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179 DISCUSSÕES SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO DO TERCEIRO SETOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Orivaldo Leme Biagi Resumo: Este artigo pretende trabalhar com os aspectos jurídicos brasileiros mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o de- senvolvimento do chamado Terceiro Setor, discutindo a forma- ção das entidades sem fins lucrativos; os títulos, certificados, qua- lificações e possibilidades de acordos com o Poder Público; os recursos, benefícios fiscais, contribuições sociais e doações e as principais questões trabalhistas.

DISCUSSÕES SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO DO TERCEIRO SETOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

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Este artigo pretende trabalhar com os aspectos jurídicosbrasileiros mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o desenvolvimentodo chamado Terceiro Setor, discutindo a formaçãodas entidades sem fins lucrativos; os títulos, certificados, qualificaçõese possibilidades de acordos com o Poder Público; osrecursos, benefícios fiscais, contribuições sociais e doações e asprincipais questões trabalhistas.

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:

DISCUSSÕES SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO DO TERCEIRO

SETOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Orivaldo Leme Biagi

Resumo:

Este artigo pretende trabalhar com os aspectos jurídicosbrasileiros mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o de-senvolvimento do chamado Terceiro Setor, discutindo a forma-ção das entidades sem fins lucrativos; os títulos, certificados, qua-lificações e possibilidades de acordos com o Poder Público; osrecursos, benefícios fiscais, contribuições sociais e doações e asprincipais questões trabalhistas.

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O Terceiro Setor em Perspectiva

Anotações: Introdução

O presente artigo pretende expor, de maneira simples, osaspectos mais gerais sobre a formação, o ordenamento e o desen-volvimento das entidades do chamado Terceiro Setor (expressãoque vem do termo inglês Third Sector, sendo também empregadosoutros nomes, como Independent ou Non-Profit, Voluntary e Public

Cherity) nos seus aspectos jurídicos.

Discutir o Terceiro Setor e suas relações com o mundo ju-rídico não é uma tarefa inédita – vários autores, com as mais vari-adas abordagens, já escreveram sobre como esse setor é reguladojuridicamente no Brasil, como foi o caso da recente iniciativa daOAB de São Paulo ao compor a Cartilha Terceiro Setor, entre ou-tros. De todo modo, existem aspectos particulares que desejamosevidenciar em nossa discussão.

A legislação brasileira sobre o tema é relativamente recentee já passou por várias alterações no seu curto espaço de tempo,classificando e definindo quais entidades merecem ser enquadra-das como sem fins lucrativos de interesse público ou, usando otermo mais atual, sem fins econômicos.

Existe uma infinidade de entidades sem fins lucrativos, sen-do que grande parte delas procura suprir os espaços onde o Esta-do e o mercado não podem (ou se interessam em) agir de maneirasatisfatória. De acordo com Paulo Modesto,

O Estado não deve nem tem condições de monopolizar a prestaçãodireta, executiva, dos serviços públicos e dos serviços de assistência social oude interesse coletivo. Estes podem ser geridos ou executados por outros sujei-tos, públicos ou privados, inclusive públicos não-estatais, como associaçõesou consórcios de usuários, fundações e organizações não-governamentais semfins lucrativos, sempre sob a fiscalização e supervisão imediata do Estado.Poderão ainda ser operados em regime de co-gestão, mediante a formação deconsórcios intergovernamentais ou entre o poder público e pessoas jurídicasprivadas. (1998, p. 28)

Este artigo irá trabalhar, essencialmente, com algumas mo-dalidades de entidades sem fins lucrativos ou econômicos, pois al-

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Anotações:gumas entidades que também podem ser classificadas dessa manei-ra dentro do conceito de Organização Social Tripartite (como sin-dicatos, partidos políticos, etc.) têm legislação específica.1

O maior problema da jurisdição sobre o Terceiro Setor éuma questão comum a toda estrutura jurídica brasileira: seu cará-ter excessivamente burocrático, que procura, representando ossetores governamental e mercantil, controlar ou instrumentalizaras mais variadas expressões da sociedade, em particular as relaci-onadas com o setor associativo. Em outras palavras, o Estado (deonde oriunda o ordenamento jurídico básico de uma sociedade) éusado para satisfazer os interesses dos setores governamental emercantil, muitas vezes em detrimento do setor associativo, ousimplesmente para dominá-lo.

Assim sendo, encontramos, no decorrer da história e dalegislação atual, leis confusas com procedimentos jurídicosexageradamente complicados ou mesmo inconstitucionais.

A prática da elite para dominar a sociedade brasileira pelalegislação não é novidade. A estrutura jurídica portuguesa, herda-da pelo Brasil, sempre foi excessivamente burocrática e procuroudominar quaisquer forças sociais que pudessem trazer mudanças,em particular contra as regalias do grupo, denominado pelo juris-ta Raymundo Farao, como estamento burocrático, grupo esse quevive justamente às custas do Estado. (FAORO, 2000)

Assim, as tentativas de controle e/ou instrumentalizaçãode atividades associativas foram orquestradas pelo setor governa-mental, com as mais variadas intenções, inúmeras vezes na histó-ria brasileira. Um desses momentos ocorreu na década de 20 do

1 A definição de Terceiro Setor do Núcleo de Estudos e Serviços do Terceiro Setor(NESTS) da FAAT trabalha com a idéia da existência de uma Organização SocialTripartite, formada pelos setores governamental - que procura dirigir o Estado e aspolíticas públicas, mercantil - que cuida da produção econômica como um todo, eassociativo - que consiste em organizações e grupos para as mais variadas funçõessociais, quase sempre no “espaço” que os outros dois setores não conseguem (nãopodem ou não querem) atuar. Nesse caso, essas entidades estariam ligadas ao setorassociativo – Terceiro Setor, portanto.

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Anotações: século XX, na chamada Revolução de 30. O setor governamentaldominou os trabalhadores através da promulgação da legislaçãotrabalhista, diminuindo o poder de autonomia desses mesmos tra-balhadores, tanto os seguidores do anarquismo quanto do comu-nismo. (DECCA, 1986)

O setor mercantil, por sua vez, também procura defenderseus interesses. Muitas empresas privadas, portanto, representan-tes do setor mercantil, mantêm várias fundações para realizar tra-balhos assistenciais de várias naturezas e são, juridicamente, con-sideradas entidades do Terceiro Setor. Discordamos dessa classi-ficação, pois atuar no Terceiro Setor não é ser do Terceiro Setor –entidades sem fins lucrativos ligadas ao setor mercantil não pas-sam de “braços” desse mesmo setor, quer por objetivos benefi-centes propriamente ditos, quer para obter um marketing favorá-vel ou mesmo para diminuir sua carga de impostos, sendo essaúltima razão a mais comum.

Logicamente que os setores governamental e mercantil nemsempre estiveram em acordo entre si, assim como o setorassociativo também conseguiu vitórias a seu favor. Os três setoresatuam socialmente, grande parte das vezes em conflito, mas comvitórias e derrotas para cada setor.

Este artigo não discutirá o Terceiro Setor dentro da lógicado conceito da Organização Social Tripartite, mas sim os elemen-tos básicos para a formação, ordenamento e desenvolvimento dasentidades sem fins lucrativos dentro da lógica da legislação brasi-leira atual.

Dividiremos o artigo da seguinte forma: mostraremos, ra-pidamente, o desenvolvimento histórico da legislação das entida-des sem fins lucrativos; depois, mostraremos como formar umaentidade; quais são os certificados, títulos e qualificações em rela-ção ao Poder Público; as possibilidades de acordos com o PoderPúblico; os recursos, benefícios fiscais, contribuições sociais edoações; as principais questões trabalhistas.

Naturalmente, este é um texto datado, pois a legislação édinâmica em função das pressões sociais e dos acordos políticos.

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Anotações:1. Pequeno histórico da legislação sobre o Terceiro Setor

A legislação brasileira, de um modo geral, seguiu a mesmalógica da legislação norte-americana, ou seja, foi aumentando onúmero de exigências para a formação de entidades sem fins lucra-tivos. (COELHO, 2000, p. 91). Mas, ao contrário do processo nor-te-americano, o sistema de formação de entidades sem fins lucrati-vos no Brasil acabou sendo muito mais confuso e complicado.

A primeira lei para regular as entidades sem fins lucrativos,no Brasil, data de 1916. (COELHO, 2000, p. 91) Quem cuidavada prestação de serviços de saúde, educação e assistência socialera a Igreja Católica e, de acordo com as palavras de AlexandreCiconello, “até meados do século XX, essa era a única rede deproteção social existente no país, formada quase exclusivamentepor organizações privadas”. (2004, p. 47)

O controle social e jurídico intensificou-se ainda mais du-rante a longa permanência de Getúlio Vargas no poder. Grandescampanhas nacionalistas foram realizadas, e os conceitos de fé epátria foram unidos pelo regime. Recursos do Estado foram, en-tão, repassados aos católicos para educação, saúde e assistênciasocial, dando início a uma legislação mais efetiva para regular asentidades sem fins lucrativos.

A Constituição Federal de 1934 estipulou imunidade tribu-tária para estabelecimentos particulares de educação idôneos. Em1935, a Lei Federal nº 91 instituiu a criação de um título jurídicode reconhecimento de utilidade pública, um diploma, para enti-dades sem fins lucrativos, cujo requisito básico era que essas enti-dades servissem desinteressadamente à coletividade.

Quem concedia o título era o presidente da república e ocritério para tal era pessoal ou político, em outras palavras, refor-çava o caráter de controle do setor governamental sobre essasentidades, pois apenas recebia o diploma quem servisse aos inte-resses desse setor, o que destacava o caráter paternalista e poucotransparente do Estado brasileiro. (CICONELLO, 2004, p. 48)

A Constituição de 1937 estipulava que arte, ciência e ensinodeveriam ser incentivados pelo Estado. O ensino pré-vocacional

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Anotações: profissional (destinado às classes menos favorecidas) tornou-se o pri-meiro dever do Estado. Tal lei tem sentido histórico preciso. O Esta-do Novo, “regulado” por essa constituição, iria criar uma série depolíticas de estímulo à produção industrial e a falta de mão-de-obraqualificada era um problema para o setor mercantil, cuja carênciaessa lei procurou, em parte, contemplar. (MUNAKATA, 1984)

Assim, o setor governamental fundou institutos de ensinoprofissional e subsidiou iniciativas estaduais, municipais e de indi-víduos ou associações particulares e profissionais.

A Constituição de 1946 estendeu a imunidade tributáriaexistente na Constituição de 1934 para instituições de assistênciasocial, templos de qualquer culto e partidos políticos, sendo que arenda deveria ser aplicada dentro do país para os respectivos finsa que se destinavam.

Em 1959, é instituída a Lei nº 3.577, criando o certificadode entidade filantrópica e estabelecendo isenção da cota patronalda previdência social para as entidades filantrópicas e assistenciais.A Lei nº 4.320, de quatorze de março de 1964, regulou os repas-ses públicos da União para outros órgãos públicos e entidadesprivadas – cobria as despesas de custeio dessas instituições.

No final da década de 70 em diante, temos um aumentoconsiderável das entidades sem fins lucrativos e a legislação pro-cura, então, acompanhar as novas demandas. De acordo com MariaNazaré Lins Barbosa,

Nas últimas décadas, constatou-se o crescimento e a diversificaçãodo chamado ‘terceiro setor’, expressão que designa o universo de institui-ções privadas, sem fins lucrativos, com finalidades públicas ou sociais, queem sua atuação suprem ou complementam a ação do setor público. As-sim, verifica-se a emergência de entidades sem fins lucrativos em áreascomo cultura, lazer, ambientalismo ou promoção do voluntariado, ao ladode instituições tradicionais dedicadas à educação ou à assistência social.(2004, p. 109)

Foi com essa preocupação que se criou a chamada Lei dasOrganizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei das

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Anotações:Oscips), que discutiremos melhor adiante, resultado das discus-sões promovidas pela Rodada de Interlocução Política, realizadapelo governo federal através do Conselho da Comunidade Soli-dária, (cujo tema era justamente “Marco legal do Terceiro Setor”),de 1997. (BARBOSA e OLIVEIRA, 2002, p. 105)

O objetivo desta lei foi reconhecer o caráter público de umgrande número de organizações da sociedade civil até então nãoreconhecidas pelo Estado, bem como criar um novo sistemaclassificatório para diferenciar organizações sem fins lucrativosde interesse público daquelas de benefício mútuo e de caráter co-mercial.

2. Aspectos gerais da legislação atual

De um modo geral, a preocupação jurídica com o chamadoTerceiro Setor visa enquadrar, dentro da legislação, as entidadesque fazem parte desse setor por questões de arrecadação e distri-buição de tributos, ou mesmo para regularizar financiamentosprivados e doações para essas entidades.

O artigo 150 da Constituição Federal de 1988 indica que éproibido ao Estado, em qualquer instância de poder (federal, es-tadual e municipal), cobrar tributos de entidades sem fins lucrati-vos, desde que essas cumpram algumas regras, onde se destacam:(a) não remunerar dirigentes, (b) não distribuir lucros, (c) aplicarintegralmente os recursos nos projetos sociais e (d) escriturar re-ceitas e despesas de forma exata. Tais exigências são cobradas nomomento da emissão de certificados de utilidade pública dessasentidades e, assim, as autoriza a obter subsídios públicos, comoveremos adiante.

Para adquirir sua condição de utilidade pública, a entidadeprecisa percorrer um confuso caminho burocrático, passando pelasesferas federal, estadual e municipal. Cada instância tem seu pró-prio processo de concessão de subvenções regulado por leis, por-taria, decretos e instruções normativas. Muitas vezes instruçõesnormativas que regulam o funcionamento dos programas conse-guem distorcer suas intenções e destinações originais, ao sabordos governos de plantão.

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Anotações: Os recursos federais são repassados para o Fundo Nacio-nal de Assistência Social. Já os recursos estaduais são administra-dos pelo Conselho Estadual de Auxílios e Subvenções, sendo que30% desses recursos são encaminhados para a AssembléiaLegislativa, onde são os deputados que indicam as entidadesbeneficiárias. Nos municípios, as concessões são reguladas pelalei orgânica municipal.

Simone de Castro Tavares Coelho comenta esta legislação:

É interessante observar que nossa legislação não proíbe expressa-mente que essas organizações se relacionem com partidos políticos, como nosEstados Unidos. O próprio fato dos deputados distribuírem verbas é indi-cador que põe em risco a neutralidade e imparcialidade que deveriam ter asorganizações de utilidade pública. No plano estadual, essa distribuição deverbas deveria se processar por outros caminhos. (2000, p. 95)

A fiscalização é realizada a partir de dois relatórios: um paraa Receita Federal e outro para o Ministério da Previdência.

3. Constituição de uma entidade

A definição e a formação das entidades sem fins lucrativosna legislação brasileira é, em tese, relativamente simples. Pode-mos dizer que as pessoas jurídicas de direito privado sem finslucrativos são entidades que se originam da vontade individualpara realizar projetos de natureza coletiva e pública voltados tan-to aos interesses de seus instituidores quanto às demandas de ou-tras parcelas da população.

A constituição dessas entidades está estabelecida no Códi-go Civil, que permite duas formas para tal: (a) associações (artigo53) e (b) fundações (artigo 62). Expressões como “entidade”,“ONG” (Organização Não Governamental), “instituição”, “ins-tituto”, etc., muito utilizadas no universo do Terceiro Setor, ser-vem apenas para designar uma associação ou uma fundação.

Em outras palavras, as associações são reuniões de pessoasque, estabelecendo os seus objetivos e as suas regras de funciona-

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Anotações:mento, documentam os mesmos em um estatuto, a ser registradoem cartório. Já as fundações, que também são reuniões de pesso-as, envolvem a existência de bens para a concretização de seusobjetivos, tendo regras mais complexas e exigências maiores, emparticular na sua fiscalização pelo poder público. Nas associações,por exemplo, os objetivos podem ser alterados sem a dissoluçãodas mesmas, algo que é impossível nas fundações onde os objeti-vos estabelecidos no estatuto não podem ser alterados sem quehaja dissolução.

Portanto, as associações são reuniões de pessoas com finali-dades culturais, sociais, recreativas, etc. Para sua formação, é preci-so uma assembléia geral de constituição, a aprovação do estatutopela assembléia, a realização de eleições periódicas para a diretoriae que seu funcionamento seja vinculado ao registro do estatuto edas atas em cartório. Seus objetivos podem ser alterados no decor-rer de seu funcionamento, e não existe a necessidade de patrimônio.Para a sua administração, é necessária uma assembléia que realize asdeliberações e uma diretoria que as execute, além de um conselhofiscal para controle do orçamento. A fiscalização pública é realiza-da a posteriori, através de relatórios, segundo a natureza e qualifica-ção da organização. Fora isso, possui autonomia.

Já as fundações se formam a partir da existência de bensdestinados para fins sociais determinados segundo a vontade ex-pressa dos instituidores. Seu funcionamento é vinculado à lavraturade uma escritura, à elaboração de um estatuto, o qual deve seraprovado pelo Ministério Público, e ao registro do estatuto e atasem cartório. Para sua administração, é necessário existir um Con-selho Curador, que delibera e traça as diretrizes, um ConselhoAdministrativo ou Diretoria, que executa as deliberações, e umConselho Fiscal para controle orçamentário. Sua fiscalização pú-blica é realizada por uma promotoria especializada, através de re-latórios anuais, e o controle externo é obrigatório.

Para o registro como pessoa jurídica é preciso (a) a ata daconstituição da entidade, com o relato da reunião que a propôs ea assinatura de todos os constituintes, (b) os estatutos sociais, emduas vias, assinadas pelo presidente e pelo advogado (c) a ata da

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Anotações: eleição da diretoria, com os dados de cada eleitor e do conselhofiscal e (d) um requerimento de registro para o representante legalda entidade. É necessário também a entidade estar no CadastroNacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ/MF) e no Cadastro de Contribuintes Mobiliários (CCM). A regu-larização do espaço físico da entidade, ou seja, sua sede, devepossuir um Alvará de Funcionamento, expedido pela prefeituralocal. É preciso também registrar-se no Instituto Nacional de Se-guro Social (INSS) e na Caixa Econômica Federal, em razão doFundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Segundo define o artigo 53 do Código civil (lei 10.406/02)e o artigo 120 da Lei de Registros públicos (lei 6.015/73), o esta-tuto precisa conter, minimamente, os seguintes elementos:

a. Denominação;

b. Fundo social, quando houver;

c. Fins (objetivos);

d. Designação da sede;

e. Tempo de duração da entidade;

f. Os requisitos para a admissão e exclusão dos associados;

g. Os direitos e deveres dos associados;

h. As fontes de recursos para sua manutenção;

i. O modo de constituição e funcionamento dos órgãosdeliberativos e administrativos;

j. As condições para a alteração das disposições estatutáriase para a dissolução;

k. Se os sócios respondem ou não subsidiariamente pelasobrigações sociais;

l. O destino do patrimônio em caso de extinção.

O artigo 59 do Código Civil determina,ainda que competeprivativamente à assembléia geral da entidade, minimamente, oseguinte:

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Anotações:a. Eleger os administradores;b. Destituir os administradores;

c. Aprovar contas;d. Alterar o estatuto.

Para constituir a associação, deve haver um projeto préviode estatuto a ser apresentado à assembléia dos constituintes, osquais votarão pela sua aprovação, com ou sem emendas decor-rentes de sua discussão nessa assembléia.

O processo todo de constituição, regularização e manuten-ção legal dessas entidades é tão complexa que não por acaso, oudesleixo, grande parte das mesmas encontram-se irregulares. Oque de fato compromete a idoneidade dessas entidades é o uso“disfarçado” dos mesmos para fins mercantis ou políticos. Emoutros casos, as entidades são acusadas de usar suas imunidades eisenções fiscais para exercer concorrência desleal na produção debens e serviços, mesmo destinados ao custeio de seus projetossociais e não à geração de lucro.

4. Títulos e certificados

Foram criados vários instrumentos para a classificação des-sas entidades associativas, como os títulos e certificados.

As entidades podem escolher qual instrumento de qualifi-cação que desejam, mas, em vários casos, é necessário optar porum deles. Alguns são pré-requisitos para outros e nem todos sãocumulativos, sendo necessário, portanto, a assessoria de um advo-gado para esclarecimentos.

Os benefícios da obtenção dos títulos são: (a) diferenciar asentidades que os possuem para que essas possam inserir-se numregime jurídico específico, (b) mostrar que a entidade tem respal-do legal e, portanto, detém credibilidade, (c) facilitar a captaçãode investimentos privados e financiamentos, (d) facilitar acesso abenefícios fiscais, (e) possibilitar acesso a recursos públicos e (f)possibilitar a utilização de incentivos fiscais pelos doadores. (OAB,

2005, p. 12)

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Anotações: Cada título tem uma legislação própria e a entidade devesegui-la. No âmbito federal, as entidades podem obter os seguin-tes títulos: Utilidade Pública Federal, Certificado de EntidadeBeneficente de Assistência Social (CEBAS ou CEAS), Organiza-ção da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e Organiza-ção Social (OS). O Estado e a cidade de São Paulo têm tambémseus certificados de Utilidade Pública - no âmbito estadual pode-se obter o título de Utilidade Pública Estadual e, no âmbito muni-cipal pode-se obter o título de Utilidade Pública Municipal.

O caminho para a obtenção desses títulos é, no geral, assim:

A - Funda-se a entidade e, depois de um ano de fun-cionamento, pleiteia-se primeiro, através de um vereador, aobtenção do título de Utilidade Pública Municipal. A enti-dade recolhe todos os impostos e taxas nesse período, po-dendo requerer, depois de obtido o título, a isenção e a imu-nidade dos encargos municipais.

B - Em seguida, dentro dos prazos previstos e atravésde um deputado estadual, pode-se obter o título de UtilidadePública Estadual – sempre recolhendo os encargos estaduaise federais até obtido o título, podendo requerer, em seguida,a isenção e a imunidade dos encargos estaduais.

C - Somente três anos após a fundação e funciona-mento da entidade e, preferencialmente, tendo já obtido ostítulos municipal e estadual, a entidade pode requerer o tí-tulo de Utilidade Pública Federal, podendo requerer, então,a isenção e a imunidade federal e a obtenção dos outrostítulos federais – CEAS, OSCIP e OS.

Não é que seja necessariamente obrigatório obter os títu-los municipal e estadual para conseguir o federal, mas fica mui-to difícil conseguir esse último sem os dois primeiros. O gover-no federal tem sido muito rigoroso na entrega desses títulos, e ofato de a entidade já ter reconhecimento municipal (principal-mente) e estadual ajuda muito a acelerar o processo de obtençãodo título federal.

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Anotações:Por causa da complexidade jurídica das opções, ao montarsua entidade é sempre recomendável que consulte um advogadopara expor melhor todo o caminho jurídico a ser seguido, bemcomo as vantagens e desvantagens dos títulos, certificados e qua-lificações a serem requeridas.

Mais uma vez, toda essa complexidade tem levado muitasentidades a dispensar os títulos e seus benefícios, preferindo recor-rer ao apoio espontâneo de suas comunidades locais. Outras, sim-plesmente, não recolhem os impostos nesses períodos de transiçãoburocrática, preferindo correr o risco de autuação e submetendo-se a recursos legais quando isso ocorre. Não se pode dizer que issoseja correto, mas diante da onerosa intervenção do Estado, ressur-ge um certo anarquismo (na concepção político-ideológica).

Segue um quadro resumido dos principais títulos, certifica-dos e qualificações, com seus fundamentos legais, requisitos, ór-gãos a que se dirigir e benefícios.

4.1. Título municipal:

Utilidade Pública Municipal (UPM):

Fundamento Legal - As normas municipais da ci-dade de São Paulo a Lei nº 4.819/55, Lei nº 11.295/92,Decreto nº 16.619/80 e Lei nº 12.520/97.

Requisitos - Ter personalidade jurídica há mais deum ano, servir à coletividade em determinado setor de ma-neira contínua, não remunerar a diretoria, possuir diretoresde comprovada idoneidade.

Órgãos a que se Dirigir - Governo Municipal, viaGabinete do Prefeito, através de projeto levado por verea-dor. Quando o pedido for deferido, o decreto é publicadono Diário Oficial Municipal.

Benefícios - Imunidade ou isenção dos impostos mu-nicipais (ver lista de impostos adiante), reconhecimentocomo idônea no âmbito municipal, permissão para requeri-mento de isenção da quota patronal no INSS (em conjunto

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Anotações: com o título federal e outros documentos), facilidade deobtenção de benefícios/subvenções junto aos órgãos pú-blicos municipais. Para sua manutenção, é preciso enviarrelatório de atividades, balanço, atestado de idoneidade,eventuais alterações estatutárias e ata da eleição da diretoriaem exercício a cada três anos.

4.2. Título estadual:

Utilidade Pública Estadual (UPE):

Fundamento Legal - Leis do Estado de São Paulonº 3, 198/55 e a nº 2.574/80.

Requisitos - Ter personalidade jurídica constituída nopaís; estar em funcionamento contínuo nos últimos três anos;não remunerar a diretoria; ter registro nos órgãos competen-tes do Estado; exercer atividades de ensino ou de pesquisacientífica, de cultura, inclusive artística, filantrópica ouassistencial de caráter beneficente, caritativo ou religioso, nãocircunscritas ao âmbito de determinada sociedade civil oucomercial, comprovadas mediante apresentação de relatóriocircunstanciado (três anos anteriores à formulação da propo-sição); possuir diretores de comprovada idoneidade.

Órgãos a que se Dirigir - Secretaria da Justiça e daDefesa da Cidadania, na Seção de Utilidade Pública. Quan-do o pedido for deferido, o decreto é publicado no DiárioOficial do Estado.

Benefícios - Imunidade ou isenção dos impostosestaduais (ver lista de impostos adiante), reconhecimentoda idoneidade no âmbito estadual, permissão, em conjun-to com a utilidade pública federal, de requerimento de isen-ção da quota patronal do INSS. Para sua manutenção épreciso enviar relatório circunstanciado dos serviços e ati-vidades até o mês de outubro de cada ano à Secretaria daJustiça.

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Anotações:4.3. Títulos federais:

Utilidade Pública Federal:

Fundamento Legal - Lei nº 91/35, regulamentadapelo Decreto nº 50.517/61, Lei nº 6.639, regulamentadapelo Decreto nº 6.639/79, e Decreto nº 3.415/00,

Requisitos - Ter personalidade jurídica constituídano país; estar funcionando nos últimos 3 anos sem distri-buir lucros, bonificações ou vantagens a dirigentes,mantenedores ou associados; promover a educação ou exer-cer atividades de pesquisa científica, de cultura artística efilantropia; possuir diretores com idoneidade.

Órgãos a que se Dirigir - Ministério da Justiça, naDivisão de Outorgas e Títulos. Quando o pedido for defe-rido, o decreto é publicado no Diário Oficial da União.

Benefícios - Instrui o pedido de certificado de enti-dade beneficente de assistência social (CEAS), documentoessencial para requerer junto ao INSS a isenção da quotapatronal (junto de outros documentos); dá o direito de for-necer às pessoas jurídicas, doadoras de benefícios, recibodedutível do imposto de renda; possibilita receber doaçõesdo Estado e receitas de loterias federais e realizar sorteios.

Certificado de Entidade Beneficente de Assistência

Social (CEBAS ou CEAS):

Fundamento Legal - Constituição Federal – art.2003, Lei nº 8.212/91 (Lei de Organização da SeguridadeSocial e Plano de Custeio) – arts. 4º e 55, Lei nº 8.742/93(Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS) – arts. 1º, 2º e3º, Decreto nº 2.536/98, Decreto nº 3.504/00, ResoluçõesCNAS nº 177/00 e nº 178/00; nº 2/01. Esse título consti-tui a atual denominação do Certificado de Entidade de FinsFilantrópicos (CEFF), de acordo com a alteração do incisoII do art. 55 da Lei nº 8.212/91 e do parágrafo 3º do art. 9ºda Lei nº 8.742/93, introduzidas pelos artigos 3º e 5º daMP nº 2.129-6/01, respectivamente.

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Anotações: Requisitos - Promover a proteção à família, à infân-cia, à maternidade, à adolescência e à velhice; amparar cri-anças e adolescentes carentes; promover ações de preven-ção, habilitação, reabilitação e integração social de pessoasportadoras de deficiência; promover a integração ao mer-cado de trabalho; proporcionar assistência educacional oude saúde; promover o desenvolvimento da cultura; forne-cer o atendimento e o assessoramento aos beneficiários daLei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e a defesa e ga-rantia de seus direitos.

Órgão a que se Dirigir - CEBAS ou CEAS é o títu-lo outorgado pelo Conselho Nacional de Assistência Social(CNAS), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome.

Benefícios - Imunidade ou isenção dos impostosfederais (ver lista de impostos adiante), permite instruir opedido de certificado de entidade de fins filantrópicos, cons-titui pré-requisito da isenção da quota patronal da previ-dência social.

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP):

Fundamento Legal - Lei nº 9.790/99, regulamen-tada pelo Decreto nº 3.100/99.

Requisitos - De acordo com essa lei, as associaçõese fundações que não podem ser consideradas de interessepúblico e, portanto, não podem ser classificadas comoOSCIP são: sociedades comerciais; sindicatos, associaçõesde classe ou de representação de categoria profissional; ins-tituições religiosas ou voltadas para a disseminação de cre-dos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;organizações partidárias; entidades de benefício mútuo; en-tidades e empresas que comercializam planos de saúde eassemelhados; instituições hospitalares privadas não-gratui-tas e suas mantenedoras; escolas privadas dedicadas ao en-sino formal não-gratuito e suas mantenedoras; organiza-

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:ções sociais; cooperativas; fundações públicas; fundações,sociedades civis ou associações de direito privado criadaspor órgão público ou por fundações públicas; organizaçõescreditícias com vínculos com o sistema financeiro nacional.

Por outro lado, poderão ser qualificadas como OSCIPas pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,cujos objetivos sociais tenham, pelo menos, uma das seguin-tes finalidades: promoção da assistência social; promoção dacultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artís-tico; promoção gratuita da educação; promoção gratuita dasaúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defe-sa do meio ambiente e promoção de desenvolvimento sus-tentável; promoção do voluntariado; promoção do desen-volvimento econômico e social e combate à pobreza; experi-mentação, não lucrativa, de novos modelos econômicos; pro-moção de direitos estabelecidos, construção de novos direi-tos e assessoria jurídica gratuita; promoção da ética, da paz,da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de ou-tros valores universais; estudos e pesquisas. O relatório deatividades tem de ser apresentado anualmente.

Órgãos a se Dirigir - Ministério da Justiça, no setorde OSCIP. Esse ministério tem trinta dias para deferir ounão o pedido, ato que será publicado no Diário da Uniãono prazo máximo de quinze dias após a decisão. Sendo de-ferido, será emitido o certificado de qualificação como or-ganização da sociedade civil de interesse público.

Benefícios - Possibilidade de receber doações,dedutíveis do Imposto de Renda de pessoa jurídica, permi-te a remuneração de dirigentes sem a perda do benefíciofiscal e celebrar termos de parceria com o Poder Público.O “termo de parceira”, cujo objetivo é facilitar(desburocratizar) o acesso a verbas públicas para essas or-ganizações, é o acordo entre o poder público e as OSCIPs enão requer licitação nos seguintes casos: recuperação socialdo preso e associações de portadores de deficiência física.

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O Terceiro Setor em Perspectiva

Anotações: Organização Social (OS):

Fundamento Legal - Lei nº 9.637/98.

Requisitos - A OS é uma forma de qualificação dasentidades para atividades relacionadas ao ensino, pesquisacientífica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preser-vação do meio ambiente, cultura e saúde, até então desempe-nhadas pelo Poder Público. É necessária a presença, mesmoque minoritária, de representantes do poder público na dire-ção da entidade. Em extinção, o patrimônio é incorporadoao Estado, e o poder público pode ceder funcionários daentidade extinta a outras criadas para substituí-las. Esse certi-ficado não é um direito ou opção das entidades – elas serãoqualificadas de OS se forem aprovadas quanto aos critériosde conveniência e oportunidade pelo Poder Público.

Órgãos a se Dirigir – Titular do órgão supervisorou regulador da área de atividade correspondente ao objetosocial da organziação.

Benefícios - Poder celebrar contrato de gestão coma Administração Pública, facilita a administração de recur-sos materiais, financeiros e humanos junto ao Poder Públi-co sem burocracia, ou seja, sem licitação – o que muitosjuristas consideram inconstitucional.

5. Acordos celebrados com o poder público

Depois de estabelecidos os títulos, as entidades sem finslucrativos podem celebrar acordos com o Poder Público. As mo-dalidades de acordos que as entidades sem fins lucrativas podemfirmar com o Poder Público são:

A - Contrato: acordo de interesses opostos. A remunera-ção do contrato é incorporada ao patrimônio da contratada, exis-te prazo estabelecido para a realização do serviço e é obrigatória arealização de licitação.2

2 Menos nos seguintes casos: (a) recuperação social do preso, (b) contratação deassociação que trabalha com portadores de deficiência física, (c) inexigibilidade (apenasaquela associação realiza o tipo de serviço) e (d) em contrato de gestão com as OS.

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:B - Convênio: acordo de interesses comuns. Existem finseconômicos previstos sem prazo estabelecido para findar a relação,e não existe uma forma definida de escolha – pode ou não existirlicitação, o que produz intensas discussões no mundo jurídico.

C - Termo de Parceria: apenas para OSCIPs. Existem finseconômicos previstos e requer alguma forma de licitação, masesse quesito ainda não foi totalmente definido - a idéia de concur-so é a mais utilizada.

Os acordos dependem de determinados tipos de certificaçãocomo pré-requisitos. Cabe aos instituidores das entidades verifi-car quais são as alternativas possíveis em função de seus objetos.

6. Recursos, benefícios fiscais, contribuições sociais e

doações

As entidades do Terceiro Setor podem requerer recursos ebenefícios fiscais. Para a obtenção desses recursos, a legislaçãopermite dois instrumentos jurídicos:

A - Subvenção - Transferência de recursos em cará-ter suplementar ao capital privado (valor: baseado em uni-dades de serviços prestados efetivamente). Independe delei específica e se destina a cobrir despesas de custeio. Des-tinam-se para áreas de assistência social, saúde e educação.

B - Auxílio - Transferência de capital, estabelecidoem lei orçamentária, como ônus ou encargo da união, ape-nas para entidades sem fins lucrativos. Destinam-se paraáreas de ensino especial, meio ambiente e saúde (SantasCasas de Misericórdia).

Nos aspectos tributários, também temos dois instrumentospara os benefícios fiscais:

A - Imunidade - É a proibição do Poder Público detributar determinadas pessoas, atos e fatos, regida pela cons-tituição federal. Não pode ser revogada (mesmo por Emen-da Constitucional). Não existe a geração da obrigação tri-butária e, portanto, o direito de cobrar o título.

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O Terceiro Setor em Perspectiva

Anotações: B - Isenção - É a desobrigação do pagamento dedeterminado tributo, dentro das normas legais. É a renún-cia fiscal ou favor legal do Estado, regida por legislaçãoinfraconstitucional. Pode ser revogada a qualquer tempo. Aobrigação fiscal é gerada, mas a entidade é dispensada depagar o tributo.

Seguem tabelas de impostos e seus benefícios fiscais possíveis:

Impostos Federais

Impostos Estaduais

Impostos Municipais

A legislação sobre impostos não é muito clara em grande partedos casos e carrega muitas polêmicas e diferentes interpretações jurí-dicas, o que pode apresentar problemas práticos na hora da constitui-ção da entidade e dos requerimentos para requerer as isenções e imu-nidades. Para evitar dúvidas, é necessária a prévia consulta de umadvogado a fim de obter a orientação em casos específicos.

Já no quesito de contribuições sociais, os benefícios são osseguintes:

Imposto ModalidadeRenda (IR) Imunidade

Territorial Rural (ITR) Imunidade

Produtos Industrializados (IPI) Isenção

Importação (II) Isenção ou Redução

Exportação (IE) Alíquota Zero

Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOC) IsençãoOperações Financeiras (IOF) Isenção

Imposto ModalidadeCirculação de Mercadorias (ICMS) Isenção (conforme normas estaduais)

Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) Imunidade

Transmissão de Bens Causa Mortis e Doação(ITCMD)

Imunidade

Imposto ModalidadePropriedade Territorial Urbana (IPTU) Imunidade

Serviços (ISS) Imunidade

Transmissão de Bens Imóveis por AtosInvervivos (ITBI)

Imunidade

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:

No quesito de incentivo a doações:

7. Relações trabalhistas

Relações de trabalho consistem, basicamente, nas mesmasnormas estipuladas pela CLT em entidades com fins lucrativos. Épreciso entregar ao Ministério Público o formulário da RelaçãoAnual de Informações Sociais (RAIS), em janeiro, mesmo que aentidade não tenha empregado algum – a RAIS é negativa.

O trabalho voluntariado é fundamental para as entidadessem fins lucrativos. De acordo com a Organização das NaçõesUnidas, voluntariado é qualquer pessoa que, movida por interessepessoal e espírito cívico, dedique parte de seu tempo, sem remu-neração de qualquer espécie, a atividades de bem-estar social ouauxílios diversos para o mesmo fim. (COELHO, 2000, 69) Muitasentidades sem fins lucrativos utilizam grande número de voluntá-rios para a execução de seus fins sociais.

Contribuição ModalidadeSocial Sobre o Lucro Líquido (CSL) IsençãoFinanciamento da Seguridade Social (COFINS) IsençãoPrevidenciária (Quota Patronal) IsençãoProvisória de Movimentação Financeira(CPMF)

Não-Incidência

PIS/PASEP 1% sobre a folha de pagamento mensal

Doação ModalidadeFundos de Direitos da Criança e do

Adolescente

6% do valor do Imposto de Renda da Pessoa

Física e 1% do valor do Imposto de Renda daPessoa Jurídica

Operações de Caráter Cultural e Artístico (LeiRouanet)

Pessoa Física: deduzir 80% do montanteinvestido em caso de doação e 60% em caso de

patrocínio, sendo que o porcentual doabatimento é de até 6% do Imposto de Renda;Pessoa Jurídica: deduzir 40% em doação e 30%

em patrocínio, sendo que o porcentual deabatimento é de até 4% do Imposto de Renda;

Destinadas à Atividade Audiovisual Pessoa Física, 6%; Pessoa Jurídica, 3% (nãopodendo ultrapassar, tanto em um quanto em

outro, o valor de R$ 3.000.000,00)

Entidades Civis que Prestam Serviços Gratuitos(Utilidade Pública e OSCIPS)

Pessoa Jurídica – 2% do lucro operacional

Instituições de Ensino e Pesquisa (criadas porlei federal)

Limite: 1,5% do lucro operacional

Lei Mendonça – Lei de Incentivo à Cultura daCidade de São Paulo

Dedução de 70% do valor investido no projetoaté o limite de 20% do total devido de ISS e

IPTU

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O Terceiro Setor em Perspectiva

Anotações: Um típico problema que existe é que muitos voluntáriosnão são especialistas na suas áreas, ou seja, acabam realizandocertos trabalhos sem a capacitação específica. Eles se propõem arealizar certos serviços e, quando os recursos da entidade impe-dem a contratação de um especialista no assunto, essa acaba utili-zando dos préstimos desses voluntários, o que pode comprome-ter a qualidade dos serviços oferecidos.

Existia um outro problema, juridicamente mais específico:inúmeros indivíduos, depois de trabalhar um certo período comovoluntários, entraram na justiça trabalhista contra a entidade, in-variavelmente ganhando as ações, pois não existia uma regula-mentação específica. Esse problema foi resolvido com a Lei 9.608,sancionada em 1998, que regulamentou o trabalho voluntariado.Agora, para os voluntários, existe um Termo de Adesãoexplicitando o caráter gratuito do serviço executado.

A Lei do Serviço Voluntário prevê somente o pagamento, atítulo de auxílio financeiro, de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais)durante o período máximo de seis meses, a voluntários que tenhamentre dezesseis e vinte e quatro anos de idade e cujas famílias tenhamrenda mensal per capita de até meio salário mínimo. Têm preferênciaos jovens egressos de unidades prisionais ou que estejam cumprindomedidas sócio-educativas e/ou grupos específicos de jovens traba-lhadores submetidos a maiores taxas de desemprego.

Seja como for, recomenda-se um cuidado particular no casodas relações trabalhistas vinculadas ao voluntariado, uma vez que ajustiça trabalhista tende invariavelmente à proteção dos direitos dotrabalhador, independente da argumentação que se possa apresentar.

Conclusões

Tentamos, no decorrer deste artigo, explicar as relaçõesbásicas das formas jurídicas brasileiras em relação ao Terceiro Setor.Embora a legislação já tenha sido alterada para simplificar as rela-ções desse setor, como foi o caso da criação das OSCIPs, o uni-verso jurídico brasileiro ainda é bastante confuso. Eduardo Szazicomenta:

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:A legislação brasileira aplicável ao terceiro setor carece de siste-matização adequada às necessidades das entidades e organizações não-governamentais hoje existentes no país. Vaga e esparsa em diversas nor-mas editadas ao longo deste século pelos governos federal, estaduais emunicipais, a legislação precisa ser reformulada com urgência para asse-gurar o fortalecimento e a ampliação da sociedade civil organizada, comcriação de ferramentas permanentes e capazes de viabilizar e incentivar ocompromisso social de cada cidadão e empresa na construção de um paísmelhor. (1998, p. 87)

A dificuldade levantada por Szazi fica evidente quando de-monstramos a estrutura jurídica das entidades sem fins lucrativos:leis espalhadas por vários códigos diferentes, sancionadas de acor-do com as circunstâncias de momento, “papelada” interminável,fiscalização inadequada, etc. O legislador já simplificou algunsprocedimentos jurídicos, mas, mesmo assim, as dificuldades bu-rocráticas ainda são consideráveis.

A própria tentativa de classificar o Terceiro Setor fica difícilpelo excesso de normas e procedimentos – uma parte expressiva dasentidades sem fins lucrativos não se inscrevem juridicamente, embo-ra atuem socialmente. Na verdade, não existe uma divisão consisten-te das vertentes do Terceiro Setor no universo jurídico brasileiro.

As entidades sem fins lucrativos também não conseguemfugir do plano político, ou seja, acabam sendo utilizadas por polí-ticos muito mais interessados na propaganda das ações dessas en-tidades do que por elas mesmas ou os grupos a quem ela bene-ficia. Assim, observamos que o Terceiro Setor está sendoinstrumentalizado pela classe política, que o utiliza como plata-forma eleitoral.

Esse atrelamento político atinge um ponto básico da for-mação dessas entidades: a autonomia, pois elas trabalham para asconveniências de lideranças políticas. Para essas lideranças políti-cas, é perfeito que as entidades sem fins lucrativos estejam dentrode um campo jurídico complexo e complicado, pois dessa forma– elas podem ser mais facilmente dominadas e instrumentalizadas.E, como este artigo demonstrou, na parte histórica do setor

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O Terceiro Setor em Perspectiva

Anotações: associativo, domínio e instrumentalização da sociedade como umtodo é uma constante na vida jurídica brasileira.

Esse não é um problema brasileiro apenas. Recentemente opresidente da Rússia, Vladimir Putin, defendeu que as ONGsdeveriam ser controladas pelo Estado. A justificação de Putin foi:

Acredito que o financiamento contínuo de atividade política oriun-do do exterior deve estar dentro do campo de visão do Estado. Especialmen-te se esse financiamento é feito através de canais oficiais de outros países equando estes ou as organizações que funcionam em nosso país e estão envol-vidas em atividades políticas são, de fato, usadas como ferramentas da polí-tica externa de outros países. 3

Grande parte do dinheiro enviado à Rússia procurou pro-mover os ideais de democracia e liberdades civis, provocando re-ações do setor governamental que, mesmo na democracia, aindaatua autoritariamente, Assim, as ONGs transformaram-se em opo-sição e deveriam, portanto, ser controladas. O que foge ao domí-nio político do governo é, normalmente, enquadrado por lei.

Sugerimos uma ampla revisão da legislação sobre as entida-des sem fins lucrativos, procurando uma real simplificação de seusprocedimentos a fim de facilitar o desenvolvimento das entidadespara realizar seus objetivos.

Também sugerimos uma nova divisão das vertentes do Ter-ceiro Setor, pensada dentro das discussões do Núcleo de Estudose Serviços do Terceiro Setor (NESTS) da FAAT, a saber: (a) cau-sas difusas – organizações envolvidas em lutas por direitos soci-ais, equilíbrio planetário e desenvolvimento sustentado, (b) pro-moção social - organizações que prestam serviços de acesso apopulações carentes e excluídas, bem como no acolhimento eproteção aos animais, (c) benefício mútuo – as que prestam servi-ços a seus associados em termos de infra-estrutura para o exercí-cio de atividades coletivas e defesas dos interesses próprios (asso-ciações de bairro, clubes de cultura, sindicatos, etc.) e (d) fomen-

3 Extraído de: Folha de S. Paulo. São Paulo, 25/11/2005, p. A 27.

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Discussões sobre o Ordenamento Jurídico do Terceiro Setor na Legislação Brasileira

Anotações:to: constituídas para desenvolver e socializar conhecimento, pro-mover aproximações e disseminar experiências, financiar e orien-tar projetos, avaliar desempenhos, arquitetar redes e intermediarfontes diversas de recursos.

Bibliografia

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CICONELLO, Alexandre. “O Conceito Legal de Público no Ter-ceiro Setor.” in SZAZI, Eduardo (Org.). Terceiro Setor: Temas Polê-micos, 1. São Paulo: Petrópolis, 2004.

COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um Estudo

Comparado entre Brasil e Estado Unidos. São Paulo: Editora SENACSão Paulo, 2000.

DECCA, Edgar de. 1930 –O Silêncio dos Vencidos. 3ª ed. São Paulo:Brasiliense, 1986.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Vs. 1 e 2, São Paulo: Glo-bo; Publifolha, 2000.

MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e Marco Legal dasOrganizações Sociais no Brasil. in MEREGE, Luiz Carlos; BAR-BOSA, Maria Nazaré Lins (orgs.). Terceiro Setor: Reflexões sobre o

Marco Legal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.

MUNAKATA, Kazumi. A Legislação Trabalhista no Brasil. 2ª ed.São Paulo: Brasiliense, 1984.

SZAZI, Eduardo. Notas Sobre o Marco Legal do Terceiro Setor” inMEREGE, Luiz Carlos; BARBOSA, Maria Nazaré Lins (orgs.).Terceiro Setor: Reflexões sobre o Marco Legal. Rio de Janeiro: EditoraFGV, 1998.