contas ban­cárias;

c) acesso, por período determinado, aos sistemas informatizados das instituições financeiras;

d) interceptação e gravação das comunicações telefônicas, por período determinado, observada a legislação pertinente (Lei n2 9.296/96).

18 TRANSAÇÃO PENAL ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INDICIADO

Embora o caput do art. 32, da Lei n2 10.409/02 tenha sido vetado, os seus §§ 22 e 32 foram promulgados e publicados, e estão em vigor. Ainda que

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LEI DE TÓXICOS - LEI Na 6.368/76 E LEI NB 10.409/02 161

de má técnica legislativa87 a existência de parágrafos sem o correspondente caput, a interpretação do texto legal leva-nos à formulação da norma jurídica aí contida, aplicável em compatibilidade com o sistema legal que envolve a persecução penal em relação aos crimes ligados aos entorpecentes.

Dessa forma, a lei admite um acordo entre o Ministério Público e o indi­ciado que espontaneamente revelar a existência da organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justifi­cado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.

Trata-se de uma delação eficaz, que poderá resultar no sobrestamento do processo ou na redução da pena. Evidentemente que, dentro de nosso sis­tema legal, tal acordo deverá ser homologado pela autoridade judicial, uma vez que não conhecemos, ao menos por enquanto, a transação penal inde­pendentemente da homologação judicial. Nosso sistema adota o princípio da obrigatoriedade mitigada da ação penal, o que nos leva para a verificação ju­dicial dos requisitos exigidos pela lei para a realização do acordo penal.

Caso a denúncia já tenha sido oferecida anteriormente à delação £ficaz, o juiz, por proposta do Ministério Público, poderá, ao proferir sentença, dei­xar de aplicar a pena, ou reduzi-la de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), em decisão justificada.

87 Notamos a possível inconstitucionalidade do veto, uma vez que o art. 66 da Consti­tuição Federal determina que o veto presidencial exclua texto integral de artigo, parágrafo,, in­ciso ou alínea, não permitindo que os parágrafos permaneçam em vigor apesar da exclusão do caput. No presente caso, porém, é possível interpretar conforme a Constituição para salvar os dispositivos dos demais parágrafos, uma vez que guardam autonomia em relação ao caput.

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5Execução Penal -

LEI Ne 7.210/84

1 FINALIDADE DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

O art. 1Q da LEP prevê que a execução penal tem por objetivo efetivar a sentença criminal e propiciar a recuperação do condenado. Dessa forma, os objetivos primordiais da Lei de Execuções Penais são:

• propiciar meios para que a sentença seja integralmente cumprida;

• reintegração do sentenciado ao convívio social.

2 NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL

Inicialmente, com a promulgação da lei, houve controvérsia sobre sua natureza jurídica, se administrativa ou jurisdicional, sendo tal controvérsia de fundamental importância em face da aplicação de seus dispositivos. Logo, porém, formaram-se dois posicionamentos.

Para o primeiro posicionamento, a execução penal tem natureza jurisdi- cional, o que significa afirmar que haverá jurisdição durante todo o procedi­mento executório, com a presença constante do Poder Judiciário, para solu­cionar os conflitos de interesse surgidos entre o Ministério Público, em defesa da sociedade, e o sentenciado. Esse posicionamento pressupõe a existência do devido processo legal durante toda a execução da pena, e, conseqüente­mente, a aplicação dos princípios da ampla defesa e contraditório. Para o se­gundo posicionamento, a execução penal tem natureza meramente adminis­trativa, não havendo processo e tampouco aplicação da jurisdição.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Na 7.210/84 1 6 3

No Brasil, a execução da pena tem natureza, predominantemente, juris- dicional, existindo como regra momentos jurisdicionais e episódios adminis­trativos. Mas, mesmo nesses, resguarda-se sempre o acesso ao Judiciário.Como ensina Ada Pellegrini Grinover, a execução penal é uma atividade complexa que se desenvolve entrosadamente nos planos administrativo e ju- risdicional.1

O caráter da execução criminal é de processo judicial contraditório, de­vendo ser observados os princípios do devido processo legal e da ampla defe­sa, não sendo lícito ao juiz deferir, denegar ou revogar benefícios, da mesma forma que é impossível extinguir a pena sem ouvir, anteriormente, as partes interessadas.2 Assim, como ressaltou o Tribunal de Alçada Criminal, a execu­ção criminal tem caráter de processo judicial contraditório, pelo que, em todo seu desenvolvimento, deve observar os princípios que lhe são próprios, inclusive o do contraditório.3

Asseguram-se, portanto, todos os direitos dos presos, que serão garanti­dos pelo Poder Judiciário, e fiscalizados pelo Ministério Público.

A execução penal não é, portanto, mero complemento ou fase /lo juízo de conhecimento, mas um processo penal executório autônomo, conforme )dispõe o art. 2Q, da Lei nQ 7.210/84, havendo necessidade, para iniciar-se, do Ütítulo executivo, consistente na sentença penal condenatória ou na absolutó- ria imprópria, com trânsito em julgado.

3 REGRAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DOS RECLUSOS - ONU

A Organização das Nações Unidas prevê regras mínimas para o trata­mento de reclusos por meio da publicação do Centro de Direitos do Homem das Nações Unidas - GE. 94-15440.

Conforme especifica nas considerações preliminares, as normas mínimas de tratamento de reclusos devem ser observadas de forma relativa, tendo em conta a grande variedade das condições legais, sociais, econômicas e geográ­ficas do mundo. Devem, porém, servir como estímulo de esforços constantes para ultrapassar dificuldades práticas em sua aplicação. Além disso, o que se pretende é o estabelecimento de princípios básicos de uma boa organização penitenciária e as práticas relativas ao tratamento de reclusos. A ONU subdi-

1 Execução penal: natureza jurídica da execução penal. São Paulo: Max Limonad,1987.

2 TRACRIM-SP, Ag. Ex. nfi 424845 - 8* Câmara, Rel. Canguçu de Almeida; JUTACrim 88/189 e TACRIM-SP, Ag. Ex. n2 429315 - 8a Câmara, Rel. Canguçu de Almeida.

3 TACRIM-SP, Ag. Ex. n2 509123 - 12a Câmara - Rel. Oliveira Santos.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

vidiu o instrumento normativo em duas partes: a primeira trata das matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e é apli­cável a todas as categorias de reclusos, dos foros criminal ou civil, em regime de prisão preventiva ou já condenados, incluindo os que estejam detidos por aplicação de medidas de segurança ou que sejam objeto de medidas de reedu­cação ordenadas pelo juiz competente; a segunda parte contém regras que são especificamente aplicáveis às categorias de reclusos de cada seção.

Importante, ainda, ressaltar que as regras previstas pela ONU não são aplicáveis à organização dos estabelecimentos para jovens delinqüentes, por merecerem tratamento diferenciado em virtude de sua condição de pessoa em desenvolvimento.

Como princípio básico no tratamento dos reclusos, a ONU consagra a igualdade, afirmando que

“as regras que se seguem devem ser aplicadas, imparcialmente. Não haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opi­nião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nasci­mento ou outra condição. Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso”.

A ONU prevê, ainda, a necessidade de separação dos reclusos em diver­sas categorias, tendo em consideração o respectivo sexo e idade, anteceden­tes penais, razões para a detenção e medidas necessárias a aplicar.

As regras básicas em relação à separação em categorias de reclusos são:

• na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos em estabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebam ho­mens e mulheres, a totalidade dos locais destinados às mulheres será completamente separada;

• presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados;

• pessoas presas por dívidas ou outros reclusos do foro civü devem ser mantidos separados de reclusos do foro criminal;

• os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos adultos.

As regras de aplicação geral prevêem, igualmente, as condições dos lo­cais de reclusão e os direitos relacionados à higiene pessoal, vestuário e rou­pa de cama, exercício e desporto, serviços médicos, informação e direito de queixa dos reclusos, contatos com o mundo exterior, biblioteca, religião.

Por fim, é estabelecido um sistema de disciplina e sanções, pois, como afirma o instrumento normativo internacional,

“a ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza, mas sem im­por mais restrições do que as necessárias para a manutenção da segu­rança e da boa organização da vida comunitária”.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N g 7.210/84 1 6 5

Na segunda parte do instrumento normativo, a ONU prevê as diversas regras diferenciadas em razão da espécie do recluso.

Além das Regras da ONU, importante salientar que o Pacto Internacio­nal dos Direitos Civis e Políticos (1966) prevê em seu art. 10 que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana, estabelecendo que

“as pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não condenadas; e, as pessoas jovéns processadas deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível”.

Por fim, o citado instrumento normativo internacional consagra que o regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e con­dição jurídica. *

O Pacto de São José da Costa Rica, igualmente, prevê regras protetivas aos direitos dos reclusos e, em seu art. 5e, determina que os processados de­vem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado a sua condição de pessoas não condenadas. Além disso, estipula que os menores, quando puderem ser pro­cessados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especiali­zado, com a maior rapidez possível para seu tratamento. O referido pacto de­fine a finalidade essencial das penas privativas de liberdade como “a reforma e a readaptação social dos condenados”.

A legislação internacional básica do assunto compõe-se de: regras para tratamento de presos da Comissão Internacional Penitenciária, 1929, com al­terações em 1933 e aprovação pela Liga das Nações em 1934; Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, 1948 (no tocante à proibição de tor­tura, tratamento cruel, desumano e degradante); “Regras mínimas” para trata­mento de reclusos, aprovadas em Genebra pela ONU, em 1955; Pacto Inter­nacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966 (arts. 9Q e 10); Recomendação do IV Congresso das Nações Unidas em Kioto, para aplicação das regras míni­mas, 1970; Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, 1984 (art. 14 - no tocante à indenização); Re­gras mínimas para o tratamento de reclusos (publicação do Centro de Direi­tos do Homem das Nações Unidas - GE. 94-15440); Convenção Americana de Direitos Humanos, 1969 (Pacto de São José da Costa Rica - arts. 52 e 62).4

4 Cf. Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 1996.

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4 PRINCÍPIOS DA LEP

São princípios básicos que regem a execução da pena: legalidade, isono- mia, personalização da pena, jurisdicionalidade, reeducativo, devido processo le­gal, contraditório e ampla defesa.

O princípio da legalidade na execução penal consiste em evitar excessos ou desvios na execução (art. 3e “Ao condenado e ao internado serão assegura­dos todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lein). O sentenciado não fica sujeito ao poder discricionário ou à arbitrariedade da autoridade ad­ministrativa, havendo a todo momento a fiscalização por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário.

O princípio da isonomia proíbe qualquer espécie de distinção entre os condenados (art. 32, parágrafo único).

O princípio da personalização da pena indica que os condenados devem ser classificados visando individualizar o tratamento reeducativo, baseado nos antecedentes e personalidade, evitando a massificação da execução (arts. 5Q e 6a da LEP). Objetiva-se cumprir o princípio constitucional previsto no art. 52, inciso XLVI da Constituição Federal da individualização da pena.5 Em vir­tude disso, para cada sentenciado pressupõe-se um tipo diferente de execu­ção da pena, devendo o Estado submetê-los a uma prévia classificação, de acordo com sua personalidade e seus antecedentes.6

O princípio da jurisdicionalidade garante que a jurisdição não se esgota com o trânsito em julgado da condenação, mas persiste em todos os momen­tos da execução. Os incidentes da LEP serão decididos pelo Poder Judiciário. A autoridade administrativa somente pode determinar pontos secundários da execução da pena, tais como: horário de sol, cela do preso, alimentação etc.

Para o princípio reeducativo, toda execução penal volta-se para a tentati­va de ressocialização do sentenciado, trazendo-o de volta ao convívio social.

Por fim, na execução da pena, há total incidência dos princípios do devi­do processo legal,7 do contraditório8 e da ampla defesa,9 garantidos constitu­cionalmente.10

5 Nesse sentido, conferir: MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Adas. p. 132.

6 STJ, 6a T. - HC na 2.797-3-RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro; j. 30-8-1994; v.u.; ementa.

7 Nesse sentido, entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que a garan­tia do contraditório em execução penal não importa apenas na audiência do condenado, que pode vir a ser mais gravemente em seu jus libertatis, mas também na do representante do MP, que pode sofrer prejuízo em seu interesse em ser executada a pena aplicada àquele (TACRIM, Rec. Sen. Est. n2 427387 - 3a Câmara, Rel. Ralpho Waldo).

8 TACRIM, HC nfi 132752 - 5a Câmara, Rel. Juiz Adauto Suannes.9 TACRIM/SP, Ag. Ex. nB 418025 - 3a Câmara, Rel. Juiz Dante Busana.

10 JUTACrim 91/222.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ng 7.210/84 1 6 7

5 COMPETÊNCIA

A execução é uma atividade jurisdicional exercida de modo coativo, pois as sentenças condenatórias são de execução forçada e necessária e não de execução facultativa. Se for um processo autônomo, transcorrerá em um novo juizado penal, que deverá ser conhecido, previamente, por meio das re­gras de competência, respeitando-se a Constituição e o princípio do Juiz Natural. O direito a um juiz imparcial constitui garantia fundamental na ad­ministração da Justiça em um Estado de Direito. Como ressaltado pelo Su­premo Tribunal Federal,

“o princípio da naturalidade do Juízo - que traduz significativa conquis­ta do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democrá­ticas - atua como fator de limitação dos poderes persecutórios do Esta­do e representa importante garantia de imparcialidade dos juizes e tribunais”.11

A competência do Juiz de Execuções inicia-se com o trânsito em'julgado da sentença condenatória e será exercida por um juízo especializado, de acordo com a Lei de Organização Judiciária.12 Em alguns casos, será exerci­do, supletivamente, pelo próprio Juiz da sentença, nas hipóteses de existên­cia de Vara única na Comarca.

É a lei de organização Judiciária de cada Estado que determinará o Juí­zo competente para a Execução.

5.1 Regras de competência

Para sabermos qual a Comarca competente, temos regras diferentes das previsões do Código de Processo Penal que define o Juízo competente para processar e julgar a infração penal (Juízo de conhecimento). Primeiramente, é importante ressaltar que não importa o local onde transitou o processo de conhecimento que originou a execução.

Em regra, para o sentenciado a pena privativa de liberdade, a execução correrá onde ele estiver preso. Mesmo que o sentenciado tenha várias execu­ções a serem cumpridas, todas ficarão na Comarca onde ele estiver preso.

11 STF, 1* T. - HC nfi 69601/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,18 dez. 1992, p. 24.377.

12 Nesse sentido, decidiu o Pretório Excelso que “compete ao juízo das execuções apli­car a lei nova mais benigna: verbetes 611 da Súmula do Supremo Tribunal Federal” (STF, HC ns 71.470-6/PR, Rel. Min. Francisco Rezec. Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1995, p. 28.356).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Caso ele seja transferido por algum motivo (pedido, problemas de fuga, su­perlotação etc.), a execução irá para a nova Comarca onde sua liberdade esti­ver suprimida.

Em comarcas onde houver mais de uma Vara Criminal, a competência será de apenas uma delas, e esta fixação é determinada pela Lei de Organiza­ção Judiciária.

Se o sentenciado tiver sido condenado pela Justiça Federal, porém esti­ver preso em estabelecimento estadual, competirá ao próprio juízo local a execução da pena. Assim, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça,

“compete ao Juízo da Vara de Execuções Penais da Justiça local a execu­ção da pena de condenado pela Justiça Federal, quando este esteja reco­lhido a estabelecimento sob jurisdição ordinária estadual”.13

Em se tratando de sursis e pena restritiva de direitos, a comarca compe­tente é a do domicílio do sentenciado, para que ele possa cumprir as obriga­ções impostas próximo a seus familiares e sem ter que viajar. Se, porém, mu­dar de domicílio, a execução o acompanhará.

Para a pena de multa, a execução ocorrerá na mesma Comarca por onde tramitou o processo de conhecimento.

No caso de sentenciado com foro privilegiado, a execução será de com­petência do próprio Tribunal que o processou e julgou.

6 DIREITOS DOS SENTENCIADOS

Nos termos do art. 32, da Lei n2 7.210/84, são garantidos todos os direi­tos não atingidos pela sentença ou pela lei. Assim, como regra, o sentenciado tem todos os direitos compatíveis com o cumprimento da pena, como, por exemplo, direito à vida, à integridade física, à honra, ao sigilo de correspon­dência, a vestuário, à alimentação, entre outros.14

13 STJ, 3- Seção - CC n2 7.312-0/BA, Rel. Min. Assis Toledo, v.u., j. 17-3-94, DJU 4-4-94, p. 6.625. No mesmo sentido: CC n2 7.325-1/BA 7.381-2/BA - 3â Seção, Rel. Min. Adhemar Maciel - DJU 4-4-94, p. 6.626 e CC n2 7.391-0/BA Rel. Min. Assis Toledo - DJU, 4-4-94, p. 6.626 e CC n2 7.323-5/BA, Rel. Min. Edson Vidigal - DJU, 25-4-94, p. 9.192.

14 Conforme súmula aprovada por unanimidade no Painel de Debates sobre Execução Penal, realizado nos dias 25 e 26 de junho de 1998 pela Escola Paulista da Magistratura, em conjunto com a Associação Juizes para a Democracia, "o Poder Judiciário tem parcela crucial de responsabilidade na humanização do direito de execução penal, cabendo ao Tribunal pro­piciar ao magistrado meios e recursos para o desempenho de suas funções, inclusive criando e aparelhando Varas especializadas nas Comarcas com grande número de presos e sempre dis­tribuindo os recursos com critérios objetivos, e tudo como forma de evidenciar o compromisso da magistratura com os direitos e garantias individuais”.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N e 7.210/84 169

Excepcionalmente, porém, o sentenciado não terá por exceção o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, que determina a suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação criminal.

O cidadão pode ser privado, definitiva ou temporariamente, de seus direi­tos políticos, em face de hipóteses taxativamente previstas no texto consti­tucional, pois, como afirmava Pimenta Bueno, ao analisar a mesma matéria pre­vista no art. 82, inciso II, da Constituição do Império e ressaltando a necessi­dade de previsão constitucional,

“o gozo dos direitos políticos, a participação ou intervenção no governo ou regime político do Estado é tão importante, que a lei não devia dei­xar de prever as circunstâncias em que ele deve ser interrompido em be­nefício da segurança social”.15

Importante analisármos a questão sobre condenação criminal transitada em julgado e a suspensão dos direitos políticos, pois o art. 15, III, da Consti­tuição Federal prevê como efeito desta a suspensão dos direitos políticos até que ocorra a extinção da punibilidade, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação de danos (Súmula 9 do TSE).

Trata-se de norma Constitucional auto-aplicável, conseqüência direta e imediata da decisão condenatória transitada em julgado,16 não havendo ne­cessidade de manifestação expressa a respeito de sua incidência na decisão condenatória17 e prescindindo-se de quaisquer formalidades.18 Assim, a con­denação criminal transitada em julgado, independentemente da infração pe­nal cometida,19 quer seja por crime doloso ou culposo,20 quer seja por contra­venção penal,21 acarreta a suspensão de direitos políticos pelo tempo em que durarem seus efeitos, pois a ratio do citado dispositivo é permitir que os car­

15 BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do império. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1958. p. 474.

16 STF, Pleno - Rextr. na 0179502/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Se­ção I, 8 set. 1995, p. 28.389.

17 TRE/SP, Tribunal Pleno - Acórdão na 125.688 - Processo na 10.572 - Classe se­gunda, Rel. Des. Djalma Lofrano, 31-8-96.

18 No mesmo sentido: Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo - Tribunal Pleno - Acórdão nB 112.985 - Processo ns 9.477 - Classe sétima, Rel. Juiz A. C. Mathias Col- tro, 2-7-1992.

19 TSE, Pleno - MS na 2.471/PR - Acórdão na 2.471 (11-9-96), Rel. Min. Eduardo Ri­beiro.

20 STF, Pleno - Rextr. ne 179.502-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves - Ementário na 1799-09; TSE, Pleno - Recurso n2 9.900/RS - Acórdão na 12.731, Rel Min. Sepúlveda Perten­ce, 24-9-1992. Na hipótese, tratava-se de suspensão dos direitos políticos em virtude de con­denação transitada em julgado por lesões corporais culposas.

21 TSE, Pleno - REsp. ns 0013293/MG, Rel. Min. Eduardo Andrade Ribeiro de Olivei­ra, 7-11-1996.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

gos públicos eletivos sejam reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática.22

6.1 Assistência à saúde

O art. 14 da LEP prevê assistência à saúde do sentenciado. O preso e o internado têm direito ao tratamento odontológico, médico e ambulatorial. Se dentro do hospital não existirem instalações adequadas, o tratamento deverá ser feito em outro lugar, desde que o diretor do estabelecimento penitenciário autorize, ou que o juiz supra a negativa do diretor. Ainda, o art. 43 da LEP permite que o sentenciado possa contratar médico de sua responsabilidade.

6.2 Educação

Não é possível falar em recuperação sem mencionar a possibilidade de o preso educar-se tanto por meio de instrução escolar quanto pela formação profissional. A LEP prevê a obrigatoriedade do ensino de I a grau a todos os presos, integrado ao ensino estatal. Dessa forma, o diploma terá ampla vali­dade inclusive fora da prisão (art. 18).

6.3 Assistência religiosa

O art. 24 da LEP prevê a liberdade de culto, permitindo a participação de todos os presos. O § 2a do art. 24 da LEP prevê a impossibilidade de obri- gar-se o sentenciado a participar de atividades religiosas, com base na pró­pria liberdade religiosa prevista na Constituição Federal, no art. 5e, inciso VI.

6.4 Assistência jurídica

O art. 41, inciso IX, da LEP dispõe que constitui direito do preso a entre­vista pessoal e reservada com o advogado, norma esta que está em total acor­do com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

22 Voto do Min. Celso de Mello - STF, Pleno - Rextr. n8 179.502-6/SP, Rel. Min. Mo­reira Alves - Ementário nfi 1799-09. No mesmo sentido: MIRANDA Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. São Paulo: Henrique Cahen Editor, 1947, v. 3, p. 133.

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UINIMIWAS UN1MINAS-0IBLIU ICOM

18959 - 171_________________________________________EXECUÇÃO PENAL - LEI Ng 7.210/84 1 7 1

7 EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Há nos diversos ordenamentos jurídicos três sistemas penitenciários bá­sicos:

• Filadélfia: o sentenciado cumpre sua pena integralmente na cela, sem dela nunca sair;

• Aubum: o sentenciado trabalha com outros sentenciados durante o dia e à noite vai para sua cela;

• Inglês ou progressivo: há um período inicial de isolamento. Após esse período, passa-se a trabalhar com outros presos durante o dia e a fi­car na cela à noite. E, finalmente, o sentenciado é posto em liberdade condicional.

No Brasil, adotou-se o sistema progressivo, com algumas particularida­des. Assim, o início da execução da pena privativa de liberdade dá-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nascendo, dessa forma, a competência do Juízo das Execuções. Todavia, a execução em forma de pro­cesso somente terá início quando o condenado for preso.

No dia da prisão do sentenciado, o Juiz determina a expedição da guia de recolhimento (antiga Carta de guia), peça inicial do processo de execução.

Para o início da execução, porém, não basta o trânsito em julgado da sentença condenatória, havendo necessidade da prisão do sentenciado, pois o art. 105 da LEP exige para a expedição da guia de recolhimento que o sen­tenciado esteja-preso. Além disso, o art. 106, V, da LEP diz qual o conteúdo da guia de recolhimento e que deverá constar a data do término da pena. Ora, para sabermos qual é a data final da pena, logicamente, teremos que fi­xar a data inicial, que deverá ser a data da prisão. Dessa forma, impossível iniciar a execução de uma pena privativa de liberdade se o sentenciado esti­ver solto.

Na hipótese de impossibilidade de prisão do sentenciado, certifica-se no processo de conhecimento que houve o trânsito em julgado, expede-se o ma- dado de prisão, encaminhando-se cópias às Polícias. Além disso, elabora-se um cálculo da prescrição da pretensão executória.

Tomadas as precauções já referidas, deve-se aguardar a prisão e conse­qüente início da execução da pena, com a emissão da guia de recolhimento, ou a extinção da punibilidade em virtude da extinção da pretensão executó­ria do Estado.

Portanto, há possibilidades de ocorrência de duas hipóteses diversas:

1. O condenado não é preso dentro do prazo prescricional: nessa hipóte­se, decreta-se a extinção da punibilidade, pela ocorrência de pres-

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

crição da pretensão executória. O Juiz que decreta a extinção de punibilidade é o próprio Juiz do processo de conhecimento. Assim, mesmo após o trânsito em julgado, o Juiz do processo de conheci­mento pode tomar algumas providências jurisdicionais, como decre­tação da extinção da punibilidade.

2. O condenado é preso antes do término do prazo prescricional: haverá interrupção prescrional. No momento em que o sentenciado é pre­so, o Juiz do processo de conhecimento determina a expedição de guia de recolhimento e seu encaminhamento ao Juízo de Execu­ções. Assim, expede-se guia de recolhimento, dando-se início à Execução Penal. Nesse momento, arquiva-se o processo de conheci­mento e nasce o processo de execução. Uma vez efetivada a prisão do sentenciado, há dever de ofício do Juiz em determinar a expedi­ção e a remessa, ao Juízo das Execuções, da guia de recolhimento. Caso o Juiz se quede inerte, poderá ser provocado pelo MP e pelo próprio sentenciado, que poderão, inclusive, interpor correição par­cial. Extraída a guia de recolhimento, deve ser dada ciência ao Mi­nistério Público, para que o Promotor de Justiça verifique se foram observadas todas as formalidades legais. Igualmente, deve ser co­municado o Conselho Penitenciário.

7.1 Guia de recolhimento

É a peça processual que dá início à execução penal, anteriormente deno­minada carta de guia.

A guia de recolhimento é elaborada pelo escrivão por determinação do Juiz, e nela constarão os elementos exigidos pelo art. 106 da referida lei: nome do condenado; sua qualificação e número de registro geral no órgão ofi­cial de identificação; inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão de trânsito em julgado; informação sobre os antecedentes e grau de instrução; a data da terminação da pena; outras peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário.

Observe-se que, em cumprimento ao inciso V, do art. 106, com a data do término da pena seguirá cálculo de liquidação dá pena, levando-se em conta a detração, ou mesmo eventuais somas ou acréscimos de penas.

Se o sentenciado, ao tempo do fato, era funcionário da administração da Justiça Criminal, deve ficar, durante toda a execução penal, em depen­dência separada (art. 84, § 22), e, portanto, na guia de recolhimento deve constar tal circunstância (art. 106, § 3S).

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N° 7.210/84 173

A LEP determina que a guia de recolhimento sempre deve ser retificada, quando sobrevier modificação, quanto ao início da execução (casos de detra- ção, por exemplo) ou quando houver alteração no tempo de duração da pena (por exemplo, a remição, em que para três dias de trabalho será descontado um dia de pena).

Igualmente, se houver fuga e recaptura, deve ser anotado tal fato na guia de recolhimento.

7.2 Füga do sentenciado

Se o sentenciado foge durante a execução da pena, a execução é inter­rompida. Faz-se um cálculo da prescrição, pelo restante da pena e fíca-se aguardando sua prisão. Proceder-se-á ao necessário apontamento da guia de recolhimento.

Se o sentenciado for preso dentro do prazo prescricional, a guia sérá re- ^tificada para constar o novo dia do término da pena. Caso contrário, extin- h'gue-se a punibilidade.23 *

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7.3 Sistema progressivo 1 t]

Tendo em vista a finalidade da pena, de integração ou retomo do sen­tenciado ao convívio social, o processo de execução deve ser dinâmico, sujei­to a mutações ditadas pelas respostas do condenado ao tratamento peniten­ciário.

Assim, ao dirigir a execução para a forma progressiva, estabelece o art.112 a progressão, ou seja, a transferência do condenado do regime mais rigo­roso a outro menos rigoroso, quando demonstra condições de adaptação ao mais suave.

De outro lado, determina a transferência de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso quando o condenado demonstrar inadaptação ao menos severo, pela regressão, que ocorre nas hipóteses do art. 118 da LEP.

23 Por exemplo: Se for condenado por roubo, a pena de cinco anos e quatro meses, regime fechado. A prescrição será de 12 anos, conforme o art. 109, inciso III, do Código Penal. Sendo preso, inida-se a pena. O sentendado cumpre um ano e quatro meses e foge, havendo, portanto, a interrupção da execução, e o cálculo prescridonal será pelo restante da pena, ou seja, de acordo com o art. 109, IV, do Código Penal, será de oito anos.

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Jv

174 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.4 Quadro geral de penas

RECLUSÃO -* FECHADO

SEMI-ABERTO

ABERTO

-> Obrigatoriamente quando a pena for superior a oito anos, mesmo que o réu não seja reincidente.

Reincidente, independentemente do quantum da pena.

O juiz poderá fixar se a pena for su­perior a quatro anos e inferior a oito anos, desde que não seja rein­cidente, pois, nesses casos, confor­me já visto, o regime inicial será o fechado.

A critério do ju iz , mesmo que a pena seja inferior ou igual a quatro anos.

-> Poderá, desde que não seja reinci­dente e a pena tenha sido igual ou inferior a quatro anos.

como in ício do cumprimento de uma pena de detenção ou prisão simples. No caso, porém, de deten­ção, haverá a possibilidade de, no decorrer da execução, ocorrer a re­gressão ao regime fechado.

ABERTO

perior a quatro anos, mesmo que o réu não seja reincidente.

Se o sentenciado for reincidente.

-> Poderá, desde que não seja reinci­dente - a critério do juiz.

Há três tipos de penas privativas de liberdade, e para cada um deles o Código Penal e a LEP prevêm um regime inicial de cumprimento de pena:

• reclusão: o regime inicial pode ser fechado, semi-aberto ou aberto;

• detenção: o regime inicial pode ser semi-aberto ou aberto;

• prisão simples refere-se às contravenções. O regime inicial pode ser semi-aberto ou aberto (art. 6- da LCP).

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ne 7.210/84 175

Ressalte-se que o Juiz poderá, analisando as condições judiciais (art. 59 do Código Penal), determinar qualquer dos regimes permitidos e previstos no art. 33, § 3e, c.c. art. 59 do Código Penal. A lei determina que o Juiz poderá estabelecer qualquer dos regimes iniciais da pena, inclusive se for mais rigo­roso. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, afirmando que

“não se tratando de pena superior a oito anos (art. 33, § 2-, letra a, doC ° i m p n p i ^ n m d r T i i ~ . ^ i n i t i i m - d c _ f u n d a m c n t q

ção adequada em face do que dispõem as alíneas b, c ed do mesmo pa­rágrafo (2Q) e também o § 3e c/c art. 59 do mesmo diploma”.24

A gravidade em abstrato do crime praticado não pode servir de motiva­ção para a aplicação de regime mais rigoroso que o previsto pela pena aplica­da. A fundamentação judicial deverá ser adequada e baseada em circunstân­cias específicas do fato. A gravidade em abstrato já está traduzida pelo legislador no quantum penal fixado pela lei. A fixação do regime de pena re­fere-se ao fato concretamente praticado.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou as seguintes súmulas:Súmula 718: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do

crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais seve­ro do que o permitido segundo a pena aplicada.”

Súmula 719: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.”

7.5 Regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade

O regime inicial do cumprimento da pena será determinado pelo Juiz que efetuar a condenação, de acordo com as regras do art. 33 do CP, haven­do três tipos de regimes de cumprimento da pena: fechado, semi-aberto e aberto.

8 REGIME FECHADO

Regime fechado é aquele onde a pena é cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, § l e, a e § 2- c.c. art. 34 do Código Penal e, ainda, arts. 87 a 90 da LEP), nas chamadas penitenciárias.

24 STF, Ia T. - HC na 72.589-9, Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I,18 ago. 1995, p. 24.898. No mesmo sentido: TACRIM-SP, HC n9 14.948/1, Rel. Juiz Brenno Marcondes.

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176 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O regime fechado caracteriza-se pela limitação das atividades em co­mum dos presos e por maior controle e vigilância sobre eles. Devem cumprir pena nesse regime os presos de periculosidade extrema, assim considerados na valoração de fatores objetivos: quantidade de crimes, penas elevadas no período inicial de cumprimento, presos reincidentes.

A LEP adota a regra da cela individual, com requisitos básicos quanto à salubridade e área mínima. Por isso, determina que, na penitenciária, a cela individual deve conter dormitório, aparelho sanitário e lavatório, tendo como requisitos básicos os previstos pelo art. 88 da LEP.

Assim, as penitenciárias destinam-se aos condenados, definitivamente, desde que sejam condenados a penas de reclusão em regime fechado.

8.1 Requisitos para cumprimento da pena privativa de liberdade em penitenciária

São requisitos necessários para o cumprimento de pena privativa de li­berdade nas penitenciárias: condenação definitiva (trânsito em julgado); penas de reclusão; fixação na sentença do regime fechado.

Note-se que a fixação na sentença do regime fechado tanto pode ser obrigatória quanto facultativa, dependendo da presença de certos requisitos legais.

O regime inicial fechado é obrigatório ao sentenciados apenados com re­clusão, em duas hipóteses:

• quando a pena aplicada no processo de conhecimento for superior a oito anos, mesmo que o réu não seja reincidente;

• qualquer que seja a pena aplicada no processo de conhecimento, quando o sentenciado for reincidente.

O regime inicial fechado é facultativo aos sentenciados apenados com reclusão, quando o Juiz entender pela necessidade de fixá-lo na sentença, ao analisar as condições judiciais do art. 59, caput do Código Penal.

Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “o regime inicial de cumprimento da pena de detenção deve ser o aberto ou semi-aberto, admiti­do o regime fechado apenas em caso de regressão”.25

9 REGIME SEMI-ABERTO

Há condenados a penas de média ou curta duração que têm, desde logo, aptidão para o regime semi-aberto, sendo desnecessário seu recolhimento

25 STJ, 6* T. - HC na 422/MT, Rel. Min. Costa Leite - Ementário STJ, 04/258.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ng 7.210/84 1 7 7

inicial em regime fechado. No regime semi-aberto, a pena é cumprida em co­lônia agrícola, industrial ou similar (art. 91 da LEP).

No regime semi-aberto, a preocupação com a segurança é menor do que a prevista nas penitenciárias, fundando-se, principalmente, na capacidade de senso de responsabilidade do condenado, estimulado e valorizado, que o leva a cumprir com os deveres próprios de seu status, em especial, o de trabalhar, submeter-se à disciplina e não fugir.

A prisão semi-aberta deve estar subordinada apenas a um mínimo de se­gurança e vigilância. Nela, os presos devem movimentar-se com relativa li­berdade, a guarda do presídio não deve estar armada, a vigilância deve ser discreta e o sentido de responsabilidade do preso enfatizado.

Como exceção à regra básica das celas individuais, prevê a lei que o re­gime semi-aberto possa ser cumprido, facultativamente, em compartimento coletivo para o alojamento dos condenados.

O legislador prevê que, em face da menor periculosidade dos sentencia­dos ao regime semi-aberto, não há necessidade das precauções exageradas (cela única) de segurança quanto ao homossexualismo ou a violência sexual própria dos presos de periculosidade elevada.

9.1 Fixação inicial do regime semi-aberto

Aos sentenciados apenados com reclusão, o Juiz poderá estabelecer como regime inicial de cumprimento de pena o semi-aberto, nas seguintes hi­póteses:

• sentenciado não seja reincidente e a pena seja igual ou inferior a oito anos;

• a critério do Juiz (arts. 33, § 39, e 59 CP), mesmo que a pena seja in­ferior ou igual a quatro anos.

Nas hipóteses de condenação à detenção ou prisão simples, o regime se­mi-aberto deverá ser fixado, obrigatoriamente, nos seguintes casos:

• sentenciado reincidente, independentemente do quantum da pena;

• pena privativa de liberdade superior a quatro anos, independente­mente da reincidência ou não.

Poderá, ainda, ser fixado de forma facultativa, a critério do Juiz (arts. 33, § 32, e 59 CP), mesmo que a pena seja igual ou inferior a quatro anos.

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178 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

10 REGIME ABERTO

Determina o art. 93 que a Casa de Albergado se destina ao cumprimen­to da pena privativa de liberdade, em regime aberto. A denominação de Casa do Albergado (ou seja, prisão albergue), para designar o estabelecimento destinado ao condenado em regime aberto, é uma expressão feliz porque se refere a uma simples prisão noturna, sem obstáculos materiais ou físicos contra a fuga. A segurança em tal estabelecimento resume-se no senso de responsabilidade do condenado. A prisão albergue constitui-se em uma mo­dalidade ou espécie do gênero prisão aberta, ou prisão noturna ou “semili- berdade”.

Nos termos legais, o regime aberto funda-se na autodisciplina e sensode responsabilidade do condenado (art. 36, caput, do CP). Este deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período no­turno e nos dias de folga (art. 36, § l e do CP).

Em síntese, é o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade > no qual o condenado trabalha, estuda ou dedica-se a outras atividades lícitas

fora do estabelecimento, durante o dia, sem escolta ou vigilância, e se reco- lhe à Casa do Albergado à noite e nos dias em que não deva exercer tais mis-

1'; teres.

10.1 Fixação inicial do regime aberto

A lei não prevê nenhuma hipótese em que, obrigatoriamente, deva ser fixado o regime aberto como inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade. O regime aberto, porém, poderá ser fixado facultativamente, em algumas hipóteses:

• sentenciado condenado a pena de reclusão, desde que não reinciden­te, e sua pena seja igual ou inferior a quatro anos;

• sentenciado condenado a pena de detenção ou prisão simples, desde que não seja reincidente, e sua pena seja igual ou inferior a quatro anos.

11 QUESTÕES RELEVANTES SOBRE OS REGIMES DE CUMPRIMENTO DA PENA

Importante salientar algumas regras na fixação inicial dos regimes de pena e em sua executoriedade:

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N g 7.210/84 179

• nos crimes hediondos e no tráfico de entorpecentes, como tratado no capítulo destinado ao estudo da Lei dos Crimes Hediondos, o regime inicial sempre deverá ser o fechado;

• não existe regime fechado na detenção, como inicial do cumprimento da pena, porém, por meio de regressão, o sentenciado a pena de de­tenção poderá passar a cumprir sua pena privativa de liberdade no regime fechado;

• não existe regime fechado na pena de prisão simples, como inicial do cumprimento da pena, e nunca, nem mesmo por regressão, poderá o condenado a prisão simples passar a cumpri-la em regime fechado. Além disto, o condenado à pena de prisão simples fica sempre separa­do dos condenados à pena de reclusão ou de detenção (art. 6e, § 1Q da LCP);

• mesmo que o Juiz do processo de conhecimento dê ao sentenciado a suspensão condicional da pena (sursis), deverá fixar o regime inicial de cumprimento de pena, para o caso de revogação do sursis;

*

• na hipótese de várias penas impostas em um mesmo ou em processos diversos, deve ser obedecida, em decorrência do sistema progressivo adotado na execução, à precedência das penas mais graves (da reclu­são sobre a detenção e desta sobre a prisão simples) tal como indicam o art. 69, caput, 2- parte do CP, respeitante ao concurso material, o art. 76 do mesmo estatuto, que se refere genericamente ao concurso de infração, e o art. 681 do CPP, que alude à imposição cumulativa de penas privativas de liberdade. Assim, recolhido o condenado ao es­tabelecimento penal, devem ser executadas as penas na ordem de­crescente de gravidade, independentemente das datas de recebimen­to, das respectivas guias de recolhimento pelo juiz da execução, e nessa ordem deve ser elaborado o cálculo de liquidação destinado à retificação dos documentos;

• na hipótese de existirem para ser cumpridas duas ou mais penas da mesma espécie (reclusão, ou detenção, ou prisão simples), a prece­dência deve ser determinada pelo critério cronológico, de acordo com as datas do trânsito em julgado de cada sentença, pois é a partir des­se momento que a pena se toma passível de ser executada e não das datas da expedição ou recebimento da guia de recolhimento. Não se pode deixar a ordem de precedência na execução da pena ao sabor da maior ou menor celeridade nos trâmites burocráticos referentes a expedição ou entrega da guia de recolhimento;

• a quantidade da pena, por si só, não determina o regime prisional. Na verdade, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena,

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

conforme analisado, far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 do CP, nos termos do art. 33, § 3Q, do CP;26

• possibilidade excepcional de o juiz conceder o regime aberto ao sen­tenciado a reclusão mesmo que reincidente, desde que a condenação anterior seja a pena de multa. Assim, a regra geral é a fixação do re­gime fechado como inicial de cumprimento de pena ao sentenciado reincidente condenado a pena de reclusão. O STF (RT 651/360), po­rém, permitiu que, embora reincidente, o sentenciado anteriormente condenado a pena de multa pudesse iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, desde que sua pena fosse inferior ou igual a quatro anos. O Pretório Excelso fundamentou sua decisão no art. 77, § 1- do Código Penal, que permite a concessão de sursis ao sentenciado que, embora reincidente, foi condenado anteriormente apenas à pena de multa.

12 DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

A Lei nQ 10.792/03 alterou diversos artigos da lei de execução penal, dentre eles o art. 52, criando o regime disciplinar diferenciado a que poderá ser submetido o preso provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, em três circunstâncias:

1-) em caso de prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina interna do estabelecimento prisio­nal, independentemente da sanção penal cabível;

2-) quando o preso apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;

3~) quando recaiam sobre o preso fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Nos termos do art. 54 da LEP, com as alterações da Lei ne 10.792/03, o regime disciplinar diferenciado somente poderá ser aplicado ao preso por de­cisão fundamentada do juiz competente que é o juiz das execuções penais, a partir de requerimento circunstanciado do diretor do estabelecimento ou ou­tra autoridade administrativa, sendo precedida de manifestação do Ministé­rio Público e da defesa, devendo ser prolatada no prazo máximo de 15 dias.

26 RJTJSP 96/420. Nesse sentido, entendendo a necessidade de fixação do regime fe­chado pelo juiz, em face dos critérios do art. 59 do Código Penal, para o caso de roubo: RDJ 08/141; 10/119.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N° 7.210/84

Desta decisão caberá o recurso de agravo, nos termos do art. 197 da LEP. Também poderá ser usado o habeas corpus em caso de ilegalidade de sua aplicação, já que se trata de restrição à liberdade do preso.

A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do preso faltoso pelo prazo de até 10 dias (art. 60 da LEP), aguardando a deci­são judicial sobre o regime disciplinar diferenciado.

O regime disciplinar diferenciado tem as seguintes características, nos termos do art. 52 da LEP, com as alterações da referida Lei ne 10.792/03:

I a) duração máxima de 360 dias, podendo ser novamente aplicado por ; igual prazo em caso de prática de nova falta grave, até o limite de

um sexto da pena aplicada;2a) recolhimento em cela individual;3a) visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com dura­

ção de duas horas;

4a) saída da cela para banho de sol por duas horas diárias.

Os Estados e o Distrito Federal poderão regulamentar o regime discipli­nar diferenciado (art. 5Q da Lei ne 10.792/03), estabelecendo regras pára seu cumprimento, desde que não colidam com a legislação federal.

De todo o exposto, notamos que o regime disciplinar diferenciado não se trata de um novo regime de cumprimento da pena, mas sim de uma san­ção administrativa disciplinar do preso em determinadas circunstâncias pre­vistas na lei. A gravidade da sanção administrativa, ante suas importantes restrições à liberdade do preso, fez com que o legislador a colocasse entre as decisões judiciais, cercada das garantias necessárias ao devido processo legal.

13 REGIMES E SOMA DE PENAS

Há duas regras básicas, definidas pelo art. 111 da LEP, para quando o sentenciado sofrer mais de uma condenação, seja no mesmo processo, seja em processos distintos.

Por força do art. 59, inciso III, do Código Penal, o regime inicial do cumprimento das penas privativas de liberdade é determinado pelo Juiz da sentença, que deve obedecer aos parâmetros impostos no art. 33, §§ 2- e 3e do mesmo Estatuto.

13.1 No mesmo processo

Pode ocorrer que, no processo, seja imputada ao acusado a prática de mais de um crime e, nessa hipótese, o Juiz deve tomar por base, para a fixa­ção do regime penitenciário, a soma das penas impostas. O total será a dire­

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

triz para a determinação do regime. Se todas as penas são de detenção, o re­gime inicial será o semi-aberto ou aberto, mas se houver uma de reclusão, poderá ser determinado o regime fechado. Além disso, se a soma ultrapassar quatro anos, não poderá ser imposto o regime aberto, seja qual for a espécie da pena privativa de liberdade (reclusão/detenção), e, se superar oito anos, com uma delas ao menos de reclusão, deve ser determinado o regime fechado.

13.2 Em processos diversos

Pode ocorrer, também, que, após o início da execução, sejam proferidas novas condenações contra o preso. Impostas novas penas, são elas somadas a fim de ser determinado o regime de cumprimento daí por diante. Por exem­plo: na primeira condenação, o sentenciado foi condenado ao cumprimento de quatro anos de reclusão, inicialmente, em regime aberto. Cumpriu um ano, faltariam três anos em regime aberto. Na segunda condenação, durante o cumprimento da primeira, o sentenciado é condenado ao cumprimento de seis anos de reclusão, em regime semi-aberto (não houve reincidência técni­ca). O Juiz de Execuções, ao fazer o chamado cálculo de liquidação de penas, somará as duas penas, pois o sentenciado deverá cumprir nove anos de reclu­são, e determinará o regime fechado. Ressalte-se a importância da realização desse cálculo, pois nele se baseiam as progressões de regime, livramentos condicionais etc.

14 UNIFICAÇÃO DE PENAS

De acordo com o art. 70, 2- parte do Código Penal, havendo duas ou mais condenações contra uma pessoa, deverá ser feita a unificação das penas quando ocorrer a existência de concurso de crimes, ou seja, na hipótese de concurso formal próprio (art. 70,1- parte) e crime continuado (art. 71).

Assim, se os diversos crimes (que ocorreram em concurso formal ou cri­me continuado) tiverem sido julgados em processos diversos, caberá ao Juiz das Execuções operar a unificação, aplicadas as regras dos arts. 70 e 71 do Código Penal. Operada a unificação pelo juiz encarregado da execução, será determinado o regime inicial de cumprimento com base no novo total das penas a serem executadas. Impõe-se, assim, novo cálculo de liquidação de penas e a retificação da guia de recolhimento.

A progressão e todos os demais benefícios da LEP serão concedidos ten­do por base o total obtido com a unificação.

Assim, por exemplo, o réu cometeu no dia l s de março um furto em Assis, em 3 de março outro filrto em Cândido Mota, e em 4 de março mais

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N g 7.210/84 1 8 3

um em Ourinhos. Em todos, utilizou-se das mesmas condições de execução, inclusive pelo fato de destruição de obstáculo (furto de toca-fitas, com que­bra do vidro lateral do veículo). Foi processado em cada uma das Comarcas por furto qualificado, e condenado em todas à pena de dois anos de reclusão, em regime aberto. Na Execução da pena, teria a cumprir seis anos, em regime semi-aberto, a ser fixado pelo Juiz de Execuções. Porém, ex officio, a pedido do Ministério Público ou do próprio sentenciado, o Juiz instaurará incidente de unificação de pena, para reconhecer se, no caso, houve as características do crime continuado, fixando nova pena global de dois anos, mais o aumento de 1/6 a 2/3 (art. 71), por exemplo, em três anos, a serem cumpridos, inicial­mente, em regime aberto.

14.1 Critério para a unificação de penas no limite de 30 anos

A previsão do Código Penal, em seu art. 75, de que o tempo de cumpri­mento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 .anos não impede a fixação in concreto de uma pena superior a esse limite.

Dessa forma, a limitação temporal (30 anos) somente se refere ao quan- tum de cumprimento de pena privativa de liberdade, não se aplicando à fixa­ção da pena, e tampouco devendo ser levado em conta para o cálculo da pro­gressão de regimes, livramento condicional e outros incidentes ocorridos durante a execução da pena.

Assim, como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal,

“a Constituição Federal, art. 59, XLVII, b, não admitindo pena de caráter perpétuo, possibilita que o condenado, por exemplo, a mais de cem (100) anos de reclusão possa, por unificação, reduzi-la a trinta (30) anos. Porém, o limite máximo de trinta (30) anos de reclusão, resultan­te de unificação das penas, não assegura ao condenado o direito a pro­gressão, a liberdade condicional ou qualquer outro instituto, tipo remi- ção, comutação etc. (precedentes STF, HC 66.212.9-SP, DJ 16-2-90, Rel. Min. Néri da Silveira; HC 65.522.0, DJ 11-12-87, Rel. Min. Sydney San- ches; STJ, HC 194-SP, DJ 18-6-90, Rel. Min. José Cândido). Institutos estes que serão regulados pela pena total. Condenado, por responder a dezesseis processos, à pena de cento e oito anos de reclusão. Unificação das penas no limite máximo de trinta anos de reclusão. Desse limite não resulta qualquer outro efeito, ao condenado, como direito a progressão, a liberdade condicional ou qualquer outro instituto”.27

27 STF, 2- T. - HC n2 69.161-7/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 12 mar. 1993, p. 3.560. No mesmo sentido: STJ, 5a T. - RHC na 2.162-0/SP, Rel. Min. Edson Vidigal - Ementário STJ, 07/749.

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184 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 715, nestes termos:

“A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumpri­mento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.”

Ressalte-se, porém, que, sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, levando-se em con­ta todos os requisitos caracterizadores de cúmulo material ou dos acréscimos de pena decorrente do concurso formal ou crime continuado,28 reiniciando-se o prazo.29

15 PROGRESSÃO DE REGIMES

A progressão pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo advogado, pelo próprio sentenciado, ou pelo Juiz ex officio.

Conforme foi anteriormente estudado, a finalidade do sistema inglês ou progressivo é de reintegrar o sentenciado, gradativamente, ao convívio so­cial. O art. 112 da LEP estabelece a progressão, ou seja, a transferência do condenado de regime mais rigoroso a outro menos rigoroso quando demons­tra condições de adaptação ao mais suave. A progressão deve ser estabeleci­da por etapas, já que, nas penas de longa duração, a realidade ensina que se deve agir com prudência para não permitir que o condenado salte do regime fechado para o aberto. Por essa razão, a lei vigente toma obrigatória a passa­gem pelo regime intermediário (semi-aberto). Essa obrigatoriedade vem pre­vista no art. 112, que se refere à transferência para regime menos rigoroso, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime ante­rior. Ressalte-se, que, inclusive, na exposição de motivos da Lei de Execução Penal, afirma-se que “se o condenado estiver no regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto” (item 120), pressupondo a progressão o cumprimento mínimo da pena no “regime inicial ou anterior” (item 119).30

A progressão de regimes somente poderá ocorrer durante o cumprimen­to da pena, ou seja, durante a execução penal, que somente se inicia com o trânsito em julgado da sentença condenatória e com a prisão do sentenciado.

28 STF, 2® T. - HC n2 69.357-1-SP, Rel. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção1,12 fev. 1993, p. 1.452; STF, 2a T. - HC nfi 69.059-9-SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 25 fev. 1992, p. 3.559.

29 STJ, 6* T. - RHC n2 3.808-0, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro, Diário da Justiça, Se­ção I, 19 dez. 1994, p. 35.330.

30 Nesse sentido: MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 5. ed. São Paulo: Atias, 1992. p. 283. O autor cita farta jurisprudência: JSTJ 3/183; RT 605/411, 610/338 entre outras.

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Dessa forma, não se admite, em regra, que o preso provisório possa pro­gredir de regime, pois isso acarretaria desrespeito ao princípio da presunção de inocência, uma vez que a prisão provisória não é uma antecipação do cumprimento de pena. Nesse sentido manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, afirmando que

“o princípio da presunção de inocência, preexistente à Constituição de 1988, todavia, formalmente por ela proclamado, impede a execução provisória da sentença penal. Impõe-se ocorrência da coisa julgada. Àté então, inexiste sentença firme, como escrevem os autores da língua es­panhola. Não se esgotou, pois, a plenitude do exercício do direito de de­fesa. Viável somente prisão cautelar ou processual”.31

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal reconhece, por exceção, a pos­sibilidade de progressão provisória de regime prisional, desde que transitada em julgado para a acusação a sentença condenatória e presentes os requisitos para a progressão, inclusive o exame criminológico, por entender que a ma­nutenção da privação total da liberdade do sentenciado, quando possível, se­ria a progressão se já houvesse o trânsito em julgado, e encerraria situação maléfica ao réu.32

A questão da progressão de regime, enquanto não transitada em julgado a sentença, foi tratada pelo STF através das Súmulas 716 e 717, nos seguin­tes termos:

Súmula 716: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.”

15.1 Impossibilidade de progressão em saltos (regime fechado para regime aberto)

O sentenciado que, preenchendo todos os requisitos previstos para a progressão do regime fechado para o semi-aberto, não puder efetivá-la por ausência de vagas em colônias penais agrícolas, industriais ou similares, de­verá aguardar no regime fechado, se possível em cela especial, a abertura de

31 STJ, 6* T. - HC na 1.714-5/RJ, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 7 jun. 1993, p. 11.273. No mesmo sentido: STJ, 5a T. - HC na 2.456-6/SP, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção I, I a mar. 1993, p. 2.526.

32 STF, 2a T. - HC na 68.572, Rel. Min. Néri da Silveira - Lex 159/263; STF, 1* T. - HC na 72.565-1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 5 maio 1995, p.11.905. No mesmo sentido: STJ, 6a T. - RHC na 3.647-8/RJ, Rel. Min. Pedro Acioli, Ementário STJ, 10/675.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

vagas, uma vez que a inércia do Estado em resolver o problema carcerário não poderá permitir a concessão indiscriminada de progressões do regime fe­chado diretamente ao regime aberto (progressão por saltos). Note-se que, nessa hipótese, o prazo que aguardar a vaga no regime semi-aberto já será computado para fins de nova progressão futuramente para o regime aberto.33 Assim, diversa será a situação do sentenciado que, obtendo a progressão para o regime semi-aberto, permaneceu no regime fechado por ausência de vagas. Nessa permanência, transcorreu, novamente, o prazo de 1/6 da pena restan­te e, presentes os requisitos necessários à nova progressão, obteve-a para o regime aberto. Nessa hipótese, nada impedirá que seja remetido à casa de al­bergado.34

Ressalte-se, porém, que a jurisprudência dominante no Superior Tribu­nal de Justiça entende que, se o Estado condena ou progride alguém a deter­minado regime, e não promove os meios para realizá-lo, não pode submeter o condenado a regime mais grave, pois a falta de estabelecimento carcerário adequado ao cumprimento de penas é problema do Estado e não do senten­ciado que estaria, ilegalmente, sofrendo um constrangimento.35 Dessa forma, o sentenciado deveria ser progredido ao regime aberto.36

15.2 Requisitos para a progressão

A Lei de Execuções Penais prevê alguns requisitos objetivos e subjetivos para a ocorrência de progressão nos regimes de cumprimento da pena priva­tiva de liberdade,37 sendo que todos devem ser rigorosamente observados:38

33 JSTJ 3/138; RT 633/365, 645/283, 648/282, 649/270 e JTACrSP 85/174.34 STJ, 6a T. - REsp ne 434/SP, Rel. Min. Costa Leite - Ementário STJ, 01/494.35 STJ, 6- T. - RHC nfi 2.238-7/RS, Rel. Min. José Cândido, Diário da Justiça, Seção I,

29 mar. 1993, p. 5.267; STJ, 6a T. - RHC na 1.731/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, Diário da Justiça, Seção I, 8 mar. 1993, p. 3.137; STJ, 5a T. - RHC na 2.443-8/SP, Rel. Min. Edson Vidi­gal, Diário da Justiça, Seção I, 10 fev. 1993, p. 3.823; STJ, 6a T. - RHC ns 2.641-1/RS, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 14 jun. 1993, p. 11.791; STJ, 6a T. - RHC na 2.779-7/RS, Rel. Min. Anselmo Santiago, Diário da Justiça, Seção I, 13 dez. 1993, p. 27.488.

36 Em sentido contrário à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça: “A alegação de falta de instituição para cumprimento da pena no regime semi-aberto, não au­toriza ao magistrado a oportunidade de conceder regime aberto ou prisão albergue domiciliar, ao sentenciado que se encontra cumprindo pena em regime fechado. A evolução do regime prisional fechado há que ser, obrigatoriamente, para o regime semi-aberto, conforme gradação estabelecida no art. 33, § l s do Código Penal” (STJ, 5a T. - REsp na 447/SP, Rel. Min. Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 02/220).

37 Neste mesmo sentido: “A progressão do condenado de um regime para outro me­nos rigoroso implica no exame de requisitos objetivos e subjetivos e, via de conseqüência, na produção de provas, o que não é possível fazer-se no procedimento sumário do habeas corpus” (STJ, 5® T. - HC na 468/SP, Rel. Min. Costa Lima, Ementário STJ, 04/592).

38 STJ, 6* T. - HC nfi 2.477-0/SP, Rel. Min. Pedro Acioli, Ementário STJ, 11/272; STJ, 6a T. - REsp n2 41.742-2/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro, Ementário STJ, 11/671.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ng 7.210/84 1 8 7

• requisito temporal: cumprimento de no mínimo 1/6 da pena no regi­me anterior;

• mérito do sentenciado;

• parecer da comissão técnica de classificação;

• oitiva do Ministério Público.

15.2.1 Requisito temporal

O primeiro requisito exigido para que haja possibilidade de progressão diz respeito ao tempo de pena cumprida. Assim, para pleitear progressão a um regime mais brando, o sentenciado deve cumprir, no mínimo, 1/6 da pena imposta ou do total das penas impostas, no caso de unificação de penas.

Igualmente, se o sentenciado cumpriu 1/6 da pena e, presentes os de­mais requisitos, obteve a progressão do regime fechado para o semi-aberto, para que possa progredir para o aberto deverá, novamente, cumprir o requi­sito temporal. O novo cumprimento de 1/6 da pena, porém, refere-se ao res­tante da pena e não da pena inicialmente fixada na sentença.39 Ó mesmo ocorrerá em relação a uma eventual regressão. Para que possa pleitear nova progressão, deverá cumprir 1/6 do restante da pena aplicada.

15.2.2 Mérito do sentenciado

A obtenção da progressão exige a cofnprovação de mérito do sentencia­do,40 que deverá ser avaliado com base em seu comportamento carcerário durante a execução da pena.41 Assim, enquanto a colaboração nos trabalhos internos, o respeito à hierarquia e disciplina da administração do presídio, o respeito aos funcionários e demais presos constituem elementos positivos para a análise do mérito do sentenciado, a tentativa de fuga, rebeliões e de­mais faltas disciplinares demonstram a presença de demérito, caractere im- possibilitador da progressão para um regime mais brando de cumprimento de pena.

15.2.3 Parecer da comissão técnica de classificação

A comissão técnica de classificação, nos termos do art. 62 da LEP, com­pete o programa individualizador e o acompanhamento da execução da

39 STJ, 6* T. - RHC n2 2.050-0/G0, Rel. Min. Vicente Cemicchiaro, Ementário STJ,06/657.

40 STJ, 5* T. - RHC n° 1.621-0/RJ, Rel. Min. Costa Lima, Ementário STJ, 05/613;STJ, 5a T. - HC n2 950-0/SP, Rel. Min. Costa Lima, Ementário STJ, 05/634.

41 STJ, 6a T. - HC n2 2.477-0/SP, Rel. Min. Pedro Adoli, Ementário STJ, 11/272.

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pena, devendo oferecer parecer ao juízo de execução sobre a possibilidade ou não da progressão de regime.42

15.2.4 Realização de exame criminológico

Com a nova redação dada ao art. 112 da LEP pela Lei nQ 10.792/03, não é mais necessária a realização de exame criminológico para a progressão do regime. Entretanto, continua sendo devida a análise sobre o mérito do sen­tenciado para a concessão do benefício, conforme expusemos anteriormente.

15.2.5 Oitiva do ministério público

O Ministério Público deve sempre ser ouvido,43 sob pena de nulidade absoluta, quando da progressão do sentenciado, pois, como ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça, “tratando-se de processo executivo, ou de inci­dente de execução, é ampla a sua atuação fiscalizadora”.44

A progressão de regime prisional que for autorizada sem prévia mani­festação do Ministério Público toma nula a decisão, por claro desrespeito ao art. 67 da LEP,45 pois o Parquet atua com função dúplice na execução penal, tanto como titular do ius puniendi, representando o Estado e buscando a efe­tivação da sanção obtida no processo de conhecimento, quanto na função de custos legis, fiscalizando o respeito à lei durante toda a execução da pena.

16 REQUISITOS ESPECIAIS PARA A PROGRESSÃO DO REGIME SEMI-ABERTO PARA O ABERTO

Além dos requisitos subjetivos e objetivos genéricos para a progressão de regime, a LEP exige requisitos específicos para o progresso do regime se- mi-aberto para o aberto, podendo o juiz suspender os efeitos do regime aber­to, quando o condenado deixar de cumprir as condições que lhe foram im­postas, praticando a falta grave prevista no art. 50, V, da Lei ne 7.210/84.46 Dessa forma, são exigidos os seguintes requisitos:

• aceitação do programa e das condições gerais impostas pelo juiz;

• aceitação das condições especiais fixadas pelo juiz;

42 STJ, 6a T. - HC na 2.832-5/RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago, Ementário STJ, 13/621.43 STJ, 5a T. - RHC n9 1.621-0/RJ, Rel. Min. Costa Lima - Ementário STJ, 05/613.44 STJ, 6a T. - REsp nB 659/SP, Rel. Min. José Cândido - Ementário STJ, 02/556.45 RJTJESP135/483.46 STJ, 6a T. - RHC na 473/SP, Rel. Min. Carlos Thibau - Ementário STJ 04/262.

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• comprovação de trabalho ou da possibilidade de fazê-lo imediata­mente;

• compatibilidade do sentenciado com o regime aberto.

16.1 Aceitação do programa e das condições gerais impostas pelo juiz

O sentenciado que estiver cumprindo sua pena no regime semi-aberto deverá aceitar o programa e as condições gerais impostas pelo juiz para pro­gredir ao regime aberto da prisão albergue.

O programa previsto no art. 113 da LEP é o estabelecido na própria le­gislação federal ou local para a prisão albergue (por exemplo: horário de en­trada e saída, regras internas etc.)

O art. 115, I a IV, da LEP apresenta as condições gerais e obrigatórias para o sentenciado que desejar cumprir sua pena no regime aberto.

As condições gerais referem-se à permanência do condenado no local que lhe for designado durante o repouso e dias de folga, à obediência a horá­rios, à proibição de ausentar-se sem autorização judicial e ao comparecimen- to ao Juízo quando for determinado, mais as que forem estabelecidas pela lei local, como, por exemplo, o de não abandonar ou dar causa à demissão do emprego etc.

16.2 Aceitação das condições especiais fixadas pelo juiz

Além das condições gerais previstas no item anterior, o Juiz poderá fi­xar, facultativamente, outras condições, levando em conta a natureza do de­lito e as condições pessoais de seu autor. Essas condições não poderão limitar os direitos e garantias constitucionais, e tampouco ferir a dignidade humana, devendo circunscrever nos permissivos legais ou da própria sentença, e sem­pre em total consonância com as finalidades da pena e com as condições pes­soais do sentenciado.

16.3 Comprovação de trabalho ou da possibilidade de fazê-lo imediatamente

Não basta, para a satisfação desse requisito, que o condenado tenha ap­tidão física para o trabalho, mas se exige a comprovação de que tenha oferta idônea de emprego. Não o preenche aquele que não demonstra a concreta

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possibilidade de imediata obtenção de emprego, sendo insuficiente seu sim­ples compromisso de comprovar futuramente sua colocação profissional como empregado ou autônomo. Na prática, ocorre a apresentação por parte do sentenciado de proposta de emprego.

Não pode obter o benefício da prisão albergue o estrangeiro se, por for­ça dessa situação, não pode exercer atividade laborai remunerada fora do es­tabelecimento carcerário, requisito essencial para o cumprimento da pena em regime aberto.47

16.4 Compatibilidade do sentenciado com o regime aberto

Conforme dispõe o art. 114, II, da LEP, caso o condenado já tenha sido submetido a exames de personalidade, deve-se verificar se deles surgem indí­cios de que o condenado irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de respon­sabilidade, ao novo regime; caso contrário, esses indícios devem ser exami­nados com base em outros dados, inclusive antecedentes.

17 CARACTERÍSTICAS DA PROGRESSÃO DE REGIME

A concessão ou denegação da transferência para o regime menos rigoro­so é medida jurisdicional, já que importa na modificação da forma de execu­ção da pena. Dessa forma, e em virtüde do princípio da fundamentação das decisões judiciais, o Juiz das Execuções deve fundamentar a concessão ou não da progressão, em face dos requisitos legais.

A progressão não é um direito do condenado por ter cumprido parte da pena no regime mais severo, mas depende principalmente de seu mérito e, além disso, no caso de prisão albergue, da compatibilidade com o regime, ou seja, da aptidão psicológica, da adequação temperamental e do senso de res­ponsabilidade e autodisciplina.

Não há possibilidade de progressão para os sentenciados pela Lei. nQ 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) em face do art. 2- em seu § I a, confor­me estudado no capítulo específico.

Relembre-se, como ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça, que

“a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte é no senti­do de ser a progressão ao regime semi-aberto incompatível com a situa­

47 STF, 1* T. - HC ns 727.206/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I, 21 nov. 1988, p. 30.227.

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ção do estrangeiro cujo cumprimento da ordem de expulsão esteja aguardando o término da pena privativa de liberdade por crimes prati­cados no Brasil”.48

Por fim, ressalte-se que a legislação penal ainda não estendeu o benefí­cio da prisão albergue aos condenados a Justiça Militar. Se o condenado, po­rém, estiver recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária, apli- ca-se-lhe a Lei de Execução Penal e, em conseqüência, a progressão para o regime aberto, diante do art. 2a, parágrafo único da LEP.

18 PR1SÃO-ALBERGUE DOMICILIAR

A LEP prevê, ainda, em seu art. 117, como forma de cumprimento de pena do regime aberto, a chamada prisão-albergue domiciliar. Assim, somen­te se admitirá o recolhimento do sentenciado que estiver cumprindo pena em regime aberto em sua residência particular, quando presente uma das hipóte­ses taxativamente previstas na lei.

As hipóteses de alcance da prisão-albergue domiciliar são as previstas nos quatro incisos do art. 117 da LEP: condenado maior de 70 anos; condena­do acometido de doença grave; condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; condenada gestante.

Ao prever a possibilidade de prisão-albergue domiciliar ao condenado maior de 70 anos, a lei presume menor periculosidade e as maiores dificulda­des desse sentenciado em suportar o rigor da pena. A idade a que se refere a lei é a do momento da execução, nada impedindo que, iniciado o cumpri­mento da pena em prisão-albergue, passe o condenado que completar 70 anos à prisão domiciliar.

A segunda hipótese de prisão-albergue domiciliar refere-se ao condena­do acometido de doença grave que já se encontre no regime aberto. A lei pre­sume que a exigência de longo tratamento ou, ainda, o fato de o rigor do cumprimento da pena agravar a situação do sentenciado, colocando sua vida em risco, possibilitam o cumprimento da pena em sua própria residência.

A terceira hipótese refere-se à condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental, protegendo a lei não a própria sentenciada, mas a criança ou o deficiente que necessita do amparo maternal. Note-se que, em face do art. 5a, I, da Constituição Federal (“homens e mulheres são iguais em direitos e obriga­ções, nos termos desta Constituição”), essa hipótese de prisão-albergue domici­liar também terá aplicabilidade ao sentenciado do sexo masculino, por apli­

48 STJ, 5a T. - HC n9 3.596-0/SP, Rel. Min. Assis Toledo - Ementário STJ, 14/231. No mesmo sentido: STJ, 5& T. - RHC n® 423/SP, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 2/214.

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cação analógica,49 desde que comprove a dependência do filho menor ou deficiente físico ou mental.

A quarta e última hipótese diz respeito à condenada gestante, e tem como finalidade proporcionar melhores condições de saúde e higiene duran­te o período de gestação e do parto. Obviamente, após o parto, a sentenciada continuará a fazer jus à prisão-albergue domiciliar, uma vez que se encontra­rá na situação anterior - condenada com filho menor.

A enumeração legal é taxativa e não exemplificativa, não podendo o julgador estender o alcance da prisão domiciliar a hipóteses não previstas na lei.

O fato de o condenado recolher-se em residência particular não significa que esteja dispensado das normas de conduta do regime. Restrições, obriga­ções e horários deverão ser observados pelo condenado, sob pena de revoga­ção do regime. Está ele também obrigado ao trabalho, a menos que suas con­dições de saúde ou encargos domésticos não o permitam, caso em que poderá ser dispensado da obrigação pelo juiz da execução.

18.1 Inexistência de casa de albergado e possibilidade de concessão de prisão-albergue domiciliar fora das hipóteses do art. 117 da LEP

Existem duas posições antagônicas nos Tribunais Superiores em relação à inexistência de casa de albergado e conseqüente possibilidade ou não de concessão de prisão-albergue domiciliar fora das hipóteses do art. 117 da LEP. O Supremo Tribunal Federal, que, em regra, analisa a questão em sede de habeas corpus interposto contra decisões dos Tribunais Estaduais ou Tri­bunais Regionais Federais (CF, art. 102, I, i), entende que as hipóteses do art. 117 da LEP são taxativas, não admitindo exceções.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já firmou posição de que a prisão-albergue domiciliar somente poderá ocorrer nos casos taxativamente previstos no art. 117 da LEP. Assim, afirmou o Tribunal que

“a pretensão de ver reconhecido o benefício de prisão domiciliar, porfalta de estabelecimento adequado ao seu cumprimento em regimeaberto, perde relevo perante a jurisprudência do Supremo Tribunal, nosentido de só admitir esse privilégio nas hipóteses autorizadas pelo art.117 da Lei n2 7.210-84”.50

49 STJ, 5a T. - RHC n9 3.347-9/RJ, Rel. Min. Assis Toledo - Ementário STJ, 09/677.50 STF, Ia T. - HC ns 73.207-1, Rel. Min. Octavio Gallottí, Diário da Justiça, Seção I,

17 out. 1995, p. 34.747. No mesmo sentido: RTJ 135/610.

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E ainda, “o Plenário desta Corte, ao julgar o Habeas Corpus n2 68.012, decidiu que nada justifica, fora das hipóteses taxativamente previstas na Lei de Execução Penal (art. 177), a concessão de prisão-albergue domiciliar, sob o fundamento de inexistência, no local de execução da pena, de Casa do Albergado ou de estabelecimento similar”.51

Diferentemente, para o Superior Tribunal de Justiça, a ausência de casa de albergado ou estabelecimento similar possibilita a concessão do be­nefício da prisão-albergue domiciliar, mesmo fora das hipóteses do art. 117 da LEP.52 Dessa forma, para o Superior Tribunal de Justiça, a prisão-albergue domiciliar é admitida não somente nas hipóteses do art. 117 da Lei de Execu­ções Penais, mas também na hipótese de o sentenciado, mesmo tendo direito ao regime aberto, estar impedido de exercê-lo por falta de local apropriado,53 uma vez que a omissão oficial do Poder Público, no sentido de construir ou adaptar casa para os albergados, não pode prejudicar o sentenciado,54 e tam­pouco impor-lhe a situação prejudicial de cumprir a pena em regime mais ri­goroso do que aquele que lhe é garantido pela legislação.55

Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, *

“não ofende a qualquer princípio jurídico a concessão do beneficio da prisão-albergue domiciliar se o Estado não está aparelhado para ofere­cer o estabelecimento prisional adequado, de sorte a poder-se observar, rigidamente, a progressão legalmente determináda”.56

Nossa posição é a primeira, uma vez que a Lei de Execuções Penais é absolutamente clara ao prever um rol taxativo para a concessão do benefício da prisão-albergue domiciliar. Não se justifica o desrespeito total à lei e ao cumprimento da pena, alegando-se a inércia do Poder Executivo em construir casas de albergado. O Estado deverá ser compelido pelos meios democráticos

51 RTJ 150/528. No mesmo sentido: STF, Ia T. - HC nfi 66.594-2/RJ, Rel. Min. Octá- vio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I, 7 out. 1988, p. 25.711; RTJ, 124/1.253 e RT 602/365.

52 STJ, 5- T. - REsp ne 1.249/SP, Rel. Min. Costa Lima - Ementário STJ, 01/168; STJ, 5a T. - REsp n2 400/SP, Rel. Min. Assis Toledo - Ementário STJ, 01/493; STJ, 6a T. - REsp ne 434/SP, Rel. Min. Costa Leite - Ementário STJ, 01/494.

53 STJ, 5a T. - REsp nfi 11/SP, Rel. Min. Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 02/218; STJ, 5a T. - REsp nfi 1.741/SP, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 02/219; STJ, 5a T. - REsp n2 31/SP, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 02/221; STJ, 6a T. - REsp na 45/SP, Rel. Min. Costa Leite - Ementário STJ, 02/458; STJ, 5a T. - RHC n2 3.533-1/RS, Rel. Min. Assis Toledo - Ementário STJ, 10/699.

54 STJ, 5a T. - REsp na 736/SP, Rel. Min. Costa Lima - Ementário STJ, 02/222; 5a T. - REsp n2 752/SP, Rel. Min. Edson Vidigal - Ementário STJ, 03/281; STJ, 5a T. - REsp nQ 732/SP, Rel. Min. Costa Lima - Ementário STJ, 03/282.

55 STJ, 5a T. - HC nB 4.207-0/SP, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 10/166.

56 STJ, 6a T. - REsp ns 438/SP, Rel. Min. William Patterson, Ementário STJ, 01/164.

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existentes a solucionar o problema carcerário, sem contudo comprometer a segurança da sociedade com a concessão indiscriminada de prisões-alber- gues domiciliares sem previsão legal.

Deve ser ressaltado, igualmente, que, se forem adotadas, sucessivamen­te, as posições mais liberais em relação à progressão por saltos, o sentencia­do condenado a regime fechado, pela prática de crime grave, poderá, com o cumprimento de 1/6 da pena, conseguir a progressão à prisão-albergue do­miciliar, com total descrédito da Justiça e insegurança de toda a sociedade. Isso poderia ocorrer desde que se entendesse que, à falta de colônia penal agrícola, industrial ou estabelecimento similar, o sentenciado teria direito à progressão direta ao regime aberto, e, uma vez inexistente a casa de alberga­do, teria direito à prisão-albergue domiciliar.57 Conforme destacamos tanto no item 14.1 quanto no presente, a lei não possibilita essa interpretação.58

19 REGRESSÃO DE REGIME

Regressão de regime é a transferência do condenado para qualquer dos regimes mais rigorosos, nas hipóteses previstas na lei. Ressalte-se que, dife­rentemente do que ocorre nas hipóteses de progressão, na regressão é possí­vel a transferência direta do regime aberto para o fechado, pois, além de ine- xistir vedação na LEP, o art. 118 expressamente afirma ser possível a transferência para qualquer regime. Portanto, ficará a critério do Juiz, uma vez ocorrida a hipótese legal, a escolha do regime mais grave, para o qual o sentenciado será regredido.

A Lei de Execuções Penais consagra os princípios gerais do processo pe­nal, entre eles, a ampla defesa e o contraditório, inclusive nas hipóteses em que deva ocorrer a regressão.59 Dessa forma, tanto o sentenciado quanto o Ministério Público deverão ser ouvidos e cientificados da decisão.

57 O Superior Tribunal de Justiça já entendeu possível o duplo salto na progressão, em face da ausência de colônias penais e casas de albergados. “Falta de estabelecimento ade­quado. Concedido do benefício do regime semi-aberto, constitui constrangimento ilegal desa- tender o direito sob pretexto da falta de vaga em estabelecimento adequado. No caso, déve-se cumprir a decisão, ainda que seja pela excepcional admissão do paciente ao recolhimento do­miciliar, enquanto durar o óbice das alegadas carências carcerárias” (STJ, Corte Especial - RHC n2 73/SP, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 01/533).

58 Nesse sentido, inclusive, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “a alegação de falta de instituição para cumprimento da pena no regime semi-aberto, não autoriza ao magis­trado a oportunidade de conceder regime aberto ou prisão albergue domiciliar, ao sentenciado que se encontra cumprindo pena em regime fechado” (STJ - 5® T. - REsp n2 447/SP - Rel. Min. Flaquer Scartezzini - Ementário STJ 02/220).

59 STJ, 6® T. - RHC n2 3.095-0/RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro - Diário da Justiça, Seção I, 13 dez. 1993, p. 27.489.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N s 7.210/84 195

19.1 Hipóteses de regressão

O art. 118 da LEP prevê taxativamente as hipóteses de regressão de re­gime, não havendo possibilidade de regressão do regime prisional sem causa legal.60 Assim, a execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à for­ma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

• praticar fato definido como crime doloso ou falta grave,61 desde que previamente ouvido;62

• sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, tome incabível o regime (art. 111);

• frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumula­tivamente imposta, no caso de o sentenciado estar no regime aberto,63 desde que previamente ouvido.

19.1.1 Prática de fato definido como crime doloso

Para que a regressão ocorra na hipótese de o sentenciado ter praticado fato definido na lei como crime doloso, não importa a natureza, espécie ou gravidade do crime doloso praticado. Também não é necessário que o crime doloso tenha sido objeto de sentença condenatória transitada em julgado,64 uma vez que inexiste essa exigência.

Normalmente, a regressão por esse motivo é realizada para o sentencia­do que se encontra em regime aberto e comete um novo delito, sendo preso em flagrante, pois decorre presunção forte de responsabilidade penal. Se es­tiver sendo investigado em inquérito policial, pairando dúvidas sobre sua au­toria, o Juiz poderá negar a regressão.

19.1.2 Prática de falta grave

São faltas graves para o condenado à pena privativa de liberdade as de­finidas no art. 50 da LEP: incitar ou participar de movimento para subverter

60 STJ, 5a T. - REsp na 59/PR, Rel. Min. Costa Lima - Ementário STJ, 01/637.61 Por exemplo: fuga ou tentativa de fuga (STJ, 5* T. - RHC ne 3.335-5/SP, Rel. Min.

Assis Toledo - Ementário STJ, 09/678; STJ, 5a T. - HC nfi 1.195-7/GO, Rel. Min. Edson Vidi- gal - Ementário STJ, 12/299).

62 STJ,. 6a T. - RHC n9 434/DF, Rel. Min. Dias Trindade - Ementário STJ, 04/259; STJ, 5a T. - RHC na 3.722-9/MG, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 10/724.

63 STJ, 6a T. - RHC n9 4.623-6/MG, Rel. Min. Anselmo Santiago - Ementário STJ, 14/651.

64 RT 568/271.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

a ordem ou a disciplina; fugir; possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar acidentes do trabalho; des- cumprir no regime aberto as condições impostas; inobservar os deveres pre­vistos nos incisos II (é dever do condenado a obediência ao servidor e res­peito a qualquer pessoa com quem deva reladonar-se) e V (é dever do conde­nado a execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas) do art. 39 da Lei de Execuções Penais.

Na hipótese de fuga, poderá o Juiz, cautelarmente, sem ofensa ao dis­posto no art. 112, § 2e, da LEP, determinar a regressão do fugitivo, sem pre­juízo de que, posteriormente, sendo recapturado, proceda à oitiva do conde­nado, em respeito ao princípio da ampla defesa.65 Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça que

“constituindo a fuga falta grave que autoriza a regressão para regime mais rigoroso (LEP, arts. 50 e 118,1), pode o Juiz das execuções deter­minar cautelarmente a suspensão do regime semi-aberto em que se en­contrava o apenado, sem prejuízo do seu direito de ser posteriormente ouvido antes da decisão final de regressão para o regime fechado (LEP, art. 118, § 2Q) ”.66

19.1.3 U n ifica çã o de p en a s

Em decorrência de nova condenação, cujo total da unificação da pena restante com a pena imposta tome incabível o regime semi-aberto ou aberto, nos termos do art. 33 do Código Penal, haverá possibilidade de regressão para um regime de pena menos brando.

19.1.4 F ru s tra r os f in s d a execução, n o caso de e s ta r n o re g im e a b e r to

O descumprimento das condições impostas pela lei ou pelo Juiz, no re­gime aberto, constitui falta grave; logo, causa a regressão pelo item 18.1.2 e não por este. O presente item refere-se ao fato de o sentenciado assumir uma conduta que demonstre incompatibilidade com o regime aberto, sendo, põr- tanto, mais abrangente. Assim, o sentenciado que provoca a rescisão do con­trato de trabalho, abandona o emprego, pratica contravenção ou crime cul­poso, ou, ainda, falta média ou leve pode revelar que não está adaptando-se ao regime nem se processa sua reinserção social, recomendando-se sua trans­ferência para regime mais rigoroso.

65 STJ, 5a T. - REsp ns 61.567-4/RJ, Rel. Min. Jesus Costa Lima - Ementário STJ, 14/612.

66 STJ, 5a T. - REsp nfi 53.817-0/RJ, Rel. Min. Edson Vidigal - Ementário STJ, 16/476.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N s 7.210/84 197

19.1.5 Não-pagamento da multa cumulativa, no caso de regime aberto

A regressão de regime de cumprimento de pena em face do não-pagamento da multa cumulativa, no caso de o sentenciado encontrar-se no regime aberto, exige a comprovação da solvência do condenado, consta- tando-se que pode efetivar o pagamento integral ou parcelado da pena pecu­niária sem prejuízo dos recursos indispensáveis a sua manutenção e à de sua família.

20 AUTORIZAÇÃO DE SAÍDA

Autorização de saída é gênero do qual são espécies a permissão de saída e a saída temporária.

20.1 Da permissão de saída (arts. 120 e 121 da LEP)

Conforme prevê o art. 120 da LEP, os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter per­missão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos fatos descritos na lei.

Os destinatários da previsão legal são somente os presos que cumprem pena em regime fechado e semi-aberto, e os presos provisórios, que, mediante a ocorrência das hipóteses legais, poderão obter permissão para sair do esta­belecimento penal.

São hipóteses legais para a permissão de saída:

• falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;

• necessidade de tratamento médico.

20.1.1 Autoridade que concede a permissão

A autoridade que analisará o pedido de permissão de saída é o diretor do estabelecimento onde se encontra o preso. Entretanto, o Juiz poderá su­prir a ordem administrativa, quando negada mesmo com a presença dos re­quisitos legais, uma vez que se constituiria em flagrante ilegalidade, sanável pela atuação protetiva do poder judiciário que, no caso concreto, poderá ana­lisar eventual abuso da autoridade administrativa.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

20.1.2 Características

A permissão de saída possui duas características básicas:

• existência de escolta policial;

• inexistência de prazo predeterminado, pois a duração será a neces­sária à finalidade da saída, conforme expressamente prevê o art. 121 da LEP.

20.2 Da saída temporária

Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão, conforme prevê o art. 122 da LEP, obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância, nos casos previstos em lei.

Os destinatários da previsão legal são, em princípio, somente os presos que se encontram em regime semi-aberto. Entretanto, apesar da especificida­de legal se referir somente aos sentenciados em regime semi-aberto, concor­damos com o Ministro Celso de Mello, quando afirma que

“as saídas temporárias - não obstante as peculiaridades do regime penal aberto - revelam-se acessíveis aos condenados que se acham cumprindo a pena em prisão-albergue, pois o instituto da autorização de saída constitui instrumento essencial, enquanto estágio necessário que é, do sistema progressivo de execução das penas privativas de liberdade. Mais do que isso, impõe-se não desconsiderar o fato de que a recusa desse be­nefício ao preso albergado constituiria verdadeira contradictio in termi- nis, pois conduziria a uma absurda situação paradoxal, eis que o que cumpre pena em regime mais grave (semi-aberto) teria direito a um be­nefício legal negado ao que, precisamente por estar em regime aberto, demonstrou possuir condições pessoais mais favoráveis de reintegração à vida comunitária”.67

20.2.1 Hipóteses

A lei de execuções penais determina as hipóteses permissivas de saída temporária:

• visita à família;

• freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instru­ção do segundo grau ou superior, na comarca do Juízo de Execução;

• participação em atividades que concorram para o retomo ao convívio social.

67 Despacho publicado no Diário da Justiça, Seção I, 3 ago. 1995, p. 22.277.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI W 7.210/84

20.2.2 Requisitos especiais

Se a situação do sentenciado adequar-se a uma das hipóteses descritas no item anterior deverá o mesmo comprovar a existência dos requisitos espe­ciais para a obtenção de uma saída temporária. São requisitos os seguintes:

• comportamento adequado;

• cumprimento mínimo de um sexto de pena, se o condenado for pri­mário, e um quarto se reincidente;

• compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Importante destacar que o requisito no cumprimento mínimo de um sexto da pena se o condenado for primário e um quarto se reincidente deverá ser computado o tempo de duração da pena no regime fechado.68 O Superior Tribunal de Justiça sumulou a questão, afirmando que “para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado” (Súmula ne 40). Dessa forma, se­rão ilegais quaisquer atos normativos secundários (decretos, portariâs etc.) que criem prazo diferenciado para a obtenção da saída temporária.69

Ressalte-se que o preenchimento dos requisitos legais objetivos e subje­tivos previstos em lei para a saída temporária confere ao condenado o direito público subjetivo à obtenção do benefício legal.70

20.2.3 Autoridade competente

Diferentemente das hipóteses de permissão de saída, a competência para decidir os pedidos de saída temporária é do próprio Juiz da execução, mediante decisão motivada e ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.

20.2.4 Características

Primeiramente, quanto ao prazo de duração da saída temporária, a re­gra é do prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais qua­tro vezes durante o ano. Assim, haverá a possibilidade de cinco períodos de

68 STJ, 5S T. - RHC na 1.786-0/RJ, ReL Min. José Dantas - Ementário STJ, 06/323.69 Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ilegal a Portaria na 05/92

do Juízo das Execuções de São Paulo, que exigia, pelo menos, 50 dias e mais um sexto , da pena no regime semi-aberto (STJ, 6a T. - RHC ns 2.696-4/SP, Rel. Min. Pedro Acioli, Diário da Justiça, Seção I, 18 maio 1993, p. 12.380).

70 RT 630/384; RTJ 126/979; RSTJ 29/124; RSTJ 36/134.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

no máximo sete dias, em um total de 35 dias no ano. Excepcionalmente, po­rém, haverá a possibilidade de concessão de saídas temporárias, fora do pra­zo legal, para a freqüência a curso profissionalizante, de instrução de segun­do grau ou superior. Nessas hipóteses, o tempo da saída temporária deverá adequar-se ao tempo necessário para o cumprimento das atividades letivas.

Ressalte-se que a saída temporária se realiza sem escolta policial, em confiança à autodeterminação do sentenciado. Como salienta o Ministro Cel­so de Mello,

“essa importante inovação da legislação brasileira, que possibilita ao sentenciado, em caráter experimental, transitar do regime prisional para a situação de convívio social, visa, em última análise, preparar o reedu­cando para a experiência concreta da liberdade, nele desenvolvendo o senso de responsabilidade e a exigência de autodisciplina”.71

20.2.5 Causas de re v og a çã o d a sa íd a te m p o rá r ia

O art. 125 da LEP prevê que o benefício será automaticamente revogado quando:

• condenado praticar fato definido como crime doloso. Como recorda Mirabete, “nessa parte, o dispositivo é tautológico, já que tais fatos acarretam, por si mesmos, a regressão ao regime fechado, com o qual é incompatível o benefício” .72

• cometimento de falta grave;

• desrespeito às condições impostas na autorização;

• baixo grau de aproveitamento do curso, podendo, porém, recuperar o direito à saída temporária sé demonstrar merecimento para tal.

21 REMIÇÃO

Remição é a redução do tempo da pena privativa de liberdade, cumpri­da em regime fechado ou semi-aberto, pelo trabalho prisional do condenado. Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir a pena, oferecendo um estímu­lo ao sentenciado para corrigir-se por meio do trabalho. Conforme dispõe o art. 126 da LEP, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou se­mi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

71 Despacho publicado no Diário da Justiça, Seção I, 3 ago. 1995, p. 22.277.72 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução... Op. dt. p. 310.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N g 7.210/84 201

Assim, somente terão direito à remição os sentenciados que se encontra­rem no regime fechado ou semi-aberto. Conseqüentemente, não tem direito à remição o submetido a pena de prestação de serviço à comunidade, pois o trabalho, nessa espécie de sanção, constitui, essencialmente, o cumprimento da pena. Além disso, quem está trabalhando, mas em regime aberto ou livra­mento condicional, não terá direito à remição.

O tempo remido, nos termos do art. 128, será computado para a conces­são do livramento condicional e indulto.

Observe-se, porém, que inexiste direito adquirido ao tempo remido, po­dendo o sentenciado perdê-lo pelo cometimento de falta grave. Assim, con­forme decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS. REMIÇÃO. FAL­TA GRAVE. PERDA DO DIREITO AO TEMPO REMIDO. Lei n2 7.210/84, art. 50, II, c/c art. 127. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DIREITO ADQUI­RIDO. I. Perde o direito ao tempo remido o condenado que cometer fal­ta grave, conforme previsto no art. 50 da LEP. Lei n2 7.210/84, art. 50,II, c/c art. 127. II. O Supremo Tribunal tem decidido que a remição não constitui direito adquirido do condenado e que a perda dos dias remidos, pelo cometimento de falta grave (LEP art. 50, c/c art. 127), não afronta a coisa julgada. Precedentes do STF.”73

21.1 Trabalho interno do sentenciado

Segundo o art. 28 da LEP, o trabalho do sentenciado tem dupla finalida­de: a educativa e a produtiva.

O trabalho é um dever do executado, mesmo porque a não-execução do trabalho pelo sentenciado à pena privativa de liberdade, nos termos dos arts. 50, VI, e 39, V, da LEP, constitui falta disciplinar de natureza grave.

No desempenho de seu trabalho, o sentenciado terá direito aos benefí­cios previdenciários, e, nos termos do art. 126, § 2e da LEP, o preso impossi­bilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição.

21.2 Do contrato de trabalho

O sentenciado não tem direito ao regime previsto na CLT, pois o regime de seu trabalho é de direito público, decorrente do dever de imposição de

73 STF - 2a T. - HC n2 78.784-3/SP - Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Se­ção I, 25 jun. 1999, p. 4.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

pena, e não advém de um contrato livremente firmado (art. 28, § 29). A na­tureza jurídica, portanto, do contrato de trabalho nessas hipóteses é de direi­to público.

Nos termos do art. 29, caput da LEP, a remuneração do sentenciado nunca poderá ser inferior a 3/4 do salário mínimo.

A jornada de trabalho nunca será inferior a seis horas, nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados.

21.3 Trabalho externo do sentenciado

Os destinatários do trabalho externo são os sentenciados em regime fe­chado e semi-aberto (art. 35, § 2- do Código Penal). Os requisitos para a con­cessão do benefício são:

• aptidão para o trabalho;

• cumprimento de 1/6 da pena;

• autorização de saída;

• realização de obras ou serviços públicos;

• limite máximo de 10% de presos no total de trabalhadores da obra.

21.4 Contagem da remição

A contagem da remição é feita na seguinte proporção: exclui-se um dia de pena para cada três dias trabalhados.

Aplicam-se, porém, as seguintes regras:

• só se computam os dias efetivamente trabalhados (jornada integral de seis ou oito horas, conforme determinação regulamentar). As even­tuais frações de um dia incompleto não são computadas;

• excluem-se do cômputo os domingos e feriados, salvo se trabalhados;

• conforme o disposto no art. 127 da LEP, o condenado que for punido N por falta grave perderá o direito ao tempo já remido. Se já trabalhou e a remição ainda não foi decretada pelo Juiz, será indeferida. Se, po­rém, já foi decretada, o Juiz determinará a perda do direito;

• a remição somente poderá ser concedida pelo juiz das execuções, nos termos do art. 126, § 32 da LEP, devendo, obrigatoriamente, ser ouvi­do o Ministério Público;

• a prova dos dias trabalhados deverá ser feita nos termos do art. 129 da LEP que dispõe que a autoridade administrativa, mensalmente, re-

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N s 7.210/84 203

meterá ao Juízo de Execução cópia do registro de todos os condena­dos que estejam trabalhando e dos dias de trabalho de cada um deles. Dessa forma, entende-se que o estabelecimento penal deve ter um li­vro de registro de dias trabalhados. Ressalte-se, porém, a possibilida­de de qualquer outro meio de prova idônea admitida em direito.74 Assim, como salienta o Superior Tribunal de Justiça,

"a prova do tempo de trabalho do presidiário, para fins de remição, deve ser feita em função dos dias trabalhados e da jornada estabelecida no art. 33 da Lei de Execuções Penais”.75

21.5 Remição e preso provisório

Importante questão a ser abordada é sobre a possibilidade de o preso provisório valer-se da remição pelo trabalho de parte da pena que lhe for im­posta posteriormente.

Entendemos que o preso provisório tem direito à remição, pois'está re­colhido à Cadeia Pública, onde vige, a rigor, o mesmo regime de supressão total da liberdade, semelhante ao regime fechado, submetido em princípio aos mesmos deveres. Se o preso provisório tem direito à detração, não se lhe pode negar o direito à remição, desde que, efetivamente, trabalhe. Há, po­rém, posicionamento em contrário que não admite a remição no caso de pre­sos provisórios, pois não seriam eles obrigados a trabalhar, já que ainda não estão cumprindo pena e, além disso, o art. 126, caput, refere-se aos condena­dos em regime fechado e semi-aberto.

21.6 Remição e medida de segurança

Não tem direito à remição o agente que está submetido à medida de se­gurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ainda que essa internação possa ser objeto de detração penal, pois o senten­ciado não estará cumprindo a pena segundo as regras do regime fechado ou semi-aberto, expostas no caput do art. 126 da LEP.

21.7 Remição e cômputo de horas extras

O eventual excesso de horas trabalhadas pelo sentenciado no dia, caso seja por determinação da autoridade administrativa, deverá ser computado

74 RT 633/31; 634/283; 660/310.75 STJ, 6a T. - REsp nB 3.807/RS, Rel. Min. Dias Trindade - Ementário STJ, 04/581.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

para efeitos de remição, uma vez que o condenado não pode recusar-se ao trabalho, sob pena de falta grave.76

Diferentemente, porém, na hipótese de o sentenciado trabalhar mais do que oito horas em um dia, por livre e espontânea vontade, o excesso não deve ser computado, para fins de remição. Não terá qualquer relevância jurí­dica, para fins de remição, mesmo que a autoridade administrativa tolere essa prática, uma vez que o tempo de trabalho não deve ser estipulado pelo sentenciado, mas pela administração.77

21.8 Remição e impossibilidade de trabalhar

Entendemos não haver possibilidade de o condenado exigir a remição, com a alegação de que, mesmo em regime fechado ou semi-aberto, estaria à disposição para o trabalho exposto pela administração.

22 DETRAÇÃO

Detração é o cômputo, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão provisória (prisão temporária, em flagrante, preventiva, por pronúncia, por sentença condenatória recorrível) e/ou de in­ternação em hospital ou manicômio. Significa que o tempo que o sentencia­do ficou preso durante o processo é descontado da pena aplicada na senten­ça de maneira a impedir o bis in idem no cumprimento de sanções privativas da liberdade.

Prevê o art. 66, inciso III, c, da LEP que compete ao Juiz da execução decidir sobre a detração. Assim, ao ser elaborada a conta de liquidação das penas, deve ser computado o tempo em que o condenado esteve recolhido ao estabelecimento penal, como se a execução tivesse sido iniciada a partir da data da prisão ou da internação. Inclui-se, evidentemente, o dia do começo, ou seja, da prisão (art. 10 do CP).

22.1 Características

A detração aplica-se a qualquer que seja o regime fixado na sentença, bem como à pena restritiva de direito, porque esta é substituída pelo mes­

76 RT 631/298.77 Em sentido contrário ao texto: Justitia 143/74.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Na 7.210/84 205

mo tempo da pena aplicada (sistema vicário, em que, primeiro se aplica a pena privativa de liberdade, para depois substituí-la pela pena restritiva de direitos).

Observe-se que, em tese, haverá possibilidade de aplicação da detração na medida de segurança. O problema, porém, surge quando se verifica que na medida de segurança o Juiz somente fixará um prazo mínimo de seu cum­primento, sendo seu termo final indeterminado.

O prazo mínimo é fixado pelo Juiz entre um e três anos. Terminado esse período mínimo, será realizada uma perícia médica. Caso seja verificado que o sentenciado deixou de ser perigoso, será desintemado. Caso, porém, se ve­rifique que o sentenciado não deixou de ser internado, a internação conti­nua. Essa perícia então será repetida anualmente.

Tendo em vista o fato de a medida de segurança ter prazo indetermina­do, a detração será aplicada apenas em relação ao prazo mínimo fixado pelo Juiz para a duração da medida de segurança e, conseqüentemente, realiza­ção do exame.

Em relação à pena de multa, reputamos que, com a proibição de sua conversão em pena privativa de liberdade, já não é possível a aplicação da detração. O art. 42 do Código Penal é taxativo e só menciona a pena privati­va de liberdade, excluindo a hipótese de aplicação em relação à pena pecu­niária. Além do que, a pena privativa de liberdade e a pena pecuniária têm finalidades diferentes e não há um critério legal capaz de expressar em dias- multa o tempo de prisão provisória.

Quanto ao sentenciado que obteve a suspensão condicional da pena, o sursis, entendemos também ser incabível a detração nesta hipótese, uma vez que o sursis é um instituto que tem por finalidade impedir o cumprimento da pena privativa de liberdade. Assim, impossível a diminuição de uma pena que sequer será cumprida, mas suspensa. Observe-se, porém, que, se o sursis for revogado, a conseqüência imediata é que o sentenciado deve cumprir in­tegralmente a pena aplicada na sentença, e nesse momento caberá a detra­ção, pois o tempo de prisão provisória será retirado do tempo total da pena privativa de liberdade.

22.2 Regras da detração

A detração somente será possível em relação ao processo em que foi de­terminada a prisão provisória, inexistindo a possibilidade de compensação entre uma prisão provisória em um processo com uma prisão definitiva em outro processo (conta corrente penal).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Excepcionalmente, porém, será possível utilizar a chamada conta corren­te penal, quando, apesar de processos diversos, a infração pela qual o senten­ciado tiver sido condenado seja anterior àquela onde ele foi considerado ino­cente. Portanto, como ressaltado pelo Superior Tribunal,

“a Constituição da República, em razão da magnitude conferida ao sta­tus libertatis (art. 59, XV), inscreveu no rol dos direitos e garantias indi­viduais regra expressa que obriga o Estado a indenizar o condenado por erro judiciário ou quem permanecer preso por tempo superior ao fixado na sentença (art. 5e, LXXV), situações essas equivalentes à de quem foi submetido à prisão processual e posteriormente absolvido. Em face desse preceito constitucional, o art. 42, do Código Penal, e o art. 111, da Lei das Execuções Penais, devem ser interpretados de modo a abrigar a tese de que o tempo de prisão provisória, imposta em processo no qual o réu foi absolvido, seja computado para a detração de pena imposta em proces­so relativo a crime anteriormente cometido”.78

Além disso, nos casos de crimes conexos apurados em um mesmo pro­cesso, é possível a detração, mesmo se houver absolvição em relação ao cri­me que originou a prisão cautelar.

A detração somente tem reflexos no cumprimento da pena, ou seja, para diminuir o quantum da pena privativa de liberdade. Há total impossibilidade do cômputo para efeitos prescricionais. Assim, a norma inscrita no art. 113 do Código Penal não admite que se desconte da pena in concreto, para efeitos prescricionais, o tempo em que o réu esteve provisoriamente preso.79

23 EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO

O nosso ordenamento jurídico sofreu relevante modificação no tocante às penas restritivas de direito, com o advento da Lei ns 9.714, de 25 de no­vembro de 1998. O art. 43 do Código Penal foi alterado, para inclusão de novas espécies de restrições a direitos. Agora, são cinco as espécies de penas restritivas de direito: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de di­reitos e limitação de fim de semana.

Ressalte-se que as penas restritivas de direitos sãò autônomas, aplican- do-se independentemente de outras, podendo ser aplicadas para qualquer delito, pois não estão previstas especificamente nos preceitos secundários das

78 STJ, 6- T. - REsp n2 61.899-l/SP, Rel. Min. Vicente Leal - Ementário STJ, 15/220.79 STF, 1® T. - HC n- 69.865-4/PR, Rel. Min. Celso de Mello - Diário da Justiça, Se­

ção I, 2 fev. 1993, p. 25.532.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Na 7.210/84 207

infrações penais, mas, genericamente, na parte geral do Código Penal. Além disso, são penas substitutivas da pena privativa de liberdade, uma vez que, primeiramente, o juiz fixa uma pena privativa de liberdade para, logo a se­guir, mediante requisitos legais, substitui-la por Po«a restritiva de auei-tOS por igual período.80

A Lei n2 9.714/98 dispõe, modificando o art. 44 do Código Penal, que para as condenações iguais ou inferiores a um ano, a substituição da pena privativa de liberdade poderá ser feita pela multa ou por uma pena restritiva de direitos; enquanto que para as condenações superiores a um ano, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por uma pena restritiva de di­reitos è multa ou por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2-, CP).

A exceção ao caráter substitutivo das penas restritivas de direito encon- tra-se na Lei n2 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), em que há pre­visão expressa para o Juiz aplicar diretamente a pena restritiva de direitos.

23.1 Cabimento das penas restritivas de direitos

As penas restritivas de direitos substituem a pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44 do Código Penal, modificado pela Lei n2 9.714, de 25 de novembro de 1998, quando presentes os seguintes requisitos:

• pena privativa de liberdade aplicada por tempo não superior a 4 (quatro) anos, ou seja, pena em concreto até 4 (quatro) anos, inclusi­ve. Notamos que a lei não faz ressalva a qualquer crime, podéndo ser aplicada indistintamente a todos que preencham seus requisitos;

• crime não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa;

• para os crimes culposos, qualquer que seja a pena aplicada;

• réu não reincidente em crime doloso;

• culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sen­tenciado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, indica­rem que a substituição é suficiente, ou seja, o réu tem condições favo­ráveis a receber o beneficio demonstrando que não deverá continuar praticando crimes, não sendo o caso de privá-lo de sua liberdade.

Para o condenado reincidente, ainda haverá a possibilidade de o juiz aplicar a substituição, desde que a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não tenha ocorrido pela prática do mesmo crime (reincidência específica), conforme o art. 44, § 32, do CP, modificado pela Lei ne 9.714/98.

80 JTACrSP 86/400.

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23.2 Início da execução da pena restritiva de direitos

Uma vez transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz encarregado da execução deverá promovê-la de ofício ou a requerimento do Ministério Público.

Apesar da inexistência de previsão expressa no tocante à expedição de guia de recolhimento para o início da execução da pena restritiva de direitos, o Juiz deverá determinar a expedição de documento assemelhado em que constem os dados referidos no art. 106 da LEP.

Ressalte-se que para o efetivo cumprimento das penas restritivas de di­reitos, poderá o Juiz requisitar, quando necessário, a colaboração de entida­des públicas ou solicitá-las a particulares (art. 147 da LEP).

23.3 Espécies de penas restritivas de direitos

O juiz do processo de conhecimento fará a escolha e a fixação da pena restritiva de direitos aplicável ao sentenciado, porém, ao juízo das execuções penais caberá sua efetivação.

A prestação pecuniária prevista no art. 43,1, do CP consiste no pagamen­to em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou priva­da com destinação social, de quantia não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos, a ser fixada pelo juiz. A quantia paga à vítima será deduzida do montante de eventual conde­nação em ação de reparação civil, o que demonstra que a prestação pecuniá­ria está ligada ao prejuízo que a vítima sofreu com o crime, tratando-se na verdade de reparação pecuniária à vítima.

A prestação pecuniária também poderá ser de outra natureza, se o sen­tenciado concordar, o que possibilita a prestação de cestas básicas ou outro tipo de objetos e utensílios de destinação social (art. 45, § 2-, CP).

A perda de bens e valores ocorrerá em favor do Fundo Penitenciário Na­cional e seu valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do pro­veito obtido pelo agente ou por terceiro, em virtude do crime, o que for maior.

A prestação de serviços à comunidade, prevista nos arts. 46 do CP é 149,1 da LEP, consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas em entida­des assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos con­gêneres, em programas comunitários ou estatais. Logicamente, as tarefas e as funções deverão ser atribuídas aos condenados conforme suas aptidões e ca­pacidades, de forma que melhor se ajuste à necessidade de sancioná-lo com o

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EXECUÇÃO PENAL -L E IN 8 7.210/84 209

aproveitamento social de sua mão-de-obra, conhecida doutrinariamente como mão-de-obra temida.

O art. 149, § l s, da LEP está revogado pelo art. 46, § 32, do CP, modifi­cado pela Lei n2 9.714/98. A jornada de trabalho na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas será cumprida à razão de uma hora de tarefe por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. No entanto, o § 22 do referido art. 149 da LEP permane­ce em vigor, estipulando que a execução terá início a partir da data do pri­meiro comparedmento.

A interdição temporária de direitos, prevista nos arts. 47 do CP e 154 da LEP, não se confunde com um dos efeitos da condenação, tratado no art. 92, I, do Código Penal, que prevê como efeitos da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, pois, no caso das penas restritivas de di­reito, interdição é transitória, temporária, não adquirindo o caráter de per­manência, como ocorre com os efeitos da sentença.

O Juiz, ao aplicar a interdição temporária de direitos, na espécie proibi­ção do exercício de cargo, função ou atividade pública e de mandato eletivo, deverá, para iniciar a execução da pena, comunicar à autoridade competente (ministros e secretários de Estado, presidentes de empresas públicas, fundações etc.) a pena aplicada, para que essa autoridade, em 24 horas contadas do re­cebimento do ofício, baixe o ato a partir do qual a execução terá seu início (LEP, art. 154).

Por fim, a limitação de fim de semana consiste em o sentenciado ficar solto durante toda a semana e no fim de semana recolher-se em casa de al­bergado ou em outro estabelecimento adequado nos fins de semana, onde serão ministradas palestras, com a duração de cinco horas no sábado e cinco horas no domingo.

24 PENA DE MULTA

A pena de multa possui a finalidade de evitar a privação da liberdade do sentenciado que tenha praticado uma infração penal de menor gravidade, fa­vorecendo sua permanência no convívio familiar e sua ressocialização. A pena pecuniária consiste na obrigação do sentenciado de pagar ao Estado de­terminada quantia certa.

Ressalte-se que a natureza jurídica da pena de multa é de sanção penal, não constituindo, portanto, um tributo, como expressamente prevê o art 3S do Código Tributário Nacional, ao excluir da esfera tributária a prestação compulsória que constitua sanção de ato ilícito.

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24.1 Aplicação da pena pecuniária

A pena de multa tanto pode ser cominada abstratamente, de forma alter­nativa ou cumulativa com a pena privativa de liberdade, quanto de forma substitutiva (vicária) da pena privativa de liberdade, seja como única pena vi- cária, seja como uma das penas (juntamente com uma pena restritiva de di­reitos) a ser aplicada (art. 44, § 22, do CP, modificado pela Lei ne 9.714/98).

Na hipótese de aplicação da pena de multa prevista abstratamente, ela constará no preceito secundário da parte especial do Código Penal, junta­mente com a fixação da pena privativa de liberdade. Assim, por exemplo, o art. 146 do CP prevê, como pena para o constrangimento ilegal, detenção de três meses a um ano ou multa; enquanto o art. 157 do referido diploma penal prevê, cumulativamente, a pena de reclusão, de quatro a 10 anos e multa.

Na segunda hipótese, de aplicação vicária e única da pena de multa, esta não estará prevista na parte especial do Código Penal, mas seus requisi­tos estarão fixados no art. 44, § 2Q, podendo haver substituição da pena pri­vativa de liberdade pela pena pecuniária.

Por fim, na terceira hipótese, de aplicação de duas penas substitutivas, uma de multa e outra restritiva de direitos, igualmente, a multa não vem prevista na parte especial do Código Penal, mas, presentes os requisitos no art. 44, § 2e, do Código Penal, pode haver substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos mais uma pena pecuniária, ou por duas restritivas de direitos.

24.2 Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa

São requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa, nos termos do art. 44, § 22 do Código Penal, modificado pela Lei n9 9.714/98:

• condenação igual ou inferior a um ano, para a aplicação da multa iso­ladamente;

• condenação superior a um ano, para a aplicação da multa cumulati­vamente com pena restritiva de direitos;

• se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

Sendo cabível a multa substitutivà, deve o Juiz aplicá-la em lugar da pena carcerária cominada em abstrato. A pena substituída não constitui fa-

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umnriirxHO-DlBLIUItUA

EXECUÇÃO PENAL - LEI N8 7.210/84 211

culdade ou opção do réu, mas o castigo a que fica sujeito, com exclusão de qualquer outro, por ser aquele que foi considerado suficiente à reprovação e prevenção do crime.81

24.3 Inexistência de equivalência quantitativa entre o número de dias-multa, como pena substitutiva, e a duração da pena privativa de liberdade aplicada originariamente

Uma vez escolhida a pena de multa substitutiva, como adequada à cul­pabilidade do réu e à prevenção do crime, é ela a pena justa para o caso con­creto e deve ser imposta, executada e eventualmente convertida, segundo os critérios que lhe são próprios, pois, salvo quando a lei expressamente o de­terminar, não haverá equivalência quantitativa necessária entre a pena subs­titutiva e a pena substituída.82 Esse posicionamento encontra-se atualmente reforçado pela impossibilidade de conversão da pena pecuniária em privativa de liberdade e sua caracterização como dívida de valor, demonstrando total inexistência de parâmetros entre a pena de multa e a privativa de liberdade.

24.4 Cumulação de penas de multa

Importante ressaltar a análise de possível cumulação de penas de multa, uma fixada abstratamente para a infração penal e a outra derivada da substi­tuição de pena privativa de liberdade inicialmente imposta.

Haverá possibilidade de cumulação das penas pecuniárias por dois moti­vos. Primeiro, a lei, implicitamente, determina a aplicação cumulativa, pois permite “a substituição da pena privativa de liberdade aplicada (art. 59, IV do CP), não se referindo à pena de multa, abstratamente aplicada, que deve­rá, portanto, manter-se autônoma. Em segundo lugar, o Juiz deve atender na fixação do número de dias-multa à gravidade do crime. Ora, como na lei se considera que a reprovação do crime exige, abstratamente, além da pena pri­vativa de liberdade, a sanção pecuniária, não poderá o magistrado ater-se so­mente à substituição da primeira, ignorando por completo a segunda”.83

81 RT 609/352.82 RT 606/335, JTACrSP 85/367, 427, 86/356. Em sentido contrário, entendendo a

necessidade de certa equivalência entre a pena privativa de liberdade e a pena de multa vicá- ria, no período em que a legislação permitia a conversão da pena de multa não paga pelo de­vedor solvente em pena privativa de liberdade: RT 606/343.

83 RT 605/433 e 640/306. Em sentido contrário: RT 611/369.

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Ressalte-se, porém, que, nas hipóteses de infrações penais tipificadas em leis especiais, deve ser dado o tratamento previsto na Súmula 171 do Supe­rior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substitui­ção da prisão por multa.

24.5 Competência para a execução da pena pecuniária

A Lei nQ 9.268/96 modificou substancialmente a execução da pena de multa, ao alterar o art. 51 do Código Penal. Assim, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplican- do-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, tendo sido revogados pela referida lei os §§ 1Q e 2- do art. 51 do Código Pe­nal e o art. 182 da LEP. Dessa forma, já não é possível, no caso da ausência de pagamento pelo devedor solvente, a conversão da multa em pena privati­va de liberdade.

Com base nas modificações mencionadas, há divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito das conseqüências da alteração legislativa.

Embora entendamos que as mudanças efetuadas pela Lei ne 9.268/96 foram apenas no que se refere ao procedimento da execução da pena de mul­ta, passando a ser aplicada a Lei de Execução Fiscal naquilo que for ca­bível (Lei ne 6.830/80), permanecendo, porém, o caráter de pena.84

No entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, o Ministé­rio Público não mais detém legitimidade para propor ação de execução de pena de multa, em razão da nova sistemática trazida pela Lei ne 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal, passando a titularidade para a Fazenda Pública. Assim, o Juízo das Execuções Penais, após o trânsito em julgado da sentença, intimará o sentenciado para o pagamento da multa, a teor do que dispõe o art. 50 do Código Penal. Caso ocorra o inadimplemen- to, o fato deverá ser comunicado à Fazenda Pública a fim de que ajuíze a execução fiscal no foro competente, de acordo com as normas da Lei ns 6.830/80.

Apontamos que a execução da pena de multa somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, em virtude do disposto no art. 51 do Código Penal.

84 TJ/SP, Apelação n8 025.077-5/1, Rel. Des. Scarance Fernandes, Diário Oficial do Estado, Seção I, 3 dez. 1997, p. 24.

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24.6 Prescrição da pena de multa

O prazo da prescrição da pretensão executória será de dois anos, quan­do a multa for aplicada isoladamente, e será o mesmo da sanção privativa de liberdade, quando aplicada cumulativamente, nos termos do art. 114, do Có­digo Penal, alterado pela Lei nQ 9.268/96. Entretanto, segundo a interpreta­ção do art. 51 do Código Penal, também alterado pela referida lei, as causas de interrupção e suspensão da prescrição passarão a ser as mencionadas na Lei de Execução Fiscal.

24.7 Correção monetária na pena pecuniária

Nos termos do art. 49, § 2- do Código Penal, o valor da multa deve ser atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária. Para que essa atualização seja efetiva, deve ser realizada a partir da data do fato.85

25 EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O Juiz, reconhecendo que o réu praticou um fato típico e antijurídico e averiguando que o sentenciado é inimputável ou semi-imputável e perigoso, ou seja, tem alta probabilidade de voltar a delinqüir, poderá aplicar medidas de segurança.

A periculosidade é presumida quando o réu é inimputável, já que a lei determina a aplicação da medida de segurança àquele que cometeu o ilícito nas condições previstas no caput do art. 26. Quando, porém, o réu é semi- imputável, o Juiz deve reconhecer a periculosidade, nos termos dos arts. 26, parágrafo único, e 98 do Código Penal.

Assim, a medida de segurança será aplicada ao inimputável, obrigatoria­mente, e ao semi-imputável, facultativamente86 e em substituição à pena, quando o acusado necessitar de especial tratamento curativo.

85 STJ, 5a T. - REsp. nfi 41.438-5/SP, Rel. Min. Assis Toledo, Diário da Justiça, Seção 1,17 out. 1994, p. 27.906; RJDTACRIM, 14/25; TJ/SP, 2a Câmara Criminal - Apelação Crimi­nal ns 152.510-3/Presidente Prudente, Rel. Des. Devienne Ferraz, j. 26 jul. 1995; TJ/SP, Ape­lação criminal n2 141.958-3/SP, Rel. Des. Ângelo Gallucd, j. 2 maio 1994. Em sentido contrário, entendendo a possibilidade do dia inidal para incidência de correção monetária ser o trânsito em julgado da sentença condenatória: TJ/SP, Agravo n2 144.215-3/Regente Fei- jó, Rel. Des. Segurado Braz, j. 19 set. 1994; TJ/SP, Agravo na 133.218-3/Presidente Prudente, Rel. Des. Gonçalves Nogueira, j. abr. 1994.

86 STJ, 6* T. - REsp n2 1.732/RS, Rel. Min. Dias Trindade - Ementário STJ, 03/500.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

A medida de segurança fixada terá o prazo mínimo de um ano e o máxi­mo de três anos, e poderá ser a detentiva, ou seja, internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e não detentiva, ou seja, sujeição do sen­tenciado a tratamento ambulatorial. Será aplicada sempre a detentiva aos crimes apenados com reclusão, e, facultativamente, a critério do Juiz, desde que suficiente para o tratamento do réu, a não detentiva quando o crime for apenado com detenção (art. 97 do Código Penal).

25.1 Início da execução da medida de segurança

É extremamente simples a execução da medida de segurança, uma vez que, transitada em julgado a sentença em que foi aplicada a medida de segu­rança, o Juiz ordena a expedição da guia para a execução do internamento em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou do tratamento ambulatorial. Expedida a citada guia para a execução, que deverá conter os requisitos pre­vistos no art. 173 da LEP, iniciar-se-á a internação ou o tratamento ambula­torial.

25.2 Realização dos exames para averiguação da cessação da periculosidade

A medida de segurança é executada, a princípio, por prazo indetermina­do, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade.87

O primeiro exame será realizado após o prazo mínimo fixado pelo Juiz de conhecimento, na sentença (um a três anos); por ele se procederá à verifi­cação do estado de periculosidade do agente, por meio da perícia médica, a fim de se apurar se deve cessar a execução da medida de segurança.

Ao aproximar-se o fim do prazo mínimo da medida de segurança, a reali­zação do exame deve ser determinada, e é procedimento de ofício da autorida­de administrativa incumbida da execução; desnecessária, portanto, a determi­nação judicial. Se não for realizada, cabe ao Juiz determinar a instauração do procedimento, e, por força do disposto no art. 195, também poderão requerer tal providência o Ministério Público, o interessado ou seu representante, seu cônjuge, parente ou descendente ou o Conselho Penitenciário.

A autoridade administrativa deverá enviar ao Juiz de Execuções, até um mês antes de expirar o prazo mínimo da medida de segurança, minucioso re­

87 STJ, 5a T. - RHC nfi 3.210-3/RJ, Rel. Min. José Dantas - Ementário STJ, 09/636.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N8 7.210/84 215

latório que deverá conter, obrigatoriamente, laudo psiquiátrico, que o habili­te a resolver pela manutenção ou término da medida de segurança.

Após o recebimento do laudo, devem ser ouvidos, sucessivamente, o Mi­nistério Público e o curador ou defensor do sentenciado, no prazo de três dias para cada um, podendo estes, se for o caso, requerer diligências. Tam­bém o Juiz, de oficio, poderá determinar outras diligências que entender ne­cessárias. Importante ressaltar que, em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá o Juiz das Execuções, diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, ordenar a realização do exame para que se verifique a cessação da periculosidade. Caso não fique verificada a cessação de periculosidade no primeiro exame, ele será realizado de ano a ano, ou nos termos do art. 176 da LEP.

25.3 Desintemação ou liberação do sentenciado

Comprovada a cessação da periculosidade do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, será determinada a desintemação ou liberação.

A desintemação ou liberação somente serão realizadas quando a deci­são do Juiz transitar em julgado, pois, nesses casos, excepcionalmente, o agra­vo em execução terá efeito suspensivo, em face do que diz o art. 179 da LEP.

A desintemação ou liberação, porém, prevêem certos requisitos (art. 178 da LEP), que são os mesmos do livramento condicional. Além disso, a desintemação ou liberação são condicionais, pois a medida de segurança do sentenciado fica sujeita, para sua extinção, a uma condição resolutiva pelo pra­zo de um ano.

Se, antes do término desse prazo, o agente pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade, deve ser restabelecida a internação ou tratamento ambulatorial.

A lei não se refere somente à prática de ilícito penal, e assim, ainda que constitua fato atípico, a conduta do agente que indica periculosidade é causa determinante de nova internação ou submissão a tratamento ambulatorial, restabelecendo-se a situação anterior.

25.4 Medidas de segurança e princípios da legalidade e anterioridade

Aplica-se tanto o princípio da legalidade quanto da anterioridade em re­lação às medidas de segurança.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Assim, somente podem ser impostas, em respeito ao princípio da legali­dade, as medidas de segurança previstas em lei, quais sejam: internação em hospital de custódia e tratamento ambulatorial.

De igual maneira, o princípio da anterioridade na execução da medida de segurança determina que somente poderão ser aplicadas as medidas de segurança desde que já previstas antes do fato, ou seja, somente após 1984.

25.5 Medidas de segurança e inexistência de vaga em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico

Ressalte-se que, no caso de inexistência de vaga em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, poderá o sentenciado ser submetido a privação de sua liberdade na penitenciária ou cadeia pública, não havendo constrangi­mento ilegal, se há ausência de vagas, devendo ser recolhido em prol da so­ciedade, até a abertura de vagas, merecendo, porém, tratamento adequado a sua condição de inimputável.88

25.6 Ausência de realização de perícia médica

Se, findo o prazo mínimo da medida de segurança determinado pelo Juiz na sentença, não for realizada a perícia médica para constatar-se even­tual cessação de periculosidade, o sentenciado terá direito a exigir do Estado a realização da perícia. Os prazos fixados na lei, porém, não são fatais ou im­prorrogáveis, não se permitindo ao submetido a medida de segurança deten­tiva o retomo ao convívio social enquanto não realizada perícia para averi­guação da cessação de periculosidade.89

26 INCIDENTES DA EXECUÇÃO

A Lei de Execuções Penais prevê duas espécies de incidentes da execu­ção: as conversões e o excesso ou desvio na execução.

88 RT 619/300. Em sentido contrário, entendendo que estaria sendo lesado um direi­to individual do sentenciado, que deve ser internado em outro instituto ou sanatório congêne­re: RT 608/325.

89 RT 617/297, 625/294.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N» 7.210/84 21 7

26.1 Das conversões

A conversão é a substituição de uma sanção por outra, pena ou medida de segurança, no curso da execução. O sentenciado, dentro dos parâmetros fixados pela Lei de Execuções Penais, pode sofrer determinadas alterações no cumprimento de sua pena, durante a execução. Tais alterações podem ser fa­voráveis ou desfavoráveis ao sentenciado.

26.2 Quadro geral dos incidentes da execução

PENA EXECUTADA REQUISITOS PENA CONVERTIDA

Pena privativa de liberdade • pena privativa de li­berdade não superior a dois anos

• cumprimento de um quar­to da pena

• elementos e a personali­dade indicáveis para a conversão

pena restritiva de direitos

*

Pena privativa de liberdade sobrevêm doença mental medida de segurança

Pena restritiva de direitos • conversão obrigatória: quando ocorrer o des- cumprimento injustificado da restrição imposta.

• conversão facultativa: sobrevindo condenação a pena privativa de liber­dade por outro crime

pena privativa de liberdade

26.3 Conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, durante a execução da pena

A primeira èspécie de conversão é a transformação da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos. Presentes os requisitos fixados no art. 180 da Lei de Execuções Penais, a substituição da pena privativa de liber­dade pela pena restritiva de direitos será fixada pelo Juiz de Execuções.

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Os requisitos necessários são os seguintes:

• pena privativa de liberdade não superior a dois anos: logicamente, a pena a que se refere a lei é a pena concretamente aplicada pelo Juiz na sentença condenatória, independentemente de sua espécie (reclu­são, detenção ou prisão simples);

• o condenado esteja cumprindo a pena privativa de liberdade em regime aberto: quer porque foi esse o regime inicial determinado, quer por­que já foi beneficiado com a progressão;

• o sentenciado deve ter cumprido, no mínimo, um quarto da pena;

• requisito subjetivo: os antecedentes e a personalidade do condenado devem indicar que a conversão é recomendável.

Uma vez presentes esses requisitos, o Juiz converterá a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, pelo prazo da pena privativa de liber­dade primitivamente aplicada (pena in concreto, fixada pelo Juiz de l 9 grau e constante da sentença), ou seja, não será descontado o tempo de pena privati­va de liberdade já cumprido.

Ressalte-se, porém, que, uma vez convertida a pena privativa de liberda­de em restritiva de direitos e ocorrendo uma das hipóteses do art. 181, que possibilitará nova conversão, agora para pena privativa de liberdade, é óbvio que se descontará da duração do restante da pena privativa de liberdade o período anteriormente cumprido.

26.4 Conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança

Quando, no curso da execução, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, deixa o condenado de ter capacidade penal para subme­ter-se às obrigações da pena privativa de liberdade. Nesse caso, a lei prevê a suspensão da execução (art. 52 do Código Penal) e sua conversão em medida de segurança.

Na conversão, aplicam-se as normas gerais sobre a imposição de medida de segurança (arts. 96 a 99) e de sua execução (arts. 171 a 179).

E absolutamente imprescindível para a conversão a realização de perícia médica.90

Uma vez convertida, não há possibilidade de retomo ao cumprimento de pena privativa de liberdade.

90 RT 618/313.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI N g 7.210/84 219

Após o prazo mínimo, será realizado exame de cessação de periculosida­de e, assim, anualmente, até o sentenciado alcançar a liberdade.

Não se confunde a hipótese de conversão de pena privativa de liberdade em medida de segurança (arts. 183 e 184 da LEP) com a hipótese do art. 41 do Código Penal e do art. 108 da Lei das Execuções Penais, que prevê mera transferência do sentenciado, ao qual sobrevier doença mental, do estabeleci­mento penal onde estiver cumprindo a pena privativa de liberdade para o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Nesta segunda hipótese, com­provada pericialmente a superveniência da doença mental (durante o proces­so ou a execução da pena), o sentenciado será transferido para o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, sendo suspensa a execução da pena. Ocorre, porém, que o prazo da pena continua a correr, já que, diante da de­tração penal, será computado o tempo que o condenado ficar internado (CP, art. 42). Sobrevindo a cura, o sentenciado voltará à prisão para o cumpri­mento do que lhe resta da pena, já descontado o tempo de internamento.

Note-se que a opção entre a conversão dos arts. 183 e 184 da LEP e a simples transferência para o internamento deve ser feita pelo Juiz, e levará em conta a periculosidade do agente. Se a doença mental superveniente for muito séria e de caráter permanente, demonstrada estará a periculosidade do sentenciado, devendo o Juiz optar pela conversão, seguindo a execução to­das as regras relativas às medidas de segurança. Se, porém, for de natureza transitória e de gravidade relativa, não estará demonstrada a periculosidade do sentenciado, devendo optar pela simples transferência.

Transcorrido, porém, o prazo de duração da pena sem o restabelecimen­to do internado, a pena deve ser considerada extinta por seu cumprimento, não estando mais submetido ao procedimento da execução da pena. Já não está o sentenciado obrigado ao internamento, pois, extinta a pena, deve ser posto imediatamente em liberdade (art. 109 da LEP).

26.5 Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade

O art. 44, §§ 49 e 59 do Código Penal, alterado pela Lei ne 9.714/98, es­tipula as hipóteses de conversão das penas restritivas de direito em pena pri­vativa de liberdade.

A primeira hipótese trata da conversão obrigatória que ocorrerá com o descumprimento injustificado da restrição imposta. Determina a lei que o tem­po cumprido da pena restritiva de direitos será contado na conversão para o cumprimento do tempo faltante de pena privativa de liberdade. No entanto, será sempre respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou re­clusão, em qualquer hipótese.

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A segunda hipótese traz a conversão facultativa, caso sobrevenha conde­nação a pena privativa de liberdade por outro crime, no curso da execução. O juiz poderá deixar de fazer a conversão se for possível ao condenado cum­prir a pena substitutiva anterior. O juiz deverá verificar a compatibilidade da pena restritiva de direitos com a nova condenação.

26.6 Requisitos específicos de conversão das penas restritivas de direito em relação à prestação de serviços à comunidade

A LEP prevê requisitos específicos para que haja conversão da pena de prestação de serviços à comunidade:

• não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desaten- der a intimação por edital: não se refere ao sentenciado revel durante o processo de conhecimento, mas ao sentenciado que não é encontra­do para ser cientificado da entidade, dias e horários para o cumpri­mento da pena de prestação de serviços à comunidade. Dessa forma, aplica-se tanto ao réu revel, quanto ao réu que compareceu durante todo o processo de conhecimento, mas desaparece quando da execu­ção, deixando de comunicar seu novo endereço a Juízo e não sendo encontrado na diligência referida;

• não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço: não obstante devidamente intimado, o sentencia­do deixa de comparecer, frustrando, assim, a finalidade da pena res­tritiva de direitos, pois impede sua execução. O sentenciado terá a oportunidade de demonstrar justa causa para o não-comparecimento (doença, acidente, outras obrigações legais etc.), evitando, dessa for­ma, a conversão;

• recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto: devidamente intimado, o sentenciado comparece ao local designado, porém se recusa a realizar as atividades gratuitas em que consiste a pena restritiva de direitos;

• praticar falta grave (ver arts. 51 e 52 da LEP): importante relembrar, como anteriormente vimos, que, mesmo que o sentenciado sofra con­denação por outro crime doloso, e se lhe aplica pena de multa, outra pena restritiva de direitos, ou mesmo uma pena privativa de liberda­de com sursis, ou seja, suspendendo-a, ocorrerá a conversão, uma vez que, nos termos do art. 52 da LEP esses fatos constituem falta grave;

• sofrer condenação, por outro crime, a pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ng 7.210/84 221

26.7 Em relação à limitação de fim de semana

A pena restritiva de direitos - limitação de fim de semana - poderá ser convertida em privativa de liberdade, presentes os seguintes requisitos:

• o sentenciado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena;

• o sentenciado recusar-se a exercer a atividade determinada pelo Juiz;

• não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desa- tender à intimação por edital;

• praticar falta grave;

• sofrer condenação por outro crime a pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

26.8 Em relação à interdição temporária de direitos

A pena restritiva de direitos - interdição temporária de direitos - poderá ser convertida em privativa de liberdade, presentes os seguintes requisitos:

• quando o sentenciado exercer, injustificadameiite, o direito interdi­tado;

• não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desa- tender à intimação;

• sofrer condenação, por outro crime, à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

27 DO EXCESSO OU DESVIO

Ocorre excesso na execução quando há desrespeito quantitativo em re­lação à pena ou às sanções disciplinares aplicadas ao sentenciado. Assim, se o sentenciado está preso por mais tempo que o determinado na sentença, ou, ainda, quando fica isolado (sanção disciplinar) por mais de 30 dias.

O excesso está sempre ligado ao caráter quantitativo da execução penal e sempre invade a esfera das liberdades públicas, violando um direito do sen­tenciado.

Por outro lado, ocorrerá o desvio na execução quando houver desrespei­to qualitativo em relação à pena do sentenciado. Assim, toda vez que a auto­

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

ridade se afastar dos parâmetros legais fixados pela Lei de Execuções Penais para o cumprimento da pena, estará agindo com desvio na execução. Por exemplo, não permitir que o maior de 70 anos, que se encontra em regime aberto, tenha direito à prisão-albergue domiciliar, ou, ainda, conceder per­missão de saída em hipótese não prevista em lei.

O desvio está sempre ligado ao caráter qualitativo da execução penal, podendo suas decisões ser a favor ou contra o sentenciado.

28 AGRAVO EM EXECUÇÃO

O art. 197 da LEP prevê que das decisões proferidas pelo Juiz caberá re­curso de agravo, sem efeito suspensivo.

Em todas as decisões relativas à execução penal, o recurso cabível será o agravo em execução, ficando revogadas as disposições do Código de Processo Penal que previam o cabimento de recurso em sentido estrito para determi­nadas matérias em Execução Penal.

A jurisprudência já havia assentado que o procedimento do agravo em execução era o do agravo de instrumento do Código de Processo Civil, me­diante o emprego de analogia. Entretanto, a reforma do Código de Processo Civil trouxe modificações no agravo de instrumento que não podem ser im­plementadas em sede de agravo de execução, razão pela qual o rito que vem sendo aceito atualmente é o do recurso em sentido estrito.

Nesse sentido, o posicionamento do Pretório Excelso: “Em sede de exe­cução penal, o recurso é o agravo previsto no art. 197 da LEP, processado na forma do recurso em sentido estrito, por falta de regulamentação própria.”91 Portanto,

“aplicam-se ao agravo previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal (Lei n9 7.210/84) as disposições do CPP referentes ao recurso em senti­do estrito. Dessa forma, o prazo para a interposição do referido recurso é de 5 (cinco) dias (CPP, art. 586) e não de 10 (dez) dias, conforme previsto na Lei ns 9.139/95, que alterou o Código de Processo Penal”.92

91 STF, 2a T. - Agravo de Instrumento n9 183.738-1/RS, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 24 fev. 1997, p. 3.239.

92 STF - 2a T. - HC na 76.208-l/RJ - Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Se­ção I, 24 abr. 1998, p. 4.

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EXECUÇÃO PENAL - LEI Ne 7.210/84 223

O Supremo Tribunal Federal editou a SÚMULA 700, neste sentido: “É DE CINCO DIAS O PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO DO JUIZ DA EXECUÇÃO PENAL.”

Somente o agravo em execução interposto pelo Ministério Público da decisão que declara cessada a periculosidade do agente, no caso de execução de medida de segurança, terá efeito suspensivo, em virtude do art. 179 da LEP, que determina que a ordem para a desintemação ou liberação só será expedida quando a sentença transitar em julgado.

Ressalte-se que, presentes os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora, tem-se admitido o ajuizamento de mandado de segurança para con­cessão de efeito suspensivo ao agravo em execução, sendo necessário que se comprove o dano potencial pela demora no julgamento do recurso.

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6CÓDIGO DE

TRÂNSITO BRASILEIRO

1 A LEI N5 9.099/95 E O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

O art. 291, caput, do CTB determina a aplicação da Lei n9 9.099/95 nos crimes previstos no Código, “no que couber”, enquanto seu parágrafo único dispõe que nos crimes de lesão corporal culposa, embriaguez ao volante e participação em competição não autorizada, aplicam-se os arts. 74 (composi­ção de danos civis), 76 (transação) e 88 (representação) da referida lei.

Da análise dos dispositivos mencionados decorre que, para o crime de lesão corporal culposa, são cabíveis a composição civil, a transação penal, a suspensão condicional do processo e a representação.

Em relação aos crimes de embriaguez ao volante e participação em com­petição não autorizada (racha), por não se tratar de infrações de menor po­tencial ofensivo, além de serem crimes que ferem a incolumidade pública, inexistindo vítima determinada, a Lei n9 9.099/95 não pode ser aplicada em sua totalidade. Assim, não são cabíveis os institutos da representação (art. 88) e da composição de danos civis (art. 74).

Reformulando posicionamento anterior, entendemos que os . crimes de embriaguez ao volante e participação em competição não autorizada (racha) são passíveis de transação penal, aplicando-se o art. 76 da Lei n9 9.099/95.

Isso por determinação do parágrafo único do art. 291 do CTB. Este refe­rido parágrafo não transformou os crimes de embriaguez ao volante e parti­cipação em competição não autorizada (racha) em delitos de menor poten­cial ofensivo. Sua pena máxima é superior a um ano, não podendo ser, assim, considerados de menor potencial ofensivo. Entretanto, o mencionado parágrafo único trouxe uma exceção à regra geral contida no art. 61 da Lei

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nQ 9.099/95, determinando a aplicação da transação penal nas referidas hi­póteses legais de delito.1

Essa interpretação do parágrafo único do art. 291 do CTB é a única ca­paz de aplicá-lo em acordo com a Lei n2 9.099/95, obedecendo dessa forma ao comando do caput do mesmo art. 291, que determina a áplicação de for­ma compatível com suas próprias disposições. Além do mais, de outra forma, o parágrafo único do art. 291 ficaria inútil, o que a interpretação legal não pode admitir.

2 SUSPENSÃO OU PROIBIÇÃO DE SE OBTER PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR

Nos termos do art. 292 do CTB, a suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor poderá ser aplicada como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outras penali­dades.

Os tipos penais previstos nos arts. 302, 306, 307 e 308 admitem tal pe­nalidade.

O art. 296 do CTB determina que o reincidente na prática de crimes previstos no Código poderá receber do juiz a pena de suspensão da permis­são ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. A aplicação da pena é facultativa.

Dessa forma, todos os tipos penais previstos no CTB poderão receber a pena, desde que o autor seja reincidente em crimes previstos no código, ain­da que o dispositivo penal referente ao artigo não a mencione.

A duração da pena será de dois meses a cinco anos, nos termos do art. 293 do CTB. O parâmetro para a fixação da sanção entre o mínimo e o máxi­mo será o art. 5ff do Código Penal.

O juiz poderá, ainda, aplicar a suspensão da permissão ou da habilita­ção para dirigir veículo automotor como medida cautelar, em decisão moti­vada, caso haja necessidade para a garantia da ordem pública (art. 294, ca­put, CTB).

A medida cautelar poderá ser decretada em qualquer fase da investiga­ção ou da ação penal, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou me­diante representação da autoridade policial.

1 Nesse sentido: Tribunal de Alçada de Minas Gerais, RJTAMG 78/455.

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226 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Da decisão cautelar, ou da decisão que indeferir o requerimento do Mi­nistério Público, caberá recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo (art. 294, parágrafo único, CTB).

3 MULTA REPARATÓRIA

O art. 297, caput, do CTB define a multa reparatória como o pagamen­to, mediante depósito judicial em favor da vítima e seus sucessores, de quan­tia calculada com base no § l 9 do art. 49 do Código Penal. Determina, ainda, sua cominação sempre que houver prejuízo material resultante do crime, não podendo ser superior ao valor do prejuízo demonstrado no processo (art.297, § l 9, CTB).

A multa reparatóra consiste em imposição de sanção penal restritiva de direitos, com finalidade de reparação de danos. Portanto, apesar da má reda­ção legal, não há ofensa ao princípio da reserva legal.

Não se trata de penalidade civil, uma vez que, além da referida aplica­ção do art. 49 do Código Penal, o § 2e do art. 297 em questão dispõe sobre a aplicação dos arts. 50 e 52 do Código Penal, e o respectivo § 39 do art. 297 determina o desconto da multa reparatória no caso de indenização civil do dano, que é reconhecida, então, como diferenciada da sanção penal.

Assim, tratando-se de sanção penal, aplicada independentemente das demais sanções cominadas aos crimes, poderá ser cumulada com estas, inclu­sive com a multa cominada no tipo legal específico.

4 CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES

O art. 298 do CTB traz o rol taxativo das agravantes, não sendo possível a aplicação da analogia. Notamos apenas que o rol do CTB não exclui a apli­cação das circunstâncias genéricas previstas no art. 61 do Código Penal, como, por exemplo, a reincidência e a menoridade da vítima.

O juiz deverá aplicar o agravamento da pena sempre que o autor do cri­me praticá-lo:

l 9) com dano potencial para duas ou mais pessoas ou com grande risco de grave dano patrimonial a terceiros;

29) utilizando o veículo sem placas, com placas falsas ou adulteradas;

39) sem possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação;

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4g) com permissão para dirigir ou carteira de habilitação de categoria diferente da do veículo;

5-) quando sua profissão ou atividade exigir cuidados especiais com o transporte de passageiros ou de carga;

6°) utilizando veículo em que tenham sido adulterados equipamentos ou características que afetem sua segurança ou seu funcionamento de acordo com os limites de velocidade prescritos nas especificações do fabricante; e

7Q) sobre faixa de trânsito temporária ou permanente destinada a pe­destres.

5 INEXISTÊNCIA DE PRISÃO EM FLAGRANTE E FIANÇA

O art. 301 do CTB dispõe sobre a não-imposição de flagrante e fiança, no caso de o autor do crime prestar pronto e integral socorro à vítima do aci­dente de trânsito.

6 DO CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO

“Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo auto­motor:

Penas - Detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

I - não possuir permisgão para dirigir ou carteira de habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.”

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6.1 Direção de veículo automotor

O agente deve estar conduzindo o veículo quando do fato. Será atípica para os fins do CTB a conduta daquele que não estiver na direção do veículo. Exemplo: carro desligado, o agente empurra o carro imprudentemente e cau­sa o homicídio - homicídio culposo do CP.

228 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL_______________________________________________________ ________________________

6.2 Veículo automotor

É todo veículo a motor de propulsão que circula por seus próprios meios e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coi­sas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica que cir­culam sobre trilho (ônibus elétrico) (CTB, anexo 1).

6.3 Lugar do crime

Pode ser na via pública ou não, bastando que o crime seja praticado na condução de veículo automotor. Exemplo: homicídio culposo cometido no ato de tirar o veículo da garagem.

6.4 Compensação e concorrência de culpas

A compensação de culpas é incabível em matéria penal. Caso a vítima também incida em conduta culposa, não excluirá a culpa do motorista. Ape­nas a culpa exclusiva da vítima é que faz com que o agente não responda pelo crime.

Por sua vez a concorrência de culpas faz com que todos os que agirem culposamente respondam pelo crime. Exemplo: motoristas chocam veículo em cruzamento, agindo com culpa. Ambos respondem pelo resultado.

6.5 Concurso de pessoas

É possível, desde que exista violação de cuidado objetivo.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 229

6.6 Causas de aumento de pena

Causas obrigatórias de aumento de pena, de 1/3 à metade. Hipóteses:

1-) Não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação.

O agente responderá por homicídio culposo na condução de veículo au­tomotor com a pena agravada. Ficará excluída a agravante genérica do art.298, III, do CTB.

O crime de falta de permissão ou habilitação para dirigir veículo fica ab­solvido pelo crime de homicídio culposo no trânsito, em face do princípio da subsidiariedade.

23) Homicídio culposo praticado na faixa de pedestres ou na calçada.

O que é necessário é que a conduta tenha sido praticada na faixa de pe­destres ou na calçada. A vítima pode ter morrido em outro local.

Também ocorrerá a exclusão da agravante genérica prevista no ÇTB, art. 298, VII.

3â) Omissão de socorro.

Deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima.

O agente nãoj&pjmdercLpor concurso material de crimes - homicídio cul­poso e omissão de socorro (CTB, arts. 302 e 304) -, mas por homicídio cul­poso com pena^agravada-pela omissãe^e socorro, tendo em vista o princípio da subsidiariedade.

O agente deverá agir com dolo em relação à omissão de socorro. O crime culposo terá uma circunstância dolosa de aumento de pena.

A circunstância somente incidirá se for possível o socorro. Se a vítima fa­lece no momento da conduta culposa, não há que se falar em omissão de so­corro.

Caso a vítima seja socorrida por terceiros, haverá a agravação da pena, uma vez que a omissão de socorro ocorreu e foi descumprido o dever de soli­dariedade humana (posição majoritária). Há posição em sentido contrário.

, Se houver perigo de Hnchamento, não ocorrerá a agravação da pena.

4â) Morte da vítima na condução profissional de veículo de transporte de passageiros.

Esta causa de aumento somente será aplicada ao profissional, uma vez que seu dever de cuidado é maior do que o das outras pessoas, residindo aí a maior gravidade da conduta.

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6.7 Suspensão condicional do processo

O homicídio culposo na direção de veículo automotor é disciplinado pelo Código de Trânsito que, por ser norma de caráter especial, afasta a inci­dência do art. 121, § 32, do Código Penal, não se aplicando a suspensão con­dicional do processo, em face da peiílí mínima de dois anos.

6.Ô Homicídio culposo em competição na via pública sem autorização legal

A conduta do motorista ao participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de competição automobilística sem autorização legal, provo­cando acidente fatal, configura crime de homicídio culposo, previsto no art. 302 do CTB, agindo com descumprimento de cuidado objetivo, portanto, cul­pa na modalidade imprudência.2

6.9 Homicídio culposo em estado de embriaguez

A conduta do motorista que causa homicídio culposo na direção de veí­culo automotor, sob efeito de álcool, enquadra-se neste art. 302 do CTB, sen­do indevida a tipificação da embriaguez no volante como crime autônomo. Inexiste concurso formal ou material de delitos. O crime de dano absorve o crime de perigo.3

6.10 Ação penal

A ação penal é pública incondicioriada e o rito é dos crimes apenados com detenção (CPP, art. 539).

A Lei n2 9.099/95 é inaplicável ao homicídio culposo no trânsito, posto que não é delito de menor potencial ofensivo.

2 Nesse sentido: TACRIM, 15a Câmara, Rel. Carlos Biasotti, Processo ns 1223205/1-Apel., j. 9-11-00.

3 Nesse sentido: TACRIM, 2a Câmara, Rel. Osni de Souza, Processo nfi 1230973-Apel., j. 23-1-01.

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6.11 Pai que entrega veículo a menor

O menor comete crime culposo, e o pai, por ação ou omissão, prestou concurso voluntário, tolerando ou não impedindo que o filho conduzisse veí­culo motorizado, cuja direção dependa de habilitação, responde criminal- mente pelo resultado lesivo, nos termos do art. 29 do CP.

7 DO CRIME DE LESÃO CORPORAL CULPOSA NO TRÂNSITO

“Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.

Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibi­ção de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo auto­motor.

*Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se

ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único no artigo anterior.”

7.1 Elementos do tipo

Como os elementos do tipo da lesão corporal culposa no trânsito são se­melhantes ao homicídio culposo no trânsito (art. 302, CTB), remetemos o lei­tor para os itens 6.1 a 6.8 do livro. A diferença ocorre apenas no resultado danoso decorrente da conduta culposa, que agora é a ofensa a integridade fí­sica da vítima e não a sua morte.

7.2 Absorção do crime de direção sem habilitação

O Supremo Tribunal Federal já decidiu e reiterou que a lesão corporal culposa no trânsito _ahsorve~a-direção sem habilitação, que não configura cri­me autônomo, mas causa de majoração da pena. In verbis:

“Considerando que o delito de direção inabilitada (CTB, art. 309) fora absorvido pelo crime mais grave, de lesão corporal culposa na direçãó de veí­culo qualificada pela falta de habilitação (CTB, art. 303, parágrafo único), a turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial de Belo Horizonte que, em face da ausência de representa­ção da vítima, determinara o prosseguimento da ação penal pelo crime de di­reção inabilitada (CTB, art. 309... ) ” (HC ne 80.041-MG, Rel. Min. Octavio

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Gallotti, em 30 maio 2000, acórdão ainda não publicado, mas mencionado no HC nQ 80.270-2-MG Medida Liminar, Rel. Min. Marco Aurélio, no mes­mo sentido, publicado no DJU, e m l2 ago. 2000, p. 15).

8 DO CRIME DE OMISSÃO DE SOCORRO NO TRÂNSITO

Art. 304. Omissão de socorro: “Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não po­dendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública.

Pena - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condu­tor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.”

8.1 Objetividade jurídica

É a solidariedade humana, no que toca à ajuda genérica na circulação de veículos.

8.2 Qualificação doutrinária

Crime omissivo próprio.

8.3 Sujeito ativo

É o cpmhrtor-de veículo automotor envolvido em acidente cQm vítima. Pode ser qualquer pessoa, habilitada ou não. Não é o causador do acidente com homicídio culposo ou lesão corporal culposa. É o condutor sem culpa en­volvido no acidente.

Se o autor do homicídio culposo ou lesão corporal culposa não prestar socorro à vítima, responderá pela pena agravada (arts. 302, parágrafo único, III, e 303, parágrafo único, do CTB).

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 233

Caso o condutor do veículo, ou terceira pessoa, como o passageiro ou transeunte, não estejam envolvidosjia acidente, não há que se falar em omis­são de socorro do_Çódigo de Trânsito. Responderão pelo crime comum de omissãodésõcorro previsto no art^35)do Código PenaL

Igualmente, se o veículo não for automotor, ocorrerá o delito comum (art. 135, CP).

^ Se várias pessoas envolvidas no acidente negarem assistência à vítima, j todas responderão pelo crime.

8.4 Sujeito passivo vjV i0~

E a vítima de acidente de veículo automotor.

8.5 Elementos objetivos do tipo

Conduta: omitir assistência a vítima de acidente de trânsito.

A omissão de socorro independe de fuga. O sujeito pode estar presente e negar assistência à vítima.

A omissão pode ocorrer de duas formas:

1-) Imediata: deixar de prestar imediato socorro à vítima. Desde que possível, sem risco pessoal, ou seja, sem justa causa para negar o so­corro.

2a) Mediata: deixar de solicitar auxílio da autoridade pública. Não pe­dir o socorro necessário, por qualquer meio. Esse pedido também deve ser imediato. Não há faculdade de escolha por parte do moto­rista. Se houver possibilidade de prestar imediato socorro à vítima, este deverá ser prestado. Somente na impossibilidade por justa cau­sa é que poderá ser solicitado o socorro.

O socorro à vítima ou o pedido de socorro deverão ser feitos imediata­mente, ou seja, logo após o acidente.

Se o agente atropelar a vítima sem culpa e não lhe prestar socorro, res­ponde pelo crime;

A recusa de transporte de pessoa gravemente ferida em veículo configu­ra o crime, desde que esteja envolvido no acidente. Caso contrário, haverá omissão de socorro do Código Penal.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

8.6 Elemento subjetivo do tipo

É o dolo, ou seja, vontade de não prestar assistência com a consciência da situação de perigo que envolve a vítima.

8.7 Consumação e tentativa

O momento consumativo é o da omissão. A tentativa não é admitida, por se tratar de crime omissivo próprio. O motorista que não presta assistên­cia já consumou o delito.

8.8 Norma complementar explicativa

O parágrafo único determina que o condutor do veículo responderá pelo crime, ainda que exista socorro de terceiros ou se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

8.9 Subsidiariedade expressa

“Se o fato não constituir elemento de crime mais grave.” Por exemplo: homicídio culposo.

8.10 Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

8.11 Rito processual

O rito processual é o dos crimes apenados com detenção (art. 539, CPP).

8.12 Transação penal

A transação penal é admitida.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 235

DO CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE

“Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”

9.1 Objetividade jurídica

A administração da justiça. O legislador, ao definir o “crime de fuga”, obriga o motorista a permanecer no local do acidente para não dificultar a apuração da responsabilidade penal e civil.

9.2 Questão da constitucionalidade

A constitucionalidade do dispositivo é questionada, pois ninguém tem o dever de produzir prova contra si mesmo, ou auto-incriminar-se.

9.3 Qualificação doutrinária

Crime formal e de perigo.

9.4 Sujeito ativo

O condutor do veículo automotor envolvido em addente automobilístico.

9.5 Sujeito passivo

O Estado.

9.6 Elementos objetivos do tipo

Conduta: afastar-se significa sair do local, manter distância.

Local do acidente: espaço físico da repercussão do acidente automobi­lístico.

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236 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

9.7 Elementos subjetivos do tipo

Primeiramente, o dolo genérico: vontade livre e consciente de afastar-se do local do crime.

Depois, o elemento subjetivo do tipo, ou “dolo específico”: para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

Então, a conduta do agente deve ter a finalidade de eximir-se da res­ponsabilidade penal ou civil.

9.8 Exclusão de ilicitude

Caso o agente fuja do local porque corre risco em sua integridade física, não haverá crime, por estado de necessidade.

9.9 Eficácia da fuga

Exige-se a eficácia da fuga. Ou seja, se o motorista já foi identificado, ou as placas do carro anotadas, por exemplo, não ocorrerá o crime.

9.10 Consumação e tentativa

A consumação do crime ocorre com o afastamento do local do crime. Se, após a fuga, o motorista é identificado, subsiste o delito que já se consu­mou. A tentativa é admissível, por exemplo, se o motorista aciona o motor para fugir e é impedido por terceiros.

9.11 Fuga e omissão de socorro

São circunstâncias ou fatos autônomos, podendo existir concurso entre o homicídio ou lesão culposas com acréscimo de pena e a fuga.

9.12 Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

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9.13 Lei n9 9.099/95

A sua aplicação é admitida^como, por exemplo, a transação e a suspen­são do processo.

__________________________________________________________________________ CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 237

10 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a in­fluência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Pena - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

10.1 Vigência do art. 34 da Lei das Contravenções Penais

A embriaguez ao volante enquadrava-se no art. 34 da LCP, consistente na direção perigosa de veículo na via pública. Com o CTB, a embriaguez ao volante fo^ criminalizada, deixando de fazer parte do rol da aplicação da LCP.

O referido art. 34 foi parcialmente revogado, porque outras formas de direção perigosa não previstas no CTB consistirão na contravenção penal. Houve derrogação do art. 34 da LCP.

10.2 Objetividade jurídica

Incolumidade pública, no que tange à segurança do tráfego de veículos.

10.3 Sujeito ativo

. Qualquer pessoa, habilitada para dirigir ou não.

É delito de mão própria ou de atuação pessoal. Ninguém pode determi­nar que outrem pratique o crime em seu lugar. É admissível o concurso de pessoas, desde que exista vínculo psicológico entre o autor e o partícipe. Exemplo: de automóvel, dizendo que não haverá problema.

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238 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

10.4 Sujeito passivo

A coletividade. Trata-se de crime vago. A expressão outrem significa pessoa determinada.

Não há necessidade de vítima determinada para a caracterização do de­lito. Existe, porém, a possibilidade da existência de um sujeito passivo secun­dário, uma pessoa que esteja em risco ou perigo de dano.

10.5 Elementos objetivos do tipo

Conduta típica: conduzir, ou seja, dirigir veículo, sob a influência de substância inebriante, expondo a segurança alheia a indeterminado perigo de dano (perigo coletivo).

Elementos:

condução de veículo automotor em via pública;

ingestão anterior ou concomitante de substância alcoólica ou de efeitos análogos;

alteração do sistema nervoso central, com redução ou modificação da função motora, da percepção ou do comportamento;

afetação da capacidade de dirigir veículo automotor;

condução anormal do veículo, expondo assim, a incolumidade cole­tiva a perigo de dano;

nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de substância alcoólica ou de efeito análogo.

Questões

1. Sujeito embriagado surpreendido empurrando o veículo: não há crime, pois não o estava conduzindo.

2. Sujeito embriagado conduzindo o veículo em ponto-morto (banguela): há crime, posto que o veículo está sendo conduzido com maior perigo de dano.

3. Sujeito embriagado que coloca o veículo em movimento, conduz o veícu­lo, mas não aciona o motor (“pegar no tranco”): há crime, pois o veículo está sendo conduzido.

4. Sujeito embriagado que conduz veículo para “esquentar” o motor, para testar o carro, para estacionar o carro: há crime.

le)22)

32)

4 Q )

52)

6e)

10.5.1

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 239

5. Conceito de via pública:

Via pública:

E aquela por onde transitam os membros da coletividade: autopistas, ruas, avenidas, travessas, becos etc.

Código de Transito, anexo I: via é a superfície por onde transitam pes­soas e animais.

A via pública pode ser do Poder Público ou do particular, mas a via não pode ser privativa do particular, porque daí o fato será atípico, pois não há acesso ao público.

Rua ou passagem interna de área comum de condomínio é via pública.

Estacionamento não é via pública.

10.5.2 Sob influência de álcool ou substância análoga

O tipo penal não faz referência a limite tolerado de álcool ou substância análoga no sangue. Basta, então, a condução sob influência do álcool ou de substância análoga, de forma irregular, expondo a dano potencial a incolu- midade pública.

Entretanto, para efeito de infração administrativa, o Código de Trânsito tolera a presença de até 6 rieriprãmas por litro de sangue (0,6 g/l), em seus arts. 165 e 276. - ----

Substância análoga ao álcool é qualquer entorpecente que determine de­pendência física ou psíquica (art. 165, Código de Trânsito).

A lei adotou a teoria biopsicológica: não basta a ingestão de álcool ou substância análoga, mas é preciso estar sob influência do álcool ou substân­cia análoga, portanto, com altejação de comportamento, no modo de condu­zir o veículo, anormalmente, de forma a causar perigo.

É necessário o nexo_causal entre a ingestão do álcool ou de substância análoga e a condução anormal do veículo (“costurar” no trânsito, zigueza- gue, velocidade excessiva etc.)

x Caso o motorista tenha ingerido substância alcóolica ou análoga, mas dirija normalmente, sem afetar a segurança alheia, não haverá crime, poden­do permanecer a infração adnmústratíva.

10.5.3 Pròva da influência do álcool

Pode ser pericial ou testemunhai. O bafômetro não é obrigação do agen­te, que pode recusar-se a realizá-lo, sem cometer crime de desobediência.

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240 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O agente policial poderá conduzir o agente perante a autoridade policial que o submeterá a exames clínicos, para verificar a embriaguez.

10.5.4 Expondo a dano potencitd

Significa causar perigo ,à incolumidade pública; não é necessário dano material ou pessoal a ninguém.

10.6 Natureza jurídica do crime

São três as posições existentes:

l â) Crime de perigo concreto: é necessário que o motorista com seu comportamento tenha exposto a segurança de alguém a perigo de dano efetivo, que deve ser demonstrado caso a caso. Não basta a mera condução anormal do veículo sob efeito de álcool ou substân­cia análoga; deve haver perigo a terceiros.

2-) Crime de perigo abstrato: trata-se de perigo presumido, ou seja, o simples fato de o agente dirigir veículo sob influência do álcool já tipifica o crime. Era a jurisprudência majoritária sobre o art. 34 da LCP, que incluía a direção perigosa em estado de embriaguez.

Não há necessidade de comprovação de perigo concreto, caso a caso. Note-se que o art. 34 da LCP traz também a expressão “pondo em risco a segurança alheia”.

3-) Crime de lesão e de mera conduta: dirigir embriagado de maneira anormal já é uma conduta perigosa; não necessita de comprovação no caso concreto.

O crime atinge a incolumidade pública, tem a coletividade como sujeito passivo. Então, não é necessária a comprovação do dano ou do risco do dano concretamente.

Basta a probabilidade do dano, a relevante possibilidade do dano à cole­tividade, o risco de dano a terceiros. É a posição que preferimos.

10.7 Conduta eventualmente permanente

A conduta perigosa e anormal do motorista pode eventualmente prolon- gar-se no tempo.

A sanção administrativa não exclui o crime.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 241

10.Ô Elemento subjetivo do tipo

Primeiramente o dolo, consistente na vontade livre e consciente de dirigir veículo automotor, com o conhecimento de que ingeriu substância inebriante que, com sua condução anormal, expõe a coletividade a perigo de dano.

Há também necessidade do elemento subjetivo do tipo, consistente na influência do álcool ou substância análoga na condução de veículo automo­tor. É a influência psíquica da ingestão das referidas substâncias.

10.9 Consumação e tentativa

A consumação ocorrerá no momento em que o motorista realiza mano­bra ou condução anormal, em conseqüência da ingestão de bebida alcoólica ou substância análoga.

A tentativa é inãdrnisswé|; ou o motorista realiza a conduta anormal e o crime está consumado, ou não realiza e não há tentativa.

10.10 Ação penal

Pública incondicionada.

10.11 Rito processual

Crimes apenados com detenção.

10.12 Concurso de crimes

Em relação ao concurso de crimes entre embriaguez ao volante (art. 306) e direção sem habilitação (art. 309), preferimos a posição que entende prevalecer o crime de embriaguez ao volante, que absorve a direção sem ha- bilitação— ---------

A conduta é única e o bem jurídico-penal atingido é o mesmo, qual seja, a incolumidade pública. Assim prevalece o crime mais grave, a embriaguez ao volante.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Em relação ao concurso de crimes entre homicídio culposo (art. 302) e embriaguez ao volante (art. 306), preferimos a posição que entende prevale­cer o crime de homicídio culposo, que absorve a embriaguez aovolaote.

A conduta é única e, ocorrendo o resultado mais gravoso (homicídio culposo), este prevalece sobre o mero perigo.

l l/DO CRIME DE VIOLAÇÃO DA SUSPENSÃO OU ) PROIBIÇÃO DE SE OBTER PERMISSÃO OU ( HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR

- “Art. 30^. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permis­são ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com funda­mento neste código.

Penas - detenção, de seismeses a um ano e multa, com nova impo­sição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que dei­xa de entregar, no prazo estabelecido no § 1- do art. 293, a permissão para dirigir ou a carteira de habilitação.” h<r>*A

11.1 Objetividade jurídica

Administração Pública.

11.2 Sujeito ativo

Crime próprio Jsó pode ser praticado por quem foi suspenso ou sofreu proibiçãoüe obtèrpermissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.

11.3 Sujeito passivo

O Estado.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 243

11.4 Conduta típica

Dirigir veículo automotor, violando a proibição recebida por decisão ju­dicial ou administrativa.

E necessário o trânsito em julgado da decisão para a violação.

11.5 Elemento subjetivo do tipo

Dolo genérico.

11.6 Consumação

Com o ato de dirigir, concretizando a violação.

11.7 Tentativa

Admissível no caput. Exemplo: o sujeito dá partida no veículo e, quando vai movimentá-lo, é impedido de prosseguir.

Inadmissível na conduta do parágrafo único, que é omissiva, deixar de entregar a permissão ou habilitação após o trânsito em julgado da decisão.

11.8 Ação penal

Pública incondicionada.

11.9 Rito processual

Crimes apenados com detenção (CPP, art. 539).

12 DO CRIME DE DISPUTA EM COMPETIÇÃO AUTOMOBILÍSTICA NÃO AUTORIZADA (RACHA)

“Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pú­blica, de corrida, disguta ou competição automobilística não autorizada

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244 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

(pela autoridade competente,/ídesde que resulte dano potencial à pública ou privada. ~

Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

12.1 Vigência do art. 34 da Lei das Contravenções Penais

O “racha” estava previsto anteriormente como contravenção penal de direção perigosa na via pública. O art. 34 da LCP continua em vigor para ou­tras modalidades de direção perigosa.

12.2 Objetividade jurídica

Principal: a incolumidade pública.

Secundária: a incolumidade individual ou privada.

12.3 Sujeito ativo

Os condutores participantes. Pode ser qualquer pessoa, habilitada ou não.

Crime de ronmrso necessário: não pode ser praticado por uma só pes-\ Soa. O tipo exige a participação de dois ou mais motoristas. \

Concurso de agentes: respondem também pelo crime, como partícipes, vcoj>ilotos, promotores do evento, fiscais da competição etc. J

12.4 Sujeito passivo

Principal: coletividade. Trata-se de crime vago.

Secundários: as pessoas vítimas do perigo de dano (transeuntes, assis­tentes etc.). Não há necessidade de vítima determinada, bastando a situação de perigo à incolumidade pública ou privada.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 245

12.5 Elementos objetivos do tipo

Conduta: participar, significa tomar parte.

Na direção de veículo automotor: o fato é praticado na condução do veí­culo, manobrando ou operando seu mecanismo.

Na via pública: elemento espacial do tipo.

Em local particular, o fato é atípico, podendo eventualmente ocorrer ou­tra infração penal.

12.6 Elemento subjetivo do tipo

E o dolo: vontade livre e consciente de participar de disputa ou competi­ção não autorizada, com o conhecimento de que a conduta expõe a incolumi­dade pública ou privada a perigo de dano.

É a falta de autorização da autoridade competente (art. 67 do CT). Se houver a autorização, o fato é atípico.

12.8 Natureza do crime de “racha’’

Três posições:

J UU11U UV- J^L.1 I g u

Í 3-) crime de mera conduta e de lesão. O dano potencial está incito, \ presente na conduta, não sendo exigido em concreto. Inexige, as­

sim, qualquer resultado. É a posição que preferimos.

12.7 Elemento normativo do tipo

^ * ’ ' ’ ' ~ 1 iocrime.

12.9 Concurso de crimes

Em relação ao concurso de crimes entre homicídio culposo (art. 302) e “racha” (art. 308), preferimos a posição que entende prevalecer o homicídio culposo, que absorvgja^raeha^r '

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

A conduta é única e, ocorrendo o resultado mais gravoso (homicídio culposo), este prevalece sobre o mero perigo de dano.

Em relação ao concurso de crimes entre “racha” (art. 308) e direção sem habilitação (art. 309), preferimos a posição que entende prevalecer o. crime de “racha”, que absorve a direção sem habilitação.

A conduta é única e ofende o mesmo bem jurídico, qual seja, a incolu­midade pública. Assim prevalece o crime mais grave que absorve a conduta de menor gravidade.

Por fim, em relação ao concurso de crimes entre “racha” (art. 308) e embriaguez ao volante (art. 3Q&L preferimos a posição que entende prevale­cer o crime de embriaguez ao volante, que absorve o “racha”.

Mais uma vez, a conduta é única e ofende o mesmo bem jurídico, (inco- lumidade pública). Assim, prevalece o crime de maior gravidade.

12.10 Consumação

Com o início da participação no “racha”.

12.11 Tentativa

Admitida. Exemplo: motoristas que são impedidos de movimentar os veí­culos, tendo já acionado os motores.

12.12 Ação penal

Pública incondicionada.

12.13 Rito processual

Crimes apenados com detenção.

/íi DO CRIME DE DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃOW ' ' 1/ “Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida

permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se cassadp o direito de dirigir, gerando perigo de dano.”

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 247

13.1 Concurso de normas incriminadoras (art. 32 da LCP)

O art. 32 da LCP, no que se refere a embarcação a motor em águas pú­blicas, permanece em vigor sem nenhuma discussão.

A questão que se coloca é sua vigência ante o novo Código de Trânsito, em relação ao presente no art. 309.

São duas as posições a esse respeito:

1-) Entendemos que o art. 309 do CTB derrogou o art. 32 da LCP, pois o CTB tratou inteiramente dos crimes de trânsito e, tratando-se de lei nova, revogou tacitamente o art. 32 da LCP no que se refere a veículo automotor. Assim, aplica-se o art~2-V§-^ da Lei de Introdução ao Código Civil.4

Em dois acórdãos, por unanimidade, o Colendo Superior Tribunal de Justiça admitiu a derrogação do art. 32 da LCP. No RHC 8.151-SP, da 6- Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cemicchiaro (DJU de 15-3-99, p. 290), des- tacou-se que

“o Código de Trânsito disciplinou às inteiras, a matéria jurídica relativa ao trânsito de veículos na via pública. Deu-se revogação orgânica. A lei posterior de modo integral disciplinou o instituto considerado pela le­gislação revogada. A contravenção foi substituída pelo crime, mesmo porque a doutrina moderna repudia as infrações de perigo abstrato. A primeira deixou o rol das infrações penais. A lei nova mais favorável é retroativa. A contravenção deixou de existir por superveniência de lei que considerou crime o respectivo fato. A conduta do art. 32 da LCP teve sua natureza transformada em espécie penal mais grave. A contra­venção deixou de existir; cedeu espaço ao crime. A lei penal mais severa não alcança fatos anteriores”.

4 Em decisão monocrática, em sede de habeas corpus, o Ministro Celso de Mello con­cedeu medida liminar para suspender o andamento de ação penal, onde o paciente estava sen­do processado por dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida habilitação. A liminar foi concedida, após completa exposição dos posicionamentos doutrinários e jurídicos, sob O argumento da existência de controvérsia jurídica sobre a necessidade da caracterização de perigo real ou concreto para tipificar o crime do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, bem como de controvérsia sobre a derrogação do art. 32 da Lei das Contravenções Penais (STF - l s T. - HC ns 79.474/MG - Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 2 set. 1999, p. 10). O Supremo Tribunal Federal cristalizou sua posição, como será posteriormente citado, no sentido da derrogação do art. 32 da LCP no RHC 80.362, de 14-2-01. Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a posição referida, passou a adotar majoritaria- mente o mesmo entendimento, conforme decisões de REsp nfi 263876/MG, em 17-4-01, na 274254/SP, em 17-4-01, n8 275068/SP, em 17-4-01, Rel. Edson Vidigal.

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248 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Por sua vez, no RHC 8.182, a 6- Turma do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves (DJU de 22-3-99, p. 256-7) decidiu que, simplesmente dirigir veículo automotor sem habilitação, configura mera infração administrativa (CT, art. 162,1) e não crime (CT, art. 309), pois o delito depende de o moto­rista dirigir de forma anormal. O art. 32 da LCP, que definia a infração penal de direção sem habilitação, foi derrogado pelo art. 309 do CT. O dispositivo subsis­te somente em relação a “embarcações”; caso a direção normal sem habilitação tenha ocorrido antes da vigência do CT, deve ser declarada extinta a punibilida- de, a teor dos arts. 5S, XL, da CF, e 22, caput e 107, in, do CP (abolitio criminis).

Foi esse o posicionamento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal:

“Dirigir sem Habilitação e Tipificação - Concluído o julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que se discutia se o art. 32 da Lei de Contravenções Penais (‘Dirigir, sem a devida habilitação, veícúlò na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas’) teria sido re­vogado pelo art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro (‘dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Ha­bilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano’) - v. Informativo 216. O Tribunal deu provimento ao recurso para deferir o habeas corpus, por entender que o CTB (Lei ns 9.503/97), ao regular inteiramente o direito penal de trânsito nas vias terrestres do território nacional, derrogou parcialmente o citado art. 32 (remanesce o dispositivo na parte em que se refere à embarcação a motor em águas públicas).5

2a) O art. 309 do CTB não derrogou o art. 32 da LCP. O CTB, ao crimi­nalizar a direção de veículo automotor em via pública sem habilitação, acres­centou a expressão “gerando perigo de dano”. Assim, não basta dirigir o veí­culo sem habilitação para configurar o crime, sendo necessário que a conduta gere perigo de dano à incolumidade pública, que é um elemento do tipo.

Ocorre que a mera direção sem habilitação continua prevista no art. 32 da LCP, que restará como infração penal subsidiária, caso inexista o perigo de dano na conduta.

Esta é a posição adotada pelo Ministério Público em São Paulo:

Súmula de entendimento da 2a Procuradoria de Justiça n2 10/99:

“O art. 32 da LCP não foi derrogado pelo Código de Trânsito Brasi­leiro, continuando em vigor.”

5 STF - Pleno - RHC n2 80.362/SP Rel. Min. limar Galvão, decisão: 14-2-01. Infor­mativo STF n2 217, p. 1.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 249

“Justificativa: Não há incompatibilidade entre o crime do art. 309 do CTB e a infração contravencional, considerando que as condutas re­guladas nesses dispositivos são diferentes, porquanto uma exige o peri­go concreto a outra somente o perigo abstrato.”

Para os defensores da primeira posição, dirigir sem habilitação, sem cau­sar perigo de dano, constitui mera infração administrativa.

13.2 Objetividade jurídica

E a incolumidade pública, no que se refere ao trânsito de veículos.

Notamos que não há necessidade de a conduta atingir bens jurídicos in­dividuais, bastando o perigo para a coletividade, sem que seja preciso vítima individualizada.

13.3 Sujeito ativo

Qualquer pessoa. É o condutor do veículo. Constitui crime de mão pró­pria, exigindo atuação pessoal do agente.

13.4 Sujeito passivo

A coletividade; tratando-se de crime vago, não há necessidade de vítima determinada.

13.5 Natureza jurídica do crime de direção sem habilitação

Em relação ao art. 32 da LCP existem duas posições:

1. Crime de perigo abstrato ou presumido: a infração integra-se pela simples conduta, independentemente da situação de perigo concre­to. E a posição majoritária.

2. Crime de perigo concreto. É a posição minoritária.

Em relação aò art. 309 do CT - 4 posições:

1. Perigo presumido ou abstrato: não houve modificação em relação à contravenção penal.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

2. Perigo concreto: caso inexistente a situação de perigo concreto, o fato é atípico, restando apenas a infração administrativa (art. 162,1 a V, do CT).

3. Perigo concreto: caso inexistente a situação de perigo concreto, aplica-se o art. 32 da LCP, sem prejuízo das sanções administrati­vas. É a posição adotada pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo.

4. Crime de lesão e de mera conduta. O crime ocorre quando o moto­rista dirige de modo anormal, expondo um número indeterminado de pessoas a perigo de dano. A mera condução inabilitada constitui infração administrativa.

13.6 Abolitio cnminis

Para os defensores da posição de que o art. 32 da LCP foi derrogado pelo art. 309 do CT e que, portanto, a mera condução do veículo sem habili­tação é infração administrativa, houve abolitio cnminis em relação a esta últi­ma conduta.

Ou seja, por não ser mais contravenção penal a direção sem habilitação e para constituir crime, passou a ser necessário o perigo de dano. Quando este não existir, a conduta será considerada ilícito administrativo, daí não ha­ver mais norma incriminadora a respeito, atingindo os feitos em andamento e as penas não cumpridas (extinção da punibilidade).

13.7 Concurso de agentes

É admitida a participação (art. 29, CP), pois alguém pode induzir, insti­gar ou concorrer materialmente.

13.8 Elementos objetivos do tipo

Conduta: dirigir veículo automotor significa conduzir, operar o mecanis­mo do veículo, sem permissão ou habilitação legal, ou ainda quando cassado o direito, na via pública.

A conduta deve ser anormal, porque não basta dirigir o veículo sem ha­bilitação, devendo gerar perigo de dano.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 251

Caso a conduta seja normal, cautelosa, inexistirá crime, subsistindo ape­nas a infração administrativa, ou a contravenção penal, dependendo da posi­ção adotada.

Ciclomotores: exigem apenas autorização para dirigir (art. 141 do CT). Como o art. 309 não se refere à autorização, conduzir ciclomotor sem esta é fato atípico.

Não há necessidade de habitualidade para configurar o crime.

O sujeito deve estar conduzindo o veículo. Portanto, se estiver empur­rando ao lado, com o veículo parado etc. não haverá crime.

Entretanto, ainda que o motor não esteja acionado, mas o veículo esteja em movimento e o agente em sua condução, haverá crime. Exemplo: “ban­guela”, “tranco” etc.

Exigência de habilitação legal específica

O agente deve ser legalmente habilitado para o tipo de veículo que con­duz. Caso a habilitação seja para veículo diferente, haverá crime.

Elemento normativo do tipo

“Sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, ou ainda, se cassa­do o direito de dirigir.”

Se existir a permissão ou habilitação o fato é atípico.

A existência de habilitação deve ocorrer no momento do fato. A habili­tação posterior não exclui o crime.

Elemento subjetivo do tipo

E o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de dirigir veí­culo automotor com o conhecimento de não possuir habilitação ou permissão.

O dolo deve abranger o conhecimento do perigo de dano com a condu­ção anormal.

13.9 Questões

1. Sujeito surpreendido na direção de veículo automotor depois de aprovado em exame de habilitação, porém antes da expedição do documento de habilitação:

Para a posição majoritária há crime.

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252 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

2. Sujeito surpreendido na direção de veículo sem portar a carteira respectiva.

Não há crime, mas mera infração administrativa (art. 232 do CT).

3. Habilitação posterior ao fato: não exclui o crime.

4. Dirigir veículo automotor com o exame médico vencido há mais de trinta dias: simples infração administrativa, não existindo crime (art. 162, V, CT).

5. Carteira de habilitação apreendida: dirigir o veículo constitui crime.

6. Habilitação legal suspensa ou cassada, ou com validade vencida há mais de 30 dias: dirigir veículo constitui crime.

7. Aprendiz - pessoa surpreendida dirigindo veículo na condição de aprendiz, recebendo lição de pessoa habilitada: não há crime, desde que a pessoa tenha autorização para ensinar.

8. Dirigir veículo com carteira de habilitação falsa: o agente responde por uso de documento falso (posição majoritária - STF e STJ).

9. Agente que rouba o veículo e passa a dirigir sem habilitação: o agente responde por roubo, que absorve a falta de habilitação.

10. Não há necessidade de flagrante delito para a configuração do cri­me, bastando a prova de que o sujeito dirigiu o veículo sem habilitação, ge­rando perigo de dano.

11. A multa administrativa não exclui a multa penal, pois são de natu­reza jurídica diversa.

13.10 Ação penal

Pública incondicionada.

13.11 Rito processual

Dos crimes apenados com detenção (art. 539, CPP).

14 DO CRIME DE PERMISSÃO OU ENTREGA TEMERÁRIA DA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

Art. 310. “Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com direito de dirigir

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 253

suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.”

14.1 Objetividade jurídica

Incolumidade pública.

14.2 Sujeito ativo

Qualquer pessoa. Não há necessidade de ser o proprietário do veículo aquele que entrega o mesmo a terceiro sem habilitação, ou com habilitação cassada, ou sem condições de conduzir veículo. Basta a entrega pura e sim­ples à pessoa não habilitada para configurar o crime.6

14.3 Sujeito passivo

Coletividade.

14.4 Elementos objetivos do tipo

Condutas:

a. Permitir: significa consentir, dar licença.

b. Confiar: significa autorizar, ceder.

c. Entregar: quer dizer passar às mãos de alguém.

Exemplos:

• pai que permite que o filho dirija seu veículo;

• alguém cede automóvel ao colega inabilitado;

• gerente de agência que entrega o veículo ao comprador não habili­tado.

Não importa que a pessoa inabilitada esteja acompanhada de pessoa ha­bilitada: ocorrerá o crime.

6 Nesse sentido: TACRIM, 11* Câmara, Rel. Luis Soares de Mello, Processo na 1249249/8-Apel., j. 26-3-01.

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254 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Caso ocorra crime culposo provocado pela condução da pessoa inabilita­da, o agente que permitiu, confiou ou entregou o veículo responderá pelo cri­me culposo.

A permissão do pai para o filho menor dirigir veículo automotor poderá ser expressa ou tácita, mediante omissão, pelas facilidades concedidas ao filho.

Exemplo: filho que sempre sai com o carro.

14.5 Natureza jurídica do crime

O crime, na forma adotada pelo tipo penal, é de perigo abstrato, posto que não é exigida nenhuma situação efetiva de perigo no fato concreto, bas­tando a realização da conduta, cujo perigo de lesão é presumido pela lei. Da mesma forma, não é exigida nenhuma anormalidade na atuação do agente.

14.6 Elemento subjetivo do tipo

É o dolo: vontade livre e consciente de entregar, confiar ou permitir a condução do veículo a terceira pessoa nas condições previstas no tipo.

O dolo deve ser abrangente da condição da pessoa a quem o veículo é entregue, confiado ou permitido.

14.7 Consumação e tentativa

A consumação ocorrerá com a direção do veículo por parte do terceiro a quem o veículo foi entregue, confiado ou cuja direção foi permitida.

O tipo penal usa a expressão “permitir, confiar ou entregar a direção” e não “entrega do veículo”. Direção é ato de dirigir. Ninguém pode ser punido por entregar a chave do veículo, ou dizer “pegue o carro”; são indiferentes penais.

A tentativa é admitida. Exemplo: o terceiro, quando vai movimentar o carro, é interrompido.

14.8 Ação penal

Pública incondicionada.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 255

14.9 Rito processual

Dos crimes apenados com detenção (art. 539, CP).

14.10 Lei n5 9.099/95

E admissível.

15 DO CRIME DE VELOCIDADE INCOMPATÍVEL

“Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”

15.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, no que se refere à segurança no trânsito de veículos.

Assim, a distinção com o crime de perigo para a vida ou a saúde de ou­trem (art. 132, do CP) está na circunstância de que neste o perigo é indivi­dual, atingindo pessoa certa e determinada, enquanto o crime de velocidade incompatível é crime de perigo coletivo, expondo a perigo de dano a coletivi­dade.

15.2 Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa, habilitada para dirigir veículos ou não.

15.3 Sujeito passivo

A coletividade é o sujeito passivo principal, primário ou imediato. Even­tualmente, as pessoas que ficarem expostas à situação de perigo poderão ser consideradas vítimas secundárias ou mediatas.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

O concurso de agentes é admissível, desde que presente o liame psicoló­gico entre os agentes.

15.4 Elementos objetivos do tipo

A conduta é trafegar, que significa andar no tráfego, transitar, passar, andar (Novo dicionário Aurãio da língua portuguesa). A conduta é de nature­za permanente, porque prolonga-se no tempo.

Portanto, não é apenas aquele que dirige o veículo que poderá praticar a conduta típica, mas também aqueles que se encontram no interior do veí­culo poderão praticá-la, uma vez que trafegam todos os que estiverem no in­terior do veículo.

Em velocidade incompatível com a segurança, é expressão de significa­do mais amplo do que a mera velocidade acima daquela permitida para o lo­cal. Evidentemente, aquele que transita em velocidade superior àquela per­mitida já trafega em velocidade incompatível com a segurança. No entanto, a situação em concreto poderá mostrar que a velocidade segura era bem me­nor do que aquela permitida para o local, tendo em vista o movimento ex­cepcional de pessoas pela localidade, por exemplo. De forma que a velocida­de poderá ser incompatível com a segurança, ainda que seja menor do que a permitida para o local.

Para que a conduta seja típica, ainda é necessário que seja praticada nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros; logradouros (ruas, por exemplo) estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas (estádios, feiras ou manifestações, por exemplo). Tratando-se de ele^m ^jiotipo^^a^^conduta sejapratica- ^a^m ^ip^Jocãl^u^nao^ mencionados, será atípica. : >

Notamos que o tipo nãomenciona a espécie de veículo cujo tráfego em velocidade incompatível acarreta o crime, o que demonstra que não apenas o veículo automotor pode tipificar a conduta.

A conduta deve gerar perigo de dano, conforme exigência do tipo penal. Dessa forma, não há necessidade de causar dano material ou pessoal, bastan­do o perigo. Novamente, podemos visualizar as diferentes posições sobre a natureza do crime, se de perigo concreto, abstrato, ou de lesão. Mais uma vez, reafirmamos a posição de que o perigo é concreto, posto que ao referir à geração de perigo, o tipo demonstra quêTiáo há presunção sobre a conduta, devendo a mesma efetivar uma situação que ponha em risco a coletividade. Entretanto, basta a comprovação de que a conduta é anormal e põe em risco indeterminadamente a coletividade. Não devemos confundir a hipótese com a exigência de comprovação de perigo efetivo para pessoas determinadas na conduta do agente, iá que o tipo não exige vítima determinada ^ c j » >

A eventual sanção administrativa não afasta o crime.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 257

15.5 Elemento subjetivo do tipo

A conduta deve ser dolosa, ou seja, praticada com vontade livre e cons­ciente de trafegar nos locais indicados, em velocidade incompatível com a se­gurança das pessoas, gerando perigo de dano.

Não há necessidade de nenhuma intenção especial por parte do agente.

15.6 Consumação

O crime estará consumado quando, nos locais mencionados, a velocida­de do veículo for incompatível com a segurança das pessoas e causar o peri­go de dano. Não há necessidade de ocorrer dano efetivo.

15.7 Tentativa

E inadmissível, uma vez que ou o tráfego é feito com velocidade incom­patível com a segurança das pessoas, gerando perigo de dano, ou o fato é in­diferente ao Direito Penal, portanto, atípico.

15.8 Concurso de normas

O art. 34 da Lei das Contravenções Penais continua em vigor, uma vez que trata da direção perigosa de veículo na via pública, que pode ocorrer de diversas formas. A velocidade incompatível, nos termos dispostos no crime, é apenas uma das formas de condução perigosa, que a lei destacou para trans­formar em crime.

Caso ocorra lesão corporal culposa ou homicídio culposo em virtude da conduta, entendemos que o crime de velocidade incompatível será absorvido, posto que trata-se de crime de perigo que não subsiste quando ocorre a fesão efetiva em razão da conduta. No entanto, existem posições diversas, como já referido.

Caso ocorra a direção sem habilitação juntamente com a velocidade in.- çompatível, entendemos que este último absorverá a direção sem habilitação, ocorrendo a consunção, uma vez que as condutas são praticadas pelo mesmo agente, atingindo o mesmo bem jurídico e ocorrem em relação à mesma víti­ma (coletividade). Novamente, apontamos a existência de outras posições, reputando existir concurso material, ou formal.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

16 DO CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL

“Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilísti­co com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparató­rio, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou o juiz:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, ainda que não inicia­dos, quando da inovação, o procedimento preparatório, o inquérito ou o pro­cesso aos quais se refere.”

16.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido é a administração pública, especificamente a administração da justiça. v ' ----------

16.2 Sujeito ativo

Qualquer pessoa, podendo ser o indiciado, o acusado, o advogado, a ví­tima, ou terceiro.

16.3 Sujeito passivo^ ,

O Estado é a vítima principal, primária, imediata. Poderá existir terceira pessoa lesada, configurando sujeito passivo secundário.

16.4 Elementos objetivos do tipo

Inovar significa modificar, alterar, substituir. Artificiosamente é median­te artifício, engodo, enganação. Pode atingir o local do acidente, alguma coi­sa no local, ou mesmo pessoa envolvida.

A fraude deve ter idoneidade, ou seja, aptidão para enganar um número indeterminado de pessoas. O critério é objetivo, visando ao homem médio. Não é crime a inovação grosseira, perceptível à primeira vista. Da mesma for­ma, a fraude deve possuir relevância jurídica, alterando a capacidade proba­tória da situação.

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CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO 259

O procedimento criminal não precisa estar iniciado para que o crime ocorra, bastando a inovação.

Exige o tipo que ocorra um acidente automobilístico com vítima, para que a inovação artificiosa configure crime.

16.5 Elemento subjetivo do tipo

Além do dolo, vontade livre e consciente da inovação, há necessidade de uma especial intenção do agente, consistente na finalidade de induzir a erro o agente policial, o perito ou o juiz.

16.6 Consumação

O crime é de natureza formal, bastando para a consumação a iijovação artificiosa, ainda que a intenção do agente de enganar o agente policial, o perito, ou o juiz não tenha sido atingida. Portanto, mesmo que a inovação não chegue ao conhecimento do agente policial, do perito ou do juiz, haverá o crime.

16.7 Tentativa

É admissível, pois o agente pode iniciar a conduta de inovar e ser impe­dido de efetivá-la, por circunstâncias alheias a sua vontade, como a chegada de alguém, por exemplo.

16.8 Concurso de normas

Caso o agente, para inovar artificiosamente, adultera sinal identificador de veículo automotor, crime constante do art. 311, do Código Penal, respon­derá por concurso formal de crimes, pois atingirá dois bens jurídicos distintos com a mesma conduta.

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7

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

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1 JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

1.1 Constituição

Será provido obrigatoriamente por juizes togados, únicos, a nosso ver, que poderão exercer atos referentes à prestação jurisdicional criminal.

É facultada, outrossim, sua composição por juizes leigos, a critério do legislador estadual.

1 .1 .1 Competência

A competência do Juizado Especial Criminal está circunscrita às infra­ções penais de menor potencial ofensivo.

No entanto, quanto a estas, a competência é ampla, abrangendo todas as fases dos procedimentos (preliminar ou conciliatória, processual e de exe­cução da pena de multa). Cabe ao Juizado Especial Criminal a conciliação (civil e criminal), o julgamento (procedimento sumaríssimo) e a execução de parte de seus julgados.

Registre-se, ainda, que fica afastada a competência do Juizado Especial Criminal, nos casos de infrações de menor potencial ofensivo, quando não for possível a citação pessoal do autor do fato, entendendo-se esta não só a citação realizada no próprio Juizado ou por mandado em seu âmbito jurisdi­cional, como também a feita por precatória quando o autor do fato residir fora deste.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 261

Igualmente, não são de competência do Juizado Especial Criminal as in­frações de menor potencial ofensivo cometidas por pessoas que gozam de foro especial por prerrogativa de função. Assim, por exemplo, as praticadas por senadores e deputados federais serão de competência do Supremo Tribu­nal Federal; as praticadas por governadores e desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados serão da competência do Superior Tribunal de Justiça; e por deputados estaduais, prefeitos municipais, juizes de direito e membros do Ministério Público serão da competência dos Tribunais de Justiça Esta­duais. Abrange as infrações cometidas durante o exercício funcional e aque­las ainda não julgadas quando do início do mesmo.

Ademais, a complexidade do fato típico de menor potencial ofensivo, que demanda, a juízo do Ministério Público, investigações mais aprofunda­das, não permitindo, por isso, oferecimento imediato de denúncia, desvia a competência para o Juízo Comum competente (art. 77, § 2e). Da mesma for­ma, na hipótese de conexão ou continência de infração de menor potencial ofensivo com crime comum, a fím de permitir reconstrução crítica unitária das provas e unidade de julgamento, deve haver deslocamento da competên­cia para o juízo de atração (foro da infração à qual for cominada a pena rfiais H |grave - art. 78, II, a, do CPP). j

Í1.2 Infrações penais de menor potencial ofensivo í

Os Juizados Especiais Criminais, consoante o disposto na norma consti­tucional (art. 98,1) e no art. I 2 da Lei, são órgãos da Justiça Ordinária.

Assim, inicialmente, não estava prevista sua instituição tanto nas Justi­ças Especiais (Eleitoral e Militar federal ou estadual), quanto na Justiça Fe­deral comum, pois a autorização legislativa para a União criá-los havia sido restringida, em face do caput do art. 98 da Constituição Federal, ao Distrito Federal e aos Territórios. Ocorre, porém, que em relação à Justiça Federal, a EC n- 22, promulgada em 18 de março de 1998, autorizou lei federal a criar Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.

Em relação às Justiças Especiais (militar, eleitoral), bem como a Justiça Federal antes da EC nQ 22/98, apesar de não contarem com Juizados Espe­ciais Criminais, os quatro institutos despenalizadores criados pela Lei, ou seja, a composição de danos cíveis extintiva da punibilidade (art. 74, pará­grafo único), a transação penal (arts. 72 a 76), a representação nas lesões corporais leves ou culposas (art. 88) e a suspensão condicional do processo (art. 89) têm plena aplicação.

O art. 61, da Lèi n2 9.099/95, define as infrações penais de menor po­tencial ofensivo da seguinte maneira:

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

“Art. 61. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.”

1.2.1 A a p lica çã o d a L e i n - 10.259/01

Dando cumprimento ao disposto na EC ne 22/99, o legislador trouxe, em 12-7-2001, a Lei ns 10.259, que trata do Juizado Especial Criminal no âmbito da Justiça Federal.

A referida lei criou o Juizado Especial Federal Criminal com competên­cia para processar e julgar os feitos pertinentes à Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo (art. 2e).

Ocorre que no parágrafo único do mencionado art. 2-, a Lei n2 10.259/01 trouxe uma nova definição de crimes de menor potencial ofensi­vo, nos seguintes termos:

“Art. 2S (...).

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.”

A Lei n2 10.259/01 modificou o conceito trazido anteriormente pela Lei n2 9.099/95, aumentando a pena máxima de um para dois anos e retirando a exceção para os casos em que a lei previa procedimento especial, alargando o conceito de infração de menor potencial ofensivo.

A partir de então, surgiu a discussão acerca da derrogação do art. 61 da Lei n2 9.099/95, pelo parágrafo único do art. 2- da Lei n910.259/01.

A matéria é objeto da Súmula de entendimento uniforme 08/2002, da3- Procuradoria de Justiça do Ministério Público de São Paulo:

“NÃO-APLICAÇÃO DA LEI N2 10.259/2001 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ESTADUAL - INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, PARTÉ , FINAL, DA LEI N910.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO: A Constituição Fe­deral estabeleceu dois sistemas distintos de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o federal e o estadual (art. 98 ,1). A Lei ns 10.259/2001 foi editada a serviço de um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento espe­cífico a pessoas diversas. Demais disso, nesse campo estaria o Poder Ju­diciário apenas autorizado a declarar a inconstitucionalidade da lei

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 263

nova atuando como legislador negativo, proibida sua atuação como le­gislador positivo, pena de estender, por via jurisdicional, o conceito de crime de menor potencial ofensivo a hipóteses não contempladas pelo novo texto legal, o que representaria usurpação da competência consti­tucional do Poder Legislativo.”

Ocorre que, adotado este entendimento, o direito pátrio teria dois con­ceitos de crimes de menor potencial ofensivo, um para a Justiça Estadual e outro para a Justiça Federal, o que acarretaria a conseqüência de que o mes­mo fato seria considerado de menor potencial ofensivo, caso julgado por um Juiz Federal e não seria, caso julgado por um Juiz Estadual, obedecidas as re­gras de competência.

Por exemplo, um desacato (art. 331, CP), cuja pena é de detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa, praticado contra funcionário público estadual, não seria considerado crime de menor potencial ofensivo, mas, se praticado con­tra funcionário público federal, seria assim considerado.

Esta solução ofende o princípio da igualdade, uma vez que o mesmo fato típico não pode ser considerado crime de menor potencial ofensivo para um réu e não ser considerado para outro. Igualmente, ofende o princípio da proporcionalidade, pois apenas pela mudança da competência judicial, ou pela existência de interesse da União, o conceito e as conseqüências do crime não podem ser modificados.

Daí entendemos ser inconstitucional o art. 20, segunda parte, da Lei n2 3!10.259/01, com a conseqüente derrogação do art. 61, da Lei ns 9.099/95.

O conceito de infrações de menor potencial ofensivo para o direito bra­sileiro é aquele previsto no parágrafo único, do art. 22, da referida Lei n2 10.259/01.

O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela derrogação do art.61, da Lei n2 9.099/95:

“I - A Lei n2 10.259/01, em seu art. 29, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial ofensivo, alcança o disposto no art. 61 da Lei n2 9.099/95. II - Entretanto, tal alteração não afetou o patamar para o sursis processual” (STJ - 5a Turma - EDRHC n2 12.033/MS - Rel. Min. Félix Fischer, DJU, 10-3-03, p. 243; no mesmo sentido: RHC nQ 13.229/RS, DJU, 10-3-03, p. 247; RHC n2 14.168/SP - Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 25-8-03, p. 328; RHC n2 12.865/PR - Rel.Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 4-8-03, p. 325).

O Supremo Tribunal Federal também decidiu que a Lei n2 10.259/01 fi­xou novo critério para a conceituação de crime de menor potencial ofensivo, revogando o art. 61 da Lei ns 9.099/95 (HC ne 83.104/RJ, 2- Turma, Rel.Min. Gilmar Mendes - Informativo n2 326).

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Notamos também que a revogação do art. 61 da Lei nQ 9.099/95 faz com que não mais existam as exceções à aplicação dos benefícios previstos na lei, para crimes com previsão de procedimento processual penal especial. Assim, por exemplo, o crime de uso de entorpecentes, definido no art. 16 da Lei nQ 6.368/76, agora está dentro do conceito de crime de menor potencial ofensivo e recebe os benefícios legais, como a possibilidade de transação pe­nal. Nesse sentido a jurisprudência do STJ (RHC ne 14168/SP - 5â Turma - Rel. Min. Gilson Dipp - DJU 25-8-03, p. 328).

1.2.2 Contravenções penais

Da simples leitura e interpretação gramatical deste dispositivo poder- se-ia concluir que constituem infrações penais de jngnor potencial ofensivo as contravenções penais, independentemente clã pena máxima constante do preceito sancionador, e os crimes que a lei comine pena máxima não supe­rior a um ano, excetuados as contravenções e os crimes cuja persecução pe­nal se faça mediante procedimento especial.

Todavia, perante o objetivo fundamental da Lei, que é a simplificação da Justiça Penal, dando rápida prestação jurisdicional nas hipóteses de infra­ções penais de menor potencial ofensivo, seria, a nosso ver, ilógico afastar-se do Juizado Especial Criminal as contravenções quando a lei estabelece para elas procedimento especial (jogo do bicho e contravenções florestais), posto que foram sempre consideradas, em nosso direito, infrações penais mais le­ves. E a contravenção destinada à adequação típica de condutas que encer­ram menor jgravidade, que constituem ofensas menores à ordem jurídica, tanto que é considerada, na doutrina, adotando-se a expressão feliz de Nel­son Hungria, como “crime-anão”.

Assim, seria desarrazoado subtrair do Juizado Especial Criminal, em ra­zão da forma de procedimento, crimes-anões, enquanto crimes mais ofensi­vos que estes se inserem em sua competência. Dentro deste contexto, fazen- do-se uma interpretação teleológica deste dispositivo, aliada a uma gramatical menos restritiva, chega-se à conclusão de que a expressão final se refere apenas aos crimes. E, na verdade, em face desta norma, ficou revoga­do qualquer tipo de procedimento especial previsto para contravenções penais.

Portanto, todas as contravenções penais, inclusive aquelas com pena superior a um ano e que ostentavam procedimento especial, são infrações de menor potencial ofensivo.

Quanto à pena superior a um ano, podemos citar as contravenções do art. 24 da Lei das Contravenções Penais, que pune o fabrico, a cessão ou ven­da de gazua ou instrumento usualmente empregado na prática de furto, que apresenta pena máxima de dois anos de prisão simples, e a contravenção do art. 45 do Decreto-lei nQ 6.259, de 10-2-1994, relativa à extração de loteria

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não autorizada, com pena de um a quatro anos de prisão simples. Com res­peito a procedimentos especiais, temos as contravenções do jogo do bicho (art. 58 a seu § l 9 das Leis das Contravenções Penais, ante o disposto na Lei ns 1.508, de 19-12-1951) e as florestais previstas no art. 26 da Lei n- 4.771, de 15-9-1965, cujo processo obedecia ao rito sumário previsto para aquelas.

Assim, conforme entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, “todas as contravenções penais, mesmo aquelas sujeitas a procedimento es­pecial, consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo para õs fins do art. 61 da Lei ne 9.099/95” (RJDTACRIM 31/170).

1.2.3 Crimes

Por outro lado, são infrações de menor potencial ofensivo: os crimes que a lei comine pena máxima de reclusão ou de detenção (seja isoladamente, seja alternativa ou cumulativamente com pena pecuniária) não superior a um ano, com exceção daqueles cuja persecução se faz mediante procedimento especial.

A pena máxima não superior a um ano deve ser calculada levando-se em consideração as causas de aumento e diminuição de pena previstas na parte especial do Código Penal.

Por outro lado, não devem ser consideradas no cálculo as circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas (arts. 61, 62, 65 e 66 do CP).

No tocante à tentativa, causa obrigatória de redução de pena prevista na parte geral do Código Penal (art. 14, II), sua aplicação no cálculo da pena máxima de um ano dependerá da circunstância de estar perfeitamente carac­terizada, prima fade, no termo circunstanciado lavrado pela autoridade poli­cial (art. 69). Em caso de dúvida de sua ocorrência, não deve ser considerada na configuração de infração de menor potencial ofensivo.

Com respeito aos procedimentos especiais, abrange os previstos no Có­digo de Processo Penal e nas Leis Penais Especiais.

No âmbito do Código de Processo Penal, temos os procedimentos espe­ciais referentes aos delitos falimentares (arts. 503/512 do CPP); aos crimes de responsabilidade própria dos funcionários públicos, tais como: peculato culposo (art. 312, § 2e do CP), prevaricação (art. 319 do CP), condescendên­cia criminosa (art. 320 do CP) e advocacia administrativa (art. 321 e § l e do CP), previstos nos arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal; aos delitos contra a propriedade imaterial (arts. 524/530 do CPP); e aos crimes de calú­nia, difamação e injúria (arts. 519/523 do CPP).

Nas Leis Penáis Especiais, cujos delitos tipificados com pena máxima in­ferior a um ano estão excluídos em razão do rito especial, podemos citar os crimes de abuso de autoridade (Lei ne 4.898, de 9-12-1968) e os crimes de imprensa (Lei ne 5.250, de 9-2-1967).

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Por outro lado, há delitos previstos em legislação especial que, não es­tando sujeitos a procedimento especial, incluem-se na competência do Juiza­do Especial Criminal, como os tipificados nos arts. 63, § 2e, 66 e 67 a 74 do Código de Defesa do Consumidor.

Registre-se, ainda, que não se inserem na competência do Juizado Espe­cial Criminal as infrações de menor potencial ofensivo cometidas por agentes públicos que detêm prerrogativa de foro (competência originária ratione per- sonae ou pela prerrogativa da função).

1.3 Objetivos e princípios

Esclarece os objetivos fundamentais do processo perante o Juizado Es­pecial e aponta os princípios que o regem.

1.3.1 Objetivos

O objetivo fundamental é a tutela da vítima mediante a re­paração, sempre que possível, dos danos por ela sofridos. Daí, a ênfase dada à composição de danos, à denominada transação civil, a ser bus­cada na fase preliminar (art. 72). E, caso não tenha sido possível empreen­dê-la nesse momento, abre-se, ainda, a possibilidade de ser tentado o acor­do civil por ocasião da instalação da audiência de instrução e julgamento (art. 79).

O segundo objetivo é a aplicação de pena não privativa de liberdade, ou seja, multa ou penas restritivas de direitos, cabendo sua apli­cação imediata, tal como a transação civil, na audiência preliminar, após a ocorrência, ou não, desta, ou no início da audiência de instrução e julgamen­to, quando não foi possível naquela fase, desde que proposta pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração e seu defensor (art. 76). E a transação penal instituto moderno, cediço na legislação de outros países e pela primei­ra vez adotado por nossa, que examinaremos mais à frente.

1.3.2 Princípios

Os princípios especiais que regem o processo no Juizado Especial Crimi­nal são: oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Veja­mos a presença e a intensidade de cada um deles.

A oralidade é a tônica que informa a atuação do Juiz, do Ministério Público, do autor da infração e de seu defensor.

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Tanto a transação civil quanto a penal será conduzida oralmente, sendo reduzida a termo quando viabilizada (arts. 74 e 76).

O ofendido, no caso de ação penal pública condicionada, inviável a transação civil, terá oportunidade de exercer o direito de representação ver­bal, que será reduzida a termo (art. 75).

O Ministério Público, na ação penal pública incondicionada, não ocor­rendo a transação penal, e na ação penal pública condicionada, feita a repre­sentação pelo ofendido, diante da não-verificação do acordo civil, e também não efetivada a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade, ofere­cerá denúncia oral (art. 77). A queixa oral, igualmente, é contemplada pela Lei (art. 77, § 3e).

Como se vê, o princípio da oralidade acompanha toda a tramitação do procedimento no Juizado Especial Criminal.

O princípio da informalidade, por outro lado, regula todos os atos processuais no Juizado Especial Criminal, bem como a atuação da autoridade policial na fase investigatória. * \

Esta, em geral, não deve instaurar inquérito policial referente às infra- Tções de menor potencial ofensivo, mas apenas lavrar termo circunstanciado !|da ocorrência (art. 69). ;

3Nas audiências, a preliminar é eminentemente informal e a de instrução "e julgamento, embora tenha um rito a ser observado, também é informal, *pois se reduzem a termo, de forma resumida, apenas os fatos relevantes ocorridos em audiência. E só serão objeto de registro os atos havidos por es­senciais (art. 65, § 3e). Prescindir-se-á, também, do exame de corpo de delito quando a materialidade da infração de menor potencial ofensivo já foi aferi- da por boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § l e). A sentença, por sua vez, dispensa relatório (art. 81, §§ 22 e 39).

O princípio da economia processual, como os outros, também foi adotado no Juizado Especial Criminal. Assim, os atos processuais serão váli­dos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados (art. 65). E descabe a decretação de nulidade quando, do descumprimento de qualquer formalidade do procedimento, não acarretar prejuízo para as partes (art. 65, § 1-).

O princípio da celeridade informa toda a apuração e persecução das infrações de menor potencial ofensivo. A autoridade policial, tomando ciên­cia de sua ocorrência, lavra termo circunstanciado e o remete imediatamente ao Juizado Especial Criminal. E, na medida do possível, encaminha também a este o autor do fato e a vítima (arts. 69 e 70). Estando ambos presentes, re­aliza-se, em sendo viável, a audiência preliminar. Caso contrário, já se proce­de a sua designação para data próxima, saindo estes cientificados (art. 70).

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Na audiência preliminar, já podem acontecer a transação civil e a pe­nal e, sendo esta efetivada, o Juiz aplica de imediato a pena acordada (art. 76, § 4S).

Por outro lado, não ocorrendo a transação penal ou não oferecendo o Ministério Público proposta nesse sentido, apresentará o Promotor de Justi­ça, ato contínuo, não havendo necessidade de diligências imprescindíveis, denúncia oral (art. 77), acompanhada, ou não, de proposta de suspensão do processo (art. 89). Reduzida a termo, não formulada ou não aceita tal pro­posta, entregar-se-á cópia ao acusado, que com ela ficará citado e cientifica­do da data da audiência de instrução e julgamento. Nesta, por outro lado, se­rão praticados os atos processuais seguintes: resposta do defensor à acusação, recebimento da denúncia ou queixa, oitiva da vítima e testemu­nhas de acusação e defesa, interrogatório do acusado, debates e prolação da sentença (art. 81).

2 DA COMPETÊNCIA E DOS ATOS PROCESSUAIS

2.1 Competência

O art. 63 trata da competência territorial, determinando que o Juizado Especial Criminal competente para processar e julgar infrações de menor po­tencial ofensivo é o do lugar de sua prática.

Para a identificação deste lugar há de ser utilizada a regra contida no art. 6Q do Código Penal, que adota o princípio da ubiqüidade, ou seja, o local onde foi cometida a infração penal é tanto aquele da prática da atividade de­lituosa quanto aquele de seu resultado.

Daí, a Lei, tendo em vista os princípios da celeridade e da informalidade que norteiam o processamento das infrações de menor potencial ofensivo, autoriza que o Juizado Especial Criminal conheça tanto as infrações executa­das quanto as consumadas no âmbito de sua jurisdição.

A Lei, portanto, não segue necessariamente a regra prevista no Código de Processo Penal (art. 70), ou seja, dó lugar onde a infração penal se consu­mar ( locus delicti commissi).

Registre-se, no entanto, que, do ponto de vista prático, não haverá difi­culdade de aplicação do dispositivo comentado, pois a grande maioria das in­frações de menor potencial ofensivo apresenta o momento de consumação si­multâneo ou logo em seguida ao momento da conduta delituosa.

Por outro lado, no caso da consumação ou da prática de atos de execu­ção em território de mais de uma jurisdição, os Juizados Especiais Criminais

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de ambos serão competentes, e a competência será firmada pela prevenção (art. 83 do CPP).

Assim, previne a jurisdição de um Juizado Especial Criminal o recebi­mento por este do termo circunstanciado sobre infração de menor potencial ofensivo, enviado pela autoridade policial, que tomou conhecimento de sua ocorrência (art. 69) i e a realização imediata ou a designação de audiência preliminar (arts. 70 e 71).

2.1.1 Prorrogação de competência

Note-se que a competência do Juizado Especial Criminal é relativa, ou seja, ele está sujeito às regras de prorrogação de competência previstas no Código de Processo Penal.

Nos casos de conexão e continência (arts. 76 e 77 do CPP), envolvendo infração de menor potencial ofensivo e crime que refoge à jurisdição do Jui­zado Especial Criminal, este delito atrai aquela, prevalecendo a competência do juízo de atração.

Ademais, quando no juízo comum houver desclassificação de um crime para uma infração penal de menor potencial ofensivo, havendo prorrogabili- dade de competência, o próprio juiz comum designará audiência para que o Ministério Público, se entender cabível, ofereça a transação penal ao réu, uma vez que não houve possibilidade anterior, conforme art. 79 da Lei.

2.2 Atos processuais

2.2.1 Funcionamento do juizado especial

Os arts. 64 e 65 mostram como e quando devem ser praticados os atos processuais, levando-se sempre em consideração os critérios da oralidade, in­formalidade, economia processual e celeridade, previstos no art. 62.

Em primeiro lugar, autoriza a norma do art. 64 a prática de atos proces­suais, no Juizado Especial Criminal, em qualquer dia da semana, inclusive em horário noturno, mesmo durante as férias forenses, devendo esta matéria ser regulada por lei estadual de organização judiciária. E, para a concretiza­ção deste dispositivo, esta poderá instituir sistema de plantão permanente, o que possibilitará o encaminhamento, logo após a lavratura do termo circuns­tanciado da ocorrência, do autor e da vítima ao Juizado Especial Criminal e, caso seja viável, a realização imediata da audiência preliminar (art. 70). E o princípio da celeridade aplicado em sua plenitude.

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2.2.2 Prevalência do princípio da instrumentalidade das formas

O art. 65 e seu § 1Q adotaram o sistema da instrumentalidade da forma, priorizando e consecução do fim a que se destina o ato processual praticado, que, em sendo atingido, convalida os vícios de forma verificados em sua exe­cução.

A despeito de ser praticado certo ato processual com inobservância da forma prescrita na Lei, ele será considerado válido se alcançado o objetivo que informa sua realização.

Por outro lado, no parágrafo primeiro, enfatizou o princípio geral sobre a matéria das nulidades previsto no Código de Processo Penal: não há nuli­dade sem prejuízo (pas de nullité sans grief).

O ato processual imperfeito, que atinge seu fim, sem acarretar prejuízo para a acusação ou para a defesa, não sofre a sanção da nulidade.

Saliente-se, ainda, que, em complementação a esta regra, aplica-se, também no Juizado Especial Criminal, o seguinte princípio relativo a nulida­des, previsto no art. 566 do CPP: “Não será declarada a nulidade de ato pro­cessual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.”

2.2.3 Prática de atos processuais fora da jurisdição do juizado especial criminal

Por outro lado, a regra prevista no § 2- do art. 65, inspirada no princí­pio da informalidade, autoriza a adoção de qualquer meio hábil de comuni­cação para a prática de atos processuais em outras comarcas (por exemplo fax, via telefônica etc.), não havendo necessidade de expedição de precatória.

A citação do autor da infração residente em outra comarca será aborda­da por ocasião do exame do art. 66.

A solicitação da prática de outros atos processuais em diversas comarcas deverá ser feita, em geral, por precatória. É o meio hábil para providenciar a oitiva do ofendido e das testemunhas residentes no juízo deprecado. E, neste, poderá o Juiz intimá-las para a audiência na forma do art. 67, ou seja, por correspondência, com aviso de recebimento pessoal, por oficial de justiça, in­dependentemente de mandado, ou por qualquer outro meio idôneo de comu­nicação.

A intimação da vítima, que mora fora da rircunscrição do Juizado Espe­cial Criminal, visando seu comparecimento, se o desejar, à audiência prelimi­nar a ser realizada neste, posto ser indispensável sua presença para o exame

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da conciliação civil, poderá também ser feita diretamente por carta ou mes­mo por telegrama, com aviso de recebimento. E o mesmo procedimento pode ser adotado quanto ao responsável civil pelo dano sofrido pela vítima.

2.2.4 Registro escrito dos atos essenciais

Os princípios da oralidade e da informalidade também estão presentes na regra do § 32 do art. 65, segundo o qual somente serão objeto de registro escrito, resumidamente, os atos processuais havidos por essenciais. E a pró­pria Lei encarrega-se, em vários dispositivos, de definir os atos que considera essenciais.

Assim, devem ser reduzidos por escrito: a composição civil dos danos (art. 74); a representação verbal oferecida pelo ofendido (art. 75); a propos­ta de transação penal formulada pelo Ministério Público, com o registro de sua aceitação pelo autor da infração e seu defensor (art. 76 a seu § 3-); a sentença de homologação ou de não-acolhimento da transação penal (art. t76, §§ 4Q e 5Q); a denúncia ou queixa oral (art. 78); os fatos relevantes ocor- ridos na audiência de instrução e julgamento (matéria de prova de interesse ídas partes constante dos depoimentos da vítima e testemunha ali colhidos, ^interrogatório do acusado e síntese dos debates orais); e a sentença, mencio- \nando os elementos de convicção do Juiz, dispensado o relatório. j;

2.3 Citação

2.3.1 Citação pessoal ou real

A citação, como é cediço, é o ato processual de comunicação ao acusado de que foi instaurada ação penal contra ele e, ao mesmo tempo, de seu cha­mamento a juízo, em dia e hora previamente designados.

À vista deste conceito, a citação, no Juizado Especial Criminal, acontece quando da instauração do procedimento sumaríssimo.

Antes disso, se houver necessidade de se cientificar o autor do fato (ain­da não acusado) da data da realização da audiência preliminar, onde terá lu­gar a fase preambular de conciliação civil e de transação penal, proceder-se-á através de intimação nos termos do disposto nos arts. 67 e 68.

No Juizado Especial Criminal somente é admitida uma espécie de citação, ou seja, a pessoal ou real. E esta pode ser concretizada de três formas.

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2.3.1.1 Pessoalmente

Em primeiro lugar, pessoalmente na sede do Juizado, por ocasião da audiência preliminar, quando, não havendo transação penal, o Ministério Público oferecer, de imediato, denúncia oral (art. 77). Nesse caso, dar-se-á a citação com entrega de cópia desta, reduzida a termo, ao acusado, cientifican- do-o da data em que será realizada a audiência de instrução e julgamento.

2.3.1.2 Por mandado

Em segundo lugar, a citação será feita por mandado na hipótese de o réu não ter comparecido à audiência preliminar e estiver no território do Jui­zado Especial Criminal.

Do mandado deverá constar:

- o teor da acusação;

r - a data a hora da audiência de instrução e julgamento;

j - a necessidade de a ela comparecer acompanhado de advogado sob'< pena de ser designado, em sua ausência, defensor público; e

- a informação de que deverá levar à audiência suas testemunhas ou; apresentar, no mínimo, até cinco dias antes de sua realização, reque­

rimento para a intimação das mesmas (art. 78, § 1Q).

2.3.1.3 Por precatória

Em terceiro lugar, a citação pessoal far-se-á mediante precatória caso o réu esteja fora do território jurisdicional do Juizado Especial Criminal, em lu­gar certo e sabido. No juízo deprecado será também expedido mandado com os mesmos requisitos já elencados e entregue ao oficial de justiça para que proceda a sua citação pessoal.

2.3.2 Não-cabimento da citação por edital

De outra parte, apurado que o réu se encontra em lugar incerto e não sabido, cessa a competência do Juizado Especial Criminal, pois neste não é cabível a citação ficta (çitatio edictalis), sendo encaminhadas as peças exis­tentes ao Juízo comum para adoção do procedimento comum aplicável ao caso.

No Juízo comum, tais peças autuadas devem ser encaminhadas ao Pro­motor de Justiça, que poderá referendar ou aditar a denúncia formulada. E,

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havendo, ou não, aditamento desta, deverá ser renovada a citação real do acusado.

Note-se que, caso esta aconteça e fique comprovado que não foi possível realizá-la no Juizado Especial Criminal por “vício” do mandado (omissão dos endereços constantes dos autos ou erro ortográfico ou de numeração dos mes­mos) ou por erro do próprio oficial de justiça encarregado de cumpri-lo, deve ser adotado o procedimento sumaríssimo, que é mais favorável ao réu, o que inclusive permitirá, na hipótese de não ter sido realizada a audiência prelimi­nar, a tentativa de conciliação civil e a proposta de transação penal.

2.4 Intimações

Estabelece o art. 67 que as intimações, abrangendo comunicados de atos processuais a serem praticados e já realizados, podem ser feitas por qualquer meio de comunicação hábil para cientificar seus destinatários.

Arrola o dispositivo as seguintes formas de intimação:

- por ciência automática dos atos praticados em audiência, dispensada qualquer outra formalidade;

- por correspondência à pessoa física, com aviso de recebimento pes­soal ou protocolo com identificação do recebedor;

- por correspondência, em se tratando de pessoa jurídica ou firma indi­vidual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obri­gatoriamente identificado;

- por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta preca­tória; e

- por qualquer outro meio idôneo de comunicação (telegrama, fax, tele­fonema etc.).

2.4.1 D efesa té cn ica o b r ig a tó r ia

Exige a norma do art. 68 que conste do ato de intimação do autor do fato para comparecer à audiência preliminar e do mandado de dtação do acusado, quando oferecida denúncia oral sem a presença deste naquela, cien- tificando-o da acusação e da data da audiência de instrução e julgamento, a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a ad­vertência de que, em sua falta, ser-lhe-á designado defensor público (procu­rador da assistência judiciária - PAJ ou dativo), pois a defesa técnica é indis­pensável (art. 133, CF).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

3 DA FASE PRELIMINAR E DA TRANSAÇÃO PENAL

3.1 Desnecessidade de inquérito policial

O art. 69 da lei aboliu, como regra, o inquérito policial para apuração de infrações de menor potencial ofensivo. Houve sua substituição por um ter­mo circunstanciado.

A autoridade policial, ao tomar conhecimento de sua prática, em vez de instaurar inquérito policial, deverá elaborar termo circunstanciado sobre a ocorrência, com os dados necessários acerca do fato criminoso e sua autoria para que o Ministério Público possa formar sua opinio delicti.

Dessa forma, e em regra, inexistindo o inquérito policial para as infra­ções penais de menor potencial ofensivo, será inadmissível o indiciamento do autor da infração penal. Nesse sentido decidiu o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:

“Nas hipóteses de incidência da Lei ne 9.099 de 1995 (art. 61), não cabe à autoridade policial instaurar algum inquérito ou procedimento assemelhado, nem proceder ao indiciamento e identificação do acusado, mas sim tão-somente fazer lavrar e encaminhar ao juízo competente o termo circunstanciado, além das demais providências de que fala o art. 69 da referida lei” (HC nQ 1.028.223/3, 2- Câm., Rel. Juiz Érix Ferreira, j. 15-8-96, v.u.).

3.2 Requisitos do termo circunstanciado

Por isso, do termo circunstanciado deverá, conforme o caso, constar:

a. qualificação a endereço residencial e do trabalho do autor do fato e da vítima;

b. a narrativa do fato a suas circunstâncias, especificando-se data, hora e local de sua ocorrência e as versões, em síntese, das partes envolvidas;

c. a relação dos instrumentos da infração e dos bens apreendidos;d. o rol de testemunhas, com qualificação e indicação dos endereços

em que poderão ser localizadas, e a súmula do que presenciaram;

e. a lista dos exames periciais requisitados;f. croqui na hipótese de acidente de trânsito;g. outros dados que a autoridade policial entender relevantes sobre o

fato;

h. assinatura das pessoas presentes à lavratura do termo.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 275

Por outro lado, lavrado o termo, este será encaminhado imediatamente ao Juizado Especial Criminal, juntamente, em sendo possível, com o autor do fato e a vítima.

O termo circunstanciado deverá ser instruído com os documentos rela­cionados com a ocorrência, bem como com informações, se houver, sobre os antecedentes do autor do fato, os quais podem vedar a proposta de transação penal (art. 76, § 2S).

3.3 Autoridade policial e termo circunstanciado

A Lei prevê que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocor­rência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Jui­zado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Desta forma, será possível que todos os órgãos encarregados constitucio­nalmente da segurança pública (art. 144 da CF), tomando conhecimento da ocorrência, lavrem o termo circunstanciado e remetam os envolvidos à Secre­taria do Juizado Especial, no exercício do “ATO DE POLÍCIA”.

A polícia, como conceitua Guido Zanobini (Corso di diritto amministrati- vo, 1950, v. 5, p. 17), é “a atividade da administração pública dirigida a con­cretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as li­mitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais”, sendo usual a classificação da polícia em dois grandes ramos: polícia administrativa e polícia judiciária, conforme salienta André Laubadire, in Traité de droit administratif, (v. 1, 9. ed., Paris, LGDT, 1984, p. 630 ss). A polícia administrativa é também chama­da de polícia preventiva e sua função consiste no conjunto de intervenções da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disci­plina exigida pela vida em sociedade, conforme acentua Mario Marzagão, em Curso de direito administrativo, 6. ed., 1977, p. 108.

Esta classificação foi adotada pela Constituição Federal de 1988, ao pre­ver no art. 144, que a segurança pública, dever do Estado, é exercida para a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária fede­ral, polícias civis e polícias militares e corpos de bombeiros.

A Lei, ao determinar que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, refere-se a todos os órgãos encar­regados pela Constituição Federal de defesa da segurança pública (art. 144, caput), para que exerçam plenamente sua função de “restabelecer a ordem”

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(Louis Rolland, Précis de droit administratif, 1947, p. 396) e garantir a “boa execução da administração” (Oreste Ranelleti, La polizia di sicurezza, in Pri­mo trattado di Orlando, 1904, v. 4, p. 300) e seu mandamento constitucional de “preservação da ordem pública” (art. 144, 5-), respeitando os princípios da lei, principalmente em relação à celeridade.

3.4 Juizados especiais e atos de investigação

Não se deve confundir atos de investigação, função constitucional da polícia civil, com prática de “ato de polícia”, a ser exercida por todos os ór­gãos encarregados da segurança pública.

Assim, a polícia civil, detendo as funções de polícia judiciária, tem fun­ção investigatória (art. 144, § 4e, da CF), impedindo que desapareçam as provas do crime e colhendo os primeiros elementos informativos da persecu- ção penal, com o objetivo de permitir os fundamentos da ação penal por seu titular que é o Ministério Público. E a polícia militar tem como mister o poli­ciamento ostensivo e a preservação da ordem pública.

Havendo, após a lavratura do termo circunstanciado e encaminhamento dos envolvidos ao Juizado, necessidade de maiores diligências, ou mesmo de requisições periciais, o Ministério Público encaminhará os autos à autoridade da polícia judiciária, requisitando o que necessário for, em consonância com o disposto no art. 144, § 4e, da Constituição Federal.

3.5 Prisão em flagrante e fiança

Segundo a regra do parágrafo único do artigo 69 da Lei, nas infrações de menor potencial ofensivo não será mais formalizada a prisão em flagrante delito, nem será imposta fiança, desde que o autor do fato seja encaminhado, ato contínuo à lavratura do termo circunstanciado, ao Juizado Especial Cri­minal ou assuma o compromisso de ali comparecer no dia e hora designados.

Na verdade, em tais infrações, poderá ocorrer, como nos demais delitos, a prisão em flagrante delito, configurando-se as situações previstas no art. 302 do CPP, que poderá ser realizada por policiais civis, por policiais milita­res ou por qualquer do povo (art. 301 do CPP), os quais deverão apresentar o autor do delito à Delegacia de Polícia da circunscrição policial onde ele ocorreu.

Na presença do delegado de polícia, se o autor do fato puder ser levado imediatamente ao Juizado Especial Criminal ou assumir o compromisso de se apresentar perante este, não será lavrado o auto de prisão em flagrante, mas,

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tão-somente, o termo circunstanciado, onde deverá ser mencionado tal acon­tecimento.

Assim, a contrário senso, deverá ser autuado o autor da infração quan­do, em sendo impossível sua condução imediata ao Juizado Especial Crimi­nal, negar-se a comparecer posteriormente ao Juizado Especial Criminal.

No caso de apresentação imediata do autor do fato ao Juizado ou do compromisso por ele assumido de comparecer na data aprazada, haverá, na verdade, a suspensão dos efeitos da detenção, com implícita concessão de li­berdade provisória sem fiança.

Por outro lado, se conduzido, de imediato, com o termo circunstancia­do, o autor do fato ao Juizado Especial Criminal e verificar o Promotor de Justiça que este não caracteriza infração de menor potencial ofensivo, deverá ser aquele reconduzido à Delegacia de Polícia para a lavratura do flagrante.

No entanto, quando o autor do fato quebrar o compromisso de compa­recer ao Juizado na data designada, descabe providência desse teor, devendo o Magistrado remeter as peças existentes ao Juízo comum, onde será dadavista ao representante do Ministério Público para adoção das medidas cabí- çveis (arquivamento, instauração de inquérito policial, ou, se houver elemen­tos, oferecimento de denúncia escrita, observando-se o rito comum previsto ; para sua persecução penal). j

Registre-se, ainda, que no caso de prisão em flagrante pela prática de |vadiagem ou mendicância (arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais), aplica-se a presente Lei, não incidindo, na hipótese de comparecimento de seu autor ao Juizado Especial Criminal, o disposto no inciso II do art. 323 do CPP, que veda, nos dois casos, a concessão de fiança. Igualmente nãò haverá aplicação deste dispositivo, configurando-se infração de menor potencial ofensivo e havendo o cumprimento da obrigação de ir apresentar-se ao Juiza­do Especial Criminal, nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 323 do CPP.

3.6 Designação da audiência preliminar

Estando presentes, na ocasião de entrega do termo circunstanciado na Secretaria do Juizado Especial Criminal, o autor do fato e a vítima, poderá ser realizada, se possível em face da agenda ou dos dados constantes daquele, a juízo do Promotor de Justiça, a audiência preliminar. Verificada a impossi­bilidade de sua imediata realização, será ela designada para data próxima, já saindo intimadas as partes (art. 70 da Lei).

O autor do fato, ademais, também deverá ser cientificado que precisa comparecer acompanhado de advogado à audiência preliminar, com adver­tência de que, em sua falta, ser-lhe-á designado defensor público (art. 68).

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278 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Por outro lado, se, no momento da entrega do termo à Secretaria do Jui­zado Especial Criminal, constatar-se que está ausente qualquer dos envolvi­dos, impossibilitada, por isso, a realização de audiência preliminar, sairá cien­tificado quem compareceu e aquela providenciará a intimação dos demais na forma dos arts. 67 e 68 (art. 71 da lei).

Ademais, se não for o autor do fato, mas outra pessoa a responsável ci­vil pela reparação dos danos, deverá ser providenciada também sua intima­ção. Assim, no caso de colisão de ônibus com outro veículo, resultando do embate danos físicos e materiais nos ocupantes deste, deverá ser intimado, além do motorista daquele, o representante legal da empresa do ônibus cau­sador do sinistro.

3.6.1 Fases da audiência preliminar

A audiência preliminar começa a ser tratada no art. 72 da Lei. Ela prece­de ao procedimento sumaríssimo previsto na Lei, cuja instauração depende do que nela foi decidido.

A audiência preliminar, que se destina à tentativa de conciliação (gêne­ro) civil e penal (espécies), compõe-se de três fases:

1. composição dos danos civis;2 . transação penal; e3. oferecimento oral de denúncia.

Estabelece este dispositivo que no preâmbulo da audiência, presentes o representante do Ministério Público, o autor do fato com seu advogado, cons­tituído ou público, a vítima, e, se for o caso e possível, o responsável civil, que poderão também comparecer com seus advogados, o Juiz esclarecerá aos presentes, informalmente, a respeito da composição dos danos civis e da transação penal.

3.6.2 Composição dos danos civis

3.6.2.1 Função do conciliador

Os artigos 73 e 74 da Lei tratam da primeira fase da audiência preliminar.

A composição dos danos civis será realizada entre o autor do fato e a ví­tima e conduzida, nos termos de legislação estadual, pelo Juiz ou por Conci­liador sob sua orientação. A atuação deste se resumirá em conduzir a concilia­ção civil, pois a homologação do eventual acordo civil celebrado pelos interessados só poderá ser feita pelo Juiz.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 279

3.6.2.2 Representação do ofendido

O ofendido, se for incapaz, deverá estar representado, na forma da lei civil, por seu representante legal (pai, tutor ou curador) ou, nos casos de au­sência do mesmo ou de conflito de interesses deste com aquele, por curador especial nomeado pelo Juiz (arts. 8e e 9S, I, do CPC).

3.6.2.3 Intervenção do ministério público

A intervenção do Ministério Público nesta fase dar-se-á somente quando o ofendido for incapaz. E tem por objetivo zelar para que, na composição dos danos civis, não sejam prejudicados seus interesses.

3.6.2.4 Extensão da reparação de danos

A amplitude da reparação dos danos fica a critério das partes. Não há li­mite de proposição. Pode-se pleitear da mesma forma que se faria em ação civil de ressarcimento por dano. Portanto, o acordo civil pode compreender tanto os danos materiais quanto os danos morais e versar sobre matéria de qualquer natureza ou valor.

3.6.2.5 Características da sentença homologatória da composição civil

Acordada a composição civil, será ela reduzida a termo e homologada pelo próprio juiz penal.

Esta sentença homologatória é irrecomVel (embora não esteja imune a questionamento judicial via mandado de segurança) e terá eficácia de título executivo, que, caso seja descumprido, dará ensejo à execução forçada no juízo civil competente. E, se seu valor não exceder a 40 vezes o salário míni­mo (art. 32,1, da Lei), processar-se-á sua execução no próprio Juizado Espe­cial Cível competente (conclusão respaldada na interpretação extensiva da regra prevista no art. 53 da Lei).

3.6.2.6 Efeitos na área penal da composição civil homologada . por sentença

Nas infrações penais de menor potencial ofensivo de ação penal privada (crimes de dano simples, de introdução ou abandono de animais em proprie­dade alheia; e de exercício arbitrário das próprias razões sem emprego de vio­lência, previstos, respectivamente, nos arts. 163, caput, 164 e 345 do CP) e de ação penal pública condicionada, a composição dvil homologada por sen­tença acarreta a renúnda do direito de queixa ou de representação e, de con­seqüência, a extinção da punibilidade.

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Na hipótese de o acordo civil ser efetivado na audiência de instrução e julgamento (art. 79), ocorrerá a desistência da queixa ou da representação e, portanto, também a extinção da punibilidade.

Recorde-se, nesse passo, que a ação penal pública, nos crimes de lesões corporais leves a lesões culposas (art. 129, caput, e § 69 do CP), por disposi­ção expressa nesta Lei (art. 88), está, agora, igualmente condicionada à re­presentação do ofendido.

Nas infrações penais de menor potencial ofensivo perseguidas mediante ação penal pública incondicionada, a composição dos danos pode ser levada em consideração pelo Promotor de Justiça, como um dos critérios, tanto no exame da conveniência de ser oferecida a transação penal quanto na escolha da pena a ser proposta.

3.6.3 Representação verbal

3.6.3.1 Momento para seu oferecimento

O art. 75 estabelece que, na audiência preliminar, logo após a constata­ção de que não foi possível a composição dos danos civis, o Juiz dará ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

O não-oferecimento de representação nesta oportunidade, todavia, não implica na decadência de seu direito, podendo exercê-lo, a qualquer tempo, salvo disposição em contrário, dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que o ofendido ou seu representante legal veio a saber quem é o autor do crime (art. 38 do CP).

3.6.3.2 Ofendido menor

Assinale-se que, em se tratando de ofendido menor de 18 anos, o titular do direito de representação é seu representante legal (pai, mãe, tutor ou cu­rador). No entanto, caso este não o exerça no prazo de seis meses contado do dia em que veio a conhecer o autor do crime, poderá, aindã, o ofendido, vir a exercê-lo quando completar 18 anos, dentro do mesmo prazo, calculado do momento em que adquiriu capacidade processual.

Ademais, depois que o ofendido atingir 18 anos, o direito de representa­ção poderá ser exercido, independentemente, por ele e por seu representante legal (Súmula 594 do STF), o que significa que o cômputo do prazo decaden- cial é feito separadamente para um e para outro de conformidade com a data em que cada um deles teve ciência da autoria do delito.

Por derradeiro, assinale-se que a mera entrega de representação no pro­tocolo da Secretaria do Juizado Especial Criminal interrompe o prazo da de­cadência.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 281

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Juizada especial criminal

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282 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

3.7 Da transação penal

3.7.1 Natureza jurídica da transação penal

A segunda fase da audiência preliminar consiste na transação penal rea­lizada entre o Promotor de Justiça e o autor do fato. Nos termos da Lei, pode ser conduzida também pelo juiz ou pelo conciliador.

A transação penal é instituto decorrente do princípio da oportunidade da propositura da ação penal, que confere ao seu titular, o Ministério Públi­co, a faculdade de dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la, sob certas condições.

Nos termos do art. 76 da Lei foi adotado o princípio da discricionarieda- de regulada. O Ministério Público somente poderá dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que exista a concordância do autor da infração e a homologação judicial.

A transação penal é o novo instrumento de política criminal de que dis­põe o Ministério Público para, entendendo conveniente ou oportuna a resolu­ção rápida do litígio penal, propor ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade.

Na concepção de Teresa Armenta Deu, renomada processualista espa­nhola, o princípio da oportunidade outorga ao Ministério Público “faculdades discricionárias”. Afirma a autora que a discricionariedade supõe que o orde­namento jurídico atribuiu uma margem de escolha, configurada por uma plu­ralidade de soluções, todas válidas por estarem adequadas à legalidade. Des­ta forma, o Poder Judiciário verificaria a presença das condições legais que permitiriam a opção discricionária por parte do Ministério Público, mas não poderia de nenhuma forma fiscalizar a oportunidade, o mérito da opção for­mulada, por inexistência de um critério legal determinante (Criminalidad de Bagatela y Princípio de Oportunidad, PPU, Barcelona, 1991, p. 181-183). (Nesse sentido: TJ/SP - Habeas corpus ne 207.870-3/0 - São Roque - rel. Jarbas Mazzoni - v. u. decisão 27-5-95).

Este princípio é mundialmente reconhecido e faz parte da proposta dos doutrinadores do Direito Processual Penal para “UN CODICE TIPO DI PROCEDURA PENALE PER LAMERICA LATINA”, efetuada no Congresso Internacional de Roma, realizado em 1991.

3.7.2 Pressupostos da transação penal

São os seguintes os pressupostos para a realização da transação penal:

a. tratar-se de ação penal pública incondicionada, ou ser efetuada a representação, nos casos de ação penal pública condicionada;

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

b. em ambas as hipóteses, não ser caso de arquivamento do termo cir­cunstanciado;

c. não ter sido o autor da infração condenado por sentença definitiva (com trânsito em julgado), pela prática de crime, à pena privativa de liberdade;

d. não ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação;

e. os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem a adoção da medida;

f. formulação da proposta pelo Ministério Público e aceitação por par­te do autor da infração e seu defensor.

3.7.3 Impedimentos da transação penal

O § 2-, do art. 76, da Lei, traz os impedimentos para a proposta de tran­sação penal por parte do Ministério Público.

Podem estes impedimentos ser classificados em objetivos, decorrentes de fatos externos ao agente, e subjetivos, decorrentes da situação pessoal do autor da infração de menor potencial ofensivo.

São impedimentos objetivos:

a. ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva (inc. I): a lei exige a condenação anterior por crime praticado, excetuando a con­travenção penal, bem como a aplicação de pena privativa de liber­dade, excluídas as demais sanções penais, por sentença com trânsito em julgado;

b. ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos do art. 76: a lei impede a concessão de novo benefício da transação penal duran­te o prazo de cinco anos (inc. II);

c. circunstâncias da infração praticada (inc. III): circunstâncias são elementos acidentais da infração penal, que não integram a estrutu­ra do tipo, mas influem na avaliação do fato praticado, por exemplo, a forma como foi praticada a infração de menor potencial ofensivo poderá indicar não ser suficiente e necessária a transação penal.

São impedimentos subjetivos:

a. antecedentes (inc. III): constituem o comportamento anterior do autor do fato, seus precedentes judiciais, por exemplo, os processos anteriores, os processos em andamento etc.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

b. conduta social (inc. III): é o comportamento social do agente, sua inclinação ao trabalho, relacionamento familiar etc.

c. personalidade (inc. III): na definição de Anibal Bruno, “é todo com­plexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano” (Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, v. 1, p. 154).

d. motivos (inc. III): constituem o caráter psicológico da ação, o móvel que impulsiona o autor da conduta, a razão do fato praticado.

3.7.4 Reincidência e transação penal

O reincidente não pode beneficiar-se da transação penal. Entretanto, a Lei não exige a reincidência, nos termos dos arts. 63 e 64 do Código Penal, bastando apenas a condenação anterior, com sentença definitiva, qualquer que seja o lapso temporal, para impedimento da proposta de aplicação de pena por parte do Ministério Público.

3.7.5 Procedimento da transação penal

Na ação penal pública incondicionada, a transação penal independe da conciliação civil, podendo ser efetuada mesmo que não tenha havido acordo civil entre o autor do fato e a vítima.

Na ação penal pública condicionada, porém, somente haverá possibili­dade da transação penal, se inexistir acordo entre a vítima e o autor do fato e a vítima ou seu representante legal oferecer a representação.

3.7.5.1 Da proposta inicial

O Ministério Público efetuará a proposta de transação, se entendê-la ca­bível, consistente na aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou mul­ta precisamente especificada.

Não será admitida proposta genérica ou imprecisa.

O titular da ação penal avaliará as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal, para a efetuação da proposta, cujos limites estarão fixados pe­los parâmetros legais da norma secundária, ou seja, entre o máximo e o mí­nimo previstos para a sanção penal.

O Promotor de Justiça na escolha da sanção penal a ser transacionada, tal qual o Juiz na aplicação da pena na sentença condenatória, tem discricio- nariedade ampla para fixá-la. No entanto, a fixação não pode ser aleatória e certos parâmetros devem ser observados.

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Senão vejamos:

A opção entre a pena restritiva de direitos e multa deve atender às fina­lidades sociais da pena, aos fatores referentes à infração praticada (tais como: motivo, circunstâncias e conseqüências) e a seu autor (antecedentes, conduta social, personalidade, reparação do dano à vítima).

Com respeito à pena restritiva de direito, a escolha está limitada àquelas elencadas no art. 43 do Código Penal, ou seja, prestação de serviços à comu­nidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, ob­servadas as normas definidoras destas (arts. 46-48 do CP). E os critérios já mencionados podem também nortear sua seleção.

A pena restritiva de direitos, no sistema do Código Penal, é sempre fixada em substituição à pena privativa de liberdade, isto é, primeiro o Juiz fixa a pena privativa de liberdade e depois a substitui pela pena restritiva de direitos. Sua duração, inclusive, é a mesma da pena privativa de liberdade a ser substituída (art. 55 do CP).

Para a elaboração da proposta, o Promotor de Justiça deverá realizar a mesma operação mental, tendo em vista a pena privativa de liberdade previs- 13ta para a infração penal, se for o caso. ; ^

Na fixação da pena pecuniária, por sua vez, quanto ao número de dias- \1multa procede-se da mesma forma da eleição da pena restritiva de direitos; no tocante à determinação do valor de cada dia-multa, deve ser este ajustado em função da situação econômica do autor da infração.

3.7.5.2 Da aceitação

O autor da infração e seu defensor poderão aceitar ou não a proposta do Ministério Público. Embora a lei não faça menção expressa, poderá ser efetuada contraproposta por parte do autor da infração e seu defensor.

A Lei, entretanto, é expressa quanto à necessária aceitação da proposta pelo autor do fato e também pelo seu defensor (§ 39), uma vez que a transa­ção é consensual e bÜateral. Assim, caso exista impugnação de qualquer dos dois à proposta do Ministério Público, esta não poderá ser submetida à apre­ciação do Juiz, o que vale dizer que este não poderá homologar transação sem consenso das partes.

No caso de discordância, por não anuir com os termos da proposta ou por pretender decisão judicial de sua inocência, as partes passarão à fase se­guinte da audiência preliminar, com o oferecimento da denúncia oral e o prosseguimento do feito.

A necessidade da dupla aceitação, autor do fato e defensor, ampara-se no princípio da ampla defesa, que inclui a defesa técnica, não nos parecendo possa a aceitação de qualquer dos dois prevalecer sobre a negativa do outro.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Mesmo que a aceitação seja do autor do fato, pois este pode não ter bem a noção das conseqüências jurídicas de seu ato, necessitando da orientação de seu defensor.

Esta tese vem sendo decidida pelo Supremo Tribunal Federal, em rela­ção ao recurso de apelação interposto pelo defensor, quando o réu manifes­tou desejo de não recorrer, cujos argumentos são igualmente cabíveis na pre­sente hipótese de divergência entre o autor do fato e seu defensor, nos seguintes termos:

“Habeas Corpus. Apelação interposta por defensor, que não foi co­nhecida, por falta de legitimidade para o recurso, tendo em conta que o réu, ao tomar ciência da sentença, sem assistência do defensor, afirmou que dela não recorreria... A declaração do réu, feita sem a assistência do defensor, no sentido de que não deseja recorrer da sentença condenató­ria, não deve por si só, produzir efeitos definitivos... Sem a assistência do defensor, nem sempre o réu está plenamente capacitado a avaliar as possibilidades de sua defesa... Habeas Corpus deferido para que, afasta­da a preliminar de ilegitimidade, julgue o Tribunal indigitado coator a apelação do réu como entender de direito” (DJU, 17-6-94, p. 15.708).

Prevalência do recurso do advogado sobre renúncia do réu:

“Ordem concedida de ofício para o fim de assegurar o processa­mento e julgamento do recurso interposto, em atenção ao magistério do STF no sentido de que cabe ao defensor, dativo ou constituído, decidir sobre a conveniência ou não do exercício da faculdade de apelar” (STF, RHC 60.261 a 62.737, RT 629/391).

No mesmo sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:

“O réu, normalmente, não tem conhecimento técnico. Não sabe o que será melhor para ele. Cabe ao advogado decidir. Ademais, no caso concreto, o próprio renunciante firmou documento demonstrando que quer recorrer” (STJ, RSTJ 42/89).

Ressalte-se, porém, que já houve entendimento jurisprudencial em con­trário, em relação à suspensão condicional do processo, privilegiando-se a opinião do acusado, em detrimento de sua defesa técnica (TJ/SP, Ap. Crim. n2 240.3503, Lorena, 1- CCrim., Rel. Des. Fortes Barbosa, j. 15-12-97, v.u.).

3.7.5.3 Da homologação

Se houver aceitação da proposta, ou da contraproposta, o acordo será submetido à homologação pelo Juiz. Caso acolha a proposta aceita, o Juiz aplicará a pena decorrente do acordo, que não importará em reincidência,

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não constará de certidão de antecedentes criminais e não terá efeitos civis, impedindo apenas a nova concessão do benefício pelo prazo de cinco anos.

Não haverá condenação em custas.

Desta sentença homologatória, caberá apelação.

Nesta fase, o Juiz deverá analisar a legalidade da proposta efetuada pelo Ministério Público, bem como se houve aceitação por parte do autor do fato e seu defensor. Destarte, o Juiz verificará se estão presentes os requi­sitos legais, os pressupostos para a efetuação da proposta e para a realização da transação. Caso não estejam presentes, o Juiz não acolherá a proposta do Ministério Público e conseqüentemente não homologará a transação.

Desta decisão caberá apelação.

Quanto ao exame do mérito da elaboração da proposta, este encontra-se dentro da discricionariedade facultada pela lei ao Ministério Público. Assim, cabe ao Promotor de Justiça verificar a oportunidade do oferecimento da proposta de transação.

Entretanto, como a Lei adota o princípio da oportunidade regrada, po­derá o Juiz, caso não aceite os termos em que foi elaborada a proposta e a aceitação formulada, em relação a seu mérito, utilizar, subsidiariamente, ou por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo as peças ao Procurador Geral de Justiça, para que este modifique a proposta apresentada pelo Ministério Público, designando outro Promotor de Justiça para reali­zá-la. No entanto, se o Procurador Geral de Justiça insistir na proposta efe­tuada, deverá o Juiz homologar o acordo efetuado.

Desta forma, se o Juiz não acolher a proposta do Ministério Público, duas serão as possibüidades: a primeira, em caso de a proposta estar em de­sacordo com a Lei, não homologará a transação, cabendo desta decisão ape­lação das partes; a segunda, em caso de desacordo quanto ao mérito da pro­posta, deverá o Juiz aplicar, como anteriormente exposto, o art. 28 do Código de Processo Penal. Assim há de proceder, porque a imputação inicial ao autor do fato, qualquer que seja sua forma, é vedada ao Julgador, sob pena de ofensa ao devido processo legal, bem como por ferir o princípio da imparcialidade do Juiz e o sistema acusatório, onde há nítida separação en­tre as funções do Ministério Público, de imputação do fato a pedido da pena a ser aplicada, como órgão encarregado da acusação, e as do Poder Judiciá­rio, de aplicação do direito ao fato concreto, de julgar definitivamente a lide. E função privativa do Ministério Público a propositura da ação penal e conse­qüentemente da pena a ser aplicada ao autor do fato, nos termos da Consti­tuição Federal (art. 129, inciso I).

Nesse sentido o art. 26, incisos I e II da Lei Complementar do Estado de São Paulo n3 851, de 9 de dezembro de 1998, estabelece que:

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

“Observar-se-á o procedimento previsto no artigo 28 do Código deProcesso Penal, nos seguintes casos:

I - Se o Juiz deixar de acolher a proposta do Ministério Público pre­vista no artigo 76, da Lei Federal nQ 5.055, de 26 de setembro de 1995;

II - Se o Juiz entender cabível a proposta mencionada no inciso an­terior, não oferecida pelo Ministério Público.”

Caso o Juiz não homologue a transação realizada, por análise de sua oportunidade, adentrando na esfera de discricionariedade das partes, caberá, ainda, mandado de segurança por parte do Ministério Público, por ferir direi­to líquido e certo, bem como habeas corpus por parte do autor do fato, em proteção a seu direito de ir e vir.

Os mesmos remédios constitucionais poderão ser utilizados pelas partes, caso o Juiz na sentença homologatória modifique o teor da transação penal, invadindo a área que a Lei reservou para a discricionariedade das partes.

Se a pena de multa for a única a ser apÜcada, o Juiz poderá reduzi-la até a metade na sentença homologatória, evidentemente tendo em vista as con­dições pessoais do autor do fato e as circunstâncias da infração praticada. Des­ta sentença homologatória, com redução da pena proposta, caberá apelação.

3.7.5.4 Da inexistência de transação penal

Não havendo transação penal, o Ministério Público oferecerá denúncia oral, de imediato, ao Juiz, se não houver necessidade de diligências impres­cindíveis. Inicia-se, assim, o procedimento sumaríssimo.

3.7.6 Impossibilidade da transação penal ex officio

A transação penal, por sua própria natureza jurídica, como já foi dito, consiste na discricionariedade do Ministério Público de transacionar a penã a ser aplicada ao autor do fato.

A Constituição Federal prevê como direito do Estado o ius puniendi e o ius punitionis, ao determinar a aplicação da pena pelo órgão competente do Poder Judiciário, por infração penal prevista em lei, através do devido pro­cesso legal, que será iniciado pelo órgão do Ministério Público (art. 59, inci­sos XXXIX, UII, LVII, e art. 129, inciso I).

O Ministério Público exerce parcela da soberania do Estado ao realizar a persecução criminal, ao verificar as condições necessárias para o início do de­vido processo legal, função que exerce privativamente, no caso da ação penal pública.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 289

O constituinte consagrou o sistema acusatório, com a separação orgâni­ca e funcional entre o responsável pela acusação (Ministério Público) e o res­ponsável pelo julgamento (Poder Judiciário).

A interpretação das normas constitucionais deve ser sistemática, bus­cando harmonizar seus diversos dispositivos, posto que a Constituição é sin­tetizada por Canotilho como o “estatuto jurídico do fenômeno político”.

Assim, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins demonstram: “o que cumpre notar é a noção de auto-referência constitucional, o que se entende significar não poder a Constituição valer-se de parâmetros, critérios e princí­pios que não os nela mesmo substanciados” (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, v. 1, p. 353).

Portanto, a interpretação que deve ser feita do art. 98,1, da Constituição Federal deve ser harmônica com o princípio instituído em seu art. 129, I, e em seu art. 59, XXXIX, LIII e LVII, ou seja, se existe o devido processo legal, com a adoção do sistema acusatório e o princípio da imparcialidade do Juiz, se a transação é admitida nas infrações de menor potencial ofensivo e se o início da persecução penal na ação penal pública cabe exclusivamente ao Mi- ; 3nistério Público, é este órgão do Estado que tem a faculdade de dispor da >ação penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas : fna Lei ne 9.099/95.

A transação penal pressupõe consenso entre as partes, não podendo de forma alguma ser imposta a qualquer delas pelo órgão julgador.

Inadmissível a transação penal ex officio, posto que a transação decorre da vontade das partes, obedecidos os requisitos legais e não de uma obriga­ção legal a ser imposta às partes pelo Juiz.

Igualmente inadmissível o entendimento de que a transação consubs­tanciaria direito subjetivo do autor do fato, desde que presentes os requisitos legais. Se sequer 0 órgão julgador pode impor às partes a transação, uma das partes jamais poderia impor a outra qualquer espécie de acordo, caso contrá­rio deixaria imediatamente de ser considerada uma transação. Seria verda­deira “contradição nos próprios termos”.

No sentido do texto, o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Pau­lo, por votação unânime de sua 12- Câmara, na Correição parcial ne 1.012.835/9, da comarca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz Walter Guilher­me, com a participação dos Juizes Junqueira Sangirardi e Ary Casagrande, emitiu o seguinte pronunciamento:

“Exsurge, no entanto, uma questão irredutível: se o Promotor não propõe a aplicação imediata da pena ou a suspensão precisamente, por que entende que os requisitos legais não estão atendidos, ou ainda, na primeira hipótese, o faz em desacordo com o desejo do acusado, como no caso dos autos?

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290 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

A tentação é grande, e eminentes Juizes e prestigiados autores as­sim propugnam de transferir o encargo ao julgador.

Data venia, não vejo como permitir ao Juiz que decida ex ojficio. O espírito da Lei nQ 9.099/95, no caso, é o da transação. Acordo entre acu­sador (que faz a proposta) e o acusado (que a aceita).”

Idêntico é o entendimento do Ministério Público do Estado de São Pau­lo, consubstanciado na Súmula 01/96 da 2- Procuradoria de Justiça:

“As propostas de aplicação de pena restritiva de direitos ou de mul­ta (art. 76 da Lei ne 9.099/95), bem como de suspensão condicional do processo (art. 89 da mesma Lei), são de iniciativa exclusiva do Ministé­rio Público, em face de sua condição de titular do ius puniendi, não po­dendo o Juiz agir ex ojficio.”

Por outro lado, se o Juiz formular ex ojficio a proposta de transação pe­nal e, caso aceita pelo autor do fato, homologá-la, esta sentença homologató­ria deverá ser havida como inexistente, não podendo produzir qualquer efei­to, uma vez que a “transação” foi realizada sem a concordância de uma das partes, sem acordo.

Poderá ser então atacada por via do mandado de segurança, remédio constitucional adequado para a reparação do direito líquido e certo da acu­sação.

Além disso, os Tribunais Estaduais de São Paulo vêm entendendo inca- bível a correição parcial contra a decisão do Juiz que concede de ofício a transação penal, sem que houvesse proposta do Ministério Público, uma vez que a previsão legal do art. 76 é do recurso de apelação. Nesse sentido: TACRIM/SP, Correição Parcial ne 1.028.077/7, da comarca de Sorocaba, re­latado pelo Juiz Renato Nalini (23 de setembro de 1996); TACRIM/SP, Cor­reição Parcial ns 1.012.835/9, da comarca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz Walter Guilherme (17 de junho de 1996).

Ocorrendo o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, sem que tenha havido anterior proposta de transação penal, poderá o juiz, analogicamente, aplicar o art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça, para que analisando o caso, insista no início da ação penal ofereça a transação ou designe outro membro ministerial para fazê-lo (TJ/SP - Habeas corpus nQ 207.870-3/0 - São Roque - rel. Jar- bas Mazzoni - v. u. - decisão 27-5-95).

Ainda, no mesmo sentido, acórdão da 12a Câmara do Tribunal de Alça­da Criminal, por votação unânime, na apelação ne 984.575/6, relatado pelo Juiz Junqueira Sangirardi:

“ACORDAM, em Décima Segunda Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação unânime, determinar a remessa dos autos a S.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 291

Exa. o Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça, para que este ofereça a pro­posta ou designe outro membro do Ministério Público para oferecer ou determinar o prosseguimento do feito sem a aplicação da Lei ne 9.099/95.”

E, ademais, o já citado acórdão do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, da 12à Câmara, na Correição Parcial n9 1.012.835/9, da co­marca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz Walter Guilherme com a participa­ção dos Juizes Junqueira Sangirardi e Ary Casagrande.

A 2- Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo editou a Súmula 02/96:

“Não apresentando o Promotor de Justiça as propostas a que se re­ferem os artigos 76 e 89 da Lei ne 9.099/95, ou discordando o Juiz dos seus termos, aplicável, analogicamente, é o disposto no art. 28 do Códi­go de Processo Penal.”

3.7.7 Natureza jurídica da sentença homologatória da transação penal

A questão que se coloca é se a sentença homologatória da transação pe­nal é declaratória, constitutiva ou condenatória.

A sentença declaratória, chamada no direito italiano de sentenza di accer- tamento e pelo direito alemão de Feststellungsurteil, restringe-se a declarar o que já existe, toma seguro o que era até então inseguro, através da coisa jul­gada sobre o fato existente, tomando-a solução judicial obrigatória entre as partes. Produz efeitos ex tunc, isto é, retroage para alcançar a data do fato declarado.

Por sua vez, a sentença constitutiva, além de declarar certo o que já existia, cria uma situação jurídica que até então inexistia. Por isso são cha­madas Rechtsgestaltungsurteile, ou sentenças formadoras, pelos alemães. Gera efeitos ex tunc e ex nunc, ou seja, retroage para a data do fato e tem efeito ultrativo, para o futuro, posto acrescentar algo novo ao mundo jurídi­co. Seus efeitos são processuais e materiais.

Por fim, a sentença condenatória é também declaratória por declarar a situação existente, além de ser constitutiva, criando para o sentenciado uma situação nova, até então inexistente, e impondo-lhe uma sanção penal, que será posteriormente executada. A execução é a efetivação da sentença conde­natória.

Sendo assim, a natureza jurídica da sentença homologatória da transa­ção penal é condenatória. Primeiramente, declara a situação do autor do fato, toma certo o que era incerto. Mas além de declarar, cria uma situação

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

nova para as partes envolvidas, ou seja, cria uma situação jurídica que até então não existia. E ainda impõe uma sanção penal ao autor do fato, que deve ser executada.

A sentença homologatória tem efeitos dentro e fora do procedimento, isto é, tem efeitos processuais e materiais, produz efeitos ex nunc, para o fu­turo. Encerra o procedimento e faz coisa julgada formal e material, impedin­do novo questionamento sobre os mesmos fatos.

Há nesta sentença um reconhecimento da culpabilidade do autor do fato, necessário para a aplicação da sanção penal.

3.7.8 Requisitos da sentença homologatória

Conquanto vigorem expressamente na Lei os princípios da informalida­de e da simplicidade, a sentença homologatória, por ser condenatória, deverá trazer:

a. a descrição dos fatos tratados;

b. a identificação das partes envolvidas;

c. a disposição sobre a pena a ser aplicada ao autor do fato;

d. a data e a assinatura do juiz.

Estes requisitos são necessários para a individualização da situação jurí­dica decidida, bem como das partes envolvidas e da pena aplicada, a fim de atender aos princípios constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e da coisa julgada.

3.7.9 Efeitos da sentença homologatória

A sentença penal condenatória possui efeitos principais e secundários.

Os efeitos principais são referentes à imposição da sanção penal, ou da pena propriamente dita, por exemplo, a aplicação da pena de detenção ou de multa. Os efeitos secundários são aqueles efeitos reflexos da condenação, como a reincidência, a revogação do sursis etc.

O efeito principal, no caso, a imposição da sanção penal acordada pelas partes, permanece na sentença homologatória da transação penal.

Quanto aos efeitos secundários, a Lei criou um novo efeito, que é a proi­bição de nova transação penal para o autor do fato, pelo prazo de cinco anos.

Todavia, foram expressamente afastados pela Lei os seguintes efeitos se­cundários da sentença:

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 293

a. reincidência;

b. efeitos civis;

c. antecedentes criminais.

Como a Lei determina que a sentença será registrada apenas para impe­dir a concessão do mesmo benefício da transação pelo prazo de cinco anos, foram, também, implicitamente afastados os demais efeitos secundários da sentença.

Com respeito aos efeitos gerais da sentença no processo penal, estão presentes:

- o esgotamento do poder jurisdicional do magistrado prolator. Proferi­da a sentença, o juiz não poderá mais decidir sobre o mérito da causa, podendo apenas corrigir erros materiais e analisar as hipóteses de embargos de declaração.

- a saída do juiz da relação processual. Se houver recurso, à exceção dos embargos de declaração, será para a turma julgadora ou Tribunal ad quem.

- o juiz que prolatou a decisão fica impedido na instância recursal (art. 252, II, do CPP). Portanto, se houver recurso para turma julgadora, não poderá oficiar o juiz que homologou a transação.

3.7.10 A transação penal e a ação penal de iniciativa privada

A Lei não contempla a hipótese de transação penal para a ação penal de iniciativa privada, uma vez que menciona apenas a possibilidade de elabora­ção de proposta por parte do Ministério Público.

Além do mais, vigora o princípio da oportunidade na ação penal priva­da, sendo discricionária do ofendido. Daí, pode ocorrer a qualquer tempo o perdão do ofendido, a desistência da ação, o abandono, tomando perempta a ação e, portanto, incompatível com o presente instituto.

Nesse sentido o Enunciado 5 do IV Encontro de Coordenadores de Jui­zados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, ocorrido em novembro de 1998, no Rio de Janeiro.

Igualmente, o Supremo Tribunal Federal decidiu a questão afirmando: “Transação penal e crimes contra a honra - não se aplica a transação penal, pois possuem rito especial” (STF - HC ne 75.386/MG, Rel. Min. Moreira Alves, decisão - 3-6-97, Informativo STF ne 74).

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294 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

3.7.11 Atuação dos conciliadores ou dos juizes leigos

Qualquer que seja a solução fornecida pela lei estadual que regular o funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas Criminais, tanto os concilia­dores quanto os chamados juizes leigos não poderão praticar atos instrutórios e decisórios, sob pena de infringir o princípio da jurisdição penal e o devido processo legal.

3.7.12 A transação penal e o perdão judicial

Nos termos da Súmula 18 do STJ:

“A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extin­ção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”

Assim, a qualquer momento poderá ser declarada a extinção da punibili­dade, desde que presentes as hipóteses legais, não necessitando de processo para prolação da sentença concessiva do perdão judicial.

Portanto, se a hipótese for de perdão judicial ficará prejudicada a tran­sação penal.

3.7.13 Pressupostos da transação penal e a coisa julgada

O § 2S, do art. 76, refere-se às hipóteses impeditivas da transação penal. Se, entretanto, for formulada a proposta, aceita e homologada, com trânsito em julgado, sendo posteriormente percebida a causa impeditiva, a coisa jul­gada prevalecerá sobre o impedimento, não se admitindo a revogação ou a revisão da sentença homologatória.

Durante o prazo recursal, não havendo trânsito em julgado da sentença homologatória, constatada nulidade insanável, por exemplo, ilegitimidade de parte, incompetência material, vício de consentimento, ou fato de conheci­mento posterior impeditivo da transação penal (art. 76, § 2-), poderá a parte legitimada interpor apelação visando revogar a transação.

3.7.14 Transação penal e concurso de agentes

Existindo mais de um autor do fato, ou mesmo um partícipe, poderá a transação ser efetuada com apenas um dos autores, ou com o partícipe e não com os demais, não havendo qualquer impedimento para este fato.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 295

Nesta hipótese, aquele que transacionou poderá ser ouvido como teste­munha no processo que eventualmente se instaurar contra os demais, uma vez que não é co-réu, inexistindo impedimento para prestar testemunho.

O art. 202, do Código de Processo Penal, dispõe que toda pessoa poderá ser testemunha. A vedação do testemunho do co-réu no mesmo processo é construção jurisprudencial, a partir do argumento, de todo correto, sobre a incompatibilidade entre a posição processual de interrogado como co-réu e a posição de testemunha (RT 456/380 e 659/265).

O mesmo não ocorre com aquele que realizou a transação penal, que não é co-réu e não tem interesse em ser absolvido, uma vez que já aceitou sua culpabilidade e a imposição de pena, podendo funcionar como testemu­nha em processo conexo ou continente.

3.7.15 Transação penal e assistente da acusação

A transação penal, por expressa disposição legal (art. 76, § 6e), não acarretará efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação no juízo cível.

Ocorrida a reparação de danos civis na primeira fase da audiência preli­minar, a vítima não terá interesse na transação penal. O mesmo acontece, se não houver acordo para a reparação de danos à vítima, pois a imposição da sanção penal decorrente da transação não produz efeitos civis.

Por conseqüência, não há que se falar em assistente da acusação, até porque sequer há acusação formalizada, tratando-se de fase anterior à instau­ração da ação penal.

O art. 268 do Código de Processo Penal autoriza a vítima ou seu repre­sentante legal a habilitar-se para a assistência processual somente após o iní­cio da ação penal, que se dá com o recebimento da denúncia. E, portanto, antes de iniciada a ação penal não se admite assistente da acusação (STF, RT 637/311).

Eventual apelação da sentença homologatória da transação penal não poderá ser interposta pela vítima da infração de menor potencial ofensivo, por falta de legitimidade processual.

3.7.16 Transação penal e suspensão condicional do processo

A transação penal e a suspensão condicional do processo são institutos independentes, com pressupostos e regras próprias.

A transação é destinada às infrações de menor potencial ofensivo e não poderá ser realizada se o autor do fato já houver sido beneficiado com tran­

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sação anterior no prazo de cinco anos, bem como se já foi condenado anterior­mente por sentença definitiva, pela prática de crime, à pena privativa de li­berdade. Ambos são impedimentos objetivos da transação.

A suspensão destina-se aos crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano, abrangendo, portanto, mais crimes do que aqueles considerados, pela Lei, infrações de menor potencial ofensivo.

A suspensão consensual não implica condenação, não se constituindo em impedimento objetivo para que o autor de infração de menor potencial ofensivo obtenha a transação penal.

Entretanto, a suspensão do processo obtida anteriormente poderá influir na análise dos antecedentes do autor do fato e desta forma configurar a hipó­tese prevista no inciso III do art. 76, que consubstancia impedimento subjeti­vo à obtenção da transação penal pela presente Lei, sendo então inadmitida a proposta de transação por parte do Ministério Público.

3.7.17 Transação penal e retroatividade

A transação penal é norma mista, refletindo disposições processuais e penais. Entretanto, por acarretar aplicação de sanção penal ao autor do fato, deve ser interpretada como de caráter preponderantemente penal. Assim, seus dispositivos devem obedecer ao princípio constitucional estabelecido no art. 59, XL, que determina a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu.

Ora, sendo norma que beneficia o réu, além de ter aplicação imediata, deve ter aplicação retroativa para alcançar os fatos praticados anteriormente à sua vigência.

Mas a referida norma deve retroagir apenas para fatos com processo pe­nal em curso, não podendo atingir aqueles definitivamente julgados, tendo em vista sua natureza normativa mista.

Portanto, a transação penal deve ser aplicada aos processos em curso, mesmo àqueles cujo fato tenha ocorrido anteriormente à vigência da Lei, mas não poderá sobrepujar a coisa julgada, que funcionará como limitação à apli­cação da Lei.

3.7.18 Conseqüências ao descumprimento da transação penal pelo autor do fato

Com a atuação prática dos Juizados Especiais Criminais gerou-se grave problema em relação à eficiência do instituto da transação penal em face da hipótese do não-cumprimento da pena restritiva de direitos ou multa aplica­da pelo Juiz, nos termos do art. 76, § 4e da Lei.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

Nessas hipóteses, após o oferecimento da transação pelo membro do Mi­nistério Público e a aceitação por parte do autor da infração e de seu defen­sor, o Juiz, acolhendo a proposta, poderá impor qualquer das penas restriti­vas de direito previstas pela nova Lei n2 9.714/98 (Penas alternativas) ou pena de multa, que, se não cumpridas, tomariam a Lei n9 9.099/95 de fla­grante inutilidade.

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Entendemos que, para evitar-se a total ineficácia dos Juizados Especiais Criminais, deverá o membro do Ministério Público definir como um dos re­quisitos da proposta de transação penal seu efetivo cumprimento, e, conse­qüentemente, deverá o magistrado condicionar a homologação da transação penal, uma vez aceita pelo autor da infração, ao prévio cumprimento da san­ção imposta.

Assim, caso o infrator do fato cumpra a sanção imposta, o Juiz imedia­tamente homologará a transação, encerrando-se o procedimento. Diversa­mente, porém, se não houver o cumprimento da sanção por parte do autor da infração de menor potencial ofensivo, esse deixou de cumprir unilateral- mente o acordo realizado com o Ministério Público, que poderá prosseguir na persecução penal, oferecendo denúncia.

No sentido do texto, o Enunciado 21 do IV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, ocorrido em novembro de 1998, no Rio de Janeiro, ao afirmar:

“O inadimplemento do avençado na transação penal, pelo autor do fato, importa desconstituição do acordo e, após cientificação do interessa-

; do e seu defensor, determina a remessa dos autos ao Ministério Público.”

i Igualmente em relação à pena de multa, prescreve o Enunciado 14 doIV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, que “não paga a multa decorrente de transação, o procedimento con­tinua”.

O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido do texto, com a seguinte ementa:

“TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente da transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo le­gal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retomando-se ao estado anterior, dan- do-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instaura­ção de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.”1

Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal reiterou seu posicio­namento, proclamando a possibüidade do Ministério Público ajuizar a com­petente ação penal:

“O descumprimento da transação penal prevista na Lei 9.099/95 gera a submissão do processo em seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebi­mento da peça acusatória, não havendo que se cogitar, portanto, na

1 ST, HC ne 79.572-GO, Rel. Min. Marco Aurélio, Boletim Informativo do STF n2 180.

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propositura de nova ação criminal por crime do art. 330 do CP ('Desobe­decer a ordem legal de funcionário público’). Com base nesse entendi­mento, a Turma, por falta de justa causa, deferiu habeas corpus a pa­ciente para determinar o trancamento de ação penal contra ele instaurada pelo não cumprimento de transação penal estabelecida em processo anterior, por lesão corporal leve.”2

4 DO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO

4.1 Oferecimento da denúncia

O Ministério Público oferecerá a denúncia se:

a. o termo circunstanciado não for arquivado pelo Juiz, a requerimen­to do Promotor de Justiça;

b. não ocorrer a transação penal (art. 76);

c. o esclarecimento do fato noticiado no termo circunstanciado não demandar diligências imprescindíveis;

d. a complexidade do fato não determinar a remessa das peças ao Juí­zo Comum;

e. não se configurar uma das hipóteses do art. 43 do Código de Pro­cesso Penal.

4.1.1 Arquivamento do termo circunstanciado

O arquivamento do termo circunstanciado dar-se-á nos mesmos moldes do que sucede, atualmente, com o inquérito policial. Assim, se o Ministério Público, ao examinar o fato descrito no termo circunstanciado, detectar a atípicidade penal da conduta imputada ao autor do fato, a ocorrência in- duvidosa de uma das excludentes de antijuridicidade ou a falta de uma das condições da ação, requererá ao Juiz o arquivamento do termo circunstancia­do. O Juiz, não concordando com as razões invocadas, o remeterá ao Procu- rador-Geral de Justiça, aplicando o art. 28 do Código de Processo Penal, nos termos do que dispõe o art. 92 da Lei.

4.1.2 Transação penal

A transação penal, como já ressaltado por ocasião dos comentários ao art. 76, consiste na aplicação, mediante consenso entre o Ministério Públi­

2 STF - 14 T. - HC 84976/SP, Rel. Min. Carlos Brito, decisão: 20-9-2005 - Informa­tivo STF nB 402, p. 2.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

co e o autor do fato e seu Defensor, de pena restritiva de direitos ou multa, especificada na proposta do Ministério Público, homologada por sentença.

4.1.3 Diligências imprescindíveis

A denúncia oral será oferecida se não houver a necessidade de diligências imprescindíveis.

O caráter imprescindível de referidas diligências prende-se, por exem­plo, à ausência de elementos que individualizem o autor da infração penal; à falta do boletim médico ou outra prova da materialidade do delito; à identifi­cação da vítima; à inexistência de testemunhas indicadas no termo circuns­tanciado, desde que necessária à produção da prova testemunhai para o es­clarecimento do fato delituoso.

Interessa frisar, neste passo, que a realização de tais diligências não de­mandará, necessariamente, a remessa do termo circunstanciado ao Juízo Co­mum, nos moldes do art. 66 da Lei.

O Promotor de Justiça poderá requerer ao Juiz o sobrestamento do pro­cedimento ou a redesignação da audiência para a realização de diligências que, embora imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, não se revelem complexas, ou seja, possam ser realizadas rapidamente, mediante requisição do Juiz ou do Promotor de Justiça.

Registre-se que esta providência não é prevista na Lei. Entretanto, tem amparo na informalidade que deve reger a aplicação e interpretação do di­ploma legal ora estudado, posto que seria incurial deslocar a competência do Juizado Especial para o Juízo Comum, quando as diligências possam ser cumpridas com facilidade e rapidez.

4.1.4 Complexidade do fato

Dentre as infrações abrangidas pela competência do Juizado Especial, razoável número não oferece maior complexidade e não demandará dos ór­gãos encarregados da persecução criminal investigações aprofundadas.

Todavia, em alguns casos poderemos nos deparar com fatos complexos, cujo esclarecimento pode exigir investigações ou providências de maior por­te, que impeçam o representante do Ministério Público de formar perfeita­mente o seu convencimento e, assim, de oferecer a denúncia oral.

Esta situação poderá, por exemplo, verificar-se nas lesões corporais de­correntes de erros médicos, demandando diligências para o exame de sua configuração e do nexo de causalidade; nos acidentes de trânsito envolvendo vários veículos e vítimas, dificultando a compreensão de sua dinâmica e dos

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responsáveis por sua ocorrência; nas infrações penais de menor potencial ofensivo em que não for identificada a autoria e nos casos complexos de con­curso de crimes ou de pessoas.

Embora célere o procedimento, não pode ele implicar na apresentação de uma acusação infundada ou erroneamente posta, se para bem apreciar o fato necessitar o Ministério Público da realização de diligências imprescindíveis. Posicionamento diverso importaria na violação do livre convencimento do Membro do Parquet.

Neste caso, incumbirá ao Promotor de Justiça formular requerimento ao Juiz para a remessa do termo circunstanciado, com as peças que o instruam para o Juízo Comum competente (art. 77, § 2- c.c o art. 66, parágrafo único).

A complexidade do fato para afastamento da competência do Juizado Especial Criminal deverá, porém, ser analisada de forma criteriosa, pois, como salientado pelo Supremo Tribunal Federal,

“esforços devem ser desenvolvidos de modo a ampliar-se a vitoriosa ex­periência brasileira retratada nos juizados especiais. A complexidade su­ficiente a excluir a atuação de tais órgãos há de ser perquirida com par­cimônia, levando-se em conta a definição constante de norma estritamente legal” (STF - 2- T. - Rextr. n- 175.161-4/SP - Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 14 maio 1999, p. 19).

4.1.4.1 Rejeição da remessa do termo circunstanciado ao juízo comum

O Juiz, entendendo que o caso permite a formulação imediata de de­núncia, poderá indeferir o requerimento do Promotor de Justiça de remessa do termo circunstanciado ao Juízo Comum.

Neste caso, duas soluções poderão ser adotadas:

a. amparado na jurisprudência, poderá o Ministério Público interpor correição parcial (RT 454/378 e 455/402);

b. caso o Ministério Público não interponha a correição parcial, pode­rá o Juiz, aplicando analogicamente o art. 28 do Código de Proces­so Penal, remeter o termo circunstanciado e os documentos que o acompanham ao Procurador-Geral de Justiça.

4.2 Características da denúncia oral

Considerando que o processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celerida­de, consagrados no art. 62 da Lei e que este dispositivo traduz um verdadeiro

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

vetor de interpretação, podemos afirmar que a denúncia deverá revestir-se, mais do que nunca, de clareza e de concisão.

Concisão e clareza, no entanto, não implicam na desconsideração das diretrizes ou requisitos da denúncia ou queixa elencados no art. 41 do Códi­go de Processo Penal, o que redundaria em um grave e evidente prejuízo ao contraditório, ao exercício, enfim, da ampla defesa.

O que se preconiza é o abandono das fórmulas sacramentais, já incorpo­radas na tradição forense e utilizadas na apresentação escrita da denúncia, mas desnecessárias na transmissão oral da acusação pública ou privada (de­núncia ou queixa).

4.2.1 Requisitos da denúncia oral

A denúncia oral deve observar os requisitos previstos no art. 41 do Códi­go de Processo Penal.

4.2.1.1 Exposição do fato criminoso com suas circunstâncias

Bastará a descrição sucinta do fato típico penal, com a indicação de suas circunstâncias, o estritamente necessário para a sua subsunção à nor­ma incriminadora, sendo certo que a atipicidade leva à rejeição da peça acusatória (denúncia ou queixa), nos termos do art. 43, inciso I, do Código de Processo Penal, como também a presença de uma das causas excluden- tes de antijuridicidade redunda na licitude do comportamento do agente.

As circunstâncias da infração penal, que devem constar da denúncia oral são as referentes ao tempo do delito (importante para a contagem da prescrição da pretensão punitiva e para o exercício da ampla defesa); ao lu­gar da prática dos atos executórios e da consumação (fator de fixação da competência jurisdicional); ao perfeito enquadramento típico, tais como as condições de meio e modo de execução, qualificadoras, atenuantes, agravan­tes, causas de aumento e diminuição da pena e resultados oriundos do delito.

4.2.1.2 Qualificação do autor do fato

A qualificação do agente da infração penal não significa simplesmente o seu nome, mas todos e quaisquer dados que permitam sua individualização (cognome, apelido, pseudônimo, filiação, cidadania, idade, sexo, estado físi­co etc.).

Mesmo que ignorado o nome e os demais informes lançados nos regis­tros do Instituto de Identificação da Polícia Civil ou do próprio assento de re­gistro civil, deverá o Ministério Público ou a vítima, quando titular da ação

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 303

penal, buscar outros elementos que possam identificar, sem margem de dúvi­da, o sujeito ativo da infração penal.

4.2.1.3 Classificação do crime

O Ministério Público ou a vítima na ação penal privada, deverá indicar em qual ou quais dispositivos penais baseia-se a acusação. Em qual tipo pe­nal, em suma, amolda-se o fato narrado no termo circunstanciado.

O enquadramento jurídico-penal, com a definição de uma ou mais figu­ras típicas, as respectivas qualificadoras, as causas de aumento, as agravan­tes, as normas referentes ao concurso de pessoas e ao concurso de infrações, propiciará o conhecimento dos limites da demanda ao imputado e seu Defen­sor, possibilitando-lhes o exercício pleno do direito de defesa.

Ao Juiz, evidentemente, a perfeita classificação ensejará o conhecimen­to preciso acerca do enquadramento técnico-jurídico da acusação, bem como a análise da fixação da competência do Juizado Especial.

4.2.1.4 Testemunhas: rol e número máximo

O art. 41 do Código de Processo Penal deixa claro que o rol de testemu­nhas é dispensável quando desnecessária sua oitiva para a prova dos fatos.

Em sendo necessária a produção da prova oral, deverá o titular da ação penal, Ministério Público ou a vítima, indicar as testemunhas que deseja ver inquiridas na audiência de instrução e julgamento, sob pena de preclusão.

Convém, ressaltar, que poderá o Juiz entender pertinente a oitiva de testemunhas arroladas a destempo. Se assim o for serão ouvidas como teste­munhas do Juízo.

No que concerne ao número máximo de testemunhas e tendo em vista a omissão da Lei, aplica-se o disposto no art. 539 do Código de Processo Penal, já que o legislador federal não fez expressa referência ao art. 34, caput, do diploma legal ora comentado, o que importa em afirmar que são cinco o máxi­mo de testemunhas a serem arroladas, quer pela acusação, quer pela defesa.

4.2.1.5 Materialidade da infração penal

A Lei, no seu art. 77, § l s, indica que o termo circunstanciado (art. 69) servirá de fundamento para o oferecimento da denúncia, dispensando-se, para esta fase procedimental, o laudo de exame de corpo de delito, cuja subs­tituição far-se-á com o boletim médico ou prova equivalente.

Esta equivalência probatória será aferida tendo-se como parâmetro os dados suficientes para a indicação razoavelmente segura da ocorrência da materialidade da infração penal.

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304 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Assim, no caso de lesões corporais, bastará o boletim médico (art. 77, § l e) ou prova equivalente, tal como o atestado médico ou cópia reprográfica do prontuário clínico. No crime de alteração de limites (art. 161 do CP), po­derá embasar a peça acusatória uma ou mais fotografias trazidas pelo pro­prietário ofendido ou a exibição dos instrumentos usados na execução do cri­me. Na hipótese, por exemplo, do crime de dano (art. 163 do CP), a fotografia trazida pelo próprio ofendido.

4.3 Citação do acusado

Com o oferecimento da denúncia oral, será ela reduzida a termo e en­tregue ao acusado, se presente, ficando para os efeitos legais citado e cientifi­cado do dia e hora para a realização da audiência de instrução e julgamento.

Também sairão cientificados o Ministério Público, o ofendido, o respon­sável civil quando for o caso e seus advogados.

Mesmo se o denunciado não estiver presente, sua citação será sem­pre pessoal, por mandado na hipótese de se encontrar no território jurisdi- cional do Juizado ou por precatória se estiver fora deste. Não há citação por edital.

O comparecimento espontâneo na Secretaria do Juizado Especial tam­bém atende às finalidades do ato de citação sendo, portanto, perfeitamente admissível e de acordo com os princípios que norteiam a interpretação da presente Lei, tais como a celeridade, a economia processual e a informalidade.

4.4 Testemunhas

Dispõe o art. 78, § l 9 que, uma vez citado, será o réu cientificado da data da audiência de instrução e julgamento, abrindo-se-lhe a possibilidade de trazer suas testemunhas ou de apresentar requerimento para a intimação das mesmas, desde que o faça até cinco dias antes da audiência.

O lapso existente entre a citação e a audiência de instrução e julgamen­to atenderá aos interesses do acusado, que contará com tempo suficiente para localizar e indicar suas testemunhas e estabelecer, em conjunto e sob o crivo de seu Defensor, a estratégia defensiva.

Caso a Defesa não apresente o rol na Secretaria no prazo previsto, resta­rá precluso o direito de fazê-lo posteriormente. Entendimento diverso levaria ao enfraquecimento da regra ora analisada.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

Idêntica conseqüência sofrerá o Ministério Público ou a vítima se, nas respectivas denúncia ou queixa, não indicarem as testemunhas que desejam ouvir na audiência de instrução e julgamento.

Todavia, embora às partes esteja precluso o direito de arrolar e ouvir suas testemunhas, ao Juiz abre-se a possibüidade de inquiri-las como teste­munhas do Juízo, quando assim julgar necessário à busca da verdade.

4.5 Conciliação civil e transação penal

O art. 79 faculta a possibilidade de tentativa de acordo civil e de transa­ção penal, na abertura da audiência de instrução e julgamento.

A Lei permite o acordo entre as partes, somente, na hipótese de não ter havido a possibilidade de sua realização na fase preliminar por ausência do autor do fato.

A interpretação restritiva deste dispositivo visa garantir o escopo da Lei, ou seja, a conciliação civü e a transação penal logo após a ocorrência do fato delituoso, na fase pré-processual.

4.6 Audiência

Como princípios norteadores do novo instrumento de solução dos lití­gios penais, a concentração dos atos processuais e a identidade física do Juiz encontram-se presentes no § l 9 do art.' 81 da Lei, permitindo, como conse­qüência, que o Juiz que presidiu a coleta da prova prolate, em seguida, a sen­tença.

Como mencionado na Exposição de Motivos do anteprojeto apresentado pelo Deputado Michel Temer, o procedimento oral tem demonstrado todas as vantagens onde aplicado em sua verdadeira essência. A concentração, a imediação, a identidade física do Juiz conduzem à melhor apreciação das provas e à formação de um convencimento que realmente leve em conta todo o material probatório e argumentativo produzido pelas partes. A celeridade acompanha a oralidade, pela desburocratização e simplificação da Justiça.

4.6.1 Redesignação de audiências

Parece-nos evidente que, principalmente, no que concerne ao direito das partes em produzir sua prova, poderá a audiência de instrução desdo- brar-se em tantas quantas forem necessárias ao esclarecimento dos fatos e à busca da verdade, como decorrência do princípio constitucional do devido processo legal.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

4.6.2 Exclusão das provas

Sendo um procedimento célere e concentrado, as partes emprestarão, naturalmente, sua colaboração para a rápida solução do litígio.

Na hipótese contrária, confere a Lei ao Juiz amplitude sobre a admissão das provas em audiência, uma vez que possibilita a exclusão, certamente me­diante decisão fundamentada, daquelas que considerar excessivas, imperti­nentes ou protelatórias.

No tratamento da questão referente às provas excessivas devemos procurar o que na realidade quis o legislador dizer, sob pena de grave prejuí­zo às partes.

Embora o Juiz já tenha formado seu convencimento, em que pese à existência de outras testemunhas devidamente arroladas, não poderá negar às partes o direito de ver inquiridas suas testemunhas, já que tais depoimen­tos poderão embasar eventuais recursos interpostos contra a sentença. Pode­rá ocorrer, inclusive, a hipótese de revisão criminal do julgado proferido.

Assim, quanto ao excesso da prova, a norma tem cunho exclusivamente pragmático, conclamando as partes à colaboração com a celeridade do proce­dimento, evitando-se desperdício de tempo e de energia quando o quadro probatório já está delineado.

A prova impertinente, por sua vez, é aquela que não guarda qualquer relação com o fato descrito na denúncia ou aquela desnecessária à compro­vação das teses da Defesa.

A providência protelatória, como o próprio nome indica, tem o esco­po de prolongar, de procrastinar o andamento do processo. Poderá, por exem­plo, almejar a dissipação das provas ou mesmo a ocorrência da prescrição.

4.7 Recebimento da denúncia ou da queixa

Antes da oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela Defesa, o Juiz, aberta a audiência de instrução e julgamento, dará a palavra ao Defensor para responder à acusação, seguindo-se a decisão de recebimen­to ou não da peça acusatória.

Neste importante momento processual, incumbirá à Defesa demonstrar suas teses, notadamente aquelas que afastem a autoria, a tipicidade, a antiju- ridicidade, ou excluam a culpabilidade do agente, vale dizer, a imputabilida­de, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Assim, tomou-se ineficaz a estratégia da Defesa, perfeitamente compre­ensível até o advento deste novo procedimento, consistente em guardar para as alegações finais seus principais e decisivos argumentos.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 307

4.8 Interrogatório do réu

O art. 81, acolhendo tendência adotada em modernas legislações, dis­põe que o imputado será ouvido após a oitiva das testemunhas, ressaltando, assim, o interrogatório como peça processual de defesa, já que estará o qua­dro probatório praticamente delineado.

4.9 Debates orais

Quanto aos debates orais, o Juiz, após as exposições do Ministério Público e da Defesa, fará o destaque e o registro dos pontos essenciais. Desa­parecerão os denominados memoriais, incompatíveis com os princípios e com o espírito norteadores do novo diploma legal, muito embora constituam uma praxe forense até então tolerada no procedimento sumário do Código de Processo Penal, reservado aos crimes apenados com detenção.

O tempo de exposição das razões da acusação e da defesa é de 20 minu­tos, já que silente a Lei, aplicando-se o disposto no art. 538, § 2e do Código de Processo Penal.

4.10 Resumo dos fatos relevantes

Quanto à prova testemunhai, enquanto não dispuser o Juizado Es­pecial de aparelhos para a gravação, mais aconselhável será a manutenção do mesmo procedimento hoje adotado nas audiências realizadas no Juízo Comum ou no Tribunal do Júri.

Vale dizer, o Juiz procurará ser, no registro do testemunho, o mais fiel possível ao conteúdo e às expressões utilizadas pelo depoente. Da mesma maneira, deverá o Juiz registrar as respostas às indagações formuladas pelo Ministério Público e pela Defesa, como também as eventuais perguntas inde­feridas, com a respectiva fundamentação da decisão.

A preocupação cinge-se à conservação mais fiel possível do teor dos de­poimentos colhidos, evitando-se discussões quando da interposição de even­tual recurso contra a sentença.

Evidentemente, não se colocará a questão se os atos realizados na au­diência forem gravados, o que já acontecia no Juizado de Pequenas Causas Cíveis, em muitas comarcas.

4.11 A sentença

A sentença conterá o nome das partes ou a indicação de dados suficien­tes para identificá-las, a exposição sucinta da acusação e da defesa, as razões

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308 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

de convencimento em que se fundar a decisão, a indicação dos artigos aplica­dos, o dispositivo, a data e a assinatura do Juiz, é o que dispõe o art. 381 do Código de Processo Penal.

Embora dispensável o relatório (art. 81, § 3e), o Juiz deverá abordar as teses de acusação e defesa e, após a análise do conjunto probatório, indicar as razões que embasaram seu convencimento.

Não é despiciendo lembrar que o Juiz, embora sucinta a sentença, deve­rá respeitar os limites da demanda penal, notadamènte quanto à correlação entre a denúncia e a decisão, aplicando, quando o caso, os arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal.

Quanto ao dispositivo e à autenticação da sentença, nada foi alterado.

5 SISTEMA RECURSAL

5.1 Criação das turmas recursais

O art. 98,1, da Constituição Federal permite a criação de Turmas Recur­sais, compostas de três Juizes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. Esta norma é repetida no presente artigo. Assim, inexiste obrigatoriedade de criação das Turmas Recursais, que ficará a critério da legislação estadual.

5.2 Participação do Ministério Público junto às turmas recursais

Juntamente às Turmas Recursais, criadas por lei estadual, atuará órgão do Ministério Público, também de primeira instância, como custos legis.

5.3 Prazo recursal diferenciado

A apelação terá o prazo de dez dias, contado da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor. No prazo deverão ser apre­sentadas, conjuntamente, a petição e as razões de recurso, diferentemente da previsão do Código de Processo Penal (art. 593 c.c. 600), que prevê prazos diferenciados para interposição do recurso e apresentação das razões.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

5.4 Cabimento da apelação

Caberá apelação da:

a. rejeição da denúncia ou queixa;

b. sentença de mérito (condenatória ou absolutória);

c. sentença não homologatória da transação penal oferecida pelo Mi­nistério Público e aceita pelo acusado e seu defensor, quando tra­tar-se do exame da legalidade pelo Poder Judiciário (vide nota ou art. 76, § 29);

d. sentença homologatória da transação penal. Os Tribunais Estaduais de São Paulo vêm entendendo que o recurso cabível quando o Juiz concede de ofício a transação penal é o de apelação. Nesse sentido: TACRIM/SP, Correição Parcial ne 1.028.077/7, da comarca de So­rocaba, relatado pelo Juiz Renato Nalini (23 de setembro de 1996); TACRIM/SP, Correição Parcial nQ 1.012.835/9, da comarca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz Walter Guilherme (17 de junho de 1996) - vide nota ao art. 76, § 52);

e. sentença homologatória de suspensão condicional do processo quando o Ministério Público discordar das condições impostas pelo Juiz (vide nota ou art. 89).

5.5 Rejeição da denúncia

Diferentemente da previsão genérica do art. 581, I, do Código de Pro­cesso Penal, da rejeição da denúncia caberá apelação no prazo de 10 (dez) dias e não recurso em sentido estrito.

5.6 Acórdão da turma recursal

Caso haja confirmação da sentença pelos próprios fundamentos, a sú­mula do julgamento servirá de acórdão.

5.7 Recursos possíveis no Juizado Especial Criminal

A Lei prevê expressamente a existência de dois recursos: apelação (art. 82) e embargos declaratórios (art. 83). Além destes recursos todos os demais previstos no Código de Processo Penal poderão ser utilizados, assim como to­dos os remédios constitucionais.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

5.8 Interposição da apelação

Considera-se interposta a apelação com a entrega, na Secretaria do Jui­zado, da petição recursal, acompanhada das razões de apelação. Não fica prejudicada a apelação entregue no cartório no prazo legal, embora despa­chada tardiamente (Súmula 428 do STF).

5.9 Cabimento do recurso extraordinário

A Constituição Federal prevê a competência do Supremo Tribunal Fede­ral para julgamento de recurso extraordinário das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; jul­gar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição (art. 102, III). Desta forma, haverá cabimento de recurso extraordinário das decisões das Turmas Recursais, desde que inexista recurso ordinário, previsto em lei.

Neste sentido, o teor da reclamação nB 461-0, relatada pelo Min. Carlos Velloso, tendo como reclamado o Juiz de Direito Presidente do Colegiado Es­pecial dos Juizados Especiais de Pequenas Causas da Comarca de Goiana:

“DECISÃO: Por votação unânime, o Tribunal julgou procedente a reclamação, nos termos do voto do relator. Votou o Presidente. Ausen­tes, ocasionalmente, os Ministros Sydney Sanches, Paulo Brossard e Néri da Silveira. Plenário, 20-4-94.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JUI­ZADO ESPECIAL DE PEQUENAS CAUSAS. Lei ne 7.244, de 7-11-84. CABIMENTO DO RE.

I - Cabimento de recurso extraordinário de decisão proferida pelo Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Pequenas Causas.

II - Precedentes do STF: Reclamações 438, 459 e 470.

III - Reclamação julgada procedente.”

E, ainda, julgamento recente (DJ, 20-10-1995, p. 35.254) da Reclama­ção n2 476-7, igualmente relatada pelo Min. Carlos Velloso:

“DECISÃO: Por votação unânime, o Tribunal julgou procedente a reclamação. Votou o Presidente. Plenário, 20-9-95.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JUI­ZADO ESPECIAL DE PEQUENAS CAUSAS. Lei n9 7.244, de 7-11-84. CABIMENTO DO RE.

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U N IM INAS-B IBLIU I COM

_____________JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 311

I - Cabimento de recurso extraordinário de decisão proferida pelo Colegiado Recursal dos Juizados Especiais de Pequenas Causas.

II - Precedentes do STF: Reclamações 438, 459 e 470.

III - Reclamação julgada procedente.”

No mesmo sentido: Reclamação n9 471-6, relator Min. Celso de Mello.

Assim, haverá

“cabimento de recurso extraordinário de decisão proferida pelo Colegia­do Recursal dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, desde que ocor- rentes os pressupostos constitucionais” (STF - Pleno - Reclamação n- 525-9/SP - Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 21 jun. 1996, p. 22.290).

5.10 Possibilidade de a turma recursal declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (controle difuso de constitucionalidade)

A Constituição Federal permite a todo e qualquer Juiz ou Tribunal reali­zar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurí­dico com a Constituição Federal. A idéia de controle de constitucionalidade realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), onde o Juiz Marshall afirmou que “é próprio da ativi­dade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao fazê-lo, em caso de contra­dição entre a legislação e a Constituição, o Tribunal deve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo” (PADOVER, S. The living US Constitution. New York: New American Library, 1983, e o acór­dão redigido pelo Chief Justice Marshall no caso 347 US 483 (1954) e 349 US 294 (1955), no mesmo Padover p. 83-86). Assim, existindo um conflito entre leis com hierarquias distintas, deve sempre prevalecer a superior, “as­sim, se uma lei estiver em contraposição com a Constituição; se ambas lei e Constituição se aplicam a um caso particular, então a corte deve resolver o caso em conformidade com a lei, não levando em conta a Constituição; ou em conformidade com a Constituição, não levando em conta a lei; a corte deve dizer qual dessas regras em conflito ‘govems the case’. Essa é a essência da função judicial” (Padover, p. 84).

Salientava Pontes de Miranda que o Juiz “não tem o arbítrio de deixar de lado a questão constitucional ou as questões constitucionais, que as partes ou os membros do Ministério Público levantarem. E missão sua. E dever seu. Ele mesmo as pode suscitar e resolver. Rigorosamente, é obrigado a isso. A Constituição é lei e não lhe é dado desconhecer a lei”.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

No Juizado Especial prevalecerá a possibilidade da realização do contro­le difuso de Constitucionalidade, tanto pelo Juiz Especial, quanto pela Turma Recursal.

Ocorre, porém, que o art. 97 da Constituição Federal prevê que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respecti­vo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, com a finalidade de maior segurança ju­rídica, pretendendo que os órgãos colegiados somente devem declarar a in­constitucionalidade “quando esta se revela acima de qualquer dúvida razoá­vel (beyond a reasonable doubt), segundo ensinam os melhores doutrinadores norte-americanos” (Pinto Ferreira, comentando o art. 97, in Contentários à Constituição Brasileira).

Desta forma, por ser órgão colegiado, somente pelo voto da maioria ab­soluta dos membros do Colégio de Turmas Recursais poderá haver declara­ção de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

5.11 Recurso extraordinário e mandado desegurança no caso de concessão ex officio da suspensão condicional do processo

A Lei não prevê, expressamente, recurso ordinário para a concessão de suspensão condicional do processo ex officio pelo Poder Judiciário, havendo possibilidade de mandado de segurança.

Além do mandamus, por inexistir recurso ordinário, haverá possibilida­de de interposição do recurso extraordinário, mesmo tratando-se de decisão de primeiro grau, em virtude da questão constitucional, uma vez que, como detentor da exclusividade da ação penal pública (art. 129,1, CF), somente o Ministério Público poderá dispô-la, através da proposta de suspensão (vide nota ao art. 89).

No sentido do cabimento do recurso extraordinário de decisões termi­nativas ou definitivas, vejamos o ensinamento do Ministro Sepúlveda Per- , tence, in Agravo de Instrumento ne 148.033-5/RJ (DJU n2 181, p. 24.929, 21-9-1994):

“(...)O art. 102, III, da Constituição em vigor, não modificou a disciplina

anterior do recurso extraordinário, no que se refere à natureza interlo-cutória ou definitiva - da decisão passível de ser por ele impugnada.Assim, continua válida, para o novo RE, a doutrina de PONTES DE MI­RANDA (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, p. 47), in verbis:

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 313

‘Se a decisão foi proferida em agravo ou julgamento semelhante, há de interpor-se o recurso extraordinário desde logo, ou quando se resol­ver sobre o mérito? A Constituição não distingue. Uma vez que se deci­diu em última ou única instância, basta’.”

Ainda no sentido do cabimento de recurso extraordinário da decisão de Juiz de l s grau, quando da inexistência de recurso ordinário, RE­CURSO EXTRAORDINÁRIO N9 140.757 - DF, Primeira Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, RTJ 148/903-904; RECURSO EXTRAORDINÁRIO NQ 136.154 - DF, Tribunal Pleno, rel. p/ o Acórdão, Min. Carlos Velloso, RTJ 149/559-560.

Não é outro o entendimento ensinado pelo Ministro Moreira Alves em O novo processo civil brasileiro, p. 389.

A respeito da impossibilidade de suspensão condicional do processo ex ojficio vide comentários ao art. 89.

5.12 Cabimento do recurso especial

A Constituição Federal prevê a competência do Superior Tribunal de Justiça para julgamento de recurso especial, das causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal, der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tri­bunal (art. 104, III). Desta forma, não caberá recurso especial das decisões das Turmas Recursais.

Neste sentido, julgamento do Superior Tribunal de Justiça, (IV T., Rec. Esp. 21.664-7-MS, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJU, p. 9.340,17-5-93):

“RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DO JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS OU DO JUIZADO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. As decisões dos Juizados de Pequenas Causas ou dos Juizados Especiais para causas cíveis de menor complexidade, ainda que adotados por Câmara Recur­sal, não comportam recurso especial. Recurso não conhecido. Maioria.”

5.13 Habeas corpus contra ato do juiz especial

Entendemos ser taxativa a competência das Turmas Recursais, uma vez que o art. 98,1, da Constituição Federal prevê somente a possibilidade de jul­gamento de recursos por turmas de juizes de primeiro grau, não sendo o caso, portanto, do habeas corpus. Assim, caberia ao Tribunal sob cuja jurisdi­

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ção encontra-se o juiz o julgamento do habeas corpus (No sentido do raciocí­nio do texto, sendo habeas corpus contra ato de Promotor de Justiça, que está sob jurisdição direta do Tribunal de Justiça, entendeu o STF - 1- Turma - RECr 141.209-7SP - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU, p. 3.326, 20-3-92).

Igualmente, os Tribunais Regionais Federais serão competentes para o processo e julgamento de habeas corpus contra ato do juiz federal que atue nos Juizados Especiais Federais, nos termos do art. 108,1, d, da Constituição Federal. Nessa hipótese, não houve nenhuma previsão específica da EC n2 22/99, que somente determinou que a lei federal poderá dispor sobre a cria­ção de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.

Importante ressaltar que a adoção desta posição tutela de maneira mais eficaz a liberdade de locomoção, uma vez que eventual denegação da ordem, tanto pelo Juiz Especial, quanto pelo Tribunal, possibilitará, ainda, o recurso ordinário constitucional, previsto no art. 105, II, a, da Constituição Federal.

Note-se que, em virtude da atual impossibilidade de conversão da pena de multa em pena privativa de liberdade, em face da Lei ne 9.268, de l e de abril de 1996, o Supremo Tribunal Federal entende incabível o habeas corpus baseado na aplicação de pena de multa, mesmo que incorreta sua dosimetria, uma vez que de forma alguma haveria possibilidade do surgimento de cons- trição legal à liberdade de locomoção (STF - 1- Turma - HC 73.744, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 28 out. 1996, p. 41.030; STF - 2- Turma - HC 74226, rel. Min. Maurício Correa, Diário da Justiça, Se­ção I, 28 out. 1996, p. 41.031).

5.14 Habeas corpus contra ato da turma recursal

Há duas posições. Primeira: aplica-se o art. 102,1, i, da Constituição Fe­deral, que afirma ser competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, o habeas corpus, quando o coator ou o paciente for tribunal, autoridade ou funcionário cujos atos estejam diretamente à jurisdi­ção do referido Pretório Excelso. Segunda: Devem-se aplicar as disposições das Constituições Estaduais sobre competência dos Tribunais, ao determina­rem, por exemplo (Constituição do Estado de São Paulo, art. 74, IV), ser competência do Tribunal de Justiça os habeas corpus, nos processos cujos re­cursos forem de sua competência ou o coator ou paciente for autori­dade diretamente sujeita a sua jurisdição.

O próprio Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (7 x 4), ado­tando a primeira posição, decidiu ser de sua competência o processo e julga­mento de habeas corpus contra ato da Turma Recursal, especificamente, Jui­zado Especial de Pequenas Causas da Comarca de Campina Grande (Turma

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Recural Criminal), vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Néri da Silveira e limar Galvão, que determinavam a remessa dos autos ao Tribu­nal de Justiça do Estado (STF - HC 71.713-6, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, v.m., DJ, p. 29.827,4-11-1994), de seguinte teor:

“DECISÃO: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria de votos, co­nheceu do pedido, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Néri da Silveira e limar Galvão, que dele não conheciam e determina­vam a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado. Votou o Pre­sidente. No mérito, por unanimidade de votos, o Tribunal deferiu o pe­dido de habeas corpus, para anular o processo, nos termos do voto do relator e declarou a inconstitucionalidade do art. 59 da Lei n2 5.466/91, do Estado da Paraíba. Plenário, 26-10-94.”

Esta decisão foi reiterada no julgamento do recente HC 72.582-1, \- Turma, relatado pelo Ministro limar Galvão, DJ, p. 35.258, 20-10-1995, ten­do como coator Juizado Especial de Pequenas Causas Criminais da Comarca de João Pessoa (Turma Recursal Criminal), de seguinte teor:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR DECISÃO DE JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS. ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO, POR INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI PARAIBANA QUE INSTITUIU O REFERIDO ÓRGÃO.

O Supremo Tribunal Federal, no HC 71.713/PB, decidiu pela in­constitucionalidade do art. 59, da Lei ne 5.466/91, do Estado da Paraí­ba, que, na ausência de lei federal a respeito, outorgou competência pe­nal a juizados especiais.

Nulidade do processo instaurado contra o paciente.

Habeas corpus deferido.”

Ressalte-se que, a princípio, a EC nQ 22/99 deveria alterar o posiciona­mento pacífico, anteriormente exposto, de competir ao Supremo Tribunal Fe­deral o processo e julgamento do habeas corpus contra ato da Turma Recur­sal dos Juizados Especiais Criminais estaduais ou federais, previstos no art. 98,1, e parágrafo único, da CF e na Lei n2 9.099/95.

Tal entendimento baseia-se na unificação de competência originária para processar e julgar os habeas corpus dirigidos contra atos ou decisões dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais estaduais, sejam únicos ou colegia- dos, no Superior Tribunal de Justiça, em virtude da alteração de redação dos arts. 102, I, i e 105, I, c da Constituição Federal. Dessa forma, de igual ma­neira, caberia ao STJ o processo e julgamento do habeas corpus ajuizado con­tra atos ou decisões colegiados proferidos pela 2- instância dos Juizados Es­peciais Criminais.

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Não foi, porém, o entendimento inicial do Supremo Tribunal Federal que entendeu continuar

“competente para julgar o habeas corpus contra decisão emanada de Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Criminais, em face da promulgação da EC ns 22/99”,

uma vez que a

“Turma considerou que, mesmo com a nova redação da EC n9 22/99, permaneceu o silêncio da CF a respeito do habeas corpus contra ato das turmas recursais, subsistindo, portanto, o entendimento proferi­do pelo STF no julgamento do HC 71.713-PB (julgado em 26-10-94, acórdão pendente de publicação), em que se decidiu que a brevidade dos juizados especiais não dispensa o controle de constitucionalidade de normas, estando as decisões de turmas recursais exclusivamente sujeitas à jurisdição do STF” (STF - l â T. - HC n2 78.317/RJ - Rel. Min. Octávio Gallotti, decisão: 21-5-99 - Informativo STF nQ 149).

Hoje a questão está definida pelo STF, através da edição da Súmula 690, no seguinte sentido: “COMPETE ORIGINARIAMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.”

5.15 Mandado de segurança

A competência da Turma Recursal é taxativamente prevista pelo art. 98, I, CF e pela Lei Federal, não havendo previsão do mandado de segurança. Assim, o mandado de segurança deverá ser ajuizado perante o Tribunal com­petente em razão da matéria.

Haverá possibilidade de ajuizamento de mandado de segurança, contra a decisão que conceder de ofício a transação e a suspensão condicional do processo (a respeito nota aos arts. 76 e 89).

No sentido do cabimento do mandado de segurança, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“Não sendo, o ato jurisdicional, ensejador de mera inversão tumul­tuaria mas, isto sim, obstaculizador de atividade do Ministério Público, prevista na Carta Magna (art. 129, inciso I) e na LONMP (art. 25, inciso III) é de se admitir, como remédio jurídico cabível, no caso (aplicação do art. 89 da Lei ne 9.099/95), o mandado de segurança” (STJ - 5a T. RMS ne 8.084/MG - Rel. Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção I, 2 fev. 1998, p. 121).

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 317

5.16 Mandado de segurança. Legitimidade do Promotor de Justiça para impetração

Conforme o art. 32 da Lei nQ 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Minis­tério Público), os Promotores de Justiça que atuam na primeira instância ju­dicial podem impetrar o mandamus perante os Tribunais locais, desde que o ato ilegal advenha de juízo de primeira instância em processo que funcione, o que significa dentro de sua esfera de atribuições, determinadas pela lei.

A atividade de impetração de mandado de segurança pelo Promotor de Justiça que atua em primeiro grau de jurisdição tem a mesma natureza da in­terposição de recurso ãos Tribunais, que está distanciada da atribuição do Ministério Público junto aos Tribunais.

Da mesma forma, no Estado de São Paulo, a Lei Complementar Estadual ns 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Pú­blico) dispõe em seu art. 121, expressamente, a faculdade dos Promotores de Justiça de impetrar mandado de segurança perante os Tribunais.

O Supremo Tribunal Federal, já na vigência da atual Lei Orgâni­ca Nacional do Ministério Público, em reiteradas decisões, admitiu a impetração de mandado de segurança por Promotor de Justiça:

“Habeas Corpus. Apelação em liberdade, art. 594 do Código de Pro­cesso Penal. Impetração de mandado de segurança pelo Promotor deJustiça. Litisconsórcio e assistência litisconsorcial.

Se o Juiz condena o réu à pena de 3 anos de reclusão pelo crime de trá­fico de tóxico, art. 12 da Lei ns 6.368/76, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade, com base no art. 35 da mesma Lei, não pode outro Juiz do mes­mo grau de jurisdição permitir que o réu apele em liberdade, art. 594 do CPP.

Como o Ministério Público é parte no processo penal, ele tem legitimi­dade para impetrar mandado de segurança quando entende violado direito líquido e certo por ato de Juiz de primeiro grau de jurisdição.

No mandado de segurança assim impetrado, o réu do processo penal não é litisconsorte passivo necessário nem facultativo, arts. 46 e 47 do Códi­go de Processo Civil. Como é a hipótese de assistência litisconsorcial, art. 54 do mesmo Código, segue-se que por ser o caso de ingresso voluntário de ter­ceiros no processo, não se mostra compatível com o rito especial e sumário do mandado de segurança impetrado contra ato judicial.

Habeas Corpus conhecido, mas indeferido (Habeas Corpus n269.802-6; Rel. Min. Paulo Brossard, 2- Turma, por unanimidade, DJU,2-4-1993).

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“Habeas Corpus. Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público para obtenção de efeito suspensivo para apelação.

Esta corte tem admitido mandado de segurança contra ato judicial no âmbito criminal (RE ne 85.278, RTJ 83/255 ss). Por outro lado, sen­do o Ministério Público parte na relação jurídica processual, pode ele utilizar-se do mandado de segurança. E a impetração compete ao Pro­motor de Justiça quando o ato atacado emana de Juiz de primeiro grau de jurisdição.

Ausência de ilegalidade na concessão de mandado de segurança que deu efeito suspensivo à apelação do Ministério Público contra a concessão da sentença, para o cumprimento de pena de reclusão, ao re­gime de prisão albergue domiciliar.

Habeas Corpus indeferido” (RTJ 128/1199 ss).

No mesmo sentido as decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA JUNTO A TRIBUNAL LOCAL.

O art. 32, inc. I, da Lei ne 8.625, de 12-2-93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) admite às expressas que o Promotor de Justiça impetre mandado de segurança perante os Tribunais locais.

Recurso ordinário provido para afastar a carência da ação” (Recur­so em mandado de segurança nQ 5.370-9, DJU, 29-5-95, Rel. Ministro Barros Monteiro).

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.. MANDADO DE SE­GURANÇA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROMO­TOR DE JUSTIÇA. LEGITIMAÇÃO AD PROCESSUM’ PARA AJUIZA- MENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONTRA ATO DE JUIZ (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 128, § 5e; LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, ART. 39, V).

Legitimação ad causam (Lei n2 8.069/90, arts. 175, 176 e 201, II).

Recurso Ordinário Provido para que o Tribunal recorrido aprecie o mérito” (ROMS 1.720-SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU, 17-5-93).

“RMS - MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO - O Ministério Público é uno e indivisível. A pluralidade de órgãos não afeta a característica orgânica da instituição. Ao membro do Ministério Público, como ao Juiz, é vedado atuar fora dos limites de sua designação. Há, por isso, órgãos que atuam em 1- instância e outros em 2- instância. O Promotor não atropela o Procurador. O órgão que atua em I a instância pode solicitar prestação jurísdicional em 2- grau. Exemplificativamente, a interposição de apelação, no juízo em que atua. O Recurso Especial, porém, no mesmo processo, será manifestado pelo

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órgão que oficia junto ao Tribunal. Distingue-se, pois, postular ao Tri­bunal do postular no Tribunal. O Promotor tem legitimidade para impe­trar mandado de segurança, descrevendo, na causa de pedir, ilegalida­de ou abuso de poder do Juiz de Direito” (Recurso em mandado de segurança ns 1.447-0-SP, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU, 14-3-94, p. 4.533).

5.17 R ev isão crim in a l

Conforme afirmado no tópico anterior, a competência da Turma Recur- sal é taxativamente prevista pelo art. 98,1, CF, e pela Lei, não havendo previ­são da Revisão Criminal. Assim, deverá ser o Tribunal competente em razão da matéria.

5.18 Em bargos d e d ecla ração

5.18.1 Prazo

A Lei prevê prazo único para a interposição dos embargos de declara­ção, seja da sentença, seja do acórdão, de cinco dias, contados da ciência da decisão, diferentemente do Código de Processo Penal, que prevê prazo de dois dias da data de ciência da sentença (art. 382) ou do acórdão (art. 619).

5.18.2 Requisitos

Os embargos de declaração têm como característica a invocação do mes­mo juízo, para que desfaça obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

5.18.3 Interposição dos embargos

Poderão ser interpostos por escrito ou oralmente.

5.18.4 Efeito suspensivo

Os embargos de declaração terão efeito suspensivo somente quando opostos contra a sentença de l e grau. No caso do Acórdão, o prazo para in­terposição de eventual recurso extraordinário não será suspenso.

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5J8.5 Extensão dos embargos

Os embargos declaratórios não têm caráter infringente, não podendo modificar, corrigir, reduzir ou ampliar a sentença. Os embargos têm seus li­mites bem estabelecidos, cabendo quando a sentença apresentar obscurida­de, ambigüidade, contradição ou omissão. Não se permite inovação no pro­cesso por meio de embargos de declaração, modificando, na essência, a decisão (RT 631:299; 648:275; 648:276).

5.18.6 Erros materiais

A lei, expressamente, possibüita no art. 83, § 39, a correção de ofício dos erros materiais, seguindo posição jurisprudencial pacífica no Superior Tribu­nal de Justiça (RSTJ 47/275) e no Tribunal de Justiça do Estado de São Pau­lo (TJSP, ES 7.093, RT 621:287).

6 DA EXECUÇÃO

6.1 Juízo competente para execução da pena de multa

O próprio Juizado Especial Criminal será competente para execução da pena de multa, quando for a única aplicada.

6.2 Extinção da punibilidade

O pagamento da multa na Secretaria do Juizado resultará na declaração de extinção de punibilidade por parte do próprio Juiz Especial.

6.2.1 Pena de multa

A pena de multa consiste na obrigação do sentenciado em pagar ao Estado certa quantia. Ao efetuar o pagamento, o sentenciado terá cumprido esta obrigação. A pena de multa é um instrumento destinado a evitar o en­carceramento do sentenciado, em delitos de menor gravidade, para que per­maneça convivendo em sociedade, não o afastando do trabalho, nem da fa­mília, nem dos amigos, evitando, desta forma, os malefícios do encarceramento.

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6.2.2 Natureza jurídica da pena de multa

É uma sanção penal, não constituindo, portanto, um tributo. Inclusive, o Código Tributário Nacional, em seu art. 3Q, exclui expressamente a prestação compulsória que constitua “sanção de ato ilícito” como tributo.

6.2.3 Aplicação da pena pecuniária

A pena de multa, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, pode tanto ser cominada de forma única, alternativa ou cumulativa com a pena privativa de liberdade, quanto de forma substitutiva (vicária) da pena privativa de liberdade, seja como única pena vicária (art. 60, § 22, do Código Penal), seja como uma das penas (juntamente com uma pena restritiva de di­reitos) a ser aplicada (art. 44, parágrafo único, do Código Penal).

Além disso, poderá ser aplicada na fase pré-processual da transação penal.

6.2.4 Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade pela pena de multa

Aplicam-se os requisitos previstos no art. 60, § 2-, do Código Penal quando:

a. a duração da pena privativa de liberdade não for superior a 6 (seis) meses;

b. o réu não for reincidente;

c. a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Cabível a multa substitutiva, deve o Juiz aplicá-la em lugar da pena car­cerária cominada em abstrato. A pena substituída não constitui faculdade ou opção do réu, mas o castigo a que fica sujeito, com exclusão de qualquer ou­tro, por ser aquele que foi considerado suficiente à reprovação e prevenção do crime (RT 609/352).

6.2.5 Fixação da pena de multa

A individualização da pena de multa se faz em duas etapas: primeira­mente calcula-se o número de dias-multa com base nos mesmos parâmetros utilizados para a fixação da pena privativa de liberdade (art. 59 do CP), po­

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dendo variar entre 10 e 360 dias-multa; em seguida, calcula-se o valor de cada dia-multa tendo em vista a capacidade econômica do autor da infração.

O valor do dia-multa não poderá ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário, podendo o Juiz aumentá-lo até o triplo, se considerar que, em virtude da situação econômica do réu, ele será ineficaz, embora aplicada a pena no máximo (art. 49, § 1Q c.c. art. 60, § l e do CP).

6.2.6 Execução da pena pecuniária no caso de não-pagamento

A Lei nQ 9.268, de l 9 de abril de 1996, além de alterar o art. 51 do Códi­go Penal, impedindo a conversão da pena pecuniária em privativa de liberda­de, modificou o art. 164 da Lei de Execuções Penais (Lei ns 7.210/84), exclu­sivamente no tocante ao procedimento para a execução da pena de multa, posto que adotou o regime estabelecido na Lei ne 6.830/80, denominada Lei das Execuções Fiscais. Visou a alteração proporcionar melhor atuação estatal no efetivo cumprimento da pena, utilizando um procedimento mais rápido e eficiente e, também, prestigiar a sanção pecuniária como alternativa eficaz no tratamento das infrações de pequeno potencial ofensivo.

A Lei n9 9.268/96 alterou, unicamente, o procedimento a ser adotado para a execução da pena de multa. Portanto, permanece competente a Vara de Execuções da comarca. Da mesma forma, continua o Ministério Público legitimado a requerer, nos termos do art. 164 da Lei de Execuções Penais, a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado para promover a cobrança judicial da multa.

O legislador, ao inserir a expressão divida de valor no art. 51 do Código Penal, não pretendeu alterar a natureza jurídica da multa, espécie de sanção de caráter penal. Na verdade, adotou expressão utilizada nos Tribunais, indi­cativa da possibilidade de incidência da correção monetária sobre a multa, a fim de restaurar-lhe o valor. Reforça-se a conclusão de que o legislador não pretendeu alterar a natureza jurídica da multa ao se constatar que a Lei n9 9.268/96 não modificou o art. 32 do Código Penal, notadamente seu inciso III, que aponta a multa como espécie de pena.

Há, todavia, entendimento diverso. A adoção da expressão dívida de va­lor revelaria a intenção do legislador de transformar a natureza jurídica da multa, de sanção penal para débito monetário, inscrevendo-o na dívida ativa não tributária, nos termos do § 2e, do art. 39, da Lei n9 4.320/64. Como de­corrência, competente para a execução da multa seria o Juízo das Execuções Fiscais.

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6.2.7 Modo de conversão da pena de multa em privativa de liberdade

Não é mais possível a conversão da pena pecuniária em pena privativa de liberdade, como já adiantado, tendo em vista a revogação expressa do art. 51 e seus parágrafos pelo art. 3e, da Lei nQ 9.268/96, que lhe deu nova redação.

6.2.8 Parcelamento da pena de multa

Será possível que a cobrança da multa seja parcelada (art. 169 da LEP), bem como que o Juiz Especial determine o desconto nos vencimentos ou sa­lário do condenado. O Código Penal e a Lei de Execução Penal concedem a suficiente flexibilidade (art. 50 do CP a art. 171 da LEP) para que o parcela­mento e o desconto na fonte sejam possíveis em todos os tipos de execução da pena pecuniária e aplicados subsidiariamente. O limite máximo do des­conto mensal é o da quarta parte da remuneração e o mínimo de um décimo, estabelecendo o Juiz o número de parcelas tendo em vista a remuneração do condenado e o valor da multa, mas sempre evitando comprometer o sustento familiar.

6.2.9 Questão da correção monetária na pena pecuniária

Nos termos do art. 49, § 2- do Código Penal, que deverá ser aplicado subsidiariamente, o valor da multa deve ser atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

6.2.10 Momento de atualização da pena de multa

A posição predominante no Superior Tribunal de Justiça afirma que “diante dos expressos termos do § l e, do art. 49 do Código Penal, estabele­cendo piso mínimo ‘ao tempo do fato’ e não constituindo a correção monetá­ria alteração da expressão nominal da dívida, mas simples atualização mone­tária, o ponto de partida da correção deve ser estabelecido na data do fato” (STJ - Rec. Especial ne 41.438-5/SP, DJ, 17-10-1994, p. 27.906, Rel. Min. Assis Toledo).

Existe uma segunda posição, que entende que a atualização do valor da multa pela correção monetária, nos casos em que ela se aplica, deve ser con­tada a partir do primeiro dia após o décimo dia de prazo para o pagamento

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espontâneo, pois somente após este prazo o débito é exigível (art. 164 da LEP) - neste sentido: RJDTACRESP 2/30, 3/54-55.

6.3 Execução das penas impostas pelo Juizado Especial Criminal

Excetuando-se a pena de multa exclusivamente imposta ao autor do fato ou sentenciado, todas as demais hipóteses serão regidas pela Lei de Exe­cução Penal, no Juízo de Execuções.

7 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

7.1 Ação penal pública condicionada

O art. 88 da n2 9.099/95 transformou a ação nos crimes de lesão corpo­ral dolosa, de natureza leve e lesão corporal culposa em pública condiciona­da, dependente de representação, como condição de procedibilidade. Regis­tre-se que esta norma projeta-se em toda legislação comum e especial, incidindo, portanto, sobre os delitos da mesma espécie previstos no Código Penal Militar (STF - 2â T. - HC n2 78.784-3/SP - Rel. Min. Carlos Velloso; STF - 1- T. - HC nQ 78.9544/PR - Rel. Min. Olmar Galvão, ambos no Diário da Justiça, Seção I, 25 jun. 1999, p. 4).

Assim, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal

“a exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter pe­nalmente benéfico e toma conseqüentemente extensíveis aos procedi­mentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Fe­deral os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei ne 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referência - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fun­damentos ético-jurídicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n2 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre proce­dimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribu­nais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifíca-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pre­tensão punitiva do Estado” (STF - Pleno - Inq. n9 1.055/AM - Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 24 abril 1996, p. 17.412. No mesmo sentido: STF - Inq. ne 1.008-l/RO - Rel. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I, 8 maio 1996, p. 14.735).

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7.2 Momento de apresentação da representação

O art. 75 da Lei dispõe sobre o momento de oferecimento da represen­tação, dizendo que “não obtida a composição dos danos civis, será dada ime­diatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzido a termo”.

Assim, somente haverá necessidade da representação após a audiência de tentativa de reparação dos danos civis, na fase pré-processual do procedi­mento e não para lavratura do termo circunstanciado.

7.3 Prazo para representação

Aplica-se o art. 38 do Código de Processo Penal, ou seja, o prazo será de 6 (seis) meses, salvo na hipótese do art. 91.

7.4 Vias de fato

Não se aplica o art. 88 à contravenção de vias de fato, por ausência de expressa determinação legal (RJDTACRIM, 25/302; TACRIM/SP - Recurso em sentido estrito ne 1.020.891/4 - Piracicaba - 9- Câmara - Rel. Moacir Peres).

No sentido da transformação da ação penal por contravenção de vias de fato em pública condicionada, exigindo-se a representação: TACRIM/SP Ape­lação ne 998.539/6 - 5â Câmara - Rel. Teodomiro Méndez.

7.5 Art. 129, §§ 65 e T~

A ação penal para a infração do art. 129, §§ 62 e 7°, também será públi­ca condicionada à representação.

7.6 Aplicação da Súmula 594 do Supremo Tribunal Federal

“Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, in­dependentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.”

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.7 R etroa tiv id ad e do art. 88

A representação, apesar de ser norma predominantemente processual, por seu conteúdo e reflexos penais, tem retroatividade benéfica (vide comen­tários ao art. 90).

7.8 Da suspensão con d ic ion a l do processo

7.8.1 Suspensão “consensual” do processo (art. 89)

O Ministério Público, nas infrações cuja ação penal seja pública e a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, que se aceita pelo acusado, poderá levar o Juiz, após o recebimento da denúncia, a suspender o processo por dois a quatro anos, submetendo o réu a determina­das condições. Saliente-se, inicialmente, que o campo de abrangência da sus­pensão consensual do processo é mais amplo do que o da transação penal, aplicando-se tanto as infrações com rito comum quanto com rito especial, in­clusive perante as Justiças Federal, Militar e Eleitoral.

A lei somente permite a suspensão consensual do processo, ouseja, o afastamento do processo através de oferecimento do Ministério Pú­blico e aceitação do acusado, homologados pelo Poder Judiciário, como forma de transação processual, autorizada por expressa disposição cons­titucional (art. 98,1) e com a conseqüência de atenuar os princípios da obri­gatoriedade da ação penal, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Como salienta Weber Martins Batista, analisando o tema, “nem por isso se diz que foi violado qualquer direito garantido constitucionalmente ao indi­ciado, como a ampla defesa ou o do devido processo legal. Nos casos de pe­quena importância, é possível evitar o debate, presumindo-se o consentimen­to do acusado. Se ele não se insurge contra a solução imposta pelo Juiz, é porque exerceu uma faculdade dispositiva sobre a forma do procedimento, não no sentido de poder modificá-la, mas no de aceitar a mais simples, ao in­vés de exigir a forma comum” (Estudos de direito processual penal em home­nagem a José Frederico Marques, p. 324).

7.8.2 Inexistência de direito subjetivo do acusado

A Constituição Federal prevê como direito do Estado o ius puniendi e o ius punitionis, ao possibilitar a aplicação de pena pela autoridade judicial competente, por crime definido em lei, através do devido processo legal, ini­

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

ciado por denúncia do Ministério Público (art. 59, XXXIX, LIII, LVII e art. 129,1), ou queixa-crime pelo ofendido.

Celso Bastos e Ives Gandra afirmam ser uma das funções primordiais do Estado a persecutio criminis, sendo preciso que “um órgão do próprio Estado se incumba deste mister. Ao Ministério Público cabe fundamentalmente esta função. A ele cabe verificar da existência dos pressupostos da ação penal. Avaliar os indícios probatórios a fim de verificar se a ação a ser proposta tem chances de chegar à condenação que se almeja. Enfim, é toda a força perse- cutória do Estado, em matéria penal, exercida por um órgão do próprio Esta­do, mas dotado de garantias que lhe permitem agir com independência” (Co­mentários à Constituição do Brasil, v. 2, p. 282-283).

No sistema jurídico brasileiro, por força da Constituição (art. 129,1), o processo criminal somente pode ser deflagrado por denúncia ou por queixa, sendo a ação penal pública privativa do Ministério Público. Não subsistem a portaria ou o auto de prisão em flagrante como procedimentos instauradores da ação penal (Superior Tribunal de Justiça - Recurso de Habeas Corpus n9 2.363-0 - Distrito Federal - Precedentes do STF - AI 38.208, Inq. 215 e HC 67.502; STF-HC 68.540 - DF - 1- Turma - Rel. Min. Octavio Gallotti - DJU, 28-6-91).

Desta forma, na área penal, o legislador constituinte consagrou, dentro do respeito à teoria dos “freios e contrapesos” (cleks and balances), o sistema acusatório, onde existe separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, sendo a exclusividade da titulariedade da ação penal pública do Mi­nistério Público (art. 129,1, da CF), enquanto a função jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, respeitando “o mínimo irredutível de uma autêntica Constituição”, que “teria de conter as regras da separação de poderes; um mecanismo de cooperação e controle desses poderes - cheks and balances um mecanismo para evitar bloqueios respectivos entre os diferentes detento­res de funções do poder...” (WHEARE, Karl C. Modem constitutions, p. 46 ss).

Como detentor da exclusividade da ação penal pública, somente o Mi­nistério Público poderá dispô-la nos termos da própria Constituição Federal (art. 98, I) a da Lei ne 9.099/95, propondo, juntamente com a denúncia, a suspensão condicional do processo, que somente poderá ser homologada pelo Poder Judiciário, após expressa aceitação do acusado e análise de sua legalidade.

Assim, somente em virtude de consenso, ou seja, da possibilidade des­ta transação processual entre o Estado, através do Ministério Público, e o acusado, devidamente acompanhado por seu advogado, permitida pelo tex­to constitucional (art. 98 ,1), é que poderá afastar-se o processo, suspenden- do-o, por tempo determinado, e aplicando condições ao acusado.

Existindo, pois, ius puniendi e ius punitionis do Estado na aplicação e efetivação da pena pela autoridade judicial competente, por crime definido

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em lei, através do devido processo legal, não há como sustentar existência de direito subjetivo do acusado à suspensão condicional dcTprocesso.

Entendendo o Promotor de Justiça não ser caso de formular a proposta, deverá fundamentar essa decisão (art. 129, VIII, última parte, da Constitui­ção Federal, art. 43, III, da Lei n2 8.625/93).

7.8.3 Inconstitucionalidade do entendimento sobre existência de direito subjetivo do acusado

Vigorando o entendimento de que a suspensão condicional do processo é direito subjetivo do acusado, o art. 89 da Lei n2 9.099/95 será flagrante­mente inconstitucional, uma vez que exclui do gozo deste “suposto direi­to” os acusados nos casos de ação penal privada, sendo, portanto, incompatí­vel com o princípio da igualdade (art. 5Q, caput).

Na ação penal privada, também o acusado somente poderá ser dispen­sado do devido processo legal, desde que haja consenso com o querelante, através dos institutos da perempção e pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada (art. 107, IV e V, do Código Penal). Sempre porém que houver con­senso. Nunca poderá o Poder Judiciário oferecer o perdão se não houver manifestação da acusação, na ação penal privada.

O legislador, com a Lei n2 9.099/95, igualou esta circunstância, permi­tindo que a sociedade, nos crimes de ação penal pública incondicionada, através do Ministério Público, dispensasse o acusado do devido processo le­gal, desde que houvesse consenso entre acusação e defesa.

Nesse sentido decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em votação unânime, nos autos do HC n2 07.870-3/0 - Comarca de São Roque, Relator Desembargador Jarbas Mazzoni, participando do julga­mento os Desembargadores Andrade Cavalcanti e Fortes Barbosa (decisão 27-5-95).

7.8.4 Finalidade

Evitar a aplicação de pena privativa de liberdade, determinando-se a suspensão do processo e o cumprimento de uma medida alternativa.

7.8.5 Requisitos para o oferecimento da “suspensão consensual” por parte do Ministério Público

A Lei prevê diversos requisitos para que o Ministério Público possa dis­por da ação penal pública, cuja exclusividade é prevista no art. 129, I, da

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Constituição Federal. Presentes os requisitos, o Ministério Público poderá, se entender necessário, afastar o princípio da obrigatoriedade de a ação penal oferecer a suspensão condicional do processo, que aceita pelo acusado, sus­penderá o processo por dois a quatro anos, findos os quais haverá extinção da punibilidade.

São requisitos para o oferecimento da “suspensão consensual” :

a. crimes e contravenções em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não pela Lei, independente­mente do rito procedimental.

Na hipótese de concurso de crimes, quando a soma das penas mínimas, quer através do concurso material, quer através do concurso formal, ou da continuidade delitiva, ultrapasse o lapso de um ano, não caberá a suspensão processual. Neste sentido, a jurisprudência do STJ - RHC 6.671/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 9-12-97 - RHC ns 8.022/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 18-12-98 - RHC n9 5.141/SP, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU de 2-6-97, dentre outros.

O Supremo Tribunal Federal editou, a respeito do tema, a SÚMULA 723, no seguinte sentido: “NÃO SE ADMITE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO POR CRIME CONTINUADO, SE A SOMA DA PENA MÍNIMA DA INFRAÇÃO MAIS GRAVE COM O AUMENTO MÍNIMO DE UM SEXTO FOR SUPERIOR A UM ANO.”

Em se tratando de causas de aumento de pena, deverá ser levado em con­ta, para efeitos de aplicação da suspensão condicional do processo, o quan- tum mínimo do aumento. Assim, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que

“tratando-se de crime de apropriação indébita qualificada (CP, art. 168, § l 9, III), cuja pena mínima, considerando-se a causa especial de aumento, é superior a 1 (um) ano de reclusão, não tem aplica­ção o disposto no art. 89 da Lei n9 9.099/95” (STF - 2a T. - HC n2 74.234-3 /SP - Rel. Min. Carlos Velloso).

Diversa, porém, é a hipótese da existência de causas de diminuição de pena, como, por exemplo, a tentativa, onde deverá ser levado em conta, para análise dos requisitos para oferecimento da suspensão condicional do proces­so, o quantum máximo de diminuição. Assim, conforme entendimento do Su­perior Tribunal de Justiça, “na compreensão da ‘pena mínima cominada não superior a um ano’ para efeito de admissibilidade da suspensão do processo, devem ser consideradas as causas especiais de diminuição de pena, em seu per­centual maior, desde que já reconhecidas na peça de acusação (Precedente: STJ, 6- Turma, n2 5.746-SP)” (STJ - 6a T. - HC n2 4.780-0/SP - Rel. Min. Vi­cente Leal, Ementário STJ, 18/508).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

b. acusado não pode estar sendo processado;

c. acusado não pode ter sido condenado por outro crime;

d. a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.

Assim, em relação aos requisitos para a suspensão condicional do pro­cesso, decidiu o Supremo Tribunal Federal que

“para que se verifique o direito ao benefício da suspensão do processo, por dois a quatro anos, a pena mínima cominada há que ser igual ou in­ferior a um ano, além de seu eventual beneficiário não poder estar res­pondendo a processo ou não ter sido condenado por outro crime (arts. 61 e 89 da Lei n2 9.099/95)”,

concluindo que

“caracterizado que a paciente responde a ação penal pendente de recur­so e a outros processos, não lhe socorre o benefício da suspensão do processo nos moldes pretendidos” (STF - 2- T. - HC n2 73.793/PR - Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 20 set. 1996, p. 34.536).

Entendendo o Promotor de Justiça não ser caso de formular a proposta deverá fundamentar essa decisão (art. 129, VIII, última parte da CF; art. 43, III, da Lei n2 8.625/93).

7.8.6 Impossibilidade de concessão da suspensãoex officio pelo Poder Judiciário, sem aceitação do acusado (sobre o assunto vide nota anterior)

A inexistência de consenso entre acusação e defesa não tem o condão de afastar o princípio da obrigatoriedade da ação penal. A lei prevê a suspen­são consensual do processo, dentro dos parâmetros regulados em lei. O Poder Judiciário somente pode aferir a legalidade da proposta, sob pena de ferir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Em relação ao caráter personalíssimo da suspensão condicional do pro­cesso, entendeu o Supremo Tribunal Federal que

“tendo sido afastada a Suspensão condicional do processo (Lei n2 9.099/95, art. 89) com relação a um dos réus pelo Tribunal de Justiça Estadual, não poderia a referida decisão atingir os demais co-réus que aceitaram as condições estabelecidas na Suspensão, tendo em vista o caráter personalíssimo desta aceitação. Com base nesse entendimento a Turma deferiu habeas corpus para restabelecer a Suspensão condicio­

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

nal do processo relativamente aos pacientes” (STF - 2- T. - HC n- 75.924/MG - Rel. Min. Marco Aurélio, decisão: 30-3-98 - Informativo STF n2105).

7.8.7 Impossibilidade de concessão da suspensão ex officio pelo Poder Judiciário, sem oferecimento do Ministério Público (sobre o assuntovide nota anterior)

A possibilidade de suspensão condicional do processo exige consenso entre a acusação e a defesa, dentro dos parâmetros regulados em lei. O Po­der Judiciário somente pode aferir a legalidade da proposta, sob pena de fe­rir os princípios constitucionais do contraditório e da exclusividade da ação penal pública e afastar o ius puniendi e o ius punitionis do Estado. Os Juiza­dos Especiais Criminais, em consonância com a Constituição Federal, consa­gram o sistema acusatório, onde existe separação orgânica entre o órgão acu­sador e o órgão julgador. A possibilidade de o Poder Judiciário, sem proposta do Ministério Público, conceder a suspensão estaria dando-lhe o controle so­bre a ação penal pública, em clara incompatibilidade com o art. 129, I, da Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido da exclusividade de proposta do Ministério Público para a concessão da suspensão condicional do processo; no RHC n2 5.664/SP, relatado pelo Ministro José Arnaldo (DJ, 28-11-96)

O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 696 neste sentido:

“Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condi­cional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça e propô-la, o Juiz, dissentindo, remterá a questão ao Procurador-Geral, aplican- do-se por analogia o art. 28 do Codigo de Processo Penal.”

7.8.8 Não-cabimento de habeas corpus perante a recusa fundamentada do Ministério Público em oferecer suspensão condicional do processo

Uma vez tratando-se de faculdade exclusiva do Ministério Público o ofe­recimento da suspensão condicional do processo, presentes os requisitos le­gais, para fíiis de política criminal, é absolutamente incabível o ajuizamento de habeas corpus contra negativa do Ministério Público em oferecer a suspen­são condicional do processo, pois, conforme entendeu o Superior Tribunal de Justiça,

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“a suspensão condicional do processo previsto na Lei nQ 9.099/95, se circunscreve no princípio da discricionariedade regulada, da vontade consciente do acusado e seu defensor, e da desnecessidade da aplicação da pena privativa de liberdade de curta duração, tendo em vista o me­nor potencial ofensivo da infração. A admissibilidade da suspensão do feito que deverá ser proposta ou não, fundamentadamente, pelo Minis­tério Público, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, depende do preenchimento dos requisitos estabeleci­dos no art. 89 da Lei n9 9.099/95. A gravidade do delito, integra o nú­cleo do crime, como elemento objetivo, constituindo-se no próprio méri­to, que deverá ser analisado durante a instrução criminal, não se cogitando, portanto, de aspecto subjetivo, nos termos como estabelece a disposição legal em exame ao determinar a aplicação do art. 77, CP. O restrito campo do ‘writ’, não se presta para o exame de elementos subje­tivos que, em suma, importaria em reapreciação do aspecto de justiça ou injustiça na negativa da proposição ou denegação do pedido de sus­pensão do processo” (STJ - 5- T. - HC nQ 5.027-0/RJ - Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini - Ementário STJ, 18/462).

7.8.9 Momento da proposta de suspensão condicional do processo

O Ministério Público oferecerá a suspensão condicional do processo, juntamente com o oferecimento da denúncia. O acusado deverá analisá-la logo após a proposta (§ 7°, art. 89). Havendo aceitação, o Juiz, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo.

Importante ressaltar hipótese excepcional ocorrente quando o magistra­do, no momento de prolação da sentença, entender tratar-se de crime menos grave do que aquele imputado inicialmente pelo Ministério Público no mo­mento da denúncia, do qual caberia, em tese, análise sobre a suspensão con­dicional do processo.

Nesses casos, deverá ser dada ciência ao membro do Ministério Público para que manifeste seu desejo de recorrer da decisão desclassificatória, ou em caso contrário, para analisar fundamentadamente se se trata ou não de hipótese de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo (STF - 2- T. - HC n- 75.894/SP - Rel. Min. Marco Aurélio, decisão: l 9 abril 1998 - Informativo STF n2 97).

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que

“a admitir-se a suspensão condicional do processo quando a imputação for desclassificada para outra menos grave, de pena mínima cominada inferior a um ano, há de exigir-se o assentimento do Ministério Público

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 333

à nova classificação jurídica do fato; logo é inviável a suspensão, se, me­diante recurso, o MP insiste - aliás, com êxito - na capitulação inicial” (STF - 1- T. - HC n- 75.393/SP - Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

7.8.10 Pressupostos para homologação da suspensão

São quatro os pressupostos:

a. proposta do Ministério Público;

b. legalidade da proposta;

c. aceitação do acusado;

d. recebimento da denúncia.

7.8.11 Período de prova da suspensão condicional do processo

Será de dois a quatro anos, mediante o cumprimento de algumas condi­ções por parte do acusado, impostas pelo Juiz.

Durante o período de prova, não há possibilidade jurídica de o réu pre­tender, por meio de habeas corpus, encerrar a ação penal, sob a alegação de fato atípico, pois, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça,

“se o paciente estabelece um acordo com a acusação, o que propiciou a suspensão condicional do processo, na forma do art. 89, da Lei n2 9.099/95, está implícito que reconheceu a sua responsabilidade pelo ato delituoso, não podendo, posteriormente, e sem demonstrar o vício na manifestação de sua vontade, que o mesmo seja atípico, em franca contradição com aquilo que ficou estipulado no juízo monocrático” (STJ - 6- T. - RHC nQ 6.493/RJ - Rel. Min. Anselmo Santiago, decisão: 6 out. 1997).

7.8.12 Condições obrigatórias

O Juiz, após aceitação por parte do acusado de proposta do Ministério Público, recebendo a denúncia, suspenderá o processo, fixando as seguintes condições obrigatórias: reparação do dano, salvo impossibilidade de fa- zê-lo; proibição de freqüentar determinados lugares; proibição de ausen­tar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; comparedmento pessoal e obrigatório a Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Ressalte-se que, quando houver necessidade de expedição de carta pre­catória, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que “compete ao juiz depre- cante, ao enviar carta precatória para os efeitos do art. 89, da Lei n9 9.099/95, fixar as condições pessoais a serem propostas ao acusado, antes, é evidente, sob formulação do Ministério Público” (STJ - 3- Seção - Conflito de Competência n918.619/SP - Rel. Min. José Arnaldo, Diário da Justiça, Se­ção I, 4 ago. 1997, p. 34.653).

7.8.13 Condições facultativas

O Juiz poderá especificar outras condições adequadas ao fato e à situa­ção pessoal do acusado.

7.8.14 Réu que não concorda com as condições obrigatórias e/ou facultativas impostas na suspensão

Não haverá suspensão, nos termos do § 79 do art. 89, uma vez que deve­rá haver consenso. Desta forma, o processo deverá prosseguir, em face do direito constitucional do acusado ao devido processo legal.

7.8.15 Prescrição

A Lei, em seu art. 89, § 69, criou uma causa legal de suspensão da pres­crição. Assim, a partir da concessão da suspensão condicional do processo, a prescrição será suspensa, até o término do período de prova e conseqüente extinção da punibilidade, ou até eventual revogação da mesma (§§ 39 e 49 art. 89).

7.8.16 Causas de revogação obrigatória da suspensão condicional do processo

A suspensão será revogada se, durante o prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a repara­ção do dano.

O cometimento de novo crime não acarreta a revogação da suspensão, uma vez que a lei fala em “ser processado”, o que exige o recebimento da de­núncia ou queixa-crime.

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 335

7.8.17 Inquérito policial arquivado

Não acarreta a revogação da suspensão, uma vez que o beneficiário não foi “processado”.

7.8.18 Transação penal e revogação da suspensão

O beneficiário que cometa uma infração penal de menor potencial ofen­sivo e na fase pré-processual aceite a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público e a conseqüente aplicação de pena de multa ou restri­tiva de direitos, homologada pelo Juiz, não terá revogada sua suspensão con­dicional do processo, uma vez que não haverá processo.

7.8.19 Causas de revogação facultativa da suspensão condicional do processo

A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção ou descumprir qualquer outra condição im­posta.

7.8.20 Causa de desconsideração da suspensão condicional do processo

O Promotor de Justiça, aditando a denúncia, durante o curso do prazo, para crime que não se enquadre nos requisitos do art. 89, deverá requerer a desconsideração da suspensão, por não se tratar de causa obrigatória ou fa­cultativa de revogação. O Juiz, recebendo o aditamento, deverá desconside­rar a suspensão, prosseguindo-se nos termos ulteriores do processo e cessan­do a suspensão da prescrição.

7.8.21 Aplicabilidade da regra da suspensão. Retroatividade/irretroatividade

A suspensão condicional do processo, apesar de ser norma predominan­temente processual, por ter conteúdo e reflexos penais, tem retroatividade benéfica (vide comentário ao art. 90).

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.8.22 Impossibilidade da concessão de sursis ao sentenciado cuja suspensão condicional do processo haja sido revogada

Se o beneficiário der causa à revogação da suspensão condicional do processo, sendo posteriormente condenado à pena privativa de liberdade, é inaplicável o sursis, uma vez que sua conduta demonstrou-se incompatível com o novo benefício.

7.8.23 Impossibilidade de concessão do regime aberto ao sentenciado cuja suspensão condicional do processo haja sido revogada

O art. 33, § 32, do Código Penal determina que o Juiz poderá estabele­cer qualquer um dos regimes iniciais da pena, devendo levar em considera­ção os critérios previstos no art. 59 do referido Código. Assim, o Juiz, aten­dendo, dentre outras circunstâncias, à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, fixará o regime inicial de cumpri­mento da pena. “É evidente que o Juiz, ao estabelecer na sentença, que o condenado poderá iniciar o desconto da pena neste ou naquele regime, o faz a partir de dados existentes nos autos, estabelecendo-a abstratamente, provi­soriamente e somente será concretizada no juízo das execuções, visto que po­derá ocorrer progressão ou regressão durante o procedimento executório, nos termos dos arts. 112 e 118 da Nova Lei de Execução Penal” (TACRIM-SP-HC 14.948/1, Rel. Brenno Marcondes).

O descumprimento do beneficiário às condições impostas na suspensão condicional do processo demonstra o não merecimento ao regime inicial aberto.

8 PRAZO DE REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL DOLOSA DE NATUREZA LEVE E LESÃO CORPORAL CULPOSA

O prazo em regra é o do art. 38, do Código de Processo Penal, ou seja, “o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime”.

Excepcionalmente, e somente nos inquéritos e processos em andamento, a vítima deverá ser intimada para oferecer representação, no prazo de trinta dias, sob pena de decadência. Trata-se de norma de transição prevista na Lei ns 9.099/95 (art. 91).

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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL 339

9 PROCESSOS COM SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU E PENDENTES DE RECURSO

Em virtude da retroatividade da lei mais benéfica para o réu (art. 52, XL, da Constituição Federal), as vítimas deverão ser intimadas para, no prazo de 30 dias, oferecerem representação.

10 VITIMA EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO

Duas posições. Pela primeira, os autos deverão aguardar em Cartório até que expire o prazo prescricional, sendo então declarada a extinção da pu­nibilidade. Contrariamente à esta postura, encontra-se a principiologia de toda a lei, que busca a proteção e reparação ao dano da vítima, que deverá ser intimada por edital, desde que não seja encontrada em todos seus ende­reços constantes no processo. Deve-se lembrar que, tanto na lesão corporal dolosa leve, quanto na lesão corporal culposa, a vítima não teve a possibili­dade de reparação do dano, visto não existir, naquele momento, a previsão legal; não pode, pois, ser prejudicada novamente. E a nossa posição.

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8ESTATUTO DO DESARMAMENTO -

Lei Na 10.826/03

1 POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessó­rio ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação le­gal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência des­ta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

1.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido pela lei é a incolumidade pública.

O crime é de perigo abstrato porque a lei presume o risco que a conduta causa à coletividade, dispensando que pessoa ou pessoas determinadas te­nham sido expostas à efetiva situação de risco. A lei também não menciona a superveniência de qualquer resultado material.

1.2 Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio. O tipo refere, primeiramente, à expressão sua residência significando que somente responde pelo crime aquele que reside no local e esteja na posse da arma, acessório ou munição. O tipo ainda faz

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Na 10.826/03 341

referência ao seu local de trabalho, consignando que o sujeito ativo do crime é o titular do estabelecimento ou empresa, ou seu responsável legal.

1.3 Sujeito passivo

A coletividade.

1.4 Elementos objetivos do tipo

Os verbos ou núcleos do tipo são possuir ou manter sob sua guarda. Ambos são condutas de caráter permanente, pois se prolongam no tempo.

Possuir significa ter a posse ou detenção de uma coisa, no caso, arma de fogo, acessório ou munição.

Manter sob sua guarda significa guardar uma coisa, no caso, arma de fogo, acessório ou munição. Portanto, o objeto deve estar mantido sob vigi­lância ou cuidado à disposição de terceiro.

1.4.1 Local da prática do crime

O crime aqui em análise - posse irregular de arma de fogo de uso per­mitido - pressupõe que o fato ocorra no interior da própria residência do agente ou em dependência desta, ou, ainda, no local de trabalho da pessoa responsável ou titular do estabelecimento.

Este elemento modal, ou seja, o local em que se caracteriza o crime, consiste na expressão “no interior de sua residência ou dependência desta, ou ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o responsável ou titular le­gal do estabelecimento ou empresa” e é de inovação introduzida pelo legisla­dor cuja finalidade foi punir menos severamente as hipóteses em que a posse ou a guarda da arma esteja associada à proteção do imóvel da residência ou do local de trabalho, justamente porque neles verifica-se um risco menos acentuado à incolumidade pública.

1.4.2 Elemento normativo do tipo

O crime somente ocorrerá se a posse ou a guarda for em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ou seja, sem os requisitos previstos pela lei para que a posse ou guarda em residência ou no local de trabalho sejam permitidas. O tipo penal do art. 12 é norma penal em branco, ou seja, pune a

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342 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

posse de arma em residência ou local de trabalho, em desacordo com deter­minação legal ou regulamentar, dependendo, portanto, de complemento nor­mativo.

Assim, o dono de um bar ou um advogado poderão possuir arma de fogo em local de seu trabalho, desde que munidos do competente registro, bem como uma pessoa poderá ter arma em sua casa da mesma forma. Por outro lado, faltando o registro da arma de fogo, acessório ou munição, have­rá delito.

1.4.3 Requisitos para aquisição de arma de fogo

Nos termos do art. 28, da Lei n2 10.826/03 (Estatuto do Desarmamen­to), a pessoa interessada na aquisição de arma de fogo deve ter máis de 25 anos e atender aos requisitos do art. 4S da mencionada lei e do art. 12 do De­creto n9 5.123/04, como declarar efetiva necessidade, comprovar idoneidade, ocupação lícita, residência certa, capacidade técnica e aptidão psicológica.

Demonstrados esses requisitos, o SINARM expedirá autorização para a compra da arma indicada, em nome do requerente. A aquisição de munição, por sua vez, somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma ad­quirida (art. 42, § 29, da Lei n9 10.826/03 - Estatuto do Desarmamento).

Efetuada a aquisição, o interessado deverá observar a regra do art. 39 do Estatuto, que estabelece a obrigatoriedade do registro da arma de fogo no ór­gão competente. Em se tratando de arma de uso permitido, o Certificado de Registro de arma será expedido pela Polícia Federal, após anuência do SINARM, com validade em todo o território nacional, e autoriza seu proprie­tário a mantê-la exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou res­ponsável legal do estabelecimento ou empresa.

Com o certificado de registro de arma de fogo, obviamente em seu nome (art. 59), a lei permite que o sujeito possua arma de fogo, bem como a respectiva munição, em sua residência, ou dependência desta (quintal, edícu- la, jardins etc.), ou mesmo em seu local de trabalho, com a condição de ser o titular ou responsável legal do estabelecimento ou empresa.

Notamos, ainda, a regra do art. 59, § 39, do Estatuto que estabelece que o registro de propriedade, expedido pelos órgãos estaduais, realizado até a data da publicação desta lei, deverá ser renovado mediante o pertinente re­gistro federal no prazo de três anos. Assim, antes de 23 de dezembro de 2006, quem tiver arma em residência com registro expedido por órgão esta­dual não tem sua conduta em desacordo com a determinação legal. Após tal data, quem tiver arma apenas com o registro no âmbito estadual estará em desacordo com a determinação legal e incorrerá no dispositivo penal.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Ng 10.826/03 343

Para trazer a arma consigo em outros locais ou em via pública, o sujei­to deve obter a autorização para porte, conforme os arts. 6e e seguintes do Estatuto.

1.4.4 Distinção com os arts. 14 e 16 do Estatuto

Observamos que mesmo o sujeito possuindo o certificado de registro da arma de uso permitido não poderá portá-la ou transportá-la, sob pena de in­correr no crime do art. 14 do Estatuto.

Tratando-se de arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, a discussão sobre a tipificação da conduta terá em vista o crime pre­visto no art. 16 do Estatuto.

1.5 Elemento subjetivo do tipo

O tipo é doloso, bastando a consciência e a vontade de praticar o delito. Inexiste intenção especial exigida para a prática da conduta.

1.6 Consumação e tentativa

A consumação do delito ocorre no momento em que a arma dá entrada na residência ou estabelecimento comercial. O crime é de natureza formal, pois não há exigência típica de qualquer resultado naturalístico.

Por se tratar de crime permanente, a prisão em flagrante é possível a qualquer momento, enquanto não cessada a conduta.

A tentativa é admitida, ocorrendo quando circunstâncias alheias à von­tade do agente impedem que a arma de fogo, seus acessórios ou munição in­gressem na residência ou estabelecimento comercial do agente.

1.7 Suspensão condicional do processo

Como a pena mínima prevista para o crime é de um ano, é cabível o be­nefício da suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos do art. 89 da Lei nQ 9.099/95.

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344 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

1.8 Concurso de crimes

Como regra haverá concurso material de crimes, pois a posse de arma de fogo, acessório ou munição já estará consumada quando da prática de ou- tro crime. Entretanto, será considerado absorvido o crime aqui previsto quan­do a conduta tiver sido realizada única e exclusivamente como meio para ou­tro crime.

1.9 Vigência do dispositivo

O art. 30 do Estatuto do Desarmamento concedeu prazo aos possuido­res e proprietários de armas de fogo não registradas para que o façam em um prazo de cento e oitenta dias a contar da publicação da lei, mediante apre­sentação de nota fiscal ou de outro comprovante de sua origem lícita, pelos meios de prova em Direito admitidos.

Por sua vez, o art. 32 concedeu o mesmo prazo para que possuidores e proprietários de armas de fogo, que não possuam prova de sua origem, fa­çam a entrega à Polícia Federal, hipótese em que será presumida sua boa-fé que dará direito a uma indenização, em valores fixados pelo Ministério da Justiça.

Ocorre que o art. I 9 da Lei nQ 10.884/04 alterou os prazos dos arts. 30 e 32, concedendo mais cento e oitenta dias para regularização e entrega das ar­mas, respectivamente. Posteriormente, a Medida Provisória ns 229, de 17 de de­zembro de 2004, prorrogou esses prazos novamente até 23 de junho de 2005. Mais recentemente, a Medida Provisória nQ 253, de 22 de junho de 2005, pror­rogou o prazo do referido art. 32 para o dia 23 de outubro de 2005.

As pessoas flagradas durante esse prazo com arma de fogo, no interior da própria residência ou estabelecimento comercial, sem o respectivo regis­tro, não poderão ser punidas porque a boa-fé é presumida, de modo que se deve pressupor que iriam registrar ou entregar a arma dentro do prazo.

1.10 Período de atipicidade da conduta

Os prazos concedidos pelos arts. 30 e 32 da Lei n9 10.826/03 consti­tuem um período de temporária atipicidade, em que o sujeito não pode mais ser alcançado pela Lei ne 9.437/97, uma vez que esta já estava expressamen­te revogada pelo art. 36 da Lei ne 10.826/03, nem pela nova legislação, visto que ainda não havia decorrido o prazo legal para regulamentação da arma. Durante esse período, presume-se a ausência de dolo, ou seja, a boa-fé, con- siderando-se o fato atípico.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Ng 10.826/03 345

1.11 Inexistência de ábolitio criminis

Aquelas pessoas que, durante a vigência da Lei n9 9.437/97, já tinham sido flagradas com arma de fogo sem registro e estavam sendo investigadas em inquérito policial, processadas ou já tinham sido condenadas, não podem ser beneficiadas com a abertura do prazo para regularização.

Deverão continuar sendo investigadas, processadas ou cumprir a pena normalmente, de acordo com a legislação vigente à época (Lei n9 9.437/97). Como já tinham sido surpreendidas com a arma de fogo em situação ilegal, não podem mais alegar boa-fé, nem se beneficiar com a reabertura do prazo para regularização das armas.

Tais delitos já estavam consumados ao tempo da entrada em vigor da nova lei. Esta, por sua vez, não tomou as condutas atípicas; ao contrário, até agravou as penas.

A situação temporária de vácuo legislativo, durante o qual o art. 12 do Estatuto ficou aguardando para começar a irradiar efeitos, não se refere às si­tuações anteriores já consolidadas. A situação circunscreve-se às condutas praticadas, em estado de permanência, após a entrada em vigor da nova le­gislação.

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que a “Lei não abolira temporariamente o crime de porte de arma de fogo, limitan- do-se a permitir, apenas, a regularização da sua autorização em determinado prazo.”1

1.12 Novatio legis incriminadora

As condutas consistentes em possuir ou manter sob sua guarda acessó­rio ou munição de uso permitido constituem novas figuras incriminadoras, de forma que, nesse aspecto, a Lei n2 10.826/03 é considerada novatio legis incriminadora, não podendo retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência.

1.13 Crime praticado sobre a vigência de ambas as leis

O agente que mantinha dentro de seu domicílio arma de fogo sem regis­tro e a continuou mantendo ilegalmente, mesmo após a entrada em vigor da

1 STF - Pleno - RHC ns 86.681/DF - Rel. Min. Eros Grau, decisão: 6-12-2005. Infor­mativo STF n9 412. Conferir, ainda: STF - 2* T - RHC ne 86.723/GO - Rel. Min. Joaquim Bar­bosa, decisão: 6-12-2005. Informativo STF ne 412.

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Lei ne 10.826/03, deverá responder pelo crime mais grave previsto na nova legislação.

Como já vimos, as condutas de possuir e manter sob guarda são perma­nentes e se protraem no tempo. Desta forma, aplica-se a Súmula 711 do STF, in verbis: “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da per­manência”.

2 OMISSÃO DE CAUTELA

Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência men­tal se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

2.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido pela lei penal é a incolumidade pública. Também é protegida a integridade física da pessoa menor de 18 anos e da portadora de deficiência mental.

O crime é de perigo abstrato porque a lei presume o risco que a conduta causa à coletividade, dispensando que pessoa ou pessoas determinadas tenham sido expostas à efetiva situação de risco.

2.2 Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio, pois somente o possuidor ou proprietário da arma pode praticá-lo.

2.3 Sujeito passivo

A coletividade e a pessoa menor de 18 anos ou portadora de deficiência mental.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N fi 10.826/03 347

2.4 Elementos objetivos do tipo

O núcleo do tipo é deixar de observar, isto é, não observar o que devia ser observado, deixar de cumprir as cautelas necessárias, o que significa ne­gligenciar.

A conduta de negligência recai sobre as cautelas necessárias para que menor de dezoito anos ou pessoa portadora de deficiência mental não se apodere de arma de fogo que esteja sob a posse ou seja de propriedade do agente. A posse deve ser entendida em sentido amplo, incluindo a detenção.

Não se trata, à evidência, de crime doloso omissivo, mas de crime culpo­so consubstanciado na falta de cuidado do agente, que não toma as cautelas necessárias e permite involuntariamente que o menor ou deficiente mental se apodere de arma de fogo, como, por exemplo, deixando a arma no banco do carro e não trancando a sua porta, ou, ainda, deixando em uma gaveta da sala, sem trancá-la.

O apoderamento da arma de fogo pelo menor ou deficiente mental sig­nifica que a arma saiu da esfera de proteção e vigilância do agente e passou para a esfera de poder do menor ou deficiente mental.

2.5 Elemento subjetivo do tipo

O crime em análise é culposo, consistente na inobservância do dever de cuidado com armas de fogo, agindo o autor com negligência, permitindo um resultado não desejado que é o apoderamento da arma pelo menor ou pelo deficiente mental, mas previsível pela sua conduta.

2.6 Consumação e tentativa

Para a consumação do crime é necessário o apoderamento da arma por pessoa menor de 18 anos ou por pessoa portadora de deficiência mental, de­vido à ausência de observância das cautelas. Trata-se de crime material, pois o apoderamento referido é o resultado naturalístico.

Não se exige a comprovação de que alguém, efetivamente, ficou na imi­nência de sofrer uma lesão concreta. O apoderamento é o resultado não que­rido, cuja ocorrência completa o delito culposo.

A tentativa não é admitida, tratando-se de crime culposo.

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348 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

2.7 Concurso com posse ou porte de arma de fogo

Não possuindo o sujeito o certificado de registro da arma de fogo e sendo ela de uso permitido, responderá também pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art.12, do Estatuto) em concurso material com o presente delito. Sendo a arma de fogo de uso proibido ou restrito, igual­mente haverá concurso material com o crime previsto no art. 16, do Estatuto.

2.Ô A contravenção do art. 19, § 2-, letra c, da LCP

Continua parcialmente em vigor a norma do art. 19, § 2S, letra c, da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n- 3.688/41). Ela prevê a contraven­ção de omitir as cautelas necessárias para impedir que alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no seu manejo se apodere facilmente de arma ou munição que possui. A pena, bem mais leve, é de prisão simples de quinze dias a três meses ou multa.

Será contravenção quando se tratar de arma branca, ou quando se tra­tar de arma de fogo apoderada por pessoa inexperiente em manejá-la, ou ainda quando se tratar de munição, não mencionada pelo art. 13 em estudo.

O crime em análise ocorrerá quando se tratar de arma de fogo e for apoderada por menor de 18 anos ou deficiente mental.

Notamos, ainda, que nem o presente art. 13, nem a referida contraven­ção penal referem ao apoderamento de acessório de arma de fogo, por parte de menor ou deficiente mental, que permanecerá conduta atípica.

3 CRIME EQUIPARADO

Art. 13. (...)

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

3.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública. O dispositivo legal tem a finalidade de prevenir a proliferação clandestina de armas de fogo, acessórios e munição.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N a 10.826/03

3.2 Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido pelo proprietário e pelo diretor responsável de empresa de segurança ou transporte de valores.

3.3 Sujeito passivo

A coletividade.

3.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas típicas são deixar de registrar ocorrência policial e deixar de comunicar à Polícia Federal. Trata-se de figura equiparada ao caput, sujeita às mesmas penas, consistente em um crime próprio de natureza omissiva, o qual somente pode ser praticado pelo proprietário ou pelo diretor responsá­vel de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de regis­trar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição.

Para aperfeiçoamento do delito é necessário qué os objetos estejam sob a guarda do sujeito ativo e que tenham decorrido vinte e quatro horas, sem que a comunicação seja feita. Trata-se de crime omissivo próprio ou puro, sendo suficiente a mera omissão do agente.

O tipo penal, em sua redação, utiliza a conjunção aditiva e para as obri­gações de registro da ocorrência policial e da comunicação à Polícia Federal, trazendo ambas as obrigações como elementos do tipo. Assim, o diretor ou responsável pela empresa está obrigado a adotar duas providências no prazo de vinte e quatro horas: registrar a ocorrência policial e comunicar o fato à Polícia Federal.

Esta interpretação é gramatical, mas também teleológica, pois o disposi­tivo tem por finalidade propiciar a pronta e imediata atuação dos órgãos de repressão de modo a evitar a proliferação clandestina de armas de fogo, aces­sórios e munições.

A obrigatoriedade do registro e da comunicação nesses casos surge a partir do momento em que ela pode ser realizada pelo sujeito ativo. Caso o mesmo esteja impossibilitado de realizá-la, por algum motivo de força maior ou caso fortuito, inexistirá o crime.

Como a responsabilidade pela arma de fogo recaiu precipuamente sobre a empresa de segurança e transporte de valores, uma vez que o registro e au­torização para o porte expedido pela Polícia Federal deverão ser elaborados

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

em seu nome, devendo a empresa apresentar ao SINARM, semestralmente, a relação dos empregados habilitados que poderão portar armas em serviço, o Estatuto estabeleceu também a obrigatoriedade de seu proprietário ou dire­tor de comunicar a subtração, perda ou qualquer outra forma de extravio a ela referente.

3.5 Elemento subjetivo do tipo

O tipo é doloso, consistente na vontade livre e consciente de não efetuar o registro e a comunicação devidos.

A omissão culposa não configura o tipo penal.

3.6 Consumação e tentativa

A consumação do crime ocorrerá com o decurso de vinte e quatro horas após a ocorrência de perda, furto, roubo ou qualquer outra forma de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que esteja sob a guarda do agente.

Em se tratando de crime omissivo próprio, não se admite a figura da tentativa.

4 PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, em­pregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou muni­ção, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determina­ção legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, sàl- vo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

4.1 Objetividade jurídica

A incolumidade públicaE crime de perigo abstrato porque a lei presume, de forma absoluta, a

existência do risco causado à coletividade por parte de quem, sem autoriza­

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Ng 10.826/03 351

ção, portar arma de fogo, acessório ou munição. Não é exigido pelo tipo que o agente tenha causado perigo a pessoa ou pessoas determinadas.

4.2 Sujeito ativo

Qualquer pessoa tratando-se de crime comum.

4.3 Sujeito passivo

A coletividade

Por isso, pode-se também dizer que se trata de crime de mera conduta, independentemente de qualquer resultado.

4.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas típicas são portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, em­pregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma, acessório ou munição de uso permitido. Trata-se de tipo misto alternativo. Desse modo, aquele que adqui­rir, transportar e fornecer uma determinada arma de fogo em mesma se­qüência fática cometerá crime único. Se, entretanto, o contexto fático for dis­tinto, haverá concurso de crimes.

É preciso fazer uma distinção inicial. A posse em residência ou no local de trabalho caracteriza o crime do art. 12, se a arma não for registrada, en­quanto o porte, em outros locais, caracteriza o crime do art. 14, se o agente não tiver a devida autorização expedida pela Polícia Federal, ainda que a arma seja registrada.

4.4.1 Objeto material

O objeto material do delito é a arma de fogo de uso permitido. Em se tratando de arma de uso proibido ou restrito, tanto a posse em residência quanto o porte caracterizam crimes mais graves, previstos no art. 16, caput, do Estatuto. Se a arma estiver com a numeração, marca ou qualquer sinal identificador raspado, suprimido ou alterado, a posse ou o porte caracteriza o crime do art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto.

O porte concomitante de mais de uma arma de fogo caracteriza situação única de risco à coletividade e o agente só responde por um delito. Se uma

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352 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

das armas for de uso proibido e a outra, de uso permitido, configura-se o cri­me mais grave, previsto no at. 16 caput, do Estatuto.

4.4.2 Arma quebrada

Arma de fogo pressupõe artefato destinado e capaz de ferir ou matar. O próprio Estatuto, em seu art. 25, exige a elaboração de perícia na arma de fogo, acessório ou munição que tenham sido apreendidos, com o intuito de demons­trar a potencialidade lesiva da arma. Assim, não há crime no porte de arma, acessório ou munição obsoletos ou quebrados.

4.4.3 Arma desmuniciada

A arma de fogo desmuniciada caracteriza o tipo penal. O Estatuto do Desarmamento equiparou o porte de munição ao de arma de fogo. Assim, se há crime no porte de munição desacompanhada da respectiva arma de fogo, também há no porte de arma sem munição. O crime é de perigo abstrato e o porte de arma de fogo apta a disparar já coloca em risco a coletividade.

Entretanto, a 1- Turma do STF entendeu, por maioria de votos (3 x 2) que a arma de fogo desmuniciada não coloca em risco a coletividade, visto que não está apta a realizar disparos, não havendo, portanto, tipicidade da conduta por ausência de potencialidade lesiva.2

4.4.4 Arma de brinquedo

As armas de brinquedo, simulacros ou réplicas não constituem armas de fogo, de modo que o seu porte não está abrangido na figura penal. Na Lei ne 10.826/03 não foi repetido o crime do art. 10, § l e, II, da Lei ns 9.437/97,

2 “No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a impres­cindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica” (STF - 1® T. - RHC 81.057/SP - Rel. p/acórdão Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 29 abril 2005. Conferir, ainda, Informativo STF ns 385, p. 4). Essa questão deverá ser pacificada brevemente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC n° 85.240/SP - Relator Ministro Carlos Britto. A sessão de julgamento foi suspensa em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, em 30 de novembro de 2005, com 5 votos a favor da mesma tese proclamada no RHC 81.057/SP (conferir Informativo STF na 411, 7 de dezembro de 2005).

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N 8 10.826/03 353

que punia com detenção de um a dois anos, e multa, quem utilizasse arma de brinquedo ou simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes. Houve, portanto, abolitio aiminis em relação a tais condu­tas. O Estatuto do Desarmamento se limita no art. 26 a proibir a fabricação, a venda, a comercialização a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que possam com essas se confundir, exceto para instrução, adestramento ou coleção, desde que autorizados pelo comando do exército.

4.4.5 E le m en to n o rm a t iv o d o t ip o

Caracterizado na expressão sem autorização e em desacordo com determi­nação legal ou regulamentar. Só comete o crime quem pratica uma das con­dutas descritas e não possui autorização para tanto, ou o faz em desacordo com as normas legais.

O art. 6S do Estatuto estabelece que, além das hipóteses previstas em lei própria, podem portar arma de fogo os integrantes das Forças Armadas, os policiais civis ou militares, os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 habitantes, os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 e menos de500.000 habitantes, quando em serviços agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Ga­binete de Segurança Institucional da Presidência da República, os policiais da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, os agentes e guardas prisionais, os integrantes de escolta de presos, os guardas portuários e os trabalhadores de empresa de segurança privada de transporte de valores que estejam devi­damente habilitados.

O art. 10 do Estatuto estabelece que a pessoa interessada poderá obter autorização para portar arma de fogo junto à Polícia Federal mediante anuência do SINARM, e desde que demonstre efetiva necessidade, por exer­cício de atividade profissional de risco ou de existência de ameaça à sua inte­gridade física, desde que apresente documento de propriedade de arma e seu respectivo registro junto ao órgão competente, que comprove sua idoneidade mediante juntada de certidões de antecedentes criminais, que apresente do­cumento comprobatório de ocupação lícita e residência certa e que demons­tre capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo. A autorização para o porte pode ser concedida com eficácia temporária e territorial, conforme o art. 10, § l e, do Estatuto. Além disso, a autorização perderá sua eficácia, caso o portador seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob o efeito de substância química ou alucinógena, nos ter­mos do art. 10, § 22, do Estatuto.

Nos termos do art. 26 do Decreto n9 5.123/04, a autorização não dá di­reito de portar ostensivamente a arma de fogo, ou de adentrar, ou com ela

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354 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

permanecer, em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desporti­vos, clubes ou outros locais em que haja aglomeração de pessoas, em virtude de eventos de qualquer natureza. A inobservância dessa regra importa na cassação da autorização e apreensão da arma de fogo.

4.5 Elemento subjetivo do tipo

O crime é doloso, consistente na vontade livre e consciente de praticar uma das condutas previstas no tipo.

Aquele que oculta revólver utilizado por outra pessoa na prática de um delito para que esta pessoa se subtraia à ação da autoridade pública comete favorecimento pessoal, previsto no art. 348 do CP. O dolo do agente prevale­ce na tipificação da conduta.

4.6 Consumação e tentativa

A consumação ocorre no momento da prática da ação prevista no tipo, in­dependentemente de qualquer resultado. Trata-se de crime de mera conduta.

A tentativa não é em tese admitida, pois a amplitude do texto legal aca­ba por efetivar uma conduta consumada, ou, então, mero ato preparatório.

4.7 Concurso de crimes

4.7.1 Porte de arma e homicídio

O crime de porte ilegal de arma tem autonomia em relação ao crime de homicídio, havendo concurso material de delitos. Entretanto, o crime de ho­micídio absorve o de porte ilegal de arma de fogo quando as duas condutas delituosas guardarem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vin­culada. Aplica-se o princípio da consunção. (STJ - REsp 567363/RS - Mi­nistro HELIO QUAGLIA BARBOSA - SEXTA TURMA 31-5-2005; REsp 570887/RS - Ministro FELIX FISCHER - QUINTA TURMA 7-12-2004; REsp 571077/RS - Ministro FELIX FISCHER - QUINTA TURMA 4-3-2004; REsp 232507/DF - Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA - QUINTA TURMA 11/09/2001; HC 17327/RJ - Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA - QUINTA TURMA 4-9-2001).

Se, após o cometimento do homicídio, o agente ocultar a arma de fogo, não deverá ser responsabilizado pelos crimes posteriores (arts. 14 ou 16), uma vez que se trata de exaurimento do delito de homicídio.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N g 10.826/03 3 55

4.7.2 Porte de arma e roubo

O emprego de arma de fogo é uma circunstância que agrava o roubo e não poderia também ser considerado crime autônomo, aplicando-se o princí­pio da consunção, uma vez que a posse ou o porte ilegal de arma de fogo se­ria meio para prática do crime do delito patrimonial.

4.8 Crime inafiançável

O parágrafo único do art. 14 expressamente declara inafiançável o cri­me de porte ilegal de arma de fogo, salvo se a arma estiver registrada em nome do agente. O art. 52, LXVI, da CF delega expressamente ao legislador ordinário competência para definir as hipóteses em que será cabível não so­mente liberdade provisória, mas também fiança. Assim, não há inconstitucio­nalidade no dispositivo legal.

4.9 Aplicação da lei penal no tempo

A nova lei manteve diversas condutas típicas anteriormente previstas no art. 10, caput, da Lei n- 9.437/97. A pena, contudo, de acordo com a Lei nQ 10.826/03, é mais grave. Dessa forma, o novo estatuto, constituindo novatio legis in pejus, não pode retroagir para alcançar fatos praticados na vigência da Lei n2 9.437/97.

5 DISPARO DE ARMA DE FOGO

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habi­tado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.

5.1 Objetividade jurídica

A incolumidade pública. Trata-se de delito de perigo abstrato, em que não é necessário que pessoa ou pessoas determinadas tenham sido expostas concretamente a risco. A lei penal presume o perigo porque o disparo em via

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356 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

pública ou em direção a ela, por si só, coloca em risco a coletividade. Assim, quem efetua disparo na rua, de madrugada, sem ninguém por perto, mas em local habitado, comete o crime.

5.2 Sujeito ativo

Qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

5.3 Sujeito passivo

A coletividade. As pessoas que, eventualmente, tenham sofrido perigo de dano decorrente do disparo da arma poderão ser sujeito passivo secundário.

5.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas previstas no tipo são disparar arma de fogo ou acionar mu­nição.

Disparar significa atirar projéteis. Acionar munição, por sua vez, signifi­ca detonar, deflagrar cartucho ou projétil de alguma forma.

Não se confunde munição com artefato explosivo, como bombas e dina­mites, cuja detonação constitui crime mais grave previsto no art. 16, parágra­fo único, do Estatuto, ou com a deflagração perigosa e não autorizada de fo­gos de artifício, que constitui contravenção penal, descrita no art. 28, parágrafo único, da LCP. O projétil tem que ser verdadeiro. Balas de festim não configuram a infração porque não causam perigo à coletividade.

Efetuar vários disparos em um mesmo momento configura um só delito, já que a situação de risco à coletividade é única.

As ações típicas devem ser praticadas em lugar habitado ou adjacências, em via pública ou em direção a ela.

Lugar habitado é aquele onde reside um núdeo de pessoas ou famílias. Pode ser uma cidade, uma vila, povoado ou região onde morem poucas pessoas.

Adjacências são locais próximos àquele habitado. Por conseqüência, dis­parar em local descampado ou em uma floresta não configura a infração.

Via pública significa um local acessível a qualquer pessoa. Ex.: rua, ave­nida, praça, estrada.

Ou em direção a ela, nos termos do texto legal também existe o crime quando o disparo não é efetuado na via pública, mas a arma é apontada para

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N a 10.826/03 3 57

ela, como, por exemplo, do quintal de uma residência em direção à rua. O disparo efetuado para o alto caracteriza o crime, desde que seja feito em via pública ou em sua direção.

5.5 Elemento subjetivo do tipo

O tipo é doloso, significando a intenção de efetuar o disparo da arma ou o acionamento da munição nos locais mencionados no tipo. A conduta não é culposa,

Caso a intenção do agente seja a prática de outro crime, a autonomia do disparo de arma de fogo desaparecerá, sendo absorvido pelo crime-fim, por expressa determinação do tipo.

5.6 Consumação e tentativa

O crime estará consumado com o disparo da arma de fogo, ou com o acionamento da munição por qualquer meio. Não há necessidade de qual­quer resultado.

A tentativa é admissível, por exemplo, no disparo que falha, devido ao picote do projétil ou quando o agente é impedido de puxar o gatilho por cir­cunstâncias alheias à sua vontade.

5.7 Subsidiariedade

O tipo determina a subsidiariedade expressa do crime de disparo de arma de fogo. A lei somente confere autonomia ao crime de disparo de arma de fogo quando essa conduta não tem como objetivo a prática de outro crime mais grave.

Trata-se de norma de aplicação subsidiária, cuja incidência está condi­cionada à não-intenção da prática de outro crime mais grave, como, por exemplo, lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou homicídio, hipó­tese em que o agente responde somente por estes.

Embora a literalidade do texto legal traga a seguinte expressão: desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime, entende­mos que a lei disse menos do que queria, pois a subsidiariedade pressupõe a prática de crime menos grave. Devemos interpretar o texto legal como se dis­sesse: desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro cri­

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358 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

me mais grave. A interpretação do dispositivo legal deve ser extensiva para harmonizá-lo com o sistema penal, atendendo aos seus princípios.

A questão que se coloca para solução doutrinária e jurisprudencial é o disparo de arma de fogo que causa lesão corporal de natureza leve na vítima, sem que a intenção do agente seja o homicídio. O disparo de arma de fogo é crime mais grave que a lesão corporal leve e deve prevalecer na tipificação delitiva.

Sendo assim, não podemos conceber o disparo como simples fase de execução das lesões leves. No princípio da subsidiariedade, a norma defini­dora do fato mais amplo e de maior gravidade (norma primária) prevalece sobre a norma que descreve o fato menos grave (norma subsidiaria), e não o contrário.

5.7.1 D is t in çã o c o m o a r t . 132 d o C ód igo P e n a l

O crime de perigo para a vida ou saúde de outrem previsto no art. 132 do Código Penal pode ser praticado mediante disparo de arma de fogo, se o agente dispara a arma, expondo a perigo a vida de terceira pessoa determi­nada. No entanto, este referido crime também traz a previsão de subsidiarie­dade expressa, somente permanecendo quando o fato não constituir crime mais grave. Assim, o disparo de arma de fogo, previsto no art. 15 do Estatu­to, constituindo crime mais grave prevalecerá sobre o art. 132 do CP.

Entretanto, o disparo de arma de fogo poderá ser efetuado em outro lo­cal que não aqueles previstos neste art. 15 do Estatuto (lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela). Aí então poderá estar tipificado o art. 132 do CP, subsidiariamente.

5.8 Porte e disparo

Ainda pelo mesmo princípio da subsidiariedade, o disparo de arma de fogo previsto no art. 15 do Estatuto prevalece sobre o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 do Estatuto) e o crime de porte ile­gal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 do Estatuto). Trata-se de crime de maior gravidade, pois as conseqüências penais são mais gravosas (pena e inafiançabilidade em todos os casos). Tratando-se de conduta única, deve pre­valecer uma única tipificação e não o concurso de crimes. Entretanto, a condu­ta que deve prevalecer é a mais grave pelo princípio da subsidiariedade.

Em se tratando de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restri­to, previsto no art. 16 do Estatuto, este crime deve prevalecer, pois se trata de crime mais grave, com pena maior que a prevista para o disparo de arma de fogo.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N fi 10.826/03 359

5.9 Crime inafiançável

O parágrafo único do art. 15 expressamente declara ser inafiançável o crime de disparo de arma de fogo. Não há, porém, vedação a concessão de li­berdade provisória. O art. 5-, LXVI, da CF delega expressamente ao legisla­dor ordinário competência para definir as hipóteses em que será cabível não somente liberdade provisória, mas também fiança. Assim, não há inconstitu­cionalidade no dispositivo legal.

6 POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, reme­ter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessó­rio ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desa­cordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

6.1 Objetividade jurídica

É a incolumidade pública. Trata-se de crime de perigo abstrato e de mera conduta, em que o tipo não exige que pessoa determinada tenha sido exposta a risco e cuja configuração independe de qualquer resultado.

O delito em análise é uma espécie de figura qualificada dos crimes de posse de arma, previsto, porém, em tipo autônomo. A pena maior se justifica em virtude da maior potencialidade lesiva das armas de fogo proibidas ou restritas, que, por tal razão, elevam o risco à coletividade.

6.2 Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

6.3 Sujeito passivo

A coletividade

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360 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

6.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas típicas são possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito; transportar, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, em­pregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito.

O objeto material do crime é arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito. Nos termos do art. 11 do Decreto nQ 5.123/04, são aquelas armas de fogo de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pú­blica e de pessoas físicas ou jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo comando do Exército, de acordo com a legislação específica.

Em se tratando de arma de fogo de uso proibido ou restrito, o crime configurado é sempre o mesmo, quer a arma esteja no interior da residência sem ser registrada (posse), quer esteja na cintura do agente em via pública (porte). Se a arma fosse de uso permitido, a posse configuraria o crime do art. 12, o porte tipificaria aquele do art. 14.

6.4.1 Elemento normativo

Está contido na expressão sem autorização e em desacordo com deter­minação legal ou regulamentar.

O art. 27 do Estatuto diz que a aquisição de arma de uso restrito poderá ser autorizada, excepcionalmente pelo comando do Exército, e seu art. 3-, parágrafo único, estabelece que o registro será feito em tal comando.

6.5 Elemento subjetivo do tipo

O tipo é doloso, o que significa a vontade livre e consciente de praticar a conduta delitiva. O dolo do agente deve abranger o uso proibido ou restrito da arma de fogo, acessório ou munição.

6.6 Consumação e tentativa

Em se tratando de crime de mera conduta, a consumação ocorre no mo­mento da ação, independentemente de qualquer resultado.

A tentativa não é em tese admitida, pois a amplitude do texto legal aca­ba por efetivar uma conduta consumada, ou, então, mero ato preparatório.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Ng 10.826/03 361

6.7 Absorção e concurso

Só haverá absorção se o porte da arma de uso restrito for meio para ou­tro crime mais grave como homicídio ou roubo. Assim, se, com a intenção de matar alguém, o agente vai até sua casa e pega a arma, o crime de porte fica absorvido.

Quanto a posse da arma de fogo, se o agente não tiver o registro da arma de uso restrito, responderá pela posse anterior da arma (art. 16), em concurso material com homicídio. Apenas o porte ficará absorvido em tal caso.

6.8 Vedação a liberdade provisória

O art. 21 da Lei ns 10.826/03 proíbe concessão de liberdade provisória ao crime em análise. O art. 5-, LXVI, da CF delega expressamente ao legisla­dor ordinário competência para definir as hipóteses em que será cabível a li­berdade provisória. Assim, não há inconstitucionalidade no dispositivo legal.

6.9 Figuras equiparadas

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II - modificar as características de arma de fogo, de forma a tor- ná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade poli­cial, perito ou juiz;

III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo ou in­cendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV - portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspa­do, suprimido ou adulterado;

V - vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI - produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

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362 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

COMENTÁRIOS

Inciso I - Condutas voltadas a impedir a identificação da arma de fogo ou artefato, pela sua gravidade e ameaça à incolumidade pública, foram equiparadas à posse ou porte de arma de fogo de uso restrito. Trata-se de cri­me de perigo abstrato, inexigindo qualquer resultado danoso.

Se o agente não tinha autorização para a posse ou manutenção sob sua guarda da arma de fogo ou artefato de uso permitido, o crime previsto no art. 12 fica absorvido por este, como meio necessário para a sua realização, por força do princípio da consunção.

Inciso II - O tipo penal incriminou atos preparatórios que se tomaram equivalentes ao crime consumado. Somente serão punidas as condutas que permaneçam autônomas.

Este inciso traz na sua parte final uma espécie de fraude processual que em face do princípio da especialidade prevalecerá sobre o crime de fraude processual do art. 347 do CP.

Inciso III - Este tipo penal, face ao princípio da especialidade, prevalece sobre o art. 253 do CP, no que se refere a artefatos e explosivos. O art. 253 continua em vigor em relação a gases tóxicos ou asfixiantes, bem como em relação a substâncias explosivas, já que a nova lei só se refere a artefato ex­plosivo.

Caso ocorra efetiva explosão ou incêndio expondo a perigo concreto nú­mero elevado e indeterminado de pessoas ou coisas, estarão configurados os crimes de incêndio e explosão dos arts. 250 e 251 do CP. Estes crimes previs­tos no Código Penal, por serem crimes de dano, prevalecem sobre os crimes de perigo, absorvendo-os.

Inciso IV - O referido tipo penal não configura norma penal em branco, pois não contém a expressão em desacordo com determinação legal ou regula­mentar. A arma de numeração raspada não se enquadra nos prazos previstos nos arts. 30 e 32 da referida Lei. Não há abolitio criminis em relação a este crime, porque as normas de caráter temporário não retroagem, nos termos do art. 3Q do Código Penal.

Se o agente possuir arma de fogo com sinal identificador suprimido ou adulterado e dispará-la, não ocorrerá a absorção pelo crime de disparo de arma de fogo. A pena do disparo é menor do que a prevista para a posse de arma de fogo com sinal de identificação suprimido ou adulterado. Deverá ser aplicado o princípio da subsidiariedade, e o crime mais grave prevalece­rá sobre o menos grave. Assim, se as infrações forem cometidas em contex­to fático diverso, deverá ser aplicado o concurso material de crimes. Se tudo se desenvolver dentro de um único desdobramento causai, o fato ante­rior, mais grave, prevalecerá sobre o posterior, o qual será considerado post factum não punível.

Pelo princípio da especialidade, este crime prevalecerá sobre a recepta- ção, prevista no art. 180 do Código Penal.

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI N a 10.826/03 3 63

Inciso V - Este inciso entrou em vigor em 22 de dezembro de 2003 e derrogou o art. 242 da Lei n2 8.069/90 (ECA). O referido art. 242 do EGA. só continua aplicável em relação a armas de outra natureza, que não sejam ar­mas de fogo. O Estatuto do Desarmamento entrou em vigor posteriormente ao art. 242 da Lei n2 8.069/90 (ECA) mesmo com a alteração da pena pela Lei n210.764/03, e o derrogou, no que se refere às condutas aqui previstas.

Inciso VI - Crime de mera conduta, que se consuma com a simples ativi­dade do agente. Se ocorrer a efetiva explosão, ele responderá como incurso nos arts. 250 ou 251 do CP. Na hipótese de conflito entre a norma do art. 253 do CP e o art. 16, III, do Estatuto, prevalece este último pelo princípio da especialidade.

7 COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO

Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor a venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessó­rio ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial,

para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabri­cação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em re­sidência.

7.1 Objetividade jurídica

A incolumidade pública. O delito em análise é também crime de perigo abstrato porque o tipo não exige que pessoa determinada tenha sido exposta à efetiva situação de risco, bem como a ocorrência de qualquer resultado na- turalístico.

7.2 Sujeito ativo

Trata-se de crime próprio, pois o tipo penal exige qualidade especial do sujeito ativo que deverá ser comerciante ou industrial.

7.3 Sujeito passivo

A coletividade.

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364 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

7.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas típicas são expressas pelos verbos adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar.

O objeto material do crime é arma de fogo, acessório ou munição.Não se exige habitualidade, caracterizando-se o crime com a simples

prática de uma das condutas típicas, por exemplo, venda, aquisição etc., des­de que realizadas em atividade comercial ou industrial.

Elemento normativo do tipo

Caracterizado na expressão sem autorização ou em desacordo com deter­minação legal ou regulamentar.

7.5 Elemento subjetivo do tipo

O crime é doloso e exige um elemento subjetivo do tipo consistente na expressão em proveito próprio ou alheio.

7.6 Consumação e tentativa

O crime estará consumado com a prática de qualquer uma das condutas típicas. As modalidades de transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito e expor a venda são crimes permanentes.

A tentativa é admissível, tratando-se de condutas plurissubsistentes, ou seja, divisíveis em vários atos.

8 TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do terri­tório nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou muni­ção, sem autorização da autoridade competente:

Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

8.1 Objetividade jurídica

A incolumidade pública. O delito em análise é também crime de perigo abstrato porque o tipo não exige que pessoa determinada tenha sido exposta

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ESTATUTO DE DESARMAMENTO - LEI Na 10.826/03 365

à efetiva situação de risco, bem como a ocorrência de qualquer resultado na- turalístico.

8.2 Sujeito ativo

Trata-se de crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa.

8.3 Sujeito passivo

A coletividade

8.4 Elementos objetivos do tipo

As condutas típicas são expressas pelos verbos importar, exportar e favo­recer a entrada ou saída do território nacional.

O objeto material do crime é arma de fogo, acessório ou munição.

Não se exige habitualidade, caracterizando-se o crime com a simples prática de uma das condutas típicas, por exemplo importar ou exportar.

Elemento normativo do tipo

Caracterizado na expressão sem autorização da autoridade competente.

8.5 Elemento subjetivo do tipo

O crime é doloso.

8.6 Consumação e tentativa

O crime estará consumado com a prática de qualquer uma das condutas típicas. O crime se consuma quando a arma de fogo, acessório ou munição en­trar ou sair do território nacional. No caso de importação, se o agente entrar com a arma no Brasil e for preso na alfândega, o crime estará consumado.

A tentativa é admissível, tratando-se de condutas plurissubsistentes, ou seja, divisíveis em vários atos.

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366 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

9 CAUSAS DE AUMENTO DA PENA

Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumenta­da da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.

Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 62, 72 e 8Q desta Lei.

COMENTÁRIOS

Nos crimes de comércio ilegal de arma de fogo (art. 17) e tráfico inter­nacional de arma de fogo (art. 18), se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito, a pena será acrescida de metade, toman- do-se de reclusão de 6 (seis) a 12 (doze) anos e multa.

Nos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14), disparo de arma de fogo (art. 15), posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), comércio ilegal de arma de fogo (art. 17) e tráfico in­ternacional de arma de fogo (art. 18), a pena também será acrescida de me­tade se forem praticados pelas pessoas mencionadas nos artigos 62, 72 e 82 do Estatuto, ou seja, integrantes das Forças Armadas, policiais federais, policiais ferroviários ou rodoviários federais, policiais civis, militares ou do corpo de bombeiros militares, integrantes das guardas municipais, agentes da Agência Brasileira de Inteligência, integrantes das polícias da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, agentes ou guardas prisionais, integrantes de empre­sas de segurança privada ou de transporte de valores e integrantes de entida­des de desporto que demandem a utilização de arma de fogo.

10 PROIBIÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveisde liberdade provisória.

COMENTÁRIOS

O crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), o crime de comércio ilegal de arma de fogo (art. 17) e o crime de tráfico internacional de arma de fogo (art. 18) têm proibida pelo Estatuto a conces­são de liberdade provisória.

O art. 52, LXVI, da CF delega expressamente ao legislador ordinário competência para definir as hipóteses em que será cabível a liberdade provi­sória. Assim, não há inconstitucionalidade no dispositivo legal.

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INDICE REMISSIVO

• • • ----------------------------------

ABOLITIO CRIMINIS

no crime de trânsito, 250

ABUSO DE AUTORIDADE, 31

e lesões corporais, 44

ABUSO DE PODERmedida privativa da liberdade individual,

47AÇÃO PENAL

crime de fuga do local do acidente auto­mobilístico, 235

crime de trânsito, 230

ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO

crime de fuga, 235

ADQUIRIR ENTORPECENTE

condutas típicas, 137

AGRAVOem execução, 222

ÁLCOOL NO CRIME DE TRÂNSITO, 239

ação penal, 241

concurso de crimes, 241 consumação e tentativa, 241

dano potencial, 240

elemento subjetivo do tipo, 241

natureza jurídica do crime, 240

prova da influência, 239

ANISTIAinsuscetibilidade, 73

APELAÇÃO EM LIBERDADE: art. 22, possibilidade, 78

AQUISIÇÃO DE ENTORPECENTE, 148 art. 12 da Lei ns 6.368/76, 133

condutas e elemento normativo, 149 consumação e tentativa, 150

figuras equiparadas, 140 objetividade jurídica, 152

objeto material, 149

sujeito ativo, 149

sujeito passivo, 149 ART. Ia DA LEI Nfi 8.137/90, 97

ART. 3a DA LEI Na 4.898/65, 36 ASSISTÊNCIA À SAÚDE

direito do sentenciado, 170

ASSISTÊNCIA JURÍDICA direito do sentenciado, 170

ASSISTÊNCIA RELIGIOSA direito do sentenciado, 170

ASSOCIAÇÃOatentado à liberdade, 42

ATEÍSMO, 40ATENTADO ÀINCOLUMIDADE

física do indivíduo, 44 ATENTADO À INVIOLABILIDADE

de domicílio, 37- dia, 37- noite, 37

Page 366: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

372 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

ATENTADO À LIBERDADE

de associação, 42 de consciência, 40 de crença, 40

de locomoção, 36do livre exercício do culto religioso, 40

ATENTADO AO DIREITO DE REUNIÃO, 43

ATENTADO AO SIGILO

de correspondência, 38

ATENTADO AOS DIREITOS E GARANTIAS LEGAISassegurados ao exercício de voto, 43 assegurados ao exercício profissional, 46

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, 82 AUDIÊNCIA

de instrução e julgamento, 156

AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE violação, 156

AUTONOMIAda instância penal, 94

AUTORIDADE abuso, 44

AUTORIDADE COMPETENTEpermissão de saída de estabelecimento pe­

nal, 200

BANDO OU QUADRILHAespecífica para a prática de crimes hedion­

dos, 85

genérica, 85para a prática de crimes hediondos, 85 tráfico de entorpecente, 139

BENEFÍCIOS PRISIONAISimpossibilidade em crimes hediondos, 76

CARCEREIROproibição de cobrança de carceragem, cus­

tas, emolumentos, 54 CASA DE ALBERGADO

inexistência, 192 CAUSA ESPECIAL

de aumento de pena, 87 CICLOMOTORES, 244 CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES

crime de trânsito, 226

CITAÇÃO, 150CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, 224

direção de veículo, 228 COMENTÁRIO

ao inciso I do art Ia da Lei na 8.137/90, 105

ao inciso V do art. l g da Lei n2 8.137/90, 113

ao inciso I do art. 2a da Lei na 8.137/90, 116

ao inciso II do art. 2e da Lei n9 8.137/90, 117

ao inciso III do art. 29 da Lei na 8.137/90, 119

ao inciso IV do art I a da Lei na 8.137/90, 112

ao inciso IV do art. 29 da Lei n9 8.137/90, 121

ao inciso V do art. 2a da Lei na 8.137/90, 122

ao parágrafo único do art. I9 da Lei n9 8.137/90, 114

COMPETÊNCIA, 97 execução, 167- regras, 167

COMUNICAÇÃOde prisão ao juiz competente, 51

CONCURSOde agentes na sonegação fiscal, 101 de pessoas: crime de trânsito, 228 material de crimes: abuso de autoridade e

lesões corporais, 44 CONFLITO APARENTE DE NORMAS

sonegação fiscal, 104,105 CONSCIÊNCIA

atentado à liberdade, 40 CONSTRANGIMENTO NÃO AUTORIZADO

EM LEIsubmeter pessoa sob sua guarda ou custó­

dia, 51CONSUMAÇÃO E TENTATIVA, 35 CONTAGEM

em dobro: prazo procedimental, 157 CONTRATO DE TRABALHO

sentenciado, 201 CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

deixar de recolher: conduta, 117

Page 367: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

ÍNDICE REMISSIVO 373

CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LI­BERDADEem medida de segurança, 218

CORRESPONDÊNCIA

atentado ao sigilo, 38 CRENÇA

atentado à liberdade, 40 CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, 97

elementos normativos do tipo, 98 CRIME DE DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO, 246

abolitio criminis, 250 dclomotores, 251 concurso de agentes, 250 concurso de normas incriminadoras, 247 elementos objetivos do tipo, 250 natureza jurídica do crime, 249 objetividade jurídica, 249 sujeito ativo, 249 sujeito passivo, 249

CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL EM ACI­DENTE AUTOMOBILÍSTICO, 258 concurso de normas, 259 consumação, 259 elemento objetivo do tipo, 258

objetividade jurídica, 258 sujeito ativo, 258 sujeito passivo, 258 tentativa, 259

CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO, 235 ação penal, 235 consumação e tentativa, 236 eficácia da fuga, 236 elementos objetivos do tipo, 235 elementos subjetivos do tipo, 236 e omissão de socorro, 236 exclusão da ilicitude, 236 objetividade jurídica, 235 qualificação doutrinária, 235 questão da constitucionalidade, 235

sujeito ativo, 235 sujeito passivo, 235

CRIME DE PERMISSÃO OU ENTREGA TEME­RÁRIA DA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTO­MOTOR, 252 ação penal, 254

consumação e tentativa, 254

elemento subjetivo do tipo, 254 elementos objetivos do tipo, 253 natureza jurídica do tipo, 254

objetividade jurídica, 253 rito processual, 255

sujeito ativo, 253

sujeito passivo, 253

CRIME DE TORTURAconseqüências penais e processuais, 69

CRIME DE TRÂNSITO

abolitio criminis, 250 ação penal, 230causas de aumento de pena, 229

circunstâncias agravantes, 226

compensação e concorrência de culpas, 228

concurso de agentes, 250concurso de pessoas, 228conduta eventualmente permanente, 240direção sem habilitação, 246disputa em competição (racha), 243embriaguez- ao volante, 237- elementos objetivos do tipo, 238- objetividade jurídica, 237- sujeito ativo, 237- sujeito passivo, 238entrega temerária da direção de veículo

automotor, 252

homicídio culposo, 227

homicídio praticado na faixa de pedestres ou na calçada, 234

Lei das Contravenções Penais, 237

lesão corporal culposa, 231

local, 228morte da vítima na condução profissional

de veículo de transporte de passagei­ros, 229

multa reparatória, 226 não possuir carteira de habilitação, 229

omissão de socorro, 229

pai que entrega veículo a menor, 231 violação da suspensão ou proibição para

dirigir, 242

Page 368: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

374 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

CRIME DE VELOCIDADE INCOMPATÍVEL, 255concurso de normas, 259 consumação, 257

elemento subjetivo do tipo, 257

elementos objetivos do tipo, 256 objetividade jurídica, 255 sujeito ativo, 255 sujeito passivo, 255 tentativa, 257

CRIME DOLOSO, 195

CRIME HEDIONDO, 84 abrangência da lei, 64

bando ou quadrilha específica, 84 conceito, 59 critério judicial, 58 critério legal, 58 critério misto, 58 critérios de fixação, 58 e assemelhados, 58impossibilidade de benefícios prisionais, 76

impossibilidade de sursis, 76 majoração da pena, 82

pena em regime fechado, 74 previsão legal, 58

CULTO RELIGIOSOatentado à liberdade, 40

CUSTASproibição de cobrança, 54

CUSTÓDIAsubmeter pessoa a vexame, 51

CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO medidas de segurança, 216

DA EXECUÇÃO, 320DEBATES NO PROCEDIMENTO CRIMINAL,

156

DÉBITOde ICMS, 118

parcelamento, 92 DECLARAÇÃO FALSA

às autoridades fazendárias, 106 conduta, 116de renda: consumação e tentativa, 119 de renda: elemento subjetivo, 119

DECLARAÇÃO FALSA SOBRE RENDAS

conduta, 117

DEFESA PRÉVIA, 155

DELAÇÃO PREMIADA 86em crime contra a ordem tributária, 124

na extorsão mediante seqüestro, 83

oferecimento pelo Ministério Público, 99 por homicídio qualificado, 62

DEPÓSITO DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei nfi 6.368/76,133

DESINTERNAÇÃO OU LIBERAÇÃO DO SEN­TENCIADO, 215

DESMANTELAMENTO DO BANDO OU QUA­DRILHA, 86

DETENÇÃO, 55

DETENÇÃO DE PESSOA comunicação ao juiz, 52

DETRAÇÃO, 204

características, 204 regras, 205

DIAS-MULTAinexistência de equivalência com a pena

privativa de liberdade, 211

DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, 228

DIREITO DE VOTO

atentado, 42

DIREITOS DOS RECLUSOSregras internacionais de proteção, 163

DIREITOS DOS SENTENCIADOS, 168

DISTRIBUIÇÃO DE DOCUMENTO FALSO conduta, 112consumação e tentativa, 113 elemento subjetivo, 113 objeto material, 112

DOCUMENTO FALSO OU INEXATO, 112

DOCUMENTOS

violação, 151

DOMICÍLIOatentado à inviolabilidade, 37

DO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO, 299

DROGA

afim, 84prazo processual, 86 tráfico ilícito, 65

Page 369: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

ÍNDICE REMISSIVO 375

EDUCAÇAOdireito do sentenciado, 168

ELABORAÇÃO DE DOCUMENTO FALSO conduta, 112consumação e tentativa, 114 elemento subjetivo, 113 objeto material, 112

ELEMENTO SUBJETIVO, 35 EMBRIAGUEZ AO VOLANTE, 237

e direção sem habilitação, 246 homicídio culposo, 241 objetividade jurídica, 237

EMISSÃO DE DOCUMENTO FALSO conduta, 112consumação e tentativa, 113 elemento subjetivo, 113 objeto material, 112

EMOLUMENTOSproibição de cobrança, 54

EMPREGO DE DECLARAÇÃO DE RENDAS FALSA

conduta, 116

ENTORPECENTE acetona, 141aparelhagem para a produção, 145 aquisição, 148- condutas e elemento normativo, 149- consumação e tentativa, 150- objeto material, 149- sujeito ativo, 149- sujeito passivo, 149associação como causa de aumento de

pena, 152 auxílio ao uso, 144 bando ou quadrilha específica, 86 causas de aumento de pena, 152 colheita, 142 cultivo, 142 éter, 141 guarda, 149guarda - objetividade jurídica, 149 impossibilidade de substituição de pena

privativa dè liberdade por pena de mul­ta, 151

incentivo ao tráfico, 144 induzimento ao consumo, 144

infra-estrutura para a produção, 145 isenção de pena, 154 matéria-prima, 141 ministração, 147Portaria n2 18, de 28-9-1973, do SNFMF,

131Portaria n2 18/73 revogada pela Portaria

n2 20/77,131 Portaria n2 26, de 26-7-1974, do SNFMF,

sobre listagem farmacêutica, 131 Portaria ns 344, de 12-5-1998 - vigilância

sanitária, 132 Portaria n2 8/67, 131 porte, 149 prazo processual, 88 prescrição, 147regras de competência do tráfico ilícito,

158semeadura, 139 tráfico ilícito, 65utilização de local para fim ilícito, 144 violação de sigilo de documentos, 151

ENTREGA DE ENTORPECENTE art. 12 da Lei n2 6.368/76, 132

ERRO DE PROIBIÇÃO, 99 ESTABELECIMENTO PENAL

autoridade que concede permissão de saí­da, 197

de segurança máxima, 81 ESTATUTO DO DESARMAMENTO, 339 ESTUPRO, 82EXAME CRIMINOLÓGICO, 188 EXCESSO OU DESVIO NA EXECUÇÃO PE­

NAL, 221 EXECUÇÃO

agravo, 222 competência, 167 incidentes, 216penas privativas de liberdade, 171 processo penal, 167 prolongamento, 55

EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA,213

EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DI­REITO, 206

EXECUÇÃO PENAL, 162

conversões, 217

Page 370: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

376 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

exame criminológico, 188 excesso ou desvio, 221 finalidade, 162 guia de recolhimento, 172 natureza jurídica, 162 prisão-albergue domiciliar, 191 regressão de regime, 194

EXERCÍCIO DO DIREITO DE PETIÇÃO, 32

EXERCÍCIO PROFISSIONALatentado aos direitos e garantias legais, 46

EXIGÊNCIA DE PAGAMENTOde percentagem de parcela dedutível ou

deduzida do imposto, 119- conduta, 119- consumação e tentativa, 120- elemento subjetivo, 120- sujeito ativo, 120

EXPEDIÇÃO DE DOCUMENTO FALSOconduta, 112consumação e tentativa, 113 objeto material, 112

EXPORTAÇÃO DE ENTORPECENTE art. 12 da Lei ns 6.368/76,133 figuras equiparadas, 140

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, 91pelo pagamento do tributo antes do rece­

bimento da denúncia, 90

FABRICAÇÃO DE ENTORPECENTE art. 12 da Lei ns 6.368/76,133 figuras equiparadas, 140

FALSIFICAÇÃO DE NOTA FISCAL conduta, 109consumação e tentativa, 111 elemento subjetivo, 110

objetividade jurídica, 110 objeto material, 109

FALTA DE REPRESENTAÇÃO, 32

FALTA GRAVE regressão, 195

FAZER DECLARAÇÃO FALSA SOBRE REN­DASconduta, 116

FIANÇA, 53insuscetibilidade, 72

FINALIDADE DA LEI DE EXECUÇÕES PE­NAIS, 162

FORNECIMENTO DE DOCUMENTO FALSO

conduta, 112consumação e tentativa, 113

elemento subjetivo, 113

objeto material, 112

FRAUDE À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

comentário ao inciso II do art. l e da Lei nfi 8.137/90,108

FRAUDE TRIBUTÁRIA 108 conduta, 108consumação e tentativa, 109

elemento subjetivo, 108

natureza jurídica, 108

sujeitos ativo e passivo, 109

FUGA DO SENTENCIADO, 173

FUNCIONÁRIO PÚBLICO, 34

GRAÇAinsuscetibilidade, 72

GRUPO DE EXTERMÍNIO

crime hediondo, 61

GUARDA DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei ne 6.368/76,133

conduta e elemento normativo, 149

condutas típicas, 137

elemento normativo do tipo, 139

figuras equiparadas, 140

objetividade jurídica, 148

objeto material, 149submeter pessoa a vexame ou constrangi­

mento, 51

sujeito ativo, 149

sujeito passivo, 149

HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR

exigência legal específica, 250

suspensão ou proibição, 225

HEDIONDEZ DO HOMICÍDIO

júri e quesitação, 64

HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO, 227 praticado na faixa de pedestres ou na cal­

çada, 250

Page 371: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

ÍNDICE REMISSIVO 377

HOMICÍDIO QUALIFICADO

crime hediondo, 61

HOMICÍDIO SIMPLES

crime hediondo, 61

HONRAato lesivo, 54

HOSPITAL

medidas de segurança e inexistência de vaga, 216

IMPORTAÇÃO DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei nB 6.368/76,133

condutas, 134

figuras equiparadas, 140

objetividade jurídica, 133

sujeito ativo, 133

sujeito passivo, 134

IMPORTÂNCIA RECEBIDA

recibo, 54IMPOSSIBILIDADE DE TRABALHAR E RE­

MIÇÃO, 204

INCENTIVO FISCALdeixar de aplicar ou aplicar em desacordo

com o estatuído- condutas, 121- consumação e tentativa, 122- elemento subjetivo, 122- objetividade jurídica, 121- sujeito ativo, 122- sujeito passivo, 122

INDIVÍDUOatentado à incolumidade física, 44

INDULTOinsuscetibilidade, 72

INDUZIMENTOao consumo de entorpecente: figuras equi­

paradas, 144

INOCÊNCIA

princípio da, 52

INQUÉRITO POLICIAL, 155

violação, 151

INSTÂNCIA PENAL

autonomia, 94

INSTIGAÇÃO AO CONSUMO DE ENTORPE­CENTE, 144

INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS, 197, 226

INTERROGATÓRIO, 156

JUIZobrigação de ordenar relaxamento, 46

JÚRI E QUESITAÇÃO SOBRE HEDIONDEZ DO HOMICÍDIO, 64

JUSTIÇA ESTADUAL

competência, 158

JUSTIÇA FEDERAL

competência, 158

LAUDO DE DEPENDÊNCIA 157 LEGISLAÇÃO SOBRE SONEGAÇÃO FISCAL,

89LEI DE CRIMES HEDIONDOS

abrangência, 64

LEI DE EXECUÇÃO PENAL

princípios, 166

LEI DE TÓXICOS, 130

conceito e finalidade, 130

modificação da nova lei, 130

previsão legal, 130

LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

prisão temporária, 81

LEI MAIS BENIGNA

retroatividade, 91

LEI N9 4.729/65, 89

LEI N9 6.368/76,133

LEI Nfi 8.072/90, 59, 71

LEI N2 8.137/90

art. I a, 97comentário ao inciso I do art l 9, 105

LEI Na 9.099/95e o Código de Trânsito Brasileiro, 224

LEI N9 10.409/02novos instrumentos de investigação, 160 procedimento criminal com as modifica­

ções da lei, 155

LESÃO CORPORAL CULPOSA

crime de trânsito, 231

Page 372: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

378 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

LESÕES CORPORAIS, 44

LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

atentado, 42

natureza civil, 42

natureza penal, 42

natureza político-administrativa, 42

LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

atentado, 40

LIBERDADE INDIVIDUAL

medida privativa, 47

LIBERDADE PROVISÓRIA

insuscetibilidade, 73

LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA, 221

LIVRAMENTO CONDICIONAL, 81

LOCOMOÇÃOatentado à liberdade, 36

MATÉRIA-PRIMAdestinada ao preparo de entorpecente:

conceito, 141

MEDIDA DE SEGURANÇAe princípios da legalidade e anterioridade,

215

execução, 213inexistência de vaga em hospital de custó­

dia e tratamento psiquiátrico, 216

início da execução, 214

prolongamento, 55

MEDIDA DE SEGURANÇA E REMIÇÃO, 202

MEDIDA PRIVATIVA DA LIBERDADE INDIVI­DUALsem as formalidades legais ou abuso de

poder, 47

MÉRITO DO SENTENCIADO

progressão da pena, 186

MINISTRAÇÃO DE ENTORPECENTE, 147

art. 12 da Lei n2 6.368/76,133 MOTORISTA

conduta eventualmente permanente, 240

MULTA 55 MULTA CUMULATIVA

não-pagamento, 197

MULTA REPARATÓRIA

crime de trânsito, 226

NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PE­NAL, 162

NEGAR OU DEIXAR DE FORNECER NOTA FISCAL, 113

NORMAS PENAIS EM BRANCO, 132

NOTA FISCALdeixar de fornecer, 113- conduta, 113- consumação e tentativa, 114- elemento subjetivo, 114falta de atendimento da exigência da au­

toridade, 114

OFERECIMENTO DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei n2 6.368/76, 133

OITIVAdas testemunhas de acusação e defesa, 156

do Ministério Público: progressão penal, 188

OMISSÃO DE DECLARAÇÃO DE RENDAS

conduta, 109

OMISSÃO DE INFORMAÇÃO ÀS AUTORI­DADES FAZENDÁR1AS, 105

concurso de agentes, 106

conduta, 106consumação e tentativa, 107

elemento subjetivo, 106

sujeitos ativo e passivo, 106

OMISSÃO DE SOCORRO NO TRÂNSITO

ação penal, 234

consumação e tentativa, 234 crime de trânsito, 232

elemento subjetivo do tipo, 234

elementos objetivos do tipo, 233

norma complementar explicativa, 234

objetividade jurídica, 232

qualificação doutrinária, 232

subsidiariedade expressa, 234

sujeito ativo, 232

sujeito passivo, 233

transação penal, 234

ONUregras internacionais de proteção aos re­

clusos, 163

ORDEM DE LIBERDADE, 55

Page 373: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

ÍNDICE REMISSIVO 379

PARCELAMENTO DO DÉBITO E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, 92

PARECER DA COMISSÃO TÉCNICA DE CLASSIFICAÇÃO

execução da pena, 187,188

PATRIMÔNIO DA PESSOA NATURAL OU JU­RÍDICA

ato lesivo, 54

PENAcausa de aumento, 152

causa especial de aumento, 87 conversões, 217cumprimento em regime fechado, 74 execução, 171parecer da comissão técnica de classifica­

ção, 187

prisão-albergue domiciliar, 191

progressão de regimes, 184

progressão do regime semi-aberto para o aberto, 188

progressão em saltos, 185

regime aberto, 178

regime e soma, 181 regime fechado, 175 regime semi-aberto, 176

regimes de cumprimento, 178

regressão de regime, 194

requisitos para a progressão, 185 serviços à comunidade, 220

sistema progressivo, 173

unificação, 196 PENA DE MULTA, 209

cumulação, 211 prescrição, 213

PENA NOS CRIMES HEDIONDOS

majoração, 82

PENA PECUNIÁRIA aplicação, 210competência para a execução, 212

correção monetária, 213

PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE alterações, 82

Aubum, 171

conversão, 217conversão em medida de segurança, 218

Filadélfia, 171 inglês ou progressivo, 171

regimes de cumprimento, 175

remição, 200requisitos para a substituição por pena de

multa, 210

requisitos para cumprimento em peniten­ciária, 176

PENA RESTRITIVA DE DIREITOS cabimento, 207

conversão, 217conversão em pena privativa de liberdade,

220

espécies, 208

execução, 207interdição temporária de direitos, 221 limitação de fim de semana, 221

requisitos específicos para a conversão em serviços à comunidade, 220

PERDA DE BENS E VALORES, 208

PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃOpara o exercício de qualquer função públi­

ca, 55 PERÍCIA MÉDICA

ausência de realização, 216

PERICULOSIDADErealização de exames para averiguação,

214PERMISSÃO DE SAÍDA DE ESTABELECI­

MENTO PENAL, 197

PORTAR ENTORPECENTE condutas típicas, 137 figuras equiparadas, 140

PRAZO DE REPRESENTAÇÃO NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL DOLOSA DE NATUREZA LEVE E LESÃO CORPORAL CULPOSA 338

PRAZO PROCEDIMENTAL contagem em dobro, 157

PRAZO PROCESSUALpara tráfico ilícito de entorpecentes e dro­

gas afins, 88 PREPARAÇÃO DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei n° 6.368/76,133

PRESCRIÇÃO

prazo, 56

Page 374: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

380 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

PRESCRIÇÃO DE ENTORPECENTE, 147

PRESO PROVISÓRIO, 203

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNI­DADE, 208

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, 208

PRINCÍPIOda isonomia, 166 da jurisdicionalidade, 166 da legalidade na execução penal, 166 da personalização da pena, 166 reeducativo, 166

PRISÃOcomunicação ao juiz, 52

PRISÃO-ALBERGUE DOMICILIAR, 191 inexistência, 192

PRISÃO EM FLAGRANTE E FIANÇA em crime de trânsito, 227

PRISÃO OU DETENÇÃO ILEGAL, 52

PRISÃO TEMPORÁRIAlei dos crimes hediondos, 80 prolongamento, 54

PRISÕESadministrativas, 48 civis, 49para averiguações, 49 processuais, 48

PROCEDIMENTO, 56

PROCEDIMENTO CRIMINAL, 155

PROCESSOS COM SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU E PENDENTES DE RECURSO, 339

PRODUÇÃO DE ENTORPECENTE art. 12 da Lei ne 6.368/76,133

PROFISSÃOatentado aos direitos e garantias legais, 46

PROGRESSÃO de regimes, 184do regime semi-aberto para o aberto, 188 em saltos: pena, 185 requisitos, 186

PROGRESSÃO PENAL características, 190compatibilidade do sentenciado com o re­

gime aberto, 190 comprovação de trabalho, 189 requisitos, 188

PUNIBILIDADEpelo pagamento do tributo antes do rece­

bimento da denúncia, 90

PUNIÇÕES DISCBPLINARES MILITARES, 49

QUADRILHAtráfico de entorpecente, 145

RACHAação penal, 246competição automobilística, 243

concurso de crimes, 245

consumação, 246

direção sem habilitação, 246

elemento normativo do tipo, 245

elemento subjetivo do tipo, 245

elementos objetivos do tipo, 245

embriaguez ao volante, 235

homicídio culposo, 246

natureza do crime, 245

objetividade jurídica, 244

rito processual, 246

sujeito ativo, 244

sujeito passivo, 244

tentativa, 246

RECEBIMENTO DE DENÚNCIA, 155

por homicídio qualificado, 62

RECIBOde importância recebida, 54

RECOLHIMENTO

guia, 172

RECURSOS, 160

REGIME ABERTO, 178compatibilidade do sentenciado, 190

frustração da execução, 196

frustração dos fins da execução, 196

não-pagamento da multa cumulativa, 197

REGIME FECHADO, 175

REGIME SEMI-ABERTO, 176

fixação inicial, 177

saída temporária - hipóteses, 198

saída temporária de estabelecimento pe­nal, 198

Page 375: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

ÍNDICE REMISSIVO 381

REGIMES DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, 175

REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA 178 REGIMES E SOMAS DE PENAS, 181

REGRAS DE COMPETÊNCIAno tráfico ilícito de entorpecentes, 158

REGRESSÃOcrime doloso, 195 hipóteses, 195

REGRESSÃO DE REGIME, 194 RELAXAMENTO DA PRISÃO

obrigação de ordenamento, 52 REMIÇÃO, 200

contagem, 202e cômputo de horas extras, 203 e impossibilidade de trabalhar, 204 e medida de segurança, 203 e preso provisório, 203

REPRESENTAÇÃO, 32 fiscal, 95

REQUISITO TEMPORAL pena, 187

RESPONSABILIDADE CRIMINAL, 33 objetividade jurídica, 33 sujeito ativo, 34 sujeito passivo, 34

RETROATIVIDADEda lei mais benigna, 91

REUNIÃOatentado ao direito, 43

SAÍDA DE ESTABELECIMENTO PENAL autoridade que a concede, 199 autorização, 199 características da permissão, 199

SAÍDA TEMPORÁRIA causas de revogação, 200 de estabelecimento penal, 199- autoridade competente, 200- características, 200- requisitos especiais, 199

SANÇÃOconversão, 210 penal, 55penal para as condutas previstas no art. I a

da Lei ns 8.137/90,114,115

penal para as condutas previstas no art. 2- da Lei na 8.137/90,124

SENTENÇA 156 SENTENCIADO

aceitação das condições especiais fixadas pelo juiz, 189

aceitação do programa e das condições impostas pelo juiz, 189

contrato de trabalho, 202 desintemação ou liberação, 216 direito à assistência à saúde, 170 direito à assistência jurídica, 170 direito à assistência religiosa, 170 direito à educação, 170 direitos, 170permissão de saída de estabelecimento pe­

nal, 197 trabalho externo, 202 trabalho interno, 201

SERVIÇOS À COMUNIDADE, 225 SISTEMA PROGRESSIVO, 173 SISTEMA RECURSAL, 308 SONEGAÇÃO FISCAL, 89

conceito, 97concurso de agentes, 101 concurso de delitos, 104 condutas, 102consumação e tentativa, 103 desistência voluntária, 103 e conflito aparente de normas, 104 elemento subjetivo do tipo, 104 objetividade jurídica, 102 possibilidade de erro de tipo, 99 sujeito ativo, 100 sujeito passivo, 102

SURSISimpossibilidade de concessão, 76

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, 324

TERRORISMO, 65, 84 TORTURA, 66, 84 TRABALHO EXTERNO

do sentenciado, 202 TRÁFICO DE ENTORPECENTE, 84

bando ou quadrilha, 145

Page 376: Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio - Legislação Penal Especial - 9º Edição - Ano 2006

382 LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

crime hediondo, 65

e drogas afins: bando ou quadrilha, 86

flagrante preparado e esperado, 139

incentivo e difusão, 144

TRANSAÇÃO PENAL- entre o ministério público e o indiciado,

160TRANSPORTE DE ENTORPECENTE

art. 12 da Lei n9 6.368/76,133

figuras equiparadas, 140

TRIBUTOcrime contra a ordem, 97

deixar de recolher -conduta, 116- consumação e tentativa, 117- elemento subjetivo, 116extinção da punibilidade pelo pagamento,

90

UNIFICAÇÃO DE PENAS, 196 critério, 182

VEÍCULO AUTOMOTOR

definição, 228

VENDA DE ENTORPECENTE art. 12 da Lei ns 6.368/76,133 figuras equiparadas, 140

VEXAMEsubmeter pessoa sob sua guarda ou custó­

dia, 51 VIA PÚBLICA

conceito, 239 VIGILÂNCIA SANITÁRIA

Portaria nB 344, de 12-5-1998,136 VIOLAÇÃO DA SUSPENSÃO OU PROIBIÇÃO

PARA DIRIGIR ação penal, 243 conduta típica, 243 consumação, 243 elemento subjetivo do tipo, 243 objetividade jurídica, 242 rito processual, 243 sujeito ativo, 242 sujeito passivo, 242

VIOLAÇÃO DE SIGILO DE DOCUMENTOS, 151

VÍTIMA EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO, 339

VOTOatentado aos direitos e garantias legais, 42

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Série FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Uma seleção de obras atualizadas, práticas e de conteúdo completo para atender a interesses de estudantes, candidatos de concursos jurídicos e profissionais de Direito. Elaborados por autores de reconhecida experiência profissional e didática, os textos versam sobre os temas fundamentais de todas as áreas do Direito. Os outros livros da série são:

DIREITO CIVIL: Contratos (Rogério Marrone de Castro Sampaio)DIREITO CIVIL: Obrigações (João Baptista de Mello e Souza Neto/Alexandre Laizo Clápis) DIREITO CIVIL: Parte Geral (João Baptista de Mello e Souza Neto)DIREITO CIVIL: Responsabilidade Civil (Rogério Marrone de Castro Sampaio)DIREITO CIVIL: Sucessões (Guilherme Calmon Nogueira da Gama)DIREITO CONSTITUCIONAL: Questões de Concursos (Alexandre de Moraes)DIREITO DAS COISAS (Rogério Marrone de Castro Sampaio/João Baptista de Mello e Souza) DIREITO PENAL: Parte Especial (Gianpaolo Poggio Smanio)DIREITO PENAL: Parte Geral (Osvaldo Palotti Junior)DIREITO TRIBUTÁRIO: Parte Geral (Wanderley José Federighi)

FUNDAMENTOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO (Waldo Fazzio Júnior) FUNDAMENTOS DE DIREITO COMERCIAL (Waldo Fazzio Júnior)FUNDAMENTOS DE DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL (Sergio Pinto Martins) FUNDAMENTOS DE DIREITO DO TRABALHO (Sergio Pinto Martins) FUNDAMENTOS DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO (Sergio Pinto Martins)

PROCESSO CIVIL: Recursos (Gilson DelgadoMiranda/Patrícia Miranda Pizzol)

PROCESSO PENAL (Gianpaolo Poggio Smanio)QUESTÕES COMENTADAS DE DIREITO ADMINISTRATIVO (José Anastácio de Sousa Aguiar/

QUESTÕES COMENTADAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL (José Anastácio de Sousa Aguiar/

QUESTÕES COMENTADAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL: Exame da OAB(Adolfo Mamoru Nishiyama)QUESTÕES COMENTADAS DE PROCESSO CIVIL: Exame da OAB(Adolfo Mamoru Nishiyama)REFORMA ADMINISTRATIVA: Emenda Constitucional n919/98 (Alexandre de Moraes)

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■ f ISBN 85-224-4339-4

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