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    DE MODIFICADOR A CONECTOR: UM ESTUDO SINCRNICO DE IGUAL

    Felippe de Oliveira Tota

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras Vernculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Letras Vernculas (Lngua Portuguesa).

    Orientadora: Prof. Violeta Virginia Rodrigues

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2013

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    De modificador a conector: um estudo sincrnico de igual Felippe de Oliveira Tota

    Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Letras Vernculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Letras Vernculas.

    Examinada por:

    _________________________________________________

    Presidente, Prof. Doutora Violeta Virginia Rodrigues

    _________________________________________________

    Prof. Doutora Maria Beatriz Nascimento Decat UFMG

    _________________________________________________

    Prof. Doutora Maria Maura da Conceio Cezrio UFRJ

    _________________________________________________

    Prof. Doutora Mnica Maria Rio Nobre UFRJ, Suplente

    _________________________________________________

    Prof. Doutora Mariangela Rios de Oliveira UFF, Suplente

    Rio de Janeiro Fevereiro de 2013

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    Esta lngua como um elstico que espicharam pelo mundo.

    (Gilberto Mendona Teles)

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    In absentia

    Clarice, minha av, por ser o meu maior exemplo de determinao,

    e Elenice, colega de pesquisa, por todo o zelo e carinho dispensado a mim em to pouco tempo.

    In praesentia Darcilia, minha me, pelo amor e por motivar as minhas ambies, Cledemilson, meu pai, pelo exemplo, afeto e dedicao, e Daniel, meu irmo, pela cumplicidade, respeito e pacincia.

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    Agradeo ao CNPq, por ter possibilitado e financiado esta pesquisa.

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    AGRADEO,

    Primeiramente, a Deus, por me fazer capaz de alcanar muitos objetivos em minha vida, inclusive este.

    Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues, minha orientadora, por toda a pacincia, dedicao, empenho, puxes de orelha e, principalmente, pelo crdito dado s minhas capacidades.

    Professora Doutora Maria Maura Cezario, pela solicitude em todas as vezes em que precisei de ajuda acerca do Funcionalismo e por sua dedicao como docente, que eu, desde a graduao, pude conhecer .

    Professora Doutora Maria Beatriz Nascimento Decat, por aceitar, prontamente, fazer parte da banca examinadora de meu trabalho e pelas obras que subsidiaram a minha pesquisa.

    Professora Doutora Mnica Maria Rio Nobre, por torcer pelo meu sucesso durante a minha trajetria e pelas diversas contribuies ao meu trabalho, como docente e pesquisadora.

    Professora Doutora Mariangela Rios de Oliveira, por aceitar o convite feito para compor a banca examinadora e pelas contribuies que tm dispensado ao Funcionalismo em lngua portuguesa.

    Professora Ktia Cristina de Almeida, por ser, desde o Ensino Mdio, um dos meus maiores exemplos de dedicao docncia.

    Aos colegas de pesquisa Anderson, Vanessa, Evelyn, Gustavo, Nathalia, Adriana, Raquel, Larissa e Marcella, por compartilharmos bons e maus momentos em anos de pesquisa.

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    colega Heloise Vasconcellos Gomes Thompson que, em especial, esteve a meu lado durante toda a trajetria de pesquisa e partilhou dos meus anseios, projetos e noites mal dormidas.

    Aos amigos Mariana Ximenes Bastos, Rony Rn-Ren Caminiti Jr. e Barbara Maciel Campos, pelo apoio, afeto e companheirismo de sempre, desde a graduao.

    Aos amigos Juliana Procpio, Dora Nathalia Teixeira e Bruno Aguero, pela

    cumplicidade e companheirismo de todo o tempo.

    Ao CNPq/PIBIC, pela concesso de bolsa de Iniciao Cientfica, momento em que os primeiros passos desta pesquisa foram dados.

    A todos os docentes de Lngua Portuguesa da Faculdade de Letras da UFRJ que, em alguma parcela, motivaram o meu foco.

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    SINOPSE

    Descrio do comportamento de igual e seu possvel processo de gramaticalizao. Elaborao de um continuum lingustico para a

    categorizao de igual em diferentes contextos discursivos. Reviso dos postulados tradicionais e no-tradicionais acerca dos conectores comparativos. Articulao hipottica

    de clusulas introduzidas por igual. Uso(s) de igual como conector e modificador.

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    De modificador a conector: um estudo sincrnico de igual

    Felippe de Oliveira Tota

    Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

    Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Letras Vernculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Letras Vernculas (Lngua Portuguesa).

    RESUMO

    Nesta dissertao, descreve-se o comportamento do vocbulo igual, que vem experimentando um processo de gramaticalizao, processo esse que prev a atribuio de caractersticas mais gramaticais a termos de caractersticas mais lexicais. Assim, o trabalho parte da hiptese de que, embora seja considerado, pela tradio, um adjetivo, igual apresenta uso(s) em outra funo, a de conector. Nesse sentido, foi proposto um continuum lingustico, a fim de que se determinasse a taxionomia de igual nos diversos contextos discursivos em que este se insere. Para subsidiar a proposta desta investigao, recorreu-se a diversos estudos de vis funcionalista, como os de Givn (1995), Halliday (1985), Hopper (1991), Barreto (1999), Heine (2003), Bybee (2010). Foram teis, ainda, consideraes acerca dos modificadores e conectores em Cunha & Cintra (1985), Bechara (1999), Azeredo (2007), Baslio (2003), Perini (2006, 2010), para que todos o(s) uso(s) de igual analisados fossem descritos. Este estudo verifica tambm, com base em Decat (1993, 1999, 2010), o comportamento hipottico das clusulas introduzidas por igual que podem apresentar diferentes valores semnticos e exercer inmeras funes textual-discursivas dentro da estrutura a que se associam. Para tanto, coletaram-se 620 dados de igual em quatro diferentes corpora: Corpus Compartilhado do Projeto VARPORT, Jornal Adufrj-SSind - Associao dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro Seo Sindical, Corpus do Grupo Discurso & Gramtica D & G e Corpus Roteiros de Cinema.

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    De modificador a conector: um estudo sincrnico de igual

    Felippe de Oliveira Tota

    Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

    Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Letras Vernculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Letras Vernculas (Lngua Portuguesa).

    ABSTRACT

    This dissertation describes the behavior of the word igual, which is undergoing a process of grammaticalization, that provides for the allocation of more grammatical features the terms of lexical characteristics. Thus, work on the assumption that, although it is considered, by tradition, an adjective, igual has use (s) in another function of the connector. Accordingly, we propose a linguistic continuum in order to determine that the taxonomy of the word in different discursive contexts in which it occurs. To subsidize the purpose of this investigation, we used several studies functionalist bias, such as Givn (1995), Halliday (1985), Hopper (1991), Barreto (1999), Heine (2003), Bybee (2010). Were useful also considerations about the modifiers and connectors Cunha & Cintra (1985), Bechara (1999), Azeredo (2007), Basil (2003), Perini (2006, 2010), so that all the (s) use (s) of the word to be analyzed described. This study also finds, based on Decat (1993, 1999, 2010), the behavior of the hypotactic clauses introduced by igual that may have different semantic values and perform numerous functions within the textual-discursive structure to which they associate. Therefore, data were collected from 620 igual in four different corpora: Corpus Compartilhado do Projeto VARPORT, Jornal Adufrj-SSind - Associao dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro Seo Sindical, Corpus do Grupo Discurso & Gramtica D & G and Corpus Roteiros de Cinema.

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    SUMRIO

    INTRODUO 15

    1. FUNDAMENTAO TERICA 19 1.1 A vertente funcionalista 19 1.2 O conceito de gramaticalizao 25 1.3 A viso de Bybee (2010) 33

    2. O COMPORTAMENTO FUNCIONAL DOS MODIFICADORES EM LNGUA PORTUGUESA 39

    2.1 Os modificadores na abordagem tradicional 39 2.2 Os modificadores em outras teorias 42 2.3 Os adjetivos adverbializados 46

    3. O PAPEL DOS CONECTORES COMPARATIVOS EM LNGUA PORTUGUESA 49

    3.1. A noo de conector 49 3.2. Os conectores comparativos nas abordagens tradicionais

    e no tradicionais 50 3.3. Barreto (1999) e a gramaticalizao de conjunes 53

    4. DESCRIO DOS CORPORA 58 4.1 Os corpora 58 4.2 Os tipos e gneros textuais nos corpora 59 4.3 O continuum fala e escrita 65

    5. ANLISE DOS DADOS E RESULTADOS 72 5.1 O(s) uso(s) de igual como modificador 72 5.2 O(s) uso(s) de igual como conector 74 5.3 A criterizao do(s) uso(s) de igual 79 5.4 A frequncia type/token 84

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    6. IGUAL E SEU COMPORTAMENTO FUNCIONAL-DISCURSIVO EM CLUSULAS HIPOTTICAS 95

    6.1 Clusulas hipotticas nas abordagens funcionalistas 95 6.2 A hipotaxe adverbial e suas funes discursivas 102 6.3 Igual: introdutor de clusulas hipotticas 108 6.4 Anlise e resultados 110

    CONCLUSO 114

    BIBLIOGRAFIA 120

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    ABREVIATURAS, CONVENES

    ADUFRJ Associao dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Advs Advrbios

    CRPC Corpus de Referncia do Portugus Contemporneo

    D & G Discurso & Gramtica

    GSF Gramtica sistmico-funcional

    LDB Lei de Diretrizes e Bases

    NGB Nomenclatura Gramatical Brasileira

    RST - Rethorical Structure Theory

    SNs Sintagmas nominais

    SPreps Sintagmas preposicionados

    Ssind. Seo Sindical

    VARPORT - Anlise Contrastiva das Variedades do Portugus

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    LISTA DE FIGURAS, GRFICOS, QUADROS E TABELAS

    Figura 1: Esquema do ciclo funcional gramaticalizao/discursivizao 27 Figura 2: Continuum fala-escrita dos corpora analisados 71 Figura 3: Continuum da trajetria de gramaticalizao de igual 93

    Grfico 1: Frequncia tipolgica de todos uso(s) de igual nos corpora analisados 75 Grfico 2: Distribuio geral de frequncia type baseada no continuum fala e escrita 88

    Quadro 1: Quadro de ordenao dos domnios discursivos aplicado aos corpora de anlise 69 Quadro 2: Critrios para a categorizao de igual 84 Quadro 3: Eixo ttico postulado por Halliday (1985), com exemplos 98 Quadro 4: Eixo lgico-semntico, postulado por Halliday (1985), com exemplos 99

    Tabela 1: Distribuio de frequncia type/token no corpus D&G (Relatos retextualizados) 85 Tabela 2: Distribuio de frequncia type/token no corpus D&G (Relatos orais) 85 Tabela 3: Distribuio de frequncia type/token no corpus VARPORT oral 86 Tabela 4: Distribuio de frequncia type/token no corpus VARPORT escrito 86 Tabela 5: Distribuio de frequncia type/token no corpus ADUFRJ 86 Tabela 6: Distribuio de frequncia type/token no corpus Roteiros de Cinema 87 Tabela 7: Distribuio geral de frequncia type baseada no continuum fala e escrita 89

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    INTRODUO

    H muito, os estudos lingusticos, sobretudo os de vis funcionalista, chamam ateno para diversos mecanismos a que as mudanas da lngua submetem-se.

    O projeto Uso(s) de conjunes e combinao hipottica de clusulas, ao qual esta pesquisa est vinculada, atentou para um uso muito frequente e que ainda no havia sido amplamente descrito: o(s) uso(s) de igual como conector de clusulas1.

    Partindo dessa perspectiva, estruturas como a eu sa de l [igual um rob] ou Para mim, Mariazinha [igual uma filha] exemplificam um perodo composto por subordinao; por consequncia, pode-se entender o trecho destacado como uma clusula hipottica equivalente s oraes subordinadas adverbiais comparativas, segundo a gramtica tracidional. O que se tem verificado que, em determinados contextos discursivos, o termo grifado difere-se da categorizao de adjetivo proposta pelas teorias tradicionais. Assim, observou-se que o vocbulo passa por uma trajetria de mudana lingustica, j que se distancia da funo de adjetivo e assume, nesses casos, a funo de conector.

    A dicionarizao desse item j apresenta essa inovao, como se verifica no excerto do dicionrio Houaiss (2007, verso eletrnica):

    IGUAL

    adjetivo de dois gneros 1 que, numa comparao, no apresenta diferena quantitativa Ex.: 2 que, numa comparao, no apresenta diferena qualitativa Ex.: combater com armas i. 3 diz-se do que apresenta a mesma proporo, dimenso, natureza, aparncia, valor, intensidade; equivalente; uniforme Ex.: 4 cujos direitos e deveres no diferem Ex.: os homens so i. perante a lei 5 que no apresenta aspereza, salincia; plano, liso Ex.: uma superfcie i.

    1 Neste trabalho, utiliza-se a terminologia clusula, baseada em Halliday (1985) e Mathiessen &

    Thompson (1988), com o objetivo de adequar o estudo que est sendo desenvolvido e seu aporte terico. No entanto, nas sees referentes ao estudo de outros autores, respeitam-se as outras nomenclaturas, como sentena e orao.

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    Regionalismo: Brasil. 6 diz-se de pessoa que, no seu trato com outras, no faz distines de carter social, econmico ou intelectual Ex.: ele i. com todo mundo substantivo de dois gneros 7 pessoa que em relao a outra no apresenta diferena de qualidade ou valor Ex.: eles s se associam com os seus i. conjuno 8 cp.como, tal como, tal qual Ex.: andava de l para c, i. estivesse numa jaula advrbio 9 igualmente, sem distino Ex.: ele trata todo mundo i.

    A este trabalho, interessaro todos os usos, exceto o uso nmero 7 que, ao que parece, no participa da trajetria de mudana percorrida pelo item em questo.

    Com base em Barreto (1999), Hopper (1991) e Givn (1995), objetiva-se, neste trabalho, defender a hiptese de que igual vem experimentando um processo de gramaticalizao, ou seja, o item est se distanciando do mbito lexical ao passo que vm se aproximando do mbito gramatical. Desse modo, tenta-se aqui comprovar a gramaticalizao de igual por meio de um continuum lingustico, recorrendo-se analogia entre estudos tericos diversos e situaes reais de comunicao. Pode-se citar, por exemplo, a adequao feita entre os princpios de gramaticalizao postulados por Hopper (1991) e alguns corpora de lngua falada e escrita.

    Este trabalho compe-se de seis captulos. O primeiro deles apresenta a fundamentao terica adotada, que se baseia em estudos funcionalistas, uma vez que se pretende considerar a lngua em uso. Inicialmente, discute-se o conceito de funo, apresentando uma breve abordagem sobre a dicotomia existente entre forma e funo luz das consideraes de estudiosos formalistas e funcionalistas como Chomsky (2006), Butler (2003) e Dillinger (1991). A seguir, explicitam-se as avaliaes de Halliday (1985) e Givn (1995), no que tange s diversas funes que so desempenhas dentro da gramtica da lngua. As diferentes acepes para o conceito de gramaticalizao e as impresses da lingustica cognitiva a respeito da mudana lingustica tambm so elucidadas nesse captulo, tendo em vista a hiptese que ser defendida.

    No captulo 2, so apontados alguns diferentes pontos de vista no que se refere aos modificadores em lngua portuguesa. Entendendo-se que igual dicionarizado, em grande parte, como adjetivo, parece vivel que se recorra s abordagens tradicionais e

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    no-tradicionais a respeito desse grupo sobretudo os adjetivos e advrbios. Bonfim (1988), Baslio (2003), Perini (2006, 2010), Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008) so alguns dos autores que subsidiaram esta parte da pesquisa, no mbito no-tradicional. Bechara (1999), Cunha & Cintra (1985) e Rocha Lima (1983) foram os autores tratados no mbito tradicional.

    No captulo 3, discute-se o uso dos conectores em lngua portuguesa. Primeiramente, aborda-se a questo do uso do termo conector e cotejam-se, tambm, os estudos tradicionais e no-tradicionais a esse respeito. Exceto Luft (1978), os mesmos autores tradicionais anteriormente vistos na parte dos modificadores so investigados. Para os estudos no-tradicionais, foram utilizadas as noes de Mateus et al (2003), Carone (2008), Rodrigues (2001, 2010) e outros.

    O captulo 4 descreve os corpora utilizados nesta pesquisa. So eles: Corpus Compartilhado do Projeto VARPORT, Jornal Adufrj-SSind - Associao dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro Seo Sindical, Corpus do Grupo Discurso & Gramtica D & G e Corpus Roteiro de Cinema. Optou-se por corpora heterogneos, a fim de considerar, sincronicamente, o(s) uso(s) das estruturas de igual em diferentes situaes reais de interao, tanto na fala, quanto na escrita. Os corpora utilizados sero distribudos e analisados em uma metodologia que tambm ser explicitada neste captulo.

    O captulo 5 destina-se anlise dos dados coletados em cada corpus , aplicando-se aos usos a fundamentao terica da pesquisa. Parte-se, em primeiro lugar, dos uso (s) de igual como modificador; posteriormente, examinam-se os uso(s) de igual como conector. Discutem-se, ainda, os casos hbridos de igual, em que se notam caractersticas de ambas as categorias. Assim, elencam-se alguns critrios para definir a palavra como (+) modificador ou (+) conector.

    Alm disso, utiliza-se, neste captulo, a proposta de Bybee (2010) para a quantificao de dados lingusticos: a frequncia token e a frequncia type. O primeiro mtodo lida com a frequncia de ocorrncia de uma unidade, seja palavra ou morfema na anlise em um corpus; por outro lado, o segundo mtodo refere-se frequncia de padres, ou seja, o tipo de deslizamentos funcionais ou diversidade de funes verificadas na gramaticalizao. A partir deste mtodo, chega-se a definies sobre a trajetria de gramaticalizao de igual, assim como se esclarece em que contextos so empregados o(s) uso(s) da expresso como modificador ou conector.

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    No captulo 6, mostra-se o comportamento hipottico das clusulas adverbiais introduzidas por igual, partindo de uma perspectiva funcional-discursiva. Com base em Decat (1993, 2010), entende-se que a hipotaxe, por ser um fenmeno de articulao de clusulas, reflete a organizao do discurso. Assim sendo, a clusula adverbial pode ser vista, comumente, como o fundo, a moldura, a informao necessria compreenso do que relatado no ncleo (Decat, 1993, p.182). Alm de Decat (1993, 2010), empregam-se tambm outros aportes tericos concernentes combinao de clusulas hipotticas, na viso funcionalista. Nesse sentido, sero consideradas as contribuies de Halliday (1985), Chafe (1988) e Mathiessen & Thompson (1988) a esse respeito.

    Por fim, apresentam-se as concluses da anlise dos dados, desejando que esta incite novas anlises dos usos lingusticos de igual.

    Espera-se, com este trabalho, que a lngua seja compreendida como instrumento de interao em todos os nveis, e no s naqueles em que se prioriza a norma culta, como os compndios gramaticais. Assim, ser possvel repensar diversas questes relativas ao ensino e s pesquisas j desenvolvidas no mbito da lngua portuguesa.

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    1. FUNDAMENTAO TERICA

    Neste trabalho, parte-se da hiptese de igual equivaler, em situaes reais de interao, a um introdutor de clusulas hipotticas circunstanciais e, desse modo, assemelhar-se a uma conjuno. Assim, investigam-se aqui diversas contribuies do funcionalismo lingustico que possam alicerar essa ideia.

    Portanto, sero feitas diferentes elucidaes de estudos funcionalistas acerca do conceito de funo para que elas auxiliem a legitimar as constataes a serem feitas. Para isto, faz-se, a princpio, uma breve abordagem sobre a dicotomia existente entre forma e funo, luz das consideraes de estudiosos formalistas e funcionalistas como Chomsky (2006), Butler (2003) e Dillinger (1991). Mais adiante, explicitam-se as conceituaes de Halliday (1985) e Givn (1995), no que tange s funes desempenhadas pelos itens dentro da gramtica da lngua.

    Em sequncia, discorre-se sobre a noo de gramaticalizao. Justifica-se essa escolha com base em pesquisas referentes s funes desempenhadas por igual, pois se observa, nesse item, a no-correspondncia entre os contextos reais de interao e o que postula a tradio gramatical. Embora igual funcione tambm como conjuno, h determinados contextos de uso em que a palavra ainda detm as caractersticas lexicais de sua classe prototpica, adjetivo. Assim, baseando-se em Newmeyer (2001), Hopper (1991), Hopper & Traugott (1993), Bybee (2010) e outros estudos, constata-se que igual vem experimentando um processo de gramaticalizao, ou seja, o item est se distanciando do mbito lexical e vm se aproximando mais do mbito gramatical.

    1.1 A vertente funcionalista

    A dicotomia forma versus funo: algumas vises tericas

    A relao dicotmica entre forma e funo suscita, no mbito das investigaes lingusticas, discusses diversas.

    Na viso funcionalista, considera-se que a linguagem no suficiente em si prpria; desse modo, constitui-se como uma entidade que pressupe a incluso do

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    falante. Em contrapartida, a viso formalista defende que a linguagem um objeto autnomo, visto que a estrutura lingustica independe do uso.

    Nesse sentido, o tratamento dado lngua em cada vertente de estudo lingustico distinto. medida que uma gramtica formalmente orientada considera a lngua no que tange estrutura sistemtica de suas formas, interessa a uma gramtica funcionalmente orientada observar as relaes entre formas e funes.

    Para os estudiosos do polo formalista como Chomsky, em lingustica gerativa e Bloomfield em lingustica estrutural a lngua um objeto isolado. Desse modo, no h relao entre a lngua, seu significado e seu meio; consequentemente, desconsidera-se a situao comunicativa, ou seja, a lngua em uso.

    Segundo Chomsky (2006), os seres humanos detm competncia lingustica, ou seja, so capazes de julgar a estrutura da lngua e consider-la gramatical ou agramatical. Com isso, notam-se as interpretaes do falante acerca das relaes entre as sentenas, produzidas por um domnio da mente organizado por regras prprias - a linguagem. Por esse motivo, os estudos de Chomsky no visam observao da lngua em uso: se a gramtica internalizada, somente a deduo das formas capaz de apontar como constitudo o sistema lingustico. De acordo com o linguista, portanto,

    () errado pensar o uso humano da lngua como primordialmente informativo, real ou intencionalmente. A linguagem humana pode ser usada para informar ou enganar, para esclarecer os prprios pensamentos ou para mostrar inteligncia, ou simplesmente para jogar (Chomsky, 2006, p.61)2.

    Por outro lado, Butler (2003) defende que o que diferencia formalismo e funcionalismo a interao social, ressaltando a importncia de consider-la a fim de entender a lngua como ela . Segundo ele, diversas teorias lingusticas que se opem ao formalismo so tratadas como funcionalistas por envolverem uma abordagem que envolve pragmtica, cognio e discurso dentro de um contexto.

    Dessa forma, a vertente funcionalista abordar a lngua como um meio de comunicao e interao entre os falantes, descartando a arbitrariedade do sistema lingustico e fomentando o papel sinttico, semntico, pragmtico e discursivo

    2 () it is wrong to think of human use of language as characteristically informative, in fact or in

    intention. Human language can be used to inform or mislead, to clarify ones own thoughts or to display ones cleverness, or simply for play. (Chomsky, 2006, p.61).

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    desempenhado pelas estruturas da lngua. Como prev Dik (1978 apud Neves, 1997, p. 47), a pragmtica o quadro dentro do qual a semntica e a sintaxe devem ser estudadas; as prioridades vo da pragmtica sintaxe, via semntica.

    Vale destacar que o funcionalismo no leva em conta o conceito de comunicao como, simplesmente, codificao e transmisso de informaes; a esse polo da lingustica cabe tambm relevar todos os fatores inseridos na situao comunicativa, ou seja, cabe a ele obter a competncia comunicativa como objeto de estudo.

    Dillinger (1991), motivado pelo debate terico traado por Votre & Naro (1989) e Nascimento (1990), expe suas acepes no que tange aos objetos de estudo das vertentes funcionalista e formalista. A partir delas, ele conclui que forma e funo no deveriam ser consideradas como alternativas, mas sim complementares. Para o estudioso, a forma corresponde s padronizaes da lngua, configurando, consequentemente, classes de palavras e combinao entre elementos. Nesse sentido, seria possvel tratar a lingustica como uma cincia, pois a gramtica seria o seu objeto de estudo.

    Nesse mbito, Dillinger (1991) aponta que uma das principais diferenas da oposio funcionalismo/formalismo pautava-se justamente no tratamento da lingustica como cincia. Observar os aspectos funcionais da lngua atingiria o carter cientfico da lingustica, pois o significado e o uso das formas lingsticas em atos comunicativos (cf. Dillinger, 1991, p.398) invalidariam, de certo modo, a gramtica formal - objeto de estudo da corrente formalista. No entanto, defende-se, por parte do linguista, que o objeto estudado o mesmo para o funcionalismo, enquanto os fenmenos so distintos: funcionalistas atrelam lngua e contexto; formalistas no.

    Por fim, entende-se que o argumento de Dillinger (1991), aliado s outras caracterizaes do funcionalismo e do formalismo, permite compreender que o funcionalismo e o formalismo no so teorias excludentes. Tais estudos, portanto, complementam-se e no devem ser vistos como alternantes.

    Givn (1995): o princpio da iconicidade

    De acordo com os postulados de Givn (1995), h uma gramtica no-formalizada, motivada e no-arbitrria, que relaciona forma e funo. Assim, as estruturas lingusticas passaram a ser examinadas por sua dinamicidade, tendo em vista

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    as possveis mudanas e adaptaes realizadas pelos usurios da lngua em situaes de interao com outros usurios. Essas mudanas e adaptaes no so mais vistas como aleatrias e acidentais, isto , no so arbitrrias, mas sim motivadas, pois so fruto da interao lingustica.

    Para o linguista, a iconicidade entendida como a relao de motivao entre a forma e o significado de palavras, de frases e, at mesmo, de textos. Partindo de uma perspectiva que encara a lngua como um organismo vivo, que se adapta s necessidades comunicativas dos falantes, entende-se que a estrutura da lngua reflete, de algum modo, a estrutura da experincia (Cunha, Rios de Oliveira e Martelotta, 2003, p. 30).

    O princpio da iconicidade desdobra-se em trs subprincpios (Givn, 1995): subprincpio da quantidade, subprincpio da proximidade ou adjacncia e subprincpio da ordenao sequencial.

    O subprincpio da quantidade diz respeito relao direta entre o contedo da informao e o contedo fnico que representa essa informao. Assim, quanto maior a quantidade de informao, maior a forma. Este subprincpio relaciona-se complexidade da informao, visto que informaes mais complexas e menos previsveis tendem a receber mais material lingustico, ao passo que a informao mais simples e previsvel tende a se expressar de forma menos complexa.

    O subprincpio da proximidade ou adjacncia concerne relao entre proximidade cognitiva e sinttica: contedos mais prximos cognitivamente se manifestam de forma mais integrada sintaticamente. Do mesmo modo, conceitos recm-ativados levam ativao de outros conceitos cognitivamente relacionados.

    O subprincpio da ordenao sequencial refere-se disposio estrutural da informao e se subdivide, ainda, em dois outros subprincpios: subprincpio da ordenao linear e subprincpio da ordem sequencial e topicalidade. Pelo subprincpio da ordenao linear, prev-se que a ordenao de uma sequncia de fatos motivada pela ordem em que essa sequncia ocorreu. J o subprincpio da ordem sequencial e topicalidade parte dos objetivos do emissor da sentena. As informaes j compartilhadas (velhas) tendem a ocorrer no incio da sentena, enquanto as informaes no compartilhadas (novas) tendem a aparecer no final dela.

    Assim sendo, a representao icnica de determinadas estruturas sobretudo das clusulas que interessam a este trabalho deve ser observada em relao extenso, integrao e posio para que as investigaes lingusticas, sob a tica funcionalista, sejam suficientes e auxiliem o estudo da lngua. Este trabalho orienta-se nesse sentido, a

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    fim de examinar uma estrutura comparativa em funo do(s) seu(s) uso(s) mais frequente(s) em lngua portuguesa.

    O Funcionalismo de Halliday (1985)

    Halliday (1985) prope a existncia de um modelo de gramtica sistmico-funcional (GSF). Utiliza-se o termo sistema pela gramtica ser entendida, nesse caso, como um construto definido por partes, at que se caracterize em funo do todo. Por outro lado, utiliza-se o termo funo para entender os elementos da lngua como afins da comunicao, ou seja, configura-se a funo desses elementos a partir dos contextos situacionais de interao verbal.

    Para Halliday (1985), os contextos situacionais dizem respeito s circunstncias mais imediatas no ato comunicativo, envolvendo os sentidos, as suas expresses e suas configuraes textuais. Eles incluem o tipo de atividade social (conversa, apresentao etc.), o tipo de relao entre os interlocutores (simtrica, assimtrica, prxima, distanciada), modalidade textual (falada, escrita), o canal de comunicao (telefone, televiso, a voz etc.), o nvel de formalidade (informal, semiformal, formal).

    Condicionando, desse modo, a lngua em uma rede sistmica, o autor a distribui em eixos paradigmticos e sintagmticos. Enquanto o primeiro corresponde aos traos/possibilidades da lngua, o segundo corresponde s funes, que so as escolhas dessas possibilidades.

    Assim, para Halliday (1985), o eixo paradigmtico muito importante, pois so nos traos que esto ao mesmo tempo o significado formal e [o] significado semntico (Martin apud Neves, 1997, p.60) e que determinam, ento, a escolha, consciente ou inconsciente do falante. A partir disso, resultam-se as trs funes (ou metafunes) que constituem os objetivos da linguagem, sendo as trs no excludentes entre si, mas interrelacionveis:

    a) funo ideacional, que aponta uma rede de significaes em potencial; elas exprimem as experincias do mundo exterior e interior, enfantizando o texto a ser construdo;

  • 24

    b) funo interpessoal, que estabelece as relaes humanas, importando nela o modo como se fala (tal funo esclarece, por exemplo, o papel da entonao dentro do discurso);

    c) funo textual: que trata da organizao da situao dentro de um discurso, concatenando as partes de um texto, por exemplo.

    Dessa forma, no que concerne realizao de cada funo por meio de um sistema:

    a) a funo ideacional codifica-se pelo sistema de transitividade, que, no Funcionalismo, refere-se noo contnua que se estende por toda a clusula (e no s ao verbo);

    b) a funo interpessoal codifica-se pelo sistema de modo, abrangindo as vozes dos verbos, a organizao morfo-sinttica e a modalidade da clusula3;

    c) a funo textual codificada pelos vrios mecanismos de coeso e pelos sistemas temtico (tema e rema) e de informao (dado e novo)4.

    Dessa maneira, o que constitui a unidade lngustica so as configuraes de suas funes e a relao destas com o todo, uma vez que [...] uma gramtica funcional aquela que constri todas as unidades de uma lngua suas oraes, suas expresses como configuraes orgnicas de funes, e, assim, tem cada parte interpretada como funcional em relao ao todo (cf. Neves, 1997, p.63).

    Em Halliday (1985), a fim de reforar os preceitos funcionalistas, indica-se a prevalncia da funo em relao forma, defendendo-se que as clusulas so estudadas pelo seu entorno, isto , analisa-se o texto, e no a clusula em separado. O linguista garante que a primazia da funo sobre a forma ocorre em qualquer nvel da lngua e que cada frase elaborada adquire um carter multifuncional, visto que muda de predicador e argumentos a cada situao comunicativa.

    O autor discute, ainda, a combinao tema/rema (dado/novo), em que este de onde parte a mensagem elaborada e aquele tudo o que se declara sobre este. Halliday

    3 Cf. em Souza (2009, p. 37).

    4 Cf. em Souza (2009, p. 37).

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    (1985) afirma que, em um texto, tais determinaes so variveis a depender do discurso; assim, diferentes contextos propiciam diferentes temas e remas.

    Halliday (1985) tambm destaca que as funes, em conjunto, organizam a informao a ser transmitida. Por este motivo, sintaxe e semntica esto interligadas, pois a significao exige a ordenao adequada dos termos da frase, bem como a dependncia entre termos responsvel pela compreenso do sentido de uma frase por parte do interlocutor.

    Embora a investigao de Halliday (1985) leve em conta valores situacionais mais abstratos, como o campo, o teor e o modo do discurso5, analisa-se tambm a pertinncia das funes em nveis menores, mais concretos. No que se refere a nomes, verbos, modificadores, diticos, destaca-se sempre a funo ideacional, por estes representarem sempre as coisas do mundo.

    A gramtica sistmico-funcional de Halliday (1985) interpreta, portanto, a funo lingustica de maneira sistmica. Para ele, a gramtica vista como natural, uma vez que tudo nela se explica com referncia em como a lngua usada, ou seja, os elementos da lngua so explicados por sua funo no sistema lingustico.

    Entendendo o texto como a unidade maior de funcionamento, Halliday (1985) defende a observao do carter multifuncional dos itens que o compem. Desse modo, uma gramtica funcional constituda pelos significados que esto codificados em sequncias lingusticas.

    1.2 O conceito de gramaticalizao

    O termo gramaticalizao foi utilizado pelo estudioso Antoine Meillet que, no mbito da lingustica histrico-comparativa, empregou o termo a fim de explicar a formao de novas palavras em uma lngua: por analogia ou por gramaticalizao, ou seja, a atribuio de caracterstica gramatical a uma palavra anteriormente independente e autnoma.

    5 Cunha e Souza (2007, p. 20-21) afirmam que: No contexto de situao, esto as caractersticas

    extralingsticas dos textos, que do substncia s palavras e aos padres gramaticais que falantes e escritores usam, consciente ou inconscientemente, para construir os diferentes gneros, e que os ouvintes e leitores usam para identificar e classificar esses gneros. Essas diferenas entre os gneros podem ser atribudas a trs aspectos constitutivos do contexto de situao que a LSF denomina de campo, relao e modo.(Souza, 2009, p. 33)

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    Entretanto, estudos posteriores apresentaram outras acepes para gramaticalizao. Afirma-se que esse processo pode ocorrer em uma lngua quando uma estrutura torna-se fixa e obrigatria. Como exemplo, pode-se citar a ordem SVO do ingls ou o preenchimento obrigatrio de sujeito, no francs. Diz-se ainda que um significado pode ser gramaticalizado na lngua quando for expresso por um elemento gramatical; a noo de tempo, por exemplo, pode ser entendida como um significado gramaticalizado como tempo verbal.

    Na acepo meilletiana, a gramaticalizao, por sua vez, pode ser compreendida como o processo pelo qual itens se tornam mais gramaticais no decorrer do tempo, ou abordagem/paradigma, abordando como as formas e construes gramaticais surgem, como so usadas e como modelam a lngua, conforme apontam Hopper e Traugott (1993, p. 1-2). Esse sentido de gramaticalizao tambm visto como paradigma funcional da gramaticalizao ou teoria da gramaticalizao, e envolve questes como fronteiras entre categorias, a interdependncia entre estrutura e uso, o que fixo e menos fixo na lngua. Evidencia a tenso entre a estrutura lexical, relativamente livre, e a estrutura sinttica, morfossinttica e morfolgica, mais restrita.

    Estudos desta natureza ganharam espao na literatura lingustica a partir da dcada de 1970, explodindo na dcada de 1990.

    O termo gramaticalizao est enraizado em outro termo: gramtica. Para ambos, h diversas acepes; logo, o que pareceria mais coerente seria apresentar, em primeiro lugar, o conceito de gramtica que subjaz a gramaticalizao. No entanto, raramente os conceitos de gramaticalizao incorporam explicitamente uma concepo de gramtica, que parece, normalmente, ser tcita e subentendida. Vejam-se algumas concepes de gramaticalizao:

    (i) para Heine (2003, p. 2), h gramaticalizao quando uma unidade ou estrutura lexical assume uma funo gramatical, ou quando uma unidade gramatical assume uma funo ainda mais gramatical;

    (ii) Hopper e Traugott (1993, p. 15) consideram a gramaticalizao como o processo por meio do qual itens e construes lexicais em certo contexto lingustico desempenham funes gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funes gramaticais;

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    (iii) de acordo com Bybee (2010), a gramaticalizao o processo pelo qual as estruturas que emergem a partir da lngua em uso so afetadas e integram construes sintticas particulares em determinados contextos, assumem funes gramaticais.

    As noes de processo e de mudana de estado da gramtica so comuns a grande parte das definies, mas no especificam o que a gramtica ou o que so as gramticas, j que h mudana. A ltima concepo, de Bybee (2010), alude concepo de gramtica emergente (Hopper, 1991); no h gramtica, mas gramaticalizao, ou seja, movimento em direo gramtica, que nunca chega a se completar.

    Este movimento em direo gramtica unidirecional. Sobre a unidirecionalidade, Traugott e Heine (1991) apontam que, se tomada da perspectiva diacrnica, possvel postular um contnuo de unidirecionalidade na gramaticalizao; possvel estabelecer, para determinado item, uma trajetria, cujas instncias de mudana so limitadas por um nmero de estruturas que so minimamente diferentes das anteriores.

    O processo de gramaticalizao compe-se por uma trajetria contnua que pode levar elementos lingusticos inseridos no mbito lexical ao mbito gramatical, ou ainda fazer com que categorias gramaticais tornem-se cada vez mais gramaticais. Givn (1979) postula um ciclo funcional em que a regularizao da lngua segue um curso unidirecional, em que itens lexicais assumem papis mais gramaticais, que, com o passar do tempo, transformam-se em estruturas mais fixas e regulares. J outros estudos defendem que, mantendo-se esse percurso, a frequncia de uso ocasiona o desgaste da funo e da forma dessas estruturas at que elas sejam, ento, trazidas novamente ao discurso, terminando um ciclo. Nomeia-se a ltima fase de retorno como discursivizao6. A figura 1 esclarece esquematicamente tais propostas.

    Figura 1: Esquema do ciclo funcional gramaticalizao/discursivizao

    6 Cunha, Rios de Oliveira e Martelotta (2003, p. 51) define como discursivizao o momento em que as

    unidades lingusticas migram para um nvel no-gramatical, no sentido de que elas deixam de obedecer s restries de seleo e literalmente retornam ao discurso.

  • 28

    A trajetria unidirecional da gramaticalizao no ocorre por si s. Para Hopper & Traugott (1993), aumento de frequncia de uso um ndice seguro de difuso lingustica e, a partir deles, alguns mecanismos dessa mudana podem atuar de forma conjunta, tais como a metfora (analogia) e a metonmia (reanlise).

    As mudanas decorrentes da gramaticalizao realizam-se no plano da forma e do sentido e ocorrem, normalmente, lado a lado (mas no necessariamente pode haver mudana formal desacompanhada de mudana no sentido, bem como mudana de sentido sem mudana formal). Nas lnguas romnicas, o sufixo -mente costuma ser elencado como exemplo de gramaticalizao com mudanas formais e de sentido (cf. Hopper & Traugott, 1993, p. 130-135):

    (a) clara mente; (b) claramente, lentamente; (c) clara e lentamente.

    Em (a), no latim, usa-se o nome feminino mens, (mente, na sua forma ablativa) ao lado de adjetivos para expressar o estado da mente de um ser (clara mente = mente clara, estado psicolgico). J em (b), nas lnguas romnicas, a palavra perde seu estatuto autnomo e passa a funcionar como um sufixo adverbial, com uso generalizado a outros adjetivos, que no so, necessariamente, relativos a estados da mente. Ainda assim, o sufixo adverbial ainda retm traos da forma livre autnoma, quando combinado a dois adjetivos, -mente ocorre somente uma vez, como ilustra (c).

    A transio de mente palavra autnoma a -mente sufixo formador de advrbios resultado da atuao de mecanismos de natureza metafrica e metonmica, que atuam no s na gramaticalizao, mas em qualquer mudana semntica.

    Entende-se a metfora como um tipo de mudana em que uma palavra utilizada para um conceito particular passa a ser usada para outro conceito devido a similaridades entre ambos. A partir de certo nmero de conceitos origem estruturas cognitivas bsicas que funcionam como referenciais concretos para a orientao humana so desenvolvidos conceitos menos concretos. O desenvolvimento de novas estruturas gramaticais motivado pela necessidade comunicativa no realizada ou pela presena de contedos cognitivos que no tm designao lingustica adequada.

    De acordo com Heine (2003) a gramaticalizao um processo de soluo de problemas (cf. Heine 2003, p. 156), que pode ser estruturado metaforicamente por um

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    modelo de transferncia conceptual (transfer model). Este modelo parte da ideia de que formas lingusticas que expressam experincias humanas concretas adquirem funes menos concretas. Assim, o modelo de transferncia conceptual pode ser descrito em termos de poucas categorias bsicas: pessoa > objeto > processo > espao > tempo > qualidade (Heine, 2003, p. 157). O corpo humano, por exemplo, conceito-origem para muitos conceitos menos concretos, como p da mesa, costas da cadeira etc.

    No plano sinttico, a mudana metafrica costuma ser associada analogia, que atua no eixo paradigmtico e responsvel pela reduo de excees regra, como no caso dos particpios de terminao udo, na antiguidade. Por analogia tambm se explica a generalizao do uso do sufixo adverbial -mente a outros adjetivos.

    Assim como a metfora, a mudana metonmica tambm implementada por meio de associao; porm, enquanto a associao metafrica ocorre por similaridade, a associao metonmica d-se por contiguidade. Dessa forma, um termo do mesmo campo semntico elencado na associao como, por exemplo, na substituio de danone por iogurte.

    Segundo Heine (2003), a mudana metonmica est associada a outro processo, a reanlise, que ocasiona mudanas na estrutura de uma expresso ou da classe de uma expresso, sem envolver mudana imediata ou intrnseca na manifestao superficial. O tipo de reanlise mais frequente nos fenmenos de gramaticalizao a fuso, em que h encadeamento de duas ou mais formas, como, por exemplo, nos processos de formao de palavras por composio, em que as fronteiras das palavras so reordenadas. A palavra claramente pode ser, mais uma vez, citada como exemplo, tendo em vista o encadeamento clara mente > claramente em que mente, no estgio final, j sufixo.

    importante ressaltar novamente que a reanlise, assim como a analogia, no mecanismo de mudana exclusivo da gramaticalizao. De acordo com Hopper & Traugott (1993, p. 48-56), pode ocorrer gramaticalizao sem reanlise assim como reanlise sem gramaticalizao. Por exemplo, girassol um caso de reanlise por fuso, em que ocorre a mudana de fronteiras [gira] [sol] > [girassol], mas no um caso de gramaticalizao, visto que -sol no foi reanalisado como um morfema gramatical.

    Frequentemente, a reanlise e a analogia atuam em conjunto, de modo complementar, nos casos de gramaticalizao. Hopper e Traugott (1993) ilustram a atuao conjunta da reanlise e da analogia com o caso de gramaticalizao de be going

  • 30

    to, no ingls; o processo semelhante ao da gramaticalizao de ir + Vinfinitivo como marca de futuro, no portugus.

    Newmeyer (2001) discute a gramaticalizao no como um processo, mas como resultante de outros processos. Por essa via, a gramaticalizao entendida por ele como um epifenmeno7. Os argumentos de Traugott e Heine (1991, p. 7), por exemplo, corroboram essa viso, pois ressaltam que os processos de natureza metafrica e metonmica fazem com que a mudana por gramaticalizao seja possvel, mas no unicamente nesse tipo de mudana. Determinados processos cognitivos, particularmente a tendncia humana de construir noes abstratas a partir de noes concretas por meio de metforas, so universais e unidirecionais, mas nem sempre so casos de gramaticalizao.

    Newmeyer (2001) evidencia a independncia dos processos componentes da gramaticalizao. A ideia de gramaticalizao como um processo deriva da noo de estgios/instncias de gramaticalizao, apontada por muitos estudos. Tais instanciaes so estabelecidas devido ordenao temporal das mudanas.

    Em Givn (1995), garante-se que as mudanas conceituais precedem as mudanas sintticas. Em Hopper e Traugott (1993), defende-se que mudanas de sentido esto acompanhadas de mudanas sintticas. De modo a agrupar os dois pontos de vista; encontram-se, em Newmeyer (2001), evidncias de que h casos em que a mudana semntica precede a sinttica, outros casos em que as mudanas semntica e sinttica ocorrem simultaneamente e, mais ainda, casos em que a mudana sinttica precede a mudana semntica. Para o linguista, o que vem sendo denominado gramaticalizao , na verdade, o resultado da atuao de diferentes processos de mudana, o epifenmeno gramaticalizao.

    Na maior parte dos estudos da literatura funcionalista que concernem gramaticalizao, verificam-se alguns princpios que, a depender do autor, apresentam diferentes terminologias e aplicabilidades. No tpico a seguir, elencam-se alguns deles.

    Princpios ou fases da gramaticalizao

    Lehmann (2002), Heine (2003) e Hopper (1991) so autores que descrevem alguns requisitos para a trajetria de um item que est se gramaticalizando, ainda que 7 Neste caso, entende-se como epifenmeno a unio de certos tipos de mudanas lingusticas que podem

    ocorrer independentemente.

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    com propostas terminolgicas distintas. Opta-se, nesse trabalho, pela proposta do ltimo autor.

    Hopper (1991) apresenta 5 (cinco) princpios: estratificao, divergncia, especializao, persistncia e decategorizao.

    De acordo com o que j foi apresentado neste captulo, possvel entender que a gramaticalizao pressupe, principalmente nos estgios iniciais, a coexistncia entre

    novos valores/usos ao lado dos antigos e a permanncia de propriedades lexicais nas formas gramaticalizadas. Assim, constata-se o princpio da persistncia em que, segundo Hopper, alguns traos do significado lexical original de um item tendem a aderir nova forma gramatical, e detalhes de sua histria lexical podem refletir-se na sua distribuio gramatical (Hopper, 1991, p. 15). Um exemplo deste princpio est na gramaticalizao de ille (pronome demonstrativo latino) para ele (pronome pessoal do portugus), em que o pronome pessoal ele mantm a propriedade de flexo de gnero (ele/ela) e nmero (ele/eles) dos demonstrativos.

    O princpio da estratificao prev a coexistncia entre o novo e o velho em um amplo domnio funcional. Desse modo, a forma mais antiga no , de imediato, descartada em detrimento da forma emergente, pois h um perodo de convivncia das diversas camadas, em que as duas estratgias seriam utilizadas. A variao entre ns e a gente ou entre tu e voc confirmam tal coexistncia.

    O princpio da especializao associa-se ao estreitamento da variedade de escolhas das formas, que se tornam mais comuns em determinados contextos, ou praticamente obrigatrias. A forma emergente voc, por exemplo, passou a ocorrer em contextos lingusticos mais especficos, se comparados a expresso original, Vossa merc.

    O princpio da divergncia relaciona-se com a diferena de funo entre o lexical original e a forma gramaticalizada, embora coexistam. O nome mente (a mente humana), como j explicitado nesta seo, diverge funcionalmente do sufixo mente formador de advrbios. Outro exemplo o verbo ir, que pode ser pleno ou auxiliar de futuro.

    Por fim, o quinto e ltimo princpio o da decategorizao, que consiste na neutralizao das marcas morfolgicas e propriedades sintticas do termo original e na adoo das caractersticas da nova categoria. Isto se aplica aos casos de conjunes que derivam de advrbios, como embora, que assume propriedades morfolgicas,

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    sintticas e semnticas que se afastam do status de locuo adverbial e se aproximam do comportamento das conjunes.

    Todos esses princpios podem ser aplicados a itens que possam atravessar a trajetria de gramaticalizao e, na seo de anlise (cap. 5), igual ser submetido a essa aplicao.

    A gramaticalizao e a noo de construo

    No que concerne gramaticalizao, os estudos funcionalistas da atualidade tm seguido uma tendncia de se aliar cada vez mais aos estudos cognitivistas. Uma das definies de gramaticalizao que tem sido utilizada em estudos mais recentes a de um processo que afeta itens lexicais que integram construes sintticas particulares, em

    determinados contextos que os leva a assumir funes gramaticais (cf. Bybee, 2010, p. 106). Isso pode apontar que h, hoje, uma tentativa de se reconhecer a gramtica como uma organizao cognitiva de experincias com a lngua.

    Com base em Goldberg (1995) e Croft (2001), cujas pesquisas atm-se linha cognitivista, entende-se a noo de construo, como aquela que detm o pareamento entre a relao forma-significado 8, fazendo com que nenhuma das partes esteja diretamente relacionada semanticamente nova forma. Isso pode justificar a existncia das relaes metonmicas dentro de um constructo gramatical. As trajetrias de sentido e de novas funes vo emergindo de determinados modos de organizao sinttica e, consequentemente, a soma dos constituintes fixa uma nova construo, de sentido diferente daquele que os constituintes teriam isoladamente.

    O que se discute nessa combinao, entretanto, de que modo aliar cognitivismo e funcionalismo sem atentar a algumas particularidades de cada grupo. Rios de Oliveira (2012, p. 143) coloca a questo de se entender, no vis funcionalista, a gramaticalizao como um processo unidirecional, enquanto o vis cognitivo trata da descrio da lngua sem atrel-la trajetria.

    A linha cognitivista assume que a existncia de algumas estruturas particulares afetam as representaes cognitivas. Desse modo, a frequncia de ocorrncias (tokens9)

    8 C is a CONSTRUCTION iff

    def C is a form-meaning pair such that some aspect of F

    i or some

    aspect of Si

    is not strictly predictable from Cs component parts or from other previously established constructions. (Goldberg, 1995, p. 4) 9 Maiores comentrios sero feitos na sesso 1.3, a seguir.

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    de certos itens em construes e a classe dos tipos (types10) podem determinar a representao e a produtividade de uma construo. Isso pode ser esclarecido pelo fato de que o uso repetido dessas construes pode transform-las gradualmente em outras construes independentes.

    Goldberg (1995) enumera vrias vantagens que explicam a necessidade de haver uma abordagem construcional dos fenmenos gramaticais. Uma delas o fato de alguns verbos, em determinados contextos, terem um sentido estranho e pouco plausvel. Outro argumento o de a sintaxe no precisar ser projetada por elementos requeridos pelos itens lexicais (como no estudo da sintaxe de regncia), j que a construo daria conta desse processo. Dentre todas as abordagens, acredita-se que a mais pertinente a esse trabalho a preservao da ideia de composicionalidade, mas de modo controverso. Em lugar de se medir o significado do todo a partir do significado das partes, o significado de uma expresso vai ser o resultado da integrao entre o significado dos elementos lexicais que a compem e o significado da prpria construo.

    De acordo com Rios de Oliveira (2012), muitos so os processos cognitivos envolvidos para que um falante compreenda o significado de uma sentena; no entanto, reconhecer o significado dos itens lexicais no suficiente para que se entenda a expresso como um todo, como observvel em expresses idiomticas do tipo maria-vai-com-as-outras ou bem-me-quer. Por essa razo, um falante precisa conhecer no s o significado dos itens lexicais de uma lngua, mas tambm o significado das construes, a fim de que se estabelea o uso da lngua de modo efetivo.

    1.3 A viso de Bybee (2010)

    Embora se diferenciem umas das outras, as lnguas so moldadas pelos mesmos princpios. As lnguas mudam a todo momento, mas de maneira regular. Pelo fato de a lngua ser uma das mais sistemticas e complexas formas de comportamento humano, a obra de Bybee (2010), desde muito tempo, vem pesquisando as suas idiossincrasias, questionando analiticamente as diversas teorias sobre sua funcionalidade, evoluo, origem e sobre os processos subjacentes sua estrutura.

    10

    Maiores comentrios sero feitos na sesso 1.3, a seguir.

  • 34

    A finalidade de seu estudo explorar o fato de os fenmenos estruturais verificados na gramtica das lnguas poderem derivar dos processos cognitivos de domnio geral. Assim, fatos sobre uso, processamento cognitivo e mudana lingustica so articulados em Bybee (2010), a fim de fornecer uma explanao a respeito das propriedades das estruturas lingusticas.

    Uma das afirmaes referentes mudana lingustica a de que todos os tipos de unidades lingusticas apresentam gradincia, no sentido de que h muita variao dentro de um mesmo domnio. Como exemplo, a autora cita o verbo go, que, embora seja frequentemente visto como um morfema lexical simples, pode unir-se a outras construes, como por exemplo: go ahead, go wrong, go bad,go away, be going to etc. Com isso, h mudana de seu significado e, alm disso, h perda do seu status lexical. No entanto, Bybee (2010) ressalta que, embora existam gradincia e variao, o padro regular das lnguas se mantm. Para a linguista, isso ocorre em todos os nveis, sendo eles segmento, slaba, palavra ou clusula.

    Segundo Bybee (2010), novas construes surgem de exemplares especficos de velhas construes, evidenciando que uma construo, com o passar do tempo, estende seu domnio ou substituda por uma construo mais produtiva. Para tanto, h cinco processos de domnio geral da lngua: categorization (categorizao), chunking (encadeamento), rich memory storage (estoque de memria enriquecida), analogy (analogia) and cross-modal association (associao transmodal).

    Trs destes processos chamam ateno por estarem intimamente envolvidos com a gramaticalizao de igual, foco deste trabalho: memria enriquecida, encadeamento e analogia.

    a) Memria enriquecida

    O processo de estoque de memria enriquecida relaciona-se com o estoque de exemplares na memria e de como o uso da lngua afeta essa estocagem. A autora parte de Langacker (1987 apud Bybee, 2010)11, que diz que preciso acumular na memria um conjunto de exemplos para que eles sejam generalizados e, como consequncia, esses exemplos no so necessariamente descartados. Alm disso, Bybee (2010)

    11

    Langacker (1987) argues that a necessary prerequisite to forming a generalization is the accumulation in memory of a set of examples upon which to base the generalization. (Bybee, 2010, p. 15)

  • 35

    tambm defende que a imitao de expresses e estruturas enriquecem o funcionamento das lnguas.

    Confronta-se, assim, a tradio estruturalista, segundo a qual no possvel aprender uma lngua por meio da imitao, visto que crianas podem produzir enunciados completos sem necessariamente copiar frases feitas; por isso, haveria atividades cognitivas que estariam relacionadas a articulao da linguagem. Bybee (2010) esclarece que a imitao no deve ser desprezada como habilidade lingustica motivadora. Isso se deve ao fato de ela ser uma propriedade humana, e no de seres no-humanos, que se comunicam de outra maneira. O que parece, para a autora, que a tradio estruturalista v a imitao de maneira isolada e essa atividade no deve ser encarada como suficiente para transmitir lngua.

    No que diz respeito morfologia, Bybee (2010) afirma que as relaes formadas entre as palavras provm das semelhanas fonticas e semnticas. Dessa forma, uma palavra que consiste em um grupo de exemplares fonticos assim como de um conjunto de exemplares semnticos pode ser considerada uma unidade sendo relacionada a outras palavras de vrias maneiras. A autora cita como exemplo o caso da terminao -able que, no ingls, sufixo formador de adjetivos, mas tambm aparece no adjetivo capable sem ser exatamente um sufixo. Em portugus, situao parecida acontece com a terminao l, que no tratada como um morfema completo em sua palavra de origem (picol) e, no entanto, torna-se um sufixo formador de outros substantivos que integram o mesmo campo semntico (sacol, caipil)12.

    No que tange sintaxe, a linguista nota que h uma rede de relaes que impem maior ou menor conexo entre as partes. Para ela, algumas relaes sintticas

    podem ter um nico significado se forem associadas, mas tambm podem manter o seu significado original quando dissociadas. A fim de comprovar essa ideia, a autora cita a expresso pull strings (equivalente mexer os pauzinhos), que tem sentido metafrico e, por outro lado, preserva as noes associadas s palavras pull e strings independentemente.

    12

    De acordo com Fandrych (2008), nomeiam-se cruzamentos vocabulares (blends) o conglomerado de partes aleatrias de lexemas que resulta em um componente semntico adicional. Splinter seria o termo que designa os constituintes dos cruzamentos vocabulares, como o caso da terminao l, em sacol.

  • 36

    b) Encadeamento

    O encadeamento a relao sequencial cada vez mais fixa de duas ou mais palavras unidas em uma clusula. Essa relao torna-se cada vez mais forte devido a frequncia com que elas so utilizadas dentro da cadeia sintagmtica.

    Segundo Bybee (2010), encadeamentos so a base cognitiva subjacente para a morfossintaxe. Assim, a formao de novas construes responsvel por reformular sintaticamente a estrutura lingustica.

    A repetio de termos vista como a principal experincia que aciona o chunking. De acordo com a autora, se dois ou mais chunkings menores ocorrem juntos com certa frequncia, h um chunking maior que os cerca. Desse modo, dois termos que esto se gramaticalizando devem obedecer a um encadeamento sentencial de lugares mais fixos.

    A autora ainda fala sobre sobre a sobreposio e a reduo de gestos articulatrios, afirmando que alguns deles so capazes de predefinir o que ir ser dito. Na percepo e na decodificao dos encadeamentos, um efeito importante a habilidade de antecipar o que vem depois.

    Por serem muito comuns e, muitas vezes, adquirirem sentido no-literal, todos os tipos de expresses convencionalizadas, das pr-fabricadas s idiomticas e construes, podem ser resultados de chunking. As expresses do meio social, como bom dia ou tudo bem, servem como bons exemplos. Nota-se tambm o processo de encadeamento em algumas expresses preferencialmente selecionadas em detrimento de outras. A autora usa como exemplo a construo take a break e defende que o termo time em lugar de break no selecionado com frequncia pelo falante e no proporciona o mesmo efeito de sentido. o mecanismo primrio que leva formao de construes e estrutura de constituinte.

    Encadeamentos ocorrem em adultos to facilmente quanto em crianas e quanto maiores, mais difceis de se tornarem coesos. Para tanto, Bybee (2010) exemplifica com break > break a habit > break a bad habit; com isso, observa-se que a maior frequncia e coeso dos chunks13 menores dentro dos maiores o que d lngua sua estrutura hierrquica.

    13

    Trata-se de chunks os resultados dos processos de encadeamento (chunkings)

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    No entanto, admite-se que os chunkings tambm possuam estrutura interna, apesar de serem interpretados como blocos nicos. Segundo Bybee (2010, p. 35), sua estrutura interna baseada em associaes formadas entre as construes pr-fabricadas e outras palavras que possam ser encaixadas dentro dessas construes. Para isso, cita-se o exemplo lend a hand, o qual permite a insero de pronomes como me ou you, formando expresses como lend you a hand e, ainda assim, mantendo o chunk e seus valores morfossintticos e semnticos. Assim, embora os chunks sejam relativamente fixos, possvel observar que as partes internas ainda so identificveis.

    c) Analogia

    De acordo com Bybee (2010), no contexto da gramtica das construes, considera-se analogia o processo pelo qual um falante usa um novo item em uma construo, cotejando-a a outras estruturas e processos de mudanas j ocorridos. Dada a especificidade das construes e a forma como elas so construdas por meio da experincia com a linguagem, a probabilidade e a aceitabilidade de um novo item gradual e baseada em seus antigos usos.

    Com o passar do tempo, algumas construes tornam-se mais produtivas e tomam o lugar de outras. comum identificar uma construo estendendo o seu domnio de aplicao. Assim, tanto na morfossintaxe quanto na morfologia, h muitos exemplos de construes concorrentes. Outros linguistas, como Hopper (1991)14, j se utilizaram desse mtodo para resolver as diferenas sutis na funo e na distribuio das construes que parecem muito semelhantes.

    A autora considera dois mtodos para a quantificao de dados lingusticos: a frequncia token e a frequncia type. O primeiro mtodo lida com a frequncia de ocorrncia de uma unidade, seja palavra ou morfema na anlise em um corpus; por outro lado, o segundo mtodo refere-se frequncia de padres, ou seja, o tipo de deslizamentos funcionais ou diversidade de funes verificadas na gramaticalizao.

    Em Hopper & Traugott (1993), j se defendia a frequncia de uso como um fator importante para a anlise das mudanas lingusticas. No entanto, Bybee (2010) afirma que, para que se obtenha uma anlise segura, imprescindvel a quantificao

    14

    Segundo Hopper (1991), um dos princpios de gramaticalizao o da estratificao, pelo qual uma mesma funo pode admitir formas coexistentes, sem que a forma que vem se gramaticalizando implique o desaparecimento da forma prototpica.

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    das ocorrncias (tokens) dentro de um padro funcional de uso identificado (types). Uma alta frequncia de tokens pode desencadear mudanas importantes, pois tanto frequncia token quanto frequncia type contribuem para o desbotamento do sentido de um elemento e a repetio de itens um universal do processo de gramaticalizao.

    Tomando uma abordagem diacrnica com base na analogia e considerando o efeito da frequncia de token em reteno de padres mais velhos em uma lngua, possvel compreender estas situaes em que duas ou mais construes muito semelhantes possam coexistir em um idioma. Por meio de uma anlise por analogia, Bybee (2010) explicita que, em ingls, uma antiga estratgia de usar pronomes indefinidos junto a negaes est sendo substituda por uma construo de negao que no os usa. No entanto, a construo mais antiga mais comum combinada a determinados verbos, ao passo que menos comum em outros, sem deixar de existir. Alm disso, a analogia permite examinar a interao entre padres gerais e especficos. Os padres mais gerais da lngua, antes de se tornarem gerais, surgem de padres mais especficos; desse modo, possvel entender a origem das construes, traando um caminho indutivo, do mais particular para o mais geral.

    A autora tambm remete relao entre analogia e frequncia, sugerindo haver um efeito de conservao da alta fraquncia token (cf. Bybee, 2010, p. 75). As formas de mais alta frequncia so menos propensas a sofrerem uma transformao analgica em relao s formas de baixa frequncia. Isso ocorre graas ao que chamado de fora lexical, pois cada uso de uma construo aumenta o peso desse item, tornando-o mais acessvel lexicalmente.

    A partir disso, compreende-se que as palavras de alta frequncia so as menos produtivas, pois, por serem mais autnomas, so menos analisadas e participam menos de esquemas. Entretanto, os termos pouco frequentes conectam-se a um paradigma, enriquecendo as redes de palavras e gera maior produtividade. Dessa forma, um item frequente no contribui para a produtividade da classe da qual faz parte e, em funo disso, no a frequncia de ocorrncia que gera produtividade, mas sim a frequncia do tipo.

    Assim, entende-se a analogia como a base da capacidade humana de criar novas sentenas. Na expresso de lngua falada e escrita, muitas novas construes e expresses idiomticas so criadas por meio da aplicao deste processo de domnio geral lingustico e, sendo este o objetivo dos estudos funcionalistas, importante consider-los.

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    2. O COMPORTAMENTO FUNCIONAL DOS MODIFICADORES EM LNGUA PORTUGUESA

    Na introduo deste trabalho, apresentou-se a dicionarizao de igual com as suas possveis realizaes. A maior parte dessas realizaes corresponde classe dos nomes que, de acordo com Camara Jr. (1970), um dos agrupamentos morfossemnticos possveis para as palavras de lngua portuguesa. Alm dos agrupamentos morfossemnticos, Camara Jr. (1970) tambm props critrios sintticos para diferenciao das classes de palavras e, assim, elas poderiam ser redistribudas como substantivos, adjetivos ou advrbios.

    Hoje, muitos dos estudos de sintaxe optam por uma terminologia que destaque as funes desempenhadas pelas palavras a depender de diversos critrios, como Camara Jr. (1970) j havia proposto. Azeredo (2007), Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran (2008) e muitos outros, quando consideram o critrio sinttico, usam o termo modificador para identificar as classes tradicionalmente nomeadas como adjetivo e advrbio. Ambas as classes so possveis realizaes de igual e, nesta pesquisa, acredita-se que a funo de modificador a prototpica, o que ser constatado mais adiante, nos captulos de anlise.

    Com o objetivo de entender melhor o comportamento de igual como um modificador, investigaram-se diversas teorias de mbito tradicional e no-tradicional acerca desse assunto, que sero apresentadas nas sees a seguir.

    2.1 Os modificadores na abordagem tradicional

    Entendendo-se aqui como modificadores as palavras pertencentes a classe dos adjetivos e advrbios, foram cotejadas trs gramticas tradicionais Cunha & Cintra (1985), Rocha Lima (1983) e Bechara (1999) , a fim de compreender, minimamente, o tratamento dado aos aspectos morfolgicos, sintticos e semnticos dessas classes.

    a) Os adjetivos

    No que diz respeito aos adjetivos, as gramticas de Cunha & Cintra (1985), Rocha Lima (1983) e Bechara (1999) assemelham-se em suas propostas quanto funo morfolgica, sinttica e semntica destes vocbulos.

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    No mbito morfolgico, Cunha & Cintra (1985) e Rocha Lima (1983) afirmam haver flexo para os adjetivos em gnero, nmero e grau. O mesmo admite Bechara (1999); no entanto, o autor faz ressalvas ao grau. Para ele, o grau, no constitui um processo gramatical (cf. Bechara, 1999, p.143), apontando, assim, o aspecto mais derivacional nos processos de gradao dos adjetivos. Estudos como os de Baslio (1992) e Gonalves (2011) esclarecem mais as diferenas entre os processos flexionais e derivacionais, admitindo o grau como expresso de sufixos, ou aumentativos, ou diminutivos.

    No mbito sinttico, o adjetivo considerado, em todas as gramticas consultadas, como modificador de substantivos. Para Cunha & Cintra (1985), o adjetivo pode ter funo acessria e, junto ao substantivo, formar um bloco significativo. Nessa circunstncia, os autores referem-se funo sinttica que, de acordo com a NGB, nomeia-se de adjunto adnominal. Rocha Lima (1983) e Bechara (1999) seguem o mesmo padro, cada um a sua maneira; Bechara, por exemplo, denomina-os de determinantes, a fim de abarcar a funo de outras classes que podem, por sua vez, desempenhar a mesma funo.

    Trata-se tambm, em todas elas, o adjetivo como um termo predicador. As trs gramticas citam as funes de predicativo e tecem consideraes a respeito das possveis complementaes adjacentes a esses adjetivos os complementos nominais. Alm disso, Cunha & Cintra (1985) discutem o emprego adverbial dos adjetivos em funo predicativa. Para os autores, ainda que haja variao flexional, os predicativos do sujeito podem modificar a ao expressa pelo verbo.

    No mbito semntico, verifica-se, em Cunha & Cintra (1985), a contribuio que a estilstica pode oferecer ao sentido que atribudo aos adjetivos. Assim, comenta-se a posio assumida pelos adjetivos quanto ao adjetivo a que se refere. Um adjetivo, quando anteposto ou posposto ao substantivo, pode atribuir diferentes significados ao bloco significativo que integra. Os gramticos salientam ainda que, normalmente, os adjetivos antepostos resultam em significados subjetivos, assumindo sentidos figurados. Para fins de exemplificao os autores citam a oposio uma pobre mulher e uma mulher pobre, visto que o ltimo bloco significativo refere-se, de fato, a condio financeira da mulher e o primeiro refere-se uma mulher infeliz.

    Ainda no que concerne ao campo semntico, encontra-se em Bechara (1999) trs tipos possveis de caracterizao dos adjetivos. Eles podem funcionar como explicadores, especializadores ou especificadores. Os adjetivos explicadores reforam

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    uma caracterstica j expressa pelo termo modificado, como em vasto oceano. Os adjetivos especializadores so responsveis por marcar os limites extensivos ou intensivos pelos quais se considera o (nome) determinado, sem isol-lo nem op-lo a outros determinveis capazes de caber na mesma denominao (Bechara, 1999, p.143)15, como em sol matutino. Os adjetivos especificadores so distintivos, acrescentando ao substantivo caractersticas que no so inerentes ao seu significado, como em aves aquticas.

    b) Os advrbios

    No que tange aos advrbios, no se delimita, nas trs gramticas antes elencadas, que tipo de critrio utilizado para defini-los, visto que o critrio sinttico de modificao mescla-se a critrios semnticos e textual-discursivos (tempo, intensidade, negao, afirmao e outros).

    Cunha & Cintra (1985) apenas apontam que eles so elementos acessrios na orao e ocupam a funo sinttica de adjuntos adverbiais, modificando o sentido do verbo, do adjetivo, do prprio advrbio ou de uma orao inteira. Bechara (1999) segue o mesmo raciocnio e entende o advrbio como uma classe de difcil classificao, por deter caractersticas heterogneas. Rocha Lima (1983) limita o advrbio a um modificador verbal apenas, embora apresente exemplos em que ocorrem outros tipos de modificao.

    Morfologicamente, h concordncia entre as trs gramticas citadas: trata-se de uma classe de palavras sem flexes propriamente ditas. Apesar disso, Bechara (1999, p 289) ressalta que o advrbio a classe que estabelece a transio dos vocbulos variveis para os invariveis, visto que admite graus de qualidade, como os nomes.

    Diferentemente de Rocha Lima (1983), nota-se em Bechara (1999) e em Cunha & Cintra (1985) maior detalhamento a respeito dos advrbios. Os dois ltimos tratam dos valores da intensificao de grau com o uso de diminutivos. Em Bechara (1999), discutem-se ainda as relaes estabelecidas entre advrbios, conjunes e preposies.

    Conforme o autor, advrbios mantm ntima relao com a classe das conjunes e preposies, visto que advrbios podem formar locues conjuntivas e, 15

    Estes tipos de adjetivos parecem remeter-se ao que diz Cunha & Cintra (1985, p.238) sobre os adjetivos de relao. Para os autores, eles so de natureza classificatria, ou seja, precisam o conceito expresso pelo substantivo, restringindo-lhe, pois, a extenso do significado, alm de no admitirem graus de intensidade e virem normalmente pospostos ao substantivo.

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    quando antecedidos por preposio, marcam melhor a sua funo semntica. Como exemplos, citam-se a conjuno causal entretanto e a locuo adverbial por agora, em que o emprego da preposio por serve apenas para designar mais claramente a funo exercida pelo advrbio.

    No que tange intensificao gradual dos advrbios, Bechara (1999) afirma que as relaes de grau que se aplicam aos adjetivos (graus comparativo e superlativo) tambm podem ser aplicadas aos advrbios, sobretudo os de modo. De acordo com o estudioso, os sufixos diminutivos com valor de superlativo so muito comuns em linguagem familiar16 e funcionam como intensificadores de grau. Para exemplificao, apresentaram-se construes como sair agorinha e andar devagarzinho. Cunha & Cintra (1985) sugerem as mesmas impresses acerca desse sufixo.

    Vale ressaltar ainda o destaque dado, nas trs gramticas, adverbializao de adjetivos. Rocha Lima (1983) apenas aponta o uso de adjetivos adverbializados; Cunha & Cintra (1985) faz, no captulo dedicado classe, simples referncia em nota. Bechara (1999) deixa claro que a distino feita entre as duas classes reside em um critrio formal, a variabilidade mrfica. No entanto, o autor ressalta que as intenes estilsticas e a concordncia atrativa podem anular este critrio.

    2.2 Os modificadores em outras teorias

    a) Os adjetivos

    Como resposta s anlises insuficientes da gramtica tradicional, h diversos estudos mais especficos no que se refere classe dos adjetivos. Confrontando-se as abordagens de Azeredo (2007) e Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran (2008), verifica-se que o tratamento dos adjetivos como complemento ou adjunto o tema que mais instiga o interesse.

    Azeredo (2007) afirma que os adjetivos desempenham funes de predicadores e modificadores, mas que, comumente, os predicadores17 vm introduzidos pelo verbo ser. O terico esclarece, ainda, que os adjetivos costumam apresentar maior mobilidade sem prejuzo de sentido, salvo em circunstncias que 16

    Aqui, entende-se esta terminologia como referncia ao registro coloquial. 17

    Segundo Azeredo (2007, p.46), trata-se do componente lexical do predicado.

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    podem modificar a semntica da sentena a depender do contexto discursivo que integra.

    Tomando por base as ideias de Azeredo (2007), acredita-se aqui que um trabalho mais recente torna-se complementar: trata-se do estudo de Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran (2008) acerca da classe dos adjetivos.

    As autoras nomeiam de adjetivos adnominais aqueles que esto dentro de um sintagma nominal e, a partir da relao mantida com o ncleo do sintagma nominal, esses adjetivos sero classificados em argumentais ou em predicadores de ncleo.

    Os adjetivos do primeiro tipo saturam uma posio temtica aberta pelo substantivo-ncleo (Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran, 2008, p.372), como os adjetivos seguidos de substantivos deverbais de ao, que apontam um dos participantes da ao; na expresso queda imperial, por exemplo, o adjetivo sublinhado corresponde aos desse tipo. Por outro lado, os adjetivos do segundo tipo so aqueles que podem abrir posies que so saturadas com a participao do substantivo-ncleo (Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran, 2008, p. p.372); assim, na expresso cavalo alazo, o termo sublinhado exigiria o termo cavalo, e no o inverso, correspondendo, por isso, ao segundo tipo.

    Observando as particularidades de cada um desses dois tipos, as estudiosas os dividem em diversas categorias. Os adjetivos argumentais caracterizam-se, normalmente, por estabelecerem uma relao temtica com o substantivo-ncleo, aceitarem a comutabilidade por expresso nominal e no aceitarem a anteposio, j que estabelecem uma relao ncleo-complemento (Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran, 2008, p.376). Quanto aos adjetivos predicadores, as autoras afirmam que so parafraseados por oraes relativas e que podem funcionar como predicativos; alm disso, eles podem ser antepostos e variar em grau. Para elas, tambm, a grade temtica dos adjetivos predicadores prpria, ou seja, independe do nome com o qual eles se relacionam.

    H casos em que no simples distinguir adjetivos argumentais e adjetivos predicadores de ncleo. Isso se deve prpria construo, que pode ser constituda de propriedades correspondentes a ambas as formas.

    Alm dos adnominais, tambm so descritos os adjetivos predicativos, cujo uso ocorre em verbos copulares (ou os tradicionais verbos de ligao, como o verbo ser na orao Ana feliz) ou nas chamadas estruturas de miniorao (aquelas em que h os chamados, pela tradio, predicativos do objeto, como em Ana considera Luiz

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    questionador.). Nesse ltimo caso, o estudo delas ainda evidencia a dupla interpretao possvel para o adjetivo, que pode ser ou parte de um sintagma nominal, ou um constituinte independente. Isso possvel por meio de alguns testes sintticos: alterar a ordem dos elementos da sentena (por meio de voz passiva, ou por topicalizao) ou substituir os constituintes por pronomes.

    b) Os advrbios

    Na classe dos advrbios, a problemtica que vem sendo investigada nas pesquisas mais recentes provm da incoerncia das abordagens tradicionais e da indefinio dos critrios para categoriz-los. Dessa forma, empreendem-se diversos estudos que descrevem os advrbios nos nveis morfossinttico, semntico e discursivo.

    Bomfim (1988) critica a conceituao de advrbio dada pelas gramticas tradicionais, visto que alguns advrbios no expressam circunstncia, no esto atrelados diretamente ao verbo e no so intensificadores, conforme prediz a tradio gramatical. o que se nota em advrbios de negao, afirmao e dvida, que, na verdade, expressam uma opinio do locutor ou sua dvida sobre o enunciado (Bomfim, 1988, p. 6). Os advrbios de dvida, por exemplo, no so circunstncias dadas ao verbo, mas sim a incerteza sobre algo pertencente ao prprio sujeito da enunciao.

    Azeredo (2007, p. 43) define os advrbios como a classe de palavras invariveis que, quanto distribuio, funcionam como modificadores, quanto a o sentido, exprimem circunstncias (tempo, lugar e modo), intensidade ou atitude, servindo como ncleo de um sintagma verbal.

    Alm disso, o autor destaca que o sintagma adverbial pode comportar-se como predicador ou modificador. Quando predicador, ser introduzido pelo transpositor ser, conforme os seguintes exemplos: O acidente foi aqui, A inaugurao ser amanh, etc. J como modificador, pode relacionar-se: 1) a toda orao, como nas frases Devagar se vai ao longe e Talvez eles possam vir; 2) ao verbo (Eles conversaram demoradamente e Estamos morando aqui); 3) ao adjetivo (levemente ferido); 4) ao substantivo (os exemplos acima); 5) ou ento a outro advrbio: incrivelmente longe. (Azeredo, 2007, p. 96).

    Azeredo (2007) salienta que a maioria dos verbos empregada para localizar os objetos aos quais fazemos referncia no tempo e no espao. Por este motivo, os

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    advrbios exprimem basicamente posies temporais relativamente a um ponto convencional na linha do tempo e posies espaciais relativamente a um ponto convencional no espao, fsico ou textual (Azeredo, 2007, p. 143-4). Como justificativa, o autor salienta que as subclasses de advrbios de intensidade, de modo, de dvida e de negao so bem menores.

    Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008) partem da noo de que a classe dos advrbios heterognea e precisa ser classificada em dimenses distintas. Entendendo-se que existem advrbios (Advs) propriamente ditos e adverbiais que no seriam advrbios em forma, mas assumiriam tal funo por meio de sintagmas nominais e preposicionais (SNs e SPreps) o estudo dividiu o advrbio em dois tipos de classificao: uma de dimenso sinttica e outra de dimenso funcional.

    Na dimenso sinttica, o enfoque seria dado s relaes estabelecidas pelo advrbio, que poderia ser com verbos, adjetivos, outros advrbios, oraes inteiras, e at outras ligaes no descritas anteriormente, como a relao com os substantivos e com o discurso. Assim, os advrbios subdividem-se em Advs de sentena ou Advs de constituinte, a depender do tipo de relao que estabelecida.

    Na dimenso funcional (ou semntica), os Advs e os adverbiais operam sobre outras palavras e expresses (Basso, Castilho, Ilari & Neves, 2008, p. 409), e, assim, qualificam verbos, modalizam o discurso etc. Com isso, os autores elencam algumas classes e subclasses18 de advrbios, utilizando, como parmetro as diferenas de escopo e de efeitos de sentido que os Advs e adverbiais apresentam.

    So trs as classes descritas: advrbios predicadores, advrbios verificadores e os circunstanciais. Os predicadores funcionam como predicados dos termos a que se ligam e podem ser qualificadores, aspectualizadores, modalizadores, graduadores, quantificadores de eventos ou quantificadores de indivduos. Os verificadores so responsveis por operarem sobre o valor de verdade do enunciador e podem ser de focalizao, de negao, de incluso e excluso, aproximadores ou delimitadores. J os circunstanciais operam sobre o espao e o tempo a que se refere o enunciado, e so subclassificados como fricos ou de lugar e tempo.

    Perini (2006) assume uma abordagem que alia a informao de cada advrbio e as caractersticas sintticas das estruturas onde ele ocorre. O autor prope trs subclasses de advrbios estabelecidas conforme possibilidades de ocuparem a posio

    18

    Para maiores detalhes referentes s subclasses, cf. Ilari & Neves (2008).

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    inicial, medial e final na orao, considerando o sujeito e o verbo principal. Para ele, h um conjunto bastante varivel de funes para esta classe, do qual ele distingue cinco: atributo, adjunto adverbial, negao verbal, adjunto oracional e adjunto circunstancial. Tais funes assemelham-se, em partes, quelas tambm propostas por Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008).

    2.3 Os adjetivos adverbializados

    Conforme j discutido na seo 2.1, as gramticas tradicionais reconhecem a flutuao entre as categorias adjetivo e advrbio, embora no as descreva de modo satisfatrio. Por esse motivo, investigaram-se os estudos de Baslio (2003), Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008), Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran, (2008) e Perini (2010) a esse respeito.

    Baslio (2003) entende a adverbializao de adjetivos como um processo de converso, isto , o processo de formao em que h mudana de categoria gramatical. A questo que colocada pela autora o limite que pode ser estabelecido entre adjetivo e advrbio nessas circunstncias. Em primeiro lugar, a autora cita como critrio o comportamento flexional, visto que adjetivo e advrbio apresentam comportamentos distintos. Outro critrio sugerido pela autora foi testar a contraparte em mente para o adjetivo em questo, o que o aproximaria mais da classe dos advrbios. Um terceiro critrio diz respeito anteposio do termo, que possvel classe dos adjetivos, mas no pode ocorrer na classe dos abvrbios. Por fim, o ltimo critrio envolve reconhecer o valor de modo na palavra investigada; se houver valor modal (ou for possvel a expresso de modo + adj.), deve-se tratar de um advrbio. Aplicados todos os critrios, pode-se reconhecer a palavra como pertencente a uma dessas classes.

    Perini (2010, p. 290) observa que as funes se definem no contexto em que ocorrem, mas as classes se definem fora de contexto. Uma classe caracterizada pelo potencial funcional que possuem as palavras, isto , pelo que as palavras podem ser as funes que elas podem ocupar nas estruturas da lngua (Perini, 2010, p. 290). Vejam-se os exemplos a seguir:

    (i) Que sapato bonito (ii) (ii) Ela anda bonito

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    Nas oraes (i) e (ii), h, segundo a tradio gramatical, as palavras destacadas em itlico ilustram as definies de adjetivo e advrbio, respectivamente. Observem-se agora as frases (iii), (iv), (v) e (vi):

    (iii) O alto da montanha. (iv) Um homem alto. (v) Ela canta alto. (vi) Ela fala vagarosamente.

    Comparando-se, agora, as frases (iii) e (iv) com as frases (v) e (vi), pode-se compreender melhor o que, segundo Perini (2010), entende-se como potencial funcional das palavras. Em (iii), alto ocorre como ncleo do Sintagma Nominal (SN); em (iv), como modificador do SN - homem; e em (v), como modificador do verbo cantar (adverbial19). J vagarosamente em (vi), ocorre apenas como um adverbial. Dessa forma, um adjetivo adverbializado seria, na verdade, uma palavra de alto potencial funcional.

    Na viso de Negro, Mller, Nunes-Perbenton e Foltran, (2008), adjetivos abverbializados no predicam de nenhum argumento, mas predicam da eventualidade denotada por todo o sintagma verbal, como em (vii):

    (vii) Eles [acharam o caminho] [fcil].

    H construes que podem se comportar ou como uma estrutura de miniorao (a que se chama, segundo as autoras, de predicadores secundrios), do tipo (viii);

    (vii) O beb dorme tranquilo O beb estava tranquilo ao dormir

    ou como adjetivos adverbializados, do tipo (ix);

    (viii) O beb dorme tranquilo O dormir do beb era tranquilo.

    19

    Perini (2010) entende que a classe dos advrbios pode ser composta de vrias classes distintas e, por este motivo, prefere referir-se ao grupo como adverbiais, a fim de tratar a classe dos advrbios considerando o critrio semntico, e no apenas o sinttico.

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    Entretanto, no se verifica o mesmo comportamento em todos os casos, pois algumas sentenas s permitem uma das interpretaes, como no exemplo (x):

    (ix) Joo saiu nervoso Joo estava nervoso ao sair. *Joo saiu nervoso O sair do Joo era nervoso.

    As autoras sugeriram algumas justificativas para essas diferentes leituras, mas nem todas so predominantemente vlidas. A primeira delas foi a compatibilidade semntica entre propriedade e argumento; porm, essa justificativa fica anulada por no permitir interpretao adverbial para todo tipo de adjetivo. A segunda alternativa foi a possibilidade de existirem advrbios terminados em mente na lngua, formados a partir do mesmo radical; no entanto, nem sempre tais adjetivos e advrbios de mesmo radical so semanticamente compatveis. Por fim, recorreu-se invariabilidade dos adjetivos adverbiais, adequando-se, assim, a um critrio bsico de categorizao dos modificadores adverbiais; por outro lado, essas estruturas no se adquam ao critrio da mobilidade, que tambm uma propriedade bsica dos advrbios.

    Portanto, pareceu mais eficaz a testagem aplicada por Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008). Os pesquisadores defendem que as expresses nominais adverbializadas integram a classe dos advrbios qualificadores e devem obedecer a algumas propriedades, como 1) poder ser substitudo por um adjetivo: 2) poder ser substitudo pela expresso de modo + o adjetivo que est na base do advrbio; 3) poder ser substitudo por um sintagma preposicionado.

    No captulo 5 desta dissertao, discutem-se as propriedades de igual como modificador e, neste mesmo captulo, explicita-se que tal palavra, por ser um termo de alto potencial funcional, pode apresentar comportamento semelhante ao de um adjetivo ou ao de um advrbio. Para identificar tais comportamentos, submeteram-se alguns dados s testagens sugeridas por Basso, Castilho, Ilari & Neves (2008) e a outros pressupostos j apontados.

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    3. O PAPEL DOS CONECTORES COMPARATIVOS EM LNGUA PORTUGUESA

    3.1. A noo de conector

    Embora o termo conjuno seja, dentre todos, o mais c