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DISCRIMINAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO: CONSCIÊNCIA E AÇÕES DE RESISTÊNCIA 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Em que pese o direito à igualdade ser consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e nossa Constituição, o fato é que, na realidade concreta das pessoas, de forma ostensiva ou velada, ocorrem inúmeros casos de discriminação no mercado de trabalho, tratando-se de um problema real e presente, que merece ser avaliado e combatido. Em um primeiro momento, é necessário conhecer o problema, nas suas mais diversas modalidades, para, num segundo momento, conceber ações práticas voltadas ao combate da discriminação laboral. Com esse objetivo, serão abordados, o direito à igualdade, o princípio da isonomia e o princípio da proporcionalidade, algumas modalidades de discriminação no mercado de trabalho, a discriminação positiva (ou ações afirmativas), as ações de resistência contra a discriminação no mercado de trabalho e, por fim, o papel da jurisdição nessas ações de resistência. 2 O DIREITO À IGUALDADE Colhendo as lições de Bobbio e Alexy, os direitos dos homens podem ser enquadrados por gerações ou dimensões. Assim, os direitos de liberdade, proclamados pelas primeiras declarações de direitos, são considerados de

Discriminação No Mercado de Trabalho

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Texto que aborda discriminação de gênero sofrida por mulheres no mercado de trbalho

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DISCRIMINAO NO MERCADO DE TRABALHO: CONSCINCIA E AES DE RESISTNCIA

1 CONSIDERAES INICIAISEm que pese o direito igualdade ser consagrado na Declarao Universal dos Direitos do Homem e nossa Constituio, o fato que, na realidade concreta das pessoas, de forma ostensiva ou velada, ocorrem inmeros casos de discriminao no mercado de trabalho, tratando-se de um problema real e presente, que merece ser avaliado e combatido.Em um primeiro momento, necessrio conhecer o problema, nas suas mais diversas modalidades, para, num segundo momento, conceber aes prticas voltadas ao combate da discriminao laboral.Com esse objetivo, sero abordados, o direito igualdade, o princpio da isonomia e o princpio da proporcionalidade, algumas modalidades de discriminao no mercado de trabalho, a discriminao positiva (ou aes afirmativas), as aes de resistncia contra a discriminao no mercado de trabalho e, por fim, o papel da jurisdio nessas aes de resistncia.

2 O DIREITO IGUALDADEColhendo as lies de Bobbio e Alexy, os direitos dos homens podem ser enquadrados por geraes ou dimenses.Assim, os direitos de liberdade, proclamados pelas primeiras declaraes de direitos, so considerados de primeira gerao (dimenso) visto que afirmavam a liberdade do homem frente ao Estado. Dessa forma, o ente estatal deve se abster de lesar o homem, por ser ele um ser racional e livre e, por isso mesmo, digno de respeito. Da surgiram os instrumentos constitucionais do habeas corpus e do mandado de segurana, justamente para garantir o direito de ir e vir e o direito legalidade.Os direitos sociais, por seu turno, surgem como resposta dos trabalhadores opresso dos detentores do capital, desenvolvendo-se timidamente durante o sculo XIX e ganhando fora no sculo XX, principalmente aps as duas grandes guerras mundiais, com o Welfare State (Estado do Bem-Estar), implicando uma maior interveno do Estado nas relaes privadas, com a promoo de meios e recursos pblicos para melhorar a distribuio de renda e o acesso das pessoas menos favorecidas aos direitos essenciais, como sade,previdncia, trabalho e moradia.Como se pode perceber, enquanto nos direitos de primeira gerao (dimenso) deseja-se um Estado no intervencionista, nos direitos de segunda gerao (dimenso) almeja-se o contrrio, ou seja, quer-se um Estado presente, participativo e pr-ativo, justamente para prestar os meios necessrios para que todos os homens, sem distino, alcancem os bens essenciais do mundo da vida.Na atualidade, o problema que se vislumbra uma forte presso interna e externa por um modelo que privilegia mais o direito de liberdade do que o direito igualdade, fator que gera e acentua as desigualdades e, por decorrncia, fomenta o problema da discriminao, nomeadamente, no mercado de trabalho.De fato, o neoliberalismo econmico, que fundamenta a globalizao da economia e a flexibilizao dos direitos trabalhistas, empobrece e desagrega aclasse trabalhadora, acentuando discriminaes; basta ver os contrastes entretrabalho formal x trabalho informal, trabalhador com experincia x trabalhador sem experincia, trabalhador jovem x trabalhador envelhescente ou idoso, trabalhador homem x trabalhadora mulher, trabalhador normal x trabalhador portador de necessidades especiais.

Nessa linha, constata-se que o direito de igualdade no tem merecido tantos discursos como a liberdade. As discusses, os debates doutrinrios e at as lutas em torno desta terminaram com aquela. que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. No admite os privilgios e distines que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso que a burguesia, cnscia de seu privilgio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. que um regime de igualdade contraria seus interesses e d liberdade sentido material que no se harmoniza com o domnio de classe em que assenta a democracia liberal burguesa. Nada obstante, esse modelo liberal individualista no corresponde cultura e aos anseios da generalidade do povo brasileiro (Constituio real) e, muito menos, ao que preceitua a nossa Constituio (formal).De fato, a diversidade e a pluralidade so as marcas da gente brasileira. A multiplicidade convive com a unidade cultural. A par disso, a solidariedade ponto marcante do nosso povo; basta ver os inmeros exemplos dos telejornais, como as campanhas de agasalho, o natal dos carentes, o fome zero e as aes globais de cidadania.Toda essa realidade est espelhada na Constituio. De fato, o inciso I do art. 3 da Carta Magna consagra o princpio da solidariedade, aduzindo que um dos objetivos fundamentais da Repblica brasileira construir uma sociedade livre, justa e solidria.J o princpio da igualdade, propriamente, est estampado em inmeros artigos constitucionais, cabendo citar o art. 5, segundo o qual Todos so iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no pas ainviolabilidade do direito igualdade.Nesse dispositivo est consagrada a igualdade formal, ou seja, a igualdade do homem perante a lei. J a igualdade material, que exige polticas pblicas e aes sociais para ser concretizada, est estampada em outros dispositivos, cabendo citar o art. 7 da CF, o qual estabelece: a) no inciso XXX proibio de diferena de salrios, de exerccio de funes e de critrios de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, b) no inciso XXXI proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia e, c) no inciso XXXII proibio de distinoentre trabalho manual, tcnico ou intelectual ou entre os profissionais respectivos.Do exposto, o que a Constituio real e formal deseja uma sociedade solidria e igualitria, o que implica a permanente tarefa de tratar igual os iguais e desigualmente os desiguais, proporcionando para estes ltimos meios materiais e jurdicos necessrios para compensar a desvantagem de que padecem.Somente assim os grupos excludos ou menos favorecidos podero ter o seu local ao sol, recebendo tratamento digno e respeitoso, participando de uma sociedade efetivamente livre, justa e solidria.

3 PRINCPIO DA ISONOMIA E O PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADEO princpio da proporcionalidade est intimamente ligado ao da igualdade, numa relao de mtua interferncia. De fato, como bem salienta Lus RobertoBarroso (1999, p. 230), a importao e a sistematizao do princpio da razoabilidade-proporcionalidade no direito brasileiro projetaram novas luzes sobre o tratamento doutrinrio do princpio da isonomia.O princpio da igualdade pode ser visto de dois ngulos: a igualdade na lei, que tem a ver com a tarefa jurdico-poltica do legislador na elaborao da norma, e a igualdade perante a lei, que constitui imperativo a ser observado pelo aplicador do direito. Em outras palavras, tanto na elaborao como na aplicao da lei, h de ser observado o princpio da isonomia do tratamento.No mundo jurdico, constitui-se senso comum que o princpio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Todavia, o grande problema que reside nesse princpio justamente o de conhecer os que so iguais e os que so desiguais, bem como at que ponto se estendem a igualdade e a desigualdade entre as partes numa dada relao concreta.A dificuldade dessa tarefa muito bem traduzida por Celso Antonio Bandeirade Mello (1999, p. 42):Parece bem observar que no h duas situaes to iguais que no possam ser distinguidas, assim como no h duas situaes to distintas que no possuam algum denominador comum em funo de que se possa parific-las. justamente nesse ponto que assume importncia o princpio da proporcionalidade, em razo de, pela sua operacionalizao, permitir visualizarcom mais preciso e controle at que ponto as partes so iguais ou desiguais, oferecendo ao intrprete e ao aplicador parmetros mais seguros para nivelar, com justia, a eventual desproporo das mesmas em face do caso concreto, harmonizando os seus interesses.De fato, o princpio da proporcionalidade constitui um valioso meio de interpretao e aplicao do direito, justamente porque permite solucionar conflitos intersubjetivos sem restringir, ou restringindo minimamente o direito deambos, atravs de medida jurdica amparada na Constituio, uma vez que construda e fundamentada sob o plio dos subprincpios da adequao, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, preservando a unidadedo sistema jurdico-poltico.Nessa linha, Suzana de Toledo Barros (1996, p. 187-188) leciona:Essa relao to ntima entre a igualdade e a proporcionalidade levou vrios autores a tentar unificar ambas as ideias sob um denominador comum. No estranho, em face disso, que alguns tenham sustentado em alguma ocasio que o princpio da igualdade consagra o princpio da proporcionalidade, o que no deixa de serverdadeiro, quando se toma em considerao a necessidade de invoc-la comocritrio para a aferio da legitimidade da diferenciao de tratamentos a pessoasat ento tidas em idntica posio.Por seu turno, Celso Antonio Bandeira de Mello (1999, p. 37) registra queo ponto nodular para exame da correo de uma regra em face do princpio isonmicoreside na existncia ou no de correlao lgica entre o fator erigido como critriode discrmen e a discriminao legal decidida em funo dele.235Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008Disso se extrai que o princpio da igualdade, para atingir a sua eficciaplena, vale-se do princpio da proporcionalidade, como elemento que permitebalizar, de forma racional e concreta, se uma dada diferenciao de tratamentoentre duas ou mais pessoas adequada, necessria e proporcional, conferindolegitimidade e justia ao fator de discrmen utilizado pelo legislador ou peloaplicador da norma.4 ALGUMAS MODALIDADES DE DISCRIMINAO NO MERCADO DETRABALHOO simples fato de o Direito proibir a discriminao (no sentido negativo dapalavra) evidencia que a mesma existe, de diversas formas, devendo, por issomesmo, ser combatida.De fato, o inciso XXX do art. 7 da CF probe diferena de salrio, de exercciode funes e de critrio de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estadocivil.Por seu turno, o inciso XXXI do art. 7 da CF probe qualquer discriminaono tocante a salrios e critrios de admisso do trabalhador portador dedeficincia.Dos dispositivos constitucionais supra, extraem-se cinco tipos dediscriminao no permitidos.A primeira delas diz respeito ao sexo. A rigor, no pode haver discriminaoentre o trabalho masculino e o feminino. Todavia, no isso que se observa naprtica. A mulher ostensiva ou veladamente discriminada no mercado de trabalho,sendo dificultados o acesso e a permanncia no emprego, quer pelas restriesno critrio de admisso, v.g., ante a possvel maternidade, quer na permannciano emprego, pelo salrio inferior que recebe, se comparado ao salrio do homem.A segunda forma de discriminao prende-se ao critrio da idade.De fato, os jovens so discriminados no mercado de trabalho, via de regra,por no possurem experincia profissional.3Por seu turno, os envelhescentes, assim considerados os trabalhadorescom quarenta anos ou mais de idade, so discriminados por vrios motivos: a)pelo fato de serem considerados experientes e crticos, o que abala o poder decomando do empregador, b) por possurem patamar salarial mais significativo,podendo ser substitudos por trabalhador jovem que, em tese, presta o mesmoservio por menor salrio, c) por ser considerados pouco flexveis, d) por noabsorverem as novas tecnologias.A terceira forma de discriminao diz respeito cor/raa.

Aqui, a discriminao remonta poca do colonialismo, onde o negro e ondio, trabalhadores escravos, no tinham nenhum direito. A abolio daescravatura, a formao da Repblica, a evoluo do Estado Social, nada dissoteve o condo de apagar, definitivamente, a discriminao pelo critrio da cor, aqual ainda hoje se manifesta, de forma intensa.Em razo dessa discriminao histrica, os negros e os ndios ficarampresos aos estratos menos favorecidos da populao, no tendo acesso educao, sade, saneamento bsico e ao emprego formal, fator que os impedede se emancipar e de alcanar posies mais vantajosas no mercado de trabalho.Ainda, a Constituio enumera o estado civil como fator discriminante.Sob esse prisma, os solteiros teriam acesso mais facilitado ao mercado detrabalho, por no necessitarem, pensa-se, a priori, de benefcios sociaisgarantidos na lei, v.g., licena-maternidade, licena-paternidade, salrio-famlia,auxlio-creche, etc.Por fim, a quinta forma de discriminao apontada na Constituio dizrespeito aos portadores de necessidades especiais.A prpria Constituio parece no adotar a melhor terminologia, visto quea expresso portadores de deficincia j um fator discriminante.Isso parte, o fato que as pessoas portadoras de necessidadesespeciais, por necessitarem, s vezes, de adaptaes nos meios de produo,so discriminadas no mercado de trabalho, o qual pugna pela contratao depessoas que, teoricamente, sejam mais versteis e no impliquem maiorescustos para a empresa.Todas essas formas de discriminaes devem ser combatidas, por serum desejo social contemplado na Constituio, que pugna por uma sociedadejusta e solidria.Nessa linha, abordar-se-, adiante, a chamada discriminao positiva,que tem por intuito justamente corrigir ou minimizar ditas discriminaes e, porfim, algumas aes de resistncia a esse modelo nefasto.5 DISCRIMINAO POSITIVA (OU AES AFIRMATIVAS)A doutrina conhece duas formas de discriminao: a) a negativa, que dizrespeito discriminao ilcita, proibida em lei, v.g., por motivo de sexo, idade, cor,estado civil ou estado fsico/psquico; b) a positiva, que considerada lcita, e tempor escopo criar uma desigualdade, via de regra temporria, visando a igualar,juridicamente, pessoas que, materialmente, so desiguais. Essa desigualdadecriada pode ser uma ao de incluso ou um tratamento compensatrio.Segundo o glossrio do Ministrio do Trabalho e Emprego4, ao afirmativa uma estratgia de poltica social ou institucional voltada a alcanar a igualdadede oportunidades entre as pessoas, distinguindo e beneficiando grupos afetadospor mecanismos discriminatrios como aes empreendidas em um tempodeterminado, com o objetivo de mudar positivamente a situao de desvantagemdesses grupos.4 Vide site www.mte.gov.br, acesso em 12.02.2008.237Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008De acordo com lvaro Ricardo de Souza Cruz (2003, p. 185):As aes afirmativas podem ser entendidas como medidas pblicas e privadas,coercitivas ou voluntrias, implementadas na promoo/integrao de indivduos egrupos sociais tradicionalmente discriminados em funo de sua origem, raa, sexo,opo sexual, idade, religio, patogenia fsica/psicolgica, etc.Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 381):No h necessidade de lei que as fundamente. Podem ser previstas por um programade governo ou, mesmo sem este, por uma ao social. Desse modo, muitas vezes,quando no previstas em sua norma legal cominatria, carecem de exigibilidadejurdica e, no obstante, podem ter um grande efeito social. Mais que isso, podemcontribuir para a criao ou ampliao de uma cultura de solidariedade ou deresponsabilidade social. O trabalho voluntrio uma das suas alavancas, porm,por outros meios, tambm, podem concretizar-se. Uma empresa pode desenvolveraes afirmativas internas por sua iniciativa para implementar uma cultura propciade combate discriminao em suas diversas formas.Como bem assenta Cruz (2003, p. 185-186), as aes afirmativas soatos de discriminao lcitos e necessrios para o aperfeioamento da sociedade.No so esmolas ou clientelismos, mas elemento essencial conformaodo Estado Democrtico de Direito, sendo exigncia em Estados desenvolvidos,como os EUA, e em desenvolvimento, como o Brasil.H quem conteste a necessidade de aes afirmativas em Estados Sociaisde Direito, como Brasil, j que, por professar o princpio da solidariedade, aincluso das minorias seria um corolrio lgico.De fato, em pases liberais, como os EUA, o individualismo e a competioexacerbam as diferenas sociais, o que obriga o Estado a tomar aesafirmativas, para no deixar padecer as minorias, como o caso dos negros,latinos, moradores de rua, etc.Nos pases que prometem polticas sociais, como o caso do Brasil, emtese, no seria necessria a figura da ao afirmativa, visto que a incluso deminorias, a proibio de discriminao e a solidariedade social j seriam conesjurdicos integradores.Todavia, na realidade prtica, as discriminaes no mercado de trabalho,como j visto, so presentes e correntes, o que exige aes afirmativas (oudiscriminaes positivas), muito embora o sistema jurdico-poltico j tivesseferramental suficiente para no serem necessrias tais aes.6 AES DE RESISTNCIA CONTRA A DISCRIMINAO NO MERCADO DETRABALHOSexoNo que tange proteo do mercado de trabalho da mulher, o Estadoomitiu-se de regulamentar o disposto no inciso XX do artigo 7 da238Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008Constituio5 e essa inao reproduz uma odiosa discriminao em face damulher, tanto no que se refere igualdade de acesso ao emprego quanto igualdade de direitos no contrato de trabalho. Essa realidade tem razes histricasmais remotas do que a flexibilizao em si, j que provm do modelo patriarcal epatrimonialista do sistema jurdico-poltico brasileiro, que sempre relegou amulher a um segundo plano, considerando-a, at pouco tempo, relativamentecapaz, alijando-a do mercado de trabalho, reservando a ela, to-somente, osafazeres domsticos. Como bem salienta Gomes (2003, p. 58):Somente na dcada de 1960, com a promulgao de Lei n. 4.121, de 27 de agosto de1962 - conhecida como Estatuto da Mulher Casada - foram extirpadas do CdigoCivil algumas das normas mais aberrantes no tocante condio de esposas, me,e sobretudo de cidad, como a incapacidade relativa. A mulher conquista finalmenteo direito a trabalhar sem necessitar da autorizao marital e o direito de ficar com aguarda dos filhos. , entretanto, mantida a preponderncia do marido como cabeado casal, ressalvando que tal autoridade deve ser exercida em benefcio da famlia.Todavia, os tempos mudaram, o sistema jurdico-poltico declarou a igualdadede direitos entre homens e mulheres6 e a Constituio prometeu, para efetivar taldireito, proteger o mercado de trabalho da mulher, conforme foi visto anteriormente.Nada obstante, passados mais de dezoito anos da entrada em vigor daConstituio, tendo esta adquirido a sua maior idade, o Estado, infelizmente,no regulamentou o preceito constitucional. A mulher permaneceu nessasociedade moderna, global, flexvel e neoliberal sendo sistematicamentediscriminada e desrespeitada em seus direitos sociais fundamentais mnimos.Nessa esteira, Gomes (2003, p. 70) registra:A ttulo de inovao, a Constituio define como direito a proteo do mercado detrabalho da mulher, mediante incentivos especficos nos termos da lei. Por tratar-sede norma programtica, carece at hoje de regulamentao, pois, por enquanto,nenhum dos projetos existentes no Congresso nesse sentido logrou xito.Diante desse quadro, urge que o Estado regulamente a Constituio eimplemente polticas pblicas que afirmem a dignidade da mulher trabalhadora, criandonovos postos de trabalho para ela, protegendo-a no acesso ao mercado de trabalho ena permanncia no emprego, igualando-a, material e efetivamente, ao homemtrabalhador, porque esse o desejo da sociedade, estampado na Constituio.5 Artigo 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: ... (omissis); XX - proteo do mercado de trabalho damulher, mediante incentivos especficos, nos termos da lei;6 O inciso I do artigo 5 da CF assim dispe:Artigo 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade dodireito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:I - homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos seguintes:239Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008Assim agindo, o Estado estar reparando uma injustia histrica e estarresistindo aos efeitos nocivos da flexibilizao que tambm estende os seustentculos nesse segmento, discriminando a mulher ante a sua condio devulnerabilidade, para reduzir salrios e precarizar direitos.Em que pese no se tratar de tpico incentivo voltado ao aumento depostos de trabalho para a mulher, o Estado baixou leis protegendo seu acesso epermanncia no emprego, tipificando o assdio sexual como crime7 e proibindodiscriminao no que diz respeito aos critrios para admisso no emprego.Outra medida, digna de nota, a criao da Secretaria Especial de PolticasPblicas para as Mulheres - SPM9, Secretaria essa que vinculada Presidnciada Repblica, e que tem por objetivo, como o prprio nome indica, promoveraes afirmativas em prol da mulher, para minimizar os efeitos da discriminaoque sofre.Todavia, tais medidas so tmidas e paliativas, cumprindo ao Estado sermais efetivo e ousado na implementao de aes afirmativas da dignidade dapessoa humana, voltadas proteo efetiva do mercado de trabalho da mulher,at porque est legitimado constitucionalmente para tanto.

IdadeNo que tange chamada discriminao etria, vimos o caso dostrabalhadores jovens, os quais, por no possurem experincia profissional, sodiscriminados.Tanto isso verdade que o Poder Pblico, visando minimizar a questo,criou a Lei do Primeiro Emprego10, estabelecendo incentivos para que empresascontratem jovens sem experincia, incluindo-os no mercado formal de trabalho.Para tanto, o governo repassa subveno pblica a empresas cadastradas,incentivando-as a contratar jovens sem experincia.

A par disso, vale meno o j citado art. 442-A da CLT, o qual estabelece aproibio de exigncia de prazo de experincia superior a seis meses no mesmotipo de atividade, para facilitar o ingresso do jovem no mercado de trabalho.No tocante aos trabalhadores envelhescentes, os mesmos so atingidospelos efeitos da flexibilizao, impostos pelo avano tecnolgico e pelaglobalizao da economia.Assim, ditos empregados so considerados velhos e precocementedespedidos, sob o argumento de que possuem altos salrios e no sosuficientemente flexveis para assimilar as novas tecnologias.A tragdia que a Constituio (art. 7, inciso XXVII) prometeu proteger otrabalho humano dos efeitos da automao. Todavia, at hoje, nenhuma leicomplementar foi editada nesse sentido.Dessa forma, urge que o Estado regulamente o preceito constitucionalque determina a proteo do trabalho humano, criando, v.g., cotas de empregoou salvaguarda de direitos trabalhistas e sociais que coloquem a salvo a dignidadeda pessoa humana do trabalhador, garantindo os meios para lhe assegurar aprpria subsistncia e de sua famlia.Tal no implica obstar ou impedir o avano tecnolgico, at porqueisso seria impossvel diante do poder criativo que marca a condio humana.11Todavia, cumpre proteger o ser humano da tecnologia que ele mesmo criou.A necessidade de tal proteo, para alm do que prev a Constituio, reconhecida at mesmo pela fico cientfica, sintetizada nas trs leis da robticade Isaac Asimov12, como bem lembra Paulo Dourado de Gusmo (1996, p. 388).Assim, h que se editar leis e implantar polticas pblicas que afirmem adignidade da pessoa humana do trabalhador, colocando a tecnologia a serviodo homem e no o contrrio, preservando os empregos e proporcionandoadaptaes e treinamentos aos trabalhadores para que esses, gradativamente,possam dominar as novas tecnologias e, diante da experincia acumulada,sugerir novas possibilidades e melhorias no desenvolvimento do trabalho e doprocesso produtivo em benefcio da prpria empresa. Trata-se de uma espiralpositiva e ascendente, calcada na valorizao do trabalho humano, secundado epotencializado pelas novas tecnologias, como de resto determinam o artigo 1,III, e artigo 170, ambos da Constituio.11 Nas palavras de Comparato (2006, p. 435):Enfatiza-se, porm, que a mundializao humanista no significa, de forma alguma,desprezo pelo saber tecnolgico, ou o no-reconhecimento do seu papel insubstituvel noprocesso evolutivo da espcie humana. Tcnica e tica complementam-se,necessariamente, para impulsionar os povos e as civilizaes a se unirem. A tecnologia,divorciada da tica, conduz inevitvel fratura da humanidade. A tica, ignorante dosaber tecnolgico, ineficiente e vazia.12 Segundo Asimov (1999, p. 9), as trs leis da robtica so as seguintes: 1. Um rob nopode prejudicar um ser humano ou, por omisso, permitir que o ser humano sofra dano;2. Um rob tem de obedecer s ordens recebidas dos seres humanos, a menos quecontradigam a Primeira Lei; 3. Um rob tem de proteger sua prpria existncia, desde queessa proteo no entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.242Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008Tais polticas pblicas so possveis e nada mais so do que a prticadaquilo que a prpria Constituio promete: proteger e promover a dignidade dapessoa humana. Nessa linha, Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 111) observa:[...] o princpio da dignidade da pessoa humana no apenas impe um dever deabsteno (respeito), mas tambm condutas positivas tendentes a efetivar e protegera dignidade dos indivduos.Prova de que tais polticas so possveis a edio do recente Estatuto doIdoso, que manda o Poder Pblico criar e estimular programas de incluso detrabalhadores idosos no mercado de trabalho, observadas as suas realidadesespecficas.13Dignas de nota, tambm, so algumas aes do Poder Pblico visandoreparar contrataes discriminatrias que afastam os trabalhadoresenvelhescentes do mercado de trabalho14, contudo, ainda insuficientes. necessrio, pois, estender polticas semelhantes a todos os trabalhadores que,direta ou indiretamente, por fora da automao, ficaram desempregados outiveram os seus contratos de trabalho precarizados.13 Vide Lei n. 10.741 de 1/10/2003, que institui o Estatuto do Idoso. Eis os artigos doreferido Estatuto que versam sobre proteo do trabalho e polticas pblicas de incluso:Artigo 26. O idoso tem direito ao exerccio de atividade profissional, respeitadas suascondies fsicas, intelectuais e psquicas.Artigo 27. Na admisso do idoso em qualquer trabalho ou emprego, vedada adiscriminao e a fixao de limite mximo de idade, inclusive para concursos, ressalvadosos casos em que a natureza do cargo o exigir.Pargrafo nico. O primeiro critrio de desempate em concurso pblico ser a idade,dando-se preferncia ao de idade mais elevada.Artigo 28. O Poder Pblico criar e estimular programas de:I - profissionalizao especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais ehabilidades para atividades regulares e remuneradas;II - preparao dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedncia mnima de 1(um) ano, por meio de estmulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e deesclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania;III - estmulo s empresas privadas para admisso de idosos ao trabalho.14 A propsito, vale citar trecho da matria publicada na Revista Tribuna 12, do TribunalRegional do Trabalho da 12 Regio, SC, intitulada Obstculo do tempo, redigida porClayton Haviaras Wosgrau, Letcia Cemim e Vanderlei Ricken:Contratao Reparatria. Se na contratao de executivos a discriminao por faixaetria pode aparecer de forma mais velada, nos anncios dos classificados a limitaopor idade escancarada. Foi o que constatou o Ncleo Igualdade no Trabalho da DelegaciaRegional do Trabalho (DRT) do Rio Grande do Sul, que, h trs anos, vem fiscalizandoofertas de empregos publicadas nos jornais. Encontramos restrio nos anncios inclusivepara pessoa acima de 35 anos de idade, conta a coordenadora do Ncleo, a auditora-243Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008Cor / RaaOs que so discriminados pela cor (raa) tambm merecem polticaspblicas de incluso, como forma de ter acesso ao emprego formal em igualdadede condies com as pessoas que no sofrem esse tipo de discriminao.No campo trabalhista, propriamente, no se vislumbra a existncia de leique crie incentivos ou facilidades para a contratao dessa parcela da classetrabalhadora que discriminada, principalmente em face de empregos queexigem formao tcnica ou superior.Todavia, no campo da educao, o poder pblico vem implementandoaes afirmativas, ampliando o acesso ao ensino pblico fundamental e mdioe criando cotas para acesso de negros, mulatos e ndios no ensino pblicosuperior.A questo das cotas polmica, todavia, vem sendo gradativamenteimplementada nas universidades federais, por deliberao dos respectivosconselhos universitrios. Digno de nota, tambm, o ProUni15 - UNIVERSIDADEPARA TODOS, que um programa de incluso de alunos de baixa renda, no qual,em geral, os que so discriminados pela cor/raa tambm se incluem.No h como negar que tais medidas vm combatendo tal modalidade dediscriminao, j que, atravs do acesso educao, os que so discriminadospela cor/raa podem reunir maiores condies no que se refere formaocultural e profissional para pleitear, em igualdade de condies materiais, acessoao mercado de trabalho.De resto, nota-se que gradativamente a sociedade brasileira, em virtudeinclusive de sua diversidade cultural, vem se mostrando mais tolerante esolidria, diminuindo sensivelmente essa forma perversa de discriminao. Amdia, at mesmo atravs das telenovelas, vem esclarecendo e ajudando ademover a discriminao pela cor/raa, ao passo que os prprios discriminadosorganizam-se em ONGs para promover aes de combate discriminao.A propsito, o Governo Federal criou uma Secretaria Especial, com statusde Ministrio, para desenvolver aes pblicas de combate a essa forma dediscriminao, com a gradativa incluso de negros, ndios, mulatos aos serviossociais, inclusive ao mercado de trabalho.Ento, as polticas pblicas de incluso dos que so discriminados pelacor/raa so viveis e devem ser implementadas de forma, inclusive, maisincisiva, para extirpar de vez essa forma odiosa de discriminao, inaceitvel emuma sociedade plural e aberta como a brasileira.Portadores de necessidades especiaisOs portadores de necessidades especiais necessitam de aesafirmativas para serem includos no mercado de trabalho, que vo desdeadaptaes na estrutura fsica da empresa at treinamentos para odesenvolvimento adaptado da atividade laborativa.A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - Lei n. 9.394/96 - pioneira no correto tratamento da questo, utilizando a expresso portadores denecessidades especiais e no portadores de deficincia como constava naprpria Constituio, e mandando incluir ditas pessoas, preferencialmente, nasturmas do ensino regular.17Mais do que isso, o art. 2 da Lei18 em questo consagrou expressamenteo princpio da solidariedade e, com base nele, determinou a incluso social dosportadores de necessidades especiais no ensino regular.Digna de registro, no campo trabalhista, a lei que determina s empresasa contratao de um determinado percentual de portadores de necessidadesespeciais.19Tal lei, assim como a Lei do Primeiro Emprego, veicula polticas pblicasde incluso social, de ao afirmativa da dignidade da pessoa humana, colocandona formalidade um grande contingente de trabalhadores que, por seremportadores de alguma necessidade especial, so discriminados e excludosdos postos de trabalho.

Essa excluso gera prejuzo sociedade, j que esses sujeitos consomemrecursos da seguridade social20 quando, em verdade, podiam trabalhar ematividades produtivas formais, adaptadas s suas necessidades, buscando, elesmesmos (os portadores de necessidades especiais), a prpria sobrevivncia,com dignidade e sem assistencialismos. inegvel que a seguridade social, nesses casos, seja necessria. Defato, ela essencial para a manuteno da vida e da dignidade do portador denecessidade especial, inserindo-o, ante o princpio da solidariedade, no convviosocial minimamente digno.Todavia, em razo da prpria dignidade da pessoa humana, a assistnciae a previdncia social devem funcionar como medidas supletivas, devendo ohomem, o quanto possvel, ser digno por seus prprios meios. Ou seja, prefervel que a incluso social do portador de necessidade especial se d,primeiramente, pelo emprego formal e, de forma secundria, pela seguridadesocial.De todo o exposto, resta claro que a finalidade do Estado buscar o bemcomum. Resta claro, tambm, que, para atingir tal objetivo, o Estado estlegitimado formal e materialmente pela Constituio para criar leis e implementarpolticas pblicas voltadas manuteno e promoo da dignidade da pessoahumana, como forma de opor resistncia discriminao no mercado de trabalho.7 O PAPEL DA JURISDIO NAS AES DE RESISTNCIA DISCRIMINAODe acordo com o pensamento clssico21, a jurisdio inerte, isto , elas age se for provocada para tanto por um sujeito que pretende recompor umdireito que entende lesado, ou que pretende constituir um novo direito ou, ainda,que pretende ver declarada a certeza de um determinado direito.Mais do que isso, mesmo que provocada, a jurisdio no livre para agir,visto que sua ao fica restrita aos limites do pedido formulado pelo sujeito, nopodendo a jurisdio dizer menos, mais ou diferentemente do que foi solicitadopelo autor da ao.22Como se pode perceber, essa noo clssica de jurisdio est defasadae ultrapassada diante da realidade do Brasil. A injustia social, que aqui grassa,e a profunda desigualdade social que marcam o pas somente podero serminimizadas, ou at mesmo superadas, atravs de um Poder Judicirioefetivamente atuante, que transcenda a noo clssica de poder inerte para serum poder de ao transformadora.Essa nova concepo de jurisdio, voltada s reais necessidades dopovo brasileiro, foi muito bem delineada por Cintra, Grinover e Dinamarco (1999,p. 37):O Estado moderno repudia as bases da filosofia poltica liberal e pretende ser,embora sem atitudes paternalistas, a providncia de seu povo, no sentido de assumirpara si certas funes essenciais ligadas vida e ao desenvolvimento da nao edos indivduos que a compe.Ditos autores, consagrados pela doutrina do direito processual brasileiro,realizam uma leitura modernizante e potencializadora da jurisdio, pondo emfoco os princpios da instrumentalidade e da efetividade do processo.Com efeito, de acordo com o princpio da instrumentalidade, o processonada mais do que um instrumento criado pela cultura humana para viabilizar aaplicao do Direito a um dado caso concreto, com justia e adequao realidade social.23Diante disso, atentando-se realidade brasileira, marcada pordesigualdades sociais e por uma imensa maioria de pobres e excludos, no sepodem mais conceber instrumentos que contenham solenidades e formalismosexagerados, de linguagem tcnica e de difcil compreenso. Tal ritualstica apenasprocrastina a soluo do processo, alm de se apresentar, por sua complexidade,muitas vezes ininteligvel para a parte que procura, no Judicirio, a soluo doseu problema.Logo, o princpio da instrumentalidade deseja um processo simples egil, que viabilize a aplicao do Direito de forma mais pronta e clara ao cidado,pacificando as relaes sociais com realizao de justia social.De outra parte, de acordo com o princpio da efetividade, a jurisdio satinge o seu objetivo se realiza, com presteza e adequao, a justia ao casoconcreto.Vale dizer, a jurisdio tem de fazer corresponder o Direito s necessidadese aos anseios sociais, visto que, do contrrio, no ser efetiva, j que entregaruma soluo anacrnica ou distante daquilo que necessita e deseja a23 De acordo com Dinamarco (1994, p. 23):A instrumentalidade o ncleo e a sntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistemaprocessual, sendo consciente ou inconscientemente tomada como premissa pelos quedefendem o alargamento da via de acesso ao Judicirio e eliminao das diferenas deoportunidades em funo da situao econmica dos sujeitos, nos estudos e propostaspela inafastabilidade do controle jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupaespela garantia da ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade em qualquerprocesso, no aumento da participao do Juiz na instruo da causa e da sua liberdadena apreciao do resultado da instruo.247Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008sociedade.24Necessita-se, nessa esteira de entendimento, de uma nova concepode jurisdio, pr-ativa, positiva, gil e efetiva, que exera uma atividadetransformadora, aproximando o Direito aos reais anseios e necessidades dasociedade.No se quer com isso dizer que o Poder Judicirio possa agir semquaisquer limites. No disso que se trata. O que se quer dizer que a jurisdiodeve efetivamente cumprir a sua misso constitucional, que aplicar, com justia,o Direito ao caso concreto.S que, para atingir esse objetivo, tendo em vista a injustia social quemarca o nosso pas, a jurisdio tem de se libertar das amarras do formalismoainda exagerado que as normas processuais impem, para ficar mais prximado povo e, a ento, promover as mudanas que este almeja e espera.Os limites da jurisdio esto estampados na prpria Constituio. Defato, a Constituio determina que as decises tomadas pelo Judicirio devamser fundamentadas25, justamente para se poder aquilatar se ditas decises sojustas ou no.Alm disso, tambm como controle, a Constituio prev o duplo grau dejurisdio26, para que as decises possam passar por uma reviso de justia deum rgo jurisdicional superior, figurando o Supremo Tribunal Federal, em ltimainstncia, como rgo que avalia a constitucionalidade ou no da deciso tomada.A Constituio, alm de estabelecer limites jurisdio, em verdade,legitima-a a sair de sua inrcia conceitual para ser mais pronta e efetiva nareduo das desigualdades e injustias sociais.24 A respeito, Norberto Bobbio (2004, p. 45) asseveraque o problema grave do nosso tempo, com relao aos direitos do homem, no era maiso de fundament-los, e sim de proteg-los.Da por que, de acordo com o referido autor,no se trata de saber quais e quantos so esses direitos, qual sua natureza e seufundamento, se so direitos naturais ou histricos, absolutos ou relativos, mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar de solenes declaraes,eles sejam continuamente violados.25 O inciso IX do art. 93 da Constituio assim dispe:todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero pblicos e fundamentadastodas as decises, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presena, em determinadosatos, s prprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quaisa preservao do direito intimidade do interessado no sigilo no prejudique o interessepblico informao.26 A propsito, o inciso LV do art. 5 da Constituio estabelece:aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral soassegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.248Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008 que a Constituio consagra a dignidade da pessoa humana comofundamento da Repblica e instrumentaliza todas as suas normas constitucionaispara dar efetividade a esse fundamento. Vale dizer, a jurisdio est legitimada,por fora da prpria Constituio, para agir (leia-se: decidir) de forma concreta eefetiva, no s para proteger, mas tambm para promover a dignidade da pessoahumana.Mas no se trata apenas de legitimao, j que a Constituio determinaque a jurisdio paute suas aes na afirmao da dignidade da pessoa humana,j que tal o fundamento, a razo de existir da prpria jurisdio.Isso tudo demonstra que a proteo e a promoo da dignidade humanano s autorizam como legitimam toda uma nova concepo de jurisdio, maisativa e mais efetiva, voltada promoo da justia social, emitindo decises quereduzam as desigualdades sociais, protegendo e promovendo os direitos sociais,nomeadamente em face dos efeitos precarizantes do fenmeno da flexibilizaodos direitos trabalhistas.27E, para cumprir tal misso constitucional, no basta apenas alterar asnormas processuais para criar um instrumento mais claro, rpido e efetivo; necessrio tambm exercer o que aqui se denomina de hermenuticaresponsvel. Trata-se da interpretao do Direito adequada aos reais anseios edesejos sociais. Constitui-se numa interpretao transformadora do Direito, queo liberta dos seus rigorismos conceituais.Em ltima anlise, a hermenutica responsvel aquela que pretendeaproximar a Constituio formal da Constituio real, ou seja, que instrumentalizea Constituio formal para atingir as reais necessidades do povo.Nas palavras de Ronald Dworkin (1999, p. 492):A atitude do direito construtiva: sua finalidade, no esprito interpretativo, colocaro princpio acima da prtica para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor,27 Para ilustar a ideia que aqui se defende, cita-se o teor do Enunciado n. 12, aprovado pela1 Jornada de Direito Material e Processual na Justia do Trabalho, promovida pelo TribunalSuperior do Trabalho - TST, Escola Nacional de Magistrados do Trabalho - ENAMAT,Associao Nacional dos Magistrados da Justia do Trabalho - ANAMATRA e Conselhode Escolas de Magistratura Trabalhista - CONEMATRA, ocorrida nos dias 21, 22 e 23 denovembro de 2007, disponvel em www.anamatra.org.br (acesso em 06.02.2008):AES CIVIS PBLICAS. TRABALHO ESCRAVO. REVERSO DA CONDENAO SCOMUNIDADES LESADAS. Aes civis pblicas em que se discute o tema do trabalhoescravo. Existncia de espao para que o magistrado reverta os montantes condenatrioss comunidades diretamente lesadas, por via de benfeitorias sociais tais como a construode escolas, postos de sade e reas de lazer. Prtica que no malfere o artigo 13 da Lei7.347/85, que deve ser interpretado luz dos princpios constitucionais fundamentais, demodo a viabilizar a promoo de polticas pblicas de incluso dos que esto margem,que sejam capazes de romper o crculo vicioso de alienao e opresso que conduz otrabalhador brasileiro a conviver com a mcula do labor degradante. Possibilidade deedificao de uma Justia do Trabalho ainda mais democrtica e despida de dogmas, naqual a responsabilidade para com a construo da sociedade livre, justa e solidriadelineada na Constituio seja um compromisso palpvel e inarredvel.249Rev. Trib. Reg. Trab. 3 Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.231-251, jul./dez.2008mantendo a boa-f com relao ao passado. , por ltimo, uma atitude fraterna, umaexpresso de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossosprojetos, interesses e convices. Isto , de qualquer forma, o que o direitorepresenta para ns: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade quepretendemos ter.Se necessrio for, o Judicirio deve fazer o uso alternativo do Direito,fazendo prevalecer a justia no caso concreto, em detrimento do texto frio dasleis, das smulas ou dos instrumentos coletivos, num exerccio de resistncia ede responsabilidade social para com o pas e o seu povo.28O juiz deve se empenhar na fundamentao de suas sentenas, paracriar fonte jurdica slida, que d subsdios para a proteo e o aprimoramentodos direitos trabalhistas, atravs da afirmao do princpio constitucional dadignidade da pessoa humana.29Nada mais justo e claro do que isso, j que o povo quem d legitimidade Constituio, no podendo essa voltar-se contra as pessoas que lhe deramexistncia e sentido.3028 Nessa linha, so as lies do professor Carvalho (2003, p. 41, 75 respectivamente):1- Diz-se, pois, que o Juiz neutro como se isso possvel fosse. A nica forma de umapessoa ser neutra estar fora do mundo, como se as coisas acontecessem abaixo dela.Na verdade ningum, nem mesmo o cientista, pode ser neutro. J se disse antes que o atosentencial fruto da ideologia do julgador (mesmo o da lavra dos positivistas - DennisLloyd, op. cit., p. 183) e todos sabemos que a viso de mundo que temos comprometidacom a nossa histria. Ao decidir, ou se est aplicando uma lei que no neutra, ou se estaplicando uma justia que tambm no o .2- O jurista, desde que orgnico, contribuir para o avano social. Sua misso fundamental buscar utopicamente uma sociedade dirigida soluo dos problemas da maioria (ouseja, mais justa). Seu instrumento de trabalho (o direito) arma para consagrar conquistaspopulares e para instrumentalizar conquistas futuras. Ento, o direito no necessariamente conservador. S o ser, como mero instrumento que , se a ideologiafim do jurista que com ele manipule for conservadora.29 A respeito, Santos OFM (2007, p. 113) assevera:Decises judiciais mais humanas e com viso aberta so capazes de impulsionar polticaspblicas. Como exemplo, podemos citar que, graas a juzes corajosos e justos, milharesde jovens esto estudando em universidades pblicas e particulares, favorecidos pelaiseno de taxa do vestibular e do Exame Nacional do Ensino Mdio - ENEM -, que garantevaga para o ProUni.30 Cabe, aqui, a lio de Cham Perelman (1996, p. 84/85):[...] nos campos jurdico, poltico, filosfico os valores intervm como base de argumentaoao longo de todo o desenvolvimento. Recorre-se a eles para motivar o ouvinte a fazercertas escolhas em vez de outras e, sobretudo, para justificar estas, de modo que setornem aceitveis e aprovados por outrem.Reitera-se que, assim agindo, a jurisdio no atuar de forma arbitrriaou insurgente, muito pelo contrrio, atuar de forma legtima, controlada pelaprpria Constituio, pelos mesmos mecanismos antes mencionados(fundamentao das decises e duplo grau de jurisdio).8 CONSIDERAES FINAISA discriminao de alguns segmentos de trabalhadores perante o mercadode trabalho um problema srio que precisa ser esclarecido e combatido.A Constituio garante o direito igualdade formal e material, na esteirado desejo da generalidade da populao brasileira, devendo, por isso mesmo,ser observada e cumprida.O princpio da proporcionalidade auxilia a operacionalizao do princpioda igualdade, ajudando a estabelecer at que ponto as partes so iguais oudesiguais, bem como a proporo da medida a ser aplicada para nivelar, o maispossvel, as partes envolvidas no caso concreto.A prpria Constituio indica, pelo menos, cinco modalidades dediscriminao, que ocorrem por motivo do sexo, da idade, da cor/raa, do estadocivil e do estado fsico/psquico da pessoa. A Carta probe todas elas, mas, noplano prtico, continuam acontecendo pelos motivos mais variados.Para combater ditas modalidades de discriminao ilcitas, vem sendoimplantada a figura da discriminao positiva, tambm conhecida como aesafirmativas. Tal modalidade de discriminao, que lcita, tem por escopo criarcondies de parificao da pessoa discriminada em relao pessoa dita nodiscriminada.Essa parificao pode ocorrer de vrias maneiras, a saber: incentivospara contratao, facilitao de acesso educao com programas para pessoasde baixa renda, criao de cotas em universidades, criao de cotas paraportadores de necessidades especiais, regras para impedir ou punirdiscriminaes, etc.A jurisdio, nesse contexto, assume papel de relevo, visto que lhecompete, para alm da interpretao e aplicao responsvel do direito, agir deforma pr-ativa, tomando medidas jurdicas para coibir as condutasdiscriminatrias e para minimizar a discriminao em si, zelando pelo fielcumprimento da Constituio, que pugna pela construo de uma sociedadelivre, igual, justa e solidria.