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Diário de campo - Giovanna Romera Rossi - 1B
Com a correria do dia a dia, muitas vezes não paramos para pensar
sobre a região onde vivemos. “Como surgiu? Quem morava aqui? Como
viviam? Como se sentiam?”, são perguntas que não fazemos com frequência.
Porém, durante a viagem para o Vale do Paraíba nos dias 28/4 ao 30/4, os
alunos do 1º e 2º ano do Ensino Médio tiveram a oportunidade de conhecer um
pouco sobre a história dessa região que parece perdida no tempo.
O Vale do Paraíba é uma região localizada no Estado de São Paulo que
teve seus primeiros núcleos urbanos decorrente da grande quantidade de
tropeiros que passavam pela região, já que iam de regiões mineradoras à
portos de escoamento, sendo necessário a passagem pelo Vale. Pode-se dizer
que a ocupação de fato se deu com a produção de açúcar (que pedia fazendas
com trabalho escravo) e sua expansão, levando ao surgimento e crescimento
de centros urbanos. No início do século XIX, a produção de café se popularizou
e tornou-se uma das principais atividades econômicas do Vale do Paraíba. A
produção de café pode até ter entrando em declínio em 1870, porém, algumas
de suas fazendas, preservadas e presentes no Vale do Paraíba, fazem-nos
“viajar no tempo” e entender um pouco mais sobre aquele período
escravocrata.
No primeiro dia de viagem, foi visitada a fazenda Pau D’Alho. O que
mais surpreendeu na fazenda foi o fato de como ela conseguiu aguentar todos
esses anos. Seu desuso trouxe marcas de desgaste, mas não tirou sua
imponência. Cada parte havia uma função: desde os morros de cultivo, a
produção, o armazenamento, os cômodos do Barão, até as Senzalas que eram
construídas em um local alto com o objetivo de facilitar a vigilância pelo Barão
(evitando possíveis fugas). A percepção que se tinha sobre os escravos mudou
completamente depois da visita: o que a maioria de nós, alunos, julgávamos
ser a verdade absoluta vista nos filmes, ou seja, a ideia do escravo viver em
condições absurdas e ser chicoteado com grande frequência, foi quebrada,
fazendo com que nos déssemos conta de que fazer os escravos viverem em
péssimas condições só traria prejuízos; os chicotes eram raros, mais para
assustar.
(Fazenda Pau D’Alho. Foto tirada da senzala com vista para os antigos morros de
cultivo, casa do barão, armazenamento, etc)
Nessa fazenda, aprendemos um pouco sobre a geografia do lugar,
observando os chamados Mares de Morros, no formato de “meias laranjas”,
onde o café era cultivado.
Ainda neste dia, o almoço foi realizado no restaurante Rancho, em que o
proprietário nos contou um pouco sobre a história da região e o estilo do
restaurante em homenagem aos tropeiros. Quando o fluxo de tropeiros
diminuiu (por conta da construção da Dutra), o movimento na cidade diminuiu
também, deixando a cidade desértica e servindo de inspiração para o conto
“Cidades Mortas” escrito por Monteiro Lobato, que já morou na região. Hoje em
dia, a cidade não possui oportunidades de estudo e de emprego, levando
muitos jovens a deixar a cidade, fazendo com que o número de habitantes
diminua. O turismo é uma atividade econômica muito importante para a cidade.
(local perto do restaurante)
(uma parede do Rancho com
decorações)
No dia seguinte, visitamos a fazenda Resgate que, na época do café,
chegou a ter 600 escravos. Ao contrário da Pau D’Alho, a Resgate possui
moradores que a utilizam como uma “casa de campo” e museu. Por causa
disso, a fazenda é toda conservada, muitas vezes sendo retocada, de forma
que suas pinturas e móveis não se percam no tempo. O seu interior é
suntuoso. As alcovas externas abrigavam visitantes e eram separadas das
externas, destinadas aos proprietários, com o objetivo de evitar encontros entre
viajantes e donzelas. A entrada da mansão possui pinturas do Vilaronga que
ajudavam a parecer que a casa possuía objetos suntuosos, enquanto que, na
verdade, eram apenas pinturas. Há várias pinturas que demonstram uma
influência oriental. Depois dessa visita, ficaram nítidas algumas diferenças
entre as fazendas: enquanto a primeira possuía senzala externa, a segunda
possuía senzala interna. A primeira não possui qualquer tentativa de manter os
ideais de como era antigamente, ela apenas está lá, sujeita ao tempo,
enquanto que a outra tem suas pinturas e móveis retocados, de modo a ficar o
mais parecido possível com o que era antigamente.
(fazenda Resgate, frente da mansão)
A grande área externa da fazenda nos permitiu observar mais a parte
natural. Os morros possuíam uma espécie de degrau por conta da pastagem e
soubemos que os Mares de Morros não tem aquela forma naturalmente: ela se
formou decorrente da erosão, por conta da grande alternância de climas. O
grande histórico da produção de café tornou o solo pobre, fazendo com que
atualmente esteja-se reflorestando o lugar.
No período da tarde, fomos à cidade de Bananal, onde discutimos sobre
um produtor de café chamado Valín, que não chegou a ser barão oficialmente,
porém ficou muito famoso também por conta das festas incríveis que dava na
parte de cima de uma construção na cidade de Bananal.
(construção onde Valín dava suas festas na parte de cima e a parte de baixo tinha
função comercial)
Essa cidade, que traz aquela sensação de calmaria e paz para qualquer
um que visitá-la, fica no meio da passagem de Minas Gerais para Paraty,
fazendo com que antigamente possuísse um grande número de viajantes.
Alguns comércios começaram a surgir e hoje se tornou essa pequena cidade,
que possui igrejas ligadas aos negros, em uma mistura de religião escrava e
catolicismo. Depois de fazermos entrevistas com alguns moradores da região,
descobrimos mais sobre a cidade. Foi feita uma entrevista com três pessoas:
um que apenas trabalha em Bananal, uma moradora adulta e uma moradora
jovem. Foi muito interessante perceber que todos disseram basicamente as
mesmas coisas: a cidade é calma, todo mundo da cidade se conhece, a
criminalidade é pouca... Porém as condições de estudo e trabalho são baixos
(fazendo com que muitos jovens estudem fora de Bananal), a acessibilidade é
ruim e chega a ter vários jovens que “caem” nas drogas por falta de
entretenimento, que antigamente tinha maior presença.
(praça da cidade de Bananal)
No período da noite, tivemos o privilégio de receber um grupo praticante
de Jongo, uma manifestação cultural trazida por negros ao Brasil. Os escravos,
na época do café, depois de um longo dia de trabalho, dançavam o Jongo, que
além de trazer divertimento, era uma linguagem cifrada, uma conversa, que
abordava também aspectos religiosos. A dança deve ser realizada entre um
casal, que não pode se tocar. Depois de dançarmos, criou-se um clima
caloroso e divertido, nos fazendo imaginar a cena dos escravos praticando o
Jongo naquela época. O mais legal, foi o fato do grupo ter deixado bem claro
que, quando se trata de Jongo, não importa a sua cor, seu estilo... O que
importa é dançar.
No último dia, fomos até a indústria Maxion que produz rodas e chassis
e chega a exportar para o mundo inteiro. Durante a visita, percebemos que
parecia não haver diferença entre as máquinas e os trabalhadores, que faziam
um trabalho monótono, simples. Foi passada a imagem de que a empresa,
diferente das outras, faziam trabalhos sociais e ambientais incríveis, porém
descobrimos que tudo não se passava de obrigação (de acordo com a
legislação brasileira), trazendo certo desapontamento. “Até onde o que a
fábrica faz de bom repõe os impactos ambientais que causa? Até onde aquelas
muitas (muitas mesmo) pessoas percebem que estão trabalhando em um local
que só pensa em lucro?” Foram algumas perguntas que pairaram na nossa
discussão.
Finalizando, foram incríveis as experiências que passamos na viajem
para o Vale do Paraíba. Saímos do ambiente “sala de aula” e tivemos a
oportunidade de tocar, sentir e ver. Quebramos paradigmas e aprendemos
mais sobre o passado escravocrata e cafeeiro do Vale do Paraíba.
Percebemos que uma região tão rica antigamente por conta do café, hoje é rica
em história.