Dissertação Everaldo (1)

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Dissertação sobre Educação em Prisões.

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS I

    MESTRADO PROFISSIONAL GESTO E TECNOLOGIAS APLICADAS EDUCAO (GESTEC)

    REA 1 GESTO DE EDUCAO E REDES SOCIAIS

    EVERALDO JESUS DE CARVALHO

    Escola Penitenciria: por uma gesto da educao prisional focada na dimenso pedaggica da funo do agente penitencirio

    Salvador2013

  • EVERALDO JESUS DE CARVALHO

    Escola Penitenciria: Por uma gesto da educao prisional focada na dimenso pedaggica da funo do Agente Penitencirio

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Gesto e Tecnologias Aplicadas Educao da Universidade do Estado da Bahia (GESTEC/UNEB), como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Gesto e Tecnologias Aplicadas Educao. rea de Concentrao: Gesto da Educao e Redes Sociais sob a orientao da Prof Dr Jaci Maria Ferraz de Menezes.

    Salvador2013

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  • FICHA CATALOGRFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

    Bibliotecria: Jacira Almeida Mendes CRB: 5/592

    EVERALDO JESUS DE CARVALHO

    Escola Penitenciria: Por uma gesto da educao prisional focada na dimenso pedaggica da funo do Agente Penitencirio

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    Carvalho, Everaldo Jesus de Escola Penitenciria: por uma gesto da educao prisional focada na dimenso pedaggica da funo do agente penitencirio / Everaldo Jesus de Carvalho. - Salvador, 2013. 115f.

    Orientadora: Jaci Maria de Menezes. Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao. Ps-Graduao em Gesto e Tecnologias Aplicadas Educao. Campus I. 2013.

    Contm referncias, apndices e anexos.

    1. Criminosos - Reabilitao - Brasil. 2. Prisioneiros - Educao - Brasil. 3. Prises - Aspectos sociais. 4. Direito penal. 5. Casa de Deteno - Bahia. I. Menezes, Jaci Maria de. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao.

    CDD: 365.660981

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  • AGRADECIMENTOS

    orientadora, professora Jaci Maria de Menezes, pelas orientaes e conduo deste estudo, sobretudo pelo bom humor e temperana, me mantendo confiante de que conseguiria trilhar esta viagem at aqui;Ao Prof. Milton Jlio, pelo comprometimento, disposio e gentileza pela ajuda na formatao deste trabalho. Suas competentes consideraes e ajustes de rota foram fundamentais, no somente para reoxigenar meus nimos, mas, sobretudo, para o resultado final da dissertao; Prof Claudia Moraes Trindade, cujos estudos sobre a comunidade prisional e o guarda de priso no contexto da modernizao do sistema prisional baiano, particularmente o surgimento da Casa de Priso com Trabalho do sculo XIX, foram de grande relevncia para esta dissertao; bem como, agradeo pelas vigorosas observaes constantes na qualificao;Ao professor Jos Cludio Rocha, pelas indicaes sugeridas na qualificao, principalmente aquelas relacionadas metodologia e reviso do problema; equipe GESTEC: corpo docente pelos ensinamentos, colegas discentes pelo aprendizado compartilhado e, em especial, competente, generosa e paciente equipe da secretaria;Ao Secretrio de Administrao Penitenciria e Ressocializao, com especial agradecimento ao Superintendente de Gesto Prisional Cel Paulo Csar Oliveira Reis, por autorizar a utilizao dos dados oficiais da SEAP e pela tolerncia com minhas ausncias da PLB para acompanhar as aulas, encontros com a orientadora e demais atividades acadmicas. Coordenao de Recursos Humanos da SEAP, em especial Ana Clia, que muito diligentemente, me encaminhou os dados sobre os Agentes Penitencirios baianos. Marinilda Lima, minha companheira, tambm mestranda, pelas noites no dormidas, pela ajuda com a reviso e olhar antropolgico presente neste trabalho;Se o segredo do sucesso est no trabalho de uma grande equipe, vamos aos agradecimentos equipe da PLB:Agradeo, primeiramente, Assistente Social Zara Gusmo, zelosa e dedicada Coordenadora do Setor Psicossocial, cuja ajuda na aplicao dos questionrios e na catalogao dos dados, tornou este trabalho exequvel;

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  • secretria Meire Lima, in memoriam, pela competente assessoria nos compromissos de diretor imbricados nas atribuies do mestrado, com diligente responsabilidade para organizar e reorganizar os compromissos institucionais da diretoria;Aos colegas diretores adjuntos da PLB: Crispim Borges, Marcelo Jorge, Fabrzio Gama e Joel Mrcio Vinhtico pela cobertura durante as aulas do mestrado e pelo compartilhamento de seus conhecimentos sobre o universo prisional; Coordenao de Registro e Controle dos Internos, em especial Coordenadora Eliene Brbara e ao Agentes Srgio Jaqueira pela disponibilizao dos dados referentes aos internos da PLB;Ao Apoio Administrativo, em especial Coordenadora Cludia Paim, pela disponibilizao dos dados referentes aos servidores da PLB; Coordenao de Atividades Laborativas/Educacionais, na pessoa da Coordenadora Tnia Lcia pelos dados referentes s atividades de reinsero social dos internos;Ao Agente Wanderson particularmente pelo socorro com os grficos e tabelas;

    Coordenao de Segurana em especial ao Chefe de Segurana Gabriel de Jesus Silva, e os demais agentes Jorge Guedes, Francisco Freire, Benedito Jorge, Joo Gabriel, Pedro Bailo, Jomar Silva, Gilberto Jos, Odilar Bandeira, dentre outros, cujas conversas, batem papos, tiradas de dvidas no dia-a-dia do trabalho foram fundamentais para a construo de entendimento sobre as atribuies e as rotinas operacionais do agente, bem como sem a consultoria destes agentes conhecedores do universo prisional, adicionada s informaes sigilosas de determinados internos (que a condio privilegiada de diretor me possibilitou o acesso), no seria possvel desvendar a hierarquia social existente entre os sentenciados da PLB nos dias atuais;

    A todos os Servidores Penitencirios da PLB, assim como aos internos, em especial aos que se disponibilizaram a responder aos questionrios j que sem tais participaes essa dissertao no seria realizada.

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  • DEDICATRIA

    A Deus, Jesus e os espritos de luz que me orientam, me guiam e me fortalecem; memria de meus pais: Divaldo Jorge de Carvalho e minhas mes Benildes de Jesus e Celina Santos Carvalho companheira Marinilda Lima e aos meus filhos Helder Gabriel, Joo Victor e Naym Mabili.Aos colegas Agentes Penitencirios baianos que tanto merecem apoio institucional de toda ordem, sobretudo, a criao de uma Escola de Formao e Capacitao cuja abordagem atenda a complexidade de suas funes e os desafios contemporneos da execuo penal baiana.

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  • .De que valeria a obstinao do saber se ele assegurasse apenas a aquisio dos conhecimentos e no, de certa maneira, e tanto quanto possvel, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questo de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se v, indispensvel para se continuar a olhar ou a refletir.

    Michel Foucault

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  • RESUMO

    Em meados do sculo XX, a ONU, atravs da Declarao Universal dos Direitos Humanos 1948 e As Regras Mnimas para Tratamento de Prisioneiros 1955, estabeleceu novos parmetros humanitrios com relevante repercusso para a segurana pblica e execuo penal, com nfase numa adequada formao e capacitao do pessoal penitencirio. No Brasil, o CNPCP (Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria) em 1994, regulamentou as Regras Mnimas para o Tratamento do Preso, enfatizando a preparao e formao dos profissionais de custdia das unidades prisionais, atravs de escolas penitencirias. Ressalte-se, que no ano de 2013 a Bahia figura como o nico estado da Federao que ainda no implementou sua Escola Penitenciria como estabelece a Meta de n 13/2008 do Plano Diretor do Sistema Penitencirio elaborada pelo Departamento Penitencirio Nacional. Neste sentido, o estudo Escola Penitenciria: por uma gesto da educao prisional focada na dimenso pedaggica da funo do agente penitencirio visa contribuir para a formulao das bases de um sistema de ensino e capacitao profissional para os agentes penitencirios da SEAP - Secretaria de Administrao Penitenciria e Ressocializao do Estado da Bahia. Para tanto, pe em evidncia o contexto histrico do surgimento do sistema penitencirio baiano, em especial o da Penitenciria Lemos Brito, local onde a pesquisa foi desenvolvida, traa o perfil socio-histrico do Agente Penitencirio, bem como analisa seu perfil profissional pela sua prpria tica, pela tica dos encarcerados e de demais tcnicos dos servios prisionais. O estudo ainda descreve os procedimentos operacionais do Agente Penitencirio, no sentido de identificar os entraves para a efetivao da dimenso pedaggica de sua atividade. Como aporte metodolgico, utilizou-se a pesquisa qualitativa com aplicao de questionrios semi-estruturados e anlise de documentos institucionais, para, como proposta de interveno, formular as bases de uma Escola de Formao Penitenciria sintonizada com as especificidades e o contexto scio-histrico do sistema prisional baiano, tendo como referncia a Matriz Curricular e o Guia de Referncia Nacional para a Gesto da Educao em Servios Penais. Palavras chave: Sistema Penitencirio, Escola Penitenciria, Agente Penitencirio e Gesto da Educao.

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  • ABSTRACT

    In the mid-20th century, the UN, through the Universal Declaration of human rights 1948 and minimum rules for the treatment of Prisoners 1955, established new parameters with relevant humanitarian repercussions for public security and penal execution, with an emphasis on adequate training and personal training penitentiary. In Brazil, the CNPCP (National Council of Criminal and Penitentiary Policy) in 1994, regulated the minimum rules for the treatment of the prisoner, emphasizing the preparation and training of professionals of custody of prison units, through prison schools. It is, that in the year 2013 the Bahia figure as the only State that still has not implemented its Penitentiary as School establishes the goal of paragraph 132008 of penitentiary system master plan drawn up by the National Penitentiary Department. This sense, the Penitentiary School study-by a prison education management focused on pedagogical dimension of function of prison guard aims to contribute to the formulation of a system of education and professional training for prison staff of Penitentiary Administration Secretariat-SEAP and Resocialization of the State of Bahia. To this end, highlights the historical context of emergence in particular Bahia penitenciario system of Lemos Brito Penitentiary, where the survey was developed, traces the socio-historical profile of the prison guard, and analyzes your professional profile, by their own optics, optics of imprisoned and other technicians of prison services. The study also describes the operational procedures of the prison guard, to identify the obstacles to the completion of the pedagogical dimension of their activity. As methodological contribution was qualitative research with semi-structured questionnaires and analysis of institutional documents, for, as a proposal of intervention, to formulate the basis of a Penitentiary training school in tune with the specificities and the socio-historical context of Bahias prison system, with reference to the curriculum matrix and the national reference guide for the management of education in penal services.

    Key words: School penitentiary, prison guard, management education

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  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AP Agente PenitencirioASCOM Assessoria de Comunicao BG-PM Batalho de Polcia de Guardas da Polcia MilitarCAE Casa do Albergado e EgressoCBO Classificao Brasileira de OcupaesCEDHAP Centro de Estudo em Direitos Humanos e Assuntos Penais CMP Central Mdica PenitenciriaCPCT - Casa de Priso com TrabalhoCNPCP Conselho Nacional de Poltica Criminal e PenitenciriaCPS Cadeia Pblica de SalvadorCRC Coordenao de Registro e ControleCRH - Coordenao de Recursos HumanosDAP Departamento de Assuntos Penais DEPEN Departamento Penitencirio NacionalEEPLB Escola Especial da Penitenciria Lemos BritoGESTEC Gesto e Tecnologias aplicadas EducaoHCT Hospital de Custdia e TratamentoLEP Lei de Execues PenaisMTE Ministrio do Trabalho e EmpregoONU Organizao das Naes UnidasPF Penitenciria FemininaPIDESCI - O Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais PLB Penitenciria Lemos BritoPNUD Programa das Naes Unidas para o DesenvolvimentoPNSP Plano Nacional de Segurana PblicaPRONASCI Programa Nacional de Segurana Pblica com CidadaniaPS Presdio de SalvadorREDA Regime Especial de Direito AdministrativoSEAP Secretaria de Administrao Penitenciria e RessocializaoSJ Secretaria da JustiaSJDH Secretaria da Justia e Direitos HumanosSJCDH Secretaria da Justia Cidadania e Direitos HumanosSINSPEB Sindicato dos Servidores Penitencirios do Estado da Bahia

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  • UED Unidade Especial DisciplinarUNEB Universidade do Estado da BahiaUP Unidade Prisional

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  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Definio dos Cargos do Servio Pblico do Estado da Bahia

    QUADRO 2 - Profissionais da segurana prisional/BA - do sculo XIX ao sculo XXI QUADRO 3 - Dados sobre Agentes Penitencirios no Brasil QUADRO 4 - Unidades Prisionais da capital do Estado da Bahia

    QUADRO 5 - Demonstrativo de Agentes do Estado da Bahia

    QUADRO 6 - Demonstrativo de empresas e atividades laborativas para os roupas amarelas e azuis

    QUADRO 7 - Os trs fatores que determinam a posio do preso (BA sculo XIX)QUADRO 8 - Os trs fatores que determinam a posio do preso (BA sculo XX)QUADRO 9 - Regimento dos Internos (regras I, II, III e IV)QUADRO 10 - Procedimentos Operacionais do Agente Penitencirio

    QUADRO 11 - Atribuies do Agente Penitencirio conforme Lei 7.209/97

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  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 As trs dimenses das atividades do APFigura 2 - Entrada Principal da PLB Figura 3 - Gabinete do Diretor PLBFigura 4 - Fachada do panptico Mdulo IV Figura 5 - Parte interna do panptico Mdulo IVFigura 6 - Oficina da PLB Reciclagem de plstico Figura 7 - Oficina da PLB CosturaFigura 8 - Os Fardas Azuis IFigura 9 - Os Fardas Azuis IIFigura 10 - A EEPLB: oficina pedaggicaFigura 11 - A EEPLB: sala de aulaFigura 12 - Hierarquia da populao carcerria da PLBFigura 13 - Estrutura Organizacional dos APs da PLB

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  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Perfil Delituoso dos Sentenciados da PLBTabela 2 - Fatores da vulnerabilidade dos internos

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico n 1 - Tempo de Servio dos Agentes da PLBGrfico n 2 - Faixa Etria dos Agentes da PLBGrfico n 3 - Nvel de Escolaridade dos Agentes da PLBGrfico n 4 - Raa ou Etnia dos Agentes da PLBGrfico n 5 - Qualidades fundamentais para o desempenho da funo do AP

    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO A- LIVRO DE EXPEDIENTEANEXO B - QUADRO DEMONSTRATIVO DE SERVIDORES DA PLB (2012)

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  • SUMRIO

    1 - INTRODUO......................................................................................................182 - O CONTROLE SOCIAL E A PENITENCIRIA Notas sobre a instituio de controle e seus sujeitos............................................................282.1 - O Controle Social e o Executor Penal: consideraes socio-histricas.................................................................................................282.2 - Sobre a Execuo Penal na Antiguidade, na Idade Mdia e no Perodo Iluminista ..............................................................................................312.3 - Sobre o surgimento da Penitenciria e do Guarda na Bahia do sculo XIX .........................................................................................................372.3.1- Sobre o Guarda de Presdio e o Assistente de Presdio baiano ....................412.4 - O Sistema Penitencirio e o Agente Penitencirio no Brasil Contemporneo .................................................................................................44

    3 SOBRE O CONTEXTO PRISIONAL BAIANO: Saberes necessrios para uma formao profissional sintonizada com as diretrizes do DEPEN.................503.1- O Sistema Penitencirio baiano..........................................................................503.1.1- O Agente Penitencirio baiano.........................................................................533.1.2 - A Populao Prisional baiana..........................................................................553.2 - O Complexo Penitencirio da Mata Escura.......................................................57

    4 METODOLOGIA, LOCUS E SUJEITOS DA PESQUISA....................................594.1 - Aporte metodolgico .........................................................................................594.2 - Apresentando o locus da pesquisa: a Penitenciria Lemos Brito .....................624.3 A Sociedade Carcerria da PLB........................................................................674.4 - O Agente Penitencirio da PLB..........................................................................78

    5 - ANLISE DOS DADOS........................................................................................815.1 - Amostra, Coleta e Anlise dos dados ...............................................................815.1.1 - O Perfil scio histrico do agente penitencirio da PLB ................................825.1.2 - O Perfil do agente pela tica dos encarcerados e dos profissionais tcnicos da PLB........................................................................845.1.3 - As qualidades fundamentais para o desempenho da funo do Agente Penitencirio .................................................................................845.1.4 A Dimenso Pedaggica da Funo do AP: os procedimentos operacionais e os entraves para um desempenho satisfatrio .....................87

    6 - ESCOLA PENITENCIRIA BASES E PRESSUPOSTOS................................926.1 - O PNSP - Plano Nacional de Segurana Pblica e o PRONASCI ...................946.2 - Educao em Servios Penais .........................................................................966.2.1 - Viso da Ao Educativa................................................................................966.2.2 - Resultados esperados ..................................................................................976.2.3 - Metodologia ....................................................................................................976.2.4 - Objetivo ..........................................................................................................976.3 - Guia de Referncia para a Gesto da Educao em Servios Penais .............976.3.1 - Misso da Escola ...........................................................................................98

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  • 6.4 - Matriz Curricular Nacional para a Educao em Servios Penais ....................986.4.1 Princpios Orientadores .................................................................................986.4.2 Competncias, Habilidades, Saberes e Atitudes do Servidor Penitencirio...................................................................................................986.4.3 Objetivos....................................................................................................... 996.4.3.1 - Geral ...........................................................................................................996.4.3.2 - Especficos ..................................................................................................996.4.4 Eixos Articuladores ........................................................................................996.4.5 Orientaes Metodolgicas .........................................................................1006.4.5.1 - Referencial Pedaggico ............................................................................1006.4.5.2 - A Formao dos Servidores Penitencirios ..............................................1006.4.5.3 - A Prtica Educativa ...................................................................................1006.4.5.4 - A Proposta Metodolgica ..........................................................................1007 - CONSIDERAES FINAIS................................................................................102REFERENCIAIS.......................................................................................................104APENDICE 1 - Questionrio agente penitencirio...............................................111APENDICE 2 - Questionrio equipe tcnica ........................................................112APENDICE 3 - Questionrio sentenciados ..........................................................113ANEXOS A - Livro de Expediente do Guarda Chefe ...........................................114ANEXOS B - Quadro demonstrativo de servidores da PLB ..............................115

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  • 1 INTRODUO

    Os autores clssicos que estudam o fenmeno do aprisionamento humano entendem que, em relao priso nunca houve fracasso na sua misso de regenerar, reintegrar, disciplinar os criminosos - pois no essa a sua utilidade, (SALLA, 2000, p. 44). A priso, ao contrrio, implica em manuteno da delinquncia, induo em reincidncia, transformao do infrator ocasional em delinquncia (FOUCAULT, 2004, p.225). Na mesma linha crtica, Michele Perrot em sua obra, Os excludos da Histria: Operrios, mulheres e prisioneiros concebe a instituio prisional como local destinado a expulsar, evacuar, suprimir os irrecuperveis (PERROT, 1988). Concepes reforadas por Louis Wacquant (2008), em seu livro O lugar da priso na nova administrao da pobreza, o qual aborda os altos ndices de encarceramento verificados na contemporaneidade, cujo foco, segundo o autor, a criminalizao da pobreza, que o complemento indispensvel imposio de ofertas de trabalho precrias e mal remuneradas (Wacquant, 2008, p.11).

    Em que pese o tom pessimista destes estudiosos, destaque-se que em meados do sculo XX, a ONU Organizao das Naes Unidas, por fora dos horrores da segunda guerra mundial (notadamente o holocausto nazista), luz dos ideais iluministas adscritos na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, estabeleceu, em documentos consignados por todos os seus estados membros, novos parmetros humanitrios com relevante repercusso para a segurana pblica e execuo penal, dentre os quais destacamos: A Declarao Universal dos Direitos Humanos 1948 e As Regras Mnimas para Tratamento de Prisioneiros - 1955.

    Este ltimo documento, adotado pelo 1 Congresso das Naes Unidas sobre Preveno do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra no ano de 1955, estabeleceu diretrizes humanitrias para a execuo da pena, com nfase numa adequada formao e capacitao do pessoal penitencirio. Os artigos 47 e 48 das Regras Mnimas da ONU demonstram uma preocupao com a formao profissional destes servidores, para alm do no strictu cumprimento da punio por privao da liberdade, ou seja, fazer com que o sistema penitencirio atravs da

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  • atuao de seus servidores atinja os conceitos de humanizao e os elementos basilares para a construo de um fazer penitencirio contemporneo baseado numa boa organizao e na influncia benfica sobre os prisioneiros, quando obriga que:

    Antes de ingressarem no servio; o pessoal penitencirio deve realizar curso de formao geral e especial; bem como, aps o ingresso no servio e durante a carreira, manter e melhorar seus conhecimentos e sua capacidade profissionais atravs de cursos de aperfeioamento e, por fim, conduzir-se e cumprir suas funes, de modo a que seu exemplo inspire respeito e exera uma influncia benfica sobre os presos. (Sntese dos Arts 47 e 48 das Regras Mnimas para Tratamento de Prisioneiros da ONU, 1955)

    Vale ressaltar que o Brasil por ser signatrio da aludida conveno internacional teve que incorporar na Lei de Execues Penais - (Lei 7.2010/94), dispositivos que visem qualificao dos servidores penitencirios, quando estabelece que:

    A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instruo tcnica atender vocao, preparao profissional e antecedentes pessoais do candidato e ainda que O ingresso do pessoal penitencirio, bem como a progresso ou a ascenso funcional dependero de cursos especficos de formao, procedendo-se reciclagem peridica dos servidores em exerccio. (Art. 77 e 1 do Art.77 da LEP)

    Segundo Jos Cludio Rocha, em sua dissertao de Mestrado A Participao Popular nos Conselhos Municipais de Educao da Bahia (2001), o compromisso de uma educao voltada para os direitos humanos, perpassa pela construo da cidadania em relao ao indivduo e da democracia em relao sociedade. Posicionamento devidamente referendado no Pacto Internacional dos Direitos Humanos Econmicos, Sociais e Culturais - PIDESC1. H de se ressaltar que tais compromissos foram devidamente renovados no Congresso Internacional sobre Educao em prol dos Direitos Humanos e da Democracia (ONU, 1993), cujo resultado foi a formulao do Plano Mundial de Ao para a Educao em Direitos Humanos, iniciativas que, para o pesquisador, visa promover, estimular e orientar

    1 O Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais - PIDESC, adotado pela Assembleia Geral da

    ONU em 1966 e ratificado pelo Brasil em 1992.

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  • compromissos em prol da educao em defesa da paz, da democracia, da tolerncia e do respeito dignidade da pessoa humana. (ROCHA, 2007).

    Nesta perspectiva, a Resoluo n 14, de 11 de novembro de 1994, do CNPCP2, que regulamenta as Regras Mnimas para o Tratamento do Preso no Brasil3, visando por em prtica o que estabelece a Lei de Execues Penais, recomenda que a seleo do pessoal administrativo, tcnico, de vigilncia e custdia das unidades prisionais deve tender vocao, preparao e formao profissional dos candidatos atravs de escolas penitencirias. E, ainda, conforme este mesmo cdigo nos seus art. 49 e 50, o servidor penitencirio dever cumprir suas funes de maneira que inspire respeito e exera influncia benfica ao preso. Concepes que vo ao encontro do paradigma moderno ocidental que prima pela adequada formao do pessoal penitencirio, cuja carncia, tanto no Brasil quanto na Europa, remonta ao sculo XIX, como bem observa a historiadora Cludia de Moraes Trindade no seu trabalho de doutorado intitulado Ser preso na Bahia no sculo XIX (2012), ao destacar Patricia OBrien, ao relata que, tal qual no Brasil, na Frana do sculo XIX no h nenhum tipo de treinamento especial para os guardas.

    no ano de 1872 um inqurito parlamentar na Frana discutiu o fracasso da reabilitao de presos e, como parte das medidas, recomendou-se a implantao de um treinamento especial para guardas de priso (TRINDADE, 2012, p. 54)

    Este tipo de recomendao, Segundo Manoel Antonio Pereira Deusdado4, estava devidamente respaldada nas resolues do Congresso Penitencirio Internacional de Londres (1872) e se manteve como preocupao dos congressistas internacionais no Congresso Internacional de Estocolomo (1878) e no de St Petersburgo (1890). Em sntese, foi entendimento geral que a criao de escolas normais para a preparao e habilitao dos guardas dos dois sexos, destinados ao servio das prises, deveriam ser considerada como til debaixo do ponto de vista

    2Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria. rgo subordinado ao DEPEN - Departamento Penitencirio Nacional.3Adotadas pelo Primeiro Congresso das Naes Unidas sobre a Preveno do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955 e consignada pelo Brasil na Resoluo n 14 do CNPCP.4 Delegado do governo portugus em diversos congressos internacionais que ocorreram na Europa

    no final do sculo XIX. Deusdado catalogou as resolues destes congressos no seu livro O Ensino Carcerrio e o Congresso Penitencirio Internacional de So Petersburgo, Imprensa Nacional, Lisboa, 1891.

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  • dos bons resultados da obra penitenciaria de regenerao do criminoso (DEUSDADO, 1891)

    J no sculo XXI, dentro deste entendimento de necessidade de formao do pessoal penitencirio, o PRONASCI5 - Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania do Governo Federal (2007) elencou no rol dos 5 objetivos centrais para agregar cidadania s aes de segurana, a necessidade de modernizao do sistema de segurana pblica atrelada valorizao de seus profissionais e reestruturao do sistema prisional. No que tange a valorizao profissional, no sentido de fazer com que a pena privativa de liberdade cumpra seu complexo papel social, o programa prev um novo tipo de formao para os agentes penitencirios6, cuja capacitao prev a abordagem de temas como: direitos humanos (grifo nosso), gesto e planejamento, gerenciamento de crises, armamento, tiro e inteligncia penitenciria (MJ, 2012).

    No ano de 2005 o DEPEN, atravs do estudo Educao em Servios Penais: Fundamentos de Poltica e Diretrizes de Financiamento embasado, em trabalho produzido pela pesquisadora Julita Lemgruber7, diagnosticou que 80% das unidades da federao no dispunha de Escola Penitenciria e, no que tange as aes concretas dos estados para a formao e capacitao do pessoal penitencirio, chegou-se a concluso que no pas a poltica de valorizao destes servidores historicamente deficitria, sendo evidente a quase inexistncia de aes educativas sistemticas para a rea. Como desdobramento de tal diagnstico, o DEPEN, atravs da Portaria n 39 de 15 de julho de 2005, aprova o documento Educao em Servios Penais: Fundamentos de Poltica e Diretrizes de Financiamento o qual passa a regulamentar o financiamento para a formao profissional em servios penais, bem como fixa prazo para o recebimento dos Projetos Poltico-Pedaggicos das Unidades da Federao, visando o estabelecimento de cooperao tcnica e financeira com a Unio (DEPEN, 2005).

    5O PRONSACI visa aes de preveno, controle e represso da violncia com atuao focada nas razes socioculturais do crime, cujo eixo central a articulao entre a Unio, os estados e municpios para o combate ao crime.6Neste estudo utilizaremos a sigla AP quando nos referirmos ao Agente Penitencirio.7Estudo produzido a partir de Acordo de Cooperao Tcnica celebrado entre Ministrio da Justia, PNUD, Federao das Indstrias do Rio de Janeiro e Servio Social da Indstria. Rio de Janeiro: 2004.

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  • No ano de 2013, aps 08 anos da entrada em vigor da portaria em tela, verifica-se que das 27 unidades federativas, apenas a Bahia ainda no implementou sua Escola Penitenciria como estabelece a Meta de n 13/2008 do Plano Diretor do Sistema Penitencirio elaborada pelo Departamento Penitencirio Nacional, mesmo considerando a realidade prisional baiana com o persistente inchao populacional carcerrio8, as disputas de poder entre os presos, o reduzido nmero de servidores, o baixo quantitativo de internos participando efetivamente de atividades de reintegrao social, que so ocorrncias que se agregam e potencializam as dificuldades para uma atuao qualitativa do agente penitencirio. Tal ambiente ratifica a posio do pesquisador Fernando Salla, para quem nas ltimas dcadas do sculo XX o iderio da ressocializao perdeu terreno e vem se tornando cada vez mais formalista e sistematicamente corrodo pelas prticas institucionais, (SALLA, 2000).

    Para ns, o cenrio prisional baiano faz soar o alerta de que os almejados objetivos contemporneos de resgate social do encarcerado so movedios, desajeitados, no confiveis e frustrantes, o que acaba colocando a instituio prisional no foco de ateno pblica, causando embarao aos rgos estatais que administram os estabelecimentos penitencirios, e, por extenso, a sensao de desconfiana se esparrama na figura emblemtica do Agente Penitencirio.

    O AP a mola mestra da engrenagem penitenciria, o profissional responsvel pela mediao de todo e qualquer intercmbio do encarcerado, quer seja com o mundo externo, quer seja com seus familiares, quer seja com os demais setores profissionais9 encarregados pelos programas institucionais de reinsero social. Ele o representante do Estado que mantm contato direto e permanente com o preso e, conforme Carvalho (2010), ele :

    o responsvel por excelncia em manter o presdio em funcionamento, agindo como os olhos do Estado e da Sociedade no sentido de fazer valer, na ponta da execuo penal, a deciso do corpo social de punir o infrator com a pena de privao de liberdade, atuando como a mo longa do juiz, no limiar entre a punio e a

    8 O excedente populacional dos internos das unidades prisionais da SEAP esto disponvel em

    http://www.seap.ba.gov.br/index.php/populacao-carceraria9Psiclogos, Assistentes Sociais, Educadores, Terapeutas Educacionais, Equipe Mdica, etc,

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  • humanizao, at o prazo limite da sentena que recai sobre o condenado (CARVALHO, 2010)

    Neste ambiente complexo, a operacionalizao dos objetivos hodiernos da execuo penal exige do AP uma performance para alm do foco na disciplina. Decerto, este profissional aglutina nos seus ombros determinadas funo do carcereiro e do guarda prisional na medida em que mantm como rotina diria a ao bsica de abrir as celas pela manh para garantir aos internos o seu direito ao caf da manh e ao banho de sol, o que significa a chancela da vida social ao preso atravs do acesso ao ptio de convivncia.

    Nesta ocasio, organiza e disciplina a distribuio das refeies e possibilita, mediante escolta, que o apenado seja assistido pelo Diretor, Servio Social, Defensor Jurdico, Psiclogo, Mdico, Dentista e os demais servios assistenciais. Por fim, ao entardecer, compete ao agente conduzir o interno de volta para a sua cela e, ainda, permanecer de prontido durante todo o perodo da noite, para atender eventuais pedidos de socorro (por contenda ou para escolta mdica emergencial), bem como frustra as tentativas de evaso.

    Nos dias de visita o(a) AP recebe os visitantes, os acolhe, os organiza, os fiscaliza e determina-lhes o fluxo de entrada para o to esperado contato familiar; atividades que administra sem abdicar de cobrar, por parte dos visitantes, a disciplina, o acatamento das regras e dos regulamentos prisionais. Percebe-se que o AP no exerccio de suas aparentes contraditrias atribuies que envolvem dimenses de segurana e de humanizao, no so meros ordenadores das predisposies balizadoras do Estado, mas, sobretudo agentes de transformao (BALESTRERI, 2010), j que ao mesmo tempo em que pune, repreende, apreende, cobra e nega, o AP deve estar sempre pronto para ouvir, aconselhar, acolher, proteger, fornecer e conceder, da porque suas aes alcanam um grande impacto social sobre a vida dos presidirios.

    Tal centralidade e peso de atribuies lhe confere um elevado nvel de tenso e estresse, j identificados em estudos sobre condies de trabalho e sade do AP VASCONCELOS (2000) e FERNANDES et al. (2002). No obstante, o Guia de

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  • Referncia para a Gesto da Educao em Servios Penais, (2006), alerta para a qualificao destes profissionais, quando observa que sua formao:

    Tende a no ultrapassar o ensino mdio ou mesmo quando este nvel ultrapassa no est vinculada especificidade dos contextos penitencirios em face da inexistncia de cursos superiores que estas contemplem existe a necessidade de uma qualificao profissional que atenda as peculiaridades dos contextos nos quais desenvolvero suas atividades (DEPEN, 2006).

    Enquanto nos EUA, so cerca de 400 mil para 02 milhes de detentos e a maioria dos pases europeus obedecem proporo mdia de menos de 5 (cinco) detentos por agente penitencirio10, o Brasil est muito distante desta realidade, se considerarmos que em todo o territrio nacional somam cerca de 50 mil APs para controlar a 4 maior populao carcerria do mundo, cujos nmeros j extrapolam a marca de 500 mil detentos (DEPEN 2012), assim, em termos gerais, temos no Brasil uma estimativa de 35 presos por AP11. Na Bahia, contabilizando os 1.105 Agentes Penitencirios do quadro efetivo, somados aos 412 outros contratados em carter provisrio, os APs somam 1.517 sob o regime de trabalho de 24x72h para operacionalizar toda a engrenagem carcerria baiana com suas 24 unidades prisionais, espalhadas na capital e no interior que juntas abrigam 11 mil custodiados12 (SEAP, 2012), portanto a relao mdia baiana de 29 detentos por agente penitencirio.

    Conforme COELHO e CARVALHO FILHO et al, (2012) no livro Prises numa abordagem interdisciplinar, a instituio prisional, que composta pela conjuno de pluralidades analticas, complexa e produtora de diversos saberes que no podem ser totalizados por nenhuma das suas singularidades; desta forma, esta discusso sobre o sistema prisional implica em determinar quem fala, do que ou de quem fala, de quando fala e de onde fala.

    10Estatstica Penal Anual do Conselho da Europa, divulgada pelo DEPEN (2008).11Se todos os 50 mil APs trabalhassem todos os dias nas prises, a relao seria de 10 APs para 01 preso, entretanto a carga horria majoritria dos APs no Brasil de 24x72, o que reduz o nmero total de APs trabalhando diariamente para do total, portanto, por estimativa, teremos 14 mil APs para 500 mil detentos, o que d uma relao de 35 internos por AP. Esses dados esto melhor detalhados no quadro n 3 Dados sobre os APs do Brasil.12Exclui-se desta contabilidade cerca de 4.000 presos provisrios custodiados nas delegacias sob a tutela da SSP Secretaria de Segurana Pblica

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  • Para responder tais indagaes valido considerar que este pesquisador Agente Penitencirio com 22 anos na profisso e socilogo de formao acadmica. No quesito atuao sindical, figurou como Coordenador Geral do SINSPEB - Sindicato dos Servidores Penitencirios do Estado da Bahia - (1997/2002), dirigente da Federao Nordestina dos Agentes Penitencirios (2000/2002) e do Frum Nacional dos Servidores de Penitencirios (2001). Como Gestor, assumiu a direo da Colnia Penal Lafayete Coutinho (2007/2009), a direo da Cadeia Pblica de Salvador (2010/2011) e, atualmente, a direo da Penitenciria Lemos Brito. Experincias que, somadas ao estudo de especializao em Histria e Cultura Afro Brasileira realizado no ano de 2007, intitulado: O Sistema Penitenciria na tica Negra: a questo tnico-racial e a formao do agente penitencirio servem de referncia para o trabalho ora proposto: Escola Penitenciria Por uma Gesto da Educao Prisional focada na dimenso pedagogia da funo do Agente Penitencirio.

    Concordamos com o socilogo David Garland, (2010), quando sustenta a necessidade de reflexo por parte da sociedade no somente a respeito de como os indivduos devem ser punidos, mas, sobre questes mais amplas, a exemplo de como a poltica penal afeta a cultura da sociedade de maneira geral. Ora, se a formao e capacitao do pessoal penitencirio faz parte da poltica penal brasileira de otimizao da funo social do sistema penitencirio, e, considerando ainda que a Bahia ainda no dispe de Escola de Formao para estes profissionais, este trabalho pretende contribuir com a reflexo sobre a formao e capacitao do AP, visando preencher a lacuna referente capacitao sistematizada para os trabalhadores do Sistema Prisional do Estado da Bahia.

    O objetivo geral contribuir para a formulao das bases de um sistema de ensino e capacitao profissional para os agentes penitencirios da SEAP - Secretaria de Administrao Penitenciria e Ressocializao do Estado da Bahia, capaz de abordar a dimenso pedaggica da atividade destes profissionais, no sentido de que ele construa saberes, habilidades e competncias, possibilitando que a sua ao contribua pedagogicamente em termos de uma mudana, ou de mudanas, no modo de interagir homem preso sociedade.

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  • No que tange aos objetivos especficos, pretende-se identificar o perfil scio-histrico dos agentes penitencirios; analisar seu perfil profissional pela tica dos encarcerados e dos tcnicos do setor psicossocial, bem como, descrever seus procedimentos operacionais de segurana, para se identificar os entraves para a efetivao da dimenso pedaggica de sua atividade. Por fim, como Proposta de Interveno, formular, em linhas gerais, as bases para uma Escola de Formao Penitenciria sintonizada com as especificidades e o contexto scio-histrico do sistema prisional baiano, tendo como referncia a matriz curricular e o guia de referncia nacional para a gesto da educao em servios penais.

    O locus da pesquisa foi a PLB - Penitenciria Lemos Brito localizada no Complexo Penitencirio do bairro de Mata Escura, Salvador, Bahia. Esta Unidade Prisional figura como a maior Penitenciria do Estado, vez que, quando da aplicao dos questionrios, novembro de 2012, abrigava nos seus 5 mdulos prisionais, algo em torno de 1450 sentenciados a pena privativa de liberdade em regime fechado (SEAP, 2012). E, conforme o Quadro Demonstrativo de Servidores, no perodo em questo, a unidade prisional contava com 161 APs, 06 Assistentes Sociais, 07 Psiclogos, 02 Mdicos clnicos, 01 Ortopedista, 01 Psiquiatra, 02 Odontlogos, 02 Enfermeiros, 03 Tcnico de Enfermagem, etc (ver APNDICE 2).

    A pesquisa est subdividida da seguinte maneira: No captulo I, apresentamos a Introduo que inclui a justificativa, a motivao para a realizao da pesquisa, o credenciamento do pesquisador com o tema proposto, a descrio do tema, o contexto geral que respalda a criao da Escola Penitenciaria para a formao e capacitao do Agente Penitencirio baiano, bem como o objetivo geral, os objetivos especficos, dentre os quais a proposta de interveno da pesquisa, alm da sntese da estruturao dos captulos.

    No Captulo II, intitulado: O controle social e a penitenciria notas sobre a instituio de controle e seus sujeitos, apresentamos notas sobre a conceituao clssica e as consideraes scio-histricas do termo Controle Social proposta pela teoria sociolgica, particularmente o socilogo Emille Durkheim, no sentido de se identificar, conforme os diferentes perodos histricos e modo de produo correspondente, luz da abordagem de Michel Foucault, dentre outros autores, as

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  • variadas formas e tcnicas de punio ou execuo penal utilizadas pelo Estado. Situamos o nascimento da Penitenciria na Bahia no contexto scio-histrico de modernizao do aparato punitivo no Brasil no sculo XIX, e com ela o surgimento da figura do Guarda, espcie de antecessor do Auxiliar, do Agente, do Assistente e, finalmente, do agente penitencirio contemporneo. E, ainda, abordamos as singularidades do sistema penitencirio e apresentamos o Agente Penitencirio no Brasil contemporneo.

    No captulo III, intitulado sobre o contexto prisional baiano: saberes necessrio para uma formao profissional sintonizada com as diretrizes do DEPEN apresentamos o sistema penitencirio, bem como, tecemos informaes sobre o agente penitencirio baiano, da populao carcerria baiana e do complexo penitencirio de Mata Escura, vez que, mesmo com o processo de interiorizao das unidades prisionais, esse complexo ainda figura como o maior e mais importante aglomerado de unidades prisionais do estado. Ressalte-se que a tematizao do contexto de tabalho do pessoal penitencirio vai ao encontro das diretrizes do DEPEN, no que tange a abordagem de saberes necessrios para uma qualificada formao e capacitao prisional destes servidores.

    No captulo IV, metodologia, locus e sujeitos da pesquisa tratamos a metodologia que estrutura o trabalho, as ferramentas utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa, quer seja, os questionrios e os dados institucionais, bem como, destacamos a Penitenciria Lemos Brito como locus da pesquisa e, como no poderia deixar de ser, analisamos, destacadamente, os sujeitos da pesquisa: agentes penitencirios e a populao carcerria da PLB, abordando as caractersticas scio-organizacionais dos agentes e dos sentenciados, pondo em relevo as complexidades existentes no ambiente prisional, entendo ser essa abordagem indispensvel para possibilitar que a sua ao contribua para uma formao qualitativa dos Agentes Penitencirios baianos na Escola Penitenciria.

    No captulo V, Anlise dos dados, analisamos o dados coletados conforme os objetivos da pesquisa, no sentido de identificar a tipologia, o perfil scio histrico e as qualidades fundamentais para o desempenho da funo do AP. Buscamos, tambm, traar seu perfil profissional pela tica dos internos e dos tcnicos

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  • penitencirios, e, por fim, abordamos os procedimentos operacionais de segurana e os entraves para a efetivao da dimenso pedaggica de sua atividade.

    No captulo VI, denominado Escola Penitenciria bases e pressupostos apresentamos a proposta de interveno da pesquisa, quer seja, a formulao em linhas gerais das bases para uma Escola de Formao Penitenciria sintonizada com as especificidades e o contexto scio histrico do sistema prisional baiano e em concordncia com o Plano Nacional de Segurana Pblica, o PRONASCI e os documentos de referncia do DEPEN: A Educao em Servios Penais: Fundamentos de Poltica e Diretrizes de Financiamento (2005), a Matriz Curricular Nacional (2006) e o Guia de Referncia Nacional para a Gesto da Educao em Servios Penais. Por fim, teceremos as consideraes finais.

    2 - O CONTROLE SOCIAL E A PENITENCIRIA Notas sobre a instituio de controle social e seus sujeitos

    2.1 O Controle Social e o Executor da Pena: consideraes socio-histricas

    Controle Social dentro de sua conceituao clssica entendido como o conjunto dos recursos materiais e simblicos que uma sociedade dispe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princpios prescritos e sancionados. (BOUDON e BOURRICAUD, 1993). Podemos compreender, ainda, o controle social como as formas pelas quais a sociedade introjecta os valores do grupo na mente de seus membros, para evitar que adotem um comportamento divergente, e, ainda, pelos organismos formais dos sistemas normativos e aparelhos de represso de uma dada sociedade.

    De uma forma ou de outra, o controle social tem por objetivo moldar o indivduo para que ele adquira o comportamento socialmente esperado. Assim, as organizaes ou mecanismos sociais que controlam o funcionamento do grupo, da instituio e dos indivduos, so fundamentais para a organicidade de uma sociedade, pois buscam suprir a necessidade do ser humano de se sentir seguro, protegido e respaldado por regras claras; ou seja, uma sociedade sem os valores e

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  • os limites assegurados pelas instituies, levaria o indivduo ao desespero. Sem instituies o mundo se constituiria apenas em relaes de foras, e nenhuma civilizao seria possvel (ENRIQUEZ, 1991, p.8).

    Segundo Pablo de Molina a sociedade estabelece diversas e diversificadas instituies encarregadas de regular a ordem social. Quando as instncias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instncias formais, que atuam de modo coercitivo e impem sanes qualitativamente distintas das sanes sociais: so sanes estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status de desviados, perigosos ou delinquentes. (MOLINA, 2002, p. 134).

    Assim, de acordo as concepes durkheinianas, temos que a primeira agncia ou instituio de controle social a famlia. Desde seu nascimento a criana aprende a ser gente a partir de parmetros de seu grupo familiar; num segundo momento temos outras tantas agncias de socializao secundria, categorizadas por Louis Althusser, (2003), como aparelhos ideolgicos e repressivos do Estado13. A perspectiva Althusseriana enquadra a Igreja e a Escola, dentre outras instituies, como aquelas de carter ideolgico, sendo que a polcia e a priso (a despeito dessa ltima incorporar atribuies contempornea reintegradoras) figuram como instituies repressivas, cuja funo histrica o combate ao comportamento indesejvel, utilizando-se do uso da fora enquanto instrumento legtimo e exclusivo do Estado.

    Para Durkheim (1978, p.120), as instncias formais de controle entram em ao quando o crime ofende certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particulares. Alvarez (2004, p.169) ressalta que, a pena a reao coletiva que, embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na realidade reforar a solidariedade social entre os demais membros da sociedade e, consequentemente, garantir a integrao social. J Ivone Freire, no seu livro Polcia e Sociedade: Gesto de Segurana Pblica, Violncia e Controle Social (2005) realiza uma leitura dos clssicos da sociologia a partir das reflexes de Becker (1963), Michel Foucault (2004), Erwing Gofman (1982) para investigar o fenmeno do controle institucional e da dicotomia ordem x conflito nas ditas 13Ver Althusser: Aparelhos Ideolgicos do Estado, Ed. Graal, RJ, 2003.

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  • sociedades de controle. A autora enfatiza tambm que, embora o estudo sistemtico sobre o controle social se inicie somente no incio do sculo XX, o controle em si, enquanto fenmeno sociolgico e mecanismo de manuteno da ordem, sempre existiu na histria da humanidade e est relacionado a diversas formas de punio aplicveis queles que transgrediram as regras de convvio em sociedade:

    Controle Social varia em forma e contedo, de sociedade para sociedade. difcil imaginar a existncia de uma sociedade que no adote qualquer dispositivo de segurana, visando conteno das condutas que ameaam sua prpria ordem. (COSTA, 2005, p. 58).

    Isto posto, entendemos que, embora na contemporaneidade a pena privativa de liberdade seja a alternativa mais utilizada pela maioria das naes de cultura ocidental quando o assunto versa sobre a punio aos transgressores das regras de convvio social, pode-se afirmar, conforme os estudos dos alemes Georg Rusche e Otto Kirchheimer em Punishment and Social Structure(1939) apud Foucault 2004, que ao longo de um grande percurso, da antiguidade at os dias atuais, conforme o perodo histrico, modo de produo e o formato poltico/ideolgico do Estado, as sociedades humanas utilizou variadas formas de punio em nome da sustentao da ordem, o que permite afirmar que para se preservar valores estruturantes de dada sociedade, cada sistema de produo descobre o sistema de punio que corresponde as suas relaes produtivas, vez que, conforme Karl Marx14, o modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral de determinada sociedade.

    Dito de outra forma, na medida em que a configurao estatal e os elementos estruturantes das sociedades foram se alterando e, conforme preceitua a tradio marxista de que todo sistema de controle se fundamenta sobre relaes de produo historicamente determinadas, tambm houve fuso, reconfigurao e atualizao do aparato punitivo (formas e tcnicas de punio), bem como reconfigurao dos profissionais encarregados pela operacionalizao de tal engrenagem punitiva.

    14 MARX, Carl. Para a crtica da economia poltica. Salrio, preo e lucro. Abril Cultural, 1982.

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  • Conforme Melossi e Pavarini (2006, p. 21), na sociedade pr-capitalista medie-val, se o crcere era admitido como instituio, no se verificava a pena de interna-mento como privao de liberdade. Ou seja, nesta fase, a natureza do crcere era essencialmente processual, no se podendo admitir a utilizao da simples privao da liberdade, prolongada por um determinado perodo de tempo e no acompanha-da por nenhum outro sofrimento fosse conhecida e, portanto, prevista como pena autnoma e ordinria. Em suma, o crcere operacionalizado pelo carcereiro era utili-zado como uma espcie de sala de espera, at o momento da aplicao das penali-dades devidas por outro personagem: o carrasco. Penalidades que, alm da pena de banimento, consistiam em punies corporais, inclusive a pena capital com seus instrumentos de mutilao por esquartejamento, queima, marcao de corpos, etc.

    Na medida em que a Europa comea a incorporar as prticas econmicas mercantilistas, e com o avano das transformaes econmicas sociais no contexto da revoluo industrial, os castigos corporais e a deportao para as colnias da Amrica, sia e Austrlia entram em desuso, sendo substitudas pela prtica de encarceramento dentro da concepo de - casas de correo para transformar vadios em laboriosos operrios. Assim, o carcereiro passa a ser a figura de destaque, encarregada pela operacionalizao deste aparato repressivo do Estado.

    A partir da discusso sobre o modelo de execuo penal verificado na Antiguidade e no Estado Feudal, busca-se por em relevo as diferentes representaes dos profissionais encarregados pela execuo penal conforme a preponderncia que carrascos e carcereiros desempenharam nestes dois modelos distintos de represso social.

    2.2- Sobre a Execuo Penal na Antiguidade, na Idade Mdia e no Perodo Iluminista

    A imagem do Estado antigo se fez representar com tamanha eloquncia na vida urbana da cidade. A partir da cidade se irradiavam as dominaes, as formas expansivas de poder e de fora, conforme Paulo Bonavides aponta em sua obra Teoria Geral do Estado (2007):

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  • Foi no espao da cidade e sob sua jurisdio que, durante a antiguidade, a soberania desempenhou seu poder, a partir de uma forma de autoridade secular e divina expressa na vontade de um titular nico - o fara, o rei, o imperador -, de quem cada ente humano, cada sdito tributrio (BONAVIDES, 2007, p. 32).

    As tradies e os valores morais tributrios deste modelo de sociedade, segundo Bobbio (1994)15 erigiu um arcabouo punitivo cujos parmetros culturais e valores morais utilizavam o artifcio da vingana como elemento basilar de punio. O Cdigo Penal da Sociedade Babilnica, conhecido como Lei de Talio, ou Cdigo de Hamurabbi, serviu como referencia de ordenamento jurdico que se estendeu s demais sociedades da poca.

    Segundo Foucault (2004), neste tipo de sociedade, considerava-se que o transgressor, alm de agredir sua vtima imediata, atacava o soberano; atacava-o pessoalmente, pois a lei vale como a vontade do soberano; atacava-o fisicamente, pois a fora da lei a fora do prncipe. Desta forma para que uma lei pudesse vigorar neste reino, era preciso necessariamente que emanasse diretamente do soberano, ou pelo menos que fosse confirmada com o selo de sua autoridade. (MUYART DE VOUGLANS, 1780 apud FOUCAULT, 2004). Vlidas, ainda, as consideraes deste autor sobre soberania e disciplina na obra A Microfsica do Poder (1979):

    Afirmar que a soberania o problema central do direito nas sociedades ocidentais, implica, no fundo, dizer que o discurso e a tcnica do direito tiveram basicamente a funo dissolver o fato da dominao dentro do poder, para, em seu lugar, fazer aparecer duas coisas: por um lado, os direitos legtimos da soberania, e por outro, a obrigao legal da obedincia. O sistema de direito inteiramente centrado no rei. (FOUCAULT, 1979, p.181).

    Portanto, cabia ao Rei, no exerccio da representao divina, agir para restabelecer o equilbrio que sustentava a coeso social, em suma, retribuir o mal na sua justa medida: olho por olho, dente por dente, ai incluso a pena de morte executada em praa pblica, quer seja, aplicada na fogueira, na forca, por afogamento ou empalao. Segundo Foucault:

    15 BOBBIO, Norberto. Sociedade e estado na filosofia poltica moderna. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.

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  • O suplcio penal no corresponde a qualquer punio corporal: uma produo diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcao das vtimas e a manifestao do poder que pune: no absolutamente a exasperao de uma justia que, esquecendo seus princpios, perdesse todo o controle. Nos excessos dos suplcios, se investe toda a economia do poder. (FOUCAULT, 2004, p.31).

    Os suplcios corporais da Lei de Talio, a despeito da Babilnia, se verificaram nas cidades que se encaixavam em tais caractersticas: Assria, Judia, Nvine, Tebas, Esparta Atenas, Roma, etc., com o objetivo de aterrorizar o corpo social, dissuadi-lo de quaisquer inssureies, sendo parmetro para diversos povos, como exemplo os hebreus com a pena de morte por apedrejamento e os romanos com a pena de morte por crucificao.

    Assim, representa-se um vigoroso modelo de punio para garantir a vingana do soberano sobre os transgressores, cujo funcionamento obedece a seguinte engrenagem: a execuo penal baseada no sofrimento fsico do supliciado atravs da mutilao do seu corpo que acontecia como espetculo aos olhos da populao, tendo nos carcereiros e carrasco as figuras encarregadas pela concretizao da execuo penal.

    importante destacar que este modelo punitivo foi marcante durante o feudalismo, quando a representao de poder do Estado teocrtico monotesta era sustentado pela Igreja catlica. Destaca-se, a Inquisio16 como instrumento encarregado de fazer a justia divina, no combate s heresias e a todas as formas de contestao aos dogmas da Igreja e a legitimidade do poder temporal. Para Melossi e Pavarini:

    Se a justia divina deveria ser o modelo com o qual se mediam as sanes, se o sofrimento era socialmente considerado um meio eficaz de expiaco e catarse espiritual como ensinava a religio, no havia mais nenhum limite a execuo da pena. De fato esta se expressava na imposio de sofrimentos tais que pudessem de algum modo antecipar e igualar os horrores da pena eterna. (MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.23).

    16A Inquisio foi um tribunal eclesistico criado na Idade Mdia para combater as heresias e vigiar os judeus e muulmanos convertidos ao cristianismo

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  • Eis que os inquisitores identificavam, julgavam e condenavam os indivduos suspeitos de heresia atravs dos castigos de carter retributivo/expiativo: morte pelo fogo, banimento, trabalhos nas galerias dos navios e priso, que objetivavam atingir o sentenciado naqueles bens socialmente valorados, tais quais: a vida, a integridade fsica e o status. Eis as funes concretas e simblicas intrnsecas ao ritual punitivo, descritas por Foucault:

    O suplcio se inseriu to fortemente na prtica judicial, porque revelador da verdade e agente do poder. Ele promove a articulao do escrito com o oral, do secreto com pblico, do processo de inqurito com a operao de confisso; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo visvel do criminoso, faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e anule. (FOUCAULT, 2004, p.47).

    Segundo Michel Foucault (2004), somente em meados do sculo XVI tal mtodo, at ento especfico da Igreja, passa a ser utilizado como parmetro punitivo baseado no encarceramento sistematizado contra os que subverteram a ordem escolstica/medieval. Concepes que foram sinalizadas por Trindade (2008):

    A Igreja foi a principal inspirao dos sistemas penitencirios que se espalharam pelo mundo ocidental no sculo XIX. A palavra penitenciria tem suas origens nas formas e punio do clero desde a Idade Mdia. Um dicionrio do sculo XIX a definiu como tribunal da Cria Romana em que se concedem dispensas e absolvies em nome do papa. Penitncia como castigo, punio, arrependimento. Penitencirio como o cardeal que preside a penitenciria, o eclesistico que impe penitncia, e absolve de casos reservados. (TRINDADE, 2008, p. 06).

    Destaque-se entretanto, que embora o Estado laico tenha se inspirado na metodologia penitencial do clero, seu modelo de penitenciria seguiu caminho prprio, em decorrncia das transformaes que ocorreram no sculo XVIII no contexto das revolues americana, francesa e industrial e da derrocada do antigo regime feudal, que desencadeou um intenso processo de transformao poltica social na Europa ocidental, batizado como Era das Luzes17. No que tange a representao poltica do Estado, o movimento se singularizou por retirar o poder da influencia isolada da figura do soberano e o diluiu entre as representaes da

    17Destaque para o libelo da Revoluo Iluminista de 1789 - A Declarao Universal dos Direitos Humanos.

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  • monarquia parlamentar, composto pelo prprio Rei, a Aristocracia e demais representantes da sociedade que passam a governar com base numa carta constitucional. Desta forma, tal modelo social baseado no racionalismo, ao questionar a teologia, desloca o foco de ateno para os fenmenos de ordem humana e natural, lanando luzes sobre o indivduo e aprofundando a compreenso e a anlise do chamado processo civilizatrio de concepo burguesa liberal.

    Neste aspecto, Martn Arangur, em seu trabalho As Prises da Reforma I A reforma penitenciria em questo (2009, p. 06), salienta que as primeiras penitencirias foram concebidas para servirem de anttese aos crceres, combatendo o privilgio, a extorso, o abuso, a ociosidade, o vcio, a embriaguez, o jogo, a mistura, o contubrnio, o gio, a porosidade desenfreada. Eis que a Modernidade e o chamado Estado democrtico de direito traz consigo o paradigma do tratamento penitencirio, conforme salienta Zafarroni, (1999, p. 276). manifesto que entre os sculos XVIII e XIX opera-se uma transformao na pena, que passa das penas corporais s privativas de liberdade e do mero castigo correo. Atento ao que j detalhava Foucault, (2004, p.13), quando assevera que neste novo paradigma de justia e punio, o corpo do condenado, se houver necessidade de ser tocado, tal se far distncia, propriamente, segundo regras rgidas e visando a um objetivo bem mais elevado, o que ir ensejar novos personagens encarregados pela execuo penal.

    Por efeito dessa nova reteno, um exrcito inteiro de tcnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os mdicos, os capeles, os psiquiatras, os psiclogos, os educadores; por sua simples presena ao lado do condenado, eles cantam justia o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que o corpo e a dor no so os objetos ltimos de sua ao punitiva. (FOUCAULT, 2004, p.13).

    Enfim, no que se refere s transformaes dos profissionais e tcnicas de punio, em que pese a persistncia da execuo penal por mutilao corporal, o encarceramento e com ele as funes de carcereiro foi se consolidando no papel de controle e fiscalizao do apenado, no sentido de faz-lo permanecer trancafiado em crcere durante a vigncia do perodo de cumprimento da pena.

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  • Nesta direo, buscam-se contemplar, nos objetivos do encarceramento, as concepes de reforma e o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, como prescreve os artigos 7, 8 e 9 da Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado (1979). Foi Cessare Bonessana ou simplesmente o Marques de Beccaria em sua obra Dos Delitos e Das Penas, (1764), quem trouxe contribuies relevantes para a humanizao do direito penal ou, dito de outra forma, quem estabeleceu as bases humanitrias da pena de privao de liberdade em substituio ao flagelo do corpo. Segundo Foucault, (2004).

    O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos ltimos sculos um fenmeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenmeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e "humanidade". Na verdade, tais modificaes se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ao punitiva. Reduo de intensidade? Talvez. Mudana de objetivo, certamente. (FOUCALUT, 2004, p.17)

    Para o autor, definitivamente, o sculo XIX solidifica a privao de liberdade ou aprisionamento humano como o tipo ideal de modelo de punio que ser utilizado em larga escala pela maioria dos Estados ocidentais modernos, mesmo considerando que a pena privativa de liberdade continuou coexistindo com as antigas prticas de punio do antigo regime. A ttulo de exemplo, vale registrar que a Frana manteve a punio por deportao para suas coloniais do alm-mar at o final do sculo XIX, bem como, ainda nos dias atuais do sculo XXI, dezenas de estados do Estados Unidos da Amrica ainda utilizam a pena de morte como execuo penal para determinados tipos de crime.

    Em se tratando em execuo penal por privao de liberdade e tratamento penitencirio, foi o ingls John Howard, em sua obra The state of prisions in England and Wales (1776), quem estabeleceu as bases da disciplina e correo prisional sustentada no recolhimento celular, no trabalho dirio, na reforma moral pela religio e nas boas condies de higiene e de alimentao para os prisioneiros. Contudo, na prtica o predomnio do modo de produo, baseado na garantia da propriedade privada, no antagonismo entre capitalistas e proletrios, na produo em longa escala e na fbrica militarizada, colocam os ideais de privao de liberdade como preocupao primeira em detrimento dos reclames de humanizao,

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  • o que significa dizer que o elemento disciplinar ser a preocupao fundamental da administrao prisional.

    Eis que, a cincia para consolidar tal entendimento se consumiu em experimentos arquitetnicos visando construir um modelo de penitenciria cujo formato das celas fosse capaz de transformar um corao viciado num corao virtuoso Reynolds apud Melossi e Pavarini (2006), sendo o panptico do ingls Jeremy Bentham (1791) o modelo arquitetnico por excelncia capaz de cumprir as diretrizes de transformar os corpos rudes dos indivduos encarcerados em corpos dceis. A priso, pois, buscava submeter o prisioneiro hegemonia burguesa e ao acatamento do ritmo alucinante do trabalho fabril: o novo veculo de desenvolvimento e prosperidade social. Assim, passou-se a assistir a um processo de efetiva perseguio pobreza e mendicncia visando consolidao de padres morais de valorizao do trabalho e da prosperidade, cujas Casas de Correo se constituiro em espaos privilegiados para o internamento dos condenados, (Trindade, 2006). Tais mudanas scio/poltico/econmica, de uma sociedade em constante transformao, no que tange o paradigma prisional, foram previstas novas funes a serem desempenhadas no ambiente penitencirio. Alm das concepes de segurana e vigilncia, a disciplina, ser a tcnica punitiva fundamental para o personagem denominado Guarda Prisional das Casas de Correo.

    2.3 - Sobre o surgimento da Penitenciria e do Guarda na Bahia do sculo XIX

    Os estudos sobre as prises no Brasil, especificamente o de Marcia Pereira Pedroso (2010), Albuquerque Neto (2008) e os trabalhos de Cludia Moraes Trindade (2007, 2008 e 2012) indicam que o movimento pela modernizao penitenciria no Brasil, ou o primeiro impulso reformador brasileiro, inicia-se no primeiro quarto do sculo XIX. Ao que parece, o regime escravocrata em vigor no perodo colonial e imperial, respaldado nas Ordenaes Filipinas18, manteve no pas 18O Brasil por ser territrio portugus do alm-mar no gozava de autonomia e soberania administrativa/constitucional. Desta forma as Ordenaes Filipinas Portuguesas, (que vigorou de 1603 at o advento do Cdigo Criminal do Imprio de 1830) representou o devido instrumento legal em substituio ao cdigo criminal. De acordo s aludidas ordenaes a colnia era local de cumprimento de pena de degredo.

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  • os vingativos e cruis mtodos punitivos medievais de execuo penal voltada contra o negro escravizado at o final do sculo XIX, por consequncia, por no reconhecer no homem encarcerado (o negro africano) um ser-humano digno do estatuto de cidado, dificultou o impulso reformador da execuo penal iluminista j presente em solo europeu desde o sculo XVIII.

    A pesquisadora Jaci Maria de Menezes em seu artigo As duas pedagogias: Formas de educao dos escravos (2007), com base nos estudos de Jaime Pinsky (1988), sustenta que a organizao social escravista no Brasil, buscava, com a proposta pedaggica da escravido, a perpetuidade, a transmisso hereditria via maternidade e a irrestrita alienabilidade, atravs de dois processos: a escravizao propriamente dita, e a inculcao da submisso, (PINSKY, 1988, apud Menezes, 2007, pg.153). Dentro desta lgica, a formao do escravo passava por variados instrumentos pedaggicos que visavam:

    a inculcao da sua condio de escravo, do papel que devia desempenhar e dos seus deveres. Esta inculcao se dava tanto atravs da catequese, da religio catlica, como atravs de todo um sistema de punies, de castigos, que demarcavam perfeitamente o seu lugar de escravo. (MENEZES, 2007, 153).

    O segundo instrumento pedaggico de dominao era a coero violenta - a utilizao sistemtica dos castigos, hierarquizados formalmente de modo a obter o trabalho compulsrio, a obedincia absoluta e a submisso, tais quais a utilizao da pena de aoites, o tronco, a gargalheira, a mscara de flandres, as correntes e todos os castigos aviltantes, com a finalidade de humilhar e submeter o negro escravo. Em relao ao terceiro elemento, MENEZES identifica como:

    A violncia institucional - a represso, atravs do aparelho policial, e diante de crimes. Havia uma tipificao de crimes de escravos, punidos por aoites pblicos, que deixaram de existir apenas um ano antes da abolio. Faziam parte da ao desta violncia institucional a existncia de uma polcia especial, os capites do mato, os calabouos dedicados a escravos, a condenao a servios forados, etc. (ibid. p.154).

    Dentro desta tica, os profissionais encarregados em fazer girar a engrenagem punitiva de coero, represso e violncia, ou, dito de outra forma, os protagonistas

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  • do Estado para zelar pela aplicao das penalidades adscritas: utilizao da pena de aoites, o tronco, a gargalheira, a mscara de flandres, as correntes, suplcio corporal, pena de morte, calabouo, servios forados, fiscalizao e vigilncia dos prisioneiros, eram os carrascos19 e os carcereiros, cuja metodologia punitiva do Brasil perdurou-se at o sculo XIX.

    No incio do sculo XIX, em movimentos que antecederam a Independncia do Brasil20, a proeminncia de legisladores brasileiros fez com que a Constituio do Imprio de 1824, determinasse a criao, o quanto antes, de um Cdigo Civil e Criminal, fundado nas solidas bases da Justia, e Equidade. (art.179, XVIII da Constituio de 1824). Nota-se que o Brasil apressava-se em estabelecer inovaes penais sintonizadas com a tendncia mundial de modernizao do sistema prisional (priso adaptada ao trabalho, separao por regime penal, etc.), os quais, como j visto neste trabalho, teve inicio na Inglaterra e nos Estados Unidos sob os auspcios do iluminismo, do advento do Estado Moderno e da consolidao do modelo capitalista de produo do final do sculo XVIII. Sobre este aspecto, Albuquerque Neto, (2008) em seu trabalho de dissertao de mestrado A Reforma Prisional no Recife oitocentista sustenta que:

    A reforma prisional foi pensada a partir do que ditava o Cdigo Crimi-nal de 1830 e visou construo, em todo o Imprio, de estabeleci-mentos onde pudessem ser aplicadas as penas de priso simples e, principalmente, de priso com trabalho, objetivando a correo moral do criminoso e sua consequente devoluo ao convvio social, mori-gerado, disciplinado e acostumado com a rotina do trabalho. Com isso, o Brasil se inseria no rol das naes civilizadas, se mostrava ao mundo com ares de pas moderno, cujo trato de seus prisioneiros po-dia ser comparado com os referenciais europeus e norte americanos. (ALBUQUERQUE NETO, 2008, p.21).

    19Conforme os trabalhos de Dissertao de Rita de Cssia Salvador de Souza Barbosa Da Rua ao Crcere. A Rua do Crcere. SALVADOR (1808 - 1850) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007 e de Cludia Moraes Trindade A Casa de Priso com Trabalho da Bahia, 1833-1865. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.20O Artigo da historiadora Cludia de Moraes Trindade: A reforma prisional na Bahia Oitocentista nos traz indicaes de quem em 1821, (data anterior a Independncia do Brasil de 1822, da Constituio do Imprio de 1824, do Cdigo Criminal de 1830) deputados brasileiros, entre eles o baiano Cipriano Barata viajaram para a Europa para tratar de negcios do Brasil, entre os quais sobre mudanas no aparelho prisional, as quais deveriam comeavam na Bahia com a interdio da priso do forte de So Pedro (tratada como infernal masmorra pelos parlamentares), bem como a destruio de seus objetos de tortura, solicitando que tal ordem fosse extensiva a todo o territrio brasileiro onde houvesse priso desse tipo.

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  • Neste contexto, a Casa de Correo da Corte, inaugurada em 1850 na provncia do Rio de Janeiro, foi a primeira penitenciria da Amrica Latina. So Paulo inaugurou sua Casa de Correo em 1852, seguida de Pernambuco, em 1855, e da Bahia, em 1861, e assim, as penitencirias foram sendo implantadas nas demais provncias brasileiras (TRINDADE, 2012).

    Eis que a Bahia, na perspectiva de se ajustar aos caminhos da execuo penal baiana bssola norteadora do projeto civilizador iluminista, funda a CPCT - Casa de Priso com Trabalho em 1861, na marinha fronteira ao Engenho da Conceio no prdio que hoje abriga o Hospital de Custdia e Tratamento,21 na localidade conhecida como Baixa do Fiscal. De Penitenciaria da Bahia recebe o nome de Penitenciria Jos Gabriel de Lemos Brito, para, em definitivo, receber o nome de Penitenciria Lemos Brito em 1939. Finalmente em 1951, o estabelecimento foi transferido da Baixa do Fiscal para o bairro da Mata Escura, onde funciona at os dias atuais, (GOMES, 2009).

    Tal alterao de metodologia punitiva requer uma reorientao das atribuies dos profissionais encarregados pela segurana, vigilncia e controle interno do crcere, cuja denominao passou a ser: Guarda. Para o desempenho da profisso de guarda da penitenciria baiana, conforme o perfil tipo ideal traado pela instituio, buscava-se homens forte, sadios e ativos e de preferncia que soubessem ler e escrever, solteiros ou vivos e sem filhos22. Entretanto, os selecionados de fato, eram pobres, com famlias numerosas, muitos deles militarem reformados e ex-combatentes da guerra do Paraguai. Em que pese ter que trabalhar em crceres insalubres, o que ensejava constantes afastamentos por problemas de sade, bem como por no haver treinamento para o ingresso na profisso, as vagas para guarda de presdio eram muito disputadas, devido ao privilgio de se ter emprego pblico e assalariado no contexto social do sculo XVIII. (MATTOSO, 1978 apud TRINDADE, 2012).

    21Segundo Trindade a Casa de Priso s foi inaugurada aps trs dcadas de indecises acerca de qual paradigma seguir entre o seu processo de construo (1832) e sua efetiva inaugurao (1861). 22Regulamento da Casa de Priso com Trabalho, Titulo 2, Captulo I - Dos empregados suas nomeaes e atribuies. TRINDADE 2012. pp.15-16.

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  • A terminologia guarda, para identificar os encarregados pela segurana e disciplina prisional, persistiu durante o primeiro quarto do sculo XX, conforme o Livro de Expediente do Guarda Chefe da Penitenciria da Bahia, datado de 23 de fevereiro 1917 assinado pelo Guarda Chefe Durval Borges (ver Anexo A):

    O servio de hoje fez-se da seguinte forma. O guarda Sr Costa ficou de planto na entrada das galerias e contou a 3 galeria, o guarda Sr Brasilino fiscalizou o servio de cosinha, refeitrio, e contou a 2 galeria, o guarda Sr Joventino ficou de planto na frente das officinas e contou a 1 galeria, o guarda Sr Austricliano fiscalizou o fundo das officinas, e contou a 4 galeria, o guarda Sr Oliveira, fiscalizou o servio de fachina e contou a 5 galeria, o guarda Sr Albrico fez o servio de ronda e contou a 6 galeria, os guardas Sr Almeida e Octaviano, esto em goso de folga. Levo ao conhecimento de V.S que hoje foi solto por alvar, o recluso, Jos Cndido de Souza n 351, e seguiu para Casa de Correo o recluso Manoel Novaes Guimares n 312, p substituir Jos Heledorio de Britto n 125 o qual se achava na obra na mesma casa de Correo, hoje no deu entrada a nenhum recluso. A casa tem 263 reclusos, sendo 245 bons e 18 doentes, continua ainda mais um detido aguardando julgamento por ordem do Dr secretrio segurana pblica. (ARQUIVO PLB, 23/02/1917).

    Ressalte-se que tais registros oficiais das atribuies do guarda: vigilncia, fiscalizao, contagem e ronda, demonstram uma ateno restrita s atividades de segurana que acabam definindo o alcance esperado da teraputica penal atravs da atuao destes profissionais.

    2.3.1- Sobre o Guarda de Presdio e o Assistente de Presdio baiano

    O Estado de So Paulo, atravs do Decreto n 3.706 de 29 de abril de 1924, ser o primeiro a oficializar em ato governamental, a nova nomenclatura Guarda de Presdio, bem como regulamentar suas atribuies, entre as quais destacamos a de exercer a maior vigilncia sobre os condenados, espreitando suas aces e movimentos, observando si elles a cumprem os seus deveres, dando parte aos seus chefes das infraces que observarem; (letra a, art 152 do Decreto 3.706 de 1924). A Bahia seguir o mesmo caminho somente na segunda metade do sculo XX, quando, atravs da lei 1613 de 12 de janeiro de 1962, a terminologia Guarda de Presdio, ser oficialmente atribuda a estes profissionais. Buscava-se candidatos com bom ndice de robustez fsica; idade entre 18 e 30 anos; instruo de nvel

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  • correspondente ao curso primrio completo, cujo dever bsico estava relacionado aos servios de vigilncia de detentos, exemplificados nas seguintes atribuies:

    Velar pela segurana e disciplina dos presos, evitando fugas, conflitos e roubos; assumir responsabilidade pela limpeza e conservao dos edifcios, ptios, etc.; fazer rondas peridicas; investigar quaisquer irregularidades verificadas; fazer relatrios e prestar informaes sobre os servios efetuados; executar outras tarefas correlatas. (LEI 1613 /1962).

    Vale destacar que at 1962 o funcionrio do crcere, ou seja, o profissional que trabalha no sistema penitencirio era denominado guarda de presdio. Com a edio da Lei 4.697/87, os cargos de provimento permanente do servio pblico civil estadual foram reunidos em grupos ocupacionais integrados por categorias funcionais identificadas em razo do nvel de escolaridade e habilidade exigida para o exerccio das atribuies (Art. 1 da Lei 4.697/87), conforme definio prevista no Art. 4, demonstrada no Quadro 1, a seguir:

    QUADRO 1 Definio dos Cargos do Servio Pblico do Estado da Bahia

    I AUXILAR

    Compreende as atividades inerentes aos cargos de reduzida complexidade, a nvel de apoio s aes desenvolvidas nas diversas reas, exigindo pouca escolaridade formal (elementar ou 1 grau incompleto), ou nenhuma;

    II AGENTE

    Compreende as atividades inerentes aos cargos caracterizados pelas aes de pequena complexidade, exigindo escolaridade correspondente ao 1 grau completo;

    III ASSISTENTE

    Compreende as atividades inerentes aos cargos caracterizados por aes de alguma complexidade, exigindo conhecimento e domnio de conceitos mais amplos, obtidos mediante escolaridade de 2 Grau completo.

    IV TCNICO

    Compreende as atividades inerentes aos cargos caracterizados pelas aes desenvolvidas em campo de conhecimento especfico, exigindo como requisito a formao profissionalizante de 2 grau ou provisionamento.

    Fonte: Lei: 4697/87

    O enquadramento dos atuais ocupantes dos cargos transformados nas Categorias Funcionais de Auxiliar, Agente, Assistente e Tcnico obedeceu correlao da nomenclatura entre o cargo anterior e o atual. Desta forma, sem ensejar mudana significativa de atribuies, os guardas de presdio com nvel de escolaridade primria, passaram a ser designado auxiliar de presdio e aqueles com

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  • o 1 grau completo forma designados agente de presdio. Entretanto, conforme os critrios do concurso pblico de 1989 que exigiu para os prximos ocupantes do cargo o nvel de instruo correspondente ao 2 grau completo, tantos os recm-aprovados no concurso como os antigos guardas de presdios que comprovaram o nvel de instruo exigida, passaram a receber a denominao de Assistente de Presdio e, de acordo ao Manual do Assistente de Presdio (SJDH, 1993), absorveram, ao rol de atividades de controle (mantendor da ordem e da disciplina), determinadas funes relacionadas humanizao e transformao do apenado, j que naquele contexto entendia-se o agente de presidido como profissional orientador e educador, que, pelo menos do ponto de vista formal, teria o foco centrado nas atividades de ressocializao do preso.

    O papel do Assistente de Presdio extrapola os limites de mantedor da ordem e da disciplina na unidade em que serve, ampliando-se no contato direto e rotineiro com o interno, revelando a figura do educador e orientador no desenvolvimento das qualidades indispensveis sua funo (MANUAL DO ASSISTENTE DE PRESDIO, SJDH, 1993).

    A nosso ver, no contexto de transio do regime militar para o regime democrtico havia a preocupao em mitigar o peso da represso, controle e disciplina que historicamente as denominaes Guarda e Agente carregavam sob os auspcios dos 20 anos de regime militar, neste sentido, a denominao de Assistente e suas atribuies, contemplou tais reclames, na medida em que carrega consigo os ideais de atendimento, escuta, orientao e apoio social.

    A seguir, apresentamos o quadro destes profissionais de segurana prisional no mbito do Estado da Bahia com suas diversas denominaes, sntese das atribuies, perfil, escolaridade, etc, que vai do sculo XIX - com a fundao da Casa de Priso com Trabalho (1861) - at o final do sculo XX, quando a nomenclatura do Assistente de Presdio foi substituda pela do Agente Penitencirio por fora da Lei 7.209/97 que cria o Grupo Ocupacional Servios Penitencirios. Entretanto, quanto ao Agente Penitencirio passaremos a abord-lo a partir do captulo 3

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  • 2.4- O Sistema Penitencirio e o Agente Penitencirio no Brasil Contemporneo

    No Brasil contemporneo, a Constituio Federal, as Constituies Estaduais, o Cdigo Penal, a Lei de Execuo Penal e os regulamentos prisionais estaduais, constituem os ordenamentos jurdicos e administrativos, que cumprem, em maior ou menor grau e de forma complementar, o papel de balizamento, fiscalizao e administrao das questes relacionadas pena de priso, a qual deve ser pautada no respeito integridade da pessoa humana e respaldado em programas de reinsero social do apenado. Estas que so diretrizes que ganharam peso poltico no contexto do perodo do ps-guerra (1948) por conta dos horrores das prises do regime nazista. Chamadas de campos de concentrao estas imensas prises coletivas utilizaram-se da tortura, mutilao fsica e do extermnio contra milhares de judeus, ciganos, negros, ativistas polticos e demais indesejveis do sistema. Prticas que sofreram, contundentemente, condenao pela comunidade internacional e foram classificadas como graves transgresses aos direitos humanos e barbrie contra prisioneiros.

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  • No sem razo a ONU, em consenso com seus estados membros, estabeleceu parmetros civilizados para serem adotados pela comunidade internacional, no tocante a preservao da dignidade do indivduo em cumprimento de sentena condenatria, basicamente atravs de dois tratados: A Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948) e As Regras Mnimas para Tratamento de Reclusos (1955). Este ltimo estabelece novas diretrizes para Execuo da Pena com nfase no mais na pura e simples punio e sim a partir de trs pontos centrais: Punir, Educar e Reinserir. Desta forma, a privao de liberdade que visa uma resposta penal em desfavor daqueles que cometeram delito, deve, dentre outras recomendaes, evitar quaisquer formas de discriminao. No haver discriminao alguma baseada em raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio poltica ou qualquer outra opinio, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou em qualquer outra situao (ONU, 1955).

    O Brasil por ser signatrio de tal conveno, do ponto de vista formal, inseriu nas suas diretrizes de execuo penal os ideais de resgate social do apenado. Agora o estabelecimento prisional, enquanto instituio deve agir como um sistema complexo onde cada setor e profissional ir desempenhar funes predefinidas em prol de um nico objetivo: Punir e reintegrar sociedade os violadores do contrato social, dentro daquilo que preceitua a Lei de Execues Penais23.

    lvaro Pires, em sua obra "Aspects, traces et parcours de la rationalit pnale moderne" (2008), pontua as trs grandes teorias da pena nas suas verses modernas, saber: A expiao, a dissuaso, a reabilitao24. Em suma, o contexto da pena privativa de liberdade se apresenta mais complexo do que jamais fora, quer seja, pelos seus objetivos concretos, quer seja, por seu forte componente simblico. neste perodo que, no tocante aos profissionais do crcere, sai de cena a figura isolada do guarda prisional, do auxiliar de presdio e entram em cena o agente penitencirio e os demais tcnicos profissionais, para atuar no sistema penitencirio,

    23Art. 1- A execuo penal tem por objetivo efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado e do internado Art. 10- A assistncia ao preso e ao internado dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno convivncia em sociedade. Art. 11 - A assistncia ser: I - material; II - sade; III - jurdica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.24

    A expiao/retribuio: Impor ao condenado o mesmo mau que ele causou como forma de expiao do erro cometido contra a sociedade (Durkheim, Kant). A dissuaso se prope a demover as pessoas do cometimento do delito por medo do castigo, portanto a sociedade precisa ver os corpos que sofrem (Becaria). A reabilitao: colocar na priso para readaptar, reeducar, reinserir, etc.

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  • o qual aqui entendido como o conjunto de estabelecimentos penais para a efetivao do controle social atravs da pena privativa de liberdade aos indivduos que cometeram infrao delituosa.

    O presdio/penitenciria carrega uma importncia simblica e objetiva, fundamental para a manuteno da ordem pblica, vez que pretende, ou diz pretender, punir os transgressores dos valores caros a sociedade. Assim, conforme Baratta (2002), interpretando Emile Durkheim (1978), a pena a reao coletiva que, embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na realidade reforar a solidariedade social entre os demais membros da sociedade e, consequentemente, garantir a integrao (Baratta, 2002, p.59), entretanto, o desvio deve ser encarado como prejudicial existncia, manuteno e desenvolvimento da estrutura social to somente quando so ultrapassados determinados limites. Para o autor, a ao delituosa cumpre a funo de provocar e estimular a reao social contra o comportamento criminoso e, por conseguinte, manter vivo o sentimento coletivo que sustenta os valores e as normas sociais. J Alvino de S, em sua obra Criminologia Clnica e Psicologia Criminal observa que:

    Ao delinquir, o indivduo concretiza um confronto com a sociedade. Ao penaliz-lo com priso, o Estado concretiza o antagon