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Cláudia Jussan
Design Cinematográfico; A concepção visual do imaginário fantástico
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Área de Concentração: Arte e Tecnologia da Imagem. Orientador: Prof. Dr. Luiz Nazario
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2005
2
FICHA CATALOGRÁFICA
Jussan, Cláudia, 1974- Design cinematográfico; a concepção visual do imaginário fantástico / Cláudia Jussan Fernandes da Silva. – 2005. 123 f.: il. + 3 CD-Rom + 1 DVD + 1 mini cartaz + 3 selos + 1
mini livro Orientador: Luiz Nazário Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes 1. Design cinematográfico – Teses 2. Cinema – Concepção visual
– Teses 3. Cinema – Desenho de produção - Teses 4. Direção de arte – Teses I. Nazário, Luiz, 1957- II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes
III. Título CDD : 778.52
3
Agradecimentos
auxílio financeiro CAPES
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
orientação Dr. Luiz Roberto Pinto Nazario
orientação adicional Profa. Daniela Maria de Paula Martins
Dra. Lúcia Gouvêa Pimentel
Dra. Ana Lúcia Menezes de Andrade
apoio prático
Daniel Pinheiro Lima (animação)
Paulo Roberto Machado (música)
Lincoln de Sales (escultura/modelo/protótipo)
Helder Fernandes (escultura/modelo)
apoio técnico
Marcelo Lacarretta
Patrícia Alexandre
apoio psicológico
Maria Aparecida Fernandes Lopes (minha irmã)
Maria Luiza Trancoso (psicoterapeuta)
Yurika Yoshida (médica)
empréstimo de equipamento e material de consulta
Luiz Nazario Marco Anacleto (Ophicina Digital)
André Reis Martins Soraia Nunes Nogueira
Francisco Marinho Lucas Libanio
Leonardo Dutra Biblioteca EBA/UFMG
4
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 07 2 CONCEPÇÃO VISUAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE FORMA E CONTEÚDO 10 2.1 O potencial de manipulação da imagem 15 3 DESIGN CINEMATOGRÁFICO: CONSIDERAÇÕES GERAIS 21 3.1 Potencial dos principais elementos do filme que pode ser explorado visualmente 25 QUANTO AOS CRÉDITOS INICIAIS E FINAIS 3.1.2 Design de Créditos (title design) 28 3.1.2.1 Exploração plástica de elementos gráficos 31 QUANTO AO CORPO DO FILME CRIAÇÃO E CONFECÇÃO 4 DESIGN DOS ELEMENTOS REFERENTES AO CORPO DO FILME 38 4.1 Desenho de Conceito ou de concepção (concept design) 40 4.1.2 Storyboard 44 4.1.3 Design de personagens (character design) 48 4.1.4 Design de figurinos (costume design) 54 4.1.4.1 Maquiagem (make-up) 62 4.1.5 Design de cenários (set design) 64 4.1.5.1 Ambiente (environment): cenário + atmosfera 65 4.1.5.2 Estrutura dos sets 73 4.1.6 Design de objetos de cena (prop design) 76 4.1.6.1 Design de veículos e mecanismos (vehicle and mechanical design) 77 4.1.6.2 Arte Gráfica de cena (graphics) 81 5 Modelos, esculturas e maquetes (models, sculpt and maquettes) 83 5.1 Protótipos e miniaturas 84 QUANTO À DIREÇÃO 6 Design de Produção ou projeto de produção (production design) 87 6.1 Direção de Arte (art direction) 92 7 Fases da produção 95 8 Estilo expressionista e design fantástico 96 PARTE PRÁTICA 9 Experimentações na produção da “Trilogia do caos” 104 9.1 O livro como objeto de cena (exercício simulado) 105 9.2 Composição de cenários e elementos de cena 108 10 CONCLUSÃO 113 BIBLIOGRAFIA 115 FILMOGRAFIA 118
5
Resumo
A pesquisa sobre design cinematográfico pretende ressaltar sua
importância e peculiaridades no processo de criação de um filme. Através do
estudo do papel do desenho na concepção visual de cenários, figurino, objetos
de cena e personagens no cinema, procurou-se mostrar as correlações
existentes entre a narrativa e os aspectos semiológicos do design de produção
e da direção de arte. Identificou-se a função dos designers cinematográficos
nas questões referentes à cenografia, à iluminação, à fotografia, à composição,
e tudo mais relacionado ao visual do filme. Apontou-se a importância das
funções realizadas pelos profissionais de arte, integrantes de uma equipe de
produção, no desenvolvimento criativo do filme nas etapas de planejamento,
captação de recursos, produção e pós-produção.
Considerando o valor cultural e a linguagem específica do cinema, este
estudo analisa as características, potencialidades e abrangência do design
cinematográfico, que cria condições para auxiliar a construção da narrativa e
da expressão poética através de imagens.
Não se trata apenas do estudo da manifestação do design industrial no
filme, e sim da manifestação de um design cinematográfico, específico.
6
Abstract
The research into cinematic design aims to emphasize its importance
and peculiarities in the process of creating a film. By studying the role of
production design and art direction in the visual conception of sets and
environments, costume, props and characters of a movie, the relations between
the narrative and the semiological aspects of design were shown. The role of
concept designers in questions related to scenery, lighting, photography,
composition, and everything else related to the visual of the movie was
identified here. In addition, the centrality of the artist's contributions was
highlighted: these integrate a production team in several stages of the film's
creative development, such as planning, financing, production and post-
production.
Considering the cultural value and the specific language of cinema, this
study analised the attributes, potentialities and the range of cinematic design,
and concluded that this design creates, through images, the conditions for
narrative construction and artistic expression.
It is concerned not only with industrial design as it manifests itself in film
making, but, first and foremost, with cinematic design in and of itself.
7
1 Introdução
Esta pesquisa tem por objetivo analisar o papel do design
cinematográfico no processo de concepção visual do filme, do ponto de vista
estratégico e plástico. Ou seja, do ponto de vista do planejamento e da
execução consolidados no aspecto final do conteúdo da imagem transformada
em matéria artística, tendo como ponto de partida um conceito previamente
estabelecido. Portanto, o presente estudo não tratará do design industrial nem
de seu contexto histórico1. Embora haja semelhanças e referências entre
design industrial e design cinematográfico, nossa atenção estará voltada mais
para o imaginário fantástico que para a verossimilhança cotidiana, por isso o
objeto de estudo se refere ao universo cenográfico, aquilo que é feito
especialmente para ser filmado.
As demais formas de se fazer cinema serão mencionadas apenas para
efeito de comparação, como nos casos de filmes nos quais as locações,
objetos de cena, figurino etc, são “ready made”, isto é, pré-existem à produção;
nesses casos, a definição do visual do filme torna-se mais uma questão de
escolha, adaptação e composição que de criação. Por estar a serviço de uma
arte dramática, premeditada, o fator determinante de tais escolhas baseia-se no
conteúdo temático, emocional e psicológico do roteiro no intuito de proporcionar
uma atmosfera apropriada à história e aos personagens do filme. Nem por isso
essas produções cinematográficas deixam de passar por um estágio de
planejamento através de desenhos.
1 Veja a dissertação do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG: “O design do filme”, de Cláudia Stancioli Costa Couto, 2004, que trata da aplicação do conceito de design e tecnologia ao cinema.
8
Neste aspecto, design cinematográfico torna-se um termo abrangente
das diversas funções desempenhadas dentro do departamento de arte e cujos
resultados podem se expandir até os materiais de divulgação e souvenires
periféricos ao filme. Porém, o foco desta pesquisa é a concepção visual de um
conceito e os meios de produção dos elementos visuais do filme propriamente
dito, considerando aspectos semiológicos que influenciam diretamente os
resultados.
Para esse fim, o procedimento adotado será a análise detida dos
elementos componentes da imagem fílmica que passaram pelo processo de
concepção visual. Isto é, através do estudo de imagens estáticas, proceder à
análise dos desenhos de concepção e da imagem resultante em sua forma
final. Quanto à imagem em movimento, a análise será feita através do exame
de trechos selecionados e informações de making of das produções. O critério
de escolha dos filmes que servirão de exemplo, baseou-se nos elementos
predominantes em cada um, distintivamente. Analisaremos esses filmes
somente em seu conteúdo visual e semiológico enfatizando a pré-produção.
Essa proposta de análise dos desenhos de conceito, frames capturados
e trechos de filme, parte da premissa maior do processo de concepção visual
que consiste na observação e contenção de referências que farão parte de um
repertório capaz de suprir a inspiração. Quanto maior o repertório maior a
experiência. A premissa citada faz parte do seguinte silogismo:
1. Premissa maior – observação de referências; repertório de imagens; inspiração = conceito.
2. Premissa menor – ato de desenhar aplicando a experiência obtida = concepção visual.
3. Conclusão – resultado final da imagem planejada = elementos do filme.
9
Para aqueles que não são desenhistas, mas que, de uma forma ou de
outra, interessam-se pelo tema desta pesquisa, a iconografia aqui analisada,
além de exemplificar a parte teórica, pode representar um considerável material
de consulta.
Outro procedimento será o relato da experiência adquirida por mim durante
a prática da concepção visual dentro do projeto “Animação Expressionista” no
departamento de Fotografia, Teatro e Cinema (FTC), da Escola de Belas Artes
da UFMG, incluindo teste e simulação de situações típicas de um
departamento de arte para figurar nesta pesquisa, como a fabricação de
modelos físicos de objetos de cena.
O material que acompanha a dissertação é um suporte das amostras
das pesquisas de campo realizadas durante o Mestrado: Os teasers em
movimento contidos no DVD “Teasers Trilogia do caos”, o mini livro
“Concepção visual da Trilogia do caos”, o layout do cartaz do filme “Dr.
Cretinus retorna...” e dos três selos2 representativos de cada episódio são
exemplos da concepção visual, cujo desenho de produção executei durante o
projeto “Animação Expressionista” para a “Trilogia do caos” escrita e dirigida
por Luiz Nazario. O tema abordado é a concepção visual para filmes e não a
produção de peças gráficas e mídias em si, embora sejam conseqüências
naturais periféricas da elaboração de um filme e que, num mundo dominado
pelo marketing, assume a cada dia maior importância no fazer
cinematográfico.3
2 Algumas das amostras acima citadas estão disponíveis na seção bônus, da versão digital PDF, contida nos CDs que acompanham a versão impressa desta dissertação. 3 Cf. Dissertações do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG: “Tudo começa no olhar”, de Cláudia Terezinha Teixeira e “A imagem cinematográfica como objeto colecionável: o colecionador na era digital”, de Soraia Nunes Nogueira.
10
2 Concepção visual:
considerações sobre forma e conteúdo
“A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica”.
(A linguagem cinematográfica, Marcel Martin)4.
Como transformar em imagem visível algo que habita o mundo das idéias,
da imaginação? Que meios podem ser utilizados para simular um mundo que já
não existe mais ou que nunca existiu?
O uso que se faz atualmente da palavra design5 subentende não só o
desenho ou planejamento, mas também o conceito presente no produto final. É
comum observarmos nos meios de comunicação, sobretudo na propaganda,
expressões tais como “este automóvel possui um design avançado,
aerodinâmico”, ou “móveis feitos com um design moderno e arrojado para
combinarem com o seu estilo”. Esta palavra é também tradicionalmente usada
na indústria e no comércio para se referir a certas profissões, tais como,
designer de jóias, designer gráfico, webdesigner, e assim por diante. Mais do
que o desenho de projeto em si, a palavra design traz embutido no seu
significado um conceito que pode ser percebido no produto resultante.
Podemos dar, como um exemplo disso, algo bem próximo de nós: a cadeira. O
designer de produtos projeta uma cadeira através de um desenho, levando em
consideração questões de conforto, segurança, funcionalidade, beleza, 4 Cf. MARTIN, 1990, p.21 5 <Design>, s. m. (termo inglês) Desenho industrial; criação de um projeto, programação visual. BUENO, 1996, p.202.
11
viabilidade de produção etc. De forma que, após ter sido fabricada, a cadeira
agrade ao cliente por cumprir seu papel: o de comportar o peso e as
preferências de quem nela se senta e o de não desabar. Portanto o design de
produto irá designar a concepção visual da cadeira acrescida de elementos
estéticos e funcionais. Ela tem que ser fisicamente possível de ser construída,
e construída para funcionar e perdurar na sua função.
Mas, o que acontece quando a cadeira é destinada a fazer parte do
cenário de um filme? Quais questões deverão ser levadas em consideração
durante o processo de concepção visual de uma cadeira que não foi
encomendada para a indústria de móveis e sim para a indústria
cinematográfica? Cidades cenográficas muitas vezes são compostas apenas
por fachadas. O termo cenográfico às vezes é empregado no sentido de faz de
conta. Uma cadeira projetada para um universo fantástico não terá
necessariamente a obrigação de ser possível no plano físico. Nem tampouco a
necessidade de ser confortável dependendo de sua função dentro da narrativa.
Se a intenção é ressaltar justamente um estado de desconforto, uma cadeira
de aspecto rígido e tortuoso pode vir a ser uma excelente alternativa. Nos
filmes, uma cadeira pode passar a ter significações e utilizações bem diversas
do habitual. Os personagens poderão usá-la para quebrar vidraças ou quebrá-
la nas costas de alguém; para compor com ela a coreografia de uma dança;
podem usá-la para voar ou viajar no tempo; e assim por diante.
Uma curiosa consideração: por quê as cadeiras elétricas que aparecem
em filmes policiais ou até mesmo de terror, não são estofadas assim como
poltronas revestidas por veludo vermelho e adornos dourados? Seria uma
sarcástica demonstração de piedade para com alguém prestes a morrer
12
eletrocutado? Ou este simples detalhe mudaria completamente o tom do filme
para humor negro? Estofamentos trazem em sua aparência a idéia de conforto
ou luxo, algo distante do conceito de pena de morte.
Portanto, salvo os casos em que a intenção é causar estranheza, o
tratamento visual dado ao objeto deve interagir com os outros elementos do
filme, bem como com a finalidade da narrativa; caso contrário, ele irá destoar
do restante a ponto de ser considerado erro. Tudo dependerá das restrições
feitas pela história ou pelo roteiro, definindo em quais circunstâncias será mais
bem utilizada determinada forma de representação dos elementos que irão
compor o visual do filme.
Para o filme X-MEN (Brian Singer, 2000) foram projetados dois modelos
de cadeira de rodas. Uma motorizada na qual o requintado personagem Prof.
Xavier fica sentado durante quase toda a história e cujo encosto sofreu
modificações durante o processo de produção em função dos enquadramentos,
a fim de não ocultar a cabeça do personagem nos casos em que ele aparece
de costas. A outra, em acrílico, para a cena da visita que o Prof. Xavier faz a
Magneto em sua prisão de plástico onde não podia haver metal de espécie
alguma (para isolar os poderes magnéticos do vilão). Curiosamente, o figurino
do personagem do Professor Xavier também teve de ser adaptado. Seus
ternos e colete eram bem mais longos do que o normal para não terem a
aparência de amarrotados enquanto ele estivesse sentado. Isso só era
percebido nos intervalos de filmagem quando o ator Patrick Stewart se
levantava e caminhava pelo set com um terno não muito elegante6.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]
6 Cf. Informações extras (making of) X-MEN 1.5, X-treme edition do filme original, 2 DVDs.
13
Em X-MEN 2 (Brian Singer, 2003) surge um terceiro modelo de cadeira de
rodas especialmente projetada para o personagem Jason, um mutante usado
como cobaia que fica em estado vegetativo. Restam-lhe apenas os poderes
telepáticos que são manipulados pelo vilão através de líquidos injetados em
sua espinha dorsal. Por isso a cadeira de rodas de Jason possui um aspecto
tenebroso, com cilindros e mangueiras conectadas ao pescoço. Devido a sua
aparência decadente, a sensação que se tem é que Jason, subjugado,
depende da cadeira não só para ser transportado, mas para ser mantido vivo e
sob controle. A discrepância entre os modelos de cadeiras projetadas segundo
o perfil dos personagens pode ser observada na cena em que Prof. Xavier e
Jason ficam frente a frente7.
[cdC: CONCEPÇÕES/XMEN/cadeira/jason063.jpg a jason067.jpg]
Com base nesses exemplos, conclui-se que há mais coisas envolvidas
no processo de definição de um conceito e sua imagem resultante do que
apenas a estética do filme. A escolha das imagens, seu aspecto e a maneira
como são apresentadas está diretamente relacionado ao conceito literário do
filme, acentuando-lhe ou atenuando-lhe características. Isto significa que,
dentro da narrativa ficcional, é possível deturpar as imagens e seus
significados convencionais no intuito de realçar uma idéia através da ironia,
criando elementos inusitados com os quais não nos deparamos no cotidiano. A
utilização desse recurso pode ser facilmente percebida num filme como Maus
Hábitos (Pedro Almodóvar, 1983), no qual aparecem freiras vestidas com os
típicos hábitos de monjas mas fazendo uso de ácido, cocaína e drogas
7 Cf. DVD X-MEN 2, edição especial, 2 DVDs.
14
injetáveis. Uma das freiras cria um tigre no quintal do convento. A madre
superiora tem a parede de sua sala coberta por fotos de mulheres “pecadoras”,
num ambiente misto de sagrado e profano.
[cdM – Trechos Selecionados/EntreTinieblas.mpeg]
Há que se acrescentar, porém, a seguinte observação: um filme
visualmente bem feito não é necessariamente um bom filme, pois se espera
que forma e conteúdo estejam em harmonia8. Um filme mal feito pode
comprometer o enredo dificultando a compreensão da história. O cinema de
ficção possui ainda um potencial de manipulação da imagem que pode se
tornar um meio perigoso para a propagação de mensagens subliminares.
8 Observação feita com base na disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG “A narrativa cinematográfica na obra de Billy Wilder”, ministrada pela Profª. Drª. Ana Lúcia Andrade em outubro de 2004.
15
2.1 O potencial de manipulação da imagem9.
Uma “coisa” filmada não é a “coisa” em si mesma, é uma representação
daquela coisa. Atribui-se normalmente aos documentários a característica
intrínseca de representação da realidade no sentido de ser um meio de
reprodução dos contornos materiais concretos da realidade, de caráter
objetivo10. Quanto ao desenho animado, não há nada mais ficcional que criar
imagens a partir do “nada”, apenas a partir de uma referência. Daí, a facilidade
em associá-lo à ficção, considerando ser o seu referencial a pura imaginação,
de caráter subjetivo.
O registro da essência dos fatos (não o objeto em si, mas sua
significação) pode se dar tanto pelo cinema de animação quanto pelo
documentário e em ambos os casos, a autenticidade ou veracidade do
conteúdo apresentado pode ser questionado, independente de sua objetividade
ou subjetividade o que cria a necessidade de buscar informações exteriores ao
filme.
Em cinema, a escolha de quando e como o objeto será filmado é uma
questão de ponto de vista. Sob este aspecto, o cinema é mais uma forma de
expressão que um meio de reprodução. Técnicas de montagem permitem o
controle da imagem a ser exibida e, por sua vez, a manipulação emocional da
realidade. Por mais que a imagem comprove que havia algo em frente à
câmera no momento da exposição, a escolha do ângulo, enquadramento,
iluminação etc., representam um ponto de vista específico dentre vários outros
9 Texto produzido a partir da disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG “O cinema de animação e o documentário na experiência do National Film Board do Canadá” ministrada pelo Prof. Dr. Heitor Capuzzo Filho, em setembro de 2004. 10 Cf. TADDEI, Leitura estrutural do filme, 1981, p. 16-25
16
possíveis. A própria composição em seqüência do conjunto dessas imagens,
pode transmitir idéias opostas, de acordo com a maneira como elas se
organizam. É possível extrair do mesmo conteúdo significações pejorativas ou
positivistas, dependendo do contexto em que se insere na narrativa tal
conteúdo.
A ilusão de movimento no cinema de animação, mais do que reproduzido,
precisa ser sinteticamente inventado frame a frame. Num sentido radical, as
imagens live-action também são estruturadas na película através da seqüência
de fotogramas, por isso, quando alguns frames são retirados, a imagem
reproduzida deixa de coincidir com sua referência material.
Se a reprodução pura e simples não garante nenhuma autenticidade
histórica, nesta perspectiva, a reprodução torna-se um meio de representação,
não da coisa em si mesma, mas da idéia ou essência da coisa, segundo o
olhar do autor. A imagem da “realidade” pode ser forjada, sem por isso estar
longe de seu significado essencial. Exemplo: Tendo por objetivo filmar o
cotidiano dos esquimós (sem restringir um grupo ou individuo específicos),
pode-se pedir a um deles que “finja” estar pescando e depois filmá-lo já com
sua presa em mãos. Este é um recurso de registro da realidade. Seria mais
complexo obter o controle no momento exato em que o esquimó conseguiria
capturar sua presa. Embora tudo tenha sido encenado, a representação de
uma faceta da vida dos esquimós com possibilidades de leitura poética, não foi
deixada de lado. Do mesmo modo, quando a animação se torna um meio de
reprodução sintética da realidade, tendo-a como referência, ela pode se manter
fiel à idéia de uma forma poética (a poética evidencia a presença de um autor
por trás da montagem). O mesmo episódio da vida dos esquimós poderia ser
17
representado através do cinema de animação. O que estaria sendo
reproduzido seria uma faceta da vida dos esquimós e não da vida (retrato fiel)
de um determinado esquimó ou grupo específico de esquimós. Daí o caráter
ilustrativo que ambas as formas de representação adquirem.
Alguns filmes documentários podem apresentar certos pontos em comum,
tais como, conteúdo poético e caráter ilustrativo11, ou seja, a representação
(não reprodução) de uma referência real através de imagens cujo conteúdo
pode ser manipulado emocionalmente tanto através da montagem e
encenação, quanto através da animação. Exemplificando, podemos citar o
desenho animado feito pelos estúdios Walt Disney, sob a encomenda do
exército americano12. O filme inicia contando a história da aviação até chegar
num ponto em que, através de gráficos, setas e mapas, sintetiza a idéia das
estratégias de guerra que deveriam ser usadas contra a Alemanha Nazista em
função de sua localização geográfica privilegiada: Hitler tinha a vantagem de
repor rapidamente seu pelotão de guerra em curtas distâncias e por terra. Esse
desenho animado apresenta de forma didática as vantagens do ataque aéreo
efetuado pelas forças armadas americanas sempre usando uma estética
atraente e positivista para elevar o moral e a confiança na vitória contra as
forças do Eixo.
Nota-se que um dos fatores que abalam a crença na autenticidade do
conteúdo apresentado cinematograficamente, é a artificialidade presente na
11 <Ilustrativo>: esclarecedor, elucidativo; Ilustração: ato ou efeito de ilustrar (explicar); conjunto de conhecimentos; saber [...]. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Obs.: Ainda há casos de discrepância entre ilustração didática e literária. A estética da ilustração literária e a linguagem da ilustração didática se aproximam muito do cinema de animação tanto clássico como experimental. Questões mercadológicas editoriais restringem o uso do termo quando para fins de análise estética e conceitual. 12 Conforme animação exibida e comentada por CAPUZZO. Cf. nota 6.
18
atuação frente às câmeras. Embora seja possível simular a ‘realidade’, o
contrário também ocorre. Crê-se na síntese de determinado assunto pela
técnica ilustrativa empregada em sua apresentação, considerando-a
correspondente legítima da realidade13. Sendo assim filmar uma encenação
representativa de um episódio, ou fazê-lo através da animação abre caminho
para formas diferentes de se fazer a mesma coisa: manipular o significado da
imagem aproveitando-se deste paradoxo comunicacional entre imagem
objetiva/subjetiva, referencial/ficcional.
Um aspecto preocupante que tanto o documentário quanto o cinema de
ficção possuem, é o potencial de manipulação sutil da imagem de maneira
negativa. Do ponto de vista da produção, é possível fazer com que algo terrível
pareça normal aos olhos ingênuos de um determinado público alvo. Também é
possível destruir valores éticos e humanistas deturpando-lhes o significado. O
caráter ambíguo da imagem cria duas possibilidades no cinema: ajudar a
destruir ou salvaguardar um conceito, independente do fato de o conceito ser
bom ou ruim. Sempre houve quem se aproveitasse disso através do
simbolismo negativo, fazendo uso de imagens que já carregam em si
significados polêmicos. Ou da banalização do significado ao utilizar imagens
consideras oficiais ou sagradas de forma debochada.
Nos anos 1930 e 1940, a Alemanha nazista utilizou amplamente do
cinema como meio de propaganda e de manipulação de massas; e chegou a
fazer os primeiros testes para utilizar o meio de comunicação televisivo em
rede nacional, prevendo seu longo alcance em prol de seus interesses
13 Observação baseada na palestra “Documentário: subjetividade versus objetividade” ofertada pela pós-graduação do departamento de comunicação social da FAFICH/UFMG, ministrada pelo Prof. Dr. José Francisco Serafim, da faculdade de comunicação da UFBA, no dia 05 de abril de 2004.
19
propagandistas. Durante a Segunda Guerra, após o ataque a Pearl Harbour,
que retirou os EUA de sua política isolacionista de não envolvimento na
conflagração européia, tornada mundial, não poupando as Américas, o cinema
norte-americano foi chamado pelo governo a colaborar no esforço de guerra. O
exército contratou os melhores profissionais do cinema para participarem da
guerra de propaganda contra o Eixo, encomendando-lhes filmes e desenhos
animados que transmitissem a idéia de que era preciso revidar ao ataque e de
que a “guerra é um mal necessário”; os animadores deveriam criar uma
imagem pejorativa e debochada dos inimigos a fim de elevar a moral dos
convocados a lutar no front e convencer a opinião pública nacional de que a
vitória seria mais fácil do que se imaginava. Era necessário deter Hitler e
impedir o domínio nazista do mundo; contudo, o conteúdo dessas propagandas
animadas vem sendo questionada, fora do contexto da guerra, enquanto
política de manipulação de massas.
Os propagandistas nazistas e, em reação, também os propagandistas
antinazistas basearam seu imaginário em estigmas que perduram até hoje
causando prejuízo à vida individual e coletiva. Tanto nos filmes nazistas,
quanto nos filmes antinazistas, os soldados eram representados com glamour,
como heróis de guerra premiados com fama, dinheiro e mulheres, quando na
realidade poucos retornavam inteiros e com vida das frentes de batalha.
A coletânea de curtas-metragens Cartoon Scandals14, que inclui
desenhos produzidos e exibidos nas décadas de 1930 e 1940, atualmente
banidos da tv, mostravam os ataques terroristas de Superman15 ao exército
14 Cartoon Scandals, banned from TV: A study of violence, racism, sex, and war in cartoons. Compiled by Sandy Oliveri, 1987. 15 Superman:´Eleventh Hour´ (1942, Dan Gordon)
20
japonês; cenas de violência em desenhos aparentemente inofensivos;
japoneses16 e negros sendo retratados de forma depreciativa17, disseminando
preconceitos atualmente observados no comportamento social de certos
grupos favoráveis a segregação. É, portanto, necessário refletir sobre esses
aspectos da manipulação da imagem durante o processo de concepção da
mesma a fim de não perpetuar inadvertidamente pensamentos
preconceituosos, inconseqüentes.
Saber fazer uma leitura crítica (e não ingênua) e saber ensinar a ler o
filme18 contribui para que tenhamos consciência da amplitude e poder de
influência que a imagem em movimento possui. Tanto do ponto de vista de
quem assiste quanto do ponto de vista de quem produz cinema.
Embora esteja intimamente relacionado com as questões de forma e
conteúdo, o departamento de arte não tem a pretensão de se considerar o
único responsável pelo sucesso do filme, pois por estar a serviço da linguagem
cinematográfica, há diversos departamentos envolvidos, sob a supervisão do
diretor. O que se cria visualmente será editado e outros elementos serão
adicionados de forma que o resultado final seja a conjugação de tais
elementos, em movimento.
16 ´Tokio Jokio´ (1943, Norm McCable) 17 ´Scrub me Mama with a Boogie Beat´ (1941, Walter Lantz); All This and Rabbit Stew (1941, Tex Avery). 18 ECO, Sobre os espelhos e outros ensaios, 1989.
21
3
Design Cinematográfico: considerações gerais Para filmes de longa-metragem / ficção
Na intenção de explicitar o ponto de vista do qual o tema está sendo
abordado, traçamos um paralelo entre as formas de design industrial19 mais
comuns e de design cinematográfico praticado pelos departamentos de arte no
cinema de um modo geral. Obtemos, então o seguinte quadro:
Desenho industrial
<design> Design cinematográfico
design gráfico design de créditos / arte gráfica de cena
design de produto
design de objetos de cena
design de interiores e de edificações design de cenário
design de moda design de figurino
A palavra design, no caso da distinção descrita no quadro acima, pede
um complemento que defina seu objetivo final. Cada tipo de design, seja ele
industrial ou cinematográfico, possui objetivos distintos, peculiares à área em
que atuam. Sendo assim da mesma forma que temos no design industrial o
design gráfico, o design de produto, o design de moda, o design de interiores e
19 Desenho Industrial - [1] <design> Ciência e arte que abrange o projeto e o desenvolvimento de embalagens com ênfase nas suas características estéticas, práticas, funcionais etc., incluindo a escolha dos materiais e meios de produção. [2] <industrial design>Atividade técnica ou artística que se ocupa da concepção da forma de objetos tridimensionais (desenho de produto) e bidimensionais (programação visual) com vistas na produção industrial. ROSSI FILHO, 2001.
22
de edificações etc, teremos também no design cinematográfico o design de
créditos, a arte gráfica de cena, o design de objetos de cena, o design de
figurino, o design de cenários etc. No cinema, a junção destes elementos faz
com que conceito literário e resultado fílmico auxiliem a construção da narrativa
através de imagens.
No decorrer dessa pesquisa, o emprego da palavra design estará se
referindo a projeto, planejamento num sentido mais amplo. A palavra desenho,
quando num contexto geral, estará se referindo às representações gráficas e
plásticas (grafite, lápis, aquarela, pintura a óleo, pintura digital, acrílica, etc).
Num contexto específico, desenho se refere à representação através de linhas
(grafite, lápis, esferográfica). Dependendo do contexto, por vezes quase não há
distinção entre estes termos, pois é comum a utilização da palavra desenho
como se fosse a forma traduzida de design, por exemplo, desenho de produção
ou design de produção; desenho industrial ou design industrial20.
Visto que em grandes produções o design cinematográfico é composto
por atividades variadas comumente exercidas por uma equipe ampla,
normalmente não se nomeia um único indivíduo como sendo designer
cinematográfico, a não ser que, no âmbito de uma produção de baixo
orçamento, o profissional tenha desenvolvido sozinho todas as funções
relacionadas a cada etapa do processo de concepção visual. Para tanto já
existem nomenclaturas específicas tais como desenhista de produção, diretor
de arte, desenhista de conceito etc., onde cada qual exerce uma função
20 <DESIGN> -" verb" to invent and prepare a plan of (something) before it is built or made: A famous architect designed this building (projetar) -" noun"; 1 a sketch or plan produced before something is made: a design for a dress. (desenho); 2 style; the way in which something has been made or put together. It is very modern in design, I don't like the design of that building (design); 3 a pattern etc. the curtains have a flower design on them. (padrão); 4 a plan formed in the mind (an) intention: our holidays coincided by design and not by accident (propósito). PASSWORD K Dictionaries, 2001.
23
complementar à outra. Há casos em que o próprio diretor executa os primeiros
esboços que servirão de referência para que o departamento de arte possa
desenvolver e aperfeiçoar as sugestões de concepção visual, nem por isso eles
aparecem nos créditos como “designers cinematográficos” mesmo tendo
exercido uma pequena etapa dessa função. Exemplo disso são uns dos
esboços realizados por diretores como Alfred Hitchcock e Tim Burton para
indicar suas intenções que seriam posteriormente desenvolvidas pelos
desenhistas de conceito, para a pré produção dos filmes Um corpo que cai e O
estranho mundo de Jack, respectivamente:
Hitchcock21 Tim Burton22
A utilização do desenho como forma de comunicação entre o diretor e
sua equipe, além da linguagem verbal e escrita, era uma constante no
processo criativo de Frederico Fellini23 que costumava esboçar suas idéias
como no exemplo a seguir:
21 Cf. ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p. 14. 22 Cf. TOMPSON, Tim Burton’s Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994, p. 18. 23 FELLINI, Federico; PETTIGREW, Damien. Eu sou um grande mentiroso, 1995.
24
Mas assim como um texto escrito de maneira legível comunica idéias
com eficiência, também um desenho que possua clareza de informações supre
tais necessidades. Daí a relevância de se utilizar, em adição, os serviços de um
desenhista profissional.
Há, no entanto, casos peculiares em que é possível estabelecer de
forma direta não só o aspecto visual do filme no sentido de pré-produção, mas
também o acabamento, enquadramento, fotografia, planejamento do
movimento de câmera, composição e combinação entre elementos de cena,
personagens e cenários: tal como um programador visual planeja e controla a
execução de um projeto gráfico. Exemplo disso é a animação de recortes na
qual o designer produz arquivos que correspondem ao projeto a ser animado.
Nesse caso é possível desenhar, compor o posicionamento dos elementos de
cena e fazer o planejamento da movimentação desses elementos ao longo das
cenas. Ainda que tudo seja animado, editado e os efeitos aplicados por outro
profissional, o trabalho de design cinematográfico pode ser feito por um único
desenhista, mantendo características originais, concedendo-lhe o crédito de
25
designer cinematográfico. Tal função é muito comum na produção de curtas, de
vinhetas, de aberturas, de trailers e teasers em técnicas diversas.
[DVD Teasers Trilogia do caos] ou [cdM – Teasers Trilogia do Caos]
3.1 Potencial dos principais elementos do filme que pode ser explorado visualmente.
O quadro abaixo refere às partes do filme que podem ser exploradas
visualmente e seus respectivos elementos componentes da imagem. Tais
partes são os créditos iniciais e finais24 e o corpo do filme. Através de texto e
figura, na parte dos créditos há a possibilidade de: apresentar os personagens
descriminando seus respectivos intérpretes; fazer uma introdução dos
personagens e da ambientação; encerrar destacando erros de gravação ou
revelando os atores que interpretaram os papéis principais etc. Quanto ao
corpo do filme, que abrange a narrativa da história, os elementos a serem
concebidos para compor o seu visual é que exigem especial atenção durante o
planejamento, observando-se suas características gerais e específicas.
Créditos Iniciais CORPO DO FILME Créditos Finais
Exemplo:
Introdução;
Apresentação
de personagens;
ambientação etc.
Personagens
Figurino
Cenários
Objetos de cena
Exemplo:
Encerramento;
Erros de gravação;
Apresentação de
atores etc.
24 Alguns filmes optam por ter seus créditos exibidos apenas no final.
26
Faz parte do processo de concepção visual a definição dos seguintes
elementos participantes da imagem e do universo fílmicos:
Personagens Cenário Objetos de Cena
Criaturas
Figurino*
Maquiagem
Locações
Ambientes
Atmosfera
Veículos
Mecanismos
Arte gráfica de cena
*Nas produções em live-action há um departamento exclusivo para
cuidar da criação e confecção do figurino. Nas produções que envolvem a
criação de personagens sintéticos raramente se cria o figurino dissociado
do personagem.
Para a realização do Design Cinematográfico, o Design de Produção e a
Direção de Arte, que são cargos de direção do Departamento de Arte, estão
encarregadas de gerenciar os seguintes recursos:
• Design de créditos, iniciais e finais;
• Através do Design de conceito são confeccionados o storyboard e o
design de: personagens, figurinos, cenários e objetos de cena.
28
3.1.2 Design de Créditos
(title design)
Em seu livro Seis passeios pelos bosques da ficção, Umberto Eco diz ser
a norma básica para lidar com uma obra de ficção o fato de que o leitor precisa
aceitar um acordo ficcional, que “suspenda sua descrença”.25 Portanto há um
momento em que o espectador se desliga da realidade e mergulha na ficção. A
transição realidade/ficção pode dar-se de maneira explicita ou sutil. Há um
momento em que o filme começa e a narrativa se desdobra sem que o
espectador sinta essa transição. O trecho dos créditos de certa forma ainda é
um momento pragmático de denúncia da realidade: trata-se de um filme e foi
feito por um grupo de pessoas. Nos créditos finais, não raro as pessoas se
levantam e vão embora do cinema ou desligam o vídeo do seu home theater. O
retorno à realidade ocorre de forma abrupta por parte de alguns, mas há quem
prolongue o deslumbramento de um filme que acabou de ver, pelo menos
ouvindo a trilha sonora que acompanha os créditos até o seu final. Não se trata
de obrigar o expectador a ler os créditos, pois isso depende de interesse
pessoal; trata-se de criar alternativas e possibilidades. Assim como num cartão
de visitas é possível realçar determinado texto concedendo-lhe maior força,
tornando-o mais atraente, nos créditos pode-se criar áreas de interesse,
fazendo com que o conteúdo do texto não passe desapercebido e o publico
registre nomes e funções. Isso se aplica sobretudo ao título do filme e aos
principais autores da obra exibida. Há diversas modalidades de créditos, cada
qual exerce uma função específica, podendo ou não ser eficaz. Quando o filme
25 COLERIDGE citado por ECO, Seis passeios pelos bosques da ficção, 1994, p.81.
29
inicia com uma seqüência narrativa essencial para a compreensão da história,
apresentar os créditos neste momento pode se tornar uma interferência
incômoda.
Há produções que, pelo seu teor narrativo, optam por apresentar
simplicidade de modo a não saturar um conceito que já será desenvolvido no
próprio filme, delimitando claramente o fim dos créditos e o início do filme.
Como referência de simplicidade o Dogma26 segue seus próprios preceitos ao
fazer com que os créditos de Festa de família (Thomas Vinterberg, 1998)
apareçam da forma mais sucinta possível sem deixar de aludir de forma
subjetiva a um fato importante pertencente à trama: um suicídio cometido
dentro de uma banheira. A abertura apresenta os títulos escritos em folhas de
papel sendo agitadas dentro d’água. Os créditos finais também, só que
iluminados por uma lanterna alternando com imagens de uma bailarina na
caixinha de música, criando uma atmosfera obscura.
[cdM – DesignCreditos/festadefamiliaMT.mpg; festenEndTitle.mpg]
Outras produções optam por maior elaboração, chegando a inserir os
créditos no universo visual do filme servindo de elemento introdutório da
ambientação ou do conceito geral da narrativa. A seqüência de abertura de
Corra, Lola, Corra (Tom Tykwer, 1998), ao explorar o conceito de destino e
passagem rápida do tempo, faz uma interessante mistura de técnicas. O título
original “LOLA RENNT” é formado pela multidão que aparece no início em live-
action, continuando numa seqüência em desenho animado onde aparecem os
créditos da produção. Os nomes dos personagens e de seus respectivos
26 “Festa de família segue os conceitos do Dogma 95, uma proposta dinamarquesa de abolir tudo o que é artificial dentro do cinema.” Fonte: Informações na contra capa do DVD.
30
intérpretes são apresentados através da animação de fotos e letreiros. A
referência à figura do relógio aparece diversas vezes, acentuada pelo
dinamismo da seqüência que caracteriza todo o filme.
[cdM – DesignCreditos/corralolaMT.mpg]
Algumas seqüências de abertura feitas em desenho animado para filmes
live-action, se tornam marcas de uma tendência ou época. Esse é o caso da
abertura de A pantera cor-de-rosa (Blake Edwards, 1963), idealizada por De
Patie e Friz Freleng, onde os créditos são elementos participantes da animação
em que a personagem Pantera brinca com as letras. O mesmo se dá na
abertura do outro filme live-action do mesmo diretor, Um tiro no escuro (1964),
no qual a figura do atrapalhado Inspetor Clouseau é explorada em forma de
desenho animado e os créditos adicionados à composição do cenário dessa
seqüência.
[cdM – DesignCreditos/panteracorderosaMT.mpg e TiroNoEscuroMT.mpg]
Richard Kuhn e a National Screen service idealizaram os créditos da
ficção científica A viagem fantástica (Richard Fleicher, 1966). Após uma
primeira seqüência introdutória da narrativa, os créditos surgem
concomitantemente ao restante da introdução, apresentando o personagem
que, na história, sofrerá intervenção cirúrgica. Os letreiros são animados como
se fossem relatórios médicos, textos batidos a máquina, sobrepostos a imagens
de raios-X, cronômetro, eletroencéfalogramas, etc. O cronômetro realça a idéia
de que a equipe médica, que será miniaturizada juntamente com sua nave, e
31
inserida no corpo do paciente, tem pouco tempo para sanar o problema antes
de voltar ao tamanho normal.
[cdM – DesignCreditos/ViagemFantasticaMainTitle.mpg]
3.1.2.1 Exploração plástica de elementos gráficos
Ao conceber uma seqüência de abertura ou encerramento, tem-se a
opção de explorar o caráter gráfico dos letreiros, ou os elementos visuais
figurativos, combinando-os ou deixando cada elemento distinto, ou seja, letra é
letra (mantém o caráter tipográfico), figura é figura. No caso em que esses
elementos se combinam, a letra passa a ser figura.
O designer gráfico Saul Bass, um dos precursores do design de créditos,
demonstrava uma preocupação maior com a composição e a movimentação de
elementos gráficos de forma minimalista, ficando mais clara a distinção entre
figura e letra. Para citar algumas de suas seqüências de abertura nas quais as
letras mantêm seu caráter tipográfico sofrendo pouca ou nenhuma interferência
de caráter pessoal, destacamos suas aberturas dos filmes Um Corpo que Cai
(A. Hitchcock, 1958); Anatomia de um crime (Otto Preminger, 1959); Psicose
(Hitchcock, 1960); Cassino (Martin Scorcese, 1995).
[cdM – DesignCreditos/ vertigoMT.mpg e cassinoMT.mpg]
Ao compararmos o trabalho desenvolvido pelo designer gráfico e artista
plástico Kyle Cooper para Seven: os sete crimes capitais (David Fincher, 1995)
com o de Saul Bass para Intriga Internacional (Hitchcock, 1959), notamos uma
32
nítida diferença no que se refere à exploração do caráter plástico dos letreiros.
Ambos exploram, contudo, o mesmo conceito de condensar pontos chave do
filme na apresentação dos créditos, cada qual à sua maneira. A movimentação
dos créditos de Intriga Internacional, cujo título original é North by Northwest, é
feita de cima pra baixo, de baixo para cima e em perspectiva acompanhando a
fachada de um prédio, que coincide com o da ONU, ponto de partida da trama.
Reforçando a idéia de norte e noroeste, as letras N de North e T de northwest
formam setas, o mesmo raciocínio aplicado em logomarcas: o conceito
explorado é o de sentido, direção e movimento.
[cdM – DesignCreditos/intrigaInterMT.mpg]
Kyle Cooper alcança maior expressividade no sentido plástico ao tratar a
letra com o mesmo registro visual obtido pelo desenho. Desta maneira há uma
aproximação entre a plasticidade da figura e da letra. Seven é um thriller
psicológico onde um assassino em série planeja os assassinatos baseando-se
nos sete pecados capitais (gula, inveja, luxúria, avareza, vaidade, preguiça, ira).
Os créditos iniciais apresentam o criminoso criando um arquivo de fotos
bizarras, manuscritos, textos sagrados e profanos que aludem a torturas,
mutilação e crueldades. Apenas suas mãos aparecem. Sua identidade só será
revelada nos minutos finais do filme.
A seqüência inicial adquire a função, não só de apresentar os créditos,
mas também de introduzir a personalidade do assassino ao mesmo tempo em
que o mantém incógnito. A intenção do diretor David Fincher era fazer com que
a abertura criasse um clima incômodo de terror anunciando a atmosfera do
33
restante do filme27. O designer de créditos Kyle Cooper simula as atitudes de
caráter frio e meticuloso do psicopata através de recursos gráficos, plásticos e
performáticos28. As fontes feitas à mão utilizadas nos créditos aparentam
incisões e ranhuras que remetem a uma atitude ferina, distorcida e obcecada. A
maneira minuciosa como objetos comuns são utilizados – lâmina, tesoura,
pinça e agulha – e o aspecto sombrio das imagens em close-up constituem
uma referência à tortura e à mutilação.
A obsessão, frieza e planejamento paciente são representados pela
composição dos arquivos com extensas anotações, negativos e fotos sendo
recortados, envelopes transparentes com fios de cabelo, folhas de manuscritos
sendo costuradas. Os grafismos que surgem e desaparecem piscando
rapidamente ao longo da seqüência de abertura sugerem os desvãos
misteriosos de uma mente deturpada, constituindo todo o conjunto a síntese de
um universo patológico. Dessa forma, texto e imagem se integram ao conceito
do filme sem, no entanto, deixar de lado o caráter legível dos créditos. Ao
pensar e atuar como se fosse o assassino, Cooper faz a forma emergir do
conteúdo. É como se o resultado plástico refletisse o estado de espírito por trás
do gesto, funcionando como registro.
[cdM – DesignCreditos/se7enMT.mpg ]
[cdI:images/seven/MainEndTitle]
Um exemplo de integração mais acentuada do caráter plástico de figura
e letra, com a letra tornando-se a própria figura e quebrando a rotina do uso
27 http://www.filmmakermagazine.com/fall1997/kylecooper.html. 28 Cf. Main/End titles designed and executed by Kyle Kooper [cdI:images/MainEndTitle/seven132.jpg]
34
tipográfico tradicional, é a abertura de Delicatessen (Jean-Pierre Jeunet, 1991).
Nela, há a exploração de dois conceitos para o resultado visual obtido. O
primeiro é o da história do filme que envolve humor negro de aspecto sujo e
sombrio. Após uma pequena introdução do ambiente e de alguns personagens
– com a chegada do caminhão de lixo – a câmera passeia por sobre um lixão
no qual os créditos estão inseridos em objetos, papéis velhos, etiquetas e
elementos que fazem parte dos dejetos. O segundo conceito é o da significação
dos próprios créditos. Por exemplo: o texto “direção de fotografia: Darius
Khondji” aparece numa câmera fotográfica, “música: Carlos D’Alessio” aparece
impresso no rótulo de um disco de vinil quebrado, o crédito “figurino: Valérie
Pozzo di Borgo” é feito de palavras bordadas em tecido e assim por diante. A
proximidade pictórica entre os créditos e o restante do filme também contribui
para o caráter introdutório da atmosfera do filme pois parecem fazer parte do
mesmo universo imagético.
[cdM – DesignCreditos/delicatessenMT.mpg ]
Em O fabuloso destino de Amelie Poulain (Jean-Pierre Jeunet, 2001),
após uma pequena introdução narrada por um locutor, nos créditos de abertura
explora-se o caráter poético das imagens enfatizando a beleza das coisas
simples da vida: a personagem principal é apresentada ainda criança,
desempenhando uma série de brincadeiras que revelam sua personalidade, em
conexão com alguns dos créditos cujas fontes mantêm seu caráter tipográfico.
Por exemplo, relaciona-se com a imagem da menina passando o dedo na
borda de uma taça, que emite sons; “direção de fotografia” associa-se à
imagem da menina brincando com enormes óculos de grau; enquanto ela
35
brinca de tapar e destapar os ouvidos aparece o crédito de “efeitos sonoros”;
quando ela brinca com recortes de bonequinhos de papel em seqüência
interligados entre si, surge o de “montagem” etc. Os créditos finais utilizam um
trecho da narrativa no qual o personagem de Nino coleciona fotos 3x4 rasgadas
e descartadas de uma Fotomatic, transpondo para um álbum semelhante ao da
história as fotos, com interferências, dos respectivos atores que interpretaram
os personagens.
[cdM – DesignCreditos/amelieMT.mpg]
Uma abertura que explora propositalmente a animação 2D, embora o
filme seja 3D digital, é a do filme Monstros S.A. (Peter Docter, 2001). No
entanto, o crédito inicial adquire o mesmo caráter divertido e dinâmico
apresentado no filme. Os letreiros contracenam com imagens recortadas de
monstros e portas de armário, provenientes do imaginário infantil, conforme
projetado pelo designer dos créditos Geefwee Boedoe29.
[cdM – DesignCreditos/monstrosSA MT.mpg]
Na abertura de Submarino Amarelo (George Dunning, 1968), os letreiros
aparecem estáticos em composição com figuras psicodélicas desenhadas com
o mesmo tratamento dado ao restante do filme, pelo diretor de arte Heinz
Hedelman. Apenas o submarino amarelo se movimenta ao som da canção dos
Beatles. O clima onírico e tendência pacifista são estabelecidos por essa fusão
de cores e movimentação harmônica.
[cdM – DesignCreditos/SubAmareloMT.mpg]
29 Cf. Informações extras do DVD Monstros S.A.., edição especial de colecionador, 2 DVDs.
36
Conclui-se a partir dos exemplos citados que há varias opções para a
caracterização visual dos créditos. Dentre elas, a de enfatizar mais o aspecto
plástico através da figura que apenas explorar graficamente os caracteres
tipográficos.
38
4
Design dos elementos referentes ao Corpo do filme
Um processo de concepção visual se divide em duas etapas básicas:
planejamento (caráter referencial) e execução (elemento finalizado, definitivo).
De um modo geral o planejamento e a execução ocorrem durante a pré-
produção. Os elementos finalizados serão utilizados na produção ou filmagem.
O ponto em comum entre as diversas modalidades de produção se encontra na
fase do planejamento. Por exemplo, se um personagem é concebido
visualmente através de um desenho e/ou de um modelo esculpido, sua forma
finalizada poderá ser representada por um ator caracterizado no caso de uma
produção em live-action (ação ao vivo); o desenho feito para concebê-lo poderá
ser animado através da animação clássica de células; o modelo esculpido
poderá se tornar um boneco articulado ou de massinha a ser animado através
da técnica stop-motion; o desenho, tendo sido feitas as devidas adaptações,
poderá ser animado via computação gráfica (CGI)30, como por exemplo,
através da animação de recortes ou através de flash animation muito utilizada
na internet; o personagem concebido através de uma modelagem
tridimensional, usado como referência, poderá ser sintetizado e animado
através de modelagem 3D digital. Enfim, uma mesma concepção pode ser
executada de diferentes formas. Não esquecendo que certos tipos de produção
utilizam mais de uma dessas técnicas combinadas num só filme – live-action,
desenho animado clássico, stop-motion, computação gráfica 2D e 3D. 30 “CGI – (computer-generated imagery): The digital enhancement or manipulation of a film image”; CGI – (imagem gerada por computador): imagem (fílmica) 2D ou 3D criada, realçada ou manipulada digitalmente. ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p.204. Tradução do original em inglês com acréscimos explicativos: Cláudia Jussan.
39
Em A Viagem de Chihiro (Hayao Miyasaki, 2001) a animação, os ajustes
de cores e os efeitos visuais são obtidos digitalmente, mas os personagens e
os cenários complexos são gerados pelo processo tradicional de desenho e
pintura a mão31.
[cdC: CONCEPÇÕES/A Viagem de Chihiro]
Há filmes que inserem a CGI de modo tão bem conjugado ao universo
visual do filme que quase passam desapercebidos. São tomados
inconscientemente como parte do todo. Como por exemplo, na cena em que as
pinturas dos quadros na parede fazem comentários sobre Amelie e o boneco
sobre o criado mudo puxa uma cordinha e apaga a luz do abajur.
[cdI: images/AmeliePoulain/amelie poulain112.jpg a 118];
É difícil determinar quando os elementos de cena em Dogville são reais
ou digitais; ou se lembrar que em Lisbela e o Prisioneiro (Guel Arraes, 2003) o
3D digital fora utilizado para gerar um dirigível gigantesco que por estar
inserido numa atmosfera de sonho, dificilmente questiona-se a natureza
daquele Zepelim sobrevoando a praia.
31 Cf. MIYAZAKI, The art of Miyazaki’s Spirited Away, 2002, .P. 182-191.
40
4.1 Desenho de Conceito ou de concepção
(concept design)
É o recurso mais utilizado dentro do processo de concepção visual que
possibilita uma visualização mais detalhada dos atributos tanto gráficos quanto
plásticos da aparência do conteúdo das imagens. É normalmente executado
pelo desenhista de produção, pelo diretor de arte e pelos desenhistas de
conceito, segundo a especialidade de cada um. Ocorre desde a fase mais
especulativa, antes mesmo de haver um roteiro ou storyboard definidos, até a
fase final da pré-produção, antecedente às filmagens. Tem por objetivo
caracterizar, quando for o caso, o aspecto físico de personagens, criaturas,
cenários, ambientes, objetos, veículos, mecanismos, figurino, maquiagem,
máscaras e próteses, enfim, tudo aquilo que precisa ser criado ou
representado. O desenho de conceito é executado com a intenção de simular
as possíveis aparências que determinados elementos participantes do filme
poderão ter de acordo com o conceito estabelecido pela história.
Abaixo estão alistados alguns termos relacionados aos desenhos de
conceito e suas respectivas definições, termos esses que serão empregados
nos textos subseqüentes:
Esboços (sketches); podem ser representações rápidas com acabamento
intermediário - croquis; estudo de cor, textura e iluminação; composição digital;
Prancha: desenho ampliado, com acabamento finalizado, de uma cena em
plano geral. Pode servir de referência para se fazer o desenho da planta baixa
do cenário ou set de filmagem. Pode servir também para indicar ângulos e
41
enquadramentos de quadros-chave, bem como atributos específicos dos
elementos de cena.
Planta baixa (floor plan): é um desenho que representa o set visto diretamente
de cima (vista ortogonal) feito pelo desenhista de produção e diretor de arte32.
Serve de referência para que o diretor defina a ação, o posicionamento da
câmera, os planos e as lentes; e para que o cenógrafo defina a composição do
cenário a ser construído pelo cenotécnico. No exemplo de planta dos
encanamentos do Castelo Rá-Tim-Bum, desenhado por Andrés Sandoval, está
incluído um estudo sugerindo o posicionamento do manipulador de bonecos33.
E no outro exemplo, a planta para a moradia dos Hobbits, de O Senhor dos
anéis, segundo aquele que a desenhou, John Howe34, não passou de uma
extravagância desnecessária. No entanto, esse exercício de imaginar onde se
localizariam os cômodos da casa de Bilbo foi um passo importante na criação
dos demais ambientes, seguindo-se uma certa lógica de posicionamento e
circulação interna a ser feita pelos personagens.
[cdC: CONCEPÇÕES/CasteloRaTimBum/planta baixa.jpg]
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos Anéis/plantaHobbiton.jpg]
Os desenhos de conceito podem apresentar-se sob diversas formas,
desde esboços ou croquis, até pranchas, em técnicas variadas (grafite, lápis,
aquarela, pintura a óleo, pintura digital, acrílica, colagem etc.). Demonstram
características e posicionamento dos personagens e objetos (figura) inseridos
em cenários (fundo) incluindo ainda informações detalhadas relativas a: 32 RODRIGUES, O Cinema e a Produção, 2002, p. 71. 33 HAMBURGUER, Castelo Rá-Tim-Bum: o livro, 2000, p. 82. 34 RUSSELL, The Art of “The Fellowship of the Ring”, 2002, p.20.
42
ambiente, iluminação, enquadramento, atmosfera, estudo de cores, luz,
composição e assim por diante.
Embora o enquadramento também possa ser estudado previamente
através dos desenhos de conceito, dependendo do tipo de produção, ele será
estabelecido no momento da filmagem pelo diretor ou pelo diretor de fotografia.
Em Monstros S.A. os enquadramentos e composições das imagens em 3D
digital estão bem próximos do estabelecido pelas pranchas, enquanto que em
filmes live-action, a utilização mais efetiva da câmera pode ocasionar variações
da intenção inicial descrita pelo storyboard por tratar-se de um tipo de filmagem
sujeita a interferências externas somente percebidas in loco, no momento da
gravação.
[cdC: CONCEPÇÕES/ MonstrosSA/ Luz e enquadramento]
Nas palavras do célebre diretor de cinema soviético Vsevolod Pudovkin,
“uma das características do cinema é a de dirigir a atenção do espectador para
os diferentes elementos que se sucedem no desenvolvimento de uma ação”.35
Planejar os enquadramentos de uma seqüência pode solucionar de
forma simples cenas que, se concebidas de outra forma, poderiam se tornar
desnecessariamente dispendiosas, dispersas e confusas. Analisando parte da
seqüência do filme Ladrão de Sonhos (Jean-Pierre Jeunet, 1995) na qual um
transatlântico se choca contra o cais onde os personagens se encontram, é
possível notar que houve um planejamento prévio, pois em nenhum momento
vê-se o navio por inteiro, apenas parte de sua proa. Mesmo assim a sensação
que se tem é de que um imenso navio se aproxima, principalmente quando 35 PUDOVKIN, “Métodos de tratamento do material”. In: XAVIER, A experiência do cinema, 1983, p. 60.
43
temos num mesmo enquadramento a posição dos personagens em relação à
ponta do navio. Eles, em primeiro plano e de costas para a câmera, olham para
frente e para o alto avistando apenas um trecho vertical da proa vindo em sua
direção. Noutro enquadramento toda a tela é preenchida por uma parte do
casco em movimento. Os elementos sonoros realçam a dramaticidade da cena.
Esse trecho é um exemplo de como a noção de enormidade pode ser passada
através de ângulos fechados.
[cdM – Trechos Selecionados/Ladrão de Sonhos.MPG]
É preciso ressaltar o fato de que, na pré-produção de um filme, a equipe
lida constantemente com informações que definirão aquilo que será produzido.
É justamente a necessidade de informar os detalhes dos elementos de cena a
serem produzidos que caracterizará o grau de elaboração de cada desenho de
conceito.
44
4.1.2 Storyboard
Considerando quais seriam as principais características de um bom
roteirista, o diretor Jorge Furtado menciona36 a importância de se ter sempre
em mente que tudo o que é escrito num roteiro deve possuir o atributo de se
tornar audível e visível, inclusive elementos subjetivos tais como pensar, sentir,
querer. Sob este aspecto, é ideal que haja uma forma de pré-visualização
figurativa daquilo que está por escrito.
A primeira versão visual em seqüência do filme é concebida através do
storyboard37, uma série de desenhos em pequenos quadros usados como
representação gráfica do roteiro técnico que mostram os planos principais, o
enquadramento, os ângulos de câmera, o campo de visão e o movimento dos
personagens em cena. O storyboard tem por objetivo demonstrar a ordem em
que as cenas ocorrem, sugerindo ação, ritmo, indicação de cores específicas,
de efeitos visuais e sonoros. Quando falamos em design cinematográfico o que
vem logo à mente é “storyboard” por se tratar da forma mais conhecida de
design para cinema. Mas este é apenas um dos elementos do processo de
transformação do roteiro em imagens. Na maioria dos casos, esse processo
segue a ordem linear roteiro literário - roteiro técnico -planta baixa -
storyboard38.
36 Comentário do diretor e roteirista Jorge furtado, em entrevista ao programa Agenda da Rede Minas de Televisão, que foi ao ar no dia 25 de junho de 2005 às 19:13 horas. 37 TOMPSON, Tim Burton’s Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994. 38 Nem sempre o storyboard tem início a partir do roteiro. No caso do longa-metragem de animação O estranho mundo de Jack, produzido por Tim Burton, por exemplo, a concepção do filme deu-se a partir de antigos desenhos que Burton havia feito para a Disney e que, embora não tivessem sido aprovados, foram conservados pelo Estúdio; e também a partir das canções feitas por Danny Elfman para o filme, tendo sido o roteiro escrito paralelamente à confecção do storyboard. Cf. TOMPSON, Tim Burton’s Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994., p.93.
45
Pode-se contratar um desenhista exclusivamente para essa função,
supervisionado pelo diretor, pelo diretor de arte e/ou desenhista de produção.
Para esboçar as cenas, o desenhista de storyboard tem como referência às
informações contidas na decupagem de direção, desenhos de conceito
preliminares, pranchas e planta baixa. O ideal é que cada plano principal seja
desenhado em folha separada para que a estrutura do filme possa ser
facilmente modificada pela simples mudança de posicionamento dos
quadrinhos do storyboard. Observações adicionais quanto ao movimento de
câmera, diálogos, efeitos e, até mesmo, duração das cenas são anotadas
abaixo dos desenhos, o que facilita a comunicação entre o diretor e a equipe
encarregada de desenvolver as cenas. Também serve de referência para os
atores, dublês etc. nos filmes live-action. Portanto, quanto mais informação
detalhada tiver o storyboard, acompanhado do roteiro técnico, mais nítida e
otimizada será a pré-visualização do desenvolvimento do filme em termos de
planejamento, continuidade, custo, prazos e decisões a serem tomadas pelos
diversos departamentos que compõem a equipe técnica. É através dele que
experimentações podem ser feitas e erros podem ser cometidos sem aumentar
os custos ou desperdício de material. Nos esboços é possível testar diferentes
versões de uma mesma idéia e ver se a narrativa através de imagens funciona;
caso contrário, modificações no roteiro serão feitas em função da clareza com
que a história será contada, ou seja, em função do enredo. Assim sendo, é
aconselhável reservar espaço para expor o storyboard, de preferência por
completo e nas paredes do estúdio, e repassá-lo com toda a equipe para que
correções possam ser feitas e todos estejam familiarizados com a história. É
importante deixar exposta, seja nas paredes ou num álbum encadernado, a
46
seqüência a ser trabalhada para que a equipe possa consultá-la quando for
necessário, evitando equívocos e atrasos na produção.
Nas produções em que os sets precisam ser construídos, a escolha do
ângulo pode significar metros a mais de cenário. Espaço físico, material e
tempo gasto para a construção dos cenários podem ser previstos nessa fase.
Principalmente em se tratando de um longa-metragem de animação stop-
motion, em que o departamento de arte consulta o storyboard com mais
freqüência para saber quantos bonecos serão necessários, quantos cenários
serão construídos e quantas cenas serão rodadas no mesmo cenário. Todas as
decisões subseqüentes da produção, serão inteiramente baseadas no
storyboard.
Para o longa-metragem em stop-motion O estranho mundo de Jack
(Henry Selick, 1993) por exemplo, foram necessários aproximadamente 3.300
desenhos para completar o storyboard que apresenta toda a história do filme
em sua concepção visual. Mas seria muito mais complicado realizar uma
produção tão extensa e com tantos profissionais envolvidos sem um storyboard
tão bem elaborado. E um minucioso planejamento visual é fundamental tanto
para as grandes produções (por razões de organização do trabalho) quanto
para as produções de baixo orçamento (por razões de economia de recursos).
[cdC: CONCEPÇÕES/Estranho Mundo de Jack/storyboard1.jpg e 2]
Se o storyboard será muito ou pouco elaborado dependerá do grau de
complexidade das cenas; mas, de um modo geral, o que interessa realmente é
como, quando e qual a ordem dos acontecimentos, assim como as indicações
47
de cenários, figurinos e objetos de cena. Já a caracterização visual detalhada
desses elementos do filme fica a cargo do desenho de conceito.
[cdC: CONCEPÇÕES/ Minority Report /storyboard/cena do beco/storyboard]
48
4.1.3 Design de personagens
(character design):
A caracterização de personagens passa por um extenso processo de
desenvolvimento e modificações antes de atingir o estágio ideal. Ser um
desenhista de personagens se assemelha a dirigir a escalação de um elenco,
onde cada qual deverá possuir um conjunto de atributos físicos que combinem
com suas respectivas personalidades e com o contexto em que estão
inseridos39. Há uma forte predominância de estudos da figura humana mesmo
em se tratando de personagens baseados em animais, vegetais ou objetos.
Inclui-se também o estudo preliminar de trejeitos, não apenas a aparência mas
o gestual expressivo da figura estruturalmente falando, independente do
vestuário, mas há casos em que o personagem não se dissocia do figurino
tendo suas características de serem desenhadas simultaneamente. Um
personagem é o conjunto de aparência e comportamento, por isso ao ser criado
a multiplicidade de posturas será levada em conta primordialmente, diferente do
que ocorre com o design de figurinos, o qual enfatiza a vestimenta antes de
tudo.
Model sheet: são desenhos do personagem de diferentes pontos de vista em
pose estática ou em movimento que possam suprir a prováveis necessidades
dos ângulos descritos no storyboard40. O model sheet é principalmente usado
em animação clássica para ajudar a equipe de animadores a manter o
39 CULHANE, Animation: from script to screen, 1988. 40 CULHANE, Animation: from script to screen, 1988.
49
personagem dentro do mesmo padrão. É de grande utilidade, em se tratando
de personagens sintéticos, desenhar modelos expressando diversas emoções.
Em O estranho mundo de Jack, os desenhos do personagem Cientista
Malvado, serviram de referência para a confecção e a pintura de acabamento
do boneco. No filme, ele nunca aparece de pé, mesmo assim, ele é
representado nesta posição. Quanto às expressões de Jack Skellington, no
model sheet elas ocilam do feliz ao furioso.
[cdC: CONCEPÇÕES/Estranho Mundo de Jack/cientist.jpg e facesDraw.jpg]
Para A Viagem de Chihiro, os estudos no model sheet serviram para
solucionar a proporção, os gestos, a postura e o comportamento de uma garota
de dez anos de idade em situações específicas, e sua estatura em relação a
outros personagens fictícios como, por exemplo, o bebê gigante. Toda a equipe
de animadores se baseou nessas referências desenhadas pelo supervisor de
animação Masashi Ando.
[cdC: CONCEPÇÕES/ A Viagem de Chihiro/ model sheet]
Na animação feita em 3D digital Procurando Nemo (Andrew Stanton,
2003), ao fazer uma análise semiótica do personagem Nemo, observa-se que
suas características físicas estão relacionadas a um elemento importante para
o incremento da trama. Um ponto de tensão a partir do qual todo o enredo se
desenvolverá. Nemo é um filhote de peixe palhaço que nasceu com uma
barbatana menor que a outra. Ele é sobrevivente de uma tragédia que matou
sua mãe, Coral, e deixou seu pai, Marlin, traumatizado. Sendo Nemo
pequenino, portador de uma anomalia congênita e filho único, Marlin, ao se
50
tornar um pai superprotetor e neurótico por segurança, acaba podando o
desenvolvimento social do peixinho. O tratamento visual dado ao personagem
lida com a questão de sua “aparente deficiência” de maneira sensível sem ser
de forma alguma pejorativo. O design do personagem condiz com sua
personalidade, pois ele é esperto, agitado e curioso. Correspondentemente, ele
tem olhos bem abertos, cores fortes e flexibilidade corporal o que lhe
proporciona a capacidade de reagir aos exageros do pai. Muito embora o
protagonista seja um peixe, suas atitudes têm como referência uma criança no
final da idade pré-escolar, por isso o personagem é desenhado de forma que
suas expressões sejam versáteis o suficiente para transparecer sentimentos
humanos. E outro dado que chama a atenção quanto à caracterização dos
personagens, é que nenhum deles é o vilão, nem mesmo os tubarões. Marlin e
Nemo não têm de lutar contra um “ser maligno” individual, mas superar o
pessimismo, o preconceito e os desafios do oceano.
[cdC: CONCEPÇÕES/NEMO/personagens/nemo97.jpg a nemo99.jpg]
Em Lilo & Stitch (Chris Sanders, 2002), Stitch, um personagem
idealizado por Chris Sanders, possui uma personalidade ambígua que quebra o
maniqueísmo tradicional dos antigos filmes dos Estúdios Disney. Ele é um
alienígena resultante de uma experiência científica, com grande potencial
destrutivo. Mas ao fugir de seu planeta e cair na terra, finge ser um “cachorro”
ao esconder suas antenas e dois de seus quatro braços. Tudo para ir morar
com a garotinha havaiana chamada Lilo e evitar ser pego pelos seus
perseguidores. Sua aparência física reflete um misto de agressividade e
“fofura”. Segundo Sanders, o tratamento visual dado aos elementos do filme é
51
intencionalmente arredondado, dando-lhes um aspecto amigável. Stitch é mal
criado , tem garras e presas, mas ao mesmo tempo é gordinho, que sugere um
pelo macio; sua expressão facial alterna entre a ferocidade e a inocência
bondosa. Ele é ao mesmo tempo atraente e repulsivo.
[cdI: imagens/Lilo&Stitch/]
Já o visual criado para As Bicicletas de Belle Ville (Sylvain Chomet,
2003) ressalta figuras caricaturais, personagens de aspecto bizarro e formas
acentuadas, ora muito magros, ora extremamente gordos. As figuras obesas
foram criadas em função do conceito por trás da Belleville, cuja estrutura
urbana está calcada no consumismo, sobretudo de fast-food. Os capangas de
terno preto, movem-se em forma de um bloco único e quadrado, o que os torna
facilmente identificáveis como mafiosos frios e ameaçadores; as trigêmeas
idosas, cantoras de cabaré, que fazem música tendo por instrumentos
utensílios domésticos, foram inspiradas nos traços de personalidade forte e
gentil da avó do diretor e designer de personagem, Sylvain Chomet; a
protagonista Madame Souza, baixinha, velha e míope, usa bota ortopédica, e
apesar de sua aparência frágil, demonstra força e determinação ao vencer os
obstáculos na busca pelo seu neto Champion, o ciclista apático, magro, de
pernas musculosas. Há também o métre excessivamente meticuloso e
submisso que trabalha no restaurante onde o chefe da máfia assiste à
apresentação das trigêmeas. Tanto que ele chega a apresentar a forma de uma
vara empenada para trás, tamanho o exagero de seus gestos prestativos.
Esses elementos e caracteres propiciam uma atmosfera extraordinária ao
desenho. As formas e expressões são exploradas ao máximo mostrando um
52
traçado diversificado das figuras humanas, realçando o lado decadente,
perecível e frágil da matéria orgânica em contraposição à presença de espírito
dos personagens.
[cdI: imagens/Bicicletas de Belle Ville]
As figuras de Hayao Miyazaki em A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki,
2001), descendem da mitologia japonesa e dos contos tradicionais sobre
divindades nipônicas. Ao invés de criar seres envolvidos em batalhas com
armas e superpoderes, Miyazaki optou por valorizar elementos da cultura
japonesa voltada mais para as forças da natureza que para a alta tecnologia.
Em seus desenhos preliminares percebe-se que suas representações
fantasiosas de espíritos se baseiam na aparência de plantas e tubérculos com
máscaras e vestimentas típicas do folclore japonês, resultando esta mistura
inusitada em personagens atípicos Há também a mescla tradicional de figura
humana e animal, como é o caso dos homens-sapo e mulheres-sapo. A
diferenciação na porcentagem de mistura entre os elementos proporciona
ampla diversidade de caracteres sem comprometimento da unidade estilística.
Tal unidade se obtém pelo uso privilegiado de uma mesma técnica de
acabamento das imagens que mantém seus elementos como parte de um
mesmo universo fantástico. Há, por exemplo, homens-sapo e sapos
humanizados, figuras cuja porcentagem de características humanas é maior
que as características animais e vice-versa. Seus personagens variam das
figuras humanas pouco estilizadas (Chihiro e Haku), passando por tipos
extremamente caricaturais (Yubaba) até chegar a figuras quase abstratas
(espíritos). A partir dos esboços de Miyazaki, o personagem Kamaji, que a
53
princípio seria apenas um homem velho, foi desenvolvido pelos desenhistas da
equipe até se tornar homem velho com seis longos e versáteis braços
trabalhando simultaneamente na caldeira da casa de banho A despeito de seu
aspecto austero pela forma como lida com os Susuwatari – criaturinhas lúdicas
feitas de fuligem que carregam e lançam pedras de carvão na caldeira de
maneira cômica – Kamaji remete à figura de um sábio e chega a inspirar
simpatia. Ainda mais lúdico é o momento em que os Susuwatari são
alimentados com pequenas estrelinhas furta-cores semelhantes a suspiros.
Tanto os personagens quanto os adereços que complementam seu
comportamento revelam a grande sensibilidade por trás de sua concepção.
[cdC: CONCEPÇÕES/ A Viagem de Chihiro]
Quando a concepção de personagens extrapola a mistura das
referências comuns à realidade como monstros, feras, alienígenas, obtém-se o
que chamamos de design de criaturas. O desenho de conceito neste caso é
mais específico; devido a maior distância entre o real e o imaginário as
possibilidades de criação do bizarro e do pitoresco são ainda mais amplas.
Temos em H. R. Giger um inventor de criaturas por excelência tamanha
a peculiaridade dos seres fantasmagóricos por ele concebidos. Suas mórbidas
figuras são o resultado da mistura de figura humana com elementos orgânicos
semelhantes a insetos, seres em decomposição etc. A estranheza dos
personagens de Giger, que parecem extraídos de pesadelos, se presta a
representação de alienígenas com grande pertinência dentro do contexto do
filme Alien: o oitavo passageiro (Ridley Scott, 1979).
[cdC: CONCEPÇÕES/z_adicionais/Giger]
54
O mundo criado por J. R. R. Tolkien oferece um manancial de
informações que aguçam a criatividade daqueles que nele se inspiraram para
criar a diversidade visual de O Senhor dos Anéis. A equipe de desenhistas
obteve em sua literatura pontos de partida para apresentar ao diretor Peter
Jackson, propostas para a concepção das criaturas repulsivas representantes
do mal; dentre elas, o Balrog (uma espécie de demônio em chamas), Os Uruk-
hai, Orcs e Trolls (componentes do exército de Sauron), Wargs e Fell Beasts.
(animais de cavalgadura).
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos Anéis/criaturas]
4.1.4 Design de figurinos
(costume design):
O desenho indumentário executado por figurinistas, de um modo geral,
possui característica esquemática. Principalmente quando o objetivo é
confeccionar roupas para um elenco, o design de figurinos apresenta-se na
forma tradicional pertencente ao mundo da costura, enfatizando o modelo da
roupa geralmente em pose estática e não características específicas da
anatomia do personagem em poses dinâmicas. Durante a confecção das
roupas é que ajustes são feitos levando-se em consideração a anatomia do ator
e a ação a ser desenvolvida, de maneira a não inibir os gestos ou prender
movimentos essenciais de acordo com a postura e a expressão.
55
William Mann comenta sobre o figurinista de Hollywood, Travis Banton,
subchefe do departamento de figurino da Paramount:
Ele parecia entender instintivamente o papel que o figurino desempenhava no cinema: não era só como arrumar vitrines, mas fazia parte integrante da narrativa. ‘As roupas são usadas para contar uma história’, disse a um repórter, ‘para realçar um impulso ou ressaltar um objetivo desejado na vida do personagem em questão’. Aliás, ele foi o primeiro dos figurinistas de Hollywood a ver o figurino dessa forma (embora já em 1917 George James Hopkins defendesse um ponto de vista semelhante antes de ser cenógrafo), e sua abordagem influente se tornou padrão para todos os que vieram depois dele.41
Ngila Dickson, figurinista da trilogia O Senhor dos Anéis, comenta a
importância da distinção entre o figurino característico de cada civilização
descrita por Tolkien. A vestimenta exibe os valores e hábitos das diferentes
culturas, cada qual pertencente a uma região com ambientação específica,
dentre as quais Hobbits (Frodo e Sam), Elfos (Legolas), Gondorianos (Faramir),
Edorianos (Éowin) etc. Além de recorrer às histórias e ao roteiro, Ngila baseou
seus desenhos nas ilustrações que Alan Lee havia feito para os livros de
Tolkien e nos desenhos de conceito para o filme. 42
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos Anéis/figurino]
Quando a narrativa não exige realidade histórica, um estilista pode
inspirar-se na moda de determinada época, porém preocupando-se mais em 41 MANN, 2002, Bastidores de Hollywood:a influência exercida por gays e lésbicas no cinema, 1910-1969 p. 74 42 Cf. RUSSEL, The art of “The return of the king”, 2004, p. 9.
56
traduzir simbolicamente o personagem que em manter exatidão histórica. É o
caso do trabalho do estilista Jean-Paul Gaultier para Ladrão de Sonhos. O
figurino combina com a atmosfera soturna de uma população que vive na beira
do cais. O personagem One, estivador desempregado que passa a trabalhar
como artista de rua, veste um modelo de uniforme da marinha. A menina Miete,
embora criança, apresenta a personalidade forte de uma mulher adulta. Seu
figurino, mesmo sendo infantil, por ser vermelho, se destaca de forma agressiva
em relação às roupas opacas dos garotos que, por sua vez, vestem ternos,
paletós, gorros e chapéus, conferindo-lhes uma aparência sisuda.
[cdI: imagens/LadraodeSonhos]
Na concepção visual de super-heróis, soldados, criaturas, a vestimenta
está intimamente relacionada à caracterização do personagem. Super-heróis
são um caso a parte. Sobre o confronto existente entre mundo imaginário e
mundo real, Iser escreveu:
[...] o mundo do texto não é de fato um mundo, mas para fins específicos deve ser considerado como tal [...]. Ao considerar-se o mundo representado no texto como se fosse real, o próprio mundo empírico se transforma num espelho, orientando o receptor para a concepção de algo que não existe e permitindo que esse inexistente seja visualizado como se fosse realidade. [...] a ficcionalização se converte no meio ideal para que o imaginário se manifeste, fazendo o invisível tornar-se
concebível [...].43
43 ISER, The fictive and the imaginary: charting literary antropology, 1993, p. 72,73.
57
Adaptar de forma convincente personagens de quadrinhos para filmes
live-action se torna um desafio quando a intenção é fazer com que haja uma
lógica quase pragmática44 dentro de uma trama fictícia que pede para ser lida
como real. No universo das histórias em quadrinhos, um personagem como
Volverine pode usar um colante amarelo e máscara preta com pontas
exageradas. Se fosse usado por um ator, num filme que não pretende ser
comédia, o mesmo figurino pareceria ridículo.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen/figurino/xmen051.jpg a xmen100.jpg]
Um dos principais problemas dos uniformes de couro preto,
confeccionados para os X-men, era a pouca mobilidade, o que exigia maior
esforço por parte dos atores para que seus gestos parecessem naturais.45 Os
demais trajes usados pelos mutantes seguiram as características físicas e
pessoais de cada um. Alguns por usarem próteses, como o Noturno que possui
mãos com três dedos, pés com dois, e uma calda preênsil, receberam atenção
especial. Como ele nasceu na Bavária, foi criado por uma rainha cigana e
trabalhava num circo em Munique até ser encontrado pelos X-men, suas
roupas são típicas de sua origem e profissão.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen336.jpg a xmen350.jpg]
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/X_images]
Em se tratando de universo fictício sendo lido como mundo real, manter
uma coerência narrativa para seres fantásticos com superpoderes é algo
deveras complexo. O que normalmente se busca é a sustentação de uma linha 44 STIERLE, “Que significa a recepção dos textos ficcionais”, 1979. 45 Informações extras contidas no disco dois da edição especial do DVD X-men 2.
58
de raciocínio partindo do mesmo conceito. A transposição de personagens da
Marvel Comics para o filme Homen-Aranha (Sam Raimi, 2002) não
necessariamente seguiu a mesma linha de raciocínio em relação ao herói e ao
vilão. O figurino desenhado para o Homen-Aranha procurou manter as mesmas
características do uniforme original das histórias em quadrinhos, preservando
atributos tanto anatômicos quanto acrobáticos, bem como a coloração
contrastante. Embora vários dos desenhos de conceito feitos por Warren
Manser representassem o herói aracnídeo em posições dinâmicas, uma série
de desenhos dele em posição estática foi desenvolvida com base em
fotografias, no intuito de definir sua musculatura e proporções de acordo com a
estatura do ator Tobey Maguire e dos dublês. Mais tarde esses elementos
seriam incorporados ao figurino definitivo que consistia numa peça única de
malha elástica, com apenas dois fechos, vestida sobre enchimentos simulando
músculos. As teias de aranha que decoram as partes em vermelho da roupa
foram feitas em alto relevo, concedendo-lhe uma sofisticação adicional. Foram
confeccionadas 28 roupas de homen-aranha para as cenas tanto com o ator
quanto com os dublês, pois embora esse figurino proporcionasse ampla
liberdade de movimentos, a malha nem sempre suportava as cenas de ação
intensa, o que é muito comum. Em determinadas cenas, o herói foi substituído
por um modelo em 3D digital em virtude de suas acrobacias espetaculares.
[cdC: CONCEPÇÕES/HomemAranha/spider001.jpg a spider004.jpg]
Uma grande divergência existente entre os quadrinhos e o filme é que,
ao invés do personagem Peter Parquer produzir um fluido caseiro que fosse
expelido por um dispositivo acoplado aos seus pulsos, seu corpo produziria
59
naturalmente a teia que sairia por uma abertura nas glândulas localizadas em
seus punhos. Em entrevista concedida para um artigo da revista Cinescape de
março-abril de 2001, o diretor Sam Raimi explica que ter um garoto na escola
secundária, que seja capaz de inventar um produto adesivo que nem mesmo a
indústria 3M poderia imaginar seria um tanto fantasioso demais, mesmo para
um jovem com poderes proporcionais aos de uma aranha. Por isso ele optou
pelo conceito de mutação genética ocorrida na aranha azul e vermelha que o
picou. Porém o roteiro não esclarece como foi que esse mesmo garoto
conseguiu uma roupa com sofisticada técnica de silk-screen em alto relevo e
acabamento de alta costura.
Quanto ao figurino do Duende Verde, sua caracterização ficou bem
distante da concepção original dos quadrinhos em que o personagem possui
um visual excêntrico de dia das bruxas, com roupas na cor roxa e verde. A
produção alterou seu visual em função da justificativa ao invés de criar
justificativas que sustentassem, senão todas, pelo menos suas principais
características de origem. De acordo com o departamento de figurino, o
Duende é bem aceito enquanto desenho, mas enquanto uma pessoa real
vestida de duende, torna-se uma figura ridícula. Apesar de o departamento de
arte ter feito testes com próteses de silicone, o que permitiria ao ator explorar
suas feições enquanto que as exageradas sobrancelhas articuladas fossem
manipuladas por radio controles, os produtores optaram por uma versão de
máscara mais estática. Eles argumentaram que se Norman Osbourne fosse
visto colocando uma máscara de borracha, seria complicado justificar que ele
fosse capaz de mudar sua expressão facial. A possibilidade de metamorfose
60
física e alteração do semblante em momentos de insanidade, em resultado da
experiência a que Norman se submete, só é levada em conta quando o
personagem aparece sem estar caracterizado de duende, no entanto a
metamorfose é de origem psicológica, a estrutura física permanece a mesma.
O ator Willem Dafoe teve de representar o Duende Verde com uma máscara
que expunha em alguns momentos apenas seus olhos e boca. O intuito era
passar a idéia de que Osbourne obteve a máscara verde a partir de sua
coleção particular de mascaras africanas, indígenas e carnavalescas. Foi uma
incrível coincidência ele possuir um exemplar exatamente da mesma cor e
textura da roupa de super-soldado produzida pela Oscorpe, a empresa onde
trabalhava. O resultado foi que o figurino definitivo ficou high-tech, semelhante
ao dos vilões de seriado japonês, mais estático e menos expressivo em termos
de movimentação tanto física quanto facial46.
[cdC: CONCEPÇÕES/HomemAranha]
O diretor47 define suas prioridades quanto à maneira pela qual o figurino
será inserido na narrativa. A ênfase dada ao visual pode significar incoerência.
No episódio II de Guerra nas Estrelas48: O ataque dos clones (George Lucas,
2002) a vida da personagem Senadora Padmé está sob constante ameaça;
assim, no início do filme ela aparece disfarçada vestida como um dos soldados
46 VAZ, Behind the mask of Spider-Man: the secrets of the movie, 2002. 47 Em certos casos, os produtores interferem nas decisões do diretor visando bilheteria, ou questões externas ao filme. Cf. HITCHCOCK; TRUFFAUT, Entrevistas, 1989; BERNARDET, O autor no cinema: a política dos autores, 1994. 48 Star Wars - Odisséia no espaço em seis episódios: I Ameaça Fantasma (1999); II Ataque dos Clones (2002); III A Vingança dos Siths (2005); IV Uma Nova Esperança (1977); V O Império Contra-ataca (1980); VI O Retorno de Jedi (1983).
61
de sua escolta. Sua criada sofre o atentado em seu lugar usando a pomposa
vestimenta típica da ex-rainha Amidala e atual Senadora Padmé.
[cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones5.jpg a AtaquedosClones9b.jpg]
Em outro momento do filme, ainda sendo ameaçada, ela foge de
Coruscant escoltada pelo aprendiz de Jedi Anakin Skywalker, utilizando o
transporte coletivo comum. Para quem está evitando chamar a atenção, a
vestimenta dourada de Padmé destoa de sua condição, pois ela se apresenta
perante a atual rainha com o mesmo “disfarce” exuberante com o qual fugira. O
desenho de conceito previa uma versão mais camuflada que não foi utilizada.
[cdC: CONCEPÇÕES/StarWars/star wars001.jpg]
[cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones024.jpg a AtaquedosClones046.jpg]
O diretor provavelmente optou por enfatizar mais a estética romântica
que a coerência com a história, inclusive na cena em que Padmé é atacada
pela criatura Nexu e parece que sua roupa foi estrategicamente rasgada para
se tornar um modelo “sensual”. Os desenhos de conceito, individualmente, são
bem executados, sua combinação e aplicação eclética é que abre margem para
questionamentos quanto á adaptação, o que não impede a apreciação do
universo de Star Wars pelo seu imenso público fiel. Mas ao analisarmos o
resultado final, vemos que há uma profusão de elementos e técnicas resultando
não numa diversidade de figuras pertencentes a um mesmo universo, mas
numa diversidade de universos dentro do mesmo filme.
[cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones000.jpg a AtaquedosClones020.jpg]
62
4.1.4.1 Maquiagem (make-up)
Tratando-se de um filme em live-action, o design de personagem serve,
mesmo antes da escalação do elenco, para definir adereços que irão
complementar aspectos físicos como penteado, cor do cabelo, dos olhos e da
pele, formato do rosto, do corpo, peculiaridades em geral. A partir daí, torna-se
necessário decidir a maneira pela qual tais adereços serão aplicados de modo
a alterar características fisionômicas dos atores em harmonia com o figurino.
[cdC: CONCEPÇÕES/Star Wars]
Para os personagens de X-men 2 cuja aparência se afasta muito das
características humanas, a maquiagem exerceu papel fundamental na solução
visual dos mutantes. Em detrimento do tempo e da comodidade dos atores,
pois a sessão de maquiagem dos personagens Noturno e Mística chegava a
durar mais de oito horas antes de cada gravação, a opção por pintar
diretamente sobre a pele dos atores, o uso de próteses dentárias, lentes de
contato não raro significa sacrifício por parte dos profissionais envolvidos. Para
esse segundo filme o departamento de maquiagem precisou elaborar uma nova
maneira de cobrir o corpo da atriz que representava a personagem Mística, no
sentido de reduzir o tempo de produção e evitar o uso de solventes para
remover a maquiagem e a cola usada para fixar as escamas.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/X_images/x-men-2-20.jpg]
Mesmo com o avanço das técnicas, longas sessões de maquiagem
ainda podem significar tormenta, mas o sacrifício feito pelos atores é em prol de
63
uma excelente causa. Se hoje tais dificuldades ainda existem, no passado elas
eram piores. Boris Karloff enfrentou com grande abnegação horas e horas de
maquiagem para imortalizar mais um de seus famosos personagens em A
Múmia (Karl Freund, 1932). O efeito de pele enrugada de cadáver
embalsamado foi obtido pelo maquiador Jack Pierce através de várias camadas
de um preparo feito com cola a base de álcool (que é mais tóxico) e algodão
egípcio, que é mais fino. Boris precisava ficar imóvel até que cada uma das
camadas estivesse seca para obter o efeito de enrugamento. Depois, o
acabamento era feito com tinta criando a textura desejada. O curioso é que o
maquiador preparou o rosto e os antebraços do ator e enrolou o restante do
corpo com ataduras impossibilitando-o de fazer suas necessidades fisiológicas
nos intervalos das gravações. Ao que parece, não foi previsto quais seriam as
implicações das cenas em que Karloff apareceria vestido de múmia. Para
manter o mistério, depois de começar a se mover, o ator não aparece de corpo
inteiro (ou meio corpo) enquanto caracterizado com ataduras49. Talvez não
fosse necessário envolvê-lo de corpo inteiro por tanto tempo. Mas a despeito do
sofrimento e do sacrifício do ator, tenham sido eles desnecessários ou
inevitáveis, o resultado plástico obtido nesse filme é magnífico.50
[cdI:imagens/A múmia/making of]
O principio do qual se parte, a escolha da aparência e dos meios de
produção, interferem diretamente na concepção visual. Cabe ao desenhista de
conceito apresentar possibilidades de solução do aspecto dos elementos de
49 A imagem na referência [cdI:imagens/A múmia/making of/TheMummy059.jpg] em que a múmia aparece contracenando com o arqueólogo é uma foto para o making of. 50 Informações extras contidas no bônus do DVD Karloff, The Mummy (A Múmia), Classic Monster Collection.
64
cena. A aplicação adequada ao enredo daquilo que for escolhido, cabe ao
diretor, muito embora suas decisões sofram influências alheias ao contexto
ideológico e artístico do mundo do texto. Por falta de recursos, um visual
pretendido pode se tornar inviável, ou o contrário, os recursos disponíveis
podem ser desperdiçados.
4.1.5 Design de cenários
(set design)
O desenho a lápis é um recurso eficaz no que diz respeito aos estudos
de claro-escuro, proporções e atmosfera dos ambientes. A textura que
posteriormente será obtida através da iluminação de cenários tridimensionais
pode ser experimentada primeiramente por esboços em preto e branco, depois
por representações coloridas à tinta (acrílica, óleo, ou aquarela).
A delimitação do espaço cenográfico pode ser obtida pelos seguintes
elementos: objetos de cena, incluindo mobília e decoração, atmosfera
sugerindo um determinado clima, elementos que caracterizem ambientes
externos ou internos, naturais ou construídos. Não é regra geral que um
cenário deva ter todos esses elementos simultaneamente. O filme Dogville
(Lars von Trier, 2002) pode aparentar ser desprovido de cenário, pelo menos
no sentido tradicional, uma vez que o ambiente não apresenta paredes reais.
65
No entanto o espaço de atuação dos personagens é delimitado por linhas
traçadas no chão. As portas, as paredes, os tetos, o céu e o solo são
imaginários. Algo bem próximo do que ocorre no teatro. O ambiente é
constituído por objetos de cena, mobília e elementos alusivos à natureza como
uma árvore e um rochedo. A atmosfera modifica-se pela mudança da
iluminação, que estabelece as passagens do dia para noite. Para pontuar a
mudança das estações do ano, são utilizados elementos tais como a neve
artificial, a mudança de tonalidade das folhas da árvore e o surgimento de
frutos. [cdI:imagens/Dogville/] Quando estes elementos são totalmente
retirados, restando apenas os personagens caídos no chão, os gangsters e
seus automóveis , ainda assim há elementos de cenário. A atmosfera
permanece marcada pela presença da lua sobre um fundo avermelhado que
delimita o chão juntamente com o rochedo e a árvore, fazendo com que o
cenário seja um ambiente de desolação.
[cdI:imagens/Dogville/dogville047.jpg e dogville051.jpg]
4.1.5.1 Ambiente (environment): cenário + atmosfera
Visualmente falando, a atmosfera de um ambiente é determinada pela
iluminação, textura das superfícies e cores que sugerem sensações, seja de
frio ou calor, alegria ou tristeza, calmaria ou perturbação etc. Atribui-se aos
ambientes definições como chuvoso, ensolarado, enevoado e tudo o mais
relativo ao ar e as condições atmosféricas. O que fará com que tudo pareça
muito novo, límpido, ou envelhecido, viscoso, será dado pela textura.
66
Um filme que ilustra bem esta questão é A Cela (Tarsem Singh, 2000).
Nele é explorada uma estética semelhante á de alguns videoclipes da MTV,
criando um universo existente no subconsciente de um assassino em série e
revelando seu alter ego bizarro. O ambiente reproduz artificialmente o aspecto
de um lugar lúgubre, asqueroso ao mesmo tempo em que são utilizadas cores
vibrantes, o que resulta num visual fake.
[cdM – Trechos Selecionados/A cela.mpeg]
Em O Homen Que Não Estava Lá (Joel Coen e Ethan Coen, 2001) cuja
atmosfera se baseia nos filmes noir, há cenas em que o cenário configura-se
apenas por uma cadeira, uma mesa e um feixe de luz proveniente de uma
janela com grades. O cenário é às vezes sugerido ao emergir da penumbra,
como na cena em que o protagonista aparece deitado na cama. Apenas uma
parte do travesseiro e da colcha aparece. Por vezes o cenário é pura
atmosfera, definido por vultos, névoa e feixes de luz.
[cdI: imagens/TheManWhoWasntThere]
Ainda sobre o aspecto da luz, em seu livro O cinema como arte,
Stephenson e Debrix observam o seguinte:
“A iluminação pode fazer com que uma composição tenha
uma estrutura unificada e salientar-lhe o significado [...] Outra
propriedade da iluminação é dar a atores, cenários, acessórios
e trajes um caráter adequado e determinar o tom emocional de
uma cena [...]“.
67
“Finalmente, a iluminação afeta não só a superfície, mas
também a estrutura da realidade, ajudando a criar espaço
pictórico e cênico”. 51
Os comentários anteriores podem ser claramente aplicados a três filmes
do diretor Jean-Pierre Jeunet: Delicatessen (1991), Ladrão de Sonhos (1995) e
O Fabuloso Destino de Amelie Poulain (2001), onde cada qual apresenta uma
gradação diferente no uso dos recursos de cor, iluminação e textura de acordo
com o tom emocional de cada história. Ladrão de Sonhos parece conter a
textura áspera e atmosfera sombria de Delicatessen e as cores fortes e
contrastantes de Amelie Poulain sendo um meio termo da atmosfera de ambos.
Quanto à cor, O cinema como arte acrescenta que “o uso adequado da
cor reside não em imitação do natural, mas em expressão humana [...], em
compor um conjunto harmonioso de tonalidades que formarão uma unidade
artística expressando a visão pessoal do artista”.52 Para este fim os estudos de
cor e iluminação são fundamentais para definir a palheta a ser aplicada à
circunstância exigida pelo teor atmosférico de cada cena. Os estudos para o
filme Procurando Nemo (Andrew Stanton, 2003), feitos com pastel oleoso,
procuraram captar a atmosfera subaquática baseando-se nas pesquisas feitas
pela equipe do departamento de arte.
[cdC: CONCEPÇÕES/NEMO]
Tais estudos de cor pretendem dar ênfase à disposição, intensidade,
textura e combinação das cores, sem maiores preocupações com a exatidão de
51 STEPHENSON; DEBRIX, O cinema como arte, p. 164, 166. 52 Idem, Ibidem, p. 156.
68
formas detalhadas. A exemplos disto, os estudos de cor e iluminação feitos
para o filme 3D digital Os Incríveis (Brad Bird, 2005) são formas recortadas e
chapadas, lembrando muito o cubismo, embora o resultado final do filme seja
repleto de formas volumosas, infladas, características presentes na técnica
escolhida.
[cdC: CONCEPÇÕES/ Os incríveis/]
Já para a trilogia de O Senhor dos Anéis os esquemas de cor e luz dos
ambientes, sobretudo os externos, são pinturas digitais, a óleo e aquarelas que
beiram o abstrato, enfatizando um estado de espírito que a cada episódio se
torna mais sombrio e ameaçador. O preceito desses estudos é descrever com
precisão qual palheta de cor será aplicada digitalmente pela equipe de pós-
produção e qual seria a aparência ideal das miniaturas ao serem inseridas nos
ambientes, combinando luz natural com luz realçada digitalmente. De acordo
com o comentário feito pelo diretor, foi através dessas pinturas de Jeremy
Bennet e Paul Lasaine que ele pode pré visualizar as possibilidades e efetivar a
escolha mais adequada ao teor de cada cena. Portanto, ambientes naturais
também são idealizados obtendo-se paisagens fictícias.
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos anéis/esquema de cor.jpg; Luz e cor.jpg]
O teórico de cinema Jaques Aumont53, ao fazer comparações entre
cinema e pintura no livro O olho interminável, destaca três funções da luz na
representação cinematográfica: simbólica, dramática e atmosférica. Assim
como Lotte Einer em seu clássico estudo sobre o expressionismo alemão, A
53 AUMONT, O olho interminável, 2004, p. 173-176.
69
tela demoníaca, Aumont cita o Fausto (Friedrich Murnau, 1926) por suas
características pictóricas e luminosidade dramático-simbólica comparando o
aspecto das imagens do filme ás pinturas de Rembrandt. Reforçando estas
observações, faremos a seguir uma análise do filme, confrontando a
dramaticidade dos acontecimentos com seu equivalente atmosférico-
cenográfico:
A natureza atemorizante e sinistra da atmosfera que envolve a narrativa,
se torna bem visível na cena da encruzilhada aonde Fausto vai invocar o
demônio. O céu nublado, a árvore tortuosa, a vegetação crespa, a névoa e a
ventania configuram o ambiente propício para o ritual no qual Fausto desenha
um círculo de fogo ao seu redor. Erguendo o livro de bruxaria, profere as
palavras que farão Mefisto surgir com assustadores olhos brilhando no escuro.
Os reinos da terra são destacados quando Mefisto e Fausto sobrevoam
cenários interligados, mostrando elementos da natureza e reinos terrestres.
A esquina da casa de Gretchen é composta por um amontoado de
telhados vertiginosos, para onde se abre a janela de seu quarto. Em meio aos
telhados que são como uma brecha, surge Mefisto com a intenção malévola se
enfeitiçar Gretchen com um colar que a fará sentir o poder do demônio. Fausto
inebriado pelo desejo de possuí-la, nada faz para impedir Mefisto, pelo
contrário, aparece e tenta forçar sua janela no que Gretchen tenta impedi-lo ao
mesmo tempo, cede ao próprio desejo de se entregar. Neste ponto, o gesto de
tentar abrir a janela adquire um significado erótico, pois se refere à tentativa de
Fausto de penetrar a intimidade virgem da moça. Os telhados tumultuados
fazem um contraponto ao aspecto simplório da casa de Gretchen, o que realça
sua arquitetura ingênua e indefesa por ser a mais alva e iluminada da cena
70
onde aparece. As demais casas são escuras, o que aumenta ainda mais o
contraste no momento em que ocorre o assassinato do irmão de Gretchen em
frente a sua própria casa.
Após ser acusada de causadora da morte da mãe e do irmão, Gretchen
se vê banida com o recém nascido fruto da promiscuidade com Fausto. A neve
espessa e vasta se torna cenário de tal banimento e castigo, que trará em meio
à desolação mais uma trágica acusação – a de ter matado o próprio filho, que
perece de frio. Nessa cena, o que faz a mãe deitar seu filho em meio à neve é
seu estado mentalmente doentio, através da alucinação que a faz imaginar
estar embalando a criança num berço, cuja imagem é obtida por meio do efeito
de trucagem.
Por fim, após estas considerações, nota-se que a plástica do claro-
escuro é levada por Murnau às últimas conseqüências. Desta feita, a
concepção visual de “Fausto” não só acompanha a narrativa como também
realça seu caráter impressionista, evocando ainda aspectos expressionistas. O
roteiro trágico e denso é paralelamente suprido de imagens que não excedem o
necessário, mas que também não caem no indevido. Assim, conclui-se que
conteúdo e forma se dão de maneira harmoniosa, fluida e fascinante na
descrição do sobrenatural.
[cdI: imagens/Fausto (1926)]
Ao trabalhar com o cineasta Píer Paolo Pasolini como assistente de
direção de arte, Dante Ferreti aprendeu com o diretor a utilizar pinturas como
referência para conceber o visual de filmes tais como Decameron (1970),
71
influenciado por Giotto e Os contos de Canterburry (1971), influenciado por
Dürer54.
(...). Outra diferença do cinema de Pasolini é que seu gosto cinematográfico não é de origem cinematográfica, enraizando-se antes na grande pintura italiana. Poucos cineastas o influenciaram: Friedrich Murnau, Charles Chaplin, Carl Dreyer, Kenji Mizoguchi, Roberto Rossellini. As imagens e os campos visuais que imaginava eram afrescos de Masolino, Masaccio, Fillipo Lippi, Giotto, Piero della Francesca, Caravaggio, Rosso Fiorentino, Giovanni Bellini, Andrea Mantegna e Jacopo Pontormo - seus pintores prediletos. E só concebe as imagens, as paisagens e as composições das figuras dentro de sua paixão fundamental pela pintura renascentista, que coloca o homem no centro de toda a perspectiva. (...) como cineasta, Pasolini inspirava-se nos grandes mestres da pintura italiana. Assim, para a visão do discípulo de Giotto, Pasolini compôs um maravilhoso tableau-vivant, no centro do qual aparecem a Virgem (Silvana Mangano) e o Menino, ladeados por anjos; embaixo, o inferno e seus condenados. A visão é inspirada num afresco de Giotto, mas diferencia-se ao substituir o Cristo-Pai pelo mistério mariano, inserindo na composição o próprio mistério Susanna/Pasolini, já que para Pasolini a Mangano teria alguma semelhança com sua mãe Susanna. (...) Escreveu Pasolini: Aquilo que tenho na cabeça como visão, como campo visível, são os afrescos de Masaccio e de Giotto. E não consigo conceber imagens, paisagens, composições de figuras, fora desta minha paixão inicial do século XIV em que o homem é o centro de cada perspectiva.55
54 ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p. 50. 55 Cf. NAZARIO,. Todos os corpos de Pasolini, 2005.
72
Outra técnica muito usada – e especialmente apreciada por Alfred
Hitchcock – é a pintura matte (matte painting). Trata-se de uma pintura feita
para complementar parte do cenário ou dos ambientes naturais inserida
durante a pós-produção do filme. A ação ao vivo é filmada separadamente
contra um fundo azul ou verde. Antigamente a composição entre cenário real e
pintura matte era feita através de processo fotográfico ou trucagem56. Hoje,
além de trucagem há também o processo digital. É utilizada principalmente
quando os cenários são grandes demais para serem construídos como
paisagens naturais e construções de proporções avantajadas, ou para compor
cenários imaginários. Parte dos interiores da Xanadu, de Cidadão Kane (Orson
Welles, 1941), é pintura matte; muitas paisagens externas de Os pássaros
(Alfred Hitchcock, 1963)57, são pintura matte. Em Batman (Tim Burton, 1989)
apenas a parte inferior dos imensos arranha-céus da Gotham City foi
construída, os andares superiores são pintura matte.
[cdC: CONCEPÇÕES/Batman/GothanCityA.jpg]
Quando tal pintura é utilizada para expandir os cenários reais, sua
principal característica é ser realista. A pintura matte pode aparecer em
primeiro plano, segundo plano ou plano de fundo e normalmente espera-se que
não seja percebida como pintura estando devidamente incorporada às cenas
com atores ou à ação desenvolvida.
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos Anéis/matte painting1.jpg e 2]
A pintura matte é ainda utilizada para alterar características de
determinado cenário, como por exemplo, um cenário de verão constituído por 56 Cf. CARRINGER, Cidadão Kane: Making of, 1997, p. 129 a 131. 57 Cf. Informações extras de making of contidas nos DVDs dos filmes Cidadão Kane e Os pássaros.
73
casas e floresta pode ser transformado digitalmente num cenário primaveril, ou
glacial. Já a pintura de fundo (background painting): abrange uma porcentagem
maior do cenário em relação à pintura matte e aparece no plano de fundo. A
ação e o cenário com pintura são filmados simultaneamente. Em certos casos,
isso exige que as pinturas sejam imensas, como as chamadas cyclorama58, que
são conjugadas ao cenário. A pintura de fundo é utilizada mais freqüentemente
no cinema de animação para representar cidades, céu, paisagem e demais
figuras de fundo.
[cdI: imagens/A Fuga das Galinhas/galibhas070.jpg]
Os cenários do filme O gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1919)
constituem um caso a parte: pintados em tecido, papel, papelão e madeira que
mantêm sua aparência intrínseca que integram a atmosfera distorcida e irreal
de todo o filme, uma história de pesadelo contada por um louco do hospício.
Além da pintura de fundo (armações que simulam paisagens de campo, com
pinheiros, montanhas e aldeias distantes), o próprio cenário tem,
intencionalmente, sua superfície pintada simulando formas, estampas e feixes
de luz e sombra não realistas, cuja artificialidade é plenamente perceptível, tal
qual ocorre no teatro.
[cdI: imagens/Gabinette Dr Caligari(1919)]
4.1.5.2 Estrutura dos sets
O desenho de conceito exerce papel fundamental em produções
cinematográficas cujos cenários precisam ser construídos, seja em estúdio,
seja ao ar livre. Neste caso, além dos desenhos contendo informações relativas
58 Cf. [cdC: CONCEPÇÕES/z_adicionais/cyclorama] background para o filme Leon (aka The Professional, Luc Besson, 1994). ETTEDGUI, Production design & art direction, p. 183.
74
ao aspecto pictórico, há também os desenhos que possuem caráter técnico,
plantas baixas e desenhos das fachadas possuindo medidas em escala para
indicar a proporção das construções a serem erguidas. Alguns cenários são
réplicas de locações, feitos para explodir, pegar fogo etc, e levam em conta os
equipamentos de filmagem e iluminação, bem como a equipe de filmagem que
ocupará os espaços cenográficos durante as gravações. Os desenhos prevêem
uma estrutura adequada para este fim específico, geralmente privilegiando
mais a estética que a durabilidade. Um exemplo disso é a réplica dos
corredores da casa branca e do salão oval construídos para o filme X-MEN 2.
Além de o cenário não possuir teto para possibilitar o posicionamento dos
holofotes, os corredores são mais largos que o original facilitando a passagem
da câmera, dos equipamentos e da equipe. A seqüência inicial do filme prevê a
invasão da casa branca pelo mutante Noturno, o qual salta de um lado para o
outro, subindo pelas paredes, daí a necessidade da utilização de cabos de
sustentação para os dublês realizarem malabarismos.
[cdC:CONCEPÇÕES/Xmen2/designdeprodução/xmen207.jpg a xmen264.jpg]
Outro exemplo é o beco projetado para cenas em que policiais do futuro
com trajes aerodeslizadores sobem voando perseguindo o personagem John
Anderton em Minority Report (Steven Spielberg, 2002). O beco precisou ser
projetado para comportar todo equipamento de iluminação e os guinchos e
cabos de aço usados para içar os atores durante a seqüência.
[cdC: CONCEPÇÕES/ Minority Report/cena do beco]
Igualmente no filme As Panteras (McG, 2000) o beco onde as
protagonistas lutam contra o capanga dos vilões, é uma réplica da locação que,
se alugada para as filmagens sairia mais caro que construir o cenário. O uso de
75
cabos em cenas complexas onde os atores desempenham coreografias
repletas de saltos mortais e piruetas costumam ser demoradas, repetidas
várias vezes. Mais um motivo para as filmagens serem feitas em sets
construídos ao invés de cenários reais nos quais não se tem controle sobre as
intempéries, mudanças de iluminação etc. Em determinadas produções, os
cenários internos são construídos em um galpão, todos no mesmo nível. A
impressão de andares diferentes é dada pela edição das cenas conforme a
continuidade descrita no storyboard.
[cdC:CONCEPÇÕES/Castelo Ra Tim Bum/estrutura]
Não raro os cenários são desmontados após as filmagens e
reaproveitados em outras produções, ou simplesmente deixam de existir
quando já serviram ao seu propósito. Normalmente um cenário é desmanchado
para dar lugar a outro por questões de economia. Os objetos de cena e peças
do figurino podem ser estocados em galpões, nos estúdios com capacidade
para isso, para serem reaproveitados por figurantes quando necessário, ou até
mesmo para serem reutilizados em shows de TV.
76
4.1.6 Design de objetos de cena
(prop design)
Haverá momentos em que o objeto de cena será um elemento chave
dentro da narrativa e momentos em que servirá apenas para compor o conjunto
sem chamar as atenções para si. Atenções que não devem ser desviadas por
interferências incômodas. Há também circunstâncias em que os objetos de
cena deverão se tornar complementos da caracterização de ambientes e
adereços para a ação dos personagens, conforme a atmosfera desejada.
Dependendo da maneira como o elemento é focalizado dentro da
narrativa, ele pode ser concebido como objeto de cena. Por exemplo, no filme
Ninotchka (Ernst Lubitsch, 1939) a personagem da comunista Yakushova
Ninotchka (Greta Garbo) encanta-se por um chapéu esquisito, horroroso e
deseja ardentemente comprá-lo. No contexto do filme, o chapéu, por tornar-se
símbolo do capitalismo, deixa de ser um adereço do figurino e converte-se num
importante objeto de cena essencial à trama. Ele não é um chapéu nem comum
nem bonito exatamente para reforçar o conceito de futilidade, um contraste
característico entre os sistemas capitalista e comunista.
Generalizando a análise, podemos considerar como objetos de cena
elementos avulsos como livros, peças de mobiliário, talheres, armas,
instrumentos de qualquer natureza, e assim por diante, podendo enquadrar-se
ainda nessa categoria as artes gráficas de cena, assim como os mais diversos
veículos e mecanismos.
77
4.1.6.1 Design de veículos e mecanismos
(vehicle and mechanical design)
O design de objetos pode subdividir-se em diversas categorias que, por
sua vez, podem ramificar-se ainda mais. É o que ocorre com o design de
veículos e mecanismos, que vai desde artefatos explosivos até criaturas
mecânicas; e dispositivos adicionais, avulsos, ou acoplados aos demais
elementos de cena. A principal característica de um mecanismo elaborado para
o filme é a de criar a ilusão de funcionalidade, não apresentando
necessariamente funcionalidade real (embora essa possa às vezes ocorrer,
como no caso dos encanamentos e dos semáforos da cidade cenográfica
modernista criada por Jacques Tati em Playtime, e que efetivamente
funcionavam59).
O sistema de condução idealizado para a odisséia Guerra nas estrelas,
além dos veículos de batalha e os de transporte rápido, inclui o transporte de
passageiros e os veículos de carga. Kurt Kaufman, um dos desenhistas de
conceito que trabalhou no Episódio II, comenta que alguns dos desenhistas já
vinham com experiência em desenho industrial que não trata de fantasia mas
de criar coisas funcionais. Mas tanto para o design industrial quanto para o
design cinematográfico é necessário ter sensibilidade para composição,
perspectiva, iluminação e texturas. Tudo faz parte de um mundo tridimensional.
Outro desenhista de conceito dessa mesma equipe, Marc Gabbana, o qual
estudou no Centro de Estudos Criativos – Instituto Superior de Arte e Design de
59 NAZARIO, “As viagens imaginárias”, 2005, p. 253.
78
Detroit, brinca ao dizer que trabalhar com design cinematográfico foi para ele
um meio de “escapar de Detroit”, um eufemismo para “evitar uma carreira como
designer da indústria de automóvel.” De acordo com ele, junto com o design
cinematográfico vem a liberdade de criação.
O desenho de conceito é um processo durante o qual idéias
interessantes vêm à tona, são desenvolvidas e freqüentemente são
descartadas. Uma das concepções deixadas de lado para o Episódio II foi o
mortífero andróide aniquilador em forma de aranha. como observou um dos
supervisores de criação, Doug Chiang, “antes de ele ser descartado, ele seria
um dos poderosos droids da nova geração... O que é mais curioso é que, o
diretor George Lucas, achou que havia droids em excesso e descartou esse,
mas depois foi criada uma porção de novos robôs para a batalha final. Mas o
Annihilator Droid nunca foi trazido de volta”. Foi quando Lucas estava editando
o material na fase dos animatics que ele se deu conta de que o desenho de
concepção do andróide aniquilador poderia inspirar o desenvolvimento dos
droids de ataque para o confronto final entre os clãs e as demais forças da
batalha.60
[cdC: CONCEPÇÕES/Star Wars/veículos]
O designer de veículos Harald Belker idealizou versões fantásticas para
diversos filmes, principalmente os carros futuristas de Minority Report, tanto os
de passeio como os de polícia. Nesse filme aparecem veículos futuristas que se
locomovem por terra, mas no grande centro da cidade os carros se locomovem
por um sistema rodoviário magnético o que alterou a aparência tradicional com
60 VAZ, The Art of Star Wars Episode II: Attack of the Clones, 2002, p. 18, 19;.108.
79
pneus. Eles se locomovem até mesmo na vertical subindo pelos prédios e não
se distingue a parte frontal da traseira.
A aeronave policial em forma de caracol desenvolvida por James Cline
permitia que os policiais sentados em circulo fossem ejetados e descessem até
o chão sustentados por cabos. Harald Belker desenhou versões do corpo de
bombeiros e ambulância desse mesmo tipo de aeronave, com cores vivas e em
tons azul-acinzentados.
[cdC: CONCEPÇÕES/Minority Report/veículos]
Belker também esboçou algumas alternativas visuais para o planador do
Duende Verde juntamente com James Carson. O planador consiste num
veículo compacto, uma espécie de skate aerodinâmico em forma de morcego,
composto por mecanismos tanto de pilotagem com os pés quanto de disparo de
dardos, projéteis e explosivos. O planador possui pedais que permitem ao
passageiro fazer manobras acrobáticas semelhantes às do surf, proporcionado
mobilidade aos tornozelos. O planador foi confeccionado em 3D físico e 3D
digital. À versão digital foram adicionadas abas que se abriam revelando três
metralhadoras em cada asa. Aos modelos físicos não foi possível adicionar
todos as armas simultaneamente; por isso foi fabricado um modelo para cada
tipo de mecanismo, bombas e metralhadoras.
[cdC: CONCEPÇÕES/Homem Aranha/veículos&mecanismos]
Foi desenvolvido também um intricado projeto para as “abóboras”
explosivas que seriam lançadas pelo Duende Verde contra o Homem-Aranha.
Um mecanismo esférico do tamanho de uma bola de baseball que se abre em
80
lâminas, e outro, que se transforma num mini canhão laser. Essas abóboras
miniatura, foram inseridas no protótipo do planador em um mecanismo
projetado para lança-las para o alto de modo que o ator no papel de Duende
Verde pudesse pegá-las e depois jogá-las no alvo escolhido. O ator, Willem
Dafoe, caracterizado com a máscara e roupa de Duende, mesmo com
dificuldade para visualizar esses objetos sendo lançados para cima conseguiu
realizar tal façanha orientando-se pelo barulho que cada bomba fazia ao ser
disparada. As abóboras-bomba foram feitas em fibra de vidro e possuíam um
botão na parte superior que Dafoe pressionava para desencadear uma
seqüência de luzes simulando que o dispositivo fora acionado, como uma
espécie de granada.
[cdC: CONCEPÇÕES/Homem Aranha/veículos&mecanismos]
É interessante observar como o design criativo e fantástico do cinema
pode também inspirar o design industrial, e como instrumentos, armas,
veículos, roupas e espaçonaves criadas no cinema tornam-se, às vezes,
adquirindo funcionalidade, instrumentos, armas, veículos, roupas e
espaçonaves reais61. Fritz Lang imaginou o aparelho de televisão em As
aranhas (1918); circuitos internos de TV para monitorar o trabalho dos
operários em fábricas em Metrópolis (1927) [idéia retomada por Charles
Chaplin em Tempos modernos (1936)]; a contagem regressiva nas viagens
espaciais em A mulher na lua (1929); o uso de filmes projetados como prova
61 Na série clássica de TV Jornada nas estrelas, criada por Gene Rodenberry, o personagem Capitão Kirk, utilizava um aparelho de telecomunicação, semelhante aos atuais aparelhos celulares, para contatar a espaçonave U.S.S. Enterprise, muito antes da existência popular dessa tecnologia. Já nas várias versões de A nova geração da mesma série, os tripulantes utilizam o emblema da Enterprise em seus uniformes para se tele-comunicar.
81
em tribunais em Fury (1936). Um robô humanizado, semelhante aos que hoje
são fabricados no Japão, foi apresentado em O planeta proibido (Fred Wilcox,
1956)62.
Em A Fuga das Galinhas (Peter Lord e Nick Park, 2000), um galinheiro é
transformado em aeronave e sua força motriz é gerada por pedais acionados
pelas personagens, as galinhas. A transição de uma casa para um avião que
bate asas é apresentada passo a passo durante a seqüência da fuga dando
ênfase para os mecanismos com engrenagens da engenhoca.
[cdI: imagens/A Fuga das Galinhas]
4.1.6.2 Arte Gráfica de cena
(graphics)
Refere-se ao material gráfico a ser produzido para compor o ambiente,
ou participar da ação e complementar o seguimento da narrativa no qual esses
elementos de cena envolvem informações diretamente ligadas ao personagem.
Inclui-se nessa categoria notícias em jornal impresso, folhetos e cartazes de
propaganda ou de aviso, dinheiro cenográfico, emblemas, sinalização, mapas,
correspondências, papelaria básica etc.
Como exemplo da simulação de informação científica integrada a
narrativa, para o Museu de História Natural em X-men 2 foi criado um projeto
62 NAZARIO, As sombras móveis, p. 207-278.
82
gráfico baseado na evolução mutante. Para compor os demais espaços
cenográficos, foram confeccionados cartazes (de propaganda antimutante e do
circo onde Noturno trabalhava), sinalizações, mapas, gráficos etc.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/arte gráfica de cena]
Nicholas Negroponte em seu livro A vida digital63 faz projeções futuristas
como o vislumbre da criação de um monitor digital flexível como uma folha de
papel cujo conteúdo gráfico se modifica ao toque do leitor-expectador. Essa
projeção foi utilizada em Minority Report, onde os jornais exibem as noticias em
“tempo real”, sendo substituídas por novas a cada momento: a denúncia de que
o Capitão John Anderton está foragido pode ser assim lida por um passageiro
do metrô no momento mesmo em que aquele empreende sua fuga.
[cdC: CONCEPÇÕES/Minority Report/arte grafica de cena]
Esse mesmo conceito de peça gráfica com imagem em movimento foi
aplicado num contexto de magia no filme Harry Potter e o prisioneiro de
Azkaban (Alfonso Cuarón, 2004) onde vemos um cartaz de “procurado”
exibindo a foto do bruxo fugitivo se mexendo e fazendo cara de malvado.
Também no mapa do maroto que Harry utiliza para observar a localização das
pessoas dentro do castelo-escola Hogwarts, o citado mapa indica a
movimentação através das pegadas que vão surgindo ao longo do percurso de
cada membro do colégio.
[cdM – Trechos Selecionados/HarryPotter 01,02]
63 NEGROPONTE, A vida digital, 1995.
83
No filme Castelo Rá Tim Bum (Cao Hambúrguer, 1999) cartas de tarô
estampam os personagens estilizados; no jornal, notícias absurdas
acompanham a foto do personagem vilão; seu projeto ganancioso de construir
o Pompeu Super Tower Center aparece, tanto em uma das cartas de tarô de
Losângela, como no folder que ele e seu secretário mostram aos porteiros do
castelo.
[cdC:CONCEPÇÕES/Castelo Ra Tim Bum/cartas; jornal; porteiro e Pompeu]
5 Modelos, esculturas e maquetes (models, sculpt and maquettes)
Os modelos físicos têm caráter referencial e não participam das
filmagens. A partir dos desenhos de conceito, modelos tridimensionais físicos
são confeccionados para servirem de referência quando o objetivo é remodelá-
los numa versão tridimensional digital. A escultura, em cera, massa ou argila é
útil tanto para dar noção espacial quanto na fabricação de formas para
produção de protótipos. As maquetes podem servir de modelo em tamanho real
ou escala reduzida para aprovação de cores, textura, proporção etc, e para
guiarem a construção do definitivo bem como orientar a seqüência de filmagens
evitando quebra de eixo (incoerência na mudança de um plano para o outro).
[cdC: CONCEPÇÕES/Estranho Mundo de Jack/puppet]
Especificamente na modelagem 3D digital há um processo que permite o
scanner do modelo físico esculpido. Durante o desenvolvimento do
84
personagem Gollum, em Senhor dos Anéis, o procedimento, segundo explicam
os modeladores (escultores) Bay Raitt e Jamie Beswarick, deu-se da seguinte
forma:
Uma vez estando satisfeitos com a movimentação do modelo 3D digital, escolhemos uma expressão facial do Gollum em estado de relaxamento para dar saída num modelo 3D físico através de uma impressora laser-gel. Então tal peça foi moldada em argila para detalhar a textura da pele utilizando-se ferramentas tradicionais de escultura. O resultado foi capturado de volta ao computador e aplicado ao modelo digital para criar o contorno superficial (ou perfil) definitivo que pode ser conferido no filme.64
A utilização de recursos digitais às vezes fica no limiar do
deslumbramento com a técnica em detrimento da expressão artística. Porém a
sua aplicação equilibrada pode surtir efeitos satisfatoriamente adequados.
[cdC: CONCEPÇÕES/Senhor dos Anéis/modelos]
5.1 Protótipos e miniaturas:
O protótipo (primeiro exemplar) possui as características finais que o
elemento de cena deverá apresentar como cor, textura, dimensão e demais
atributos. Na maior parte das produções cinematográficas, o protótipo por si só
já é o elemento a ser utilizado em cena. Como declarou o produtor Dino di
Laurentiis, “o cinema é uma indústria única, porque nas demais indústrias você
faz o protótipo de um cinzeiro e, a partir desse protótipo, fabrica milhares de 64 “Once we were happy with the way the digital model moved, a relaxed expression was output in physical form by using a laser-gel printer. This model was then cast in clay and detailed using traditional sculpting tools. The result was then scanned back into the computer and applied to the digital model to create final surface contours seen in the movie.” RUSSELL, The Art of “The Two Towers”, 2003, p.183.
85
cinzeiros; no cinema, você pára no protótipo”65. Porém em produções tais como
stop-motion, os elementos são feitos em maior quantidade ou réplicas em
diversas escalas para que cenas diferentes possam ser animadas
simultaneamente agilizando o processo. Noutros casos, se a cena exige que o
elemento seja destruído, é interessante tê-los em maior quantidade para que a
cena possa ser repetida.
Em A fuga das galinhas os bonecos a serem animados foram feitos em
quantidade suficiente para que mais de um animador pudesse trabalhar com o
mesmo personagem em cenas diferentes. Levando-se também em conta, a
possibilidade de algum elemento de cena ser danificado durante a animação,
tendo de ser substituído.
[cdI: imagens/A Fuga das Galinhas]
Igualmente as miniaturas (caráter definitivo) solucionam questões de
cenas de destruição, de espaço físico utilizado e de orçamento gasto. A perícia
técnica em construção de miniaturas já atinge um grau elevado de
detalhamento, a ponto de não se perceber a diferença entre a réplica em
miniatura e seu equivalente em tamanho natural no decorrer do filme, como na
impressionante cena de explosão da Casa Branca em Independence Day
(Roland Emmerich, 1996).
65 Citado por Luiz Nazario no seminário A cidade imaginária - Visões das cidades no cinema, na Escola de Belas Artes, UFMG, 2002.
87
6 Design de Produção
ou projeto de produção (production design)
Esta atividade está relacionada à concepção visual do filme de um modo
geral. Tem por objetivo definir o aspecto do filme como um todo levando em
consideração elementos principais tais como cenários, ambientes, ângulos de
câmera, objetos e arte gráfica de cena, iluminação, figurino, efeitos especiais e
visuais. Quem desempenha esta função é o desenhista ou designer de
produção o qual trabalha junto ao diretor auxiliando-o na interpretação do
conceito contido no roteiro.
Primeiramente, com o auxilio do diretor de arte, o desenhista de
produção dirige uma equipe composta por desenhistas de conceito, escultores
de modelos e protótipos para confeccionar respectivamente, o storyboard, os
desenhos de conceito, maquetes dos cenários, dos objetos de cena e toda a
referência necessária para visualizar a aparência geral do filme. Uma vez
estando a concepção visual definida, por conseguinte o desenhista de
produção dará as instruções aos demais departamentos responsáveis pela
confecção definitiva dos elementos do filme, desde figurino e maquiagem até
miniaturas e completos sets de filmagem. No que se refere aos sets, o
cenógrafo cuida especificamente da realização e da montagem de todas as
ambientações e espaços necessários à cena, incluindo a programação
cronológica dos cenários; determina os materiais necessários; dirige a
preparação, montagem, desmontagem e remontagem das diversas unidades
do trabalho.
88
O desenhista de produção está ligado a questões funcionais e estruturais,
visto que em produções tanto live-action quanto cinema de animação, ele se
ocupará não somente em determinar a aparência dos elementos mas como
eles serão produzidos e inseridos de forma coerente dentro da narrativa. Dentre
suas funções e qualidades, destacam-se as seguintes66:
• habilidade de comunicar idéias através de desenhos técnicos,
modelos e maquetes;
• adequar o projeto ao orçamento disponível;
• habilidade de apresentar idéias criativas aos demais membros da
equipe, aos demais departamentos de produção, ou para a captação
de recursos frente à produtora;
• conhecimento prático em artes visuais e processos de produção;
• flexibilidade e capacidade de solucionar problemas de ordem prática
ou conceitual;
• visão crítica e familiaridade com o trabalho de designers específicos.
Nos filmes live-action, cujos cenários restringem-se ao que conhecemos no
quotidiano e na natureza, a função do desenhista de produção será estabelecer
a atmosfera dos ambientes relativos à história, bem como as locações, estilos
arquitetônicos, cores e aparência do vestuário, maquiagem e cabelo
específicos de acordo com a época ou a situação requisitadas pelo roteiro.
Tudo isso definirá se as filmagens serão em estúdio ou externas. Quando em
estúdio, são necessárias a construção e composição do cenário, daí a
importância de se ter uma planta baixa, maquetes, esboços e pranchas com
66 www.prospects.ac.uk/links/occupations.
89
esquema de cores e posicionamento dos elementos de cena. A exemplo disso
pode-se citar o processo da produção de Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)
no qual devido à profundidade de campo e atmosfera determinada pelo
departamento de fotografia, parte dos cenários teve de ser construído em
estúdio:
Ferguson67 deveria apresentar os vários tratamentos a Welles, que os aprovaria ou rejeitaria, no todo ou em parte, e indicaria, especificando, quais as linhas estilísticas, decorativas ou arquitetônicas no processo que desejaria fossem mais exploradas. Depois do sketch ser aprovado deveriam ser construídas maquetes dos cenários. Plantas baixas indicando a posição do mobiliário e dos outros elementos deveriam ser realizadas em papel, coladas em cartolina, recortadas e montadas. Welles e Toland68 deveriam examinar os limites de tais modelos com pequenos periscópios, verificando como as coisas provavelmente pareceriam, e então aprimorar suas concepções de disposição dos objetos, de movimento de câmera e assim por diante. Uma vez tudo arquitetado, Ferguson distribuiria as instruções finais, e os desenhistas responsáveis pelo sketch preparariam a planta de execução detalhada, em geral de trinta por quarenta polegadas, mostrando como cada cena apareceria na tela. As plantas de execução serviriam, então, como o projeto mestre, a base sobre a qual se desenvolveria a cenografia. 69
Já em filmes mais recentes, o design de produção mostra-se bem
complexo devido à imensidão dos cenários e ao espaço disponível dentro do
estúdio. Mesmo com a comodidade de recursos técnicos digitais muito do que 67 A despeito dos créditos, o principal responsável pelo desenho de produção e pela direção de arte foi Perry Ferguson. Cf. CARRINGER, Cidadão Kane: Making of, 1997, p. 68-75. 68 Gregg Toland foi o diretor de fotografia de “Cidadão Kane”. 69 CARRINGER, Cidadão Kane: Making of, 1997, p. 73
90
foi usado em filmes mais antigos continua a ter relevância nesses tipos de
produção. Exemplo disso é a transposição dos desenhos planos (2D) para
cenários e objetos tridimensionais que teve de ser feito pelo desenhista de
produção, Grant Major e sua equipe (O Senhor dos Anéis), com base nos
desenhos dos ilustradores e desenhistas de conceito Alan Lee e John Howe:
Então, com base nos desenhos nós definimos como iremos construir os cenários – seja ele um castelo, ou uma ravina, ou gruta, ou caverna – e em conjunto com Alan, Jonh, Richard Taylor e Peter Jackson, nós sentamos e resolvemos como tudo combinará com os cenários que têm de ser construídos para que os atores caminhem neles – como, por exemplo,Rivendell ou Helm´s Deep. É então que Grant Major está envolvido, porque algumas das miniaturas têm de ser desenhadas ou esboçadas para se adequar aos cenários a serem construídos [...] Somos governados pelo teto do estúdio, o qual fica a vinte e dois pés de altura, aproximadamente, se temos uma torre alta ou um grande rochedo, então pensamos: ‘Bem, quanto de torre ou de rocha será visto para sabermos o quanto de cada um terá de ser construído de forma adequada ao espaço físico do set e ao ambiente da cena? E se eles irão filmar algumas montanhas e rochas de verdade (pois os desenhos são freqüentemente baseados numa locação – Alan e Jonh tiveram a sorte de visitar as locações, infelizmente, nós não), nós estudamos as fotografias de alguns dos lugares, e então analisamos os esboços baseados em tais fotografias. Portanto tínhamos todos estes elementos juntos – fotos das locações, os storyboards, os desenhos – daí Peter nos forneceu informações adicionais sobre as prováveis atuações desenvolvidas em cada cenário, especialmente se as
91
construções seriam destruídas ou se alguém em chamas atravessaria uma parede’.70
Portanto, um designer de produção é o responsável pela composição e
combinação dos elementos criados pelo departamento de arte. Ele projeta a
composição dos elementos visuais levando em conta a produção, locação e
ambientação. Em alguns casos tais funções são acumuladas pelo diretor de
arte.
70“So we take their drawigns and we figured out how we´re going to built them – be it a castle or a ravine or a cave or a cavern – and, in conjunction with Alan and Jonh and Richard Taylor and Peter Jackson, we sit down and really figure out how it´s going to fit in with the sets that have to be built for the actors to walk in – like, for example, Rivendell or Helm´s Deep. Then Grant Major is envolved, because some of the miniatures have to be drawn or drafted to match the sets that have to be built. (…)We´re governed by the ceiling in the studio, wich is twenty two feet approximately, so if it´s a tall tower on top of a tall rock, we think, ‘Well, how much tower and how much rock do we have to see to match in with the environment?’ And if they´re going to be shooting some real mountais and rocks (because the drawins are often based on a location as well – lucky Alan and John got to go to all the locations, wich, sadly, we didn´t), we would see the photographs of some of them, and then we´d see the sketches based on those photographs. Then we see all those elements together – location photos, the storyboards, the drawins – and then we have input from Peter, who says what the actions are that are probably going to be taking place, or what he feels the building may have to do, especially if it´s going to be destroyed or someone´s going to come bursting out of a wall.” Comentário da responsável pelo departamento de miniaturas, Mary Maclachlan. Cf. RUSSELL, The Art of “The Two Towers”, 2003, p. 10.Tradução da autora.
92
6.1 Direção de Arte
(art direction)
A função da direção de arte dedica-se a questões estéticas particulares.
O diretor de arte trabalha paralelamente ao desenhista de produção,
supervisiona a execução tanto dos desenhos de conceito quanto dos elementos
produzidos em caráter definitivo, ou seja, aquilo que estará efetivamente em
cena. No Brasil, o DECRETO Nº. 82.385 DE 5 DE OUTUBRO DE 1978 que
regulamenta a Lei Nº. 6.533 DE 24 DE MAIO DE 1978 há um anexo com todas
as profissões do circo, do teatro, do cinema e da televisão definidas até então.
Assim o artigo descreve a profissão do diretor de arte:
DIRETOR DE ARTE: Cria, conceitua, planeja e supervisiona a produção de todos os componentes visuais de um filme ou espetáculo; ele traduz em formas concretas as relações dramáticas imaginadas pelo Diretor Cinematográfico e sugeridas pelo roteiro; define a construção plástico-emocional de cada cena e de cada personagem dentro do contexto geral do espetáculo; verifica e elege as locações, as texturas, a cor e efeitos visuais desejados, junto ao Diretor Cinematográfico e ao Diretor de Fotografia; define e conceitua o espetáculo estabelecendo as bases sob as quais trabalharão o Cenógrafo, o Figurinista, a Maquilador, o Técnico de Efeitos Especiais Cênicos, os gráficos e os demais profissionais necessários, supervisionando-os durante as diversas fases de
desenvolvimento de projeto. 71
71 Cf. http://www.roteirodecinema.com.br/index.htm, ativo em 3 de novembro de 2005.
93
STEPHENSON e DEBRIX observaram ainda a respeito do trabalho da
criação em grupo no cinema:
A criação artística em um grupo tem certas dificuldades, mas também certas vantagens e de forma alguma exclui a possibilidade de grande arte. A transferência da idéia para o veículo pode ser mais difícil, porque para melhores resultados a intenção artística tem que ser partilhada, é preciso convencer pessoas e infundir-lhes algo da inspiração original.72
Portanto, o diretor de arte estará em contato direto com os demais
membros do departamento de arte, sobretudo, com o desenhista de figurinos,
maquiadores, cabeleireiros, produtor de objetos e o cenógrafo no intuito de
orientar e garantir a unidade visual. O trabalho dos supervisores de cada setor
do departamento é essencial Em cinema de animação, o diretor de arte
supervisiona o trabalho dos animadores em relação ao aspecto, composição
(posicionamento) e á combinação plástica entre os elementos de cena e os
cenários. O espírito de colaboração permite que cada membro da equipe
contribua com soluções estéticas e técnicas que se conjuguem com o efeito
total. Não há espaço para egocentrismo em projetos que envolvem o trabalho
de uma equipe que está lá para auxiliar o diretor na realização do filme. O
diretor, por sua vez, precisa fazer uso constante do bom senso ao analisar as
sugestões. Existe um ponto de tensão, pois o trabalho é feito dentro de uma
hierarquia onde o que predomina é o conceito e não o individuo. Mas nesse
processo é comum apresentarem-se diversas opções e nenhuma delas ser
aprovada. Daí, quando se atinge o ponto satisfatório, não raro o resultado
72 Cf. STEPHENSON; DEBRIX, O cinema como arte, 1969, p. 25.
94
reflete-se no sucesso da produção, sendo gratificante para a equipe como um
todo.
Na direção de arte é que se solucionam de forma prática as questões
relativas às texturas e a coloração dos ambientes, do vestuário, dos objetos
bem como a caracterização expressiva dos personagens. Estes cuidados é que
fazem com que a aparência dos elementos de cena, em comunhão com a
fotografia, seja convincente.
Os cenários recém construídos muitas vezes precisam passar por um
processo que os faça parecerem antigos. Ageing é o termo em inglês utilizado
para o envelhecimento artificial de superfícies como paredes, móveis e demais
objetos. Esse processo pode ser utilizado em maior ou menor grau dependendo
da ilusão de passagem do tempo ou desgaste que queira obter. No que se
refere à reconstituição de época, ocorre o contrário. É preciso fazer com que os
elementos cenográficos antigos tenham a aparência de novos.
Portanto, além de desempenhar, em algumas ocasiões, a mesma função
do desenhista de produção, o diretor de arte está sempre em busca de
soluções visuais para a efetivação das características peculiares dos elementos
de cena outrora planejados, mantendo em mente que tais elementos se
conjugarão num só universo. Mesmo nas histórias em que há diversidade de
ambientes, cabe à direção de arte contextualizar e fazer as devidas adaptações
para que a transição se dê de maneira coerente.
95
7 Fases da produção:
Visto que o processo de produção de um filme envolve diversas fases, é
importante definir em quais delas ocorrerá o início do processo de concepção
visual e quando tal processo se consolidará.
Existem filmes de diferentes gêneros, cada qual com características
peculiares que irão determinar, a partir da história geralmente descrita pelo
roteiro73, o tipo de design a ser desenvolvido para atender às necessidades da
narrativa fílmica. Isso varia de produção para produção, mas de um modo geral,
temos as seguintes características possíveis:
Manifestações do design cinematográfico dentro das diversas fases da produção:
73 “Geralmente, um roteiro contém apenas um mínimo de informação a respeito das cenas – duração, lugar, contexto sócio-econômico e alguns detalhes sobre os personagens. O verdadeiro trabalho de descrição física é executado por especialistas nos vários departamentos do estúdio”. CARRINGER, Cidadão Kane: Making of, 1997, p.67.
Roteiro Projeto e Captação de Recursos
Planta baixa
Storyboard
Desenho de conceito
Preparação Pré-produção Produção (filmagem)
Pós-Produção
Design de Produção/
Direção de Arte
Desenhos de conceito
Planta baixa
Storyboard Modelos
(referencial)
Design de Produção/
Direção de Arte
Cenário
Figurino
Objetos de cena
Veículos de cena
Mecanismos
Protótipos/miniaturas
(definitivo)
Direção de Fotografia
Aplicação:
Iluminação/atmosfera
Efeitos especiais
Aplicação:
Efeitos visuais
Matte painting
96
8
Estilo expressionista e design fantástico
Tendo o estilo expressionista alemão por referência, a busca pela
concepção visual de um imaginário onírico vem a ser algo de plausível.
Segundo Edschmid:
o expressionista já não vê: tem ‘visões’ [...], ‘a cadeia de fatos:
fábricas, casas, doenças, prostitutas, clamores, fome’ não
existe; só existe a visão interior que provocam. Os fatos e
objetos não são nada em si: é preciso aprofundar sua essência,
discernir o que há além de sua forma acidental. É a mão do
artista que, ‘atravessando-os, se apodera do que há por trás
deles’ e permite o conhecimento de sua forma verdadeira, livre
da sufocante pressão de uma ‘falsa realidade’. O artista
expressionista, não receptivo, mas criador, procura, em lugar
de um efeito momentâneo, o significado eterno dos fatos e
objetos. 74
Sob essa perspectiva, ultrapassar a representação da realidade aparente
e delinear os limites possíveis da criação visual de uma essência é algo
extremamente sedutor dentro de um contexto artístico, quanto mais para um
desenhista cujo ato consiste em transformar o impossível na ilusão do possível.
Como escreveu Lotte Eisner,
Devemos – dizem os expressionistas – nos desligar da
natureza e tentar resgatar ‘a expressão mais expressiva’ de um
objeto. Bela Balazs explicou essas exigências um tanto
confusas do expressionismo em seu livro O Homem Visível: 74 Edschmid, Sobre o Expressionismo na Literatura e a Poesia Moderna, 1919 citado por EISNER, A tela demoníaca, 1985, p. 19.
97
pode-se estilizar um objeto acentuando-se sua ‘fisionomia
latente’.É assim que se penetrará sua aura visível [...] Essa
fantasmagoria estranha, que ao mesmo tempo atrai e
repugna, fez a reputação do cinema alemão no
estrangeiro. 75
O desafio da lógica física e matemática é uma constante na distorção
das figuras expressionistas. Essa estranheza em forma de novidade, de
inesperado, alimenta o desejo natural que se tem em criar e admirar a imagem
poética, que fala aos sentimentos por meio do exagero. O bizarro é muitas
vezes a circunscrição de estados psicológicos. Sobre o cenário em O gabinete
do Dr. Caligari (1920), Lotte Eisner observa:
[...] a linha obliqua tem sobre o espectador um efeito muito
diverso da linha reta, e as curvas inesperadas provocam uma
reação psíquica de ordem inteiramente diversa das linhas de
disposição harmoniosa. Por fim as subidas bruscas, as ladeiras
escarpadas desencadeiam no espírito reações que diferem
totalmente das provocadas por uma arquitetura rica em
transições.76
No entanto a transposição de figuras distorcidas para a terceira
dimensão constitui um desafio. O já consagrado estilo visual dos filmes de Tim
Burton impôs tal desafio ao departamento de arte de O estranho mundo de
Jack. As estruturas e aparatos cenográficos dessa animação stop-motion
apresentam as mais diversas influências como O gabinete do Dr. Caligari e
desenhos do tempo das cavernas. Criar esse ambiente excêntrico fez com que
75 EISNER, A tela demoníaca, 1985, p. 19; 26. 76 EISNER, A tela demoníaca, 1985, p. 19.
98
os artistas da equipe levassem a concepção até as últimas conseqüências.
Sobre a casa na árvore, o diretor Henry Selick sugeriu que ela tivesse um
aspecto como se fosse desabar a qualquer instante. Seu design atingiu um
ponto tal que parecia impossível de ser construída. No entanto ela foi
satisfatoriamente construída assim como os demais cenários.
[cdC: CONCEPÇÕES/Estranho Mundo de Jack/cenários]
O magérrimo personagem Jack Skellington, concebido por Burton,
também parecia impossível de ser construído e animado, mas o resultado
correspondeu às intenções de fazê-lo mover-se elegantemente, provando que
a junção da habilidade técnica com a artística é fundamental77.
[cdC: CONCEPÇÕES/Estranho Mundo de Jack]
Já no filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (Tim Burton, 1999)
procurou aplicar a influência do expressionismo de forma tênue e elegante,
sem maiores distorções dos elementos de cena. Sem deixar de lado a temática
do terror, o filme explora mais a atmosfera lúgubre das paisagens, com a
árvore que desempenha importante papel na trama construída de forma
distorcida como nas pinturas de Caspar David Friedrich78, pintor romântico
alemão, que influenciou os expressionistas com suas paisagens melancólicas e
solitárias.
[cdI: imagens/Cavaleiro Sem Cabeça]
77 TOMPSON, Tim Burton’s Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994. 78 [cdC: CONCEPÇÕES/z_adicionais/Caspar David Friedrich]
99
O estilo expressionista é uma das vertentes do design fantástico que
permite lidar com a possibilidade de manifestação do absurdo, do imaginário
onírico e da ficção cientifica. Em Aelita, a rainha de Marte (Yakov Protazanov,
1924), o cenário e o figurino exibem um conceito futurista, que não obstante
hoje pareçam ingênuos, ainda são exemplares de rara beleza da estética
geométrica beirando o abstrato.
[cdI: imagens/Aelita]
Como nem tudo o que permeia a expressividade é pesadelo, para
lembrar outras vertentes de caráter imaginário na elaboração de elementos
alegóricos, podemos citar produções tais como A fantástica fábrica de
chocolates (Mel Stuart, 1971) com seus estrambóticos ambientes dotados de
mecanismos para fabricação de guloseimas, aguçando propriedades peculiares
do universo infantil;
[cdI: imagens/Fantastica Fabrica]
A máquina do tempo (Mel Stuart, 1960) cujo principal objeto de cena, a
máquina que permite o transporte temporal sem sair do lugar, se tornou um
fetiche a ponto de ser resgatada de uma loja topa-tudo onde foi parar depois de
terminadas as filmagens; restaurada foi promovida à peça rara de colecionador.
Seu visual rebuscado que possui um suntuoso disco giratório na parte traseira,
luzes coloridas, alavancas e painéis, baseia-se em marcadores de tempo como
calendário, relógio, timer etc;
[cdI: imagens/Maquina do Tempo]
100
O design arrojado do veiculo subaquático Nautilus de 20.000 léguas
submarinas (Richard Fleischer, 1954) chama bastante a atenção pela sua
peculiar aparência tanto externa quanto interna. A luxuosa decoração inclui os
estofados de veludo vermelho. Metais dourados adornam os equipamentos de
navegação. O aposento do Capitão Nemo ostenta uma enorme clarabóia
lateral, cujo cortinado se abre feito um diafragma de câmera fotográfica, ao
acionar de uma alavanca torneada, permitindo a apreciação do ambiente
marinho. Nesse mesmo aposento se encontra um órgão no qual o Capitão
entoa uma triste melodia. Por ser de ferro dotado de serrilhas, seu aspecto é
pesado e austero, assim como os escafandros dos mergulhadores;
[cdI: imagens/20.000 Léguas Submarinas]
Os ambientes e cenários de Viagem Fantástica (Richard Fleisher, 1966)
que simulam o interior “agigantado” de um corpo humano, sugere suas
cavidades internas e seus tecidos; os fluidos do corpo são os “oceanos” por
onde uma diminuta nave semelhante a um iate-submarino trafega levando uma
equipe médica miniatura. A textura, as cores, camadas e transparências dos
belos e sensíveis cenários podem não ser uma reprodução fiel, mas sem
sombra de dúvidas permite conduzir o expectador à outra dimensão, simulacro
de endoscopia, o que por si só é muito divertido. Mas também remete, ao
mesmo tempo, à maravilha que é a capacidade de sonhar com a viagem ao
universo entrópico;
[cdI: imagens/Viagem Fantástica]
101
Na ficção mitológica de Krull (Peter Yates, 1983), que poderia ser
considerado uma tímida versão do universo fantástico de O Senhor dos anéis,
os desenhistas de conceito conseguiram criar uma atmosfera de sonho e
magia na diversidade de seus cenários os quais representam locais de perigo e
obstáculos a serem vencidos. Dentre eles, a caverna, com a mortífera aranha
gigante cristalina, repleta de teias numa profusão de véus; a clausura, onde a
princesa é mantida refém, parece ser as entranhas do ser maligno cujas
colunas de sustentação lembram ossaturas; o cubículo do qual paredes
expelem espinhos gigantes contra os intrusos.
[cdI: imagens/Krull]
Um louvável exemplo de concepção visual pode ser observado em
Castelo Rá Tim Bum, o filme (Cao Hamburguer, 1999), uma adaptação da série
infantil da TV Cultura para o cinema. A série é bem mais teatral e exagerada, a
começar pela maquiagem carregada e pelos cenários restritos ao estúdio de
TV. Para o cinema, o diretor optou por uma completa reformulação, com uma
produção ampliada79 e maior sofisticação técnica. O hall do castelo recebeu
tratamento especial nos adornos das colunas, corrimão e escadaria. O piso foi
meticulosamente ladrilhado, em tons esverdeados com linhas espiraladas que
circundam a árvore plantada no centro da sala. As janelas repletas de vitrais
coloridos, e um painel pintado na parede da entrada do hall, com motivos
naturais, fazem jus aos seus habitantes, os bondosos e cultos feiticeiros Vítor e
Morgana. A suntuosa biblioteca reforça o conceito de sabedoria desses
personagens milenares responsáveis pela educação de seu sobrinho Nino, o
79 Ampla em relação á realidade das produções brasileiras.
102
aprendiz de feiticeiro que é uma criança de “trezentos” anos de idade. Os
detalhes da decoração, principalmente das colunas e dos parapeitos, remetem
a idiomas e a culturas de épocas diferentes e de diversas partes do mundo.
Alguns dos desenhos de conceito, como o projeto do hall, da biblioteca, da sala
com uma cúpula e um grande telescópio, dos porteiros em forma de estátuas
de leões com rosto humano, foram executados por Andrés Sandoval sob a
direção de arte de Clóvis Bueno e Vera Hambúrguer, os quais fizeram a
concepção visual também dos livros de magia confeccionados e ilustrados em
aquarela por Silvio Galvão. A capa desses livros possui um rosto manipulado
por radio controle para as cenas em ele conversa com os personagens. O filme
também conta com a participação das marionetes, que são caricaturas dos
atores Sérgio Mamberti (Vitor) e Rosi Campos (Morgana), projetadas por
Álvaro Apocalipse e confeccionadas pelo Giramundo Teatro de Bonecos. Um
curioso detalhe define o conceito por trás do penteado das feiticeiras. Quando
elas perdem seu poder o cabelo fica rebaixado, comum. O penteado espetado
para cima simboliza sua força. É o que acontece com a vilã Losângela,
interpretada pela atriz Marieta Severo. Assim que ela recupera seus poderes
sua aparência deixa isso bem claro, não só pela maquiagem e pelo cabelo,
mas também pelo seu suntuoso figurino desenhado por Verônica Julian.
Levando-se em consideração o modesto orçamento desse filme, em
comparação com o cinema de Hollywood, o resultado visual surpreende pelo
apuro técnico e pela excelente qualidade plástica na realização desse projeto
nacional pautado pelo design fantástico.
[cdC:CONCEPÇÕES/Castelo Ra Tim Bum]
104
9
Experimentações na produção da “Trilogia do caos” Concept design e cenários: Cláudia Jussan
Para o expressionismo alemão “o que importa é criar a inquietação e o terror. A
diversidade dos planos torna-se, assim, secundária”. (Lotte Eisner, A tela demoníaca)
A intenção da animação de longa-metragem Trilogia do caos (1998-
2005), desenvolvida na Escola de Belas Artes, sob a coordenação de Luiz
Nazario, não é reproduzir a aparência do expressionismo alemão; não se trata
de copiar sua estética e temporalidade, mas sim de agregar elementos
hodiernos que sirvam a critica dos comportamentos humanos inconseqüentes
através da sedução imagem, bem como à expressão da inquietação e da
angústia perante procedimentos científicos contemporâneos questionáveis. A
resultante desse conceito conduz a uma atmosfera carregada, ironicamente
compactuada com a delicadeza tênue de formas pontiagudas e frágeis,
imersas em passagens de tons do preto chapado ao branco enevoado
passando por camadas de cinza. O terceiro episódio da Trilogia tem em seu
visual a inserção da cor em elementos tais como os líquidos produzidos no
laboratório, tons de sépia em alguns objetos de cena e a luminosidade dos
vitrais, painéis, objetos e vegetação da cidade dos clones. Os ambientes da
“nova civilização”, uma ilusão de cidade “perfeitamente idealizada” para as
criaturinhas-clone, tendem a ser mais luminosos e coloridos que a antiga
cidade devastada e abandonada.
[cdC: CONCEPÇÕES/Trilogia do Caos]
105
©MYK
[cdC: CONCEPÇÕES/Trilogia do Caos/objeto de cena_simulação/diario de um clone.mpg]
9.1 O livro como objeto de cena (exercício simulado)
“Na produção artística mais recente, multiplicam-se os exemplos de
interferência sobre a página impressa ou mesmo a criação de livros de artistas
ou simulacros de livros”.80 Foi a partir desta idéia que na disciplina Caligrafias e
escrituras: a letra como imagem a imagem da letra81 do Curso de Mestrado em
Artes Visuais da UFMG, optei por simular um objeto de cena intitulado “Diário
de um clone lacrimejante”, baseado nas características de um dos
personagens da Trilogia do caos. Trata-se de um exercício de criação plástica
a partir de conceitos contidos no roteiro que servirão de complemento
cenográfico à narrativa, de modo a torná-la visualmente convincente, fazendo
com que haja um universo construído em torno do personagem. Tal
experimento visa oferecer uma gama mais ampla de opções quanto ao aspecto
do personagem.
80 Cf. DAIBERT, Caderno de escritos, 1995. 81 Disciplina ministrada pela Profª. Drª. Maria do Carmo Freitas no primeiro semestre de 2005.
106
Inspirado na estética do Expressionismo Alemão, apropriada para
questionar supostos avanços científicos, o visual de “Dr. Cretinus retorna...”,
episódio final da “Trilogia do caos”, está marcado pela ambigüidade, e caminha
entre o grotesco e o sensível, confrontando duas personalidades que
contrastam: a do frio geneticista chamado Dr. Cretinus, e a da misteriosa
criatura Homunculus, produzida por clonagem a partir dos genes contidos na
única lágrima derramada pelo cientista e recolhida por sua fiel assistente
Selenita (que utilizou a lágrima para clonar o cientista).
Homunculus é um clone peculiar, pois contradiz em vários aspectos a
personalidade de seu original. A princípio, a criatura não faz outra coisa senão
chorar o tempo todo, ensopando-se em suas próprias lágrimas dentro de uma
banheira, acompanhar os acontecimentos ao redor do mundo através da Web-
TV e observar Selenita fazendo experiências questionáveis no laboratório. Mas,
com seu metabolismo acelerado, Homunculus vai ficado esperto e aprende a
manusear os equipamentos científicos do laboratório. Subitamente, ele pára de
chorar, assume a personalidade fria de Dr. Cretinus, inventa um soro
miniaturizador, que aplica em Selenita e depois em Dr. Cretinus, que são em
seguida clonados em miniaturas, para criar uma civilização de criaturinhas
todas parecidas com Selenita e Dr. Cretinus. Para abrigar essa população,
Homunculus projeta redomas com filtros, para proteger os pequeninos da
atmosfera nociva emanada pelo bonsai dourado, o qual já havia paralisado e
exterminado a humanidade.
A partir dessas características, decidi produzir um diário contendo
anotações e registros tanto das coisas que ele havia observado dentro do
laboratório como dos projetos para construir o primeiro complexo de redomas
107
interligadas com abrigos; além de uma locomotiva, que serviria para transportar
os pequeninos, que logo se tornariam autônomos o bastante para expandir
esse complexo numa seqüência enorme de redomas para abrigar uma
minimegalópole. Como a história sugere uma atmosfera de pesadelo, o livro
também apresenta um aspecto incomum, distorcido, com páginas grudadas e
empenadas pelas lágrimas de Homunculus, e marcadores exageradamente
compridos com simulação de ideogramas. As imagens nele contidas
correspondem a “fotos” dos objetos existentes no cenário do laboratório e da
biblioteca, tais como o “astroscópio”, um “raio-X” de dois peixes, uma perigosa
seringa, as tesouras-alicate, o relógio de Selenita, uma redoma-aquário com
um peixe em tamanho natural (para fazer um contraponto proporcional aos
elementos em miniatura), o espremedor de cérebro, outra redoma com os
clones operários, o microscópio, um balão volumétrico graduado (absurdo pois,
na realidade, ele não possui marcas de medição) e, por fim, o controle remoto
da Web-TV.
A manivela rústica, elemento estranho e curioso, acoplada a um cilindro
fixo na lombada do livro, é um mecanismo que proporciona uma possibilidade a
mais de manipulação expressiva, e de encenação. Contém um “pergaminho”
com anotações e o projeto da locomotiva que interligará o primeiro complexo
de redomas a uma mega-redoma, na qual será construído o centro urbanóide.
Um recurso prático para mostrar uma imagem extensa, que as páginas de um
livro não proporcionam, além de ser um elemento surpresa, inesperado nesse
objeto. Os materiais utilizados no miolo: acetato, látex, papel vegetal, lenço de
papel, aludem às lágrimas constantes do lacrimoso clone. As inscrições na
capa e nas páginas simulam diversos idiomas: árabe, alemão, japonês, reflexo
108
do aprendizado global adquirido pelo clone ao assistir a canais de todo o
mundo. Como Homunculus mostra-se um ser sensível, delicado (ele nasceu de
uma lágrima) dentro de um universo grotesco e ilógico, o objeto de cena nele
inspirado apresenta essa mesma ambigüidade. É como se o resultado plástico
refletisse o estado de espírito por trás do gesto, funcionando como registro.
9.2 Composição de cenários e elementos de cena
A biblioteca subterrânea:
©MYK “Selenita vai até a biblioteca no subterrâneo do laboratório em busca de respostas para o misterioso caos que se instaurou pelo mundo”. Os elementos de cena foram desenhados a lápis, separadamente, e capturados via scanner. A composição da cena e o acabamento foram feitos através de processo digital que simulam o tratamento de desenho e aerógrafo. “Para sua surpresa, Selenita descobre que as flores-borboleta, criadas pelo Dr. Cretinus, expelem um pó cujo efeito se assemelha ao do LSD, deixando a população enlouquecida”. Os truculentos soldados com lança-chamas, cujo design baseou-se nos primeiros esboços feitos por Marco Anacleto, inspirados em casulos de borboleta, são a solução apontada pelo personagem Cretinus para salvar o mundo. Depois de exterminadas as flores-borboleta, Dr. Cretinus é tido como herói, apesar de todo estrago causado pelos soldados brutamontes à cidade “Towncaos”.
110
Lança chamas para extermínio das flores-borboleta
O presídio de onde Dr. Cretinus escapa:
A iluminação foi o aspecto principal elaborado para esse cenário, visto que, no ambiente externo ocorre uma tempestade com relâmpagos. A cena animada por André Martins82 explora esses elementos dramáticos da fuga: os flashs do relâmpago e a sombra do Dr. Cretinus projetada nos armários de onde ele retira sua vestimenta de cientista83. Esquina do antiquário Av. Principal da cidade dos clones.
Referências para a modelagem digital de Nina Faria84; estes cenários se localizam no interior da redoma principal na “minimegalópole” por onde os mini-clones passeiam. 82 MARTINS, A luz no cinema, 2003. Dissertação de Mestrado, Artes Visuais/UFMG. 83 Cf. [DVD Teasers Trilogia do caos] ou [cdM – Teasers Trilogia do Caos/2_ Escapando da prisão] 84 Cf. FARIA, 3d: Cinema e animação em fusão, 2003. Dissertação de Mestrado, Artes Visuais/UFMG.
111
Redoma para abrigar o Dr. Cretinus miniatura.
Desenhos de conceito e protótipo. A versão feita para o filme é modelada em 3D digital por Marco Anacleto. Aqui, o modelo físico faz parte de uma simulação para produzir objetos de cena, vinculada a esta pesquisa. O protótipo foi modelado e fabricado por Lincoln de Sales, em acrílico e durepox com base nos desenhos de conceito de Cláudia Jussan e a partir de um molde esculpido em madeira por Helder Fernandes (que também construiu a estrutura em madeira da estação de trem [cdC: CONCEPÇÕES/Trilogia do Caos/modelo 3D físico]). O acabamento foi feito em pintura simulando cobre. Complexo de redomas:
Nesse primeiro esboço, o clone Homunculus aparece fabricando o primeiro complexo de redomas para abrigar a nova civilização de clones miniatura. A proporção entre ele e as redomas ainda não estava estabelecida.
112
A atmosfera interna das redomas: o “novo habitat” construído por Homunculus sobre a mesa do laboratório para Dr. Cretinus, Selenita, e a civilização de clones miniatura. As cores utilizadas nas habitações, a vegetação e a arquitetura, foram inspiradas nos conceitos naturalistas do desenhista e diretor japonês Hayao Miyazaki mesclado à arquitetura expressionista do pintor e arquiteto austríaco Friedensreich Hundertwasser85. É como se a delicadeza do clone tivesse influência sobre sua concepção de um novo mundo idealizado sendo abrigado por redomas que, a um só tempo, são frágeis e grotescas.
A ameaçadora seringa, com o fluido miniaturizador, e os aquários com peixes em tamanho natural, servem de referência em relação ao tamanho das redomas e seu conteúdo. Esta versão, a mesma que aparece no trailer teaser, mostra outro conteúdo das redomas diferente do primeiro esboço, incluindo aquários com peixes que não foram “miniaturizados”.
85 [cdC: CONCEPÇÕES/z_adicionais/ Hundertwasser]
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10 Conclusão
A simples probabilidade de transferir a imaginação para um contexto
visual já é por si só matéria de delírio para os aficionados em desenho. A
sedução que esse tema exerce sobre os estudantes de arte é propulsora de
uma criatividade que tem por válvula de escape a prática artística. A mesma
paixão nutrida por elementos de fascínio com os quais nos identificamos é
dirigida ao momento da concepção de uma idéia e, por sua vez, da concepção
de uma imagem, símbolo de anseio e prazer. É possível que durante o
percurso, a intenção se desvirtue por depender de questões técnicas.
Principalmente no campo digital, há que se repensar a relação entre técnica e
plástica para que uma não sobrepuje a outra interferindo negativamente na
linguagem e no caráter artístico. O que ocorre na prática do design
cinematográfico é um direcionamento de toda essa energia criativa para
objetivos específicos, voltados para o filme, o qual é potencialmente um veículo
de linguagem e/ou de metáfora.
No âmbito executivo, uma das funções do design cinematográfico é
apontar possibilidades quanto à produção de um filme, principalmente no
momento crucial da captação de recursos quando o imprescindível é convencer
o patrocinador e produtor de que é possível realizar aquilo que se pretende. De
que o que se encontra no roteiro irá efetivamente se tornar visível e sugerir o
sensível.
Convencer alguém de que vale a pena investir no filme foi a primeira
coisa que Brian Singer teve de fazer para produzir X-Men. Também antes de
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embrenhar num projeto tão complexo quanto a trilogia de Senhor dos Anéis,
Peter Jackson buscou comprovar se havia condições de tornar o mundo
fantástico criado por Tolkien visivelmente possível. Por isso o diretor investiu –
tal como Jonh Lasseter, produtor executivo da Pixar, costuma ressaltar – em
pesquisa. E, baseando-se nos desenhos de conceito de Jonh Howe e Alan
Lee, a equipe da WETA fabricou objetos de cena, fez testes para saber até que
ponto a tecnologia em computação gráfica lhe seria útil e pertinente em um
projeto tão intricado: foi convicto de que poderia realizar um grande filme após
esses testes e pesquisas, que Peter Jackson apresentou o projeto ao produtor
e conseguiu o apoio para sua trilogia.
Além de promover a comunicação entre os membros da equipe e
posteriormente a consolidação visual do conteúdo literário e poético, outra
função importante do design cinematográfico é ampliar a capacidade de sonho
e imaginação, pois se em muitos casos é válido o clichê: “uma imagem vale
mais que mil palavras”, que dirá transformar sonho em realidade...
A presente dissertação buscou servir de veículo para a investigação de
incógnitas no âmbito do exercício e da aplicação da arte figurativa e abstrata
considerando seus atributos gráficos e plásticos direcionados à comunicação
de conceitos e à fruição estética. Procurou apontar para a prática da criação
artística em grupo voltada para produções extensas, que não raro é ponto de
tensão nos meios acadêmicos que por ventura enfatizem a produção individual.
Na intenção de valorizar a cultura do planejamento produtivo nas áreas de
desenho e cinema86, esta pesquisa procurou realçar a importância da prática
experimental no aprendizado das artes visuais. 86 Lembrando que projetos cinematográficos têm o potencial de aglomerar atividades vindas de diversos campos artísticos, como pintura, escultura, gravura, fotografia, musica, artes cênicas etc.
115
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4. A narrativa cinematográfica na obra de Billy Wilder. Escola de Belas Artes Profª. Drª. Ana Lúcia Andrade
5. A análise semiótica. FALE – pós-linguística Profª. Drª. Sônia Pimenta
6. Caligrafias e escrituras: A letra como imagem, a imagem da letra. Escola de Belas Artes Profª. Drª. Maria do Carmo de Freitas
7. Estágio docência – Semiologia da Imagem. Escola de Belas Artes Profª. Drª. Ana Lúcia Andrade
123
Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema
FTC/EBA: 55 31 3499 5297
Cláudia Jussan
http://www.jussan.com
www.expressionismo.pro.br
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE BELAS ARTES MESTRADO EM ARTES VISUAIS
126
Protótipo da redoma em acrílico, modelado por Lincoln de Sales. “Onde Homunculus ‘abriga’ Dr. Cretinus temporariamente”. Ela possui um bebedouro que conduz água filtrada até o interior da cúpula.
128
Estrutura da estação de trem. Modelo em madeira construído por Helder Fernandes. (vide concept pág. 112).
129
ICONOGRAFIA
A iconografia da presente dissertação se encontra disponível
em arquivos digitais contidos nos CDs que a acompanham. As
indicações abaixo relacionadas aparecem em destaque ao longo
deste trabalho em forma de endereçamento. Exemplo: [cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]
É altamente recomendável consultar tais indicações por se
tratarem de fontes visuais complementares a compreensão da parte
escrita.
[cdC= CD CONCEPÇÕES]
[cdI= CD de Imagens]
[cdM= CD Movies (de imagens em Movimento)]