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11 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ANDRÉ LUIZ ASSINI BALBUENO DISFUNÇÃO COGNITIVA EM CÃES: REVISÃO DE LITERATURA MOSSORÓ RN 2012

DISFUNÇÃO COGNITIVA EM CÃES: REVISÃO DE LITERATURA · em humano idoso (A) ... Tais alterações são evidenciadas por meio de distúrbios ... manifestando-se clinicamente como

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO

ANDRÉ LUIZ ASSINI BALBUENO

DISFUNÇÃO COGNITIVA EM CÃES: REVISÃO DE

LITERATURA

MOSSORÓ – RN

2012

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ANDRÉ LUIZ ASSINI BALBUENO

DISFUNÇÃO COGNITIVA EM CÃES: REVISÃO DE

LITERATURA

Monografia apresentada a Universidade Federal

Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento

de Medicina Veterinária para obtenção de título de

especialista em clínica médica de pequenos

animais.

Orientador: Prof. MSc Matheus Folgearini

Silveira.

MOSSORÓ – RN 2012

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ANDRÉ LUIZ ASSINI BALBUENO

DISFUNÇÃO COGNITIVA EM CÃES

Monografia apresentada a Universidade Federal

Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento

de Medicina Veterinária para obtenção de título de

especialista em clínica médica de pequenos

animais.

APROVADA EM:_____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Profº. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UFERSA)

Presidente

_______________________________________________ Profª. M. Sc. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UFERSA)

Primeiro Membro

_____________________________________ Profº. Dr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (UERN)

Segundo Membro

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho aos meus pais, Vander e Edméia; vocês são o meu porto seguro.

Se hoje estou concluindo mais essa etapa em minha vida é graças à educação que vocês me

deram, graças ao esforço que vocês fizeram todos esses anos e também pela confiança que

sempre tiveram em mim. Obrigado por acreditarem em mim. Amo muito vocês.

Aos meus irmãos, Alex e Ayslane, que além de irmãos são grandes amigos, que me

deram muito apoio e sempre acreditaram em mim. Amo vocês.

À minha noiva Melina, pelo apoio, companheirismo e os muitos momentos de carinho

e alegria compartilhados. Amo você.

Á minha cachorra Nala (in memoriam).

AGRADECIMENTOS

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Agradecimentos ao professor orientador, Dr. Matheus Folgearini Silveira que, na

rigidez de seus ensinamentos, fez aprimorar meus conhecimentos.

E a todos os meus amigos que de alguma forma ajudaram na conclusão deste trabalho.

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“A dor do abandono e da solidão dos homens, não é diferente da dor do abandono de um animal. Nunca se esqueça que a idade chega para todos, e o que você planta hoje, será o futuro que colherá amanhã. A velhice é a fase que mais se precisa de carinho, seja qual for a espécie.”

RESUMO

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A Disfunção Cognitiva Canina (DCC) é uma doença caracterizada por processos

degenerativos encefálicos que podem ou não estarem associados com outras doenças, sendo

que esta apresenta algumas similaridades com o mal de Alzheimer. A DCC em cães está

associada a um declino na atividade física, onde os principais sintomas apresentados são

desorientação, perda de adestramento e mudanças no ciclo circadiano. A principal forma de

diagnosticar a DCC é por meio da exclusão de demais doenças, onde é importante ressaltar

que animais com problemas médicos e/ou comportamentais, também podem apresentar a

DCC simultaneamente. A DCC é diagnosticada principalmente em cães mais velhos com

idade superior a nove anos. As principais mudanças morfofisiológicas encontradas são a

atrofia cortical, aumento do tamanho dos ventrículos, diminuição da quantidade de neurônios

e principalmente a redução de antioxidantes endógenos e o acúmulo de placas senis

compostas por uma substância chamada β-amilóide, que se acumulam principalmente no

hipocampo e no córtex frontal. O tratamento deve visar a melhoria dos sinais clínicos, bem

como retardar o progresso da doença, onde a única droga disponível atualmente é a selegilina.

Uma outra estratégia importante que deve ser usada no tratamento da DCC é o uso de uma

dieta rica em antioxidantes. O tratamento deve ser iniciado o quanto antes para que os

resultados sejam satisfatórios, havendo assim uma melhora na qualidade de vida do cão e de

sua família.

Palavras-chave: disfunção cognitiva, doenças neurológicas, cães.

ABSTRACT

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The Canine Cognitive Dysfunction (CCD) is a disease characterized by degenerative brain

that may or may not be associated with other diseases, and this presents some similarities with

Alzheimer's disease. The CCD in dogs is associated with a decline to physical activity, where

the main symptoms are disorientation, loss of training and changes in the circadian cycle. The

main way to diagnose CCD is through the exclusion of other diseases, where it is important to

note that animals with medical problems and / or behavioral, may also present the CCD

simultaneously. The CCD is mainly diagnosed in older dogs older than nine years. The major

changes observed are morphophysiological cortical atrophy, enlargement of the ventricles,

decreasing the amount of neurons, especially the reduction of accumulation of endogenous

antioxidants and senile plaques composed of a substance called β-amyloid, which accumulate

primarily in the hippocampus and frontal cortex. Treatment should aim at an improvement of

clinical signs as well as slow disease progression, where the only drug currently available is

selegiline. Another strategy that should be used in the treatment of CCD is the use of a diet

rich in antioxidants. Treatment should be started as soon as possible so that the results are

satisfactory, so there is an improvement in quality of life of the dog and his family.

Keywords: cognitive dysfunction, neurologic diseases, dogs

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Depósitos de β-amiloide (setas) em encéfalo de idosos (A) e com

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mal de Alzheimer (B) na camada molecular externa do hipocampo. Barra 100

µm (HEAD, 2001)................................................................................................

p. 13

Figura 2: Diferença entre cães jovens (A) e idosos com menor (B) e maior (C)

grau de perda cognitiva de acordo com a distribuição de placas de de β-

amilóide encefálicas. Barra: 100 µm (HEAD, 2001)...........................................

p. 14

Figura 3: Diferenciação entre placas senis corticais normalmente formadas

em humano idoso (A) e em paciente com mal de Alzheimer (B). Barra 100 µm

(HEAD, 2001)......................................................................................................

p. 16

Figura 4: Emaranhados neurofibrilares (preto) e placas senis (marrom) no

cérebro de um paciente com DA (COTMAN, 2009)...........................................

p. 17

Figura 5: Aspecto macroscópico de encéfalos humano jovem (A) e idoso (B)

comparado ao canino jovem (C) e idoso (D) demonstrando atrofia cortical e

aumento ventricular (setas brancas) com atrofia hipocampal (setas escuras).

(HEAD, 2001)......................................................................................................

p. 18

Figura 6: Modelo de prontuário clínico para avaliação da DCC (HOSKINS,

2008).....................................................................................................................

p. 23

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... p. 11

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2. REVISÃO DE LITERATURA ...........................................................................

p. 12

2.1 ASPECTOS GERAIS ..........................................................................................

p. 12

2.2 FISIOPATOGENIA ..........................................................................................

p. 13

2.3 EPIDEMIOLOGIA ..............................................................................................

p. 18

2.4 SINAIS CLÍNICOS ..............................................................................................

p. 19

2.5 DIAGNÓSTICO ...................................................................................................

p. 21

2.6 TRATAMENTO ..................................................................................................

p. 24

2.6.1 Selegilina ...........................................................................................................

p. 24

2.6.2 Antioxidantes ....................................................................................................

p. 25

2.6.3 Cofatores Mitocondriais ....................................................................................

p. 26

2.6.4 Imunoterapia.......................................................................................................

p. 26

2.6.5 Outros fármacos ................................................................................................

p. 26

3. CONCLUSÃO ......................................................................................................

p. 28

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................

p. 29

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1. INTRODUÇÃO

O encéfalo possui diversos elementos neuronais que o compõe, tornando uma área

essencial no sistema nervoso central para desempenhar ações e arcos-reflexos por meio de

inúmeros tratos. Nesta prerrogativa, identificam-se padrões neuronais semelhantes entre cães

e humanos, especialmente na faixa etária idosa (COTMAN, et al., 2002).

No âmbito das doenças neurológicas em pequenos animais, denota-se a importância

dos processos degenerativos encefálicos, sendo estes associados ou resultantes de agentes

etiológicos diversos. Tais alterações são evidenciadas por meio de distúrbios

comportamentais, especialmente em cães, sendo atribuída a terminologia disfunção cognitiva

canina (DCC) (MILGRAM, 2002; HOSKINS, 2008) ou síndrome da disfunção cognitiva

(SDC) (MILGRAM, 2002).

Os principais sinais clínicos observados incluem principalmente desorientação, perda

do adestramento e mudanças no ciclo circadiano (MONTAYA, 2008), porém o diagnóstico

definitivo é obtido apenas por meio de exclusão de demais etiologias (LANDSBERG e

HEAD, 2008). Quando devidamente identificada, a DCC deve ser tratada de forma a

restabelecer o padrão comportamental anterior, objetivando assim a melhora na qualidade de

vida do animal em detrimento da evolução da enfermidade (LANDSBERG, et al., 2005;

CURTIS, 2010).

Se a DCC for o diagnóstico presuntivo, deve ser implementado um o tratamento

medicamentoso associado a um tratamento dietético, na tentativa de melhorar os sinais

clínicos e, talvez, retardar o progresso da doença (LANDSBERG e HEAD, 2008). Embora

possa ser prudente manter o cão com DCC sob terapia em longo prazo, muitos podem não

desejar continuar o tratamento caso não exista alguma evidencia de melhora na condição

clínica do animal (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Nesta revisão de literatura serão evidenciados os principais sinais clínicos encontrados

na DCC, formas de tratamento pertinentes e a importância do diagnóstico precoce desta

doença em cães e gatos.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Aspectos gerais

Na Medicina Veterinária, os animais de estimação estão apresentando maior

expectativa de vida, resultando na maior prevalência as doenças associadas com este

processo, da mesma forma os problemas comportamentais estão inseridos nesse contexto

(DYER, 2005; ROUDEBUSH, et al., 2005).

A função cognitiva é o processo mental que ocorre nos animais que não podem ser

diretamente observados, tais como memória, aprendizagem, consciência e percepção; e tarefas

cognitivas, são os comportamentos reais observáveis como adestramento em casa, orientação

espacial, diferenciação de objetos e a interação com os proprietários e outros animais

(CURTIS, 2010).

Quando esta função apresenta distúrbios em relação aos atos usuais dos animais,

especialmente entre os cães, denominamos de Disfunção Cognitiva Canina (DCC). É um

termo utilizado para descrever mudanças comportamentais em cães idosos, que não podem ser

atribuídos a uma condição médica, tais como infecção, falência de órgãos ou uma neoplasia

(HORWITZ, 2001).

As alterações neuropatológicas encontradas no cérebro deste animal são semelhantes

as observadas nos humanos com alguma forma de demência (HORWITZ, 2001), onde essa

por sua vez caracteriza-se pela presença de déficit progressivo da função cognitiva

(GALLUCCI, et al. 2005), manifestando-se clinicamente como alterações comportamentais,

perda de atenção e/ou perda de adestramento dentro de casa e mudanças no padrão do sono

(HORWITZ, 2001).

A demência pode ser definida como uma síndrome que é caracterizada por declínio da

memória, associada pela diminuição de pelo menos alguma outra função cognitiva

(linguagem, gnosias, praxias), ou seja, a demência ocorre pelo comprometimento da memória,

embora essa função possa estar relativamente preservada nas fases iniciais (CARAMELLI,

2002).

Simplificando, a demência na medicina humana é referida como uma variedade de

síndromes clinicas caracterizadas pela perda da capacidade intelectual, onde as pessoas que

sofrem desta ficam incapacitadas ou com dificuldade em realizar tarefas comuns da vida

diária (MONTOYA, 2008).

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O diagnóstico de demência depende de avaliação objetiva do funcionamento cognitivo

e do desempenho em atividades diárias (CARAMELLI, 2002), sendo que uma das principais

causas da síndrome demencial inclui o mal de Alzheimer (MA), distúrbios endócrinos,

distúrbios metabólicos e neoplasias (LOPES, 2002; GALLUCCI, et al. 2005).

Tendo em vista a correlação entre a DCC com a demência associada à uma das

principais causas, a DCC tem sido considerada como “Doença de Alzheimer Canina”

(MONTOYA, 2008).

2.2 Fisiopatogenia

Talvez a lesão mais importante observada na neurodegeneração do cérebro de cães

idosos, é a formação de placas senis (DIMAKOPOULOS e MAYER, 2002), que se

acumulam principalmente no hipocampo e no córtex frontal, áreas especialmente envolvidas

em alterações no comportamento (NEILSON, et al., 2001). Essas placas senis, são formadas

pelo acúmulo de uma substância chamada β-amilóide que provoca interferência na condução

nervosa (Figura 1) (HEAD, et al.,2008; CURTIS, 2010). Essas placas possuem um certo

número de proteínas, mas a principal constituinte é a β-amilóide (ROUDEBUSH, et al.,

2005).

Figura 1 – Depósitos de β-amilóide (setas) em encéfalo de idosos (A) e com mal de

Alzheimer (B) na camada molecular externa do hipocampo. Barra 100 μm. Fonte: HEAD,

2001.

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Pode haver um acúmulo de forma desigual em várias partes do cérebro, onde a

distribuição é irregular, tanto a nível celular, quanto a nível cortical do cérebro

(DIMAKOPOULOS e MAYER, 2002).

A nível celular, um local onde tem sido muito encontrado o acúmulo de placas de β-

amilóide, são os axônios terminais dos neurônios, e a nível cortical as placas de β-amilóide

apesar da distribuição desigual, tendem a se acumular primeiramente no córtex pré-frontal

(DIMAKOPOULOS e MAYER, 2002).

Essa deposição de β-amilóide pode ser encontrada tanto em cães que apresentam

declínio cognitivo,como em cães idosos que não apresentam nenhum declínio cognitivo

(DIMAKOPOULOS e MAYER, 2002), onde a gravidade do declínio cognitivo está

diretamente relacionado com o grau de deposição da substancia β-amilóide no encéfalo

(Figura 2) (ROUDEBUSH,et al., 2005; HEAD,et al., 2008), embora o papel do acúmulo desta

no desenvolvimento da DCC ainda não tenha sido determinado plenamente, este possui

caráter neurotóxico com degeneração de sinapses, perda neuronal induzida por apoptose e

uma depleção dos neurotransmissores (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Figura 2 – Diferença entre cães jovens (A) e idosos com menor (B) e maior (C) grau de perda

cognitiva de acordo com a distribuição de placas de β-amilóide encefálicas. Barra 100 μm.

Fonte: HEAD, 2001.

Outra provável causa da DCC é a redução na produção de antioxidantes como

resultado do processo de envelhecimento (DYER, 2005). O cérebro possui maior taxa

respiratória entre todos os órgãos (COTMAN, et al., 2002), utilizando até 20% da oferta de

oxigênio do corpo (DYER, 2005). Embora o oxigênio seja de suma importância para a

sobrevivência, uma pequena parte do oxigênio usado para a produção de energia pela

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mitocôndria é convertida em radicais livres, e conforme a mitocôndria envelhece, esta torna-

se menos eficiente, produzindo mais radicais livres e menos energia do que uma mitocôndria

jovem (LANDSBERG e HEAD, 2008). Com isso teremos um cenário composto pela

produção desses radicais livres e a diminuição da produção de antioxidantes sendo que esse

dano oxidativo aumenta com o passar dos anos (COTMAN, et al., 2002; ROUDEBUSH, et

al., 2005).

O dano oxidativo causado é um importante contribuinte para a morbidade da doença,

onde ele tem uma grande influência na progressão da DCC (MCMICHAEL, 2007), onde o

dano oxidativo ao RNA pode preceder o acúmulo de substância β-amilóide (DYER,2005).

Existem muitos paralelos entre a DCC e a DA (Doença de Alzheimer), tanto em cães

como seres humanos desenvolvem comprometimentos cognitivos com a idade, e um grupo

menor de ambas as espécies desenvolve comprometimentos graves, embora alguns cães e

pessoas possam não exibir nenhum tipo de comprometimento (LADSBERG, et al., 2005).

Há similaridades patológicas entre o cérebro de humanos portadores de DA e o de cães

com DCC, onde constatam-se alterações vasculares no cérebro, espessamento de meninge,

gliose e dilatação ventricular nos cérebros de ambos os pacientes (DEWEY, 2006).

Também tem sido identificadas placas de β-amilóide dentro do encéfalo e do

hipocampo em ambas as espécies, onde em cães as placas são difusas e não possuem núcleo,

ao contrário da DA (LADSBERG, et al., 2005). A seqüência de aminoácidos presentes nas

placas são idênticas nos cães idosos com DCC e em humanos com DA (ROUDEBUSH, et al.,

2005). Nas duas enfermidades o acúmulo de β-amilóide é diretamente proporcional à

deficiência cognitiva (Figura 3) (DEWEY, 2006). Apesar da similaridade, a progressão do

acúmulo de placas pode ser igual ou maior no cão com DCC, se comparado com um humano

com DA (DIMAKOPOULOS & MAYER, 2002).

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Figura 3 - Diferenciação entre placas senis corticais normalmente formadas em humano

idoso (A) e em paciente com mal de Alzheimer (B). Barra 100 μm. Fonte: HEAD, 2001.

Em cães com DCC, não tem sido observadas placas neuríticas com terminais nervosos

associados, contendo emaranhados neurofibrilares, os quais são encontrados em pacientes

humanos com DA (LANDSBERG, et al., 2005). Uma característica da DA é o acúmulo de

emaranhados neurofibrilares, que são formados por acúmulo intracelular de proteína tau que

compõe o citoplasma dos neurônios (HEAD, 2001; MORGAN, 2011), onde essa proteína é

responsável por estabilizar os microtúbulos dos axônios (estruturas responsáveis pela

formação e manutenção dos contactos interneuronais) (PAULA, et al., 2009). As funções da

proteína tau são alteradas quando ela é modificada pela adição de fósforo no processo de

fosforilação, sendo assim os emaranhados neurofibrilares formados pela proteína tau

hiperfosforilada (PAULA, et al., 2009). Os emaranhados neurofibrilares formam pares que

preenchem o citoplasma e levam a disfunção dos neurônios (COTMAN, 2009).

Portanto os cães idosos não desenvolvem a DA, porque eles não apresentam os

emaranhados neurofibrilares, um dos marcadores clássicos da neuropatalogia na DA, apesar

das duas doenças apresentarem algumas semelhanças (COTMAN, et al., 2002).

Ainda hoje os emaranhados neurofibrilares e as placas senis são considerados muito

importantes e necessários para o diagnóstico da DA (Figura 4) (HEAD, 2001).

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Figura 4 – Emaranhados neurofibrilares (preto) e placas senis (marrom) no cérebro de um

paciente com DA. Fonte: COTMAN, 2009.

Outra ligação encontrada entre cães idosos com DCC e humanos com DA, foi a

realização de um estudo onde esses pacientes foram tratados com selegelina, onde apresentou

diminuição na progressão de alterações degenerativas em pacientes humanos com DA e

também apresentou melhora significativa em cães idosos com DCC (NEILSON, et al., 2001).

Existem também, algumas mudanças morfisiológicas que ocorrem no sistema nervoso

central de cães com DCC incluindo, atrofia cortical (CURTIS,2010), degeneração da mielina

na substancia branca, acúmulo de proteínas degradadas no cérebro, danos ao DNA e redução

de antioxidantes endógenos, como resultado do processo de envelhecimento (DYER, 2005),

aumento do tamanho dos ventrículos, hiperplasia e incremento do número de astrócitos com

diminuição da quantidade de neurônios (Figura 5) (LANDSBERG e HEAD, 2008;

ROUDEBUSH, et al., 2005. DIMAKOPOULOS & MAYER, 2002).

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Figura 5 – Aspecto macroscópico de encéfalo humano jovem (A) e idoso (B) comparado ao

canino jovem (C) e idoso (D) demonstrando atrofia cortical e aumento ventricular (setas

pretas) com atrofia hipocampal (setas brancas). Fonte: HEAD, 2001.

No cérebro de um cão idoso, pode haver também o acúmulo de proteínas dentro e em

torno dos neurônios, podendo estas proteínas serem tóxicas para os neurônios

(ROUDEBUSH, et al., 2005).

2.3 Epidemiologia

A Disfunção Cognitiva Canina (DCC) está presente em mais de 60% dos cães com

idade superior a 11 anos de idade, sendo que a prevalência vai aumentando com a idade

(AUTRAM, 2006). Aproximadamente 47% dos cães entre 11 e 12 anos de idade tem a DCC,

enquanto em cães entre 15 e 16 anos de idade aumentam esse valor para 86% (AUTRAM,

2006).

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A DCC em cães idosos está associada a um declínio na atividade física do animal,

podendo também ocorrer comportamentos repetitivos ou esteriotipados (SIWAK, et al, 2002).

Muitas alterações degenerativas que ocorrem em cães idosos podem estar associadas com

sinais comportamentais da DCC (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Em uma pesquisa realizada com 26 proprietários de cães idosos, as queixas mais

comuns foram comportamentos destrutivos, micção ou defecação em locais inapropriados e

vocalização excessiva (COTMAN, 2002). Em outro estudo realizado os comportamentos

apresentados frequentemente foram ansiedade de separação (29%), agressão a pessoas (27%),

micção ou defecação em locais inapropriados (23%), vocalização excessiva (21%) e outras

fobias (16%) (DYER, 2005).

É muito comum os proprietários optarem pela eutanásia, quando descobrem que seus

animais apresentam disfunção cognitiva, sendo que apenas 7% dos proprietários procuram a

ajuda de um veterinário (AUTRAN, 2006).

2.4 Sinais clínicos

Quando o proprietário identifica algum distúrbio de ordem cognitiva em seu cão,

torna-se necessário determinar se o comportamento do animal é normal para a espécie sendo

problemático apenas para o dono, ou se esse comportamento é anormal para o animal

(BAMBERGER e HOUPT, 2006).

A capacidade avançada de aprendizagem dos cães é bem conhecida e evidenciada por

seu uso como guias para pessoas cegas ou então em trabalhos policiais, só pra citar alguns

exemplos (COTMAN, et al., 2002). Com o envelhecimento, os cães da mesma forma que os

seres humanos, começam a ter dificuldade de realizar atividades que antes eram fáceis, onde

essa perda de função cognitiva apresenta variações (NEILSON, et al., 2001; AUTRAN 2006).

Os sintomas de um sistema nervoso central em envelhecimento são difíceis de

diagnosticar durante uma consulta de rotina pois podem ser muito sutis mas com caráter

progressivo, e infelizmente muitas vezes são ignorados pelos proprietários ou aceitos como

parte do processo natural de envelhecimento do animal (MONTOYA, 2008).

Quando os proprietários reconhecem as mudanças comportamentais em seus animais

de estimação, raramente mencionam ao seu médico veterinário durante as consultas (DYER,

2005). Apenas 7% dos proprietários de cães reconhecem a DCC como um problema e

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procuram um médico veterinário, sendo de suma importância na avaliação de um paciente

geriátrico, fazer perguntas específicas sobre a cognição do animal (AUTRAM, 2006).

Alguns exemplos de alterações comportamentais associadas a esta síndrome são:

ansiedade de separação, distúrbios durante o sono, distúrbios de eliminação de fezes e urina,

desorientação, menos interação com os proprietários e com outros cães, vocalização excessiva

e agressividade (ROCHA, 2008), sendo os sintomas mais freqüentes a desorientação, menor

interação com outros animais e membros da família, padrão de sono alterado e mudança dos

locais usuais para defecação e micção (MONTOYA, 2008).

A agressividade do cão é geralmente o resultado de uma “falha de comunicação”,

especialmente se ocorrer entre dois cães que convivem juntos e nunca se agrediram, onde a

perda da capacidade sensorial pode certamente mudar a forma como um cão pode transmitir

e/ou receber sinais de outro cão, podendo também ocorrer agressão aos proprietários

(MONTOYA, 2008). Muitas vezes essa agressividade do cão com outros cães ou com os

proprietários, podem ser conseqüentes de dominância (ROCHA, 2008).

Muitos animais apresentam distúrbios do sono, onde eles passam a dormir a maior

parte do dia e durante a noite ficam acordados e passam a apresentar vocalização excessiva

durante a noite (MONTOYA, 2008; DYER, 2005). Os distúrbios do sono podem ser resultado

de problemas médicos que resultam em um aumento nas necessidades de eliminação (fezes e

urina), ou também podem ser resultado de um aumento na ansiedade e até sinal de um

declínio cognitivo (CURTIS, 2010).

O excesso de vocalização pode ser decorrente de alterações no ambiente e/ou na rotina

do cão ou da família, gerando ansiedade no animal e por conseqüência declínio de cognição,

onde alguns cães usam essa vocalização para chamar a atenção do dono ou pode ser

conseqüente do isolamento imposto pelo proprietário (ROCHA, 2008).

A eliminação de fezes e urina em locais que antes não eram comuns, causadas pelos

cães idosos pode vir a ser um grande problema para os proprietários, sendo a principal

reclamação e frustração (HORWITZ, 2001). As quebras nos hábitos de higiene, podem ser

um grande problema em cães idosos, sendo a principal reclamação e frustração dos

proprietários (HORWITZ, 2001). Alguns proprietários isolam seus cães para não sujarem

diversas áreas da casa, mas isso pode gerar um quadro de ansiedade no cão, onde as técnicas

punitivas também são contra indicadas; onde a melhor opção é manter o ambiente limpo e

recondicionar o animal a defecar e/ou urinar nos locais desejados são o inicio do tratamento e

não manter o animal na guia nos “locais proibidos” ajuda no processo de recondicionamento

(ROCHA, 2008).

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Com o envelhecimento dos cães, não é raro observar um novo medo de estar sozinho

e/ou das tempestades, ou uma progressão de ansiedade existentes associados a esses

estímulos, em alguns cães pode ser o primeiro sinal de declínio cognitivo (CURTIS, 2010).

Mudanças na rotina do animal também podem resultar em desconforto relacionados com a

separação, onde isso leva ao animal a apresentar sinais como angustia por estar separado do

proprietário, vocalização, eliminação de fezes e urina em locais inapropriados e destruição de

objetos (HORWITZ, 2001).

Muitos cães apresentam desorientação onde eles apresentam dificuldade para se

locomover dentro de casa, parecem estar perdidos em ambientes familiares, ficam olhando

para a parede ou para o “nada”, apresentam comportamento possessivo, tem dificuldade de se

locomover dentro de casa e apresentam redução na sua capacidade de estar em alerta

(MONTOYA, 2008).

Há também mudanças na forma como o animal interage com os membros da família,

incluindo uma redução na quantidade de atenção que procura dos proprietários, menos

entusiasmo ou saudação quando o proprietário volta para casa, já não vem quando é chamado,

passa mais tempo sozinho, não gosta de ser acariciado (DYER, 2005) e passam menos tempo

brincando seus proprietários ou com outros cães (MONTOYA, 2008).

Cerca de 50% de todos os cães de oito ou mais anos de idade, sofrem de um ou mais

desses sinais clínicos comportamentais, associados com o envelhecimento do cérebro, onde

esses sinais são progressivos e sutis variando com as diferentes fases da doença (MONTOYA,

2008).

2.5 Diagnóstico

A DCC é diagnosticada principalmente em cães mais velhos com idade superior a

nove anos, porém deve-se suspeitar da doença em cães a partir de sete anos de idade que

apresentam deficiência cognitiva progressiva (DEWEY, 2003).

Apesar da complexidade e dificuldades inerentes à esta síndrome (HORWITZ, 2001),

o clínico deve realizar uma avaliação minuciosa incluindo exame físico completo, exame

neurológico específico, avaliação oftálmica, hemograma completo, perfil bioquímico sérico,

urinálise, função hepática e testes de função endócrina (LANDSBERG e HEAD, 2008).

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O diagnóstico de distúrbios comportamentais é geralmente baseado nos resultados de

um amplo e completo histórico comportamental do animal (HORWITZ, 2000; HORWITZ,

2001). Determinar origem, duração, progressão, como, quando e com que freqüência ocorre o

determinado problema, além de explorar ao máximo a rotina do animal e da família, podem

ser cruciais para o diagnóstico correto da doença (ROCHA, 2008).

No caso da DCC, o diagnóstico é feito por exclusão, onde se um ou mais dos sinais

clínicos forem observados no paciente, sem que possa ser identificada uma causa médica

primária no exame físico ou testes diagnóstico, então deve-se solicitar que o proprietário

preencha um formulário mais detalhado (Figura 6) (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Animais diagnosticados com problemas médicos e/ou comportamentais, também

podem apresentar a DCC simultaneamente (DYER, 2005), onde, embora seja prudente manter

um animal idoso sob terapia de longo prazo, em uma tentativa de retardar o progresso da

doença e melhorar a qualidade de vida do animal, muitos proprietários podem não querer

continuar o tratamento, a menos que haja alguma melhora evidente na condição do animal

(LANDSBERG, et al., 2005).

A única certeza no diagnóstico baseia-se no estudo histopatológico de uma amostra do

cérebro, onde se pode encontrar acúmulos microscópicos de proteína β-amilóide

(MONTOYA, 2008), em várias áreas encefálicas após a necropsia (LIAO, et.al, 2007).

No caso da DA, a obtenção de imagens do encéfalo em tomografia computadorizada

(TC) ou ressonância magnética (RM) geralmente são parte de um plano diagnóstico e deve

fazer parte da tentativa de diagnóstico da DCC (DEWEY,2003). A RM é um exame que pode

ser usado para medir as variações na anatomia do sistema nervos central, tais como a atrofia

do córtex cerebral ou o aumento dos ventrículos (DYER, 2005).

Um estudo foi realizado com o objetivo de criar testes para o diagnóstico clínico da

DCC, testes esses visuais de discriminação de aprendizagem e memória (VDLM) (LIAO,

et.al, 2007). Foram utilizados 30 cães saudáveis, sendo 15 menores de 7 anos de idade, e 15

com 7 anos de idade ou mais (LIAO, et.al, 2007). Os testes VDLM, incluindo a aprendizagem

com a utilização da recompensa (RAL), aprendizagem na abordagem de objetos (OAL),

atraso na resposta de retorno a posição (DNMP) e discriminação de tamanho (SD), onde

houve diferenças significativas entre o grupo de cães jovens e o grupo de cães idosos em

todos os testes (RAL= 0.036; SD= 0,012; OAL= 0,002; DNMP= 0,043), mostrando ser esse

um bom método de diagnóstico para pacientes com suspeita de DCC (LIAO, et.al, 2007).

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Figura 6 – Modelo de prontuário clínico para avaliação da DCC. Fonte: LANDSBERG e HEAD,

2008.

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2.6 Tratamento

Se a DCC for o diagnóstico presuntivo, então o tratamento deve ser implementado na

tentativa de melhorar os sinais clínicos, e talvez, retardar o progresso da doença

(LANDSBERG e HEAD, 2008). Nesta característica complexa da enfermidade, várias

ferramentas terapêuticas tem sido postuladas no controle da DCC.

2.6.1 Selegilina

A selegilina é a única droga disponível atualmente e rotulado para a DCC nos Estados

Unidos da América (LANDSBERG e HEAD, 2008), sendo um inibidor irreversível da

monoamina oxidase B (MAOB) (DEWEY,2003). Embora os mecanismos pelos quais a

selegilina produza melhora clínica em cães com DCC ainda não estejam claramente

entendidos, o aumento da dopamina e, talvez, de outras catecolaminas no córtex encefálico e

no hipocampo parece ser um efeito importante (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Além dessas ações, a selegilina diminui a produção de radicais livres (HORWITZ,

2001), pois como a MAOB está inibida, menos radicais livres tóxicos são produzidos

(LANDSBERG e HEAD, 2008), e exerce também efeito neuroprotetor, diminuindo e

retardando a morte dos neurônios (HORWITZ, 2001). Também se tem demonstrado que esta

droga aumenta a 2-feniletilamina (PEA) no cérebro canino, e como a PEA é um

neuromodulador que intensifica as funções da dopamina e das catecolaminas, pode ela

mesma melhorar e intensificar a função cognitiva (LANDSBERG, et al., 2005).

A melhoria da função cognitiva é frequentemente observada em 2-4 semanas, sendo

que alguns cães melhoram após o segundo mês de tratamento (Figura 10) (HORWITZ,

2001). O tratamento com a seligilina pode ser iniciado com a dose de 0,5-1,0 mg/kg, a cada

24 horas no período da manhã, pois ajuda a combater as mudanças no ciclo sono/vigília

(HORWITZ, 2001).

Em estudos realizados, comprovou-se que 69-75% dos cães melhoram em pelo menos

um sinal clínico após um mês de tratamento (CURTIS, 2010). A resposta ao tratamento varia

de acordo com o grau de declínio cognitivo no início da doença, a duração do tratamento e a

gravidade da DCC, onde a avaliação da resposta ao tratamento pode ser realizada refazendo o

questionário e comparando com o outro questionário anteriormente realizado (HORWITZ,

2001). Se há um efeito positivo visto com o tratamento, é recomendado que a medicação seja

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dada pelo resto da vida do animal, e que exames de sangue sejam feitos periodicamente

(CURTIS, 2010). Embora animais com problemas comportamentais possam melhorar com a

terapia à base de selegilina, os antidepressivos e ansiolíticos também podem ser uma opção

(LADSBERG, et al., 2005).

2.6.2 Antioxidantes

Uma estratégia para o controle da DCC é o emprego de antioxidantes para reduzir a

lesão por radicais livres podendo retardar o declínio cognitivo e melhorar os sinais

comportamentais associados com a DCC (LANDSBERG, et al., 2005; LANDSBERG e

HEAD, 2008). Com isso, ocorre a neutralização dos efeitos nocivos dos radicais livres

produzidos pelo estresse oxidativo, melhorando assim a função mitocondrial das células

(MILGRAM, et al., 2002).

As defesas antioxidativas normais do organismo são enzimas, como a superóxido

dismutase, catalase e glutationa, além das vitaminas A, C e E, as quais eliminam os radicais

livres conforme são produzidos, e um acúmulo progressivo na lesão oxidativa de proteínas e

lipídios é observado no cérebro canino com a progressão da idade (LANDSBERG e HEAD,

2008).

Os antioxidantes atuam removendo e minimizando a produção de espécies de

oxigênio reativas, conjugando íons metálicos que podem fazer com que uma espécie

fracamente reativa fique mais tóxica e reparando danos nos tecidos-alvo (LANDSBERG, et

al., 2005). Dentre os principais antioxidantes, está o tocoferol, a vitamina E, a qual protege as

membranas celulares do dano oxidativo ao aprisionar os radicais dentro das membranas e

interromper a perioxidação lipídica, e o ácido lipóico, que é um cofator mitocondrial e pode

retardar o progresso dos sinais comportamentais (LANDSBERG e HEAD, 2008).

Em um estudo realizado, foram comparados testes de discriminação em cães idosos

alimentados com uma dieta de controle, e outro grupo com cães idosos alimentados com uma

dieta rica em vitamina E, vitamina C e ácido lipóico, onde foi demonstrado um efeito

benéfico significativo da dieta com antioxidantes na capacidade de aprendizagem dos cães

idosos (GRAVES, 2005).

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2.6.3 Cofatores mitocondriais

Outra estratégia que está sendo utilizada, é a dieta para cães idosos suplementada com

antioxidantes, co-fatores mitocondriais e ácidos graxos essenciais, os quais têm demonstrado

melhorar o desempenho de muitas tarefas cognitivas quando comparados com cães idosos

sob uma dieta não suplementada (Figura 7) (LANDSBERG, et al., 2005). O tratamento

dietético pode ser feito com a Hill’s b/d® canina, que tem uma fórmula antioxidante especial

que melhora a capacidade de aprendizado e atenção, onde estudos mostram que o tratamento

feito com esta dieta por si só reduz acidentes como defecar e urinar em locais inapropriados e

desorientação, e também melhora a interação com a família e os padrões sono/vigília

(CURTIS, 2010).

2.6.4 Imunoterapia

Existem alguns estudos que foram realizados em cães, onde foram utilizados

procedimentos de imunização anti β-amilóide que podem reduzir a produção e deposição no

encéfalo dos pacientes. Nesses estudos foram utilizados cães da raça Beagle. O grupo

controle apresentou o acúmulo de placas senis de forma extensa e no grupo imunizado, por

sua vez, o acúmulo foi significamente reduzido (HEAD, et al., 2008).

As vacinas contra a substância β-amilóide tem sido demonstradas como uma forma

eficaz, reduzindo significativamente a intensidade dos sinais apresentados pelo acúmulo de

β-amilóide, mostrando assim que num futuro próximo ter-se-ão novas formas de controle via

imunológico (MORGAN, 2011).

2.6.5 Outros fármacos

Várias outras substancias podem ser utilizadas para auxiliar no tratamento da DCC,

como a nicergolina que pode aumentar o fluxo sanguíneo cerebral, possui efeito

neuroprotetor sobre os neurônios e também pode aumentar a produção e liberação de

dopamina e norepinefrina e inibir a agregação plaquetária, sendo recomendada para cães

idosos com atividade reduzida, distúrbios do sono, eliminação de dejetos em casa, apetite

reduzido e diminuição da consciência (LANDSBERG e HEAD, 2008). Outra substancia que

pode ser utilizada é a propentofilina, que tem sido defendida por aumentar o suprimento de

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oxigênio para o SNC sem aumentar a demanda de glicose, além de acreditar-se que ela inibe

a agregação plaquetária e a formação de trombos, torne os eritrócitos mais flexíveis e

aumente o fluxo sanguíneo, sendo recomendada para cães idosos que apresentam

obnubilação e letargia (LANDSBERG, et al., 2005).

Também existe alguma evidência em humanos de que o extrato de ginkgo biloba, na

dose de 40mg/kg, três vezes ao dia, leva a um retardo na progressão da DA e em alguns casos

até mesmo a uma melhora, onde o mecanismo de ação pode incluir a inibição reversível da

MAO e a destruição dos radicais livres (LANDSBERG e HEAD, 2008).

A qualidade de vida precisa ser preservada e desde medidas simples de mudança

ambiental como uso de rampas para os cães e manejo da dor podem ser implementadas

(AUTRAN, 2006).

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3. CONCLUSÃO

Cães idosos desenvolvem neuropatias assim como os seres humanos, principalmente

pelo acúmulo de β-amilóide no cérebro, onde ambos apresentam prejuízos na função

cognitiva, e embora a DCC apresente muitas semelhanças com a DA, os cães não apresentam

a DA, pois neles não são encontrados os emaranhados neurofibrilares, principal marcador da

DA. A DCC é uma doença que apesar de o diagnóstico ser bastante trabalhoso, ele precisa ser

feito o mais precoce possível para que possa haver uma melhora significativa nos sinais

clínicos. Para facilitar o diagnóstico precoce da doença, pode ser incluído perguntas sobre o

comportamento do animal durante consultas de rotina, principalmente quando se tratar de um

cão idoso. O quanto antes for iniciado o tratamento, melhor vai ser seu resultado. É muito

importante que além do tratamento medicamentoso, seja implementada uma dieta rica em

antioxidantes que são de suma importância para o sucesso do tratamento. Além disso o

proprietário tem que estar ciente da sua importância durante o tratamento, fazendo com que

ele entenda que a doença tem controle e que fazendo o tratamento correto, vai haver uma

grande melhora na qualidade de vida do animal e da família.

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